BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quarteto para cordas em Mi bemol maior, Op. 127 [Gli Ultimi Quartetti per Archi – Quartetto Italiano]

Sendo um amador tão apaixonado quanto um admirador do seu talento, tomo a liberdade de lhe escrever para lhe perguntar se estaria disposto a compor um, dois ou três novos quartetos. Terei o maior prazer em pagar-lhe, pelo trabalho, qualquer quantia que considere adequada.


Assim Nikolay Borisovich Golitsyn escreveu de sua São Petersburgo natal a Beethoven, a quem conhecera durante os anos que passara em Viena.

Se o sobrenome de Golitsyn não é tão famoso quanto o de Andrey Kirillovich Razumovsky, é porque qualquer encomenda feita a Beethoven nos oitocentos e vintes entrava numa fila de espera da qual nada tinha qualquer previsão de saída. Assim, quando o conde (e depois príncipe) Razumovsky pediu a Ludwig três quartetos com temas russos, em 1806, a trinca de novas obras ficou pronta no mesmo ano e, mais ainda, acabou publicada sob o mesmo número de Opus, e alcunhada com o sobrenome que imortalizariam. Já em 1822, quando o príncipe russo seguinte, cujo sobrenome vocês também encontrarão transliterado como “Galitzin”, pediu três novos quartetos ao renano, talvez tenha se deixado levar pelo entusiasmo com que o compositor aceitou a proposta. Beethoven já tinha em seus planos dedicar-se só a quartetos de cordas, e um estipêndio generoso como o que pediu a Golitsyn viria bem a calhar para tapar as crateras de suas finanças. O que ele não contou ao príncipe é que, naquele momento, ele nadava no turbilhão composicional da Missa Solemnis e da Nona Sinfonia, alimentava a conta-gotas sua obsessão sobre uma valsa de Diabelli e dava os retoques em duas das três sonatas que prometera a Maurice Schlesinger – em outras palavras, que o príncipe não veria a cor de suas encomendas por um bom tempo. Assim, o russo teve que esperar que as duas pantagruélicas obras corais fossem finalizadas e estreadas para que os trabalhos nos quartetos começassem. Somente três anos depois, em 1825, Golitsyn receberia seu primeiro quarteto, o Op. 127, pelo qual pagaria a quantia prometida. As duas outras obras, Opp. 130 e 132, ser-lhe-iam também entregues, mas Ludwig não viveria para ver a cor do dinheiro delas. A dívida só foi saldada somente na década de 1850, quando Karl van Beethoven – sobrinho e único herdeiro do compositor – recebeu o pagamento devido.

Ao concluir o Op. 127, e evidentemente entusiasmado pela obra, Beethoven ditou a seu factotum Anton Schindler a seguinte carta aos membros do quarteto Schuppanzigh, todos eles seus amigos:


Meus melhores companheiros!

Cada um de vós está a receber aqui sua parte. E cada um de vós compromete-se a cumprir o seu dever e, o que é mais importante, compromete-se com palavra de honra a competir pela excelência com os outros. Cada um de vocês, participantes do referido empreendimento, deverá assinar este
papel.

BEETHOVEN

Schindler secretarius”

Não sei se alguém chegou a assinar o papel, mas a estreia – sob Ignaz Schuppanzigh, Franz Weiss, Joseph Linke e Karl Holz – foi mal ensaiada e acabou por ser, como talvez Beethoven a definiria, uma verdammte Scheiße. Ludwig descarregou sua indignação em Schuppanzigh, um homem extremamente obeso e alvo recorrente de seu escárnio (chegou a escrever um cânone a chamá-lo de Falstafferel (“Falstaffinho”) que, humilhação suprema, foi publicado e gravado), e cujos lipídios acusava de fazerem “tudo ficar mais lento”.

Tiririca com o desastre da estreia, Beethoven repassou o Op. 127 aos cuidados de um outro quarteto, liderado por Joseph Michael Böhm. Dessa feita, entretanto, resolveu ficar de butuca. Böhm deixou-nos o seguinte relato:

Quando Beethoven soube da péssima apresentação [a de Schuppanzigh] – pois não estava presente na estreia – ele ficou furioso e não permitiu que os artistas tivessem paz até que a desgraça fosse lavada. Ele mandou chamar-me logo de manhã e, com o seu jeito brusco de sempre, disse-me: ‘Tens que tocar o meu quarteto’, e o assunto foi resolvido. Nem objeções, nem dúvidas poderiam prevalecer; o que Beethoven queria tinha que acontecer, então dediquei-me à difícil tarefa. [O quarteto] Foi estudado e ensaiado com frequência sob os próprios olhos de Beethoven. Eu digo ‘olhos’ intencionalmente, pois o infeliz era tão surdo que não conseguia mais ouvir o som celestial de suas composições… Com muita atenção, seus olhos seguiam os arcos e, assim, ele foi capaz de constatar as menores flutuações de tempo e ritmo e corrigi-los imediatamente. No final do último movimento do quarteto, ocorreu um ‘meno vivace’ que me pareceu enfraquecer o efeito geral. No ensaio, portanto, aconselhei que o ritmo original fosse mantido… Beethoven, agachado em um canto, não ouviu nada, mas assistiu com tensa atenção. Depois do último movimento do arco, ele disse, laconicamente, ‘deixe assim’ – e foi até as mesas e riscou o ‘meno vivace’ nas quatro partes”

Fazer o encanzinado Beethoven mudar de ideia seria por si só uma proeza, e isso só atesta o quanto Böhm e seu grupo deviam ser bons músicos. A reestreia, sob eles, foi um grande sucesso que não só alegrou o compositor, como também salvou a pele (embora Ludwig, em sua correspondência, preferisse mencionar “der Arsch”) de Schuppanzigh, que teve uma nova chance com o compositor, estrearia seus quartetos seguintes e continuaria a ser a vítima preferencial de sua mordaz gordofobia.


Quem vem do mundo intensamente concentrado dos quartetos Opp. 74 e 95. ou da impetuosidade às vezes agressiva dos “Razumovsky”, surpreende-se com o Op. 127, o primeiro dos chamados “quartetos de cordas tardios”. Trata-se duma obra muito expansiva, em que Beethoven toma o seu tempo para desenvolver seus temas e expor suas ideias duma maneira notavelmente desprovida de tensão. O resultado, claro, é que ela acabou bastante longa – seu movimento lento sozinho, por exemplo, dura mais que todo quarteto Op. 95. Nada, entretanto, soa enfadonho. A tônica, parece, é a da leveza, e a sonata-forma não está a premir o desenvolvimento, que o compositor permite que siga em várias direções, sem premências de tempo.

Os solenes acordes de abertura, que tão somente anunciam a tonalidade, levam a um tema surpreendentemente pungente, ao qual se segue uma seção com toques nostálgicos e, brevemente, dramáticos. Na descrição certeira da musicóloga alemã Birgit Lodes, “neste quarteto, Beethoven solapou as qualidades direcionais e dinâmicas de um Allegro em sonata-forma, que é uma forma adequada para contar uma história teleológica única; ao invés, ele procurou evocar o que poderíamos chamar ‘tempo mítico'”.

É no mesmo “tempo mítico” que se desenvolve o terno segundo movimento. Baseado na forma de tema com variações, em que a imaginação de Beethoven – afinal de contas, o compositor das “Diabelli” – voa longe na modificação do singelo tema, oferecendo-lhe variações sucessivamente mais elaboradas e criativas. No Scherzando vivace, os instrumentos dialogam, às vezes retrucam, mas não há qualquer tensão, e tampouco ela faz falta. Há momentos geniais nas transições e cromatismo ousado no Trio, e tudo se arremata com uma linda coda. O Finale soa enganosamente simples, porque foi criado por um consumado mestre: com forte tom folclórico, desenvolve-se como se jamais fosse acabar, até que isso acontece de maneira engenhosa e pouco abrupta.

Segundo William Kinderman, autor já mencionado anteriormente, o Op. 127 é “uma composição fundamental entre as obras-primas de seu último período criativo, uma em que aspectos estruturais e simbólicos de suas duas grandes obras corais-orquestrais são absorvidos pela esfera da música de câmara”, e nisso estamos de completo acordo. Acrescento que, diferentemente da Nona e da Missa Solemnis, que graças às gravações podemos ouvir quantas vezes quisermos, o Op. 127 não causa qualquer saturação sensorial. Sua leveza e fluidez levam-no a transcorrer sem que quase o percebamos. Quando enfim o percebemos, e tudo acabou, sentimo-nos prontos a repeti-lo.


Antes de conhecê-lo pela reputação, conheci o Quartetto Italiano pela imagem que está logo abaixo: quatro fleumáticos músicos de perfil, encarando mediterraneamente a luz solar – avis rara, convenhamos, na iconografia de conjuntos de câmara -, como se acompanhassem uma passeggiata. Quando tive, enfim, a oportunidade de escutá-los, foi como se essa imagem se transportasse ao universo sonoro do Quarteto: o som do Italiano é, talvez, o mais belo entre os conjuntos de sua época. Nós outros, no século XXI, tivemos a grata sorte de tê-lo maravilhosamente gravado pela Philips para que hoje, cinquenta anos depois, ele nos chegue assim, tão fresco. O registro privilegia a naturalidade: ouvimos o virar das páginas, a respiração dos instrumentistas, os miados das cadeiras, e o eventual golpe em falso de algum arco. Nada disso, entretanto, há de lhes importar: o Italiano faz o luminoso Mi bemol maior do Op. 127 cintilar e, mais que qualquer outro conjunto, leva o Adagio nos tragar para aquele estado meditativo tão próprio a quem ouve o Beethoven tardio em seu “tempo mítico”.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127
Composto entre 1824-25
Publicado em 1826
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro

Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131
Composto entre 1825-26
Publicado em 1827
Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim

5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro

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Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130
Composto entre 1824-25
Publicado em 1827
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro

Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133
Composto entre 1825-26
Publicado em 1827
Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria

7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda

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Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132
Composto em 1825
Publicado em 1826
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato

Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135
Composto em 1826
Publicado em 1827
Dedicado a Johann Wolfmayer

6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro

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Quartetto Italiano:
Paolo Borciani e Elisa Pegreffi,
violinos
Piero Farulli,
viola
Franco Rossi,
violoncelo


BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 10 em Mi bemol maior, Unv. 3 (completada por Barry Cooper) – Weller

Propaganda enganosa?

Talvez.

O fato é que Beethoven começou a esboçar uma sinfonia em Mi bemol maior mesmo antes de completar a Nona, assim como iniciou a “Pastoral” durante o obsessivo trabalho na Quinta. No início do mesmo 1827 em que morreria, ele ofereceu o que seria sua Décima Sinfonia à mesma Sociedade Filarmônica de Londres que lhe encomendara a sinfonia anterior. Há relatos de seu sempre inconfiável factotum Schindler – alguém que lhe  foi indiscutivelmente próximo, mas que frequentemente falsificava documentos para dar a impressão de ser mais íntimo do compositor do que de fato era – dando conta de queBeethoven esboçava temas em Mi bemol maior e Dó menor alguns dias antes de cair no leito de morte. Uma outra fonte menos atochadora, o amigo Karl Holz, afirma que Beethoven lhe tocou os esboços duma nova sinfonia naquele mesmo ano cujo fim não chegaria a ver.

Ainda assim, quando o musicólogo e estudioso beethoveniano Barry Cooper surgiu com esquetes da alegada Décima Sinfonia e os planos de publicar uma versão passível de apresentação, houve frenesi e algum escândalo. Segundo Cooper, o material legado pelo renano, mesmo que espalhado por diversos cadernos de esboços e criptografados pela medonha caligrafia do compositor, fazia sentido o bastante para se perceber que  à mesma obra. Ademais, organizavam-se em torno dum Andante em Mi bemol maior e dum Allegro em Dó menor e, assim, correspondiam à descrição daquilo que Beethoven tocara para Holz.

Nas palavras de Cooper,


Como a maioria dos esboços de Beethoven para outras obras, aqueles da Décima sinfonia estão espalhados em vários conjuntos de manuscritos diferentes (quatro principais, e mais alguns acessórios, foram identificados até agora). Como de costume, eles não têm rótulos e são quase ilegíveis para quem não conhece bem a caligrafia idiossincrática de Beethoven. Consequentemente, foi somente na década de 1980 que os primeiros deles foram identificados com alguma certeza. Nesse ínterim, rumores sobre a Décima Sinfonia, iniciados principalmente por Holz e Anton Schindler, alimentaram especulações de que poderia haver um manuscrito completo escondido em algum lugar ou, alternativamente, que a sinfonia nunca havia sido iniciada e que os rumores eram infundados. Agora, porém, temos clareza e mais de 50 esboços são conhecidos, embora muitas perguntas ainda permaneçam sem resposta e seja bastante possível que mais esboços ainda sejam descobertos. Todos os esboços são muito fragmentários, nenhum contendo mais do que cerca de 30 compassos de música contínua; mas, para alguém familiarizado com os métodos normais de rascunho de Beethoven, eles dão uma ideia clara do tipo de movimento que ele tinha em mente. Além disso, eles contêm um material muito bom. Portanto, parece muito valioso tentar torná-los disponíveis para apresentações, preenchendo-os em uma versão de concerto, em vez de deixá-los em arquivos onde podem ser úteis apenas a alguns especialistas. Afinal, os esboços representam sons em vez de formas no papel e não podem ser avaliados completamente até que sejam ouvidos – e de preferência ouvidos num ambiente orquestral apropriado. O presente autor [Cooper] já estudara os esboços de Beethoven para inúmeras outras obras, em conexão com um livro que ele estava a escrever [Beethoven and the Creative Process, Oxford University Press] e, portanto, sentiu que estava em uma posição melhor do que a maioria dos estudiosos para tentar completar o primeiro movimento, embora a tarefa a princípio parecesse impossivelmente assustadora. Ao todo são cerca de 250 compassos de esquetes para o primeiro movimento. Alguns se duplicam ou se contradizem, deixando menos de 200 utilizáveis; mas muitos deles podem ser usados ​​mais de uma vez, por meio de repetições e reprises, como ocorre em todas as sinfonias de Beethoven (por exemplo, um tema esboçado para a exposição recorrerá na recapitulação). Os esboços, portanto, nos fornecem bem mais de 300 compassos, enquanto os 200 ou mais compassos restantes (dum total de 531) tiveram que ser adaptados dos mesmos temas básicos por vários meios (por exemplo, por transposição e sequência) e desenvolvidos da maneira normalmente própria a Beethoven. Assim, todo o material temático básico é de Beethoven; mas a harmonia apropriada teve que ser adicionada em lugares onde estava a faltar, e o movimento teve que ser orquestrado no estilo de Beethoven (com a ajuda de apenas algumas pistas dadas nos esboços), e passagens de ligação baseadas nos temas de Beethoven foram inseridas onde necessário.
O resultado, obviamente, não é o que Beethoven teria escrito e, em certos lugares em particular, ele provavelmente teria sido mais criativo. Também soa mais típico do período intermediário do que o Beethoven tardio, embora isso possa ser devido às conexões estreitas com as primeiros sonatas para piano. Não obstante, minha realização fornece pelo menos uma impressão aproximada do movimento que ele tinha em mente na época dos esboços e certamente está muito mais próxima da Décima Sinfonia de Beethoven do que qualquer coisa ouvida anteriormente. Portanto, é provável que ela seja extremamente interessante para qualquer pessoa que queira saber o que ele planejou para a sinfonia que viria após a Nona; além disso, também pode ser apreciada como uma peça musical, de uma forma que os esquetes fragmentários por si próprios nunca poderiam ser.”

Muito convincente, não?

O trabalho de Cooper foi publicado em 1988 e estreado por Walter Weller e a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, num evento organizado pela Sociedade Filarmônica de Londres que, 161 anos após a oferta de Beethoven, recebia a encomenda que lhe foi proposta. A primeira gravação foi feita por Wyn Morris à frente da London Symphony, acompanhada da gravação duma palestra de Cooper explicando o seu trabalho, e que pode ser encontrada no vídeo mais abaixo. Eu a escutei sem muito entusiasmo: parecia uma coleção de retalhos (o que, enfim, é verdade) com alguns meros gestos que permitiam reconhecer seu compositor, um balão semivazio que não ia a lugar algum.

No começo deste 2020, no entanto, descobri esta gravação do escocês Walter Weller, que teve distinta carreira em Viena antes de assumir a direção de orquestras em sua ilha natal. Weller parece resgatar aquilo de Beethoven que há no considerável esforço feito por Cooper, e chega muitas vezes até a convencer. Esse coto da Décima surge, ainda que sem o desenvolvimento coeso tão próprio do compositor, tanto com acenos para o passado, quanto com cromatismos que flertam com o futuro remoto, como se o Beethoven da “Eroica” e da “Quinta”, e principalmente o da “Pastoral” e da Nona – cujas citações são bastante óbvias nesse movimento – dialogasse com o Beethoven da “Grande Fuga” e o “proto-jazz” da Sonata Op. 111, e ambos tentassem um consenso para seguirem adiante. Se não é uma audição imperdível, parece-me pelo menos recomendável aos beethovemaníacos entre vós outros.

Completando o disco, mais uma gravação – inda outra – do Concerto Triplo, que acabou por ser o “arroz de festa” de nossa série, na qual faz sua quinta e (esperamos!) última aparição.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Dó maior para violino, violoncelo, piano e orquestra, Op. 56
Composto entre 1803-05
Publicado em 1807
Dedicado a Joseph Franz Maximilian, príncipe Lobkowitz

1 – Allegro
2 – Largo (attacca)
3 – Rondo alla polacca

Kalichstein–Laredo–Robinson Trio:
Joseph Kalichstein, piano
Jaime Laredo, violino
Sharon Robinson, violoncelo
English Chamber Orchestra
Sir Alexander Gibson, regência

Sinfonia no. 10 em Mi bemol maior, Unv. 3
Completada e orquestrada por Barry Cooper (1949)

4 – Andante – Allegro – Andante

City of Birmingham Symphony Orchestra
Walter Weller, regência

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O destemido Cooper, que certamente não tem medo de tomates, descreve aqui
(em inglês) o processo de estudo de esboços de Beethoven e da organização de
sua versão da Sinfonia no. 10

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 9 em Ré menor, Op. 125, “Coral” – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Giulini – Goodman – Haitink – Hogwood – Jansons – Karajan – Leibowitz – Rattle – Reiner – Scherchen – Schmidt-Isserstedt – Solti – Szell – Toscanini – Wand

Ao contrário da Missa Solemnis, uma obra-prima que pouca gente sabe amar, a Nona Sinfonia foi ensandecidamente querida desde sua estreia, em 7 de maio de 1824 – no mesmo concerto em que, curiosamente, algumas fatias da Missa foram pela primeira vez ouvidas em Viena.

Embora Beethoven tenha se dedicado à sua composição entre 1822 e 1824, os primeiros gérmens duma sinfonia em Ré menor datam de 1812. Sua obsessão com a “Ode à Alegria” de Friedrich von Schiller, no entanto, era ainda mais antiga: colocá-la em música já estava em seus planos desde 1793, meros oito anos depois da composição do poema. Não é difícil entender por que o texto calou tão fundo no jovem idealista e universalista, que idolatrava tanto a “Ode” e seu poeta que acabou por afogar-se em reticências e inseguranças cada vez que tirava da gaveta os planos de musicá-la.

Tais reticências começaram elas próprias a afogar-se quando, em 1817, a Sociedade Filarmônica de Londres encomendou-lhe uma nova sinfonia. Em verdade, fora Ferdinand Ries, seu aluno e conterrâneo, que o convidara para visitar a cidade com promessas de lucrativas turnês e exibições ao feitio das que enriqueceram o professor de Ludwig, o velho Haydn. Sabendo o quão baixo era o apreço de Beethoven pelas ilhas britânicas e seus músicos, não fica difícil imaginar que a ideia de visitá-las, mesmo para ganhar uma boa grana, o repelia. O contexto geral também não o ajudava: desilusões amorosas, desesperos gerais com a vida, a surdez completa que o afastara das salas de concertos e sepultara sua reputação de melhor pianista de seu tempo – e, acima de tudo, a amarga briga pessoal e judicial com a ex-cunhada Johanna pela custódia de seu sobrinho Karl, filho de seu falecido irmão homônimo. Tudo isso lhe quebrara os nervos e os bolsos, e as preocupações com o sobrinho só cresciam, de maneira que não deixou de ser um alívio abrir mão da turnê para aceitar a encomenda da nova sinfonia.

Ludwig, no entanto, resolvera encerrar seu hiato composicional com a imensa sonata “Hammerklavier”, praticamente uma sinfonia para piano solo, e logo em seguida enrolou-se com outras duas promessas: as três sonatas para piano encomendadas pelo editor Schlesinger (que viriam a ser suas últimas) e, enrolação máxima, a enorme missa para a entrada solene do arquiduque Rudolph como arcebispo de Olomouc. Isso tudo significou que apenas em 1822 – cinco anos após a encomenda da Sociedade Filarmônica – os trabalhos na sinfonia de fato começaram, com dedicação febril e integral a ela entre abril de 1823 e fevereiro de 1824, quando enfim a deu por completa.

Apesar de instigada por londrinos, Beethoven pretendia apresentar sua nova obra em Berlim, por pensar que naquela corte teria melhor acolhida do que em Viena, onde achava-se um tanto demodé, tamanho era o frenesi causado pelas óperas de Rossini, um compositor pelo qual não tinha qualquer apreço. A notícia da nova obra e dos planos berlinenses se espalhou. Em breve, amigos e patronos organizavam-se para demovê-lo da ideia, no que, surpreendemente, tiveram sucesso. A legendária teimosia de Beethoven fora vencida pelo apreço que ele percebeu em seu público, ansioso por ouvir uma sinfonia nova do maior compositor da Europa, depois de mais de doze anos. O hype foi tamanho que, na estreia da obra, o Kärntnertortheater estava abarrotado a ponto de precisarem colocar cadeiras no palco, além de  várias pessoas que ficaram de pé. Beethoven fez questão de reger a première e oficialmente conseguiu, embora o combinado com os músicos fosse que eles seguissem as indicações de Michael Umlauf – que acompanhara, anos antes, o patético desastre de um ensaio geral de Fidelio sob o compositor surdo, e decidira conduzir a obra longe de seu campo de visão. Aplausos irromperam ainda durante o scherzo, durante as intervenções dos tímpanos, que caíram no gosto do público. Ao final do terceiro movimento, ainda mais aplausos – e no fim, enquanto Beethoven ainda julgava estar a reger sua obra, a contralto solista tomou sua mão e mostrou-lhe a plateia que vinha abaixo em aclamação. O maior sucesso de sua vida, que o deixou irreconhecivelmente alegre, acabaria sendo sua última aparição pública ante uma plateia anônima.

Tanto se ama a Nona Sinfonia, e principalmente seu finale coral sem precedentes na história do gênero, que é difícil de imaginar que foi justamente ele o maior alvo de críticas. Muitos críticos e alguns colegas compositores não compartilharam o entusiasmo do público da estreia, e disseram (como Verdi, por exemplo) que Beethoven estragara a forte impressão dos três primeiros movimentos com um dantesco espetáculo de “partes mal escritas para vozes”. Outros, simplesmente, tascavam que, além de surdo, Beethoven ficara gagá e louco.

Não quererei ser eu a concordar com eles, inda mais quando se fala dum patrimônio universalmente amado da Humanidade, mas eu acho que compreendo os reproches. Os três primeiros movimentos, ainda que cheios de radicalidade, comportam-se como uma sinfonia tradicional – com o scherzo adiantado em relação ao movimento lento, como era costumeiro para o Beethoven maduro. Já o movimento coral parece inorgânico, alheio a tudo o que antecedera, rejeitando-o explicitamente, como mostram as breves recapitulações dos três primeiros movimentos – novamente algo sem precedentes – que parecem enxotadas pelos recitativos das cordas, ou a explícita afirmação do barítono, logo em sua entrada, com palavras escritas pelo próprio compositor, a conclamar os amigos a desprezarem “esses sons” entoarem algo mais agradável e alegre. Sem dúvidas, essa apoteose da alegria é uma conclusão convincente para uma obra que parece, no primeiro movimento, surgir dum vazio opressor. Por outro lado, o finale parece ter vida própria – e tanta que muitos que o conhecem de cor não têm ideia dos movimentos que o precederam. Ele funcionaria bem, inclusive, como uma sinfonia independente, pois ele dura mais que muitas das co da época, e não é impossível imaginá-lo com quatro movimentos: uma abertura (da introdução instrumental até “steht vor Gott”); um scherzo (da “música turca” de “Froh, wie seine Sonnen fliegen” até o final da estrofe com o coro, em “Wo dein sanfter Flügel weilt“); um movimento lento (de “Seid umschlungen, Millionen” até o início da fuga dupla); e a própria fuga dupla sobre “Seid umschlungen” e “Freude, schöner Götterfunken”, e tudo que se segue a ela, arrematando a “sinfonia dentro da sinfonia”.

O público de hoje parece não se importar essas picuinhas. Pelo contrário, parece haver uma tendência a supervalorizar o popularíssimo finale, com seu tema da “Alegria” que até meus gatos conhecem, em detrimento dos movimentos precedentes, principalmente o Adagio, um singelo tema com maravilhosas variações, que é o cerne da obra. Lembro duma senhora que, na saída duma récita da Nona, comentava com a filha que “o começo estava chato, mas depois que entraram os cantores ficou bonito”. Com a “Ode à Alegria” em toda parte, usada e abusada como um lugar-comum de tudo que é apoteótico, eu acho que a consigo compreender essa senhora, a buscar esperar o conforto do que lhe era familiar após longos minutos de grande, mas desconhecida música.

É preciso ouvir a Nona com tímpanos frescos, como se fosse a primeira vez – e preferencialmente, claro, desde o começo. Para facilitar-lhes esta experiência, resolvi alcançar-lhes não só as doze gravações que encerram as integrais paralelas que iniciamos há alguns meses, mas também algumas outras, das quais não dispunha quando publiquei a Primeira Sinfonia, lá em abril. Algumas foram pedidas – caso das versões de George Szell e aquela, extraordinária, de Hans Schmidt-Isserstedt. Outras, como as de Hermann Scherchen e René Leibowitz, porque são pioneiras nas tentativas de interpretação historicamente informada, mesmo antes desse movimento se consolidar como tal, com instrumentos originais, Lás diferentes de 440 Hz, e por aí vai. Há também a versão de Christopher Hogwood, que serve como contraponto às duas versões com instrumentos de época que já vínhamos publicando – as de Gardiner e aquelas da Hanover Band. E, por fim, a bonita série daquele discreto mestre da batuta, o versátil e eficiente Carlo Maria Giulini. Como não as imaginava postar por aqui num futuro próximo, tamanha a superdosagem de Beethoven que lhes propusemos neste ano, decidi que elas não trariam mais exagero a este nosso já tão esdrúxulo exagero de apresentar-lhe uma dúzia de versões.

Pretendo completar retrospectivamente a série com as novas-velhas versões em muito breve. Por ora, sugiro começarem pela especialíssima, ainda que jurássica, versão de Furtwängler gravada no Festival de Bayreuth. O legendário maestro nunca gravou a Nona em estúdio, por considerá-la digna tão só dos mais importantes eventos. Por isso, achou apropriado apresentá-la na reabertura do Festival de Bayreuth, em 1951, ocasião que marcava tanto a reestreia da Alemanha como um dínamo cultural, depois da infâmia da guerra, quanto sua própria reabilitação, depois de ter sido (e injustamente, que é o que nos dizem todas evidências razoáveis) considerado colaborador dos nazistas. Ao conduzir a obra no Festspielhaus, Furtwängler seguia o precedente do fundador do Festival: Richard Wagner adorava a Nona, muito por considerá-la uma precursora de sua própria concepção de Arte Total, e a regeu na inauguração da primeira edição, tradição que se manteve em todas edições subsequentes.

Espero que alguma dessas agora dezoito versões consiga lhes entregar o beijo que Schiller e Beethoven mandaram para o mundo inteiro.

Seid umschlungen, Millionen! Tschüss!

 

 


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 9 em Ré menor, Op. 125, “Coral”
Composta entre 1822-1824
Publicada em 1826
Dedicada ao rei Friedrich Wilhelm III da Prússia

1 – Allegro ma non troppo, un poco maestoso
2 – Molto vivace – Presto – Molto vivace – Presto
3 – Adagio molto e cantabile – Andante moderato – Andante moderato – Adagio -Lo stesso tempo
4 – Presto – Allegro assai – Presto (“O Freunde”) – Allegro assai (“Freude, schöner Götterfunken”) – Alla marcia; Allegro assai vivace (“Froh, wie seine Sonnen”) – Andante maestoso (“Seid umschlungen, Millionen!”) – Allegro energico, sempre ben marcato (“Freude, schöner Götterfunken” – “Seid umschlungen, Millionen!”) – Allegro ma non tanto (“Freude, Tochter aus Elysium!”) – Prestissimo (“Seid umschlungen, Millionen!”)


Elisabeth Schwarzkopf, soprano
Elisabeth Höngen,
mezzo-soprano
Hans Hopf,
tenor
Otto Edelmann,
baixo
Bayreuther Festspielorchester und Chor
Wilhelm Furtwängler
, regência

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Jarmila Novotná, soprano
Kerstin Thorborg,
mezzo-soprano
Jan Peerce,
tenor
Nicola Moscona,
baixo
Westminster Choir
NBC Symphony Orchestra

Arturo Toscanini, regência

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Inge Borkh, soprano
Ruth Siewert, contralto
Richard Lewis, tenor
Ludwig Weber, baixo
The Beecham Choral Society
Royal Philharmonic Orchestra
René Leibowitz, regência

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Magda Laszló, soprano
Hilde Rössel-Majdan,
contralto
Petre Munteanu,
 tenor
Richard Standen, baixo
Orchester der Wiener Staatsoper
Hermann Scherchen, regência

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Phyllis Curtin, soprano
Florence Kopleff, contralto
John McCollum,
tenor
Donald Gramm,
baixo
Chicago Symphony Orchestra and Chorus

Fritz Reiner, regência

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Adele Addison, soprano
Jane Hobson,
contralto
Richard Lewis,
tenor
Donald Bell, barítono
Cleveland Orchestra & Choir
George Szell, 
regência

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Gundula Janowitz, soprano
Hilde Rössel-Majdan,
contralto
Waldemar Kmentt,
tenor
Walter Berry,
baixo
Wiener Singverein
Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan,
regência

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 Jessye Norman, soprano
Reinhild Runkel,
mezzo-soprano
Hans Sotin,
tenor
Robert Schunk,
baixo
Chicago Symphony Orchestra and Chorus

Sir Georg Solti, regência

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Joan Sutherland, soprano
Marilyn Horne, contralto
James King, tenor
Martti Talvela, baixo
Wiener Staatsopernchor
Wiener Philharmoniker

Hans Schmidt-Isserstedt, regência

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Julia Várady, soprano
Jard van Nes,
mezzo-soprano
Keith Lewis,
tenor
Simon Estes,
baixo
Ernst Senff Chor
Berliner Philharmoniker
Carlo Maria Giulini

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Edith Wiens, soprano
Hildegard Hartwig,
contralto
Keith Lewis,
tenor
Roland Hermann,
baixo
Chor der Hamburgischen Staatsoper
Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks

Günter Wand, regência

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Lucia Popp, soprano
Carolyn Watkinson,
contralto
Peter Schreier,
tenor
Robert Holl,
baixo
Groot Omroepkoor
Koninklijk Concertgebouworkest

Bernard Haitink, regência

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Arleen Augér, soprano
Catherine Robbin,
contralto
Anthony Rolfe Johnson, tenor
Gregory Reinhart,
baixo
London Symphony Chorus
The Academy of Ancient Music
Christopher Hogwood,
regência

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Eiddwen Harrhy, soprano
Jean Bailey,
contralto
Andrew Murgatroyd,
tenor
Michael George,
baixo
Oslo Domchor
The Hanover Band

Roy Goodman, regência

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Ľuba Orgonášová, soprano
Anne Sofie von Otter,
contralto
Anthony Rolfe Johnson,
tenor
Gilles Cachemaille,
baixo
Monteverdi Choir
Orchestre Révolutionnaire et Romantique

John Eliot Gardiner, regência

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Krassimira Stoyanová, soprano
Lioba Braun,
contralto
Michael Schade,
tenor
Michael Volle,
barítono
Chor des Bayerischen Rundfunks
Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks

Mariss Jansons, regência

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Kateřina Beranová, soprano
Lilli Paasikivi,
mezzo-soprano
Robert Dean Smith,
tenor
Hanno Müller-Brachmann,
baixo
GewandhausKinderchor
GewandhausChor
MDR Rundfunkchor
Gewandhausorchester Leipzig

Riccardo Chailly, regência

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Annette Dasch,
soprano
Eva Vogel,
mezzo-soprano
Christian Elsner,
tenor
Dimitry Ivashchenko,
baixo
Rundfunkchor Berlin
Berliner Philharmoniker

Sir Simon Rattle, regência

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BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Missa Solemnis, Op. 123 – Gardiner

O dia em que uma missa solene composta por mim for apresentada durante as cerimônias solenizadas para Vossa Alteza Imperial será o dia mais glorioso da minha vida; e Deus me iluminará para que meus pobres talentos possam contribuir para a glorificação desse dia solene.

Ao prometer a seu pupilo e arquiamigo imperial, Rudolph da Áustria, uma composição para marcar sua entrada solene como arcebispo da cidade morávia de Olmütz (hoje Olomouc, República Checa), Beethoven embarcava naquela que seria uma de suas maiores contendas criativas. Fora a campeoníssima Leonore/Fidelio – sua maior usina de desgostos e gastrites -, nenhuma outra obra tomou-lhe tanto tempo e lhe deu tanto trabalho.  É bem verdade que a Quinta Sinfonia, e em especial seu primeiro movimento, lhe foi uma obsessão por quatro anos, mas seu empenho nela foi no sentido de reelaborá-la e refiná-la para buscar aquela qualidade tipicamente beethoveniana de que cada nota pareça seguir-se da única possível. Os quatro anos dedicados à Missa, no entanto, viram a obra expandir constantemente seu escopo e ambição. Quando Rudolph foi investido do cargo, em 1820, Beethoven ainda trabalhava no Credo. Ao enfim dar por encerrados os trabalhos, em 1823 – depois de deixá-los de lado por um bom tempo para escrever as três últimas sonatas para piano e variar a marota valsinha de Diabelli -, enviou ao arquiduque uma composição imensa, repleta de grandes dificuldades técnicas, e totalmente incapaz de ser absorvida por qualquer cerimônia eclesiástica. Beethoven, ademais surdo, nunca testemunharia uma apresentação completa da obra, que foi estreada na distante corte russa em São Petersburgo por instigação de Nikolai Galitsyn – o encomendante dos últimos quartetos de cordas. Viena ouviria três de seus movimentos – o Kyrie, Credo e o Agnus Dei – no mesmo concerto em que a Nona Sinfonia foi estreada com êxito colossal, em 7 de maio de 1824, na presença do compositor.

Ei-los, compositor e missa (Joseph Karl Stieler, óleo sobre tela, 1820)

A Missa Solemnis marcou, assim como a sonata “Hammerklavier” e as Variações Diabelli, as tendências típicas da maturidade artística de Beethoven: abordar formas musicais consolidadas dum modo radicalmente novo e expansivo, quase a ponto de romper-lhes as costuras, sem ter qualquer pudor em propor dificuldades transcendentais a seus intérpretes, e com um inovador uso de formas contrapontísticas, especialmente da fuga. De fato, e exceto pelo Kyrie relativamente convencional, os demais movimentos não têm precedentes em música litúrgica; as exigências da partitura só atestam a total falta de empatia do renano para com seus intérpretes, principalmente os cantores (façam uma enquete para saber qual o compositor mais citado no Livro do Ódio dos coristas, e não se surpreenderão com o resultado); e imensas fugas corais que fazem picadinho das traqueias do coral, em especial na reprise de Et vitam venturi saeculi que conclui o credo, em que o já apressado andamento é retomado com o dobro da velocidade.

Não tenho dúvidas de que a Missa Solemnis seja, com folgas, a menos apreciada das grandes composições da maturidade de Beethoven. Muitos são os que a tratam com respeito, e poucos os que lhe têm devoção. Para mim, ela foi um gosto adquirido. Sempre gostei do Kyrie – que, como já mencionamos, é quase convencional em seu equilíbrio e no que se chamou de “serenidade bizantina” -, mas experimentava uma estranha inquietude ao escutar o restante. Quando percebi que inquietar e provocar talvez fossem exatamente a intenção de Beethoven, consegui apreciá-la melhor.

Ouçamos o Gloria, por exemplo. Depois do Kyrie, esperar-se-ia a habitual expressão de júbilo quase infeccioso com que o Gloria é tratado por outros compositores de missas.  Em seu lugar, Beethoven oferece um furioso fortíssimo do tímpano e instala uma massa sonora maníaca, que parece se resolver com o relaxamento à menção ao Cordeiro de Deus (Agnus Dei, qui tollis peccata mundi), só para, após os sis bemóis mais odiados pelas sopranos dos corais mundo afora (qui sedes ad dexteram patris), encerrar tudo com o verdadeiro clímax: uma gigantesca fuga coral. Tensão, relaxamento, preparação, resolução: tudo o que há habitualmente nas melhores sonatas, e no entanto inédito em música litúrgica.

Também escuto na Missa Solemnis expressões do ambicioso compositor que quis enriquecer com a ópera, mas abandonou-a para sempre após as agruras que viveu com Leonore/Fidelio. Momentos altamente dramáticos, como a constrita prece dos solistas (com a indicação ängstlich, “assustado”) após as distantes fanfarras militares do Agnus Dei, não seriam inapropriados às cenas finais no cárcere de Fidelio. Da mesma maneira, a maravilhosa exclamação Et… Et homo factus est, feita pelo tenor solista durante o Credo, nunca deixa de me emocionar ao prorromper, luminosa, após o idílico Et incarnatus: outra vez o drama, e não a liturgia, levando este homem cínico às genuínas lágrimas.

A abordagem do Credo expressa mais sobre a religiosidade de Beethoven do que qualquer coisa que ele tenha escrito. Alguns dos mais importantes dogmas cristãos são apressadamente escorraçados (trinta e sete palavras em vinte e dois compassos, para ser mais exato), para que a confissão de fé – a própria palavra Credo – se repita muitíssimas vezes: difícil haver maneira mais efetiva de nos contar que a fé, para ele, valia mais que dogmas eclesiásticos. Apesar de ser o mais heterodoxo dos movimentos da Missa, o Credo não suscitou nem uma fração das críticas que a parte seguinte, o Sanctus. Nada no Sanctus propriamente dito, aliás – que aqui começa de maneira pouco convencional, quase em sussurros, até que a esperada exaltação enfim surja em Pleni sunt coeli e no Osanna in excelsis. As críticas recaíram sobre o Benedictus, que Beethoven resolveu unir ao Sanctus através de uma ponte instrumental que imita lindamente o prelúdio habitualmente improvisado pelo organista durante esta transição. Após a referida ponte, um violino, acompanhado de duas flautas, entoa uma frase descendente que representa, explicitamente, a descida do Espírito Santo, para depois acompanhar solistas e coro num elaborado solo concertante. As sensibilidades da época, que conseguiram aturar o Gloria maníaco e o Credo quase alijado de dogmas, não aturaram tanta secularidade e acusaram Ludwig de anticlerical (o que ele de fato era, com orgulho) e pueril. Azar deles: eu acho o Benedictus e seu violino maravilhosos, e volto a eles sempre que posso.

Admito, mesmo com todo meu apreço pela Missa Solemnis, que seu Agnus Dei sempre me inspira sentimentos mistos. Aos movimentos anteriores, com todas suas idiossincrasias, nunca falta o senso de coesão. O Agnus me parece uma colagem e, com suas transições bruscas e o acorde final que parece nada resolver, deixa uma esquisita sensação de incompletude. Mas pode ser que, uma vez mais – desta feita, depois duma citação à Missa In Tempore Belli, do mestre Haydn, e outra, ainda mais explícita, ao He shall reign forever do Messiah de seu ídolo Händel -, Beethoven desejasse isso mesmo. Não tenho dúvidas de que ele fosse um homem em constantes buscas espirituais, capaz de repetir por várias vezes a indicação Mit Andacht (“Com devoção”) e colocar uma outra, Bitte um innern und äussern Frieden (“Rogue pela paz interior e exterior”) na sua mais importante obra de música sacra. Sua maior busca, no entanto, sempre foi a de que sua arte provocasse uma reação significativa em seu ouvinte – e a maior pista nesse sentido, para mim, foi a inscrição que ele quase publicou no frontispício dessa partitura:


Von Herzen – möge es wieder zu Herzen gehen”
(“De coração – que possa voltar ao coração”)


Ludwig, parece, acertou-me em cheio.

ooOoo

Encontrar uma interpretação satisfatória dessa obra desafiadora foi, realmente, muito difícil. A Missa Solemnis é, assim como a Sinfonia “Pastoral”, um calcanhar de Aquiles de muitos bons regentes. Poderia fazer aqui um enfadonho relato de quanto tempo perdi ouvindo gravações ruminativas que, talvez para facilitar a execução, reduziam a marcha dos frenéticos andamentos prescritos por Beethoven e delongavam a já imensa composição até o limiar do soporífero. Há outras tantas que, pouco atentas ao turbilhão de contrastes da partitura, acabam com um nada atraente jeitão rapsódico.

Em 2012, no entanto, John Eliot Gardiner voltou à Missa Solemnis, que já gravara em 1989, e meus problemas acabaram. Os ótimos solistas têm o brilho e a potência vocal para vencerem a imensa massa sonora que Beethoven tantas vezes os manda enfrentarem. É difícil imaginar um coro melhor que o Monteverdi, que não aparenta estrebuchar com as torturas prescritas pelo malvado alemão, e a Orchestre Révolutionnaire et Romantique, apesar do nome esdrúxulo, acerta tudo. Como acertar tudo não é o bastante, Gardiner guia suas forças musicais com segurança ao longo da armadilhada partitura, e a Missa Solemnis soa sanguínea e fresca como aquela madrugada que raiou para as pombas. Baixem agora que, em uma hora e meia, estarão a aplaudi-los de pé.


Ludwig van BEETHOVEN
 (1770-1827)

Missa Solemnis em Ré maior, para solistas, coro e orquestra com órgão, Op. 123
Composta entre 1819-1823
Publicada em 1826
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Kyrie (Assai sostenuto – Mit Andacht – Andante assai bem marcato – Tempo I)
2 – Gloria (Allegro vivace – Meno Allegro – Tempo I – Larghetto – Allegro maestoso – Allegro, ma non troppo e ben marcato – Poco più Allegro – Presto)
3 – Credo (Allegro na non troppo – Adagio – Andante – Adagio expressivo – Allegro – Allegro molto  – Allegro ma non troppo – Allegro ma non troppo- Allegro con moto – Grave)
4 – Sanctus (Adagio. Mit Andacht – Allegro pesante  – Presto) – Praeludium (Sostenuto ma non troppo) – Benedictus (Andante molto cantabile e non troppo mosso)
5 – Agnus Dei (Adagio – Allegretto vivace (Bitte um innern und äussern Frieden) – Allegro assai  – Tempo I –  Presto – Tempo I)

Lucy Crowe, soprano
Jennifer Johnston, contralto
James Gilchrist, tenor
Matthew Rose, baixo
The Monteverdi Choir
Orchestre Révolutionnaire et Romantique
Peter Hanson,
spalla
James Johnstone, órgão
Sir John Eliot Gardiner, regência

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BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – Anton Diabelli (1781-1858) et al. – Vaterländischer Künstlerverein – Buchbinder

Certa vez, há muitos anos, o irmão de um amigo estava num bar com um pequeno palco e um violão à disposição daqueles que quisessem fazer um pouco de música. Ele, um bom violonista, animou-se e lá foi tocar algumas coisinhas. Recebeu aplausos sinceros e, enquanto voltava ao seu lugar, viu o dono do estabelecimento afobar-se rumo ao microfone:

– Gurizada, acabo de saber que está aqui conosco uma das maiores revelações da Música brasileira, e queria chamá-lo agora ao palco.

Era Yamandu Costa, que atendeu ao chamado e, claro, logo começou a derramar maravilhas do violão. Enquanto isso, o irmão de meu amigo, sentindo-se um procarionte, saía de fininho e, até onde sei, nunca mais tocou em público.

ooOoo

Sentimento semelhante deve ter tomado conta de cinquenta entre os cinquenta e um colaboradores do projeto Vaterländischer Künstlerverein, quando o colaborador restante, um alemão de nome Beethoven, enviou ao editor Diabelli não somente a variação que este pedira sobre uma sua valsinha, mas trinta e três transfigurações dela que, juntas, formam a maior obra em variações da história da Música.


Ei-las

Ninguém tem certeza sobre os motivos que levaram Diabelli, um pianista e violonista amador cuja notoriedade resumia-se à composição de numerosas bagatelas pedagógicas, a organizar o projeto. Como sócio duma editora, pode-se sempre supor que o motivo fosse caçar bufunfa. Corre a lenda, no entanto, de que ele, horrorizado com a penúria dos órfãos e feridos de guerra em Viena, resolveu convocar a Associação Patriótica de Artistas (uma das traduções possíveis para Vaterländischer Künstlerverein) para aliviar o sofrimento daqueles miseráveis, através duma composição beneficente. O fato é que esse alívio, se de fato houve, demorou a chegar, pois, entre a composição da primeira variação (por Czerny, em 1819) e a da última (por Wittasek, em 1824), cinco anos se passaram. Nesse meio-tempo, Beethoven –  obviamente obcecado pelo tema de Diabelli – pariu trinta e três variações, escritas entre os exigentes trabalhos da Missa Solemnis e das três últimas sonatas para piano, e as publicou antes de todas as demais, em 1823, como o primeiro volume da Vaterländischer Künstlerverein. As cinquenta contribuições restantes só iriam à prensa no ano seguinte, formando seu segundo e obscuro volume.

Ninguém sabe, tampouco, a quantos compositores Diabelli enviou seu convite e a cópia da hoje célebre valsinha. O que houve, e disso já sabemos, foram cinquenta e uma respostas. Afora o renano aberrante com suas trinta e três geniais variações, houve dois outros compositores que se deram ao trabalho de escrever mais de uma variação. Gottfried Rieger e Franz Xaver Wolfgang Mozart (filho de Amadeus e por isso chamado, na primeira edição, de “Wolfgang Amadeus Mozart Filho”) contribuíram cada qual com um par, do qual Diabelli escolheu apenas uma (as outras, que acabaram descartadas, estão inclusas na gravação que ouvirão).

Entre os outros quarenta e oito, há um gênio: o então pouco conhecido Franz Schubert, cuja singela variação praticamente grita sua autoria e soa como um dos seus “moments musicaux”. Há também músicos que fizeram o movimento oposto e desceram do alto do panteão musical para um relativo esquecimento, como o mui competente Johann Nepomuk Hummel, cujo  maior defeito e tremendo azar foi ser contemporâneo de Ludwig. Entre as muitas celebridades pianísticas da época que legaram suas variações, duas eram muito próximas a Beethoven: Carl Czerny, seu aluno de piano e fundador duma linha pedagógica que chegou a nossos tempos, e Ignaz Moscheles, que o auxiliou na organização de Fidelio e lhe foi um amigo extraordinário nos dolorosos anos finais. Outras dessas celebridades hoje mal ocupam notas de rodapé, como Friedrich Kalkbrenner, o mais famoso pianista de Paris quando da chegada de Chopin àquela cidade e dedicatário do primeiro concerto para piano do polonês (Op. 11), e de J. P. Pixis, um artista famoso pelo nariz descomunal e que também recebeu uma dedicatória de Chopin – aquela da Fantasia sobre Temas Poloneses (Op. 13). Escondidos sob a forma alemã de seus sobrenomes – Tomaschek e Worzischek – estão dois bons compositores boêmios, Václav Tomášek e Jan Voříšek. Também encontramos no rol alguns cidadãos de oblíqua fama, como Michael Umlauf, o regente de fato da première da Nona Sinfonia de Beethoven (pois o regente oficial era Beethoven, que nada mais escutava e menos ainda regia), e Anselm Hüttenbrenner, amigo de Schubert e fiel depositário dos manuscritos da Sinfonia Inacabada. Encontramos alguns falsos cognatos – um Czerny que nada tem a ver com o Czerny famoso, autor daquelas centenas de estudos que são o terror dos estudantes de piano, e um Kreutzer sem relações com aquele que esnobou a sonata que imortalizou seu nome. No mais, somente nomes dos quais nada mais sabemos, nem por notas de rodapé, com duas exceções.

A primeira exceção é a sigla S. R. D., que para os íntimos significa Serenissimus Rudolphus Dux e designa o arquiduque Rudolph da Áustria, grande amigo e generoso patrono de Beethoven, de quem foi o único aluno de composição. Rudolph, que se preparava para assumir a arquidiocese de Olmütz (atual Olomouc, Tchéquia), estava um tanto afastado da Música e deve ter, por isso, preferido a discrição.

A segunda é um “menino de onze anos, nascido na Hungria”, de nome…


O então desconhecido moleque de Raiding tinha oito anos quando Czerny, seu influente professor, escreveu sua variação, e treze quando sua própria variação foi publicada. Liszt ainda não sonhava com a fama e a histeria em que surfaria por toda a Europa nas décadas seguintes, e certamente ingressou no rol de Diabelli por  influência de Czerny. Curiosamente, Liszt, Czerny e o supracitado Pixis juntar-se-iam futuramente a Chopin, Thalberg e Herz na publicação duma outra obra colaborativa: o Hexameron(1837), composto por variações sobre uma marcha de Bellini e organizado por Liszt.

Convites enviados, variações recebidas, restava organizá-las para publicação. E qual o critério escolhido para fazê-lo? O mais mocorongo possível: a ordem alfabética.


Francamente, Herr Diabelli!

Para não ficar tão feio, Diabelli pediu a Czerny, seu primeiro colaborador no projeto, que compusesse uma coda que arrematasse a colcha de retalhos. Apesar de seu cuidado, o mexidão pianístico não deu tão certo e, mesmo que lhe concedamos a cortesia de não escutarmos as “Diabelli” de Beethoven primeiro, o segundo volume da Vaterländische Künstlerverein é dureza de ouvir. A posteridade foi rápida no veredito e concedeu-lhe, por fim, a mais definitiva das cortesias: o completo esquecimento.

Não fosse a abnegação de gente como Rudolf Buchbinder a tirar-lhes o bolor, soprar-lhes a poeira e volta e meia tocá-las (Buchbinder significa “encadernador”, e talvez isso explique sua predileção por papel roído por cupins), vocês só saberiam dessas cinquenta outras variações através de poentos volumes e debaixo de violentos acessos de rinite. Por isso, agradeçam a Buchbinder e ao PQP Bach pelo duvidoso privilégio, sem esquecer daquele valeuzinho para mim, que tanto trabalho tive digitando nomes obscuros para identificar as faixas e as categorias na lista de compositores publicados aqui no blog – o qual, certamente, nunca ganhou tantas figurinhas novas num só dia.

De nada.

Anton DIABELLI (1781–1858) [organizador]

Vaterländischer Künstlerverein – Veränderungen für das Piano-Forte über ein vorgelegtes Thema componiert von den vorzüglichsten Tonzetzern und Virtuosen Wiens und der kaiserlichen-königlichen österreichischen Staaten (“Associação Patriótica de Artistas – Variações sobre um tema proposto, compostas pelos mais renomados compositores e virtuosos de Viena e dos estados imperiais e reais da Áustria”)

PARTE I

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

1 – Thema: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

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PARTE II

Anton DIABELLI
1 – Thema: Vivace

Ignaz ASSMAYER (1790–1862)
2 – Variação I: Moderato

Carl Maria von BOCKLET (1801–1881)
3 – Variação II: Vivace

Leopold Eustachius CZAPEK (1792–1840)
4 – Variação III: Vivace molto legato

Carl CZERNY (1791–1857)
5 – Variação IV [Sem indicação de andamento]

Joseph CZERNY (1785–1842)
6 – Variação V[Sem indicação de andamento]

Moritz Joseph Johann, Príncipe de DIETRICHSTEIN (1775–1864)
7 –  Variação VI: Tempo vivo del Thema

Joseph DRECHSLER (1782–1852)
8 – Variação VII: Quasi overture: Adagio – Allegro

Emanuel Aloys FÖRSTER (1748–1823
9 – Variação VIII: Capriccio: Allegro

Franz Jakob FREYSTÄDTLER (1761–1841)
10 – Variação IX [Sem indicação de andamento]

Johann Baptist GÄNSBACHER (1778–1844)
11 – Variação X [Sem indicação de andamento]

Joseph GELINEK (1758–1825)
12 – Variação XI: Presto

Anton HALM (1789–1872)
13 – Variação XII: Dolce

Joachim HOFFMANN (1788–1856)
14 – Variação XIII: Fugato: Vivo

Johann HORZALKA (1798–1860)
15 – Variação XIV: Adagio

Joseph HUGLMANN (1768–1839)
16 – Variação XV: Allegro

Johann Nepomuk HUMMEL (1778–1837)
17 – Variação XVI [Sem indicação de andamento]

Anselm HÜTTENBRENNER (1794–1868)
18 – Variação XVII: Allegro

Friedrich KALKBRENNER (1785–1849)
19 – Variação XVIII: Allegro non troppo

Friedrich August KANNE (1778–1833)
20 – Variação XIX [Sem indicação de andamento]

Joseph KERZKOWSKY (1791?)
21 – Variação XX: Moderato con espressione

Conradin KREUTZER (1780–1849)
22  – Variação XXI: Vivace

Eduard, Barão de LANNOY (1787–1853)
23 – Variação XXII [Sem indicação de andamento]

Maximilian Joseph LEIDESDORF (1787–1840)
24 – Variação XXIII: Vivace

Franz LISZT (1811–1886)
25 – Variação XXIV: Allegro

Joseph MAYSEDER (1789–1863)
26 – Variação XXV: Allegro

Ignaz MOSCHELES (1794–1870)
27 – Variação XXVI [Sem indicação de andamento]

Ignaz Franz Edler von MOSEL (1772–1844)
28 – Variação XXVII [Sem indicação de andamento]

Franz Xaver Wolfgang MOZART (1791–1844), listado como “Wolfgang Amadeus Mozart Filho”
29 – Variação XXVIIIa: Con fuoco
30 – Variação XXVIIIb [Sem indicação de andamento]

Joseph PANNY (1796–1838)
31 – Variação XXIX: Allegro con brio

Hieronymus PAYER (1787–1845)
32 – Variação XXX [Sem indicação de andamento]

Johann Peter PIXIS (1788–1874)
33 – Variação XXXI [Sem indicação de andamento]

Wenzel PLACHY (1785–1858)
34 – Variação XXXII: Con fuoco

Gottfried RIEGER (1764–1855)
35 – Variação XXXIIIa: Allegro ma no troppo
36 – Variação XXXIIIb: [Sem indicação de andamento]

Philipp Jakob RIOTTE (1776–1856)
37 – Variação XXXIV: Allegro

Franz de Paula ROSER (1779–1830)
38 – Variação XXXV [Sem indicação de andamento]

Johann Baptist SCHENK (1753–1836)
39 – Variação XXXVI: Caprice: Moderato

Franz SCHOBERLECHNER (1797–1843)
40 – Variação XXXVII [Sem indicação de andamento]

Franz Peter SCHUBERT (1797–1828)
41 – Variação XXXVIII [Sem indicação de andamento] (D. 718)

Simon SECHTER (1788–1867)
42 -Variação XXXIX: Imitatio quasi Canon a 3 voci

“S.R.D.” (Serenissimus Rudolfus Dux, Arquiduque RUDOLPH da Áustria) (1788–1831)
43 – Variação XL: Fuga: Allegro

Maximilian STADLER (1748–1833)
44 – Variação XLI [Sem indicação de andamento]

Joseph von SZALAY (1800–1860)
45 – Variação XLII [Sem indicação de andamento]

Wenzel Johann Tomaschek (Václav Jan TOMÁŠEK) (1774–1850)
46 – Variação XLIII: Polonaise: Tempo giusto

Michael UMLAUF (1781–1842)
47 – Variação XLIV: Presto

Friedrich Dionysius Weber (Bedřich Diviš WEBER) (1766–1842)
48 – Variação XLV: Con fuoco

Franz WEBER (1805–1876)
47 – Variação XLVI: Brillante

Carl Angelus von WINKHLER (1796–1845)
48 – Variação XLVII: Allegro con fuoco

Franz WEISS (1778–1830)
49 – Variação XLVIII [Sem indicação de andamento]

Johann Nepomuk August Wittasek (Jan Nepomuk August VITÁSEK) (1770–1839)
50 – Variação XLIX: Un poco moderato

Johann Hugo Worzischek (Jan Václav VOŘÍŠEK) (1791–1825)
51 – Variação L [Sem indicação de andamento]

Carl CZERNY
52 – Coda

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Rudolf Buchbinder, piano

BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – Staier

Sou ávido ouvinte da chamada interpretação historicamente informada, a ponto de ter uma discografia historicamente informada paralela à de interpretações, assim digamos, convencionais. A música de Beethoven, que esteve por décadas além dos limites de exploração da turma dos instrumentos originais, foi por ela enfim acolhida, e a produção pianística de Ludwig, tão fundamental ao repertório, não ficou de fora, e o mundo viu surgirem muitas atraentes leituras das sonatas, tocadas em fortepianos por mestres como Paul Badura-Skoda e Ronald Brautigam.

 

Faltavam, no entanto, as Variações Diabelli.

É bem provável que, por sua transcendência e exigências ao instrumento e ao executante, elas tenham ficado fora da alçada das aventuras dos primeiros fortepianistas contemporâneos. Beethoven, que já estava completamente surdo quando compôs as “Diabelli”, nunca as escutou, exceto em sua imaginação. Suas frequentes  reclamações quanto às limitações dos pianos de sua época, no entanto, permitem-nos supor que ele desejasse para as “Diabelli” um instrumento mais potente, com timbre mais uniforme entre os registros, e vasta gama dinâmica – um instrumento, enfim, como os modernos pianos de concerto.

Entra em cena Andreas Staier, um fortepianista com toque de Midas, disposto a recriar as “Diabelli” dum modo que ninguém antes as ouvira: numa cópia dum instrumento de Conrad Graf, semelhante ao que o compositor mantinha em seu caótico apartamento, e baseado no manuscrito autógrafo que, depois de cento e oitenta anos flanando entre coleções privadas, foi enfim adquirido pela Beethovenhaus em Bonn.

Tão logo anunciaram esse projeto de Staier, passei a esperar, claro, pelo sublime. Não me frustrei: sua gravação, parida em 2012, nasceu clássica. Mesmo se tivesse sido feita num piano moderno, ela seria excelente, pelo afinco com que Staier abraçou o conceito beethoveniano de sintetizar, com as “Diabelli”, o estado da arte pianístico daqueles 1820’s. À sua exploração aventurosa do teclado soma-se o domínio dos timbres do fortepiano, usados em todos seus recursos – incluindo seus pedais de abafamento e efeitos de registros, como o de fagote (que dá um toque fanhoso às notas) e o dito “registro janízaro”, que tenta emular a percussão das bandas de regimentos otomanos, feito para saciar o apetite europeu por “música turca”, naquela época.

Staier não para por aí: ele adiciona ornamentos e ligeiras variações às repetições; usa as pausas de maneira extremamente expressiva – por vezes irônica, noutras muito dramática – tanto durante as variações quanto entre elas; e, não menos importante, abre a gravação com doze das variações que diversos compositores (entre eles Liszt e Schubert) mandaram a Diabelli, para que sirvam de prelúdio à obra-prima de Beethoven. Para arredondar, presenteia-nos com uma introdução improvisada antes da obra de Beethoven, que é sua própria variação sobre a marota valsinha.

Nas palavras de Staier:

Minha intenção com a introdução foi criar um espaço sonoro que separa os doze ‘prelúdios’, de Czerny a Schubert, do grande ciclo de Beethoven. É uma pausa para respirar no meio do que, de outra forma, seria música rigorosamente composta. Por isso, eu acho que o elemento improvisado é aqui perfeitamente apropriado. Dessa forma, pode-se garantir que a valsa de Diabelli tenha o frescor necessário na segunda vez que for tocada. […] Este manuscrito fascinante nos permite inferir o lado colérico e impaciente de Beethoven, mas não o lado irônico de seu caráter. As anotações mostram suas preocupações e dificuldades durante um processo de composição bastante trabalhoso. O que começou como uma cópia limpo se transforma cada vez mais em um manuscrito funcional. Com a dinâmica da caligrafia e as muitas correções e rasuras, ele fornece toda uma gama de indicadores para as intenções do compositor. É um tesouro para o intérprete”

Nada que eu e Staier lhes contemos será capaz de dar-lhes ideia da delícia que é ouvir este álbum, uma apoteose do fortepiano e, acima de tudo, uma afirmação de suas qualidades ante suas potentes contrapartes modernas. Calo-me, portanto, para que vocês se deleitem.

Bom proveito!

Anton DIABELLI (1781–1858) [organizador]

De Vaterländischer Künstlerverein – Veränderungen über ein vorgelegtes Thema componiert von den vorzüglichsten Tonzetzern und Virtuosen Wiens und der kaiserlichen-königlichrn österreichischen Staaten (“Associação de Artistas Patrióticos – Variações sobre um tema proposto, compostas pelos mais renomados compositores e virtuosos de Viena e dos estados imperiais e reais da Áustria”)

Anton DIABELLI
1 – Thema: Vivace

Carl CZERNY (1791–1857)
2 – Variação IV [Sem indicação de andamento]

Johann Nepomuk HUMMEL (1778–1837)
3 – Variação XVI [Sem indicação de andamento]

Friedrich Wilhelm Michael KALKBRENNER (1785–1849)
4 – Variação XVIII: Allegro non troppo

Joseph KERZKOWSKY (1791?)
5 – Variação XX: Moderato con espressione

Conradin KREUTZER (1780–1849)
6 – Variação XXI: Vivace

Franz LISZT (1811–1886)
7- Variação XXIV: Allegro

Ignaz MOSCHELES (1794–1870)
8- Variação XXVI [Sem indicação de andamento]

Johann Peter PIXIS (1788–1874)
9 – Variação XXXI [Sem indicação de andamento]

Franz Xaver Wolfgang MOZART (1791–1844)
10 – Variação XXVIIIa: Con fuoco

Franz Peter SCHUBERT (1797–1828)
11 – Variação XXXVIII [Sem indicação de andamento]


Andreas STAIER (1955)
12 – Introduktion (improvisação)


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

13 – Thema: Vivace
14 – Variation 1: Alla marcia maestoso
15 – Variation 2: Poco allegro
16 – Variation 3: L’istesso tempo
17 – Variation 4: Un poco più vivace
18 – Variation 5: Allegro vivace
19- Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
20 – Variation 7: Un poco più allegro
21 – Variation 8: Poco vivace
22 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
23 – Variation 10: Presto
24 – Variation 11: Allegretto
25 – Variation 12: Un poco più moto
26 – Variation 13: Vivace
27 – Variation 14: Grave e maestoso
28 – Variation 15: Presto scherzando
29 – Variation 16: Allegro
30 – Variation 17: Allegro
31 – Variation 18: Poco moderato
32 – Variation 19: Presto
33 – Variation 20: Andante
34 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
35 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
36 – Variation 23: Allegro assai
37 – Variation 24: Fughetta (Andante)
38 – Variation 25: Allegro
39 – Variation 26: (Piacevole)
40 – Variation 27: Vivace
41 – Variation 28: Allegro
42 – Variation 29: Adagio ma non troppo
43 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
44 – Variation 31: Largo, molto espressivo
45 – Variation 32: Fuga: Allegro
46 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

Andreas Staier, fortepiano (baseado num modelo de Conrad Graf)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

“Conrad Graf – Fabricante de Fortepianos da Corte Imperial e Real – Viena – Próximo à Igreja de São Carlos, na rua Mondschein [“Luar”], no. 102″
Da coleção do Metropolitan Museum of Art, New York City, Estados Unidos (licença Creative Commons CC0 1.0)
BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – O’Conor

Nossa travessia da obra beethoveniana chega hoje àquela que é, para mim, sua obra mais genial. Nas palavras de Hans von Bülow, as variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, (doravante chamadas simplesmente de “as Diabelli”) são o “microcosmos da arte de Beethoven”. De fato, elas são um portfólio do poder de sua imaginação e um tour de force de seu incomparável conhecimento do teclado. A maior obra em variações de toda Música também é, na minha desimportante opinião, a maior de todas as obras escritas para piano.

Ninguém imaginaria tantos superlativos quando o editor Diabelli o convidou, juntamente com trocentos outros compositores do Império, a contribuir com uma variação para um compêndio beneficente que estava a organizar (e que será abordado numa próxima publicação) sobre uma faceira valsa de sua lavra. Beethoven, aparentemente, desdenhou o tema que lhe foi proposto, chamando-o de Schusterfleck, o “remendo de sapateiro”, uma referência às repetições de figuras em tons ascendentes a se sobreporem como remendos nas solas de sapatos, e que é um artifício comum em peças de baixo calão.


William Kinderman – um ótimo intérprete e talvez a maior autoridade hoje no
Op. 120 –  demonstra os “Schusterflecker” na valsa de Diabelli

“Tema”, aliás, não parece um termo apropriado à pequenina valsa – ou, mais exatamente, um Ländler – com pouquíssimos gestos melódicos. De qualquer maneira, Beethoven mudou de ideia a seu respeito e, deixando de lado o trabalho na Missa Solemnis, debruçou-se sobre a ninharia de Diabelli no final de 1819. Rapidamente, compôs vinte e três variações sobre ela – vinte e duas além do pedido. Os queimados prazos da Missa e das três últimas sonatas para piano chamaram-no de volta para essas obras, e ele só voltaria às Diabelli em 1823, para acrescentar-lhes mais dez variações e, enfim, mandá-las ao editor.

Diabelli deve ter-se espantado com o contraste entre a singeleza do que pediu e a transcendência do que recebeu. Seu prefácio à primeira edição deixa claro o seu pasmo:


Doravante apresentamos ao mundo Variações em nada ordinárias, e sim uma grande e importante obra-prima digna de ser alinhada com as criações imortais dos antigos clássicos – uma obra tal como apenas Beethoven, o maior representante vivo da verdadeira Arte – apenas Beethoven, e nenhum outro, pode produzir. As estruturas e ideias mais originais, os idiomas e harmonias musicais mais ousados aqui exaurem-se; todo efeito de piano baseado em uma técnica sólida é empregado, e este trabalho torna-se mais interessante pelo fato de que ele é extraído de um tema que ninguém suporia capaz dum desenvolvimento à altura do caráter com que nosso exaltado Mestre se destaca sozinho entre seus contemporâneos. As esplêndidas fugas, nos. 24 e 32, surpreenderão todos os amigos e conhecedores do estilo sério, assim como os nºs 2, 6, 16, 17, 23 &c, os brilhantes pianistas; em verdade, todas essas variações, por meio da novidade de suas idéias, do cuidado na elaboração e da beleza nas mais engenhosas de suas transições, darão à obra um lugar ao lado da famosa obra-prima de Sebastian Bach na mesma forma. Estamos orgulhosos de ter ensejado esta composição e, além disso, nos esforçamos ao máximo na impressão para combinar elegância com o máximo de precisão”

Diabelli estava certo, e as “Diabelli” ganharam um lugar no panteão das grandes obras em variações, ao lado das Goldberg. Mais que isso, foram – a despeito de suas imensas dificuldades técnicas – um instantâneo sucesso que imortalizou seu nome ademais esquecível.

Como se nota pela citação acima, o próprio autor do tema reconhecia sua surpresa com a resposta de Beethoven à sua bagatela. Ludwig, que se interessava por variações desde que usava calças curtas, decompôs a valsa de Diabelli em seus pequenos gestos – como o floreio inicial e as figurações descendentes – e assim encontrou imensas possibilidades de transformá-la (pois o termo “Veränderungen” também significa “transformação”), explorando-os às últimas consequências.

O grande Alfred Brendel assim definiu o resultado:


O tema deixou de mandar sobre sua prole rebelde. Em lugar disso, as variações decidem o que o tema pode ter a lhes oferecer. Em vez de ser reafirmado, adornado e glorificado, é melhorado, parodiado, ridicularizado, negado, transfigurado, lamentado, eliminado e finalmente elevado…

As “Diabelli” são o apogeu duma carreira intimamente ligada ao teclado, um compêndio do estado da arte de um instrumento, e o testamento pianístico de Beethoven, que, fora algumas bagatelas e rabiscos, não voltaria mais a escrever para o piano.

Analisar essa obra monumental foge, claro, ao escopo duma postagem de blog. Recomendo fortemente, nesse sentido, o livro essencial que William Kinderman (o mesmo que mais acima falou sobre a Schusterfleck) escreveu sobre ela: nada menos que sensacional, ou, como diria nosso patrão PQP Bach, IM-PER-DÍ-VEL para os diabellimaníacos entre vós outros. Limitar-me-ei a falar sobre seus intérpretes: cresci ouvindo as legendárias versões de Schnabel e Gulda; aprendi a reverenciar as leituras de Kovacevich, Pollini e Sokolov – mas, desde que o irlandês John O’Conor, talvez o mais exuberante beethoveniano da atualidade, lançou a sua, eu a tenho ouvido sem parar. Há de tudo em suas “Diabelli”: o elã, o humor, a vivacidade; a ironia, o sarcasmo, a paródia; o pathos, a ferocidade, o sublime. Uma gravação, enfim, para a eternidade.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

1 – Thema: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

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John O’Conor, piano

 

BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – “Meeresstille und glückliche Fahrt”, Op. 112 – Sinfonia no. 5 em Dó menor, Op. 67 – Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia no. 10 em Fá sustenido maior – Boulez

A cantata “Mar Calmo e Viagem Próspera” está entre as mais concisas e menos conhecidas obras-primas de Beethoven. Dedicada a Goethe, que Ludwig idolatrava, baseou-se em dois breves poemas do mestre de Weimar – porque, sim, “Mar Calmo” não é sinônimo de “Viagem Próspera”, pelo menos para quem depende de velas para propelir suas embarcações. “Mar Calmo” descreve, assim, e com música quase estática, o medo mortal do marinheiro (não me arriscarei a traduções de Goethe, então googleiem aí):


Tiefe Stille herrscht im Wasser,
Ohne Regung ruht das Meer,
Und bekümmert sieht der Schiffer
Glatte Fläche rings umher.
Keine Luft von keiner Seite!
Todesstille fürchterlich!
In der ungeheuern Weite
Reget keine Welle sich”

O contraste com a “Viagem Próspera” não poderia ser mais vivo: uma erupção quase maníaca de euforia com os ventos que encerram a calmaria:

Die Nebel zerreißen,
Der Himmel ist helle,
Und Äolus löset
Das ängstliche Band.
Es säuseln die Winde,
Es rührt sich der Schiffer.
Geschwinde! Geschwinde!
Es teilt sich die Welle,
Es naht sich die Ferne,
Schon seh’ ich das Land!”

As semelhanças da “Viagem Próspera” com o finale da Nona Sinfonia são notáveis, quanto mais por compartilharem a mesma tonalidade (Ré maior) e serem imbuídas do mesmo frenético elã. Beethoven tinha essa breve cantata em muito alta consideração, pois de outra maneira não se arriscaria a dedicá-la a Goethe, que era notoriamente blasé no que tangia às tentativas de colocar seus poemas em música, e a quem escreveu:


… por causa de seus caráteres constrastantes, esses dois poemas me pareceram muito adequados para a expressão desse contraste em música. Ser-me-ia um deleite saber que uni minha harmonia com a sua de maneira apropriada”


Goethe, claro, nunca lhe respondeu.

ooOoo

Admito que esta não seja minha versão favorita da cantata – a favorita, na verdade, está aqui. Eu a trouxe porque ela me serve de pretexto para alcançar-lhes a famosa leitura que Pierre Boulez fez da indefectível Quinta de Beethoven. Fama não significa necessariamente aclamação, e a reputação de lentidão do primeiro movimento é, como ouvirão, justamente merecida. Boulez, sempre o enfant terrible, aborda ruminativa e pontilhisticamente o célebre Allegro con brio, mas comporta-se razoavelmente nos movimentos seguintes. O contraste da Quinta com o Mar Calmo e a Viagem Feliz que a seguem é, para dizer o mínimo, muito peculiar. E, como heterodoxia pouca é bobagem, resolveram que seria necessário preencher com música os vinte e tantos minutos que faltavam ao velho LP ocupar todo um CD, e alguém achou que seria uma boa ideia justapor o Adagio da incompleta sinfonia no. 10 de Mahler.

Pelo jeito, chá de fita era o que não faltava aos produtores da Columbia. E devia estar bem bom.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 5 em Dó menor, Op. 67
Composta entre 1804-8
Publicada em 1809
Dedicada ao príncipe Lobkowitz e ao conde Andreas Razumovsky

1 – Allegro con brio
2 – Andante con moto
3 – Scherzo. Allegro
4 – Allegro

New Philharmonia Orchestra
Pierre Boulez, regência


“Meeresstille und Glückliche Fahrt”, cantata para solistas, coro e orquestra, Op. 112
Composta entre em 1814–5
Publicada em 1822
Dedicada a Johann Wolfgang von Goethe

5 – Meeresstille. Sostenuto – Glückliche Fahrt. Allegro vivace

John Alldis Choir
New Philharmonia Orchestra
Pierre Boulez, regência


Gustav MAHLER (1850-1911)

Sinfonia no. 10 em Fá sustenido maior (1910)
6 – Andante – Adagio

London Symphony Orchestra
Pierre Boulez, regência

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Falando em chá de fita…
BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 [Beethoven – The Late Piano Sonatas – Hungerford]

A promessa furada de enviar “sem demora” as três sonatas encomendadas por Schlesinger começou a deixar de ser potoca quando Beethoven, já atrasadíssimo, começou a última delas, a Op. 111, antes mesmo de terminar a Op. 110. Depois de muito ruminar sobre o finale de sua antecessora, a rapidez com que escreveu sua derradeira sonata para piano foi impressionante – ela ficou pronta em poucas semanas e, a despeito de várias correções e reformulações que a transformaram no costumeiro caldo de garranchos, foi enviada logo em seguida ao editor Schlesinger. E quem a ouve – ou, como é meu caso, a reouve pela “incontavelésima” vez – fica com a impressão de que esta obra-prima só poderia mesmo ter sido escrita assim, num jorro contínuo de inspiração.

A atrapalhação de que se poupou na composição, Beethoven despendeu-a na dedicatória. Além de encerrar o ciclo de sonatas prometido para Schlesinger em Viena, a Op. 111 foi oferecida à firma de Muzio Clementi em Londres. Para ambos editores, Ludwig enviou o manuscrito com dedicatória a seu aluno, amigo e patrono, o arquiduque Rudolph da Áustria. Enquanto a obra estava no prelo, e talvez para compensar a babada de querer dedicar a sonata anterior a Antonie Brentano e acabar por ver a partitura publicada sem qualquer dedicatória, mudou de ideia e resolveu homenagear Brentano. Clementi mudou a dedicatária; Schlesinger, não. Assim, a sonata surgiu em Londres dedicada a sua talvez-mais-que-amiga, e em Viena, a seu amigo imperial.

A concentrada obra tem apenas dois movimentos, o que levou seus editores a perguntarem se algum outro não fora esquecido. Talvez Beethoven tenha planejado um terceiro, pois há anotações de um Presto seguindo-se à Arietta no primeiro manuscrito do Allegro de abertura. O fato é que nenhuma imaginação conseguiria conceber algo capaz de se seguir à pungente morte das notas finais da Arietta, na qual um longo tema é variado cinco vezes, com várias mudanças no já invulgar compasso de 9/16 que abre o movimento, passando por um notável, sincopado episódio que já foi chamado de proto-jazz, e isso setenta anos antes de qualquer coisa nesse sentido ser criada na Louisiana. Muito já se escreveu sobre a impossibilidade de apor um poslúdio à Op. 111, e de maneira especialmente famosa por Thomas Mann em seu Doutor Fausto, de modo que meu mal-amanhado texto não lhes fará perder mais tempo sobre o assunto.

Meu assunto será outro: o intérprete, talvez a maior descoberta que fiz na tremenda vasculhada que dei na discografia beethoveniana à cata de gravações que pudessem honrar o jubileu que comemoraremos em alguns dias mais.

Bruce Hungerford (1922-1977) era, também, um homem afeito a descobertas. Apesar de ter brilhado cedo ao teclado, suas raízes no improvável lugarejo de Korumburra, e a formação musical na remota Austrália fizeram-no ser visto com pouco caso por muita gente. Assim, e percebendo que talvez seu futuro não passasse pelos teclados, dedicou-se à paleontologia e à egiptologia, que lhe fizeram viajar muito mais do que qualquer coisa que tenha feito com um piano. Seu pedigree musical, no entanto, era dos melhores: estudou com Carl Friedberg, aluno de Clara Schumann e professor, para minha surpresa, da espetacular Nina Simone. Também estudou, inda que brevemente, com Ignaz Friedman, o que o colocou em linha pedagógica direta (através de Theodor Leschetizky e Carl Czerny) com Beethoven. Os rumos de sua carreira mudaram quando o produtor Maynard Solomon, também autor duma influente biografia de Ludwig convidou-o para gravar a obra completa do renano para o selo Vanguard. Hungerford aceitou e mudou-se para os Estados Unidos. Gravou rapidamente vinte e duas das trinta e duas sonatas, e só não completou a série pois, enquanto voltava de uma viagem com a família, um desastre automobilístico os matou.

O desaparecimento precoce e inesperado, somada a seu caráter introvertido e pouco afeito a vaidades, manteve Hungerford praticamente desconhecido a públicos maiores. A julgar pelo torso de integral que nos deixou, imagino que, se tivesse completado o projeto com a Vanguard, sua reputação seria hoje muito diferente. Admito que nada sabia dele até que seu nome me surgiu enquanto buscava um intérprete que pudesse encerrar com a devida autoridade a monumental série das trinta e duas sonatas para piano. Quando eu o ouvi, a impressão foi imediata e profunda. Seu estilo é, se o tivéssemos que descrever numa só palavra, austero, mas a atenção ao detalhe e particularmente, a precisão rítmica tornam suas leituras de Beethoven espetaculares. As duas últimas sonatas, em especial (que o compositor, nunca muito empático com seus intérpretes, descreveu como “não muito difíceis”) são repletas de desafios técnicos e interpretativos que Hungerford tira de letra com sensacional musicalidade. Quem espera um Beethoven colorido e romântico talvez se decepcione com as aparentes frieza e secura dessas versões. Asseguro-lhes, entretanto, que quem ouvir Hungerford não se decepcionará. Arrisco, mesmo, afirmar-lhes que ele é o melhor intérprete de Beethoven que quase ninguém conhece – e digo “quase” porque vocês, leitores-ouvintes, agora terão o privilégio de conhecê-lo.


Ludwig van BEETHOVEN
(1770-1827)

Sonata para piano em Fá sustenido maior, Op. 78
Composta em 1809
Publicada em 1810
Dedicada a Therese von Brunsvik

01 – Adagio cantabile
02 – Allegro vivace

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso
9 – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria (edição vienense) e a Antonie Brentano (edição londrina)

10 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
11 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Bruce Hungerford, piano

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Cheers, mate

BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110 [Beethoven – The Late Piano Sonatas – Solomon]

Beethoven foi um gênio da Música e mestre não menos consumado da arte de enrolar. Uma de suas obras-primas nessa menos votada arte foi a maneira com que levou a composição das três últimas sonatas para piano. Como vimos ontem, ele recebeu a encomenda dessas sonatas em 1820, enquanto se dedicava à Missa Solemnis. Pois bem: depois de entregar a primeira sonata, já com atraso, avisou ao encomendante que as outras duas se seguiriam “sem demora”, só para – claro – deixá-las de lado e mergulhar novamente no árduo trabalho de composição da Missa, no qual também se atrasara. Só um ano depois de completar a Op. 109, enfim, ele iniciou a Op. 110, concluindo-a no Natal de 1821.

A Sonata em Lá bemol maior, Op. 110, é notável por ser, assim como a Oitava Sinfonia, uma das poucas obras importantes de Beethoven a ser publicada sem dedicatário. O compositor mandou o manuscrito sem qualquer dedicatória, prometendo que ela seria informada posteriormente. O editor, decerto tiririca com o imenso atraso da entrega, publicou-a assim mesmo, e como tal ficou. Ao que tudo indica, a sonata seria dedicada a Antonie Brentano, a mais provável destinatária da famosa correspondência à “Amada Imortal”, e que receberia, mais tarde, a dedicatória das monumentais Variações Diabelli.

Assim como na Op. 109, a maior parte do “peso” da Op. 110 está no final. Os dois primeiros movimentos são concisos e contrastantes. O movimento de abertura, que tem a indicação “com amabilidade”, é belamente contido, seguindo-se um turbulento movimento em menor, fazendo as vezes de scherzo. O finale é tão complexo, e foi tantas vezes reformulado, que Beethoven, num gesto sem precedentes, passou a limpo o original, em vez de enviar ao editor a habitual floresta de garranchos. Não obstante, por motivos que só ele próprio deveria compreender – e porque Beethoven, como já devem ter percebido, era um tipo raro -, ele acabou por reter a cópia “limpa” e mandou a partitura original, cravejada de rasuras. Pois este movimento de gênese tão trabalhosa inicia com um recitativo, que depois ganha ares de uma lamúria cantável, e desemboca numa extraordinária fuga que, quando parece encaminhar-se para a coda, volta à lamúria, que recebe a incomum indicação “exausto, lamentando”. Depois, a fuga retorna, sob a indicação “aos poucos revivendo novamente”, com a inversão do tema, até chegar a um assertivo clímax e a conclusão verdadeira.

O intérprete que lhes apresento é, também, extraordinário. O londrino Solomon Cutner (1902-1988) iniciou a carreira como criança-prodígio, interrompeu-a por toda adolescência para dedicar-se aos estudos com uma aluna de Clara Schumann, e retomou-a somente como adulto jovem, adotando o monônimo Solomon.

Ecce puer

Solomon foi uma estrela fulgurante que embarcou em extensas turnês mundiais – uma proeza considerável, se levarmos em conta o tempo que se levava, por exemplo, para chegar à Austrália e à Indonésia nos anos 30 – e que teve amplo reconhecimento por suas interpretações a um só tempo austeras e altamente expressivas de um vasto repertório, principalmente pelas sonatas de Beethoven.

A carreira de Solomon foi lamentavelmente destruída por um devastador derrame que, aos meros 54 anos, o fez perder o controle da mão direita. Na ocasião, ele se dedicava à gravação da integral das sonatas de Beethoven, das quais já gravara dezoito. Este torso de integral, no entanto, é um dos clássicos imorredouros da discografia beethoveniana. Quem ouve a legendária “Hammerklavier” de Solomon – com um constrito movimento lento que impressiona tanto quanto os malabarismos medonhamente difíceis dos demais movimentos -, ou a consumada maestria com que ele interpreta a Op. 110, só consegue juntar-se ao coro de lamúrias pelo fim precoce de sua carreira e pela interrupção de seus projetos com as obras do renano. Serve-nos de consolo, no entanto, que as gravações de Solomon, todas em mono, foram feitas com a EMI, que dispunha de excelentes produtores e de equipamento no estado da arte. Eu chamaria o som desses registros quase setentões de miraculosamente bom, se chamá-lo de milagre não fosse um desrespeito ao maravilhoso trabalho dos engenheiros de som. Com a possível exceção da Op. 111, que me parece estar num degrau abaixo do elevadíssimo patamar das demais, o que se ouve com Solomon é Beethoven para a eternidade. Recomendo que o escutem com parcimônia, e bem aos poucos, para que descubram com fascínio o controle magistral do artista sobre o teclado, sobre os andamentos e sobre os expressivos silêncios entremeados ao seu distinto som. E não deixem de voltar a ele, pois Solomon – parafraseando aquilo que os portenhos dizem sobre o canto de Gardel – cada dia toca melhor.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann

1 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
2 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
3 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
4 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

7 – Allegro
8 – Scherzo: Assai vivace
9 – Adagio sostenuto
10 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

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Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

9 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
10 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

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Solomon, piano

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 [Beethoven – The Last Piano Sonatas – Gould]

As três últimas sonatas para piano de Beethoven, pináculos da literatura para o instrumento, foram inspiradas pela mesma costumeira musa de outras tantas obras suas: a Pindaíba.

Em 1820, Beethoven encontrava-se absorto havia já um ano na composição de sua imensa Missa Solemnis, que pretendia apresentar em homenagem a seu aluno e amigo, o arquiduque Rudolph da Áustria, por ocasião de sua entrada solene como arcebispo de Olmütz. Em abril daquele ano, no entanto, Rudolph já vestira seus paramentos arquiepiscopais, de modo que Beethoven viu-se relativamente livre (e outra vez queimado nos prazos) para correr atrás de bufunfa. Já tinha sob sua tutela o sobrinho Karl, cuja educação muito pesava em seu bolso, de modo que aceitou com alívio a encomenda de três sonatas para piano feitas pelo editor Schlesinger, com um generoso, e decididamente incomum, desconto de 25% sobre a pedida inicial.

Ao aceitar a tarefa, Beethoven já tinha pronto o primeiro movimento do que viria a ser a sonata Op. 109, escrito para um método de piano de seu amigo Friedrich Starke. Ao atinar-se de que esse material viria a calhar para uma sonata, ofereceu-lhe cinco de suas novas bagatelas, e completou a primeira das três sonatas prometidas a Schlesinger, compondo mais dois movimentos. Depois dos atrasos de praxe, a obra foi à prensa somente no ano seguinte, com uma dedicatória a Maximiliane Brentano, filha de seu amigo Franz e de Antonie, que é muito provavelmente a “Amada Imortal” da famosa carta de destinatária anônima.

A singeleza do movimento de abertura, cujo primeiro tema dura alguns segundos e que dá a impressão de começarmos a ouvir uma obra que já estava em execução, deriva certamente de sua finalidade didática original, e que contrasta com o turbulento movimento seguinte, em menor, que o sucede sem interrupção. O finale consiste de um tema (“muito cantável e com profundo sentimento”, na indicação em alemão) com seis variações, crescentemente mais engenhosas, que desembocam na repetição do tema cantável.

A riqueza do contraponto dessas últimas sonatas certamente atraiu o jovem Glenn Gould, que as incluíra no repertório desde seus primeiros recitais. Assim, quando a Columbia lhe deu carta branca para escolher as obras do disco seguinte ao tonitruante arrasa-quarteirão que foi a estreia com as Variações Goldberg, (1955), sua opção pelas três derradeiras sonatas de Beethoven foi-lhe absolutamente natural. Antes mesmo do disco chegar às lojas, o reproche dos críticos à petulância do pianista de vinte e três anos já era forte. Gould, segundo eles, começava por onde deveria terminar, arriscando-se imaturamente num repertório que os pianistas amiúde relegam para mais grisalhas eras. Após o lançamento, claro, o reproche virou um coro ardente de ódio, inaugurando a tensa relação da crítica com o pianista – tensa, claro, por parte dos críticos pois Gould não lhes poderia dar menor importância. Em suas notas para o disco, tascou que “a riqueza de escritos críticos sobre as últimas sonatas e quartetos [de Beethoven] revela uma maior preponderância de absurdos, sem sequer mencionar contradições, do que qualquer literatura comparável.”

Como todas realizações gouldianas de Beethoven, estes registros das três últimas sonatas estão repletos de idiossincrasias. Os andamentos são frenéticos, a dinâmica fica por conta do intérprete, e tudo soa muito diferente do que estamos acostumados. Admito que detestei essas interpretações na primeira vez que as ouvi, há mais de trinta anos, e que elas me foram um gosto adquirido. Ainda hoje acho duro de engolir o que Gould faz com algumas variações do final da Op. 109, cujo Andante é um quase-Presto, e a rapidez com que despacha o Allegro con brio ed appassionato da Op. 111 provocará desespero em quem já o conhece por outras mãos. Por outro lado, a legendária clareza com que ele despachava as mais complicadas texturas contrapontísticas faz-se notar, mesmo nos trechos em que resolve aloprar com os andamentos. A Sonata Op. 110, por exemplo, abarrotada de contraponto, é magnificamente realizada, com muita precisão, sobriedade e e uma expressividade nada sentimental. A despeito de toda merecida reputação iconoclástica do intérprete, acho que essas gravações cheias de surpresas têm imenso valor, nem que seja para nos abrirem janelas e refrescarem nossos ares – pois talvez o Gould garoto, em vez de irritar seus contemporâneos, quisesse tão só falar a nós outros, pandêmicos ouvintes do futuro.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

1 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
2 – Prestissimo
3 – Gesangvoll, mit innigster Empfindung – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

4 – Moderato cantabile – Molto espressivo
5 – Allegro molto
6 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

7 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Glenn Gould, piano

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Estátua de Glenn Gould em frente à sede da Canadian Broadcasting Corporation, em Toronto, Canadá (foto do autor)

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” – Richter

Como a ___________ [insira aqui sua hipérbole] “Hammerklavier” dispensa apresentações, foco aqui num de seus grandes intérpretes.

Falo “um dos grandes” porque, claro, jamais haverá uma realização completamente satisfatória de qualquer obra musical, quanto menos dessa mais transcendental de todas as sonatas daquele século. Suas dificuldades eram tão grandes que Beethoven, que já não tinha mais ouvidos para tocar em público, além de sérias dúvidas quanto à qualidade dos músicos britânicos (George Thomson que o diga), concordou com que seu editor inglês lançasse somente os três primeiros movimentos, deixando o complicadíssimo finale numa publicação em separado – mesmo expediente que, como veremos, adotaria para com sua Grande Fuga para quarteto de cordas. Nessa curiosa versão, o imenso Adagio sostenuto – que, sozinho, era mais longo que a maioria das sonatas para piano da época – era o movimento central, e a “Hammerklavier” era encerrada pelo lépido e brevíssimo Scherzo.

Viena viu a sonata sair inteira da prensa, com os movimentos na ordem que hoje conhecemos – a mesma em que foram compostos. A reação foi estupefata e unânime em considerá-la difícil de compreender e impossível de tocar, e não há registro de que seu dedicatário – o arquiduque Rudolph, excelente pianista – a tenha tocado, pelo menos em público. Sua estreia aconteceria somente em 1836, dezoito anos depois de sua composição, por um Franz Liszt que, mesmo já histericamente idolatrado em toda Europa, colheu tão só olhares de incompreensão.

Quase todo pianista que se preza tenta escalar este K2 pianístico, e alguns são insensatos a ponto de legar gravações para que a posteridade lhes dê pedradas. O primeiro foi Artur Schnabel, já distante de seu apogeu, mas bastante fiel às prescrições de Beethoven e atento aos andamentos insanamente rápidos, dos quais até um pianista genial como Glenn Gould (que só tocou a “Hammerklavier” comedidamente na rádio e a considerava “horrendamente difícil”) sabia fugir. Outras gravações notáveis apareceram, muitas em verdade, e os nomes de Gilels, Yudina e Sokolov, que já escutamos na série, e os de Pollini, Perahia e Brendel, que os colegas já lhes trouxeram antes, estão entre os píncaros indiscutíveis da discografia.


Brendel terminando a “Hammerklavier” = um dos meus momentos favoritos na vida

A mim, no entanto, restava a curiosidade de saber o que o mais demoníaco dos pianistas da segunda metade do século XX teria a dizer sobre esta sonata.


Ecce homo

Sim, Sviatoslav Richter era meu intérprete dos sonhos para a “Hammerklavier”. Além da técnica formidável e do tremendo elã que trazia para todas as obras que tocava, sempre apreciei nele o espírito desbravador, aventureiro mesmo, com que mergulhava nas partituras e delas trazia novidades que só ele era capaz de encontrar. Por isso, fiquei meio jururu quando lançaram a caixa de Beethoven por Richter e a mastodonta não estava lá. Foi só recentemente que tive a imensa surpresa de descobrir não só um, mas três registros diferentes da Op. 106, todos realizados ao vivo e ao longo de pouco mais de duas semanas de 1975 – que foi, aparentemente, o período em que a “Hammerklavier” permaneceu no imenso repertório de Richter, pois ele nunca mais voltaria a tocá-la.

Assim, ofereço aos leitores-ouvintes as três leituras que Richter fez do colosso do renano, todas elas como encerramento de recitais de programas idênticos, iniciados pela sonata Op. 2 no. 3 e tendo, como interlúdio, três das bagatelas do Op. 126.

O primeiro foi realizado em Praga, cidade que Richter amava, de cujo Festival de Primavera era arroz de festa, e onde fez dezenas de gravações ao vivo para o selo Supraphon. A segunda foi feita em Aldeburgh, no festival fundado por seu amigo Benjamin Britten, e do qual o legendário pianista soviético foi a maior estrela naquele 1975. Por fim, um recital no Royal Festival Hall em Londres, notável pelo bis: ao terminar o medonhamente difícil finale da Op. 106, depois do qual quase todos pianistas saem correndo ao camarim para se hidratarem e chorarem, Richter decidiu tocá-lo de novo, porque não ficara satisfeito com sua execução anterior. Cada uma das leituras é excepcional, e vale a pena compará-las para fruir de tudo que esse genial pianista tinha a dizer sobre a “Hammerklavier”. Ainda que eu tenha reparos à sua abordagem do maravilhoso Adagio sostenuto, que de alguma maneira não soa como o cerne da obra, o que Richter faz na fuga sublima toda a crítica que eu lhe pudesse fazer. A escolha é difícil, mas a versão de Londres é minha preferida. Ouçam-nas e me digam qual vocês preferem.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Das Três Sonatas para piano, Op. 2
Compostas entre 1793-1795
Publicadas em 1796
Dedicadas a Joseph Haydn

No. 3 em Dó maior

1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Scherzo: Allegro
4 – Allegro assai

Das Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825

5 – No. 1: Andante con moto, cantabile e compiacevole
6 – No. 4: Presto
7 – No. 6: Presto – Andante amabile e con moto

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

8 – Allegro
9 – Scherzo: Assai vivace
10 – Adagio sostenuto
11 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sviatoslav Richter, piano

Recital em 2/6/1975 no Rudolfinum de Praga, Tchecoslováquia
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Recital em 11/6/1975, na igreja de Blythburgh, Reino Unido, durante o Festival de Aldeburgh
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Recital em 18/6/1975, no Royal Festival Hall em Londres, Reino Unido
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Faixa-bônus: o movimento final da Hammerklavier,
executado como bis no recital de Londres, em 18/6/1975
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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” [Sonatas para piano, Opp. 90, 101, 106 & 111 – Yudina]

Pedimos vênia hoje ao grande homenageado do ano e à sua mastodôntica Grande Sonata para o Piano de Martelos – que voltará, com muita gala, amanhã – para focarmos numa sua maiúscula intérprete.

Maria Yudina (1899-1970) é legendária e, tão logo começamos a  ouvi-la, entende-se o porquê. O virtuosismo e a expressividade são evidentes, tanto quanto as inúmeras licenças poéticas que ela toma e que, longe de parecerem idiossincrasias, soam muito coerentes. Nosso patrão PQP sempre fala que há músicos que, em suas interpretações, demonstram não só imensa cultura musical, mas também revelam sua vasta cultura geral. Yudina é dessas intérpretes, e o que se chamou nela de “rigor intelectual” é, embora correto, apenas uma pequena entre as tantas janelas que ela nos oferece com suas leituras.

Nascida numa família judia, e mais tarde convertida ao cristianismo, Yudina estudou no Conservatório da então Petrogrado (hoje São Petersburgo) na mesma classe que Dmitri Shostakovich. Graduou-se em piano e também em teologia na Universidade local, e lecionou no Conservatório até ser de lá expulsa pelas críticas ao governo soviético. Desempregada, faminta e sem teto, sobreviveu de “bicos” até ingressar no Conservatório de Tbilisi, na república soviética da Geórgia, de onde seguiu para o Conservatório da capital da União Soviética. Em Moscou, lecionou no Instituto Gnessin, de onde foi demitida, outra vez, por conta de suas críticas abertas ao regime e suas convicções religiosas. Autorizada a manter sua carreira de recitalista, desde que seus recitais não fossem gravados ou divulgados, ela acabou banida por oferecer ao público, como bis, um poema do desgraçado Boris Pasternak (cujo “Doutor Zhivago” foi lido pela primeira vez no apartamento de Yudina), e não uma peça musical. Após o final do “gancho”, que durou cinco anos, ela retomou a carreira e gozou duma certa celebridade, gravando febrilmente, nem sempre com os melhores pianos (o que é evidente em algumas gravações), como se adivinhasse que levaria mais um punhado de anos até morrer em Moscou.

Muito já se escreveu que Maria foi maior que Gilels e Richter, e que só não teve a importância artística e pedagógica dos dois por conta de suas ferozes críticas ao regime soviético e por ser mulher. Não consigo lhes dizer que ela foi maior, mas certamente foi a mais original, e ardentemente independente. Não temia se alinhar aos perseguidos e oprimidos – além do supracitado Pasternak, foi amiga de Osip Mandelstam e protetora no banido Aleksandr Solzhenitsyn -, nem tocar repertório ocidental contemporâneo, dedicando recitais inteiros à música “degenerada” de Hindemith, Krenek e Bartók. Não temia sequer Stalin, que lhe enviou uma vultosa quantia como recompensa por uma gravação de Mozart, e que acabou doada para a suprimida Igreja Ortodoxa Russa, junto com a seguinte resposta ao “caucasiano do Kremlin“:


Eu rezarei por você dia e noite e pedirei ao Senhor que perdoe seus grandes pecados antes do povo e do país. ‘

Quem tem a coragem de dizer isso ao Továrich Koba certamente não temeria tocar a leviatânica “Hammerklavier” do jeito que ela toca. Ouçam com seus próprios ouvidos, porque… só ouvindo vocês vão acreditar.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Allegro
2 – Scherzo: Assai vivace
3 – Adagio sostenuto
4 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

5 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
6 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

 

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann

7 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
8 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
9 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
10 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro

 

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

11 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
12 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Maria Yudina, piano

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Documentário russo, com legendas em inglês, sobre Yudina. Para quem é, como
eu, fascinado pela grande artista, vale cada segundinho.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violoncelo e piano, Op. 102 [Beethoven – Complete Works for Cello and Piano – Meneses – Pressler]

As cinco sonatas para violoncelo e piano de Beethoven repartem-se bem ao longo de sua trajetória criativa. As duas primeiras, compostas e publicadas simultaneamente, são fruto do contato do jovem virtuoso do piano com os irmãos Duport, violoncelistas da corte do rei da Prússia. Já a sonata Op. 69, a melhor de todas as obras do gênero, é um emblema de seu estilo intermediário. Muito diferentes são as duas últimas, também compostas simultaneamente e publicadas como par, sob o Op. 102. Diferem, também, demais entre si, cada qual com um gesto característico do chamado “estilo tardio” de Beethoven. A primeira, ultraconcentrada e enigmática, tem apenas dois movimentos, embora a gravação a reparta em quatro faixas, e leva a tonalidade para passear num esquema tonal totalmente heterodoxo, para então oferecer um breve retorno de um tema do primeiro movimento antes da coda e do assertivo final na tônica. A segunda, numa forma mais tradicional de três movimentos (rápido-lento-rápido), termina com um dos atraentes fugatos que Beethoven passou a criar em sua busca de incorporar à sua linguagem seus estudos e admiração por Händel e por Sebastian Bach. Recomendo muito parear a audição da primeira com a sonata para piano, Op. 101 – sua antecessora imediata no catálogo de obras do compositor -, e a da segunda com a Op. 110, também concluída por um movimento fugal, e depois me digam se não é mesmo possível pensar que algumas dessas obras carregam as sementes das outras.

Admito que, quando publiquei a excelente gravação de Pieter Wispelwey e Dejan Lazić, há alguns meses, eu já considerara vencido o afã das sonatas para violoncelo nessa nossa travessia da obra beethoveniana. No entanto, foi só publicar uma gravação do incansável Menahem Pressler que me lembrei das versões do decano dos pianistas com o recifense Antonio Meneses, seu parceiro no Beaux Arts Trio e último violoncelista da história do mítico conjunto, gravadas após sua excursão pelo mundo a tocarem essas sonatas. O entrosamento dos dois experientes cameristas me parece ímpar, e ao revisitar os discos, que ficaram esquecios na pilha de CDs que mantenho em minha Dogville natal, eles me deixaram um retrogosto que me diz que esta é minha gravação favorita desse repertório.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5

No. 1 em Fá maior
1 – Adagio sostenuto – Allegro
2 – Adagio – Allegro vivace

No. 2 em Sol menor
3 – Adagio sostenuto ed espressivo
4 – Allegro molto più tosto presto
5 – Rondo: Allegro

Doze Variações em Sol maior sobre “See the conqu’ring hero comes”, do Oratório “Judas Maccabaeus” de Händel, para violoncelo e piano, WoO 45
6 – Thema – Variationen I-XII

Doze Variações em Fá maior sobre “Ein Mädchen oder Weibchen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, Op. 66
7 – Thema – Variationen I-XII

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Sonata em Lá maior para violoncelo e piano, Op. 69

1 – Allegro ma non tanto
2 – Scherzo. Allegro molto
3 – Adagio cantabile – attacca:
4 – Allegro vivace

Duas sonatas para violoncelo e piano, Op. 102

No. 1 em Dó maior

5 – Andante
6 – Allegro vivace
7 – Adagio – Tempo d’andante
8 – Allegro vivace

No. 2 em Ré maior

9 – Allegro con brio
10 – Adagio con molto sentimento d’affetto – attacca:
11 – Allegro – Allegro fugato

Sete variações em Mi bemol maior sobre a ária “Bei Männern, welche Liebe fühlen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, WoO 46

12 – Thema: Andante – Variationen I-VII

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Antonio Meneses, violoncelo
Menahem Pressler, piano

Quando Hope gravar com Pressler, bastará limar o Meneses
BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN 250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 [The Last Six Piano Sonatas – Peter Serkin]

Com os primeiros compassos da maravilhosa sonata Op. 101, Beethoven anuncia sua última e visionária fase criativa, marcada por obras expansivas, duma sofisticação sem precedentes, e que transcendiam quaisquer dos já rotos limites que o compositor redefinira para as formas musicais, associadas a um inovador uso do contraponto e, especificamente, das formas fugais.

A sonata foi iniciada em meados de 1815 e concluída no final do ano seguinte. Dentro da tendência iniciada com a sonata Op. 90, Beethoven deixou instruções em alemão aos intérpretes: “um tanto animado e com o sentimento mais íntimo”; “animado, marchando”; “lento e cheio de saudade”; “rápido, mas não muito, e com determinação”. Com um olho no mercado externo, também indicou os andamentos em italiano, mas lançou mão somente de sua língua materna no frontispício, prescrevendo a sonata para o “Hammer-Klavier” (“piano de martelos”). Muito se conjeturou se esse título – que, como sabemos, colou indelevelmente na imensa sonata seguinte, a Op. 106 – era uma contraindicação a que se executasse a obra no cravo. Não parece ser o caso, não só porque o fortepiano já suplantara seu antecessor nos lares e salas de concerto da época, como também “Hammerklavier” era o termo mais usado, juntamente como “Hammerflügel”, para designar os fortepianos em alemão. Por fim, havia já um bom tempo que as sonatas de Beethoven não mais cabiam nas acanhadas extensões dos teclados dos cravos, e ele próprio vivia a resmungar as limitações dos próprios fortepianos que conhecia.

A Op. 101, aliás, é antes de mais nada uma celebração da capacidade dos instrumentos da época. O novíssimo Mi grave é explicitamente prescrito (“contra E“) no final do último movimento, e o inovador uso do pedal de suavização, que permitia a execução de cada nota em uma, duas ou três cordas, surge no movimento “cheio de saudade”, em que o pedal vai sendo liberado aos poucos, permitindo o acréscimo gradual de cordas e alterando substancialmente o timbre.

Quando conheci o primeiro movimento, na tônica de Lá maior, pensei estar ouvindo Schumann, até que o desenvolvimento – uma sonata-forma a um só tempo enxuta e rica – me gritasse claramente que aquilo era Beethoven tardio. No movimento seguinte, o scherzo é substituído por uma marcha em Fá maior, uma tonalidade distante, com um delicado cânone fazendo as vezes de trio. O movimento mais importante é o extenso finale, que começa como um adagio em Lá menor (aquele “cheio de saudade”), com a liberação gradual supracitada do pedal de suavização, passando por uma breve recapitulação do movimento inicial (um expediente muitas vezes usado por Beethoven nos finales de suas obras maduras), até irromper num enérgico, complexo fugato que cresce inexoravelmente até um clímax em fortissimo.

Assim como as sinfonias e os últimos quartetos de cordas, as derradeiras sonatas para piano de Beethoven são por demais transcendentais para que eu delas tenha uma interpretação favorita. Por isso, eu também hei de publicar algumas séries entre minhas prediletas. Trago-lhes hoje o excelente Peter Serkin, algo injustamente conhecido tão só como o filho do mestre Rudolf Serkin, mas um tremendo pianista por seus próprios méritos. Sua gravação das seis últimas sonatas num fortepiano Graf, contemporâneo ao compositor, nasceu clássica. Ao contrário duma boa parte dos registros dessas sonatas em instrumentos de época, que causam uma invencível estranheza e sensação de que os velhos instrumentos não são suficientes para dar conta da música (sensação que, como sabemos, também era a do próprio compositor), Serkin usa o Graf de modo muito efetivo, lançando mão de sua riqueza tímbrica, particularmente nos contrastes entre as notas agudas – muito menos pungentes que nos instrumentos modernos – e um tanto anasaladas notas graves. A mim, que tão pouco conheço sobre fortepianos e sua técnica de construção, o Graf soa muito mais moderno que seus concorrentes contemporâneos. O resultado é impressionante, e sobremaneira porque Serkin conseguiu, mesmo com o instrumento antigo, realizar uma das minhas gravações favoritas da grande Hammerklavier (Op. 106) – notável, entre outras coisas, por respeitar estritamente as indicações metronômicas quase suicidas do compositor.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann

1 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
2 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
3 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
4 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro

Dois Rondós para piano, Op. 51
Compostos entre 1795-1798
Publicados em 1802 (no. 2) e 1810 (no. 1)

5 – No. 1 em Dó maior
6 – No. 2 em Sol maior

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

7 – Allegro
8 – Scherzo: Assai vivace
9 – Adagio sostenuto
10 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

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Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

9 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
10 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

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Peter Serkin, fortepiano

Mr. Serkin and Herr Graf
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

In memoriam Sean Connery (1930-2020) – Sergei Prokofiev (1891-1953) – Pedro e o Lobo, Op. 67 – Suíte “Tenente Kijé”, Op. 60 – Benjamin Britten (1913-1975) – The Young Person’s Guide to the Orchestra – Connery – Dorati

Sir Thomas Sean Connery deixou-nos no finalzinho do mês passado, e, tão logo soube da má notícia, lembrei de trazer-lhes este pequenino disco.

A comoção das legiões de fãs com sua morte foi tão grande quanto o reaceso rechaço à sua inaceitável e tantas vezes reiterada opinião quanto a bater em mulheres – opinião que, claro, eu não corroboro e que vigorosamente condeno. Enquanto aproveito para recondená-la, e por vivermos tempos em que nenhum óbvio é mais ululante, esclareço que não pretendo aqui tecer loas ao espancador de mulheres, e sim celebrar o legado artístico do ator icônico, dono duma voz inconfundível e de distinto sotaque que, algumas vezes, soltou no cinema:

E é com a voz que Connery aparece nesta nossa homenagem, acompanhado por Antál Dorati e a Royal Philarmonic, em duas figurinhas fáceis do repertório para narrador e orquestra: “Pedro e o Lobo”, de Prokofiev, numa versão em inglês atenuada das cores soviéticas do original (no primeiro esboço, Pedro era um jovem pioneiro de Lênin), e no “Guia dos Jovens para Orquestra”, de Britten, uma adaptação duma obra em variações sobre um tema da música de cena de Purcell para a peça “Abdelazer”, de Aphra Behn. Dorati, um verdadeiro monstro de eficiência, sai-se bem como sempre (e em especial na música para “Tenente Kijé”, também inclusa no disco), e a voz de Connery é tão clássica que não tenho como lhe fazer críticas, e mesmo a forma hilária com que ele pronuncia a palavra “brass” para se referir aos metais inunda a narração de charme.

Tapadh leat, Tom!

Sergei Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)

Pedro e o Lobo (Petya i volk), Conto de Fadas Sinfônico para Crianças,  Op. 67

1 – This is the story of Peter and the Wolf
2 – It was early morning
3 – Grandfather led him back to the house
4 – Now this is how things stood
5 – And now, the victory parade

Sean Connery, narrador
Royal Philarmonic Orchestra
Antal Doráti, regência


Suíte “Tenente Kijé” (Poruchik Kizhe), da trilha sonora do filme de Aleksandr Faintsimmer, Op. 60

6 – O nascimento de Kijé
7 – Romance
8 – Casamento de Kijé
9 – Troika
10 – O funeral de Kijé

Royal Philarmonic Orchestra
Antal Doráti, regência


Edward Benjamin BRITTEN (1913-1976)

Variações e fuga sobre um tema de Purcell, para orquestra, Op. 34 (The Young Person’s Guide To The Orchestra), Op. 34

11 – Introduction
12 – Let us hear each instrument play a variation
13 – The highest instruments in the string family
14 – We now come to the brass family
15 – The percussion family
16 – You have heard the whole orchestra in sections

Sean Connery, narrador
Royal Philarmonic Orchestra
Antal Doráti, regência

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DÃ BRAÉSSS (CC0 1.0 Universal (CC0 1.0), Public Domain Dedication, https://pxhere.com/en/photo/594911)

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Rarities (3/3)

A coleção de raridades da edição completa (sic) de Beethoven pela Deutsche Grammophon Gesellschaft encerra com uma série de fugas escritas em vários momentos da vida de Ludwig, mormente do período em que se dedicou ao estudo da obra de J. S. Bach e de Händel, cujas fugas copiou em seus cadernos e muitas das quais transcreveu para piano e para quarteto de cordas. Como arremate, algumas obras do apêndice (Anhang, Anh.) do catálogo Kinsky-Halm, que são consideradas de atribuição duvidosa ou decididamente espúrias. E é com elas que anuncio aos completistas que, sim, sua frustração está liberada: nenhuma das ditas “edições completas” de Beethoven lançadas para comemorar o ducentésimo quinquagésimo aniversário do moço cumpriram o que prometeram, e não tenho dúvidas de que os SACs da DG, da Naxos e da Warner devem estar repletos de reclamações espumantes daqueles que não ouviram aquele punhado de notas que ele anotou num papel de pão para o arquiduque Rudolph e acabou esquecendo no banheiro duma das diversas espeluncas em que ele costumava encher as guampas. A vós outros, furiosos, fica a afável sugestão de aplacarem a ira e cuidarem da carcaça, porque, afinal, se continuarem assim enfezados, dificilmente chegarão ao tricentenário de Ludwig, em 2070 (isso, claro, se houver mundo até lá).

Ludwig van BEETHOVEN
(1770-1827)

Fugas a duas vozes, Hess 236
1 – Em Ré menor
2 – Em Fá maior
3 – Em Si bemol maior
4 – Em Ré menor

Fugas a três vozes, Hess 237
5 – Em Sol maior
6 – Em Fá maior
7 – Em Mi menor
8 – Em Ré menor

Tobias Koch, fortepiano


Fugas para quarteto de cordas, Hess 238
9 – No. 1 em Mi menor
10 – No. 2 em Ré menor
11 – No. 3 em Dó maior
12 – No. 4 em Lá menor
13 – No. 5 em Si bemol maior
14 – No. 6 em Lá menor

Covington String Quartet:
Luke Wedge e Greg Pinney, violinos
William Hurd, viola
Frank McKinster, violoncelo


Fugas corais, Hess 239
15 – Em Ré menor
16 – Em Sol maior

Tobias Koch, fortepiano


Fugas duplas, Hess 243 (transcritas para quarteto de cordas por A. W. Holsbergen)
17 – No. 1 em Dó maior
18 – No. 2 em Fá maior
19 – No. 3 em Dó maior
20 – No. 4 em Dó maior
21 – No. 5 em Ré menor

Fugas triplas, Hess 244 (transcritas para quarteto de cordas por A. W. Holsbergen)
22 – No. 1 em Ré menor
23 – No. 2 em Fá maior

Covington String Quartet


24 – Fuga para quarteto de cordas em Ré maior, Hess 245 (fragmento)

Endellion String Quartet:
Ralph De Souza e Andrew Watkinson, violinos
Garfield Jackson, viola
David Waterman, violoncelo


Sonata para flauta e piano em Si bemol maior, WoO Anh. 4
25 – Allegro
26 – Polonaise
27 – Largo
28 – Allegretto con variazioni

Severino Gazzelloni, flauta
Bruno Canino, piano


29 – Sonatina em Sol maior, WoO Anh. 5

Tobias Koch, fortepiano


30 – Variações para piano sobre “Ich hab’ ein kleines Hüttchen nur”, WoO Anh. 10

Rudolf Buchbinder, piano

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Ludwig, versão “Aquilo é uma lira, ou um bidê?”
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Rarities (2/3)

O segundo volume das raridades beethovenianas da Deutsche Grammophon começa com um curioso arranjo da abertura da Sétima Sinfonia que Ludwig, estranhamente, deixou incompleto. Segue um repertório bem picotado, todo ele dedicado a cordas. Há uma participação significativa de Daniel Hope, afilhado artístico de Yehudi Menuhin, o último violinista do Beaux Arts Trio e atual presidente da Beethovenhaus de Bonn. Hope contribui com excertos do Op. 107 (do qual não existe gravação comercial completa para violino e piano, lacuna que nenhuma das “edições completas” lançadas neste 2020 deu conta de preencher), um fragmento de sonata para violino e piano, e a reconstrução do “último pensamento musical de Beethoven”, uma introdução para um quinteto de cordas encomendado por Diabelli. Tudo que dele chegou a nossos tempos foi um fragmento para piano, que foi completado pelo encomendante e por ele vendido, enfim, com aquele sugestivo título. Ainda que hoje se saiba que houve outros “pensamentos musicais” posteriores, e que Beethoven chegou mesmo a completar outras obras menores depois do WoO 62, é razoável alegar que esta foi a última obra significativa que ele iniciou. A recriação para quinteto de cordas que ouvirão deve-se ao compositor Hideaki Shichida, que também se lançou a coletar os fragmentos deixados para os demais movimentos e publicou sua reconstrução integral da obra, que os leitores-ouvintes poderão facilmente encontrar na cyberesfera.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Sinfonia no. 7, Op. 92 (arranjo de Beethoven para piano, primeiro movimento, fragmento, Hess 96)

Tobias Koch, fortepiano


Variações sobre temas folclóricos, para violino e piano, Op. 107 (excertos)
2 – I bin a Tiroler Bua
3 – Volkslied aus Kleinrußland
4 – St. Patrick’s Day
5 – Peggy’s daughter
6 –  Schöne Minka
7 – Oh, Thou are the Lad of my Heart

Daniel Hope, violino
Sebastian Knauer, piano


8 – Andante maestoso em Dó maior para piano, WoO 62, “Letzter musikalischer Gedanke” (completado por Anton Diabelli; arranjo de Hideaki Shichida)

Daniel Hope e Ikki Opitz, violinos
Tatjana Masurenko e Amihai Grosz, viola
Daniel Müller-Schott, violoncelo


9 – Fuga da abertura do oratório “Solomon” de Händel, arranjada por Beethoven para quarteto de cordas, Hess 36

Lukas Hagen e Rainer Schmidt, violinos
Veronika Hagen, viola
Clemens Hagen, violoncelo


10 – Sonata para violino e piano em Lá maior, Unv. 11 (Hess 46)

Daniel Hope, violino
Sebastian Knauer, piano


11 – Duo para violino e violoncelo em Mi bemol maior, Unv. 8 (fragmento)

Daniel Hope, violino
Daniel Müller-Schott, violoncelo


12 – Scherzo do trio para cordas, Op. 9 no. 1, com trio alternativo

Daniel Hope, violino
Amihai Grosz, viola
Daniel Müller-Schott, violoncelo


13 – Allegretto para quarteto de cordas em Si maior, WoO 210

Endellion String Quartet:
Ralph De Souza e Andrew Watkinson, violino
Garfield Jackson, viola
David Waterman, violoncelo


14 – Minueto em Si bemol maior para quarteto de cordas, Hess 331 (fragmento)
15 – Pastorella para quarteto de cordas, Hess 332 (fragmento)
16 – Menuetto – Scherzo para quarteto de cordas, Hess 333 (fragmento)
17 – Allegro em Lá maior para quarteto de cordas, Hess 334

Covington String Quartet:
Luke Wedge e Greg Pinney, violino
William Hurd, viola
Frank McKinster, violoncelo

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Ludwig, versão “DO CABELO ATÉ A SOBRANCELHA
DÁ TRINTA REAIS DE UBER”

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Rarities (1/3)

Meus sentimentos para com Lang Lang são mistos: admiro seu domínio extraordinário de seu instrumento; aprecio lampejos de suas gravações; quase não o ouço. Minha opinião, claro, em nada importa ao über-star do piano, que vende como água cada uma de suas gravações, lota salas de concertos por todo globo e serve como idolatrado emblema da febre pianística que tomou a República Popular da China, onde dezenas de milhões de abnegados estudantes buscam ser o novo Lang.

Isto posto, informo que seus muitos fãs terão um breve motivo para se alegrarem com minha postagem: coube a Lang a abertura da longa procissão de peças do volume de raridades da Complete Beethoven Edition lançada pela Deutsche Grammophon no ano passado. Pode ser que o diminuto Minueto, WoO 218, não seja memorável, mas Lang põe sua imensa proficiência pianística a serviço da miniatura, dando-lhe uma roupagem elegante que mostra que talvez devesse ser a atenção ao detalhe, e não o culto ao bravado, a pautar seu caminho ao Parnasso. Cabe apontar que, apesar da DG afirmar que esta foi a primeira gravação da peça, temos provas de que nosso herói, o incansável Jenő Jandó, gravou-a quase vinte anos antes de Lang.

O restante desse primeiro dos três volumes de raridades é completado por competentes fortepianistas, e inclui uma realização da Vitória de Wellington em que a barulheira bélica prescrita por Beethoven é realizada por percussão acoplada ao instrumento e acionada por pedais, e um bom punhado de realizações do sempre bem-vindo Ronald Brautigam, que sabe como colorir música com os anasalados sons dum Hammerflügel.

 

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Minueto em Dó maior, WoO 218

Lang Lang, piano


2 – Andante em Dó maior, WoO 211
3 – Anglaise em Ré maior, WoO 212
4 – Bagatelle em Dó maior, Hess 73
5 – Bagatelle em Mi bemol maior, Hess 74
6 – Minueto em Fá maior, WoO 217
7 – Bagatelle em Dó maior, Hess 57

Ronald Brautigam, fortepiano


8 – Peça em Fá menor, Kullak f. 51 / 52
9 – Andante em Ré bemol maior, WoO 213, No. 1
10 – Finale em Sol maior, WoO 213, No. 2
11 – Allegro em Lá bemol maior, WoO 213, No. 3
12 – Rondó em Lá maior, WoO 213, No. 4
13 – Bagatelle em Lá menor, WoO 59, “Für Elise” (versão de 1822)
14 – Valsa em Dó menor, WoO 219 (Hess 68)
15 – Estudo em Si bemol maior, Hess 58
16 – Allegretto em Lá menor/maior, Kafka f. 47v
17 – Peça em Lá maior, Kafka f. 160r
18 – Peça em Lá maior, Kafka f. 41v
19 – Peça em Dó maior, Kafka f. 47v – pautas 5-8
20 – Peça em Dó maior, Hess 59
21 – Adagio em Sol maior, Hess 70
22 – Molto adagio em Sol maior, Hess 71
23 – Tema e variações em Lá maior, Hess 72
24 – Duas danças alemãs em Fá maior/menor, Hess 67
25 – Minueto em Lá bemol maior – Trio em Lá menor, WoO 209 (Hess 88)
26 – Sonata para piano “Quasi una Fantasia” em Ré maior, Unv. 12
27 – Dona nobis pacem, fuga para quatro vozes, Anh. 57 (arranjo de Beethoven para piano)

Tobias Koch, fortepiano


28 – “O Hoffnung”, tema de quatro compassos para exercício de composição do arquiduque Rudolf, WoO 200 (Hess 75)
29 – Wellingtons Sieg oder die Schlacht bei Vittoria, Op. 91 (arranjo para piano, Hess 97)

Steven Beck, fortepiano


30 – Andante maestoso em Dó maior, WoO 62, “Letzter musikalischer Gedanke”

Ronald Brautigam, fortepiano

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Ludwig, versão “QUE DIABOS FIZ DE MINHA VIDA?”

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Obra completa para órfica – Peças para piano – Carl Leopold Röllig (1754-1804) – Peças para órfica – Koch

“A Obra Completa para Órfica” é o título mais sensacionalista em todo meu duvidoso histórico aqui no PQP Bach, uma esdrúxula dourada de pílula que entrará para a história do blog, uma vez que tudo o que Ludwig escreveu para órfica se resume a duas diminutas peças (WoO 51), que doidivanas como eu volta e meia chamam “sonatina para piano”, supondo que houvesse um terceiro movimento, hoje perdido. Balela pura: nunca foram assim chamadas por Beethoven, que as pretendeu como peças separadas, e muito menos compostas para o piano. O título foi, sim, uma invenção de seu primeiro editor, a fim de que ela apetecesse mais aos pianistas.

Sei que me choverão tomates por fazer postagens de tamanha insignificância. No entanto, prometi-lhes a obra completa do renano e, se não postasse esse disco, não faltaria um completista compulsivo para, ao final da série, brotar dum subsolo a bradar, para minha vergonha, “RÁ, MAS TU NÃO POSTASTE A OBRA COMPLETA PARA ÓRFICA”. Pois bem, aqui está o minúsculo WoO 51, dedicada a Eleonore von Breuning, cujo esposo, Franz Gerhard Wegeler, atestou, numa carta para comunicar a morte de Ludwig a amigos em comum, a existência de “duas peças para órfica que Beethoven compôs para minha esposa”, confirmando assim não só a dedicatária, mas também o instrumento para a qual ele escreveu as peças usurpadas pelos pianistas.

Mas… e que raios é uma órfica? Bem: ei-la.

Foto: Andreas Praefcke, domínio público (https://en.wikipedia.org/wiki/Orphica#/media/File:Orphica_Wien_SAM.jpg)

A curiosa traquitana foi bolada por um certo Carl Leopold Röllig, que já inventara uma harmônica de vidro acionada por teclados, em 1796, e a descreveu como “instrumento que difere completamente em construção do teorbo, do alaúde e da cítara inglesa e espanhola e os supera em beleza de som e variedade”. A órfica era, de fato, muito bonita, claramente inspirada nas representações da lira de Orfeu (daí seu nome), e sua curiosa mescla de instrumento de teclado com de cordas beliscadas não tornam disparatado considerá-la uma precursora da keytar.

Foto: Thomas Hawk (CC BY-SA 3.0)

O pequeno teclado e o som acanhado, parecido com o de um piano de brinquedo, levaram a órfica ao oblívio, e os poucos instrumentos remanescentes permaneceram em museus, à espera de algum tarado como o alemão Tobias Koch, que resolveu se celebrizar ao fazer a première mundial da diminuta obra no instrumento para o qual foi composta e resolveu incluir, para arredondar o disco, quatro peças ainda menores, da lavra do mesmo Röllig que inventou o troço. O grande total, com 16 minutos, é possivelmente a mais breve gravação que já publicamos por aqui.

Para não ganhar fama de quem trabalha pouco, Koch resolveu encher dois discos com peças variadas de Beethoven, muito bem tocadas num pianoforte de som deveras interessante. Entre elas, as três séries de bagatelas publicadas com número de Opus, a única Fantasia para piano, o rondó “Fúria pelo Tostão Perdido”, e aquela peça em Fá menor, encontrada no chamado “caderno de esboços Kullak”, que foi possivelmente a última composição que Ludwig concluiu.

 Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Duas peças para órfica, WoO 51
1 – No. 1: Allegro
2 –
No. 2: Andante

Carl Leopold RÖLLIG (1754 – 1804)

Kleine und leichte Tonstücke für die Orphika nebst drey Solfeggi für eine Hand allein (“Peças pequenas e fáceis para órfica com três solfejos para uma só mão”) (1797)
3 – No. 1: Moderato
4 –
No. 2: Andantino
5 –
No. 3: Andante
6 – No. 4: Solfeggio – Adagio

Tobias Koch, órfica

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Ludwig van BEETHOVEN

1 – Rondó em Dó maior, WoO 48
2 – Rondó em Lá maior, WoO 49
3 – Bagatela para piano, WoO 54, “Lustig-Traurig”
4 – Fuga em Dó maior, Hess 64

Dois prelúdios em todas tonalidades maiores, Op. 39
5 – Präludium Nr. 1
6 – Präludium Nr. 2

7 – Rondó em Dó maior, Op. 51 no. 1
8 – Allegretto em Dó menor, WoO 53
9 – Allegretto in Dó menor, Hess 69
10 – Rondó em Sol maior, Op. 51 no. 2
11 – Rondó a capriccio em Sol maior, Op. 129, “Wut über den verlorenen Groschen”
12 – Prelúdio em Fá menor, WoO 55
13 – Andante em Fá maior, WoO 57
14 – Polonaise em Dó maior, Op. 89
15 – Fantasia para piano, Op. 77

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Sete bagatelas para piano, Op. 33
1 – Andante grazioso quasi allegretto
2 – Scherzo. Allegro
3 – Allegretto
4 – Andante
5 – Allegro ma non troppo
6 – Allegro quasi Andante, con una certa espressione parlante
7 – Presto

Onze novas bagatelas para piano, Op. 119
8 – Allegretto
9 – Andante con moto
10 – À l’Allemande
11 – Andante cantabile
12 – Risoluto
13 – Andante – Allegretto
14 – Allegro ma non troppo
15 – Moderato
16 – Vivace moderato
17 – Allegramente
18 – Andante, ma non troppo

Seis bagatelas para piano, Op. 126
19 – Andante con moto cantabile e compiacevole
20 – Allegro
21 – Andante cantabile e grazioso
22 – Presto
23 – Quasi allegretto
24 – Presto – Andante amabile e con moto – Tempo I

25 – Bagatela em Dó menor, WoO 52
26 – Bagatela em Dó maior, WoO 53
27 – Bagatela em Dó maior, Hess 73
28 – Bagatela em Mi bemol maior, Hess 74
29 – Bagatela em Lá menor, WoO 59: “Für Elise” – Poco moto
30 – Peça em Si bemol maior, WoO 61
31 – Peça em Si menor, WoO 61 “für Ferdinand Piringer”
32 – Peça em Sol menor, WoO 61 “für Sarah Payne”
33 – Peça em Fá menor
34 – Peça em Dó maior, WoO 62, “Último pensamento musical”

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Tobias Koch, fortepiano

Detalhe de uma órfica. Foto de Jorge Royan/http://www.royan.com.ar (CC BY-SA 3.0)

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Fragmentos e Esboços – Petersson

A gravação de hoje baterá alguns recordes.

É uma das mais curtas da história do blog e, com 56 faixas em 33 minutos, certamente a mais retalhada de todas: depois de sua faixa mais longa, que é exatamente a de abertura, há uma sucessão de fragmentos, folhas de álbum, ideias soltas e temas ao vento, poucos dos quais com mais de minuto, e a maioria mesmo com poucos segundos. Alguns dos temas aparecem em duas versões, mas antes de nos darmos conta de que não são meras repetições, eles também já se finaram – e, falando em finar-se, o punhado de notas chamado Biamonti 849 foram as últimas que Beethoven escreveu, no mesmo março em que morreria. Deverá ser, também, aquela com menos downloads em nossa série, e haverá tantos deles quanto há de completistas beethovenianos entre nossos leitores-ouvintes.

Algum completista beethoveniano aí a me ler? Se houver, hoje é seu dia de sorte – aquele em que os itens faltantes em sua coleção de badulaques ludovíquicos vão diminuir drasticamente, para vosso culpado e mui discreto prazer.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Poco sostenuto, Hess 96 (primeiro movimento da sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92, fragmento – editado por M. S. Zimmer, reconstrução por C. Petersson)
2 – Melodia em Dó menor, Hess 324 (transcrita por N. Fishman)
3 – Melodia em Dó menor, Hess 324 (reconstruída por A.W. Holsbergen)
4 – Peça para piano em Ré maior, Hess 325 (transcrita por N. Fishman)
5 – Marcha em Dó menor, Hess 330 (reconstruída por A.W. Holsbergen)
6 – Minueto em Si bemol maior, Hess 331 (transcrito por W. Virneisel)
7 – Minueto em Si bemol maior, Hess 331 (reconstruído por A.W. Holsbergen)
8 – Anglaise em Sol menor, Biamonti 48 (versão original)
9 – Anglaise em Sol menor, Biamonti 48 (transcrita por D.P. Johnson)

Dezoito esboços, Biamonti 96:

10 – No. 1: Adagio
11 – No. 2: —
12 – No. 3: —
13 – No. 4: —
14 – No. 5: —}
15 – No. 6: Allegro
16 – No. 7: —
17 – No. 8: Allegro maestoso
18 – No. 9: Adagio molto
19 – No. 10: —
20 – No. 11: —
21 – No. 12: —
22 – No. 13: —
23 – No. 14: —
24 – No. 15: Fugentema (tema de fuga)
25 – No. 16: Adagio
26 – No. 17: —
27 – No. 18: Allegro

28 – Esboço para sonata em Mi bemol maior, Biamonti 98

Esboços para Allegretto, Biamonti 99:

29 – Esboço 1
30 – Esboço 2
31 – Esboço 3
32 – Esboço 4
33 – Esboço 5
34 – Esboço 6
35 – Esboço 7
36 – Esboço 8

37 – Intermezzo para sonata em Dó menor, Biamonti 191 (possivelmente esboços para a sonata no. 5 ou no. 8) (reconstruído por A.W. Holsbergen)
38 – Fragmento em Lá maior produzindo efeito de trompas, Biamonti 268 (transcrito por A. Schmitz)
39 – Fragmento em Lá maior produzindo efeito de trompas, Biamonti 268 (reconstruído por A.W. Holsbergen)
40 – Andante molto em Mi bemol maior, Biamonti 269 (transcrito por A. Schmitz)
41 – Andante em Fá maior, Biamonti 270 (fragmento, transcrito por A. Schmitz)
42 – Fragmento em Mi bemol maior, Biamonti 271 (transcrito por A. Schmitz)
43 –  Andante em Si bemol maior, Biamonti 272 (esboço original transcrito por A. Schmitz, versão de C. Petersson)
44 – Andante em Si bemol maior, Biamonti 272 (reconstruído por A.W. Holsbergen)
45 – Esboço em Fá maior, Biamonti 273 (transcrito por A. Schmitz)
46 – Esboço em Fá maior, Biamonti 273 (reconstruído por A.W. Holsbergen)
47 – Esboços em Dó maior e Sol maior, Biamonti 276 (reconstruídos por A.W. Holsbergen)
48 – Passagem em Si maior, Biamonti 280 (transcrito por A. Schmitz, versão de C. Petersson)
49 – Quatro bagatelas, WoO 213: No. 3 in Lá bemol maior, Biamonti 284 (editada por A.W. Holsbergen)
50 – Esboço em Mi bemol maior, Biamonti 317 (transcrito por S. Brandenburg)
51 – Esboço para sonata em Lá menor, Biamonti 318 (reconstruído por A.W. Holsbergen)
52 – Esboços não utilizados para o final das variações “Eroica”, Biamonti 319 (transcritos por S. Brandenburg)
53 – Tema de fuga em Dó maior, Biamonti 345 (transcrito por N. Fishman)
54 – Fuga Antique em Dó maior, Biamonti 346 (fragmento, transcrito por
55 – Fragmento em Sol maior, Biamonti 720 (transcrito por J. Schmidt-Görg)
56 – Esboço instrumental, Biamonti 849 [nota: são as últimas notas escritas por Beethoven, em março de 1827, mês de sua morte]

Carl Petersson, piano

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Se o fragmento Biamonti 849 inclui as últimas notas que Beethoven escreveu, qual foi então a última obra que ele completou? Salvo melhor juízo (ou alguma nova descoberta bombástica), esta distinção cabe à singela bagatela em Fá menor encontrada no chamado caderno de esboços de Kullak, e tão escondida entre os garranchos de Ludwig e rascunhos para o quarteto Op. 135 que só recentemente se descobriu que seu destino era seu velho amigo, o piano.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Military Beethoven – Petersson

Beethoven odiava guerras, máquinas de guerra, soldados, generais e, particularmente, canhões – que, temia ele, detonariam o que ainda lhe restava da tão surrada audição. Durante o primeiro bombardeio de Viena por Napoleão, ele escondeu-se num porão, cobrindo os ouvidos com travesseiros, enquanto as vidraças trincavam e o reboco caía das paredes. Depois, escreveria:

“… [a invasão napoleônica] afetou-me em corpo e alma. Que destrutividade e baderna eu vejo e ouço em torno de mim; nada além de tambores, canhões e miséria humana de todas as formas”

Além do ódio a guerras, máquinas de guerra, soldados, generais e canhões, Beethoven tinha raiva de quem deles gostava. Quando Karl, seu único sobrinho, e objeto duma encarniçada disputa judicial de tutela com a mãe do garoto, informou que seguiria carreira militar, Ludwig ficou tiririca e fez cair sobre o traumatizado garoto, cuja vida controlada com a mais pesada das mãos, aquela gota d’água que o levou a tentar o suicídio.

O desprezo do compositor ao bélico obriga, assim, um disco entitulado “Beethoven Militar” a lançar mão de associações bastante oblíquas. Há, claro, arranjos pianísticos de seu punhado de peças para banda militar, e a transcrição de seu “balé de cavaleiros”, que ele escreveu para um baile do conde Waldstein e que chegou a ser creditado a este. Há marchas, também, e algumas escocesas, e séries de variações, incluindo aquelas sobre Rule Brittania e God Save the King, duas canções patrióticas que também aparecem na versão para teclado da inacreditável Batalha de Wellington, peça programática que encheu os bolsos de Beethoven dum modo sem precedentes e gerou um sem-fim de muxoxos entre seus amigos e admiradores. Composta por instigação do inventor Mälzel, que a imaginara numa engenhoca de sua lavra, chamada panharmonicon, acabou ficando maior que a encomenda e apresentada em versão para orquestra. Sua dedicatória ao príncipe regente da Inglaterra teve um só propósito: o de sacanear Mälzel, que brigara com o compositor em função dos méritos da concepção da peça, e que não a poderia pleitear nas ilhas britânicas se ela já tivesse sido dedicada ao futuro rei George IV.

Independentemente do quão militar possamos considerar esse disco, ele serve de bom pretexto para publicarmos aqui mais algumas raridades e nos encaminharmos para o fim dessa integral, para alegria dos completistas e desespero daqueles que não conseguirão ouvir muita graça, a despeito dos esforços do sueco  Carl Petersson. A esses últimos, recomendamos paciência e, uma vez mais, reencontrarem nossa série no dia 24 de novembro, quando a ela voltarão aquelas obras-primas capazes de fazer nós outros lembrarmos de Beethoven, mesmo dois séculos e meio depois dele estrear no mundo em Bonn.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Música para um balé de cavaleiros (Ritterballet), WoO 1, Hess 89 (transcrição para piano)

1 – Marsch
2 – Deutscher Gesang: Allegro
3 – Jagdlied: Allegretto
4 – Deutscher Gesang: Allegro
5 – Minnelied – Romanze: Andantino
6 – Deutscher Gesang: Allegro
7 – Kriegslied: Allegro assai
8 – Deutscher Gesang: Allegro
9 – Trinklied: Allegro con brio
10 – Deutscher Gesang: Allegro
11 – Deutscher Tanz: Walzer
12 – Coda: Allegro vivace

Variações fáceis sobre um tema original, WoO 77 (1800)
13 – Thema – Variationen I-VI

Variações sobre “God Save the King”, WoO 78 (1803)
14 – Thema – Variationen I-VII

Variações sobre “Rule Britannia”, WoO 79 (1803)
15 – Thema – Variationen I-V

Wellingtons Sieg oder Die Schlacht bei Vittoria (“A Vitória de Wellington ou a Batalha de Vittoria”, Hess 97 (1813, versão para piano publicada em 1816)
16 – Parte I: A Batalha
17 – Parte II: Sinfonia da Vitória

Marcha Triunfal para a Tragédia “Tarpeja” de Christoph von Kuffner, WoO 2a, Hess 117
18 – Lebhaft und stolz

Marcha em Si bemol maior, WoO 29, Hess 87 (1797/98)
19 – Marcia: Vivace (versão original)
20 – Marcia: Vivace (versão revisada)

21 – Marcha no. 1 em Fá maior, “Für Die Böhmische Landwehr”, WoO 18, Hess 99

Trio com piano em Sol maior, Op. 1, no. 2 (1794-99)
22 – II. Scherzo (fragmento, Hess 98, completado por C. Petersson)

23 – Minueto em Lá bemol maior, WoO 209, Hess 88 (c.1792)
24 – Minueto em Fá maior, WoO 217, Biamonti 66 (?1794)
25 – Minueto em Ré menor, Gardi 10 (arranjo de D. P. Johnson e  L. Bisgaard) (1790-92)
26 – Valsa em Dó menor, WoO 219, Hess 68 (1803)
27 – Bagatela em Lá maior, WoO 81
28 – Anglaise em Ré maior, WoO 212, Hess 61 (1793)
29 – Écossaise em Mi bemol maior, WoO 86b (1825)
30 – Écossaise em Sol maior, WoO 23 (arranjo de C. Czerny) (c.1810)

Carl Petersson, piano

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Para quem sentiu falta de canhões…

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Peças para piano e fragmentos – Gallo

Se cada segundo de Beethoven importa, então esta gravação poderia importar-lhes muito, por conter… 56 segundos inéditos da obra do mestre. Infelizmente, creio que este disco do excelente pianista brasileiro Sergio Gallo só deverá interessar aos completistas que, a essa altura, já devem estar com um olho aqui no blog, e o outro na lista de obras de Ludwig, na qual as vão riscando uma a uma e já imaginando se conseguiremos publicá-las todas.

Aos completistas, então, vai aqui o spoiler: sim, conseguiremos, ainda que as postagens até o final do mês certamente serão dureza para quem procura boa música. Admito que eu só aprecio esses tantos retalhos largados com um tanto de imaginação – a conjeturar, por exemplo, o que Beethoven poderia ter feito com aqueles poucos compassos, ou, então, o que o teria levado a abandoná-los. Há neste disco alguns destaques: a indefectível Pour Elise (que com quase certeza é Pour Thérèse, em função de sua dedicatária, que a caligrafia medonha de Ludwig se negou a celebrizar), numa versão modificada alguns anos antes da morte do compositor; algumas das variações que escutamos bem no início de nossa série, incluindo as “Dressler”, a primeira obra publicada pelo menino de onze anos, e que aqui soam muito bem (porque eu lhes disse que Gallo é, er, galo!); e o assim chamado Letzter musikalischer Gedanke (“último pensamento musical”), um movimento inacabado do que seria um quinteto de cordas e, alegadamente (porque veremos em algumas semanas que não), teria sido a última coisa que Beethoven pôs no papel. Ainda assim, deverá ser muito pouco para quem procura música com aquela tão beethoveniana característica de, no dizer de Leonard Bernstein, “que cada nota que se segue soa como se fosse a única possível”. Não podemos reclamar, logicamente, já que estamos a invadir uma papelada que o compositor jamais pretendeu que ouvíssemos. Ainda assim, encerro por hoje com uma sugestão aos não completistas: deem um tempo daqui de minhas postagens, e voltem no dia 24 de novembro.

 

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Treze variações em Lá maior para piano sobre a arieta “Es war einmal ein alter Mann” de “Das rothe Käppchen”, de Dittersdorf, WoO 66
2 – Pastorella em Dó maior, Biamonti 622 (transcrição de F. Rovelli)

Doze miniaturas para piano dos cadernos de esboços (editados por J. van der Zanden) (excertos)
3 – No. 3, Alla marcia em Dó maior C Major [Kafka, f. 119v, 2 – 5]
4 – No. 4, Klavierstück: Allegro giocoso em Lá maior [Kafka, f. 41v, 13 – 16]
5 – No. 6, Klavierstück: Allegro em Lá maior [Kafka, f. 160r, 1 – 6]
6 – No. 7, Klavierstück: Presto em Lá maior [Kafka, f. 47v, 13 – 16]
7 – No. 8, Klavierstück: Allegretto em Sol maior [Fischhof, f. 53v, 11 – 14]
8 – No. 9, Menuetto em Ré maior [Kafka, f. 39r, 1 – 4]

9 – Allegretto em Dó menor, WoO 53 (2ª versão, Hess 66)
10 – Três pequenos esboços em estilo canônico, Biamonti 69
11 – Allegro em Dó maior, Biamonti 279 (transcrição de A. Schmitz)
12 – Klaviersatz, Hess 63 (transcrição de Abschiedslied de Christian Friedrich Daniel Schubart)
13 – Cânone em Lá bemol maior, WoO 222, Hess 275/328
14 – Cânone em Sol maior (transcrição da parte III de Der vollkommene Kapellmeister de Johann Mattheson), Hess 274
15 – Adagio ma non molto em Sol maior, Hess 70 (fragmento, transcrito por L. Lockwood e A. Gosman). Hess 70
16 – Esboço em Lá maior, Hess 60 (transcrito por A. Schmitz)
17 – Tema com variações em Lá maior, Hess 72 (fragmento)
18 – Tema de canção em Sol maior para o arquiduque Rudolph, WoO 200, Hess 75, “O Hoffnung”
19 – Presto em Sol maior, Biamonti 277 (transcrito por A. Schmitz)
20 – Quatro bagatelas, WoO 213: No. 2 em Sol maior (transcrita por A. Schmitz)
21 – Étude em Si bemol maior, Hess 58
22 – Étude em Dó maior, Hess 59
23 – Quinteto para cordas em Dó maior, WoO 62, Hess 41 – Andante maestoso, “Letzter musikalischer Gedanke” (fragmento para piano, completado por A. Diabelli)
24 – Nove variações em Dó menor sobre uma marcha de Dressler, WoO 63
25 – Sonatina em Fá maior, WoO 50, Hess 53
26 – Seis variações em Fá maior sobre uma canção suíça, WoO 64 (versão para piano)
27 – Andante em Dó maior, WoO 211
28 – Molto adagio em Sol maior, Hess 71 (fragmento, transcrito por L. Lockwood e A. Gosman)
Duas cadenzas para o concerto para piano no. 20 de Mozart, WoO 58
29 – Cadenza para o primeiro movimento (Allegro)
30 – Cadenza para o terceiro movimento (Rondo)
31 – Zweiter Eingang in’s Thema vom Rondo, Hess 84 (cadenza para a versão pianística do concerto para violino, Op. 61)
32 – Kadenz zum Rondo, Hess 85 (cadenza para a versão pianística do concerto para violino, Op. 61)
Quatro bagatelas, WoO 213 (editadas por B. Cooper)
33 – No. 1 em Ré bemol maior
34 – No. 4 em Lá maior
35 – Bagatela em Lá menor, WoO 59, “Für Elise” (versão de 1822, editada por B. Cooper)
36 – Composição para piano em Ré maior, Biamonti 213 (fragmento, transcrito por J. Kerman)

Sergio Gallo, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto em Fá maior para oboé e orquestra, Hess 12 – Ludwig August Lebrun (1752-1790) – Concertos para oboé e orquestra – Schneemann – de Vriend

Já lhes contamos anteriormente que, em 1793, Haydn escreveu a Maximilian Franz, Eleitor de Colônia e empregador de Beethoven, dando conta dos progressos de seu aluno renano em Viena. Essa era, claro, uma necessária prestação de contas ante o investimento que o Eleitor fizera ao enviar o rapaz para a capital musical da Europa e pagar-lhe estudos com o maior compositor vivo:


Tomo a liberdade de enviar a Vossa Reverência, com toda a humildade, algumas peças musicais – um quinteto, uma Parthie de oito vozes, um concerto de oboé, um conjunto de variações para piano e uma fuga composta por meu querido aluno Beethoven, que foi tão graciosamente aceito por Vossa Reverência, como prova de sua diligência além do escopo de seus próprios estudos. Com base nessas peças, especialistas e amadores não podem deixar de admitir que Beethoven se tornará com o tempo um dos grandes artistas musicais da Europa, e terei orgulho de me chamar de seu professor. Eu só queria que ele pudesse ficar comigo por algum tempo ainda”


Papa Haydn foi além, e pediu mais dinheiro para seu aluno. Explicou ao Eleitor que o custo de vida em Viena era muito mais alto que o estipêndio pago a Beethoven, tão insuficiente que, vejam só, o próprio Haydn tivera que lhe emprestar dinheiro.

A resposta do Eleitor, como também já lhes contei, foi demolidora: Beethoven recebia o dobro do que declarara a Haydn; todas as peças citadas na carta, exceto a fuga, já tinham sido ouvidas na corte de Bonn, e portanto não indicavam progresso algum, e que, por isso, cogitava encerrar o sonho vienense do rapazote e trazê-lo de volta antes que lhe trouxesse mais gastos. O velho mestre, de quem Ludwig escondera a verdade, deve ter ficado com cara de pastel (ou, talvez, de Schnitzel). Não sabemos ao certo como ele reagiu. Do que temos certeza é que, pouco depois, o garoto passaria a estudar com Albrechtsberger e Salieri, e Haydn retomaria suas viagens à Inglaterra. Mais ainda: Napoleão tocaria o ficken Sie sich, invadindo a Renânia, dissolvendo o Eleitorado de Colônia, expulsando o Eleitor e transformando a viagem de estudos do jovem Beethoven numa mudança definitiva para Viena.

De todas as obras citadas na carta de Haydn, apenas a “Parthie de oito vozes” (certamente o octeto em Mi bemol maior) sobrevive. Não se sabe que fim levou o concerto para oboé, do qual se encontrou apenas a melodia do movimento lento num caderno de esboços, a chamada “Miscelânea Kafka” (Kafka-Konvolut) que se encontra no Museu Britânico. Tudo o que se conhece dos demais movimentos são seus incipits (a representação dos compassos iniciais duma obra, para fins de catalogação), encontrados num manuscrito contemporâneo. Nada se sabe, tampouco, sobre as circunstâncias em que foi composto. É bem provável que tenha sido escrito para algum dos colegas de Beethoven, que tocava viola insira aqui sua piada de violista favorita para Ludwig na orquestra do Eleitor, pois o estilo do fragmento sobrevivente é muito afeito à música para sopros prevalente nas cortes europeias da época.

Por mais convencional que pareça a melodia, a ideia dum concerto perdido de Beethoven ouriçou os oboístas. Um deles, Charles Joseph Lehrer, reconstruiu o movimento numa edição para oboé e piano, que foi posteriormente orquestrada pelo neerlandês William Holsbergen. O interesse dos neerlandeses por Beethoven (cujo sobrenome significa, em seu idioma, “hortas de beterrabas”) é notável, pois outros dois deles – Cees Nieuwenhuizen e Jos van der Zanden – propuseram-se também uma reconstrução do modesto Largo, que é aquela que ouvirão a seguir.

Claro que pouca coisa do que ouvimos é originalmente de Ludwig, mas o breve movimento, muito cantável, em nada anuncia o grande mestre que se consagraria em Viena, anos depois de passar Haydn na conversa. Escutando a singela composição do rapazote, não podemos descartar a hipótese de que ele tenha dado cabo de propósito no concerto, tamanha sua frugalidade. O fato é que, se algum dia vocês lembrarem dessas gravações que agora lhes alcanço, certamente será pelos concertos de Lebrun, xará de Beethoven e oboísta virtuoso da ebuliente orquestra de Mannheim. Lebrun, infelizmente, morreria três anos antes da carta de Haydn chegar ao Eleitor, não sem antes legar ao mundo esses brilhantes veículos que, através das palhetas de artistas como Bart Schneemann (sim, outro neerlandês), serão gratas descobertas àqueles que, como eu, amam o timbre do oboé.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Fá maior para oboé e orquestra, Hess 12
Composto em 1792
Reconstruído por Cees Nieuwenhuizen and Jos van der Zanden

1 – Largo em Si bemol maior

Ludwig August LEBRUN (1752-1790)

Concerto para oboé e orquestra no. 3 em Dó maior

2 – Allegro
3 – Adagio
4 – Rondo: Allegretto

Concerto para oboé e orquestra no. 6 em Fá maior

5 – Allegro
6 – Adagio
7 – Rondo: Allegretto

Concerto para oboé e orquestra no. 5 em Dó maior

8 – Grave – Allegro
9 – Adagio
10 – Rondo: Allegro

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Concerto para oboé e orquestra no. 1 em Ré menor

1 – Allegro
2 – Grazioso
3 – Rondo: Allegro

Concerto para oboé e orquestra no. 4 em Si bemol maior

4 – Allegro
5 – Allegro
6 – Rondo: Allegro

Concerto para oboé e orquestra no. 2 em Sol menor

7 – Allegro
8 – Allegro
9 – Rondo: Allegro

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Bart Schneemann, oboé
Radio Chamber Orchestra
Jan Willem de Vriend, 
regência


Uma outra reconstrução do concerto para oboé de Beethoven, feita por Charles Joseph Lehrer e orquestrada por Willem Holsbergen

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Die Geschöpfe des Prometheus, Op. 43 (transcrição para piano) – Variações e Fuga em Mi bemol maior, Op. 35, “Variações Eroica” – Howard

Quase todas obras orquestrais publicadas por Beethoven durante a vida também o foram em transcrições para piano, muitas vezes não autorizadas, com uma rapidez proporcional à do sucesso na estreia. Poucas dessas transcrições foram preparadas pelo próprio Beethoven, e é uma delas – a da música para o balé Die Geschöpfe des Prometheus, que a companhia de Salvatore Viganò apresentou em Viena em 1801 – que eu lhes trago hoje.

Essa versão pianística distinguiu-se por ir à prensa bem antes da partitura original: foi publicada em 1801, mesmo ano da estreia do balé, enquanto o original só seria publicado em 1804. Na ocasião, o editor atribuiu-lhe o Opus 24, que depois caberia à sonata para violino e piano que conhecemos por “Primavera”, ao passo que a integral do balé receberia o bem mais tardio Op. 43. Isso tudo só atesta o quanto a música repercutiu entre o público que a ouviu no Burgtheater, quanto o próprio apreço que Beethoven, até então muito seletivo com as obras que inseria em seu catálogo oficial de publicações, tinha por sua composição.

Quem conhece a interessante música para Prometheus poderá não se entusiasmar pela ideia de ouvi-la ao teclado, alegando que as cores orquestrais originais – cheias de solos, e que incluem alguns dos poucos compassos que Beethoven escreveu para a harpa e para o corno di bassetto – se perderiam no preto e branco do piano. O que lhes posso dizer é que o intérprete dessa gravação, aliás a primeira que se fez da transcrição, garante que haja toda cor possível. Leslie Howard, afinal, é veterano da colossal empreitada de gravar a obra completa de Liszt, legando-nos 99 CDs cheios da histriônica música do abade, e de tudo fez para que as complicadas e, admitamos, frequentemente enfadonhas partituras tivessem toda cor e vida que pudessem.

A obra que completa a gravação é a única possível: as variações para piano, Op. 35, que se baseiam no tema duma contradança de Prometheus. Ainda que celebrizadas como “Variações Eroica“, por conta da ainda mais famosa reaparição do tema no finale da Terceira Sinfonia, elas seriam mais apropriadamente chamadas de “Variações Prometheus”, uma vez que o balé para Viganò estreou três anos antes do portento que Beethoven dedicou, e iradamente desconsagrou, a Bonaparte.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quinze variações e uma fuga para piano sobre um tema original, em Mi bemol maior, Op. 35, “Variações Eroica”
Compostas em 1802
Publicadas em 1803
Dedicadas ao conde Moritz Lichnowsky

1 – Introduzione col basso del Tema
2 – A due
3 – A tre
4 – A quattro
5 – Tema
6 – Variation I
7 – Variation II
8 – Variation III
9 – Variation IV
10 – Variation V
11 – Variation VI
12 – Variation VII – Canone all’Ottava
13 – Variation VIII
14 – Variation IX
15 – Variation X
16 – Variation XI
17 – Variation XII
18 – Variation XIII
19 – Variation XIV – Minore
20 – Variation XV – Maggiore – Largo – Coda
21 – Finale – Alla Fuga- Allegro con brio – Andante con moto


Die Geschöpfe des Prometheus, música para o balé em dois atos de Salvatore Viganò, Op. 43, em transcrição para piano do próprio compositor (Hess 90)
Balé composto entre 1800-1 e publicado em 1804
Transcrição publicada em 1801
Dedicado à princesa Christiane von Lichnowsky

ATO I

22 – Overtura: Adagio – Allegro molto e con brio – attacca:
23 – Introduzione: La Tempesta. Allegro non Troppo – attacca:
24 – No. 1: Poco Adagio
25 – No. 2: Adagio – Allegro con brio
26 – No. 3: Minuetto

ATO II
27 – No. 4: Maestoso – Andante
28 – No. 5: Adagio – Andante quasi allegretto
29 – No. 6: Un poco Adagio – Allegro
30 – No. 7: Grave
31 – No. 8: Allegro con brio – Presto
32 – No. 9: Adagio – Allegro molto
33 – No. 10: Pastorale
34 – No. 11: Andante
35 – No. 12: Maestoso (“Solo di Gioia”)
36 – No. 13: Allegro – Comodo
37 – No. 14: Andante – Adagio (“Solo della Casentini”)
38 – No. 15: Andantino – Adagio (“Solo di Viganó”)
39 – No. 16: Finale

Leslie Howard, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily