Giuseppe Verdi (1813-1901): “Les Vêpres siciliennes” – ópera em cinco atos (Arroyo, Domingo, Milnes, Raimondi, Levine)

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Les Vêpres siciliennes” – ópera em cinco atos (Arroyo, Domingo, Milnes, Raimondi, Levine)
“Les Vêpres siciliennes”, “grand opéra” de Giuseppe Verdi – Paris, 1855.

Após célebre trilogia, formada por “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata”, Verdi aceitava especial convite, então, do “Opéra”, de Paris, integrando-se à “Grande Exposição”, de 1855. E “Rei Lear”, de Schakespeare, voltava a interessá-lo. Para isto, buscava libretista, após morte do amigo e poeta, Salvatore Cammarano…

A ópera francesa possuía requisitos próprios, tais como cinco atos, tradicional ballet, muito luxo e efeitos cênicos. Em geral, Verdi adaptava-se, desde que amarrado o efeito dramático, tal como fizera em “Jerusalém”, para o teatro francês…

Tais requisitos, no entanto, tiravam-lhe liberdade que oportunizou sucessos anteriores… Nesta ocasião, contava com escritor francês Eugène Scribe, espécie de produtor industrial de libretos, que desengavetou tema destinado, inicialmente, à Gaetano Donizetti e que viria tornar-se “Les Vêpres siciliennes”…

“Maria Callas (Elena) e Boris Christoff (Procida), em “I Vespri Siciliani”, Firenzi – Itália, 1951.

20ª ópera, possui particular densidade e riqueza musical. Sem espetacular fluência das anteriores, pede concentração… E Verdi necessitava discurtir libreto, dado as convenções e o tema, massacre imposto aos franceses, pelos sicilianos, no séc. XIII, que entendia inadequado ao evento… Libreto também mesclava personagens históricos, Guy du Montfort e Giovanni da Procida, com outros, ficcionais, Hélène e Henri, levando à flagrante confusão dos acontecimentos – “ou não seria ópera, diriam alguns”…

Pela falta de diálogo, Verdi queixava-se de Scribe. E quando ocorre inusitada fuga de cena, da jovem e excêntrica “prima donna”, tentou, inutilmente, romper contrato com “Opéra”… Imensa e complexa, “Les Vêpres siciliennes” sensibilizou franceses, pela dramaticidade e comovente melodismo, dança e folclore, belos ensembles e marcante abertura sinfônica, ao lado de “Nabucco” e “La forza del Destino”…

Aspectos iniciais

De volta à Sant’Ágata, após primeiras récitas de “La Traviata” – Veneza, 03/1853, Verdi cogitava nova ópera. E Césare de Sanctis, amigo e empresário, que colaborou na estreia de “Il Trovatore”, após morte do poeta Salvatore Cammarano, sugeriu Domenico Bolognesi, para libreto de “Fausto”, de Goethe. Verdi adorava a obra, mas disse: “não gostaria de colocá-la em ópera. Estudei, mas não a vejo musicalmente, pelo menos, do modo como penso a música”…

Giuseppe Verdi, músico e ativista do “Risorgimento” – por Achille Beltrame, 1899.

Se, de um lado, desinteressava-se por sugestões alheias, voltava-se, novamente, para “Rei Lear”, de Shakespeare… E recebeu correspondência de Antonio Somma, prestigiado dramaturgo, que propôs trabalharem juntos. Autor de teatro, Somma escreveu inúmeras tragédias de sucesso e fora diretor do “Grande Teatro”, de Trieste, onde Verdi estreou “Il Corsaro”…

Verdi respondeu discorrendo sobre sua evolução e amadurecimento. Também, como reagia a diferentes assuntos. Na atualidade, “não musicaria temas como ‘Nabucco’ ou ‘I due Foscari’, apesar de dramáticos, pois lhes faltavam variedade; e há dez anos, não teria me arriscado em ‘Rigoletto’…” E terminou a carta sugerindo à Somma leitura de “Rei Lear”, iniciando intensa correspondência…

Outono de 1853, Verdi partia para Paris, com Giuseppina Strepponi, levando dois atos do libreto de Somma, que nunca escrevera para ópera. Verdi planejava “Rei Lear” em três ou, no máximo, quatro atos… E estava comprometido com novo trabalho para “Opéra”, de Paris. Mas, não seria “Rei Lear”, que pretendia conceber de forma livre e audaciosa, sem submeter-se às convenções da ópera francesa…

“Lear na Tempestade”, desenho de George Rommey, sec. XIX.

Março de 1854, versos e cenas de “Rei Lear” avançavam, detalhada e sucintamente… No teatro, “longo era sinônimo de chato. E chato, o pior dos estilos”, dizia Verdi, referindo-se ao ritmo e fluidez do drama…

Nesta ocasião, Francesco Piave acompanhava produção de “La Traviata”, no Teatro “San Benedetto”, de Veneza, então, grande sucesso, após fracasso inicial, no “La Fenice”. Regozijando, Piave escreveu à Tito Ricordi: “gostaria que Verdi estivesse aqui, no lugar de Paris, incomodando-se com Meyerbeer”…

Também Somma informou do triunfo de “La Traviata”, com o soprano Maria Spezia, em “Violetta”. “Escuto coisas maravilhosas sobre ‘La Spezia’. Quem sabe, será uma boa ‘Cordélia’?” respondeu, pensando em “Rei Lear”… Ano de 1855, recebia dois últimos atos de “Rei Lear”, quando já havia concluído sua ópera parisiense, “Les Vêpres siciliennes”, a ser encenada em 13/06/1855… Contratempos da estreia, no entanto, levaram-no adiar composição de “Rei Lear”…

“Les Vêpres siciliennes”

Eugène Scribe (1791-1861), dramaturgo e libretista francês.

Para libreto de “Les Vêpres siciliennes” (ou “I Vespri Siciliani”), Verdi contou com Eugène Scribe, conhecido escritor francês de parcerias com Meyerbeer, Auber, Gounod e Donizetti. E após seis anos, desde o “rifacimento de I Lombardi”, que resultou em “Jerusalém”, Verdi voltava a produzir para “Opéra”, de Paris…

Scribe sugeriu, convenientemente, libreto escrito com Charles Duveyrier, de 1839, “Le Duc d’Albe”, destinado à Gaetano Donizetti. Tema histórico, que tratava de revolta flamenga contra dominação espanhola, no séc. XVI. Donizetti, falecido em 1848, deixara a ópera inacabada, sendo completada por Matteo Salvi – única récita em Roma, 1882…

Então, Scribe transferiu ação para Sicília e instruiu seu colaborador: “No lugar dos flamengos, que pretendiam expulsar os espanhóis, nos reportaremos aos sicilianos – furiosos, ultrajados e vingativos, que massacraram os franceses”. E deixou Verdi, por trinta anos, acreditando ser libreto original… 

Charles Duveyrier, libretista francês (1803-1866), Co-autor de “Les Vêpres Siciliennes”, com Eugène Scribe.

Assim, “Les Vêpres siciliennes” trata da rebelião contra presença francesa, 1282. Além de relação amorosa, ficcional, protagonizada por Hélène, nobre e idealista siciliana, e Henri, filho do governador francês…

A ópera se encerra no grande levante, um massacre conhecido como “Les Vêpres siciliennes” – sinal do ataque dado pelo badalar dos sinos, ao anunciarem os cânticos e orações das vésperas – “ofício cristão” ao entardecer… No caso da ópera, ao anunciarem o casamento de Hélène e Henri…

“Grande ópera” francesa

Primeira incursão de Verdi na “grand opéra” francesa, composição de “Les Vêpres siciliennes” ocorreu lentamente. Gênero consagrado por Meyerbeer, teve notáveis predecessores e contemporâneos…

“Medea”, de Luigi Cherubini, Milão – Itália, 1909.

Primeiros ensaios datam dos anos 20 e 30, do sec. XIX, inspirados nas grandiosidade e megalomania da “era Napoleônica”. Assim, na Paris cosmopolita do início do século, italianos como Luigi Cherubini e Gaspare Spontini buscavam estilo gradiloquente e monumental – para glórias da França e da burguesia ascendente!

Então, teatros modernizaram cenários e efeitos de palco, adequando-se à obras de longa duração e mega espetáculos… Não por acaso, iriam germinar conceitos como “obra de arte total”, de Richard Wagner, sintetizados na ópera – a música do romantismo!

E outros seguiram, com “La Muette de Portici”, de Auber, 1828; “Guilherme Tell”, última ópera de Rossini, 1829; e “La Juive”, de Halévy, 1835. Também, “Fausto”, de Gounod, de 1859; e “Les Troyans”, de Berlioz, 1858… E Wagner, aos 29 anos, fazia incursão com “Rienzi”, de 1842. Mas, foi Meyerbeer quem consagrou-se na cena parisiense, com “Robert le Diable”, 1831; e “Les Hugenots”, de 1836 – repertório ainda presente nos grandes teatros de ópera…

“Grand opéra” se caracterizava pela pompa e suntuosidade, pelos temas clássicos e históricos, grande orquestra e efeitos cênicos, luxos do vestuário e cenários, do número de solistas e dançarinos, inclusive animais, por vezes, a desfilarem no “palco cênico”… “Les Troyans” era tão complexa, que Berlioz nunca presenciou produção completa, por fim, ocorrida em duas noites – Karlsruhe, Alemanha, 1890…

“La muette de Portici”, Ato V, última cena – Paris, 1863. 1ª Grande ópera francesa, de Daniel Auber e Eugène Scribe.

Com elementos maximizados, a ópera do sec. XIX tornava-se imensa e lucrativa indústria, tal como o cinema, no séc. XX… Assim, empresários e solistas, músicos e libretistas faziam fortuna, entre eles, o próprio Verdi, por vezes, contrariado pelas convenções, mas atento aos contratos e direitos autorais – ou seja, muita “merde!” – na gíria da época, expressão de sucesso de público e financeiro… 

Mas, ao exigir produções caras e complicadas, tal modelo, por fim, provocou cansaço e reação, mantendo-se alguns elementos e enxugando-se outros, no intuito de reduzir excessos. Sobretudo, cenas desprovidas de drama ou paixão, de resto, apoiadas em “brilho e paetês”… Como diria Verdi: “chato é o pior dos estilos!”… Assim, óperas como “Aída” e “Don Carlo” ainda combinaram efeitos da “grand opéra”, mas preservando dramaticidade… 

“Robert le Diable”, “grand opéra” de Meyerbeer e libreto de Scribe – Pintura de Edgar Degas, 1876.

A fuga de Cruvelli… ou a “prima donna” sumiu!

Em carta à Clarina Maffei, amiga, intelectual e ativista do “Risorgimento”, Verdi lembrou antigo descontentamento com “La Scala”, de Milão, e também do ambiente parisiense, onde não pretendia estabelecer-se: “Sou apaixonado por meu próprio céu”, dizia…

E assinalou a superficialidade de “Etoile du Nord”, de Meyerbeer, apesar do sucesso de público; e de outro, produção tão descuidada de “Guilherme Tell”, de Rossini, num teatro que se pretendia principal da Europa… Mas, ainda permaneceu, por quase dois anos, na França. “Entre dois gumes”, Verdi também sentia-se acossado em seu torrão natal, pela oficialização da união com Giuseppina…

Condessa Clara Maffei, literata e apoiadora do “Risorgimento”, reunia, em Milão, ativistas como Grossi, Manzoni e Verdi.

Setembro de 1854, sua ópera francesa, “Les Vêpres siciliennes”, estava concluída, com ensaios previstos para outubro… No entanto, o soprano contratado sumira… Absolutamente, ninguém localizava Sophie Cruvelli! Jovem, talentosa e um tanto excêntrica, o soprano alemão italianizara seu sobrenome Crüwell, para Cruvelli. E aos 20 anos, era reconhecida em papéis verdianos, estreando numa montagem de “Attila”, em Veneza; depois “Ernani” e “Nabucco”, em Londres; e “Luisa Miller”, em Milão…

Em Paris, cantou “Norma” e “La Sonambula”, de Bellini; “Fidelio”, de Beethoven; e “Semiramide”, de Rossini, tornando-se celebridade!… Contratada na temporada, ensaiou “Les Vêpres siciliennes” por uma semana e, simplesmente, em “Les Hugenots”, faltou 1ª récita, ocasionando cancelamento e devolução de ingressos… 

Após duas semanas, “La France Musicale” reiterava: “Nada se sabe de Mlle. Cruvelli. Seu desaparecimento inesperado torna impossível, no momento, apresentação da ópera dos Srs. Scribe e Verdi. Nesta situação, Sr. Verdi declarou, oficialmente, que retirará a ópera”… E o assunto intrigou, por algumas semanas, o público. Afinal, que teria acontecido? Rapto, morte, algum affair…

Sophie Cruvelli, soprano alemão, consagrou-se em “Attila”, de Verdi – Veneza, 1847. Depois, mais de 60 récitas no “La Scala” – Milão, 1849.

Então, Verdi escreveu à Piave: “Dos acontecimetos musicais, saiba que ‘La Cruvelli’ fugiu! Para onde? Só o diabo sabe! Em princípio, algo que me deu ‘no saco’, mas agora, confidencialmente, estou me divertindo… A deserção ensejou rompimento contratual, o que já formalizei… E quanto às propostas compensatórias, usei de toda ‘grâce’ que você me ensinou, dizendo não a todas!”…

De fato, alheia aos compromissos e sem avisar, Sophie tirara uns dias, em Bruxelas e Estrasburgo, com o namorado e futuro esposo, barão Vigier, deixando, para trás, apreensão e caos. Boatos circularam nas principais cidades europeias. Até uma revista musical – “Where’s Cruvelli?” – foi encenada em Londres, onde a jovem “prima donna” também dera “o cano”, certa ocasião…

Mas, seu reaparecimento, semanas depois, desarmou o público, provocando risos, até gargalhadas… Logo na entrada em cena de “Les Hugenots”, a rainha indaga à Valentine: “Dis-moi le résultat de ton hardi voyage” (“Fale-me do resultado de sua ousada viagem”)… Para o público presente, cena foi irresistível – até para os mais indignados! E a performance, convincente. Também, “Les Vêpres siciliennes”, seu último e grande triunfo. Dois anos após, Sophie casava-se com barão Vigier e abandonava os palcos…

Giuseppe Verdi, músico italiano, ativista do “Risorgimento”, nomeado senador por Vittorio Emanuele, rei de Itália, 1874.

“Exposition Universelle des Produits de l’Agriculture, de l’Industrie et des Beaux-Arts de Paris” – 1855

A estreia de “Les Vêpres siciliennes” ocorreu durante “1ª exposição universal”, realizada em Paris, 1855. Evento grandioso da administração Haussmann e do regime de Napoleão III, motivada pela grande exposição de Londres, de 1851, onde o imperador francês esteve exilado, passando a admirar a nação inglesa… Assim, presença da rainha Vitória era simbólica – última visita à França foi de Henrique VI, há cerca de 400 anos…

“Palácio da Indústria” – Exposição Universal, de Paris, 1855.

Mais de 5 milhões de visitantes percorreram as instalações… Artefatos de luxo dominaram setor industrial. Também pratarias, candelabros e urnas da “antiguidade e da cultura renascentista; além do gótico, romano e árabe, colecionados por monarcas franceses”… As exposições francesas, no entanto, ficaram aquém das britânicas, do “Crystal Palace”, de 1851 – e as rivalidades se evidenciavam. Nas artes plásticas, no entanto, franceses como Ingres e Delacroix destacaram-se; também nascia classificação oficial dos vinhos de “Bordéus”…

Rainha Vitoria e Napoleão III visitam edifício das “Belas Artes” – Exposição Universal, de Paris, 1855.

Naquele contexto, entre rivais esnobes e poderosos, culturas coloniais se representavam através de artefatos exóticos, matérias primas e alimentos, que abasteciam as nações europeias, engrandecidas e partilhando o mundo…

De outro, haviam críticos, como Mirabeau, “da arquitetura das instalações”, de Renan – “o útil não enobrece”, considerando ética e progresso; ou Baudelaire, “da continuidade do progresso, se culturas e individuos ascendiam e declinavam, apesar dos avanços materiais”… Ou seja, como dialogavam: progresso, felicidade e igualdade… Tais reflexões, no entanto, passaram ao largo do entusiasmo e das crenças ufanistas – do otimismo de ocasião…

Hector Berlioz, músico francês, por Kriehuber, 1845.

E para encerramento, concerto público dirigido por Berlioz – cantata “L’Imprériale”, “Symphonie Triomphale” e “Te Deum”, com cerca de 1.200 artistas… E Berlioz resumiu: “A música pouco importava e foi interrompida para discurso do príncipe”… “Mas, havia outro concerto, dia seguinte”… “para ocasião contava efeito maior, em local que acolhia a multidão”… “tributo às conquistas do imperador e da nação”… e “todos proclamando a civilização francesa, em mais um apogeu!”… “Vive la France!”

Estreia no “Opéra” – Paris, 13/06/1855 – “Salle le Peletier”… 

Durante o “episódio Cruvelli”, Verdi recebeu convite de Gênova. Novo teatro se erguia na cidade e para inaugurá-lo, não apenas uma ópera, mas o consentimento para chamá-lo “Teatro Verdi”, do que o músico declinou, embora, concordando em compor uma ópera. E Tito Ricordi sugeriu “Rei Lear”, cujo libreto estava pronto…

Cartaz do “Opéra”, de Pais, para estreia de “Les Vêpres siciliennes”, com soprano Sophie Cruvelli, 1855.

Mas, Verdi deixara “Rei Lear” de lado, diante dos contratempos de “Les Vêpres siciliennes”. E ainda descontente com libreto, sobretudo, o 5° ato, escreveu à François Crosnier, diretor do “Opéra”: “algo mortificante e perturbador, para mim… se tivesse previsto tal indiferença, teria ficado em meu país”, referindo-se ao inacessível Scribe. Pretendia encerrar a ópera com “cena comovente, que trouxesse lágrimas e cujo efeito era certo… assim, teria melhorado a ópera, que nada tem de tocante, exceto a ‘romace’ do 4° ato” – opinião de Verdi…

Também queixou-se da ausência do libretista nos ensaios, além da indisposição para revisar versos inapropriados ou difíceis de cantar… E conforme combinado, nada que atacasse a honra dos italianos: “Sr. Scribe ofende franceses porque foram massacrados; e italianos, reduzindo Procida à conspirador convencional… Se existem virtudes e vícios em todas as raças, não somos piores que o resto… Assim, não me tornarei cúmplice de ofensas à meu país!”…

François-Louis Crosnier, dramaturgo, político e diretor de teatro francês.

Verdi revelava todo desconforto, tanto pelos aspecto dramático e artesanal do enredo, quanto descuido no tratamento político, do que era zeloso, dado ideais de liberdade e unificação do país – sicilianos se insurgiam contra dominação; e franceses não eram vítimas, apesar de sofrerem violento massacre…

Assim, “episódio Cruvelli” suscitou considerações do que seria “catástrofe anunciada”, propondo dissolução do contrato, mesmo com prejuízos mútuos… E finalizou pedindo à Crosnier que ouvisse sua experiência: “sucesso era algo improvável!”…  

Mas, Crosnier não aceitou recisão contratual, apesar da extensa argumentação. Ensaios foram retomados, prolongando-se por 5 meses, e Verdi obteve alguns ajustes do libreto… Hector Berlioz, que assistiu ensaio, observou: “Verdi está em desavença com toda aquela gente do ‘Opéra’… lamento… e ponho-me no lugar dele, um artista valoroso e honrado!”…

Finalmente, “Les Vêpres siciliennes” foi à cena, em 13/06/1855, com a excêntrica Sophie Cruvelli, como ‘Hélène’… Crítica e público, no geral, aprovaram. E Verdi escreveu à Clarina Maffei: “Ao que parece, ‘Les Vêpres siciliennes’ não foi mal… Imprensa foi moderada ou favorável, exceto por 3 jornalistas italianos”…

“Théâtre de l’Académie royale de musique” – “Grand salle Le Peletier”, conhecido como “Opéra”, de Paris, até o incêndio, de 1873 – palco da estreia de “Les Vêpres siciliennes”. Atual “Opéra” ou “Opéra Garnier” sucedeu aquele espaço, na administração Haussmann – Napoleão III, inaugurado em 1875.

Também aprovação de músicos franceses, como Adolphe Adam, que declarou-se “convertido à música de Verdi”; e Berlioz, escrevendo em “La France Musicale”: “Apesar dos méritos de ‘Il Trovatore’ e tantas obras comoventes, ‘Les Vêpres siciliennes’ apresenta expressivo melodismo, sóbria orquestração e poéticas sonoridades, que agregam maiores força e amplitude”… 

Passada estreia, Verdi pretendia retornar à Sant’Agata em duas semanas, mas permaneceu 6 meses, com Giuseppina, em Enghien-les-Bains, norte de Paris… E foi à Londres tratar de “royalties”, referentes à “Il Trovatore”, que demandavam tornar-se cidadão inglês, francês ou piemontês, por recentes acordos… Ao que respondeu: “quero permanecer o que sou, vale dizer, um camponês de ‘Le Roncole’. E prefiro pedir ao governo de ‘Parma’ que faça um acordo com a Inglaterra”… 

“Les thermes”, Enghien-les-Bains, norte de Paris.

Eugène Scribe 

Além de prolífica, a dramaturgia de Scribe se caracterizou pelo trabalho colaborativo. Pois, combinado aos dotes literários, foi talentoso agenciador e empresário, reunindo escritores de acordo com a demanda, fosse para o teatro popular ou para ópera…

Eugène Scribe (1791-1861), dramaturgo e libretista francês.

Nascido em Paris, Eugène Scribe, cedo, revelou interesse pelo teatro e literatura. Destacou-se no prestigiado “Collége Saint-Barbe” e iniciou estudos de direito. Filho de comerciantes de seda, abandonou a advocacia, após falecimento da mãe, para dedicar-se, exclusivamente, ao teatro, junto com ex-colega, Germain Delavigne… Assim, desde jovem, acostumou-se a produzir coletivamente…

De início, sobreviveu com herança familiar, enquanto as peças, escritas com Delavigne, obtinham gradual reconhecimento. Aos 22 anos, escreveu 1° libreto, para “La chambre à coucher”, “opéra-comique” de Luc Guénée. Sucesso maior, no entanto, veio com a comédia “Une nuit de la Garde nationele”, em parceria com Charles Delestre-Poirson…

Em cinco anos, se estabelecia como dramaturgo e fundava o “Théâtre du Gymnase”, com estreia de “Le Boulevard Bonne-nouvelle”, também escrita com dois amigos, Charles Duveyrier e Charles Moreau… E na década de 1820, mais de 100 peças para o “Gymnase”, além de libretos e peças para “Comédie-française”, “Opéra” e “Opéra-comique”…

Daniel Auber, músico francês, da 1ª “grand opéra”, “La muette de Portici”, 1828, libreto de Eugène Scribe.

E iniciava longa colaboração com o compositor Daniel Auber, que resultou em 39 libretos, entre eles, “La Muette de Portici”, de 1828, primeira “grande ópera” francesa… Depois, com Giacomo Meyerbeer, consolidou o gênero, em “Robert le Diable” e “Les Hugenots”; e “La Juive”, com Halévy, de 1835… Também colaborou com Rossini, Cherubini, Donizetti, Gounod, Thomas e Offenbach. E com Verdi, “Les Vêpres siciliennes”, de 1855, em parceria com Charles Duveyrier…

Assim, boa parte do sucesso deveu-se aos colaboradores, difundindo-se, jocosamente, que Scribe “contratava um para a narrativa, outro para os diálogos e um terceiro para as piadas”… No entanto, era uma tradição francesa e algo confortável para o autor. Conta-se, era tão escrupulosamente honesto, ao dividir o sucesso, que, por vezes, remunerava alguém até por simples ideia ou sugestão…

Sua obra inclui 120 libretos, com 48 músicos; e mais de 300 peças teatrais, com 60 co-autores; além de 130 títulos originais… Relatos dão conta de ser metódico e incansável, ocupando-se todas as manhãs, a partir das 5:00hs ou 6:00hs, até meio-dia, na prática da escrita…

E a partir de 1830, quando publica “Bertrand et Raton”, inicia série de comédias históricas e políticas, embora, muitos entendam, pouco relacionarem-se com política ou história, mas tornaram-se modelo de novo gênero e que lhe valeram indicação para “Académie Française”, eleito em 1836… 

“Bertrand et Raton” ou “L’art de conspirer”, comédia de Eugène Scribe – litografia de Honoré Daumier, séc. XIX.

Embora introduzindo questões sociais, objetivo maior era entretenimento. Assim, desenvolveu conceito “la pièce bien faite” (“peça bem feita”), onde preconizava: enredo conciso, narrativa convincente, estrutura padrão e pouca reflexão intelectual… Por vezes, artistas buscavam mais retratar sua época – “le état d’esprit”, do que discuti-la. E o faziam através de enredos e personagens pouco complexos, ou minimamente conflituados e reflexivos… Visando, sobretudo, assimilação e sucesso…

Tais conceitos se refletiam na “grand opéra”, onde a simplificação, do enredo e dos personagens, se revestia de luxo e empolamento; onde conteúdo maior, por vezes, se tornava celebrar o luxo, no palco e na platéia. Uma arte que suscitasse sofisticação e glamour, apropriada à nova burguesia, em portentoso ritual, ainda que, esteticamente, com leveza de conteúdo – arte para um estilo de vida, mais representativa do que reflexiva…

Giacomo Meyerbeer, músico alemão, consagrou-se na “grand opéra” francesa, com “Robert Le Diable” e “Les Hugenots, libretos de Eugène Scribe.

E de fato, as peças lhe renderam sucesso de público e financeiro, o que lhe permitiu acumular patrimônio e apoiar instituições beneficentes… Autor eclético, também introduziu atmosferas evocativas, de sonho e sobrenatural, nas peças e libretos…

Alguns dramaturgos, como Henrik Ibsem e Bernard Shaw lhe reconheceram qualidades… Outros, como Théodore de Banville e Théophile Gautier, o criticaram: “máximo da arte burguesa e filistinista (anti intelectual) para agradar as massas”… ou “como alguém sem poesia, lirismo, estilo, filosofia, verdade e naturalidade, se tornou autor mais elegante de seu tempo?”…

E o próprio Scribe alegou que o público do sec. XIX não frequentava o teatro para instruir-se, como no sec. XVIII, mas para distrair e entreter-se: “segredo está em obter confiança do espectador, de atender suas expectativas, de torná-lo partícipe, como se fosse um colaborador que, por fim, aplaude a si mesmo”… 

Na “Académie Française”, disse: “não acredito que um dramaturgo possa tornar-se historiador – não é sua missão. Nem o próprio Moliére recuperou a história de seu tempo”… E quanto às óperas, alguns comentaram: “libretos parecem frutos de algum universo paralelo, de vago colorido histórico e geográfico, povoado por personagens incongruentes, sofrendo crises implausíveis”…

Trata-se, portanto, de autor controverso. De um lado, pronto a seduzir, atento às expectativas de público e pouco inclinado a discutir seu tempo… De outro, atraiu atenção de nomes como Alexandre Dumas, filho, Oscar Wilde e Arthur Miller…

“La Juive”, grande ópera de Halévy e Scribe – Ato 1 da produção original de 1835, desenhada por Charles Séchan, Léon Feuchère, Jules Dieterle e Édouard Desplechin.

Verdi teve dificuldades com Scribe. E divergências ficaram claras no enredo e tratamento histórico de “Les Vêpres siciliennes”. Por fim, obteve alguns ajustes do libreto e maior coerência dramática. Ainda teriam colaboração indireta, em posterior adaptação de Antonio Somma, de “Gustavo III”, escrito por Scribe para Daniel Auber, que resultou em “Ballo Maschera”…

Vésperas sicilianas – ano de 1.282

Origem da revolta deveu-se ao coroamento de Carlos I de Anjou, rei da Siília, em 1266, estabelecendo “domínio angevino”, que reduzia poderes locais e aumentava impostos. Carlos I derrotara o rei Manfredo, representante do “Sacro Império Romano Germânico”, na batalha de Benevento; e, posteriormente, decapitou Conradino da Germânia, filho de Manfredo e pretendente ao trono da Sicília, em 1268…

Carlos I de Anjou derrota Manfredo, rei da Sicília – batalha de Benevento, 1266.

Fatos ocorreram no âmbito da “baixa idade média” e das “cruzadas”. Também da rivalidade entre os “guelfi”, partidários do papa; e os “gibelinos”, partidários do “Sacro Império Romano Germânico”, pelo controle da Sicília…

Processo complexo, onde Carlos I representava interesses “guelfi” e pleiteava apoio, do papa Gregório X, para empreender uma “cruzada”, a partir do título de rei de Jerusalém e da ocupação de Saint Jean d’Acre, “cabeça de ponte” para a “Terra Santa”… E o estratégico porto de Messina, abrigo da “frota angevina” para conquista do oriente médio e dos ortodoxos bizantinos…

Neste contexto, estourou revolta local, em Palermo, espalhando-se pela ilha, com rápida expulsão dos franceses. O estopim é controverso. Conta-se, na Páscoa de 1282, provocação de soldado francês, a uma jovem casada siciliana, teria revoltado o marido, que matou o soldado… também, pedras atiradas por crianças e repelidas com violência pelos franceses… ou seja, rejeição e estranhamentos cotidianos teriam culminado em violenta mobilização popular…

Pedro III, de Aragão, coroado Pedro I, da Sicília, após vitória sobre Carlos I de Anjou.

Em minoria, franceses fugiram para os navios, ancorados na costa, ou disfarçaram-se em trajes civis, sendo facilmente identificados, quando obrigados a pronunciar “grão de bico” em “ciciri” – dialeto siciliano, pela chamada técnica do “xibolete”…

Pólo comercial e militar do mar Mediterrâneo, a ilha da Sicília era cobiçada por grandes nações, que formavam alianças e disputavam interesses… Frente à expulsão dos franceses, Carlos I tentou recuperar a ilha, com apoios de Afonso X, de Castela e dos “guelfi”, de Veneza; mas sicilianos contavam com apoios de Pedro III, de Aragão, e da frota bizantina, de Miguel VIII; além de Rodolfo I, da Germânia, Eduardo I, da Inglaterra e dos “gibelinos”, de Gênova…

Vitorioso, Pedro III foi coroado Pedro I, da Sicília. Mas, foi excomungado pelo papa Martinho IV, junto com apoiadores sicilianos, deixando a esposa, Constança de Hohenstaufen, filha do rei Manfredo, em seu lugar… Assim, retornavam as influências “gibelinas” e do “Sacro Império”… Instabilidade e disputas, no entanto, permaneceram com as chamadas “guerras das Vésperas”, prolongando-se até 1372, no tratado de “Avignon” – após 90 anos de lutas…

Constança de Hohenstaufen, rainha de Aragão – Condessa de Barcelona, depois rainha da Sicília.

Pela contundência do levante, ao badalar dos sinos nas “Vésperas”, de 1282, supõe-se que a população estava pronta para ação, sobretudo, frente à pequena guarnição francesa. Além disto, note-se a presteza com que se formaram alianças internacionais, fossem de apoio aos sicilianos e aragoneses; ou aos franceses, que não mais retomaram a ilha…

Figura particular do conflito foi João de Procida, médico e jurisconsulto, que aproximou-se de Manfredo de Hohenstaufen, rei deposto da Sicília; e depois, do filho, Conradino da Germânia. Mas, com as derrotas sucessivas, exilou-se, sendo acolhido por Constança de Hohenstaufen e nomeado chanceler de Aragão, por Pedro III. Então, retornou à Sicília, como diplomata, para atuar junto aos “gibelinos”, nas resistência e preparação do histórico levante – “Vésperas sicilianas”, 30 de março de 1282…

E Guy du Montfort, nobre que prestou serviços à Carlos I de Anjou, como vigário-geral, na Toscana… Mas, por vingança das mortes do pai e irmão, assassinou, cruelmente, o primo, Henrique de Almain, durante eleição papal, de 1271, o que lhe valeu excomunhão… Então, voltou a servir Carlos I, sendo preso pelos aragonenses, na costa da Sicília, 1287… Implacável, foi colocado, por Dante, no “7° circulo do Inferno – rio de sangue fervente”… Na ópera de Verdi, apresentado como governador da Sicília… 

Libreto

Dado a complexidade do tema, uma redução à estereótipos “vítima e agressor”, “bem contra o mal” ou “heróis versus vilões”, incomodava Verdi. Afinal, franceses ocuparam a ilha, mas cena final, do massacre siciliano, muito provavelmente, despertaria indignação na plateia francesa…

João de Procida, médico e jurisconsulto, chanceler de Aragão.

Se tema abordava disputas maiores, de interesses entre grandes nações, por vezes, entremeadas de sublevações locais, ora desejosas de serem governadas por uns, ora por outros, eram fatos passados que pouco importariam ao público… Mas, a teatralização do massacre, frente à orgulho atávico, preocupava Verdi… 

Na Itália, a ópera era instrumento de propaganda e fomento da unificação. Daí intensificar-se no músico italiano, adepto do “Resurgimento”, preocupação com simbolismos embutidos no libreto, tal como nas óperas da fase – dos “anos nas galés”… Provável exagero frente à plateia francesa, que acabaria por acolher a ópera…

E sendo nacionalista, também era inaceitável escrever música em texto que desqualificasse fato histórico ou povo italiano. E argumentava, “bons e maus existiam em todas as raças”, frente à maniqueísmo simplista que enredo poderia induzir… Se a cena final estigmatizasse o “mau”, algo injusto com a população oprimida; de outro, vitimizaria o opressor, então, reconhecido “bom”; em flagrante inversão de valores, além de desconsiderar contextos maiores…

Para Verdi, libreto estava mal planejado ou infeliz escolha… E cena final incomodava por considerá-la também ofensiva aos franceses… Artista politizado, apesar da rusticidade campesina, preferia encerrar a ópera em cena comovente, focada no par romântico, evitando provocações e ao largo de eventuais reações xenófobas… Daí, necessidade de diálogo com Scribe…

Cidade de Palermo – Sicília, Itália.

Curiosamente, tema gerava mais desconforto à Verdi, honrado pelo convite, do que aos libretistas franceses, por apresentar algo inoportuno, em meio aos eventos da “Grande Exposição”… E afinal, fora agraciado com a “Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra”, pelo imperador Napoleão III, em 1852 – preocupações que lhe percorriam a mente, função da temática…

Assim, tais questões suscitavam ruptura do contrato, diante de “provável fracasso”, da falta de diálogo com Scribe e pelo episódio “Cruvelli”, inusitado mas oportuno, a desorganizar temporada do “Opéra”. Por fim, Verdi conseguiu adaptações do libreto, contrato permaneceu e “Les Vêpres siciliennes” foi bem sucedida…

Cena do 1° ato – “I Vespri Siciliani”, de G. Verdi.

Sinopse

A ópera desenvolve-se durante a ocupação francesa da Sicília, séc. XIII. E libreto mescla revolta local com amor de uma nobre siciliana, Elena, por Henri (Arrigo, na adaptação italiana), ambos personagens ficcionais e ativistas pela causa da Sicília. No enredo, Henri desconhecia ser filho do governador francês, Guy du Montfort, que tenta conquistar sua afeição e convencê-lo a assumir-se como francês… Elena, por seu lado, exorta Henri a vingar morte do irmão, executado por Montfort…

Outro personagem, o revolucionário Giovanni da Procida, fomenta indignação dos sicilianos contra os usurpadores franceses. Mas, Montfort mostra carta de uma mulher – mãe de Henri, escrita no leito de morte, onde confessava ser Monfort, seu pai… De início, Henri se revolta, mas acaba sensibilizado, protegendo Montfort de atentado, planejado por Elena e Procida…

“I Vespri siciliani” – “Arrigo! Ah, parla a un core”, 4° Ato – manuscrito de Verdi.

A suposta filiação de Henri, no entanto, não o demove da luta siciliana, mas causa rejeição entre os companheiros. Então, reitera estar pronto para morrer pela Sicília, porque ama Elena e sua terra! No entanto, revoltosos são presos e Henri considerado traidor. De outro, ao saber ser Henri, filho de Montfort, Elena o perdoa por recuar do atentado. E Giovanni da Procida, obstinado, insiste na causa siciliana…

Diante das prisões e condenações de Elena e Procida, Henri, em imensa dor, reconhece filiação e apela ao pai, por misecordia – condição imposta para libertação dos revoltosos. Montfort exulta, concede perdão aos revoltosos e vislumbra, no casamento de Elena e Henri, pacificação do conflito… Mas Procida, ao contrário, vê oportunidade para sublevação, ao repique dos sinos, nas bodas de Elena e Arrigo!

Ciente do ataque e dividida, Elena desespera-se, tenta renunciar ao casamento, mas Montfort, convencido dos sentimentos de ambos, atende apelo de Arrigo e realiza cerimônia. Sinos tocam e multidão investe em violento confronto – tropas francesas são massacradas! 

Após estreia francesa, Verdi acompanhou tradução italiana, de Arnoldo Fusinato, para produções em Parma e Turim, final de 1855. E por razões de censura, adaptada como “Giovanna de Guzmann”, com ação em Portugal; depois, como “Batilde di Turenna”, em Nápoles, 1857. Muito encenada, finalmente, consagrou-se temática original, em italiano, como “I Vespri siciliani”: 

“I Vespri Siciliani” – Cenografia do Ato V, de Filippo Peroni.

Ação ocorre em Palermo, Sicília – 1.282, séc. XIII.

  • Personagens: Hélène (Elena), irmã de Frederico da Áustria (soprano); Henri (Arrigo), jovem siciliano (tenor); Guy du Montfort (Guido di Montforte), governador francês da Sicília (barítono); Giovanni da Procida, médico siciliano (baixo); De Béthune e Conde Vaudemont, dois oficiais franceses (baixos) ; Ninetta, criada de Elena (soprano); Danieli, jovem siciliano (tenor); Thibault (Tebaldo) e Robert (Roberto), dois soldados franceses (tenor e baixo); Manfredo, um siciliano (tenor);
  • Coros: População siciliana e guarnição francesa;
  • Ballet: Cavalheiros e damas, entre franceses e sicilianos.

Ópera inicia com “Sinfonia” – abertura orquestral

1° Ato – Praça principal de Palermo 

Após célebre abertura sinfônica, abre-se o 1° Ato… Renunidos na praça, em frente ao palácio do governo, guarnição francesa brinda à pátria, formada por Thibault, Robert e outros… Afastados do local, populares observam, descontentes com a presença francesa… Ocupantes mostram arrogância, inclusive desrespeito às mulheres. E sicilianos externam sua raiva…

Sophie Cruvelli – célebre soprano, “Hélène”, estreia de “Les Vêpres siciliennes”, Paris, 1875.

Tendo irmão executado pelos franceses, entra nobre e ativista siciliana, duquesa Elena, vestida de preto. E Robert, entre soldados bêbados, manda que cante… Entristecida, Elena concorda e entoa canção dos marinheiros, na dolente cavatina “Deh! Tu calma, o Dio possente, col tuo riso, el cielo e mar” (Ah! tu acalmas, Deus poderoso, com teu sorriso, o céu e o mar”); mas na cabaletta, incisivo “allegro giusto”, incita sicilianos contra a ocupação, “Coraggio! su coraggio, del mare audaci figli!” (“Coragem! Coragem, ousados ​​filhos do mar!”), “Il vostro fato è in vostra man!” (“Vosso destino está em vossas mãos!”)…

Populares investem contra soldados, mas entra governador francês, Guy du Montfort. Revoltosos se acalmam e afastam-se… Permanecem Elena, Ninetta, sua criada, e Daniele, jovem siciliano. Em quarteto, quase “à capela”, Elena inicia, “D’ira fremo all’aspetto tremendo” (“Tremo de raiva, diante de terrível aparência”). E responde Ninetta, “Tace l’ira all’aspetto tremendo, Il mio seno s’agghiaccia d’orror” (“A raiva silencia, meu peito congela de horror”)… Ameaçador, Monfort canta: “D’odio fremon compresso, tremendo, Ma di sprezzo sorride il mio cor!” (“Tremem, intensamente, de ódio, mas meu coração sorri com desprezo!”)…

Cena “I Vespri siciliani” – Opera Estatal de Viena, 2024.

Em seguida, entra Arrigo (Henri, na produção francesa), ativista siciliano, recém libertado pelos franceses. Montfort ordena saída de Elena, Ninetta e Danieli. Arrigo permanece e iniciam grande duetto. Monfort indaga por sua família… “Qual è il tuo nome?”… Arrigo é suficiente, responde, “Il mio rancore Ti è noto! al mio nemico Ciò basti!” (“Conheces meu rancor! Para um inimigo é o que basta!”)… Arrigo desconhecia o pai, mas refere-se ao duque Frederigo, que o acolheu quando criança… “Fellone!” (“Maldito!”), reage Montfort. E Arrigo responde, “Di giovane audace pùnisci l’ardir!” (“Castiga minha ousadia juvenil!”)…

Montfort, gradualmente, revela admiração pelo caráter e coragem do rapaz. E tenta cooptá-lo para servir à França, desde que se afastasse de Elena. Arrigo fica surpreso. Montfort sabia de seu amor pela siciliana, “Leggo nel tuo pensiero, per me non v’ha mister” (“Leio em teu pensamento, para mim não existem segredos”), diz Montfort. Generosa ou corruptora oferta do governador escondia, de fato, a paternidade de Arrigo… Daí, cuidado na condução da conversa, embora enérgica…

Mas, resoluto, Arrigo recusa, “Sono libero e l’ardire di grand’alma è innato in me! L’ira tua mi può colpire, ma non tremo innanzi a tee” (“Sou livre e audácia me é inata! Tua ira pode golpear-me, mas nada temo”)… “Per lei disfido io morte!” (“Por ela desafiarei a morte!”) e dirige-se ao palácio de Elena, encerrando 1° Ato…

Louis-Henri Obin – baixo, “Giovanni da Procida”, estreia de “Les Vêpres siciliennes”, Paris, 1855, por Alphonse Liébert.

2° Ato – Na orla marítima

Voltando do exílio, em pequeno barco pesqueiro, João de Procida, médico e revolucionário, desembarca no litoral siciliano. Cena abre com dolente melodia, no oboé. Saudoso, Procida exalta sua terra, “O patria, o cara pátria, alfin te veggo!”, e sua alegria, “O tu, Palermo, terra adorata…!” sendo recebido por Manfredo e outros companheiros… Então, solicita reunião com Elena e Arrigo, para tratarem da ocupação francesa, em “Nell ombra e nel silenzio…” (“Na escuridão e no silêncio…”)

Planejam uma rebelião, a desencadear-se na festa de casamento de jovens sicilianos. Procida se retira e Elena pergunta à Arrigo, que recompensa desejaria, por participar do levante. Arrigo responde: nada além do amor, jurando vingar morte do irmão de Elena!… Em duetto, Elena canta, “Quale, o prode, al tuo coraggio potrò rendere mercé?” (“De que forma poderei recompensar tua coragem?”)… e Arrigo, “O donna, t’amo! Ah sappilo! né voglio altra mercé, che il diritto di combattere e di morir per te!” (“Mulher, te amo! Tens que saber! Não desejo outra gratidão, além do direito de lutar e morrer por ti!”)…

Entra oficial francês, De Béthune, trazendo convite para uma festa, enviado por Montfort. Ao recusar, Arrigo é preso e conduzido… Entra Procida… Jovens sicilianos reunem-se na praça e dançam. Ouve-se brilhante “tarantella”!… A fim de acirrar ânimos, Procida sugere aos soldados franceses aproximarem-se para importunar mulheres sicilianas. Liderados por Robert, retiram algumas jovens, sob protestos, para levá-las à festa, enquanto outras fogem… Cena de algazarra, tumulto e efeitos de coro, entre franceses e sicilianos… Plano de Procida surtira efeito! E junto aos companheiros, decidem infiltrar-se no baile e buscar vingança!… Encerrando 2° Ato…

Cena “I Vespri siciliani” – Opera Estatal de Viena, 2024.

3° Ato

Cena 1 – No palácio de Montfort

Curta introdução das cordas abre a cena. Solitário e acossado pelo passado, Montfort reflete. Um filho desconhecido reaparecia, cuja mãe fugira, enducando-o no ressentimento pelo pai, então, opressor do povo siciliano. Agora, no leito de morte, mandava carta revelando ser Arrigo, jovem e destemido inimigo, seu filho… Em monólogo, Montfort canta “Sì, m’abborriva ed a ragion! cotanto vêr lei fui reo, che giunsi un dì a rapirla!” (“Sim, me odiava e com razão! Fui mal e cheguei a raptá-la, um dia!”)… Entra De Béthune e avisa que Arrigo fora preso e se encontra no palácio. Montfort lamenta, “In braccio alle dovizie, in seno degli onor, un vuoto immenso, orribile, regnava nel mio cor…” (“Nos braços das riqueza e honrarias, imenso, horrível vazio reinava em meu coração…”) 

Marc Bonnehée – barítono, “Guy du Montfort”, estreia de “Les Vêpres siciliennes”, Paris, 1855 – foto Pierre Petit.

Entra Arrigo, estranha certa cordialidade e inicia grande duetto, “Sogno, o son desto?” (“Estou sonhando ou desperto?”), “Inver di strana sorte, se da te non m’aspetto altro che morte!” (“Estranha sorte, se de ti só espero a morte!”). E Montfort, “La speri invan!” (“Esperas em vão!”). E Arrigo, “difender la sua terra e nobil scopo. Io combatto un tiranno” (“defender sua terra é nobre, combato um tirano!”). Monfort, “Ma da vil lo combatti. Colla spada io ferisco e tu il pugnale, nell’ombra vibri!” (“E fazes de forma vil. Luto com a espada e tu com punhal, nas sombras!”). Arrigo, “Per mia sventura! ” (“Para minha desgraça!”)…

“O stolto, cui salvò la mia clemenza” (“Estúpido, minha clemência te salvou”), diz Monfort, no arioso, “Quando un ribelle in te salvava, Arrigo… nulla ti disse il cor? (“Quando um rebelde te salva, Arrigo… nada te diz o coração?”).  Arrigo estremece, “A qual tormento nuovo, spietato, il crudo fato – mi condannò!” (“A que novo tormento, cruel destino me condenou!”)…

Música se agita e Monfort canta, “Ebben, Arrigo! se il mio tormento l’ingrato core non ti colpì, or di tua madre leggi 1’accento!” (“Pois bem, se meu tormento não comove teu coração ingrato, então, lê palavras de tua mãe!”)… E Arrigo, “Che? di mia madre?”… Em célebre melodia da abertura sinfônica, Monfort canta mirando o filho, “Sì, mentre contemplo quel volto amato!… Benché velato d’atro dolor, l’alma è commossa. Io son beato, tutto ho ripieno di gaudio il cor!” (“Enquanto contemplo rosto amado!… embora, velado por dor amarga, tenho alma comovida. Sinto-me abençoado e coração pleno de alegria!”).

Cena de “I Vespri siciliani” – Plácido Domingo, tenor – Paris, 1974.

Arrigo se encanta com a letra materna. Mas, surpreende-se, “O ciel! che scopro?… arcan funesto mi si rivela… fremo d’orror! (“O céu! que descubro?… terrível segredo… tremo de horror!”). E Monfort indaga, “Ma fuggi il mio sguardo, O figlio?” (“Porque evitas me olhar, filho?”). Indignado, Arrigo sussurra, “O donna, Io t’ho perduta!” (“Mulher, eu te perdi!”)… Música se agita! Monfort, vaidoso de sua posição, tenta seduzir, gaba-se do poder e tudo que desfruta… “Il mio potere, Arrigo, sconosciuto t’è dunque?” (“Meu poder te é desconhecido”)…  “So! che tu accenni, a te concesso fia… titoli, onor, dovizie, speri. Quanto ambizion desia!” (“Basta pedir e te será concedido… títulos, honrarias, riquezas. Quanto tua ambição desejar!”)…

Ao que Arrigo responde, “Al mio destin mi lascia e pago allor sarò!” (“Deixa seguir meu destino e me darei por contente!”). Monfort insiste, “Ma non sai tu che splendida fama suonò di me?” (“Mas, não sabes da esplêndida fama que desfruto?”). E Arrigo, incisivo, acusa: “Nome esecrato egli è!” (“Teu nome é execrável!”)… Então, Monfort se ofende e reage, “Parole fatale, Insulto mortale” (“Palavra fatal! Insulto mortal!)… “La gioia è svanita che l’alma sperò!” (“Toda alegria se esvaneceu!”)… “Che un barbaro figlio sul padre scagliò” (“Filho cruel, que renega seu pai!”)…

Louis Gueymard – tenor, “Arrigo”, estreia de “Les Vêpres siciliennes”, Paris, 1855, por Etienne Carjat, 1857.

Na orquestra, “allegro assai”, Arrigo suplica, “Ah! rendimi, o fato, l’oscuro mio stato!” (“Ah! devolve, destino, meu estado de pobreza!”). Monfort segue, “T’arresta, Arrigo! plachisi Quell’ostinato core!” (“Controla-te, Arrigo! Acalma o duro coração!”)… E atormentado, Arrigo canta, “Lasciami, o crudo, lasciami in preda al mio dolore!” (“Deixa-me, cruel, deixa-me em minha dor!”). Andamento cai para “adagio”, canta Montfort, “Invano, o figlio, crudel mi chiami, del padre vincati la prece e il duol!” (“Em vão, filho, me chamas de cruel, vença em ti a dor de um pai!”). E Arrigo, “Fuggir mi lascia, se è ver che m’ami… Ah! volare al tuo sen io pur vorrei, ma non poss’io!” (“Deixa-me ir, se é que me amas… quisera te abraçar, mas não posso!”). Em “allegro agitato”, segue Arrigo, “Lo spettro di mia madre, che tra di noi si pone” (“Espectro de minha mãe se interpõe entre nós!”) e Montfort exclama, “O figlio mio!”… 

E Arrigo, “Suo carnefice fosti: e l’alma è rea” (“Foste um carrasco, minha alma se mancharia”). E Montfort, “O figlio mio!”… Então, Arrigo apela a sua mãe, no belo tema da abertura sinfônica, “Ombra diletta, che in ciel ripòsi, la forza rendimi che il cor perdé” (“Alma amada, que no céu repousa, dá-me a forza que meu coração perdeu”). Montfort tenta abraçá-lo, mas Arrigo, sem transigir e conflituado, deixa cena! Reage bruscamente, se desvencilha de Monfort e sai às pressas! Enquanto o poderoso governador lamenta… Encerrando Cena 1, do 3° Ato…

Cena 2 – Baile no palácio de Montfort

Nobres, entre franceses e sicilianos, preparam-se para festa… Abre grande cena de ballet – “Le quattro Stagioni”. Todos cantam, “O splendide feste!”. Disfarçados, estão Elena, Procida, Arrigo e outros… Elena e Procida pretendem matar Monfort! Mas, Arrigo está perturbado… Montfort entra, acompanhado de oficiais… E ao aproximar-se, Arrigo põem-se na diateira, a fim de protege-lo de Procida e Elena. Por sua vez, sicilianos não entendem complacência de Montfort com Arrigo – ficam desconfiados e indignados…

Cena “I Vespri siciliani” – Opera Estatal de Viena, 2024.

Montfort percebe ameaça e ordena prisão de Elena, Procida, Danieli e outros… Cena desenvonlve-se em grande concertato, típico da “grand opéra”, iniciando em “Colpo orrendo, inaspettato!” (“Golpe orrendo, inesperado!”), depois, em “Ah! patria adorata!”… Arrigo é execrado pelos sicilianos, que o vem como traidor! Dividido, tenta segui-los, mas é contido por Montfort! Encerrando Cena 2, do 3° Ato… 

4° Ato – Na prisão

Atormentado com a prisão dos companheiros, Arrigo vai às masmorras, na grande fortaleza. E lamenta, “Giorno di pianto, di fier dolore!” (“Dia de lágrimas, de dor cruel!”). Elena vem ao seu encontro e cantam intenso duetto, “O sdegni miei tacete – fremer mi sento il core… Forse a novel tormento mi serba il traditore!” (“Sinto o coração tremer. Acaso, novo tormento reserva o traidor!”)…

E Arrigo, arrazado, revela ser filho de Montfort, “Il padre mio!”… Elena comove-se, adquire tom piedoso e reflete sobre o conflito de Arrigo, na bela romance, “Arrigo! Ah, parli a un core…” (“Arrigo! Ah, fale a um coração…”), delicada declaração de amor, preparando-se para perdoá-lo… Arrigo exulta, “Pensando a me! È dolce raggio” (“Pensas em mim! Eis teu perdão”). E Elena, “Or dolce all’anima voce risuona, che il ciel perdona” (“Doce voz, em minha alma, diz que o céu te perdoa”), reafirmando-se amor de ambos!

Martina Arroyo (Elena), Plácido Domingo (tenor) – Cena de “I Vespri siciliani”, direção Nilo Santi – Paris, 1974.

Entra Procida, com uma carta – plano de fuga dos prisioneiros… “Amica man, sollievo al martir nostro, questo foglio recò!” (“Mão amiga trouxe esta carta, para alívio de nossos martírios!”). Elena lê, “D’Aragona un navile solcò vostr’onde, ed è già presso al porto, gravido d’oro e d’armi!” (“Navio de Aragão chega ao porto, carregado de ouro e armas!”)… Entra Montfort, convocando padres e execução dos revoltosos… Procida se surpreende com filiação de Arrigo, “Che?…” Elena confirma, “Suo figlio!…”

Procida intervèm, “Lui!… suo figlio!… Or compiuto è il nostro fato! Addio, mia patria, invendicato” (“Ele!… seu filho!… Destino está selado! Adeus, minha pátria, morrerei sem vingança!”), iniciando intenso quarteto. Montfort canta, “Sì, col lor capo sarà troncato a quell’ardire furente il vol” (“Sim, com suas cabeças será eliminada ousadia da rebelião”). E Arrigo lamenta, “Nella tua tomba – sventurata, per me cangiossi – il patrio suol!” (“Em tumba desventurada se torna o solo pátrio!”). E Elena, “Addio, mia patria amata”…

Montserrat Caballé (Elena), em “I Vespri siciliani”, “Metrpolitan Opera”, New York, 1974.

Coro interno entoa “De profundis!”… E Arrigo implora por misericórdia!, “Pietà, pietà di loro. Sospendi il cenno, o qui con essi io moro!” (“Piedade, piedade por eles. Suspende a ordem ou morro com eles!”). Percebendo fragilidade, Montfort confronta Arrigo, “Padre mi chiama, Arrigo, e ad essi e a te perdono!” (“Chama-me pai, Arrigo, e os perdoarei!”). Arrigo exclama, “Oh, cielos!”… Elena suplica, “Ah! non lo dir e lasciami morire!” (“Não o digas, deixa-nos morrer!”)… Mas, Arrigo vislumbra local das execuções, com carrasco empunhando machado… E dois penitentes aproximando-se! Procida exclama, “A morte vieni!”, e Elena, “A gloria!”…

Arrigo desespera-se, “O donna!… O mio terror!”. No pátio da cidadela, por trás dos soldados, populares cercam local e rezam… Procida e Elena são conduzidos para execução… Carrasco toma Elena! Arrigo não resiste, em desespero, lança tremendo grito: “O padre, o padre mio!!”…

E Montfort exulta, “O gioia! e fia pur vero?” (“Oh, alegria! E verdadeira?”)… “O ministro di morte: Arresta! a lor perdono!” (“Ministro de morte: Pare! estão perdoados!”). Todos comemoram! E escoltados por soldados, Elena e Procida descem escadaria, levados até Montfort: “Né basti a mia clemenza. Qual d’amistà suggello tra popoli rivali, D’Arrigo e di costei io sacro il nodo” (“Mas, não basta minha clemência. Em gesto de amizade, entre povos rivais, consagro união de Elena e Arrigo”)… “Pace e perdono!… io ritrovai mio figlio!” (“Paz e perdão!… reencontrei meu filho!”)…

Martina Arroyo (soprano), em “I Vespri siciliani”, direção Nilo Santi – Paris, 1974.

Em grande cena coral, Elena e Arrigo exaltam, “O mia sorpresa! o giubilo maggior d’ogni contento!” (“Oh, minha surpresa! Júbilo maior não haverá!”), “S’apre al più dolce amore, è pegno d’amistà” (“Se abre ao mais doce amor, promessa de amizade”)… Montfort e franceses cantam, “Risponda ogni alma al fremito d’universal contento!” (“Deixemos a cada alma, emoção de universal satisfação!”), “Il serto dell’amore coroni l’amistà” (“Grinalda do amor coroa a amizade”)… Mas, Procida e sicilianos sussurram entre si, “Di quelle gioie al fremito, al general contento… dai veli dell’amore, vendetta scoppierà!” (“Frêmitos de alegria, contentamento geral… dos véus do amor, vingança explodirá!”) – em meio às festas, tramava-se a revolta!… Encerrando 4° Ato, em vibrante concertato!

Obs: Aqui, divergência de Verdi, quanto ao libteto. Do aparente apaziguamento do conflito, com base em união amorosa e afeto familiar – Elena, Arrigo e Montfort, a suscitar concórdia e perdão dos revoltosos, quando sicilianos prosseguiam conspirando, então, como traidores, liderados por Procida… Para Verdi, libreto deslegitimava revolta, diante da opressão francesa, num “embaralhado ficcional, político e familiar”… A ópera, entretanto, é densa e musicalmente rica – “ou não seria Verdi!”

5° Ato – Jardins do palácio de Montfort

Reunidos nos jardins do palácio, coro de cavalheiros e damas homenageiam Elena, que agradece no célebre bolero, “Mercé, dilette amiche” (“Obrigado, queridos amigos”). Também Arrigo regozija, na leveza de “La brezza aleggia intorno – a carezzarmi il viso, E di profumi eletti – imbalsamato è il cor” (“Brisa acaricia meu rosto. E delicados perfumes envolvem meu coração”). E se retira para encontrar Montfort…

Maria Callas, em “Mercé, dilette amiche”, de “I Vespri siciliani”, de Verdi.

Inicia cena final, com Procida, Elena e Arrigo. Entra Procida, dirigindo-se à Elena, “Al tuo cor generoso, Donna, grata esser dee la nostra terra!” (“A teu coração generoso, senhora, nossa terra é grata!”). Elena indaga, “Perché?”… Em conflitado duetto, canta Procida, “Senza difesa, il nemico abbandona tutto fidente in noi, torri e bastite. Vestito a pompa e in braccio a gioia folle, ognuno si dà in preda al piacer, lieto e festante” (“Sem defesa e confiando em nós, inimigo abandona torres e baluartes. E vestidos com pompa, se entregam à louca alegria, celebrando o prazer, as brincadeiras e as festas”). Percebendo alienação e vulnerabilidade dos franceses, Procida vê oportunidade para reação dos sicilianos…

Elena indaga, “Qual ci sovrasta fato?” (“Que destino nos aguarda?”). Canta Procida, “Nulla ti sia celato! Non appena tu avrai mosso l’ardente sì, e del compito imene I sacri bronzi dato avran l’annunzio, all’istante in Palermo e universale Il massacro incominci” (“Não deves ignorar nada! Quando tiveres pronunciado o ardente ‘sim’ e os sinos anunciarem as sagradas bodas, explodirá um massacre em Palermo e em todas as partes”). Elena resiste, “Ah! mai!” (“Ah, jamais!”)…

Procida questiona, “Ma sul tuo core, Ove già l’odio è spento, D’un Francese poté tanto l’amore? D’un rio tiranno figlio!…” (“Em teu coração, ódio se apagou diante do amor de um francês? filho de um tirano!…”). Elena responde, “Ei m’è sposo!” E Procida desafia, “O donna, che ti arresta? Va corri, mi denuncia! Il prezzo è la mia testa!” (“Oh, senhora, que te detém? Corre, denuncia-me! O preço é minha cabeça!”). Elena responde, “Io gli amici tradire? No, no… ma pur… dovrei uccidere lo sposo?… Ah! nol potrei!” (“Trair meus amigos? Não, não… porém… matar meu esposo? Ah! Não poderei!”)… 

Martina Arroyo (soprano), Plácido Domingo (tenor), Roger Soyez (baixo), em “I Vespri siciliani” – Paris.

Fanfarra de metais e entra Arrigo, “Suonò l’ora sì cara… L’imen ci chiama all’ara!…” (“Chegou a hora, querida… as bodas nos chamam ao altar!…”). Mas, percebe, “Ella trema! È pallido il suo fronte!” (“Tremes! Tua fronte está pálida!”) “Di tal terror quali ha motivi ascosi? Ah! parla, o ciel!” (“Que causa oculta tanto terror? Ah, Fala, Oh! Céu!”). E Procida adverte Elena, “Sì, parla! se tu l’osi!” (“Sim, fala! Se ousas dizer!”). Em dramático terceto final, Elena sussurra, “Sorte fatale! oh fier cimento!” (“Destino fatal! oh, cruel provação!”). Segue Procida, “Del suol natale in tal cimento a te favelli il santo amor! Pensa al fratello! col divo accento Egli ti addita la via d’onor! (“Que te guie melhor o amor sagrado pelo solo pátrio! Pensa em teu irmão! Sua divina palavra te apontará o caminho da honra!”)…

Arrigo insiste, “Ah! parla, ah! cedi – al mio tormento. Pietà, pietade del mio dolor!” (“Ah, fala, ah! Cede ao meu tormento. Piedade, pela minha dor!”). Em profundo silêncio, Elena olha para ambos e lamenta, “In fra di noi si oppone una barriera eterna! Del fratel l’ombra fiera a me comparve… La veggo!… innanzi sta!… grazia, perdono! Arrigo!… ah!… tua non sono!” (“Barreira eterna está entre nós! Sombra orgulhosa do meu irmão aparece… eu o vejo!… ele está diante de mim!… graça, perdão! Arrigo!… ah!… tua não sou!”

Martina Arroyo, “Elena” em “I Vespri siciliani”, Opéra de Paris, 1979.

“Che dicesti?”, questiona Arrigo. “Quest’imeneo giammai si compirà!” (“Esta boda jamais se celebrará!”), responde Elena… Procida acusa, “O tradita vendetta!”, pois vê nas bodas, estopim da revolta… Elena canta, “Va! t’invola all’altar! Speranze, addio! Morrò! ma il tolgo a crudo fato e rio!” (“Vai, afasta-te do altar! Esperança, adeus! Morro! Mas te salvo de destino cruel e sangrento!”). Arrigo reage, “M’ingannasti, o traditrice, sulla fé de’ tuoi sospir!” (“Me enganaste, traidora, com suspiros fingidos!”), culminando em “Dunque addio, beltà fatale, per te moro di dolor!” (“Adeus, beleza fatal, por ti morrerei de dor!”)… 

Procida insiste, acusa e pressiona Elena, “Tu fingevi, o traditrice, Di voler con noi morir, Ma volgesti, o ingannatrice, A rea fiamma i tuoi sospir! (“Tu disseste, traidora, que querias morrer conosco, mas teus desejos estavam na chama de teus sentimentos, mentirosa!”). Também, Arrigo pressiona, “Ebben, prosegui! il vo’ saper!” (“Segue, pois, quero saber teus motivos!”). E Procida retruca, “Prosegui! Di tuo fratello agli assassini or vendi a bassa voce la Sicilia e gli amici!” (“Segue! Vende a Sicília a teus amigos, assassinos de teu irmão!”)… Elena canta, “Ah! no, nol posso! Ma non mentiva il labbro, quando amor ti giurò! Io t’amo, ed esser tua giammai potrò!” (“Ah! não, não posso! Porém, não mentiram meus lábios, quando te juraram amor… te amo e jamais poderei ser tua!”)… “No, non sono traditrice, né mentirono i sospir!” (“Não sou traidora, nem fingidos meus sospiros!”), culminando em “Taccia il bronzo ormai fatale, precursor di strage e orror!” (“Calem-se sinos fatais, precursores de massacre e orror!”)…

Martina Arroyo, Kostas Paskalis, Wieslaw Ochman, em “I Vespri siciliani” – Paris, 1975.

Em brusco pianíssimo, contraste na orquestra, prepara-se o final. Saem do palácio, adentrando jardins, Montfort, seguido de cavalheiros e damas. E Arrigo, novamente, apela ao pai, “Deh! vieni, il mio mortale dolor ti mova, o padre!  il caro nodo che io cotanto ambia, del fratello al pensier, Elena infrange!” (“Ah! vem, que minha dor mortal te comova, oh pai!… A amada união que tanto desejo, Elena rompeu, em memória do irmão!”)…

Montfort dirige -se à Elena, “Errore! invan ritrosa, pugni contro il tuo core: ei m’è palese!” (“Erro! em vão, te esquivas, lutas contra teu coração, vejo!”)… “Lo credi!… l’ami!… egli ti adora; ed io che nomaste tiranno, vo’ per voi… (sorrindo) esserlo ancora; a me le destre, o figli! V’unisco, o nobil coppia!” (“Creiam! Tu o amas!… e ele te adora! E eu, a quem chamaste tirano… (sorrindo) agora o serei por você, filho! Eu os uno, nobre casal!”)…

E Procida exorta, “E voi, segnal felice, bronzi, echeggiate!” (“E vocês, sinos, felizes mensageiros, repicai!”). Elena adverte, “No, impossibil fia!” (“Não, impossível!”). Montfort insiste, “Di gioia al suon che lieto in aria echeggia, Giura!” (“Ao ressoar alegre e feliz, dos sinos, pelo ar, jurem!”)… Música em “allegro agitato”. Em desespero, exclama Elena, “No!… mai!… nol posso!… ah! lassi voi!” (“Não!… jamais!… não posso!… ah! pobre de vocês!”)… Ouvem-se os sinos!! “T’allontana! va! fuggi!” (“Afastem-se! Vão! Fujam!”)…

“Cena final” – 5° Ato, de “I Vespri siciliani”, Ópera Estatal Viena.

Montfort indaga, “E perché mai?” (“E porque?”)… Elena, “Non odi tu le grida?…” (“Não ouves os gritos?…”). Montfort replica, “È il popol che ci aspetta!” (“O povo nos espera!”). Elena adverte, “È il bronzo annunciator…” (“Os sinos anunciam…”). E intervém Arrigo, “Di gioia!” (“A felicidade!”). E Procida corrige, “Di vendetta!!” (“A vingança!!”)…  Do alto das escadarias e de todos os lugares surgem sicilianos, entre homens e mulheres, com tochas, adagas e punhais, gritando em coro derradeiro: “Vendetta! vendetta! Ci guidi il furor! Già l’odio ne affretta Le stragi e l’orror! Vendetta, vendetta è l’urlo del cor!” (“Vingança! Vingança! Guiados pela fúria! Ódio, terror e morte nos move! Vingança, vingança, grito do coração!”)…

– Cai o pano –

Desde a estreia, em Paris, “I Vespri siciliani” tem sido frequentemente montada. E “Elena”, interpretada por divas, como Maria Callas, Leyla Gencer e tantas outras… Aos 42 anos, Verdi amadurecia e elevava o cenário romântico europeu. Durante os anos de 1850, ainda compôs “Simon Boccanegra”, “Ballo Maschera” e “Aroldo” – “rifacimento di Sttifelio”. E até os 80 anos, profícua atividade e obras marcantes, com “Aída”, o monumental “Réquiem”, “Otelo” e “Falstaff”… Mestre italiano, falecido aos 88 anos, 1901, tornou-se autor de óperas mais encenado no mundo…

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi – Giuseppina Verdi Strepponi, união de 50 anos.

Após estreia, na sala “Le Peletier” (antigo “Opéra”), Paris, 1855, “Les Vêpres siciliennes” foi encenada em Parma, final de 1855, e no “La Scala”, de Milão, 1856, como “Giovanna de Guzman”; também no teatro “San Carlo”, de Nápoles, 1857, como “Batilde di Turenna”; e após, no teatro “Drury Lane”, de Londres, 1859; “Academy of Music”, Nova York, 1859; “Theatro D. Pedro II”, Rio de Janeiro, 1871; e retomada em Stuttgart, 1929; e Berlim, 1932…  

“Theatro D. Pedro II”, inaugurado em 1871, palco de “I Vespri siciliani”, Rio de Janeiro.

No Rio de Janeiro, com a demolição do “Theatro Provisório”, em atividade até 1875; “Theatro D. Pedro II” seguiu programação artística, com montagens de “Guilherme Tell”, de Rossini; e “I Vespri siciliani”, a partir de 1871… A capital brasileira, no entanto, sempre sujeita à novos projetos urbanos, também o veria demolido, em 1934… Construção suntuosa, com assoalho e teto em madeira, proporcionava acurada acústica, segundo relatos… Recebeu nomes, como Enrico Caruso e Sarah Bernhardt. E conta-se, estreia de Arturo Toscanini, aos 19 anos, regendo “Aída”, de Verdi, em 1886… 

Gravações de “Il Vespri siciliani”

Vigésima ópera de Verdi, considerando “Jerusalém – rifacimento de I Lombardi”, “I Vespri siciliani” ganhou os palcos do mundo… Dado a música de ballet e outras partes, produções costumam fazer cortes de até ~1h, resultando entre ~2:20hs à ~3:30hs. Seguem gravações em CDs e DVDs:

  • Gravação em CD – MYTO Records, 1951

“Orquestra Maggio Musicale Fiorentino”, direção Erich Kleiber
Solistas: Maria Callas (Elena) – Giorgio Kokolios Bardi (Arrigo) – Enzo Mascherini (Guido di Monforte) – Boris Christoff (Giovanni da Procida)
“Chorus Maggio Musicale Fiorentino”, Florença, Itália

  • Gravação em CD – Walhall, 1955

“Orquestra della RAI di Torino”, direção Mario Rossi
Solistas: Anita Cerquetti (Elena) – Mario Ortica (Arrigo) – Carlo Tagliabue (Guido di Monforte) – Boris Christoff (Giovanni da Procida)
“Coro della RAI di Torino”, Turim, Itália

  • Gravação em CD – Nuova Era, 1964

“Teatro dell’Opera di Roma”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Leyla Gencer (Elena) – Gastone Limarilli (Arrigo) – Giangiacomo Guelfi (Guido di Monforte) – Nicola Rossi-Lemeni (Giovanni da Procida)
“Chorus dell’Opera di Roma”, Roma, Itália

  • Gravação em CD – MYTO Records, 1970

“Orquestra e Coro do Teatro Alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Renata Scotto (Elena) – Gianni Raimondi (Arrigo) – Piero Capuccilli (Guido di Monforte) – Ruggero Raimondi (Giovanni da Procida)
“Teatro Alla Scala”, Milão, Itália

  • Gravação em LP – RCA, 1973

“New Philharmonia Orchestra”, direção James Levine
Solistas: Martina Arroyo (Elena) – Plácido Domingo (Arrigo) – Sherrill Milnes (Guido di Monforte) – Ruggero Raimondi (Giovanni da Procida)
“John Alldis Choir”

Obs: Vigorosa produção, dado nível e empenho do conjunto, entre solistas, direção, coro e orquestra!

  • Gravação youtube – MET Opera, 1974

“Metropolitan Opera Chorus and Orchestra”, direção James Levine
Solistas: Montserrat Caballé (Elena) – Nicolai Gedda (Arrigo) – Sherrill Milnes (Guido di Monforte) – Justino Diaz (Giovanni da Procida)
“Metroplitan Opera”, New York, USA

  • Gravação em DVD – NVC Arts, Warner, NTSC, 1986

“Orquestra e Coro do Teatro Comunale di Bologna”, direção Riccardo Chailly
Solistas: Susan Dunn (Elena) – Veriano Luchetti (Arrigo) – Leo Nucci (Guido di Monforte) – Bonaldo Giaiotti (Giovanni da Procida)
Direção e produção de Luca Ronconi
“Teatro Comunale”, Bologna, Itália

  • Gravação em CD EMI – DVD Naxos, NTSC, 1989

“Orquestra e Coro do Teatro Alla Scala”, direção Riccardo Muti
Solistas: Cheryl Studer (Elena) – Chris Merrit (Arrigo) – Giorgio Zancanarro (Guido di Monforte) – Ferruccio Furlanetto (Giovanni da Procida)
Direção de Christopher Swann e Pier Luigi Pizzi
“Teatro Alla Scala”, Milão, Itália

Obs: Produção completa, com cerca de 3:30hs, com bela atuação de Cheryl Studer.

  • Gravação youtube – 1998

“Chor und orchester der Wiener Staatoper”, direção Roberto Abbado
Solistas: Eliane Coelho (Elena) – Johan Botha (Arrigo) – Renato Bruson (Guido di Monforte) – Ferruccio Furlanetto (Giovanni da Procida)
“Wiener Staatoper”, Viena, Austria

Obs: Performance do notável soprano brasileiro, Eliane Coelho, radicada na Áustria e elenco permanente da “Ópera Estatal de Viena”.

  • Gravação em DVD – C Major, 2013

“Orquestra e Coro do Teatro Regio di Parma”, direção Massimo Zanetti
Solistas: Daniela Dessi (Elena) – Fabio Armiliato (Arrigo) – Leo Nucci (Guido di Monforte) – Giacomo Prestia (Giovanni da Procida)
Direção de Pier Luigi Pizzi
“Teatro Regio di Parma”, Itália

Martina Arroyo, soprano – “Elena”, em “I Vespri siciliani”, de Verdi.
  • Download no PQP Bach

Para download e compartilhamento da música de Verdi em “I Vespri siciliani”, sugerimos gravação da “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”, direção James Levine, com Martina Arroyo e grandes solistas – RCA de 1973:

Interpretando “Elena”, grande soprano estadunidense, Martina Arroyo, nascida em New York, formação religiosa e moradora do Harlem. Sua família proporcionou ampla educação musical, além da vida cultural nova-iorquina, onde alternava prática coral, na “Hunter College High School”, com atuações na Broadway… 

Filha de engenheiro naval portoriquenho, Arroyo formou-se em letras “neolatinas” e trabalhou dois anos, como assistente social, enquanto aprofundava estudo do canto lírico… Entre as primeiras cantoras negras a atuar no MET, junto com Leontyne Price e Grace Bumbry, fez brilhante carreira na Europa e USA…  Adquiriu projeção internacional, como soprano principal da “Ópera de Zurique”, 1963, com destaque em “Aída”, de Verdi… E no MET, 1964, quando substituiu Birgit Nilsson…

Plácido Domingo, tenor – “Arrigo”, em “I Vespri siciliani”, de Verdi. 

Convidada frequente de Leonard Bernstein, para sinfonia, de Beethoven, e concertos de música sacra; incursionou também pela música do sec. XX, com estreias mundiais de “Andromache’s Farewell”, de Samuel Barber; e “Momente”, de Karlheinz Stockhausen; além de gravar repertório barroco – “Sanson”, de Haendel, com Karl Richter… Artista reconhecida, recebeu inúmeras homenagens. Por fim, criou a “Fundação Martina Arroyo”, para formação de cantores…

Reunindo talentos de ator e cantor, o grande tenor, Plácido Domingo, destaca-se em “Arrigo”, nesta desafiante ópera. Nascido em Madrid, ainda jovem mudou-se para o México, onde iniciou carreira, acompanhando os pais, numa companhia de “zarzuelas”. Aos 16 anos, fez teste como barítono, para “Ópera Nacional do México”, e foi-lhe pedido cantar algo mais agudo. Então, foi aceito como tenor na companhia mexicana…

Sherrill Milnes, barítono – “Guy du Montfort”, em “I Vespri siciliani”, de Verdi.

Também formou-se em piano e regência. E a partir dos anos 60, atuou nos USA, destacando-se em “Alfredo”, de “La Traviata”, ao lado do, ninguém menos, soprano Joan Sutherland… E brilhou no “Metropolitan Opera”, de New York…

Em 1985, fez inúmeros concertos beneficentes, pelas vítimas do terremoto que assolou a cidade do México… E notabilizou-se em temporadas na Europa e USA, além de produções para o cinema, música popular e direção de orquestra…

Interpretando “Guy du Montfort”, o carismático Sherrill Milnes, barítono estadunidense, nascido em Downers Grove, Illinois. Família de produtores de leite, desde jovem, alternava as lidas da fazenda, com os estudos musicais. Posteriormente, entre medicina e música, optou pela carreira musical, na expectativa de tornar-se professor. Assim, de início modesto e poucas pretensões, a voz robusta e presença de palco possibilitaram à Milnes brilhar entre os grandes barítonos de sua geração…

Ruggero Raimondi, barítono – “Giovani da Procida”, em “I Vespri siciliani”, de Verdi.

Milnes atuou em festejadas casas de ópera e suas qualidades de ator o levaram ao cinema, em “Tosca”, de Puccini…  Junto às poderosas vozes de Arroyo, Domingo e Raimondi, além dos solos, compõe belos conjuntos, firmemente alicerçados pela magnífica “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”…

Como “Giovanni da Procida”, o notável barítono italiano, Ruggero Raimondi. Nascido em Bologna, entudou no “Conservatório Giuseppe Verdi”, de Milão, depois, em Roma. “Procida”, um personagem que o acompanhou, com sucesso, desde início da carreira… Muito tímido, para um cantor de ópera, foi estimulado por colegas, diretores e regentes – maestro Molinari-Pradelli percebeu seu potencial, ainda aos 15 anos… Atuou no cinema, com destaque para “Don Giovanni”, de Joseph Losey, 1979…

James Levine, à frente da “New Philharmonia Orchestra”, em “I Vespri siciliani”, de Verdi, 1973.

E o trabalho do inglês John Alldis, especialista em repertório coral, aliado à direção de James Levine, junto à “New Philharmonia Orchestra”, conferem especiais cuidado e energia nesta produção… Levine destacou-se à frente da “Orquestra Sinfônica de Boston” e, sobretudo, da “Metropolitan Opera House”, de New York – atuações amplamente reconhecidas. O grande regente faleceu em 2021…  

Por fim, cumprimentamos e aplaudimos a excelente “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”, presentes nesta magnífica gravação, realizando a poderosa música de Verdi!

Capa RCA – “I Vespri siciliani”, de Verdi, com “New Philharmonia Orchestra” e “John Alldis Choir”, direção James Levine, 1973.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – I vespri siciliani (Arroyo, Domingo, Levine, 1973) – mp3


Sugerimos também:

Vídeo youtube – produção “Orquestra e Coro do Teatro Comunale di Bologna”, direção Riccardo Chailly, com Susan Dunn (soprano), Veriano Luchetti (tenor), Leo Nucci (barítono) e Bonaldo Giaiotti (baixo), direção e produção de Luca Ronconi – Itália, 1986:


Vídeo youtube – produção “Orquestra e Coro do Teatro Alla Scala”, direção Riccardo Muti, Cheryl Studer (soprano), Chris Merrit (tenor), Giorgio Zancanarro (barítono), Ferruccio Furlanetto (baixo), direção de Christopher Swann e Pier Luigi Pizzi – Milão, Itália, 1989 (clique aqui para abrir o link no YouTube)

Capa DVD “Teatro alla Scala” – Milão, Itália, 1989.

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“Entusiasmo de John Alldis, diretor inglês, à frente do ‘PQP Bach Choir’…”

Alex DeLarge

Giuseppe Verdi (1813-1901): “La Traviata” – ópera em três atos (Sutherland, Bergonzi, Merrill, Pritchard) (Callas, Kraus, Sereni, Ghione)

Giuseppe Verdi (1813-1901): “La Traviata” – ópera em três atos (Sutherland, Bergonzi, Merrill, Pritchard) (Callas, Kraus, Sereni, Ghione)
Cena final de “La Traviata”, 19° ópera de Giuseppe Verdi – “Metropolitan Opera”, New York, 2022/23.

Março de 1853, público veneziano assistiria criação impar do repertório operístico. Mas, no lugar do arrebatamento de “Rigoletto” ou da impetuosidade de “Il Trovatore”, Verdi abordava a delicadeza dos afetos. Em “La Traviata”, tal como “Luisa Miller”, temática e música se voltariam ao intimismo e à vida burguesa…

E o amor de um jovem estudante seria dedicado a uma cortesã, acossada pela tuberculose e pela morte… Personagem central, Violetta experimentaria tal pureza de sentimentos, diferenciados da diversão, dos jogos de sedução e vida mundana da alta sociedade parisiense. Sentimentos que ressignificavam sua existência, pela simplicidade, dedicação e ternura de um jovem, em derradeira homenagem à mulher que abrira mão do amor…

A música pontuará tais sentimentos, de carinho e devoção, oferecendo, à personagem moribunda, apaziguamento final – afirmação do amor romântico, eternamente possível… Assim, Violetta resgatava o amor poético que abandonara, quem sabe, impossível, em troca do luxo e liberdade que conquistara… Do amor proibido à mulher mundana e solitária, mas que a reencontrava…

Cena de “La Traviata” – Tereza Stratas e Plácido Domingo, no filme de Franco Zefirelli, 1982.

Também valores burgueses estarão presentes, diante do envolvimento de Alfredo. Quem sabe, fantasia juvenil a comprometer futuro pessoal e projeção de abastada família… Paixão incompatível a de respeitável cidadão, quando haviam regras a seguir, que permitiam transitar entre a família, a sociedade e os cabarés de luxo – com a devida discrição e típicos cinismos, a equilibrarem relações sociais e familiares…

Libreto, porém, não intensificará o que poderia tornar-se dramático conflito – caso da persistência e determinação dos amantes. A doença de Violetta impedia tais desdobramentos… Assim, desenlace será de lamento e consternação… De consolo diante da morte, em comovente abordagem da condição feminina. “La Traviata” representa delicada joia na dramaturgia verdiana…

Giuseppe Verdi, mestre da ópera italiana (1813-1901).

Motivações

Durante a composição de “Il Trovatore”, o libretista Salvatore Cammarano resistia na adaptação da peça do espanhol Antonio Gutiérrez. Em tais circunstâncias, Verdi cogitou mudar a temática para o romance “Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas, filho, que considerava “simples e comovente”... Cammarano via trama e personagens de Gutiérrez demasiado inverossímeis, enquanto Verdi, inúmeras possibilidades cênicas e dramáticas… Por fim, entenderam-se e o libretista, gradualmente, mergulhou no trabalho…

Verdi, todavia, não abandonou ideia de musicar “Dama das Camélias”. Em período que esteve em Paris, com Giuseppina Strepponi, assistiu a peça de Dumas, filho, no “Theatre de Vaudeville”, início de 1852…  Quando viria saber as razões da lentidão de Cammarano. O poeta napolitano encontrava-se gravemente doente e, para grande tristeza, viria a falecer, deixando incompleto o libreto de “Il Trovatore”…

“Theatre de Vaudeville”, Paris – por Jean Beraud. Estreia da peça teatral “Dama das Camélias”, 1852.

Solidário à família, Verdi cumpriu integralmente compromissos contratuais, mais complemento financeiro, em demonstração de afeto e reconhecimento ao poeta, que trabalhara também com Donizetti e Mercadante… E concluiu libreto com o jovem Leone Emanuele Bardare… Da parceria com Cammarano resultaram quatro óperas: “Alzira”, “La battaglia di Legnano”, “Luisa Miller” e “Il Trovatore”…

No retorno à “Sant’Agata”, março/1852, quando ainda trabalhava em “Il Trovatore”, Verdi recebeu convites de Milão, Veneza e Bologna… E concordou em compor uma ópera para o teatro “La Fenice”, de Veneza, que resultaria em “La Traviata”, com libreto de Francesco Piave…

E ao contrário da complexa elaboração de “Il Trovatore”, “La Traviata” fluiu sem contratempos, sendo realizada, praticamente, em dois meses. Até estreia de “Il Trovatore”, em Roma, janeiro/1853, muito pouco da nova ópera estava escrito, embora firmada parceria com Piave… Programada para março/1853, o libretista veneziano instalou-se em “Sant’Agata” para acelerar composição e eventuais adaptações do texto…

Francesco Maria Piave, poeta veneziano, libretista de “La Traviata”.

Piave era colaborador afável e flexível, pronto a reelaborar versos, cenas e situações dramáticas – ao sabor do processo criativo de Verdi, nem sempre cordial quando absorvido no trabalho… E foi libretista que mais colaborou com Verdi, em cerca de 10 óperas, nos libretos de “Ernani”, “I due Foscari”, “Macbeth”, “Il Corsaro”, “Stiffelio”, “Rigoletto”, “La Traviata”, “Simon Boccanegra”, “Aroldo” e “La forza del Destino”… 

“La Traviata” se tornou especial homenagem à feminilidade, ao derradeiro amor de uma bela e experiente mulher, afamada cortesã, através da paixão de um jovem estudante de direito… O drama se desenvolve entre o amor, renúncia e doença de Violetta; a dedicação e revolta de Alfredo; em contrapontos à objeção familiar, pela dissuasão do romance…

Período “entre guerras” e temática burguesa

Dado a longevidade, Verdi testemunhou e participou de inúmeros eventos. Quando residia em Paris, mobilizou-se durante a “1ª guerra de independência” e festejou as façanhas do “Levante de Milão”, 1848. Intercedeu por apoio junto ao governo francês, embora, sem sucesso. E estreou “La battaglia di Legnano” em plena Roma ocupada, 1849, durante a efêmera república proclamada pelas forças de Mazzini e Garibaldi; depois repelidas por nações europeias, a pedido do Papa. Por fim, celebraria a monarquia italiana, 1861, sendo nomeado senador, por Vitor Emanuelle, em 1874…

Giuseppe Verdi recebido por Vitor Emanuelle.

Com sua música e ativismo, Verdi tornou-se figura simbólica da unificação, junto com Garibaldi e Mazzini – “os três Giuseppes”. Mas, a partir de “Luisa Miller”, dezembro de 1849, iniciava nova fase, espécie de produção “entre guerras”, abordando a literatura pré-romântica, de Schiller e do “sturm und drang” (“tempestade e ímpeto”); depois, do romantismo francês, com Émile Souvestre e Victor Hugo – adentrando temáticas líricas e burguesas…

A década de 50 marcaria, sobretudo, reorganização, econômica e militar, do “Risorgimento”, sob liderança da Sardenha-Piemonte, de Cavour e Vitor Emanuelle… Apaziguamento revolucionário, que, no caso de Verdi, resultaria em sucessão de obras-primas. Após “Luisa Miller” e “Stiffelio”, viriam “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviatta”, formando célebre trilogia, seguidas de “I Vespri Siciliani”, “Aroldo”, “Simon Boccanegra” e “Ballo Maschera”…

“Encontro de Garibaldi e Vitor Emanuelle II, em Teano”, Pintura de Sebastiano de Albertis.

Apenas em 1859, então com apoio da França, o “Risorgimento” empreenderia nova e bem sucedida campanha – “2ª guerra de independência”… Lombardia, Sicilia e Nápoles seriam libertadas. E a cada conquista, massiva adesão popular, consolidando ideia de nação. Em 1861, Vítor Emanuelle proclamou a “Monarquia Italiana”, com capital em Turim, depois Florença, 1865… E a unificação se estenderia até a libertação do Vêneto, 1868, com apoio da Prússia; e depois, Roma, 1870… Cerca de dez anos de lutas!

Música em “La Traviata”

Décima nona ópera – considerando “Jerusalém, rifacimento de I Lombardi”, “La Traviata” se caracteriza pelo fluente melodismo. Com amplo domínio da tradição, Verdi cogitava maior continuidade da música, a fim de evitar demasiadas interrupções do fluxo dramático – dos chamados números, o que conseguiu parcialmente…

Curiosamente, algo original e contemporâneo à concepção do “drama musical” wagneriano… No entanto, Verdi encontrou caminho flexibilizando a forma, buscando concisão e readequando cenas e ritmo dramático. Também expressivo e discreto uso de “leimotivs”… Tais adaptações permitiam maior fluência e lirismo musical – o progressismo verdiano!…

Música do “Brindisi” – manuscrito de Verdi, 1° ato de “La Traviata”.

Neste período, então exilado na Suíça, Wagner iniciava composições do ciclo “Anel do Nibelungo”, 1851, e “Tristão e Isolda”, 1857, explorando os limites da tonalidade e propondo “sprechgesange” (canto declamado) a substituir a ópera por números… A década de 1850, portanto, ensejou concepções musicais e dramáticas que marcaram final do séc. XIX e início do séc. XX. E ambos, Verdi e Wagner, seriam referenciais…

A música em “La traviata” oferece melodismo transbordante. Também concisão dos recitativos. E além dos expressivos prelúdios orquestrais, os coros, de grande beleza e vigor, enriquecem cenas de salão e urbanas… Nesta fase, movido por outras abordagens, Verdi distanciava-se do caráter patriótico e do cantar da liberdade, protagonizados, sobretudo, pelos coros, em “Nabucco”, “I Lombardi” e outras, então associadas à unificação italiana. E tal como em “Luísa Miller”, buscava o lirismo, no lugar do épico…

Cena 2 do 2° ato – coro “Noi siamo zingarelli”, de “La Traviata”, Theatro Municipal de São Paulo, regência Roberto Minczuk, 2018.

Estreia em Veneza e contratempos

A medida que se aproximava a estreia, Verdi preocupava-se com o elenco, sobretudo, com a “prima donna”… Verdi desejava um soprano lírico jovem, bela aparência e que transmitisse paixão. Temia pelo fracasso da estreia… Piave, por sua vez, estava incumbido, pelo teatro, a convencer Verdi, que Fanny Salvini-Donatelli, contratada na temporada, seria escolha adequada… Ao que Verdi, francamente, se opôs… Fanny não preenchia nenhuma das expectativas. E sugeriu Rosina Penco, da estreia de “Il Trovatore”…  Piave respondeu ao teatro, alegando “mau humor infernal do maestro, devido à sua indisposição, mas, muito provavelmente, porque não tinha fé na companhia”… 

Verdi chegou em Veneza duas semanas antes da estreia, em 21/02. Concluiu orquestração, para estreia dia 06/03/1853, e congratulou-se com nível e empenho da orquestra. Mas, estreia realizou-se com Fanny Salvini-Donatelli… Em bilhete enviado à Emanuele Muzio, seu assistente, disse: “Caro Emanuele, ‘La Traviata’ na noite passada – um fiasco. Minha culpa, ou dos cantores? o tempo dirá…”

Cartaz de estreia de “La traviata” – Teatro “La Fenice”, Veneza, Itália, 06/03/1853.

“Gazzetta Privilegiata di Venezia” publicou: “primeira noite, um fracasso. No entanto, a desprezada Fanny Donatelli salvou o 1° ato e tinha ‘parte do leão’ a cantar… Estrago maior foi no 2° Ato, protagonizado pelas vozes masculinas, tenor e barítono. Por fim, no 3° Ato, a plateia não resistiu à robusta Donatelli encenar mulher que morria de tuberculose. O riso contagiou os presentes…”

A crítica, no entanto, reconheceu qualidades na ópera, atribuindo fracasso à performance, não ao drama ou à música… E Verdi fora chamado diversas vezes ao palco. Um dos motivos para escolha do tema foi sua contemporaneidade. A ópera abordava personagens da vida moderna, suas vestes e ambientes de época. No entanto, diretores do “La Fenice”, com receio do tema, optaram por figurinos do séc. XVIII, da era Luís XIV…

Apesar do fracasso, vieram convites de Gênova e do teatro “San Carlo”, de Nápoles. E Verdi ironizou ao amigo Cesare de Sanctis: “Ah, então gostaram da minha ‘Traviata’, aquela pobre pecadora, que teve tão pouca sorte em Veneza. Um dia, o mundo lhe fará justiça! Mas, não em Nápoles, onde padres ficariam horrorizados ao verem, no palco, o que fazem na calada da noite…”

Teatro “San Benedetto”, 2ª produção de “La Traviata”, Veneza, Itália, após fracasso da estreia no teatro “La Fenice”.

Verdi, cauteloso, só admitiria nova produção com elenco que julgasse adequado… E “La Traviata” voltaria ao palco em Veneza, no teatro “San Benedetto”, menos afamado que “La Fenice”, a convite de Antonio Gallo – com mesmos cenários e figurinos, mas novo elenco… Verdi concordou, reviu alguns números e fez ajustes nas tessituras vocais – a música, basicamente, permanecia inalterada…

“La Traviata” voltou à cena em 06/05/1854, com Maria Spezia, soprano, Francesco Landi, tenor, e Filippo Coletti, barítono, que haviam atuado em “Alzira” e “I Masnadieri”. Verdi estava em Paris – convite do “Opéra” que resultaria em “I Vespri Siciliani”, ficando  entusiasmado com o sucesso e almejado reconhecimento – uma ópera em que acreditava!

“Dama das Camélias”

Diz o narrador em “Dama da camélias”: “para muitos talvez pareça ridículo, mas tenho inesgotável indulgência pelas cortesãs. E nem me dou ao trabalho de discutir…”

E assim, abordou o tema das cortesãs, cujas decadência e mortes, após vida turbulenta, eram esquecidas por seus amantes. Em sensível relato, o amante de Marguerite Gautier, o jovem Armand Duval, que sofreu imensamente sua morte, reflete sobre a fragilidade que tais escolhas traziam a estas mulheres…

Greta Garbo em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.

Também preocupavam o autor: a escolha do tema, recorrente na literatura francesa, abordado por Victor Hugo, Musset e Alexandre Dumas, pai; e supostas apologias ao vício e à prostituição, por enfatizar a humanidade do personagem, no lugar de tratá-lo, vulgarmente, com desprezo e preconceito… Por fim, o romance surpreendeu e obteve grande sucesso…

Em relato piedoso, Armand Duval lembra trajetória da jovem até tornar-se cortesã, o que, praticamente, lhe absolvia de quaisquer faltas… Da vida de desamparo, privações e doenças; e por fim, a sobrevivência e a prostituição… E traz citação bíblica: “Tudo será perdoado àquele que muito amou”…

Greta Garbo e Robert Taylor, em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.

“Dama das Camélias” apresenta mulher generosa, distanciada da vulgaridade e do embrutecimento, muitas vezes, presentes em vidas semelhantes – meios inescapáveis de resistir e sobreviver…

A relação com Armand a resgatava de um mundo vazio em afetos. De toda gama de carências, descobria carinho e dedicação. Mas, apesar da sinceridade de tais sentimentos, era atraída por amor proibido, que confrontava sua condição à família do amante. Sobretudo, com o pai, apelando à mulher experiente, a fim de convencê-la de tal impossibilidade. Marguerite sabia das regras, do que renunciara quando entregou-se à prostituição; sabia das mazelas e da hipocrisia; e como a sociedade se conduzia em tais papeis…

Na Paris do sec. XIX, diria Marguerite: “Se aquelas que ingressam em tão vergonhoso ofício soubessem, prefeririam ser camareiras. Mas não… A vaidade de ter vestidos, carruagens e diamantes nos arrasta; acreditamos no que ouvimos, pois a prostituição tem sua fé. No entanto, pouco a pouco, corrói nossos coração, corpo e beleza… (Se pelo que sabemos) somos temidas como feras selvagens, também somos desprezadas como párias; muito mais cercadas pelos que nos tomam, do que pelos que nos dão… Por fim, morremos como cães abandonados, depois de perdermos os outros e a nós mesmas…”

Greta Garbo em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.

Assim, emergiam as cruéis ambiguidades do ofício, das expectativas de sucesso frente à renúncia e às frustrações; do luxo e satisfação da vaidade diante da melancolia e do arrependimento… Marguerite admitia não passar de uma mulher perdida e pede à Armand que se reconcilie com a família: “Volte para seu pai, meu amigo… Olhe por sua irmã, moça pura, que ignora nossas misérias. Volte para aqueles que logo esquecerão o que lhe fez esta moça da vida…”

Em outros momentos, sonhava, quem sabe, iludia-se, ao planejar “desfazer-se da imagem de cortesã, também do luxo que a cercava e dedicar-se ao jovem amante”. Mas logo sentia-se reduzida à simples mercadoria, pelo que oferecia como cortesã; trazida à realidade pelo pai de Armand, evocando valores que os distanciavam. Também advertindo-a da ingênua paixão do filho – sentimento ocasional, transitório…

Restava a morte, quem sabe, oportuna e libertadora, redentora e purificadora, visto que em vida sua condição era irreversível… Assolada por tais conflitos, a relação com Armand tornava-se impossível. Embora fosse autêntico seu amor, impunha-se a renúncia, a privação de quaisquer prazeres, não fossem do luxo e da distração – espécie de condenação existencial em meio à riqueza e o conforto… Morta para tais sentimentos, no entanto, ainda cultivava empatia e bondade, “nem sempre presentes entre aqueles, ditos de moral impoluta”…

Greta Garbo e Robert Taylor, em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.

Em comovente relato, de lamento e compaixão, virtudes eram pontuadas… Marguerite era vítima de suas escolhas, de suas origens e contingências… Portanto, à margem, perdida para outras possibilidades de felicidade… Mas, sensível em meio à rejeição e ao desprezo, revelava dignidade, ainda presente em vidas corrompidas e conflitadas….

Por fim, o romance remetia ao jogo social, do cinismo e promíscua cumplicidade entre o moral e o imoral, dos desejos e seus subterfúgios, aparentemente contraditórios, mas complementares – tão escancaradamente presentes nos tecidos sociais… Assim, vícios e prostituição, ditos imorais, estavam imbricados, entrelaçados aos comportamentos, ditos virtuosos, em permeável interação…

Reafirmando-se “popular jargão”… Desde tempos imemoriais, a prostituição persistia, alcançando todas as camadas sociais, tão intensos e inevitáveis seus apelos… E afora o lirismo, presente nos temas da solidão e do amor romântico, ao longo do tempo, cortesãs também exerceram influências política e nos costumes. E tais capacidades de sedução e encantamento, além dos mais caros presentes, aproximaram-nas intimamente do poder, quem sabe, mais do que de seus amantes… 

Greta Garbo em “Camille”, filme de George Cukor, 1936.

Em trajetórias tão peculiares, entre o conforto e o luxo, a decadência e a miséria, nos reportamos, novamente, ao narrador: “talvez pareça ridículo, mas tenho inesgotável indulgência  pelas cortesãs…” Quem sabe, inesgotável indulgência pelas misérias humanas… Onde o poder que oferece regalias, esconde imprevisibilidade; então, exercido com rigor, até crueldade, tal a ambição e volatilidade dos privilégios – e assim, assentando direitos e valores…

E ao oprimido, suficientemente resistente e sem perspectivas, restava submeter-se, até humilhar-se, pela ideologia que lhe impunha aceitar, como inexorável realidade, sua condição… E se, por vezes, lhe fosse permitido transitar e usufruir de luxo e outras benesses, então, em troca de especiais talento ou beleza… 

Alphonsine Rose Plessis, chamada Marie Duplessis.

Em tais contextos, a burguesia, tão desprezada, quanto temida, ascendia e se consolidava; enquanto os pobres e miseráveis seguiam à margem, abandonados… Numa sociedade hierarquizada, mas suscetível à transversalidade dos afetos e da sexualidade… E curiosamente, o romance remetia ao ano de 1848, chamado “primavera dos Povos”, dos movimentos anarquistas e comunistas, de um lado; e liberais, de outro…

Assim, neste espectro social e econômico, através dos interesses de classe, determinavam-se o aceitável e o inaceitável; e, por vezes, o trágico… Tal como do amor entre Luísa e Rodolfo, em “Luísa Miller”; ou de Violetta e Alfredo, em “La Traviata” – do amor que não transige, eternizando-se na morte…

Marie Duplessis

Nascida na extrema pobreza, Alphonsine Rose Plessis, filha de camponês alcoólatra, após morte da mãe, foi levada à Paris, ainda analfabeta, aos 14 anos… Desde a origem humilde, em meio ao desamparo e à violência, até a notoriedade, ocorreria trajetória meteórica… Em Paris, Alphonsine encontrou protetores, encantados com suas beleza e perspicácia… Então, aprendeu a ler e escrever, além de cursar aulas de música, dança e etiqueta…

Percebendo atração que exercia, passou a frequentar salões aristocráticos e literários, tornando-se amante do conde Ferdinand Monguyon. Então, adotou o nome Marie Duplessis… Outro amante foi o jovem Agénor de Guiche, futuro duque de Gramont – relação fortemente contestada pelo pai de Agénor, que tornou-se mote de “La Traviata”…

Alphonsine Rose Plessis, conhecida p/ Marie Duplessis, célebre cortesã parisiense.

Em suas experiências, rapidamente, Marie assimilou modos elegantes e passava a frequentar a ópera – buscava conhecimento, aliando charme, sensibilidade e inteligência. Para uma menina, alfabetizada aos 15 anos, descortinou-se percurso inimaginável, da pobreza absoluta até as elites e à vida cultural parisiense…

Atraente e discreta, a jovem cortesã teve amantes que lhe proporcionaram luxo e conforto. Em Paris, sua casa reunia admiradores, entre aristocratas e artistas. Além de Dumas, filho, teve um caso com o músico Franz Liszt… E da paixão com o romancista, a quem confidenciou experiências pessoais, resultou “Dama das Camélias”… Por fim, vítima da tuberculose, Marie Duplessis morreu aos 23 anos…

Alexandre Dumas, filho, romancista francês, autor de “A dama das  Camélias”.

Alexandre Dumas, filho

Apesar da rigidez, a moral burguesa escondia permissividade e jogo de aparências. Firmemente alicerçada no cinismo e na hipocrisia, tornara-se objeto dos dramaturgos e fascínio dos comediantes. Alexandre Dumas era filho ilegítimo de Dumas, pai, com uma costureira, Marie-Catherine Labay. Em 1831, o pai reconheceu e ganhou a guarda do filho, assegurando-lhe cuidadosa educação, nas instituições “Goubaux” e “Bourbon”, além de introduzi-lo na sociedade, cafés e saraus parisienses… 

As leis, à época, permitiam aos pais, facilmente, obterem a guarda dos filhos – dolorosa perda para Marie-Catherine. O afastamento e sofrimento da mãe, possivelmente, atraíram Duma, filho, para trágica condição feminina, despertando compaixão e especial sentimento moral. Em sua trajetória, além do estigma da ilegitimidade, se depararia com racismo. Dumas, filho, era mestiço, tinha traços negroides da bisavó haitiana e, inevitavelmente, foi hostilizado pelos colegas de internato…

Tais experiências marcaram seus pensamento, comportamento e literatura. Em “O filho Natural”, 1858, defendeu casamento obrigatório para aqueles que tivessem “filhos ilegítimos”… E “Dama das Camélias” se tornaria dos maiores sucessos da literatura francesa, séc. XIX – chamado “século de ouro” do romance europeu… Escrito a partir de relacionamento pessoal com afamada cortesã parisiense, Marie Duplessis, que durou três anos, 1842/45. Em 1847, Marie viria falecer, abalando profundamente o escritor. E em 1848, surgiria o romance…

Capa do romance “A Dama das Camélias”, do romancista francês Alexandre Dumas, filho.

Ao contrário do pai, Dumas, filho, recebeu inúmeras homenagens, ingressou na “Académie Française” e foi agraciado com a “Légion d’Honneur”. E apesar do imenso sucesso de público, Dumas, pai, geralmente, era menosprezado nos círculos acadêmicos, por produzir literatura de caráter “leve e entretenimento”…

O êxito de “Dama das Camélias” e sua adaptação teatral garantiram rendimentos até a morte do escritor, permitindo-lhe escrever ensaios e engajar-se nas defesas da igualdade de gênero e do divórcio…Embora imbuído de particular sentimento moral, seguiu os passos do pai e costumes de época, com inúmeros casos amorosos… Em 1864, dezessete anos após a morte de Marie Duplessis, se casaria com a princesa Nadeja Naryschkine e teria uma filha. E mais tarde, viúvo, com Henriette Régnier, 40 anos mais jovem…

Como escritor, igualou-se ao pai em prestígio internacional… E após sucesso de “Dama das Camélias”, escreveu outros 12 romances e peças teatrais, entre “O amigo das mulheres”, “Processo Clemenceau”, “Francillon”, “As idéias de Mme. Aubray” e outras. Nos últimos anos, cuidava dos filhos e mantinha discreta participação política. Morreu aos 65 anos, 1895, em Marly-le-Roy, França – depois trasladado para “Cimetière de Montmartre”, Paris…

Em viagem à Paris, 1852, Verdi e Giuseppina assistiram adaptação teatral de “Dama das Camélias”, no “Theatre de Vaudeville”. Verdi já conhecia o romance e havia sugerido, anteriormente, ao libretista Salvatore Cammarano. Mas, para atender o teatro “La Fenice”, de Veneza, propôs à Francesco Piave, elaboração do libreto…

Acesso ao teatro “La Fenice”, pelos canais de Veneza.

Cortesãs europeias

A atuação das cortesãs está imbricada à história humana, em todos os níveis sociais… Na Europa, a partir dos séc. XVI, algumas desfrutaram de grande prestígio, fortuna e influência, não raro, associando charme e beleza à cultura, sensibilidade e sagacidade política. Também viveram a decadência e o passar dos anos, a melancolia e a solidão…

Banquete – Imagem da Grécia antiga – cortesã e seu patrono.

Mas, seguindo a linha da prudência de Dumas, filho, de não ensejar apologia da prostituição ou de qualquer natureza, dado a complexidade do tema, entre as maiores cortesãs europeias estava o desejo de libertação de determinadas condições. Trajetórias, por vezes, malogradas e trágicos finais… Ainda assim, revelavam-se mulheres desafiadoras, sedutoras e influentes…

Ser cortesã implicava, além do prestígio e do luxo, particular interação social e política… Portanto, não se limitavam a estrita venda do corpo, mas um privilégio àqueles com quem mantinham amizade, fruto dos talentos intelectuais e particular percepção do mundo… Muitas renunciaram à tradição e à moralidade para se libertarem da opressão, da violência e do que lhes parecia indigno: ser mulher… Outras, por mera sobrevivência, quem sabe, no extremo do rebaixamento social… Portanto, escolhas plenas de contradições e conflitos…

O termo cortesã, desde o Renascimento, adquiriu dois sentidos, empregado tanto para a nobreza, quanto para a mulher que ascendia socialmente através da prostituição… Também diferenciava-se, sobejamente, da prostituta popular, que era pobre, se oferecia na rua ou no bordel, atendia muitos clientes e era explorada por um “cáften”; enquanto a cortesã era rica, independente e atendia elites econômicas e políticas… Em geral, ambas tinham origem humilde ou na pequena burguesia…

“Prostitutas”, pintura de Toulouse-Lautrec, 1894.

A prostituta rica ou “cortesã”, por ofício e vida social, apresentava-se luxuosamente e confundia-se com mulheres da aristocracia. Também seduzia pela cultura e trato refinado… Algumas adquiriram patrimônio e títulos de nobreza, tamanha admiração de seus amantes…

Retrato de Veronica Franco – “Mulher que descobre os seios”, Tintoretto, 1570.

Veronica Franco

Em Veneza, séc. XVI, viveu Veronica Franco – “rainha das cortesãs”, que além da beleza, destacava-se pela cultura, visões do mundo renascentista e do direito das mulheres. Jacopo Comim – chamado “Tintoretto” – frequentou o salão de Veronica e a retratou… Cansada de ser espancada, a jovem de 18 anos, com filho no colo, pediu o dote e abandonou o marido, para tornar-se mais prestigiada “cortigiani oneste” entre os canais de Veneza…

“Cortigiani oneste” tinham privilégio de escolher seus amantes. Mulheres que combinavam meretrício com ampla cultura, oferecendo companhia e sofisticada conversação, além de sexo… Em Veneza, haviam mais de três mil prostitutas registradas e cerca de 200 “cortigiani oneste”… Veronica herdou o ofício da mãe, Paola Fracassa, que abandonara a prostituição para casar-se. Mas, ao ficar viúva, retornou. Após frustração no casamento, a filha também optou pela prostituição… Ambas constam da edição de “Tariffa delle puttani”, de 1572, entre as mais prestigiadas de Veneza, com respectivos preços…

“Igreja Santa Maria Formosa”, paróquia de Veronica Franco, em Veneza.

Bela, delicada e culta, Verônica adentrou os salões venezianos. Em 1574, a senhoria da república de Veneza solicitou-lhe companhia à Henrique de Valois, futuro rei de França, para estreitar laços políticos. Conta-se, o futuro Henrique III preferia a companhia de rapazes, vestidos de mulher. As habilidades de Veronica, no entanto, criaram noite aprazível, satisfazendo os desejos do futuro rei – e a aliança franco-veneziana seguiu a contento… 

Também destacou-se como poetisa, em “Terze rime”, validada por Domenico Venieri, poeta que depois a difamou… Veronica envolveu-se com Marco, sobrinho de Domenico, que tornou-se grande amor em sua vida… Também sua casa tornou-se um ateneu, reunindo intelectuais e artistas, além de concertos e discussões filosóficas… O célebre Michel de Montaigne frequentou o salão, onde recebeu peculiar presente:  “Lettere familiari e diversi” (“Cartas íntimas e variadas”), que reunia correspondência de Veronica com personalidades de época – testemunho único de usos e costumes, da Veneza do séc. XVI…

Michel Eyquem de Montaigne, filósofo renascentista.

Por fim, denunciada ao “santo ofício”, por desatenção à religião e feitiçaria, foi julgada e presa. Mais tarde, absolvida, graças ao relacionamento com hierarcas da cúria de Veneza, mas processo marcou seu declínio e significativa perda de bens. Retirada em sua mansão, propôs, às autoridades venezianas, albergue para cortesãs doentes e idosas, onde também se ensinasse ofício àquelas que desejassem mudar de vida… Faleceu em 1591, aos 45 anos…

Ninon de Lenclos

Extremamente culta, a cortesã francesa mudou os costumes dos séc. XVII e XVIII. Escritora e patronesse das artes, Anne de l’Enclos ou Ninon de Lenclos, orfã de mãe, aos 15 anos, decidiu entrar para o convento. Passado um ano, desistiu da vida religiosa, mas a experiência lhe inspirou ser livre, solteira e independente…

Então, passou a frequentar salões, onde se cultivasse poesia e literatura. E decidiu seguir a vida de cortesã, por rejeitar, totalmente, a ideia do casamento. Ninon teve inúmeros amantes, entre eles, o primo, rei Luís II de Bourbon; o nobre Gaston de Coligny; e o duque de La Rochefoucauld… Para Lenclos, independente da classe social, maridos eram infiéis e violentos; e as mulheres, legalmente, desprotegidas contra abusos…

Ninon de Lenclos, célebre cortesã francesa.

De fato, Ninon foi mulher independente, não propriamente uma cortesã. Era auto suficiente financeiramente e escolhia seus amantes. Como a descreveu Saint-Simon: “Tinha muitos adoradores, mas sempre um amante. E quando se cansava, o abandonava com toda franqueza”… Teve um filho, com o marquês de Villarceuax… E quando rompeu, enviou ao triste marquês, mecha de seus cabelos. Com os cabelos curtos criou novo penteado, que virou moda em Paris – corte “à la Ninon”…

Opiniões relativas à religião, somadas à fama de cortesã, levaram-na à prisão por ordem da rainha Anna da Áustria, mãe de Luís XIV. Foi libertada por iniciativa de Cristina, da Suécia, que apelou ao cardeal Mazarin. Livre, Ninon escreveu “La coquette vengée”, onde refletia, provocativamente, que todos poderiam ser felizes, mesmo sem religião…

Algumas frases: “Para fazer amor é preciso mais espírito do que comandar um exército”… “Reduzir a mulher ao papel de objeto sexual é excluí-la da prática de sua integridade, da qual é perfeitamente capaz”… “Homens, muitas vezes, são derrotados pela falta de jeito, mais do que pela virtude das mulheres”…

Anna da Austria e cardeal Mazarin.

De natureza educadora, abriu “escola de galanteria” que virou moda em Paris. E dirigida à jovens aristocratas, abrangia: psicologia das mulheres; cuidados particulares com a amante ou a esposa; técnicas de cortejar e seduzir; métodos para encerrar relações; além de curso avançado sobre fisiologia do sexo…

Adentrando os 40 anos, priorizou a literatura. De espírito mordaz e agudo senso comercial, criou “salão Ninon”, em Paris, que reunia artistas e intelectuais. Tornou-se símbolo da mulher culta, livre e independente. E dizia o duque de Saint-Simon: “Ninon fazia amigos em todas as esferas da vida, com particular habilidade para mantê-los próximos e, ao mesmo tempo, cordiais entre si…” 

Parte de sua fortuna deixou para o filho do contador, criança que julgava especialmente talentosa. Se chamava François Marie Arouet e viria tornar-se o célebre Voltaire… Faleceu em 1705, aos 89 anos…

“Madame de Pompadour”

Entre as mais prestigiadas cortesãs francesas, encontra-se Jeanne-Antoinette Poisson, “Marquesa de Pompadour”. Se ter amante era demonstração de virilidade para um monarca, ser amante do rei de França, uma honraria… Assim, a mãe de Pompadour esforçou-se para dar à filha “educação de uma cortesã superior”…

Jeanne-Antoinette Poisson, “Marquesa de Pompadour”, por Quentin Delatour.

Jeanne-Antoinette era ainda criança, quando Luís XV reinava, então, casado com a polaca Maria Leczinska… Longa trajetória, portanto, aguardava a futura “Madame de Pompadour” até convívio com máximo poder, em França… E Pompadour influenciaria fortemente a política francesa…

Com origem na burguesia, o pai, François Poisson, trabalhava em empresa de suprimentos do exército. E parte da educação de Jeanne-Antoinette foi estimulada por rico viúvo, Charles Tournehem, proporcionando-lhe aulas de dança, “clavicêmbalo” e declamação… Aos 15 anos, havia consenso e desejo, na menina, de tornar-se cortesã… E à medida que amadurecia, tornava-se jovem deslumbrante – em formas, estatura, olhos brilhantes, pele macia e belos dentes, uma raridade à época…

Luís XV, de França.

Passando a frequentar os círculos parisienses, conheceu Charles-Guillaume Le Normant d’Etioles, banqueiro e sobrinho de Tournehem, com quem viria casar-se. Suspeita-se que Tournehem tenha arranjado a aproximação… E o jovem casal instalou-se nos arredores de Paris, onde Jeanne-Antoinette ficou conhecida como Madame d’Etioles… O casamento lhe proporcionou convívio com a nobreza, quando as mulheres usavam coches e os homens praticavam caça à raposa…

A proximidade do castelo de Choisy, de Luís XV, possibilitava cruzar com a comitiva real… E, finalmente, Madame d’Etioles chamou atenção do rei… Luís XV, após dez anos de casamento e dez filhos, passara a procurar amantes… E após falecimento de Marie-Anne, duquesa de Châteauroux, estava livre a vaga de “maîtresse déclarée” (“amante declarada”). Assim, abriu-se caminho… E a partir de 1745, com 24 anos, Madame d’Etioles frequentava bailes e era citada, pelo cronista da corte, como nova conquista de Luís XV… 

A jovem cortesã ganhou suíte no esplendoroso palácio de Versalhes, próxima aos “petites cabinets”, de uso exclusivo do rei… E embora houvesse distância imensa entre a aristocracia e a burguesia, o cronista Luynes registrava paixão mutua entre Luís XV e Madame d’Etioles… De outro, se a França estava em guerra contra Áustria e Grã-Bretanha, aproximação pessoal com Luís XV muito interessava à fornecedores do exército, então, protetores de Jeanne-Antoinette… E tratou-se da separação com Le Normant d’Etioles…

Jardins do Palácio de Versalhes – França.

Para assegurar presença na corte, Luís XV providenciou título de nobreza à jovem. Assim, aos 24 anos, a monarquia francesa nomeava Jeanne-Antoinette – “Marquesa de Pompadour, proprietária de terras, ainda com posse indefinida”… E enquanto era rejeitada entre os nobres, pela origem burguesa, empenhava-se em aprender regras de protocolo e etiqueta…

E conquistou ilustre amigo: Voltaire. Os filósofos iluministas, embora pregassem reformas, eram bem recebidos nas cortes. E Voltaire frequentou tanto a corte francesa, quanto a prussiana, de Frederico II – dos chamados déspotas esclarecidos, que admiravam a intelectualidade, embora não acreditassem que tais ideias pudessem mudar a Europa…

Frederico II, da Prússia e Voltaire, filósofo do Iluminismo.

Apoiada por Luís XV, Pompadour promoveu artistas como Quentin Delatour e François Boucher, que a retrataram, além de construir, restaurar e decorar palácios. Investiu e negociou com burgueses ricos, interessados em projeção social, além de recuperar fábrica de porcelana de Vincennes, transferindo-a para Sèvres; por fim, estimulou edição da “Encyclopédie” e pesquisas de Buffon e Helvetius…

Arguta e ambiciosa, à medida que conhecia a nobreza, ampliava espaço. Pedidos e favorecimentos passavam por ela, dado a influência sobre Luís XV – espécie de ministra de estado…  Entre seus opositores estava o duque de Richelieu, que almejava ser primeiro-ministro. Percebendo tais aspirações, Pompadour afastou-o da corte. E à medida que firmava ascendência junto ao rei, aumentava participação no governo – além de amante, tornava-se amiga e conselheira de Luís XV, que passara a confiar nela, ou mesmo, confiar a ela decisões… 

“Batalha de Minden” – 1759, travada em território da atual Alemanha – “Guerra dos 7 Anos”. Infantaria britânica enfrenta carga da cavalaria francesa.

E, naturalmente, Pompadour poderia falhar. E falhou… Assim, ao aproximar-se da rainha Maria Tereza, da Áustria, influiu na assinatura do “Tratado de Versalhes”, de 1756, que pactuava França e Áustria em caso de defesa, o que levou Luís XV à desastrosa “Guerra dos 7 anos”, contra a Prússia. Além da derrota, França cedeu aos britânicos, aliados dos prussianos, parte das colônias na América e na Índia…

A flagrante derrota a abalou, pessoal e politicamente, além da morte da filha, Alexandrine. Mas, a amizade de Luís XV permaneceu – por cerca de 19 anos, até sua saúde fragilizar-se… A “maîtresse déclarée” contraiu tuberculose, vindo a falecer em 1763, aos 42 anos… Em seus últimos dias, reconciliou-se com a Igreja e deixou parte dos bens a uma “vidente”, que teria previsto sua trajetória…

Emma Crouch, cortesã conhecida como Cora Pearl.

Cora Pearl

Por fim, uma celebridade em Paris, nos anos 1860. Nascida na Inglaterra, Emma Crouch tornou-se Cora Pearl, após sofrer estupro, aos 15 anos… Filha de um celista e compositor de época, Frederick Crouch, que abandonou a família para emigrar aos USA, deixando 15 filhos… A mãe, abandonada, casou novamente, mas Emma rejeitou o padrasto. Então, foi enviada para internato na França e quando retornou à Londres, passou a morar com os avós… Neste período, aos 15 anos, trabalhava como assistente de modista, quando foi embriagada, estuprada e deixada num quarto de hotel… Quando acordou, traumatizada, decidiu morar sozinha e mudou identidade – para Cora Pearl… 

Cora Pearl acompanhada pelo príncipe Achille Murat.

Em viagem à Paris, Cora apaixonou-se pela cultura e vitalidade da capital francesa… E soube que a prostituição era liberada, desde que registrada e feitos exames periódicos. Muito charmosa e corpo escultural, passou a atrair homens, preferencialmente, da aristocracia… Assim, tornou-se amante do duque de Rivoli; do príncipe William, da casa de Orange, da Holanda; e do príncipe Achille Murat, sobrinho neto de Napoleão Bonaparte…

Amante duradouro, no entanto, foi Napoleão-Jérôme Bonaparte, primo de Napoleão III, que lhe presenteou com joias, casas e pequeno palácio – “Les petites Tuileries”. Muito popular, tornou-se referência de moda, pela ousadia no vestuário, maquiagem e cabelos coloridos… No auge da fama, possuía três casas, estábulo com 60 cavalos e muitos empregados…

Após a guerra franco-prussiana, houve mudança de costumes na sociedade francesa, tornando-se mais conservadora. Os amantes, gradualmente, afastaram-se e, finalmente, ocorreu um escândalo – “L’affair Duval”. Um jovem, em desespero, suicidou-se na presença de Cora Pearl, por ela rejeitá-lo, sistematicamente… Cora acabou expulsa do país e exilou-se em Monte Carlo, onde publicou autobiografia, não sem antes chantagear, financeiramente, seus ex-amantes… Morreu em 1886, aos 50 anos…

Cortesã japonesa.

Libreto e sinopse de “La Traviata”

Ambientado na revolução de 1848, em Paris, “Dama das Camélias” – referência à flor preferida do personagem, trata de famosa cortesã, Marguerite Gautier, e sua relação com estudante de direito, Armand Duval, de aristocrática família…  Marguerite alternava entre “camélias brancas e vermelhas”, de acordo com disponibilidade para vida social. O romance aborda conflito entre amor de ambos e posição social de Armand. Também impossibilidade do jovem, sem apoio familiar, oferecer conforto e luxo a que Marguerite se habituara…

Personagens vivem intensa paixão, mas Marguerite tem consciência de sua condição e doença… De outro, os amantes sofrem dura oposição do pai de Armand. Marguerite reflete sobre o amor e as renúncias que fez, ao tornar-se cortesã. E Armand revolta-se. Finalmente, a relação é atingida pela morte de Marguerite… Na ópera, romance de Dumas, filho, foi adaptado por Francesco Piave, habitual colaborador de Verdi, e nomes substituídos para “Violetta Valéry” e “Alfredo Germont”…

Marie Duplessis, cortesã francesa que inspirou “Dama das Camélias”.

Sinopse

Ação ocorre em Paris, França, sec. XIX.

  • Personagens: Violetta Valéry, cortesã parisiense (soprano); Alfredo Germont, jovem estudante de direito (tenor); Giorgio Germont, pai de Alfredo (barítono); Gastone de Létorières, amigo de Violetta (tenor);  Barão Douphol, pretendente de Violetta (barítono) ; Flora Bervoix, amiga de Violetta (soprano); Aninna, empregada de Violetta (soprano); Marquês d’Obigny (baixo); Dr. Grenvil (baixo); Giuseppe, servo de Violetta (tenor); servo de Flora (tenor); comissionário (baixo);
  • Coros: Aristocratas, convidados, amigos e empregados de Violetta.
  • Ballet: Cena dos ciganos e toureiros, animando uma festa.
Figurino p/Violetta, para estreia no teatro “La Fenice”, 1853.

Ópera inicia com “Prelúdio” orquestral

1° Ato – Salão na casa de Violetta Valéry

Após belo e sentimental prelúdio orquestral, cena abre com uma festa na residência de Violetta Valéry, prestigiada cortesã parisiense. Entre os convidados e animada música, Violetta conclama: “Flora, amici, la notte che resta d’altre gioje qui fate brillar… Frale tazze più viva è la festa!” (“Flora, amigos, à noite que resta, que brilhem outras alegrias… Em meio as taças, mais vibrante é a festa!”)… Como anfitriã, Violetta se esforçava para motivar os convidados, mas encontrava-se debilitada…  

Entra Gastone, amigo de Violetta, e apresenta Alfredo Germont, há muito, apaixonado por Violetta… Gastone canta “Ecco un altro che molto v’onora. Pochi amichi a lui similisono…” (“Aqui está outro que te admira. Poucos amigos são como ele…”) e Violetta responde “Mio Visconte mercè di tal dono” (Meu visconde, grata por esta presença”)… E antes do jantar, convidados propõem um brinde. Alfredo canta o amor sincero e Violetta o amor livre, no célebre conjunto “Libiamo, libiamo ne’ lieti calici, che la bellezza infiora”  (“Libertemos os felizes cálices, que se adornam de beleza”)… “Godiam la tazza e il cantico” (“Gozemos as taças e o canto”). Violeta canta “La vita è nel tripudio” (“Vida é voluptuosidade!”) e Alfredo responde “Quando non s’ami ancora” (“Quando não conhecemos o amor”)…

“La Traviata” – Cena do “Brindisi”, 1° Ato – “Teatro Colón”, Buenos Aires, 2017.

Então, ouve-se música em outro salão. Perguntam os convidados “Che è ciò?” e Violetta responde “Non gradireste ora le danze?” (“Vocês não gostariam de dançar agora?”). E iniciam uma valsa!… Mas, Violetta sente um mal estar… Alfredo aproxima-se, “V’ucciderete aver v’è d’uopo cura” (“Acabareis por te matar”)…  “Dell’esser vostro” (“Deverias te cuidar”)… “Se mia foste, custode io veglierei pe’vostri” (“Se fosses minha, eu te cuidaria”), ao que Violetta responde “Che dite? Cura di me?…” (“Que dizes? Você se importa comigo?…”). Alfredo canta “Perchè nessuno al mondo v’ama”… “Tranne sol io!” (“Porque ninguém te ama neste mundo… como eu!”)…

Duetto “Um di felici” – 1° Ato, Maria Callas e Alfredo Kraus, Lisboa, 1958.

E iniciam célebre  duetto “Un dì felice” (“Um dia feliz”). Alfredo declara seu amor e Violetta responde não haver espaço, em sua vida, para tal sentimento… Despedem-se, mas Violetta oferece uma “camélia” à Alfredo, pedindo-lhe que volte quando a flor murchar, o que significava vê-la no dia seguinte… Alfredo canta “Io son felice! Oh, quanto v’amo!” (“Eu sou feliz! Oh, quanto te amo!”)…

Neste duetto, ocorre tema recorrente – “leitmotiv”, que reaparecerá na ária “Ah, fors’è lui che anima”; e ao final da ópera, como reminiscência para declamação. Os versos dizem: “Di quell’amor, ch’è palpito dell’universo intero… Misterioso, altero… Croce e delizia al cor…” (“Do amor, que pulsa do universo inteiro… Misterioso e soberano… Cruz e delícia do coração…”)

Então, convidados se retiram, “Si ridesta in ciel l’aurora, e n’è forza di partir. Merce’ a voi, gentil signora…” (“Aurora nasce e não temos forças para partir… Obrigado, gentil senhora…”). E Violetta, sozinha, ficou dividida em suas emoções. Tem sua vida e liberdade, mas encontro com Alfredo a perturbou, despertou-lhe o amor…

Maria Callas em “La Traviata – Final 1° Ato” – “È strano… Ah, fors’è lui… Sempre Libera” – Lisboa, Portugal, 1958.

E canta grande ária, “tour de force” do repertório de soprano, que inicia na cavatina “Ah, fors’è lui che anima”(“Ah, talvez, ele me encante”…), seguida da cabaletta “Sempre libera degg’io folleggiar di gioia in gioia”  (“Sempre livre para a alegria”), e no recitativo, reflete: “È strano! è strano! in core scolpiti ho quegli accenti! Saria per me sventura un serio amore? Che risolvi, o turbata anima mia? Null’uomo ancora t’accendeva… O gioia, ch’io non conobbi… Essere amata amando!” (“Estranho! Meu coração trepida! O amor seria uma desgraça, para mim?… Nenhum homem despertou isto… Oh, alegria que não conhecia, ser amada, também amando!”)… A grande ária encerra o 1° Ato…

2° Ato 

Cena 1 – Casa de campo de Violetta Valéry, nos arredores de Paris

Violetta e Alfredo encontram-se numa casa de campo. Após “Allegro vivace”, em breve introdução orquestral, Alfredo, exultante, canta sua paixão, na ária “De’ miei bollenti spiriti. Il giovanile ardore, ella temprò col placido. Sorriso dell’amore!” (Do meu caloroso espírito, um ardor juvenil. E ela, com plácido sorriso de amor!”)…  Mas, através de Annina, secretária de Violetta, Alfredo toma conhecimento da venda da propriedade. E na cabaletta, “O mio rimorso! O infamia. E vissi in tale errore?” (Oh, remorso. Oh, infâmia, tenho vivido este engano?), percebe que não tinha meios de manter o padrão de vida de Violetta… E viaja à Paris, na busca de recursos, a fim de evitar que Violetta se desfizesse dos bens…

Lodovico Graziani, tenor – “Alfredo” na estreia no teatro “La Fenice”, 1853.

Após partida de Alfredo, Violetta está à espera de interessados na propriedade… E recebe visita de Giorgio Germont, pai de Alfredo. Tema melódico austero, nas cordas, anuncia a chegada… Ambos se apresentam e Giorgio, angustiado, dispara: “Sì, dell’incauto, che a ruina corre, ammaliato da voi” (“Sim, sou pai do incauto que corre para ruína, encantado por você”)… Violetta responde “Donna son io, signore, ed in mia casa” (“Senhor, sou uma senhora e estou em minha casa”)… 

Em grande cena, Violetta fala dos sentimentos por Alfredo e expõe porque se desfazia dos bens… Grosseiro, Giorgio à ofende: “D’ogni vostro avere or volete spogliarvi?… Ah, il passato perchè, perchè v’accusa?” (“Desfazer-se de todas as posses? Ah, o passado te acusa?”). Violetta responde “Più non esiste or amo Alfredo. E Dio lo cancellò col pentimento mio”) (“Não existe mais passado porque agora amo Alfredo. Deus me absolveu com meu arrependimento”)…

Giorgio canta “Nobili sensi invero!” (“Nobres sentimentos”) e Violettta responde “Oh, come dolce mi suona il vostro accento!” (“Oh, como soam doces estas palavras!”). No entanto, dramaticidade se intensifica, quando Giorgio propõe, “Ed a tai sensi, un sacrificio chieggo” (“E a tais sentimentos, um sacrifício peço”). Violetta, apreensiva, responde “Ah, no, tacete. Terribil cosa chiedereste certo!” (“Ah, cala-te. Vens pedir algo terrível!”). Giorgio expõe, “D’Alfredo il padre la sorte, l’avvenir domanda or qui De’ suoi due figli” (“Pai de Alfredo lhe pede pelo futuro de seus dois filhos”). E Violetta indaga, “Di due figli?”… Giorgio responde que noivado de sua filha será desfeito, se perdurar a relação entre Violetta e Alfredo…

Figurino p/ “La Traviata”

“Recitativo accompagnato” evolui para “arioso” e Giorgio canta, “Sì, pura siccome un angelo, Iddio mi diè una figlia” (“Sim, pura como um anjo, Deus me deu uma filha”). Violetta interpreta como afastar-se um tempo, até que se realize o casamento… Mas, Giorgio retifica, “Pur non basta”… E Violetta exclama, “Volete che per sempre a lui rinunzi?” (“Pede que renuncie para sempre?”). Giorgio responde “È d’uopo!” (“É necessário!”)…  E a música agita-se, pontuando indignação de Violetta, “Ah no, giammai! Non sapete quale affetto vivo, immenso m’arda in petto?” (“Ah não, jamais! Não sabes do afeto que sinto, imenso ardor no peito?”). Violetta fala de tudo que perdeu, da solidão e da doença que a consome… E ainda lhe pedem que se afaste de Alfredo… Em pungente momento, canta “Ch’io mi separi da Alfredo? Ah, il supplizio è si spietato, Che morir preferirò!” (“Que eu me afaste de Alfredo? Ah, tal suplício é demais, prefiro morrer!”)…

Figurino p/Violetta, de Luigi Sapelli – Archivio Storico Ricordi, 1905.

Giorgio, pensando nos filhos, valores burgueses, honras pessoal e familiar, insiste: “È grave il sacrifizio, ma pur tranquilla udite” (“É grande o sacrifício, mas deves escutar com calma”), ao que Violetta reage,  “Ah, più non dite, v’intendo m’è impossibile” (“Ah, cala-te, te entendo, mas é impossível”). Então, Giorgio torna-se mordaz e ironiza: “Como quiera, pero el hombre es voluble…” (“Como queira, mas o homem é volúvel…”), insinuando ser fantasia transitória a paixão do filho… Violetta responde, “Gran Dio!”… E iniciam maravilhoso, mas doloroso duetto, “Un dì, quando le veneri Il tempo avrà fugate…” (“Um dia, quando tua beleza tiver passado…”)

Violetta se fragiliza com os argumentos, em “Così alla misera ch’è un dì caduta, di più risorgere speranza è muta!” (“Para a desgraçada que se perdeu, se nega toda esperança de redenção!”). E chorando, canta: “Dite alla giovine sì bella e pura, ch’avvi una vittima della sventura. Cui resta un unico raggio di bene, che a lei il sacrifica e che morrà! ” (“Diga à jovem, tão bela e pura, que existe uma vítima de infortúnio, da qual resta um raio de bondade e que, por ela, se sacrificará e morrerá…”). Ao que Giorgio responde, percebendo sinceridade nos sentimentos de Violetta, mas sem transigir: “Sì, piangi, o misera supremo, il veggo, è il sacrificio ch’ora io ti chieggo. Sento nell’anima già le tue pene; coraggio e il nobile cor vincerà” (“Sim, chore, oh, miserável suprema, entendo sacrifício que agora vos peço… Sinto suas dores em minha alma; a coragem e o nobre coração vencerão”)…

Duetto “Dite alla giovine” – Ermonela Jaho e Dmitri Hvorostovsky, “Opéra Nationel De Paris”.

Sem interrupção do drama, duetto apresenta sucessão de estados emotivos. E ao renunciar à Alfredo, Violetta canta, “Qual figlia m’abbracciate forte, così sarò” (“Abrace-me, como uma filha”). Giorgio e Violetta se abraçam… Então, Giorgio a valoriza: “Generosa! e per voi che far poss’io?” (“Generosa! Que posso fazer por você?”). Violetta suplica, “Morrò! la mia memoria, non fia ch’ei maledica. Se le mie pene orribili, vi sia chi almen gli dica” (“Morro, mas não permitas que amaldiçoem minha memória. Que alguém relate, ao menos, meus horríveis sofrimentos”)…

Felice Varesi, barítono – “Giorgio Germont”, na estreia do Teatro “La Fenice”, Veneza, 1853.

Atendido em suas expectativas, Giorgio conforta Violetta, em “No, generosa, vivere e lieta voi dovrete. Merce’ di queste lagrime, dal cielo un giorno avrete” (Não, mulher generosa, viva e seja feliz. O céu, um dia, recompensará suas lágrimas”)… “Premiato il sacrifizio sarà del vostro amor” (“O sacrifício de seu amor, lhe será reconhecido”)… Ambos se despedem e Giorgio se retira, encerrando sensível momento do drama…

Solitária, Violetta suplica em “Dammi tu forza, o cielo!”… Então, chama Annina, sua secretária, e entrega correspondência. Violetta aceita convite para uma festa, que antes rejeitara… Annina se retira e Violetta, desolada, tenta redigir carta à Alfredo… Um lamento, em solo de clarineta, pontua a cena, até a chegada de Alfredo, que indaga o que fazia… Para quem escrevia… Alfredo recebera severa carta e estava aguardando chegada de Giorgio, seu pai… Violetta não mostra a carta, dissimula, mas acaba chorando… Cena se agita até culminar em pungente apelo: “Amami, Alfredo, quant’io t’amo!” (“Ama-me Alfredo, tanto quanto te amo!”) – momento de grande emotividade de “La Traviata”! Então, Violetta deixa a cena…

Joan Sutherland, soprano – Cena “Violetta retorna à Paris”, Australian Opera, 1978.

Sozinho, Alfredo aguarda Giorgio, “È tardi: ed oggi forse più non verrà mio padre” (“É tarde, talvez meu pai não venha hoje…”). Entra Giuseppe e avisa que Violetta partira para Paris, às pressas… Annina a acompanhou. Alfredo acredita que viajara em função da venda dos bens… Mas, chega mensageiro e entrega carta de Violetta. Alfredo irrita-se profundamente e, à chegada de Giorgio, abraça, desolado, seu pai…

Giorgio acolhe, em “Mio figlio! Oh, quanto soffri! Tergi, ah, tergi il pianto. Ritorna di tuo padre orgoglio e vanto” (“Meu filho! Oh, quanto sofri! Ah, enxugue as lágrimas. Volte a ser o orgulho de teu pai”). E procura consolar Alfredo, em “Di Provenza il mar, il suol, chi dal cor ti cancello?” (“Como se apagou, em teu coração, terra e mar de Provenza?”) – célebre solo de barítono…

Mas, descontrolado, Alfredo quer vingança da suposta traição… Giorgio reage, em “Dunque invano trovato t’avrò? Un padre ed una suora t’affretta a consolar” (Assim, te encontrei em vão?… Um pai e uma irmã estão prontos a te consolar!…). Mas, inconsolável, Alfredo desconfia do Barão Douphol, antigo pretendente de Violetta. E ao tomar conhecimento que Violetta fora a uma festa, prepara sua vendeta, “Ah! ell’è alla festa! volisi L’offesa a vendicar!” (Ah, ela foi a uma festa! Irei vingar tal ofensa!)…. Encerrando Cena 1 do 2° Ato…

Cena 2 – No palácio de Flora

Cena abre em “Allegro brillante” na orquestra. Prepara-se uma festa com muitos convidados. Flora canta “Avrem lieta di maschere la notte” (“Máscaras animarão a festa!”). Violetta e Alfredo estavam convidados, mas Marquês d’Obigny informa que haviam se separado e que Violetta virá com o Barão Douphol… E todos cantam “Giungono gli amici!” (“Chegaram nossos amigos!”) e iniciam a festa!

Coro e Ballet ”Noi siamo zingarelle” – Ato 2 – cena 2, “Metropolitan Opera”, New York, 2022/23.

Em lúdico momento, damas disfarçadas de ciganas entram, em belo coro feminino, “Noi siamo zingarelle”. Após, entram Gastone e outros disfarçados de toureiros, no vigoroso coro masculino “Di Madride noi siam mattadori” (“Somos toureiros de Madrid”). Homens tiram as máscaras e Alfredo adentra o salão. Flora pergunta por Violetta e Alfredo responde “Non ne so…” (“Não sei…”)

Violetta entra, acompanhada do Barão Douphol, e se surpreende: “Ah, perchè venni, incauta! Pietà di me, gran Dio!…” (“Ah, porque veio, imprudente! Tenha pena de mim, senhor!…”). Alfredo e outros iniciam jogo de cartas. Alfredo está com sorte, “Oh, vincerò stasera; e l’oro guadagnato poscia a goder tra’ campi ritornerò beato” (“Ganharei esta noite e voltarei a gozar, feliz, no campo”). Flora pergunta: “Solo?”. E Alfredo responde: “No, no, con tale che vi fu meco ancor, poi mi sfuggia” (“Não, irei com a mesma que estava comigo e me deixou…”). E Violetta reage: “Mio Dio!”…

Jogo segue e apostas aumentam. Alfredo segue ganhando. E Flora comenta: “Del villeggiar la spesa farà il baron, già il vedo” (“Pelo que vejo, barão pagará por suas férias…”). Além dos contendores, demais convidados assistem e vibram a cada lance… Então, Violetta chama Alfredo… E o alerta do perigo em desafiar o Barão. Alfredo ignora, mas percebe preocupação: “La mia morte! Che ven cale?” (“Minha morte, acaso te importa?”)… Violetta responde: “Va, sciagurato. Scorda un nome ch’è infamato… Di fuggirti un giuramento sacro io feci!” (“Parte, miserável. Esqueça um nome que é infame.  Para afastar-me de ti fiz juramento sagrado!”)…

Violetta e Alfredo na “Cena final do jogo de Cartas” – 2°Ato, 2ª Cena – “Fundação Cultural do Pará”, 2017.

Surpreso, Alfredo indaga “E chi potea?” (“E quem poderia pedir-te?). Violetta responde “Chi diritto pien ne avea” (“Quem de maior direito tem”). Alfredo pergunta, “Douphol?”… E Violetta, com enorme esforço, mente, “Si…”. Alfredo, indignado, convoca a todos: “Ogni suo aver tal femmina per amor mio sperdea. Io cieco, vile, misero, tutto accettar potea. Ma è tempo ancora! tergermi Da tanta macchia bramo…” (“Tudo que esta mulher tinha, dilapidou por amor a mim. Eu, cego, vil, mísero, tudo aceitei. Mas, em tempo, quero lavar esta mancha”) e arremessa com desprezo, sobre Violetta, saco com dinheiro que ganhara no jogo… Atônita e humilhada, Violetta desmaia!…

Neste momento, entra Giorgio Germont e assiste os presentes defenderem a honra de Violetta, em “Oh, infamia orribile!… Un cor sensibile così uccidesti! Di donne ignobile Insultator. Di qui allontanati, Ne desti orror!” (“Oh, infâmia horrível! Um coração sensível tens assassinado! Ignóbil difamador de mulheres. Afasta-te daqui. Nos causas horror!)… Cena desenvolve-se em grande “concertato”… Giorgio não reconhece o filho em tamanha revolta e canta “Di sprezzo degno se stesso rende. Dov’è mio figlio? più non lo vedo…” (“Ele se faz digno de desprezo. Onde está meu filho? Não o vejo mais…”). Mas, segue, “Io so che l’ama, che gli è fedele, eppur, crudele, tacer dovrò!” (“Sei que a ama e que lhe é fiel, mas em momento tão cruel, devo me calar”)…

Concertato “Oh, quanto peni”, Cena 2 – final 2° Ato, na Ópera de Roma, 2016.

Alfredo lamenta, “Ah sì che feci! ne sento orrore… Dall’ira spinto son qui venuto! Or che lo sdegno ho disfogato, Me sciagurato! Rimorso n’ho” (“Assim agi e sinto horror… Impulsionado pela raiva… Agora, que extravasei minha indignação, desgraçado de mim! Não tenho remorso!”). Violetta responde, “Alfredo, Alfredo, di questo core, non puoi comprendere tutto l’amore… Ma verrà giorno in che il saprai… Dio dai rimorsi ti salvi allora… Io spenta ancora, pur t’amerò” (Alfredo, deste coração não compreendes todo amor… Mas chegará o dia em que saberás… Deus te livre do remorso, então… Estarei ausente, mas te amarei!”)…

Em defesa da honra de Violetta, Barão Douphol desafia Alfredo a um duelo… E todos cantam por Violetta, “Ah, quanto peni!… Qui soffre ognuno del tuo dolore… Fra cari amici qui sei soltanto, rasciuga il pianto che t’inondò!” (“Ah, quanto sofres!… E sofremos juntos tua dor… Estás rodeada de amigos, enxuga o pranto que te inunda!)… Em grandioso e comovente “concertato” conclui-se 2° Ato …

Fanny Salvini-Donatelli, soprano – “Violetta”, na estreia no “La Fenice”, 1853.

3° Ato – Quarto na casa de Violetta Valéry 

Cena abre com delicado e sensível “Prelúdio” orquestral, que remete à solidão e à agonia, quem sabe, à consternação e à despedida… O canto estará imerso nesta melodia dolente, sobretudo, das cordas… Num quarto, Violetta encontra-se muito debilitada. Fala com Annina, que anuncia o Dr. Grenvil, um bom amigo… Tenta levantar-se, mas está muito fraca. Dr. Grenvil ajuda a recompor-se no leito… E faz prognóstico otimista, mas Violetta entende como “mentira piedosa”…

Violetta declama carta que recebeu de Giorgio Germont: “Teneste la promessa; la disfida Ebbe luogo! il barone fu ferito, però migliora; Alfredo è in stranio suolo; il vostro sacrifizio, Io stesso gli ho svelato; Egli a voi tornerà pel suo perdono; Curatevi meritate un avvenir migliore” (“Você manteve a promessa; o duelo aconteceu. Barão foi ferido, mas passa bem; Alfredo está em solo estrangeiro; Vosso sacrifício foi, por mim, revelado; Alfredo retornará para pedir perdão: cuide-se, você merece futuro melhor”) – “leitmotiv”, em pianíssimo na orquestra, pontua declamação com o tema “Di quell’amor, ch’è palpito”…

Joan Sutherland, soprano australiano – “La Traviata” no “Covent Garden”, Londres, 1960.

À espera da morte, Violetta reflete sobre sua aparência; do quanto a vida mudou e as experiências que teve; do quanto o médico tentava animá-la… Também pede perdão à Deus, por suas culpas e desventuras… Lamenta ausência e amor de Alfredo, a apoiar e consolar-lhe a alma cansada… Debilitada, despede-se da vida na ária “Addio, del passato bei sogni ridenti…” (“Adeus, doces recordações do passado…”) – nesta ária, o canto é adornado por tênue lamento do oboé, em contraponto “obligato”… 

Mas, Paris está em festa. Celebrações pagãs são ouvidas nas ruas, contrastando com a dor, a doença, solidão e agonia de Violetta. Fora de cena, ouve-se o “Coro das máscaras”, que canta “Largo al quadrupede, sir della festa. Di fiori e pampini, cinto la testa… Abbia il saluto, Parigini, date passo al trionfo del Bue grasso…” (“Abram caminho ao quadrúpede, senhor da festa. Com folhas e flores, enfeitemos a cabeça… Façam uma saudação, parisienses, deem passagem ao triunfo do boi gordo…”). Ironicamente, ou em sua homenagem, a morte de Violetta ocorria em meio à grande alvoroço – danças, fantasias e alegria…

E Annina traz uma surpresa, em “D’esser calma promettete?… Una gioia improvvisa” (“Prometa manter a calma, senhora?… uma alegria repentina…”). Ao que Violetta exclama: “Alfredo!… Amado Alfredo!”… Alfredo entra: “Mia Violetta! Colpevol sono… so tutto, o cara” (“Minha Violetta!… Sou o culpado, sei de tudo, querida”)… E Violetta, “Io so che alfine reso mi sei!” (“Apenas sei que estás comigo!”). A euforia do reencontro prepara belo duetto, onde Alfredo afirma sua esperança, “Parigi, o cara/o noi lasceremo, La vita uniti trascorreremo” (“Deixemos Paris, querida. Aproveitemos a vida”). E juntos, alternam desejos, em “De’ corsi affanni compenso avrai, la mia/tua salute rifiorirà… Sospiro e luce tu mi sarai, Tutto il futuro ne arriderà!” (“As penas passadas serão recompensadas, a minha/tua saúde reflorescerá… Suspiro e luz você será para mim. E o futuro sorrirá!”)…

Joan Sutherland e Luciano Pavarotti, no Duetto “Parigi, o cara/o noi lasceremo”, no “Metropolitan Opera”, New Yor, 1987.

Mas, Violetta se resigna, “Ah, non più, a un tempio, Alfredo, andiamo, del tuo ritorno grazie rendiamo” (Ah, não mais, Alfredo. Vamos ao templo agradecer teu retorno”)… Alfredo perturba-se, “Tu impallidisci…” (“Estás pálida…”) e Violetta, “È nulla, sai! Gioia improvvisa non entra mai senza turbarlo in mesto core…” (“Não é nada! Alegria repentina acelerou meu coração…”). Alfredo exclama “Ahi, cruda sorte!”… (“Ah, destino cruel!”)…

Segue “cabaletta” e Violetta canta “Gran Dio! non posso!”… “Gran Dio! morir sì giovane, Io che penato ho tanto!” (Grande Deus! Não posso!… Grande Deus! Morrer tão jovem, depois de tanto sofrer!”)… Alfredo responde, “Oh, mio sospiro, oh palpito, diletto del cor mio!”… (“Ah! Meu sospiro, ah, dileta de meu coração!”)… “Tutto alla speranza… Violetta mia, deh, calmati, m’uccide il tuo dolor…” (“Ah! muita esperança… Minha Violetta, ah, calma, tua dor me mata…”). E Violetta responde, “Alfredo! oh, il crudo termine serbato al nostro amor!” (“Alfredo! Oh, cruel desfecho aguarda nosso amor!”)…

Em comovedor final, entra Giorgio Germont… Surpresa, Violetta canta “Non mi scordaste?” (“Não me esqueceste, senhor?”). E Giorgio responde, “La promessa adempio, a stringervi qual figlia vengo”) (“Promessa que cumpro, para te abraçar como filha”). Canta Alfredo, “La vedi, padre mio?”… ao que Giorgio responde, “Di più non lacerarmi… troppo rimorso l’alma mi divora” (“Não me tortures mais… tanto remorso devora minha alma…”)

Violetta pede à Alfredo, “Più a me t’appressa ascolta, amato Alfredo…” (“Mais perto de mim te escuto, amado Alfredo…”) Música adquire caráter dolente e fúnebre, em solene “Andante sostenuto”… Canta Violetta, “Prendi: quest’è l’immagine de’ miei passati giorni” (“Pega, este é um retrato de dias passados”). Alfredo responde, “No, non morrai, non dirmelo… Dei viver, amor mio!” (“Não, não morrerás, não diga isto… Tens que viver, meu amor!”). E Germont pede perdão, “Cara, sublime vittima d’un disperato amore, perdonami lo strazio recato al tuo bel core…” (Querida, sublime vítima de um amor desesperado, perdoa a dor que a teu coração causei…”)

Cena final de “La Traviata”, 19° ópera de Giuseppe Verdi – “Metropolitan Opera”, New York, 2022/23.

Em “dolce cantabile”, Violetta deseja, à Alfredo, sorte no amor, “Se una pudica vergine, degli anni suoi nel fiore, a te donasse il core, sposa ti sia lo vo” (“Se mulher honesta, na flor da idade, um dia, te entregar o coração, faça-a tua esposa. É meu desejo”). Novas reminiscências melódicas – leitmotiv “Di quell’amor ch’è palpito” – evocam momentos passados entre Violetta e Alfredo… Violeta delira, “È strano!… Gli spasmi del dolore. In me rinasce… m’agita insolito vigore!… Ah! io ritorno a vivere!… Oh gioia!” (“Estranho!… Cessaram as dores. Em mim renasce… me agita insólito vigor!… Ah! torno a viver!… Oh, alegria!”). Mas, subitamente, volta o mal estar, então, desfalece e cai… Violetta agonizava!…

Todos exclamam, “O cielo! muor!…” (“Oh, céus! Está morrendo!…”). Alfredo grita dolorosamente, “Violetta!!”… Germont exorta, “Oh, Dio! soccorrasi…” (“Oh, Deus! Ajude-se…”). E Dr. Grenvil lamenta: “È spenta!…” (“Está morta!…”). Todos lamentam: “Oh, mio dolor!!…”

– Cai o pano –

“La Traviata” tem sido interpretada por todas as grandes divas. E vem sendo montada, ininterruptamente, desde a estreia, em Veneza, 06/03/1853… Aos 40 anos, com “Rigoletto” e “Il Trovatore”, Verdi formava trilogia magnífica, que o elevou no cenário romântico europeu… E até os 80 anos, seriam mais 40 anos de profícua atividade e outras obras primas, com “Aída”, o monumental “Réquiem”, “Otelo” e “Falstaff”… O mestre italiano, falecido aos 88 anos, 1901, tornou-se autor de óperas mais encenado no mundo…

Giuseppe Verdi e Giuseppina Verdi Strepponi – união de 49 anos, até a morte da esposa, em 1897.

Após estreia, no teatro “La Fenice”, “La Traviata” obteve sucesso no teatro “San Benedetto”, de Veneza, 1854, e imediatamente montada em diversos teatros europeus e americanos… No “Teatro Lyrico Fluminense”, Rio de Janeiro, 1855; “Her Majesty’s Theatre”, Londres, 1856; Théâtre Italien”, Paris, 1856; “Academy of Music”, Nova York, 1856; “Covent Garden”, Londres, 1858; “Metropolitan Opera”, Nova York, 1883; “Opéra”, de Paris, 1886; e muitas se seguiram… 

“Teatro Provisório”, depois “Teatro Lyrico Fluminense” – 1852/75, palco de estreias de Verdi, no Brasil.

No Rio Janeiro, “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75, montou “La Traviata”, em 1855, um ano após sucesso no teatro “San Benedetto”… Antes mesmo das estreias em Paris, Londres e Nova York… Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, 1852, “Attila” e “Luisa Miller”, 1853; “Il Trovatore”, 1854, “Rigoletto”, 1856, e “Giovana D’Arco”, 1860… Posteriormente, seria demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…

Além do romance, também adaptação teatral de “Dama das Camélias” foi grande sucesso em Paris, Londres e nos teatros da “Broadway”, New York, final do séc. XIX… No Brasil, Sarah Bernhardt estreou a peça, com Don Pedro II na plateia… E ao longo do sec. XX, diversas produções cinematográficas, tanto do romance, quanto da ópera de Verdi… “Margarite Gautier” tornou-se personagem almejado por grandes atrizes, como Greta Garbo e Vivien Leigh… E cerca de doze filmes foram produzidos, entre 1906 e 1980, seguindo-se adaptações para “rádio e televisão”…

Sarah Bernhardt – atriz pioneira em “Dama das Camélias”, teatro e cinema – filme de 1912 – “Harvard Theatre Collection”, 1891.
  1. Gravações de “La Traviata”

Apesar do fracasso na estreia, “La Traviata”, rapidamente, ganhou os palcos do mundo, tornando-se das mais populares óperas de todos os tempos. Foi imensamente gravada, de modo que apresentamos lista sucinta em CDs e DVDs:

  • Gravação em áudio – CD Naxos, gravação de 1928

“Orchestra and Chorus of La Scala”, direção Lorenzo Molajoli
Solistas: Mercedes Capsir (Violetta) – Lionello Cecil (Alfredo) – Carlo Galeffi (Giorgio Germont)
“Teatro alla Scala”, Milão, Itália

  • Gravação em áudio – LP EMI, 1952

“Orchestra Sinfonica di Milano della RAI”, direção Carlo Maria Giulini
Solistas: Renata Tebaldi (Violetta) – Giacinto Prandelli (Alfredo) – Gino Orlandini (Giorgio Germont)
“Chorus della RAI”, direção Roberto Benaglio
“Teatro alla Scala”, Milão, Itália

  • Gravação em áudio – LP Melodram / CD Walhall, 1957

“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção Fausto Cleva 
Solistas: Renata Tebaldi (Violetta) – Giuseppe Campora (Alfredo) – Leonard Warren (Giorgio Germont)
New York, USA

  • Gravação em áudio – LP EMI Classics, 1958

“Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional São Carlos”, direção Franco Ghione
Solistas: Maria Callas (Violetta) – Alfredo Kraus (Alfredo) – Mario Sereni (Giorgio Germont)
“Coro do Teatro São Carlos”, Lisboa, Portugal

  • Gravação em áudio – LP/CD Decca, 1963

“Orchestra e Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção John Pritchard
Solistas: Joan Sutherland (Violetta) – Carlo Bergonzi (Alfredo) – Robert Merrill (Giorgio Germont)
Florença, Itália

  • Gravação em áudio – LP RCA Victor – CD Sony classical, 1967

“RCA Italiann Opera Orchestra”, direção George Prêtre
Solistas: Montserrat Caballe (Violetta) – Carlo Bergonzi (Alfredo) – Sherrill Milnes (Giorgio Germont)
“Chorus della RAI”, direção Nino Antonellini
“Teatro alla Sacala”, Milão, Itália

  • Filme em DVD – VAI, 1968

“Orchestra and Chorus of the Roma Opera House”, direção Giuseppe Patanè
Solistas: Anna Moffo (Violetta) – Franco Bonisoli (Alfredo) – Gino Bechi (Giorgio Germont)
Direção de cena e produção, Mario Lanfranchi
Itália, 1968

  • Gravação em áudio – LP EMI, 1971

“Royal Philharmonic Orchestra”, direção Aldo Ceccato
Solistas: Beverly Sills (Violetta) – Nicolai Gedda (Alfredo) – Rolando Panerai (Giorgio Germont)
“The Aldis Choir”, direção John Aldis,
“All Saint’s Church”, Tooting, Inglaterra

Obs: Acompanhada de grande elenco, destaca-se, nesta gravação, o excelente soprano coloratura Beverly Sills.

  • Gravação em áudio – LP Deutsche Grammophon, 1977

Bayerischer Staatsorchester”, direção Carlos Kleiber
Solistas: Lleana Cotrubas (Violetta) – Placido Domingo (Alfredo) – Sherrill Milnes (Giorgio Germont)
Bayerischer Staatsopernchor “, direção Wolfgang Baumgart
Munique, Alemanha

  • Gravação em áudio – LP EMI-Odeon, 1982

“Philharmonia Orchestra”, direção Riccardo Muti
Solistas: Renata Scotto (Violetta) – Alfredo Kraus (Alfredo) – Renato Bruson (Giorgio Germont)
“Ambrosian Opera Chorus”, direção John McCarth

  • Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 1982

“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção James Levine
Solistas: Teresa Stratas (Violetta) – Plácido Domingo (Alfredo) – Cornell MacNeill (Giorgio Germont)
Direção cênica e produção Franco Zeffirelli

Obs: Célebre produção para o cinema, dos anos 80. Franco Zeffirelli, além de cineasta, destacou-se também como diretor de teatro e ópera.

  • Gravação em DVD – Kultur, 2005

“Orquestra e Coro do Teatro La Fenice”, direção Carlo Rizzi
Solistas: Edita Gruberova (Violetta) – Neil Shikoff (Alfredo) – Giorgio Zancanaro (Giorgio Germont)
Dançarinos do “Balleto di Toscana”
“Gran Teatro La Fenice”, Veneza, Itália

  • Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 2006

“Wienwer Philharmoniker”, direção Carlo Rizzi
Solistas: Anna Netrebko (Violetta) – Rolando Villanzón (Alfredo) – Thomas Hampson (Giorgio Germont)
“Wiener Staatopernchor”, direção Rupert Huber
Viena, Áustria

Obs: Interessante e inovadora produção, substituindo montagem de época com cenários e figurinos modernos. 

  • Gravação em DVD – Deutsche Grammophon, 2016

“NDR Radiophilharmonie”, direção Keri-Lynn Wilson
Solistas: Marina Rebeka (Violetta) – Francesco Demuro (Alfredo) – Thomas Hampson (Giorgio Germont)
Coros: “Mädchenchor Hannover”; “Johannes-Brahms-Chor Hannover”; “Mitglieder des Chores der Staatsoper Hannover”
“Maschpark”, Hannover, Alemanha

Obs: Produção em forma de concerto, utilizando entorno do palco, ao “ar livre”, com excelente resultado…  

Joan Sutherland, soprano australiano – “La stupenda”…
  • Download no PQP Bach

Para download e compartilhamento da música de Verdi em “La Traviata”, homenageamos dois grandes sopranos:

– Joan Sutherland e “Orchestra e Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção John Pritchard, 1963 – gravação em áudio…

Vencedora de concurso lírico na Austrália, a jovem Joan Sutherland viajou à Londres para seguir estudos na “Opera School of the Royal College of Music”, onde conheceu e casou-se com Richard Bonynge, pianista e regente. E juntos, trilharam brilhante carreira musical… Em 1960, gravou “The Art of the Prima Donna”, que lhe rendeu um “Grammy Award”, pelo selo Decca, de 1963. Apresentou-se em todos os grandes teatros do mundo, com prestigiados regentes e solistas…

A exemplo de Maria Callas, empenhou-se no resgate de repertório, há muito, abandonado pelos teatros líricos… Nesta produção, Joan Sutherland divide o palco com os excelentes Carlo Bergonzi (Alfredo) e Robert Merrill (Giogio Germont). Conhecida como “La stupenda”, encontrava-se na plenitude vocal – cor, dinâmica, extensão e coloratura. Também destacam-se o belo trabalho do coro, orquestra e direção de John Pritchard…

Capa CD Decca, de “La Traviata”, com Sutherland, Bergonzi e Merrill. Direção John Pritchard, 1963.

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

– Maria Callas e “Orquestra Sinfônica e Coro do Teatro Nacional São Carlos”, direção Franco Ghione, Lisboa, Portugal, 1958 – gravação em áudio…

Maria Callas, soprano greco-americano – “La divina”…

Nascida em Nova York, USA, María Kekilía Sofía Kalogerópulu, era filha de imigrantes gregos. Dificuldades financeiras, no entanto, forçaram sua mãe retornar à Grécia, onde iniciou estudos musicais no conservatório de Atenas… Destacou-se a partir de 1948, na interpretação de “Norma”, de Bellini… E a década de 50 marcou seus apogeu e intensa agenda. Reduzindo compromissos, a partir dos anos 60, foi estimulada pelo amigo e cineasta, Franco Zeffirelli, retomar carreira, quando realizou 2° Ato de “Tosca”, de Puccini…

Mas, instabilidade emocional a fragilizou, levando abandonar atividades, sobretudo, em meio de expressão tão sensível, como a voz humana. A partir de 1975, com a morte de Aristóteles Onassis, amigos, novamente, tentaram reanimá-la. No entanto, sua última gravação, de 1977, limitou-se à registo do verso “Deh! non m’abbandonar”, da ária “Madre, pietosa vergine”, da “Forza del Destino”, de Verdi. Viria falecer no mesmo ano, de 1977…

Referência entre as interpretações de Maria Callas, a produção do “Teatro São Carlos”, de Lisboa, além da grande diva, apresenta as vozes de Alfredo Kraus (Alfredo) e Mario Sereni (Giorgio Germont). Este ano, de 2023, marca cem anos do nascimento da artista, a quem homenageamos. Conhecida como “La divina”, Callas empenhou-se em colocar a técnica vocal à serviço do drama e dos personagens. Também destacam-se, nesta gravação, o trabalho do coro, orquestra e direção de Franco Ghione…  

Capa EMI Classics – “La_Traviata”, Callas, Kraus e Sereni. Direção Franco Ghione, 1958.

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Sugerimos também:

    1. Vídeo youtube – produção do “NDR Radiophilharmonie”, direção Keri-Lynn Wilson, com Marina Rebeka (Violetta), Francesco Demuro (Alfredo) e Thomas Hampson (Giorgio Germont). No “Maschpark”, Hannover, Alemanha, 2016.

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“E quem resiste à ‘La Traviata’…”

Alex DeLarge

Verdi (1813-1901): Requiem – Messa Da Requiem (Bernstein / Arroyo / Veasey / Domingo / Raimondi / London Symphony Orchestra & Chorus)

Verdi (1813-1901): Requiem – Messa Da Requiem (Bernstein / Arroyo / Veasey / Domingo / Raimondi / London Symphony Orchestra & Chorus)

Esta gravação de 1970, feita no Royal Albert Hall de Londres, é bastante histriônica. O início é arrastadíssimo, os tímpanos no Dies Irae são ensurdecedores, o sotto voce no Quantus tremor é exagerado, o Andante do Libera me é um Adagio bem lento. Do lado positivo, Bernstein observa muitos pontos que outros ignoram — por exemplo, as trompas Tuba mirum, o maravilhosamente vivo e preciso Sanctus, a leveza do Pleni sunt coeli. A acústica do Albert Hall ajuda a dar à performance um ambiente real (incluindo um pouco de eco), embora às vezes o som seja desconfortável. A LSO e seu Coro atendem a todas as exigências rigorosas de Bernstein. Veasey faz um mezzo profundamente eloquente. Domingo, lá no início de sua carreira internacional (substituindo um doente Corelli), canta com espontaneidade agradável. Raimondi canta com requinte, mas num estilo bem antiquadão. Arroyo é uma decepção. Seu vibrato é parkinsoniano. Mas prefiro essa leitura àquela menos comprometida e mais rotineira de Solti na Decca, mas não à interpretação muito mais refinada e igualmente dramática de Giulini. Porém a versão superaquecida de Bernstein não deve ser ignorada.

Verdi (1813-1901): Requiem – Messa Da Requiem (Bernstein / Arroyo / Veasey / Domingo / Raimondi / London Symphony Orchestra & Chorus)

1-1 I – Requiem & Kyrie 10:42
1-2 II – Dies Irae, Dies Illa 2:11
1-3 Tuba Mirum Spargens Sonum 3:05
1-4 Liber Scriptus Proferetur 5:09
1-5 Quid Sum Miser 4:00
1-6 Rex Tremendae Majestatis 4:05
1-7 Recordare, Jesu Pie 4:37
1-8 Ingemisco Tamquam Reus 4:03
1-9 Confutatis Maledictis 5:20
1-10 Lacrimosa Dies Illa 7:07
2-1 III – Offertorio 11:44
2-2 IV – Sanctus 2:31
2-3 V – Agnus Dei 5:55
2-4 VI – Lux Aeterna 6:35
2-5 VII – Libera Me 13:40

Bass Vocals – Ruggero Raimondi
Chorus – London Symphony Chorus
Chorus Master – Arthur Oldham
Composed By – Giuseppe Verdi
Conductor – Leonard Bernstein
Mezzo-soprano Vocals – Josephine Veasey
Orchestra – Londoner Sinfonie-Orchester*
Soprano Vocals – Martina Arroyo
Tenor Vocals – Placido Domingo

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Bernstein limpando a cozinha de seu flat no PQP Bach Hotel for Composers de Londres.

PQP

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Il Trovatore” – ópera em quatro atos (Caballé, Arkhipova, Cossutta, Milnes, van Allan, Guadagno)

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Il Trovatore” – ópera em quatro atos (Caballé, Arkhipova, Cossutta, Milnes, van Allan, Guadagno)
Cena de “Il Trovatore”, de Verdi – “Arena di Verona”, Itália, 2019.

Se temática e luminosidade se associam em dramaturgia, “Il Trovatore” pode ser considerada uma ópera noturna, pelos elementos sinistros presentes. Especialmente por uma cigana, que teve a mãe condenada à morte, por bruxaria, e criava, como seu, o filho do nobre que perpetrou a condenação…

A vingança da cigana Azucena será tema central. E a progressão do drama remeterá ao entardecer e à noite… Assim, sentimentos de profunda dor, transfigurados em ódio, estarão imersos em sombrias luminosidades… Também aflorará inesperado amor materno, a surpreender Azucena, pelo filho do algoz de sua mãe – a conflituá-la… Além do amor trágico, mas inabalável de Leonora. Tochas e fogueiras serão únicos pontos de luz no entorno dos personagens, típicos de cenário medieval, do interior de castelos e acampamentos…

A música será das mais vigorosas escritas por Verdi. E ao pontuar ambiente violento, o ritmo viril e frenético atravessa a ópera e captura o ouvinte, compensando quaisquer incompreensões do libreto… Por fim, a vigança se efetivará na brutal rivalidade por Leonora, entre irmãos que se desconheciam – na morte de Manrico, “O trovador”, que Azucena criara como filho… “Egl’era tuo fratello!”, sentenciará Azucena ao jovem conde de Luna. E finalizará: “Sei vendicata, o mi madre!”…

E da condenação arbitrária de uma cigana, drama remetia aos conflitos étnicos – às sementes do ódio e da intolerância… Pela primeira vez, Verdi compunha uma ópera sem contrato prévio. Compunha pelo simples desejo de produzir – e segue mistério, como lhe chegou, às mãos, o texto espanhol… Certamente, período de intensa leitura e motivação, após sucessos de “Luisa Miller” e “Rigoletto” – dos novos melodismos e abordagens, que sensibilizavam o público e discutiam o seu tempo…

E apesar da grande música escrita na fase patriótica e seu imenso significado no “Risorgimento”, agora, cada trabalho ganhava individualidade, variedade e encantamento; também cenas e personagens marcantes, que projetavam Verdi entre os maiores operistas!

Motivações

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, músico italiano, 1813-1901, entusiasta do “Risorgimento”.

De volta à Roncole, após sucesso de “Rigoletto”, em Veneza, Verdi planejava nova ópera, então para Nápoles. Para isto, convidou o poeta Salvatori Cammarano, libretista de “Luísa Miller” e “La battaglia di Legnano” – última ópera da fase patriótica…

Verdi tinha carreira consolidada na próspera indústria da ópera – Europa do séc. XIX… E, há vários anos atendendo convites, experimentava processo inverso, primeiro compor e depois definir teatro e elenco adequados. Com amplo domínio da tradição, se permitia novas escolhas e sensação única: integrar a vanguarda e inventar a arte de seu tempo…

À época da composição de “Rigoletto”, pedira à Cammarano interromper esboços de “Rei Lear”, antigo projeto… E propôs novo tema, “El Trovador”, drama espanhol, de Antonio García Gutiérrez – “belo, cheio de imaginação e situações fortes… além de uma cigana com especial caráter”, dizia…

Com provável tradução de Giuseppina, o músico interessou-se pela peça. E Cammarano, por sua vez, estranhou, considerou personagens implausíveis e sugeriu mudanças. Verdi discordou. Com sua intuição teatral, percebia “bons momentos dramáticos e originalidade”…

Cena de “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

O músico se impressionara com o ímpeto dos personagens. A cigana dividida entre o amor e a vingança; conde de Luna, propenso à atos de loucura e violência; a vitalidade de Manrico, “o trovador”; e o intransigente amor de Leonora… Para tanto, desejava um libreto com “novas e até bizarras formas”, queria evitar as tradicionais “cavatinas, duetos e finais”… E se possível, escrever algo em “contínuo e único número”… Curiosamente, próximo à concepção do “drama musical”, que Wagner desenvolvia, à época…

Verdi, no entanto, seguia desapontado com Cammarano, concluindo pela desmotivação do libretista… Insistia nas novas características, mas Cammarano resistia… Então, sugeriu outro tema, “simples e comovente”, provavelmente, o romance “Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas, filho…

“Chiesa di Santa Maria Annunziata”, Busseto, Italia.

Por fim, decidiram seguir com a peça espanhola… Mas, tristes fatores iriam frear o ímpeto criativo. Os falecimentos de sua mãe, Luisa Utini, e do próprio libretista Cammarano. Afora permanente incômodo: o preconceito dos habitantes de Busseto diante da relação com Giuseppina…

Tradicional comunidade de Busseto

Em meio ao falecimento de sua mãe, Verdi perturbou-se e pediu ao amigo e assistente, Emanuele Muzio, cuidar dos preparativos e funeral. Somava-se ao sofrimento de perda, a relação familiar que se deteriorara com a presença de Giuseppina. Afora as solidariedade e condolências, típicas da comunidade local…

E Verdi afastou-se, viajando à Bologna, onde regeu “Macbeth” e “Luisa Miller”, no “teatro Comunale”… De outro, Verdi e Muzio voltavam a trabalhar juntos. Durante o “Levante de Milão”, 1848, Muzio afastara-se, diante da iminente retomada da cidade pelos austríacos, exilando-se na Suiça…

Emanuele Muzio, maestro assistente e amigo de G. Verdi.

Final de 1851, já instalados em “Villa Sant’Agata”, Giuseppina e Verdi viajariam à Paris, a fim de fugir do inverno e, possivelmente, dos falatórios… Em Paris, assistiram adaptação teatral de “Dama das Camélias”, no “Theatre de Vaudeville”, 1852,  e Verdi receberia carta do ex-sogro e protetor, Antonio Barezzi, praticamente, “cobrando a oficialização da união com Giuseppina”…

Verdi melindrou-se e lembrou Barezzi de antigas mágoas junto à comunidade de Busseto… Mostrava-se irredutível, sobretudo, pela relação com Giuseppina, simples e rotineira; estilo reservado de ambos; e pela intromissão em assuntos pessoais, além da ofensiva exposição pública…

Mas, reiterou à figura paterna de Barezzi todo o afeto e amizade… Em resposta, Barezzi foi discreto e cordial, especialmente, pelo convívio com Giuseppina – “de um aliado que tentava atenuar sofrimentos”…

Antonio Barezzi, amigo, protetor e ex-sogro de Verdi .

“Villa Sant’Agata”

De outro, bem sucedido compositor e atento aos gastos pessoais, Verdi adquiriu propriedade no vilarejo natal, 1844. E quando morava em Paris, decidiu construir uma casa – “Villa Sant’Agata”, 1848, onde planejava fixar residência com Giuseppina Strepponi…

Para ambos, momento delicado da vida pessoal. Giuseppina fora mãe de três crianças, cuja educação do mais velho, Camillo, encaminhara a terceiros. Outras duas, morreram… E a vida afetiva, anterior à união com Verdi, fora conturbada, entre intensa atuação como diva, em óperas de Rossini, Donizetti, Bellini e outros; entremeada por affairs amorosos, que resultaram em gravidezes inesperadas…

E os familiares de Verdi, pessoas simples e de poucos recursos, que ajudavam a cuidar da propriedade. Luisa, a mãe, era tecelã e Carlo Verdi, o pai, comerciante taberneiro. Frequentemente, Carlo mandava notícias ao filho: “quase todas as vacas deram cria e à contento… então, organizei os estábulos”… Portanto, inevitável choque cultural aguardava Verdi e Giuseppina, que chegaram à Bussetto em julho/1849. Inicialmente, moraram no “Palazzo Orlandi”, onde Verdi concluiu “Luisa Miller” e compôs “Stiffelio” e “Rigoletto”…

Villa Sant’Agata”, depois chamada “Villa Verdi”, residência de Verdi em sua terra natal – Busseto, Itália.

E Giuseppina sentiu a tradição religiosa e conservadora presente, sobretudo, diante de uma mulher do teatro, que vivia com o músico, não sendo casados… No entanto, mantinha-se discreta, sem pressionar pela oficialização da união. Talvez, a vida pregressa de Giuseppina trouxesse alguma insegurança à Verdi, se não, simples obstinação… Mas, nada era trivial. Em Busseto, inevitavelmente, tornava-se alvo de ofensas e desprezo… E, enquanto Verdi aparentava indiferença, Giuseppina sofria muito…

Assim, após estreia de “Rigoletto”, em Veneza, mudaram-se para “Villa Sant’Agata”, maio/1851. Familiares de Verdi deixaram o local e, neste ínterim, Verdi iniciava correspondência com Cammarano sobre “Il Trovatore”. Em junho, seria impactado pela morte da mãe, Luisa Verdi Utini…

Clelia Maria Josepha Strepponi, conhecida como Giuseppina Verdi Strepponni, soprano e esposa de Verdi, por cerca de 50 anos.

Por fim, em oito anos, 1859, se casariam, permanecendo juntos até a morte da esposa, 1897 – união de 50 anos e perda muito sofrida… Giuseppina apoiou o jovem compositor, desde a estreia de “Oberto”, sua 1ª ópera. Depois, cantou o desafiante papel de “Abigail”, em “Nabucco”. E em “Villa Sant’Agata”, colaborava com suas vivência artística e de tradutora, além de ver germinarem melodias que sensibilizariam o mundo…

Música em “Il Trovatore”

Com domínio da tradição, em “Il Trovatore”, Verdi cogitou maior continuidade da música, a fim de evitar demasiadas interrupções do fluxo dramático – dos chamados números… O que discutiu com Cammarano, mas não se viabilizou de um todo… Curiosamente, algo original e contemporâneo ao “drama musical” wagneriano…

E Verdi encontrou caminho flexibilizando a forma e buscando concisão. De outro, as interrupções bruscas e mudanças de cena também pareciam adequar-se ao drama espanhol… Assim, admitiu potencial nos esboços de Cammarano: “Basta seguir ‘Il Trovatore’, tal como na introdução e estarei satisfeito”, escreveu ao libretista, junho/1851… E fez uso de leitmotivs na música de Azucena, a pontuar suas dores e reminiscências. Tais adaptações, do libreto e da ópera tradicional, permitiram combinar dramaticidade e incisiva abordagem musical – o progressismo verdiano!…

Cena de “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

A música de “Il Trovatore” se caracterizará pela rudeza, pelos acentos e ritmos incisivos, quem sabe, certo caráter espanhol pretendido por Verdi. Também pela intensidade e concisão dos recitativos. E tanto árias e ensembles, quanto cenas e coros tornar-se-iam verdadeiros hits da música de Verdi e universal…

Entretanto, os coros, de grande colorido e vigor, seriam circunstanciais, não mais incorporariam o caráter patriótico ou cantar da liberdade, como em “Nabucco”, “I Lombardi”, “Giovanna D’Arco” e outras – predominando o lirismo, no lugar do épico…

Neste período, então exilado na Suíça, Wagner iniciava composição do ciclo “Anel do Nibelungo”, 1851, e também “Tristão e Isolda”, 1857, explorando os limites da tonalidade e propondo “sprechgesange” (canto declamado), a substituir a ópera por números… A década de 1850, portanto, ensejaria concepções musicais e dramáticas que marcariam final do séc. XIX e início do séc. XX. E ambos, Verdi e Wagner, seriam grandes referenciais…

Morte de Salvatori Cammarano

Por fim, Verdi descobriria os reais motivos da lentidão de Cammarano: a saúde do libretista. Na viagem à Paris, além da carta de Barezzi, receberia más notícias, de Nápoles. Outro fator a atrasar a elaboração de “Il Trovatore”, agora, cessando totalmente… E no retorno à “Sant’Agata”, março/1852, enquanto aguardava recuperação e notícias de Cammarano, recebia novos convites de Milão, Veneza e Bologna… E concordou em compor uma ópera para Veneza, que resultaria em “La Traviata”…

Salvatori Cammarano, poeta e libretista de “Il Trovatore”, “Alzira”, “La Battaglia di legnano” e “Luisa Miller” – óperas de G. Verdi.

Em julho/1852, lamentavelmente, Cammarano morreu. E Verdi escreveu à Cesare de Sanctis, amigo e empresário: “Fui atingido em cheio pela triste notícia… Não tenho palavras para descrever tão profunda dor… Você o amava, tanto quanto eu, e compreenderá sentimentos, para os quais não temos expressão”…

O prestigiado poeta napolitano havia trabalhado com Verdi em “Alzira”, “La battaglia di Legnano”, “Luisa Miller” e “Il Trovatore”… Além de diversos mestres italianos, como Gaetano Donizetti (“Lucia di Lammemoor” e “Roberto Devereux”), Saverio Mercadante (“Orazi e Curiazi”) e outros…

Assim, libreto de “Il Trovatore” estava inacabado. Últimos versos de Cammarano encerravam o 3° Ato, na vibrante cabaletta “Di quella Pira”… Verdi pagou à viúva valor superior ao contratado, cerca de 600 ducados. E contratou jovem poeta napolitano, Leone Emanuele Bardare, para concluir o libreto…

Com intermediação de Cesare de Sanctis, optou por encenar “Il Trovatore” no teatro “Apollo”, de Roma. E solicitou o soprano Rosina Penco, para “Leonora”, importante papel, e outra voz plena para a cigana, além de liberação da censura romana antes de prosseguir na conclusão da ópera. Em dezembro, “Il Trovatore” estava concluída, inclusive, com versos do próprio Verdi, para a 2ª cena – 2° Ato, que Bardare, humilde e cautelosamente, não ousou modificar… Em 20/12/1852, Verdi deixava “Sant’Agata” em direção à Roma, para tratar da estreia da ópera…

“Teatro Apollo”, de Roma, estreia de “Il Trovatore” – 19/01/1853.

“Cavaleiro da Legião de Honra”

Enquanto compunha “Il Trovatore”, agosto/1852, o músico recebeu visita de Léon Escudier, jornalista e editor musical francês, na condição de emissário de governo, que assim descreveu o encontro:

“Encontrei Verdi no momento em que sentavam-se à mesa. E na companhia de um homem de rosto franco e afável – presença magnífica, que teve, sobre mim, efeito de um patriarca! Era o sogro de Verdi, de nome Antônio. E após 15 minutos de conversa, já o tratava como ‘papá’ Antônio”…

Léon Escudier, jornalista e editor musical francês.

“Na sobremesa, retirei-me e voltei com pequena caixa… E colocando-a diante de Verdi, disse: ‘Caro maestro, uma demonstração de afeto do governo francês e, devo acrescentar, do público francês’. Verdi franziu o sobrolho, abriu a caixa e deparou-se com a ‘Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra’, enviada pelo imperador Napoleão III”…

“Verdi tentou dissimular a emoção, mas percebia-se grande satisfação, apertando firmemente minha mão. Mas, foi ‘papá Antônio’, quem, de fato, ficou pasmo! Queria falar, mas não articulava as palavras. Então, agitou os braços, ergueu-se e atirou-se no pescoço de Verdi. Apertou-o contra o peito, abraçou-me em seguida e os olhos transbordaram, chorando como criança”…   

A emoção fora imensa para Antônio Barezzi… E a política, por sua vez, feita de gestos. Verdi era fervoroso defensor do “Risorgimento”. E além do reconhecimento artístico, Napoleão III enviava sinais da futura política francesa. Ainda jovem, o sobrinho de Napoleão Bonaparte lutara pela causa republicana, no sul da Itália. E quando sua mãe, Hortênsia de Beauharnais, rainha da Holanda, morou em Roma, sua casa sediou a “carbonara romana”, que reunia Mazzini, a jovem Cristina di Belgiojoso e outros…

Giuseppe Verdi, a 1ª esposa, Margherita (no centro), e ex-sogro, Antonio Barezzi.

Também a “Sardenha-Piemonte” buscava aproximar-se da França, através da política externa de Vítor Emanuelle e Cavour. Além de aguerridas ativistas, como Margaret Fuller e a própria Cristina di Belgiojoso – mulher das “cinco vidas”, que visitou Luís Napoleão na prisão, por duas vezes, pedindo apoio à causa italiana, embora, sem sucesso… Mas, novos cenários se desenhavam, potencialmente, favoráveis ao “Risorgimento”…

Napoleon III, imperador da França, no “2° Império”, 1851–1870.

Delineava-se longo e preparatório processo, que desencadearia a “2ª guerra de independência”, a partir de 1859… E, naturalmente, haviam interesses franceses, como a anexação dos ducados de “Saboia e Nice”, que seriam cedidos pela “Sardenha-Piemonte” em troca da libertação da “Lombardia” – na vitoriosa campanha sardo-piemontesa, comandada por Garibaldi e reforçada por tropas francesas… 

A atuação de Verdi alinhava-se ao ideário de Giuseppe Mazzini: “Divulgar a causa da unificação e semear o sentimento nacional, através da cultura e, especialmente, da ópera”. E o franco engajamento do músico contribuiam para que o “Risorgimento” se popularizasse e ganhasse as ruas, sob o lema: “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuelle, Re D’Italia!”

Movimentos populares picham “Viva VERDI!”, no “Risorgimento”.

Antonio García Gutiérrez 

Nascido Antonio María de los Dolores García Gutiérrez, no mesmo ano de Verdi, 1813, após formação em medicina – Cádiz, Espanha, o jornalista e escritor se mudaria para Madrid, trabalhando como tradutor de peças francesas… Assim, traduziu obras de Eugène Scribe e Alexandre Dumas, pai. Autor de extensa obra, ganhou projeção com a peça “El Trovador”, de 1836. E, posteriormente, obteria novo sucesso com “Simon Bocanegra”, de 1843…

Verdi encantou-se com os dramas e colocou música nas duas peças… Destacam-se em Gutiérrez, entre os autores espanhóis do sec. XIX, a emoção e caráter de seus personagens femininos; além de preocupações sociais, aliadas à exaltado ideário liberal… 

Antonio Garcia Gutiérrez, dramaturgo
espanhol, autor de “El Trovador”, 1836.

Escreveu também poemas e comédias – inclusive, uma versão comédia de “El Trovador”… E particularmente, nos “dramas em tese”, discutiu costumes e moralidade. Em “Caminhos Opostos”, concluiu que excessivos rigor ou brandura, produziam, igualmente, efeitos desastrosos na educação… Em “Los desposorios de Inés”, condenou o casamento por arranjo, do sec. XIX; em “Eclipse Parcial”, posicionou-se contra o divórcio; em “A Grain of Sand”, “The Millionaires” e “The Industry Knight”, reiterou: “o trapaceiro sempre acaba vítima da própria armadilha, seja nos sentimentos ou no convívio social”…

Apesar do sucesso inicial, dificuldades financeiras levaram Gutierrez atuar como jornalista, viajando à Cuba e México, retornando à Espanha em 1850… E para sua surpresa, em pouco tempo, se tornaria amplamente conhecido, por meio da ópera de Verdi, “Il Trovatore”, de 1853. E, posteriormente, Verdi adaptaria “Simón Bocanegra”, de 1857, com libreto de Francesco Piave…

Coincidência ou não, a partir de então, Gutiérrez recebeu diversas honrarias e cargos: “Comendador da Ordem de Carlos III”, 1856; “Supervisor da Dívida Espanhola em Londres”, 1855 – 1856; membro da “Real Academia Espanhola”, 1862; “Cônsul de Espanha em Bayonne e Génova”, 1870 – 1872; e “Cruz de Isabel II”…

Cena de “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

Sem dúvida, o interesse de Verdi projetou Gutiérrez… Sendo também inegável sua extensa produção literária. Posteriormente, ainda publicaria uma zarzuela, “El grumete”, 1853; drama histórico “La Venganza catalana”, 1864; e o drama, ambientado em Valência, “Juan Lorenzo”, 1865. Por fim, dirigiu o “Museu arqueológico de Madrid”, falecendo em 1884…

Sucesso de público e de crítica

Em dezembro de 1852, Verdi viajou à Roma. Giuseppina o acompanhou até Livorno e, depois, seguiu em direção de Florença. Verdi preocupava-se, preferia que Giuseppina não ficasse sozinha em “Sant’Agata”. E a companheira escreveu-lhe:

“Estou encantada por saber que você se vê perdido sem mim. E desejo-lhe tanta chateação, que logo abandone a ideia bárbara de me deixar sozinha! Meu querido mágico, seu coração é de anjo, mas sua cabeça, quando se trata de falatórios e coisas assim, tem crânio tão espesso, que faria Franz Gall, se estivesse vivo, acrescentar estranhas observações ao seu (controverso) “Tratado de Craniologia”…

Roma agitou-se com a nova ópera de Verdi. A estreia teve lugar no teatro “Apollo”, 19/01/1853, com grande sucesso. Nos dias seguintes, milhares de pessoas percorriam as ruas, gritando: “Viva VERDI!”… E, anteriormente, 1849, Roma fora palco de “La Battaglia di Legnano”, com estupenda aclamação e espírito patriótico, durante a breve “República Romana”, proclamada pelas forças de Mazzini e Garibaldi…

Vista urbana da cidade de Roma, sec. XIX.

As melodias de “Il Trovatore” logo foram arranjadas para diversos conjuntos, até simples realejos, e ouvidas na Itália e pelo mundo… Do ponto de vista vocal, “Il Trovatore” tornava-se apoteose do “bel canto”, com imensos desafios de agilidade, extensão e expressividade. Nas cenas, mudanças bruscas exigiam que personagens adentrassem o palco com impetuosidade. O canto alternava brutalidade e melancolia. E a orquestra, ora sombria e lúgubre, ora vigorosa, em torrencial energia!

“Gazzetta Musicale” descreveu a estreia: “Compositor mereceu esplêndido triunfo, pois escreveu música em novo estilo, imbuída de características castelhanas… O público ouviu em silêncio religioso, irrompendo em aplausos apenas nos intervalos e, especialmente, no final do 3° Ato… Por fim, o 4° Ato despertou tanto entusiasmo, que foi bisado”…

E apesar do inexcedível sucesso, Verdi mostrou-se contido, ressaltando que alguns acharam a ópera triste e com excessivas mortes. “Mas, afinal, tudo na vida é morte! O que mais existe?”, escreveu à Clara Maffei… Em meio ao evento, quem sabe, as perdas recentes, da mãe e do amigo Cammarano, o invadiram… Além de outras, quando jovem, da 1ª  esposa e dois filhos… Assim, aparentemente, não se contagiara com a aclamação… E, em poucos dias, regressaria à “Sant’Agata”, para elaboração de “La Traviata”…

“Teatro Lyrico Fluminense”, estreia de “Il Trovatore”, Rio de Janeiro, Brasil, 1854.

O sucesso de “Il Trovatore” foi tamanho, que imediatamente era encenada pelo mundo. E tal como em Paris, no Rio de Janeiro ocorreu em 1854, um ano após estreia em Roma, no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Antes mesmo, de Londres ou Nova York…

Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, 1852, “Attila” e “Luisa Miller”, 1853; “La Traviata”, 1855, “Rigoletto”, 1856, e “Giovana D’Arco”, 1860… Posteriormente, seria demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…

Libreto de “Il Trovatore”

Entre as óperas mais representadas, o libreto de “Il Trovatore” é daqueles que podem levar a certa confusão, senão incompreensão. O que não impediu o sucesso, pelo arrebatamento viril e desenfreado… O enredo, no entanto, requer conhecimento de fatos que antecedem o início da ópera, a serem entendidos pelo ouvinte – risco de confusão, sobejamente, compensado pela verve musical…

E para compreender o drama, deve-se focar, de início, no relato do capitão da guarda, do conde de Luna, “Ferrando”, abrindo a ópera em “Abbietta zingara” (“Abjeta cigana!”), com a seguinte narrativa:

“O velho conde de Luna, falecido, teve dois filhos com idades aproximadas… Certa noite, ainda pequenos, dormiam sob os cuidados de uma serviçal… Ao amanhecer, uma velha cigana foi vista debruçada no berço do mais jovem, chamado Garcia… A cigana foi afastada, mas a saúde da criança se fragilizou e concluiu-se pelo enfeitiçamento… Perseguida e capturada, a cigana foi condenada à morte, na fogueira!”

Cena de “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

“Após execução da mulher, filho mais novo do Conde de Luna, Garcia, misteriosamente, desapareceu… E no dia seguinte, uma criança apareceu morta, atirada ao fogo que consumira a cigana…”

Este relato, espécie de prólogo, é essencial para compreensão dos acontecimentos, pois, ao início da ópera, Manrico (Garcia) já é um adulto; Azucena (filha da mulher condenada), uma cigana idosa; velho conde de Luna morrera e seu filho mais velho (irmão de Garcia) se tornara herdeiro, como novo conde de Luna…

“O jovem conde, tal como o pai, nunca acreditou na morte do irmão, mesmo quando lhes apresentaram os restos de uma criança queimada na fogueira”… Assim, começam o libreto e fluxo dos acontecimentos…

Outros relatos

“Rapto de Garcia” (Manrico) por “Azucena”, em “El Trovador”, de Garcia Gutiérrez.

“Azucena, então, jovem cigana com filho pequeno, presenciou a morte da mãe e jurou vingança! Na noite seguinte, sorrateiramente, adentrou o castelo e sequestrou o filho caçula do conde de Luna, chamado Garcia… E levou-o ao local da execução para atirá-lo ao fogo, ainda crepitando… Mas, transtornada pelo horror que presenciara, Azucena, enlouquecida, lança ao fogo o próprio filho, no lugar da criança sequestrada. E decide criá-la – chamando-a Manrico, mais tarde, conhecido como “o trovador”…

“Em sua fantasia delirante, Azucena, obcecada, pretendia vingar-se de alguma forma, quem sabe, futuramente, através do filho do conde… Mas, passou a amar a criança como um filho, ficando dividida”…

A cultura cigana é matriarcal. E questões de afeto e dignidade, entre as mulheres, são determinantes para decisões e ações… O que intensificava a obsessão, frente ao assassinato da mãe, agravada pelo sacrifício do filho. Além do contexto social, marcado pela diversidade cultural e preconceitos. No entanto, contrapunha-se novo sentimento, o amor materno, que aflorava e surpreendia Azucena…

Capa de “El Trovador”, de Garcia Gutiérrez, Edição de 1851, Madrid, Espanha.

Tais circunstâncias, por vezes bizarras, mas que ensejavam situações intensas, despertaram o interesse de Verdi. De modo que, senão por elementos de perturbação psíquica dos personagens, poderia tratar-se de melodrama mal engendrado, como indagava Cammarano, sobretudo, da presença, inexplicável, de uma cigana junto ao berço de uma criança, ou do filho de Azucena, absurdamente, lançado à fogueira… Em contraposição, eram tais emoções e acontecimentos que motivavam Verdi…

De outro, o enredo remetia à conflitos complexos, à oposição entre preconceitos e ressentimentos étnicos – “aos estigmas de subcultura e feitiçaria, capazes de comportamentos bárbaros e hediondos”; quando a brutal violência e a condenação à fogueira, por si mesmas, também configuravam barbárie, a produzir mágoas e despertar ódios; a vitimisar e alimentar sentimentos de revanche…

Ambientação e personagens

Ambientado nas guerras aragonesas, sec. XV – Aragão versus Biscaia, o drama histórico de Gutiérrez trata, sobretudo, de questões sociais, políticas e religiosas, típicas da Espanha de seu tempo – sec. XIX…

E a narrativa, em passado distante, possibilitava abordagem de impulsos elementares, tais como o amor, o ciúme, ódio ou vingança. Impulsos universais, mas evidenciados na sanguínea cultura espanhola, fascinando Verdi pela contundência e obstinação dos personagens – arquétipos, imbricados às suas paixões…

Capa de “Il Trovatore”, de Verdi,
Edição ”Ricordi”, Milão, Itália.

Assim, tal como em “Fedora”, de Giordano, na ária “Amor, ti vieta di non amar” (“Amor, ti é vedado não amar”), à “Leonora” restava amar ou morrer por amor; a cigana “Azucena”, atormentada pelo desejo de vingança, tornava-o motivo único de suas ações; “Manrico”, o virtuoso que recusa a liberdade barganhada por “Leonora”, mas por amá-lo; e, finalmente, Conde de Luna, ignorando parentesco, mataria o próprio irmão, objeto de ciúme e ódio implacáveis…

“Il Trovatore” expressa trágica sucessão de encontros e desencontros, de paixões e obsessões, onde todos perdem. E os espaços do prazer, da esperança e da felicidade, são negados – sucumbem aos conflitos e à violência, aos ressentimentos e ódios extremados…

  • Sinopse

Ação ocorre na Espanha, durante as guerras aragonesas, início do séc. XV.

  • Personagens: Duquesa Leonora, dama de companhia da princesa de Aragão (soprano); Inês, confidente de Leonora (soprano); Azucena, cigana de Biscaia (mezzo-soprano); Conde de Luna, jovem nobre de Aragão (barítono); Ferrando, Capitão da guarda do conde de Luna (baixo); Manrico, “o trovador”, suposto filho de Azucena e chefe de tropas sob comando do príncipe de Biscaia (tenor); Ruiz, soldado a serviço de Manrico (tenor); Velho cigano (barítono);
  • Coros: Integrados por ciganos, pelos séquitos do conde Luna e de Manrico, por prisioneiros e freiras.
  • Ballet: Para a produção francesa, Verdi adicionou cerca de 15 minutos de ballet.
Figurino para “Manrico” – Teatro “Alla Scala”, Milão, Itália, 1883.

A ópera inicia com breve “Introdução” orquestral.

Ato I – “O Duelo”

Cena 1 (Prólogo): “Em Biscaia, Espanha”

Toque de metais, em fanfarra militar, abre a cena. Soldados reunidos, em Biscaia, comentam estranhos acontecimentos, que envolveram uma cigana, condenada à morte na fogueira por bruxaria, injustamente acusada de adoecer um dos filhos do conde, cantado por Ferrando, capitão da guarda do conde de Luna, em “Abbietta zingara” (“Abjeta cigana!”)… E antes de morrer, a condenada teria ordenado à filha, vingar-se…

E conta Fernando, que uma jovem cigana teria sequestrado um dos filhos do conde. E que, no dia seguinte à condenação, em meio às cinzas, foram encontrados ossos de um bebê… Nesta cena, coro de soldados responde em “Ah, sceleratta! Oh donna infame!” (Ah, bandida! Oh, mulher infame!)… O conde, no entanto, nunca acreditou serem os restos do filho raptado. E, passado o tempo, antes de morrer, pediu ao primogênito e futuro conde de Luna, que procurasse uma cigana – de nome Azucena…

Rosina Penco, soprano – “Leonora” na estreia de “Il Trovatore”, Roma, 1853.

Cena 2: “No Palácio de Aljaferia”

Duquesa Leonora, dama de companhia da princesa de Aragão, passeia com sua camareira nos jardins do grande “Palácio de Aljaferia”. E fala de sua afeição por um jovem militar e “trovador”, que encontraria à noite.  Então, canta bela ária “Tacea la notte placida” (“Plácida e silenciosa noite”), depois a vibrante cabaletta “Di tale amor, che dirse”. Antes do encontro, no entanto, surge o Conde de Luna e, fora de cena, ouve-se o “trovador”, anunciando sua chegada, na romance “Deserto sulla terra, col rio destino in guerra, è sola speme un cor” (“Tal como no deserto, um coração está solitário na esperança, diante do destino cruel da guerra”)…

Ansiosa pelo encontro, Leonora mostra seu encantamento – emoção percebida pelo Conde… Então, adentra Manrico, “o trovador”… Ao perceber o interesse de Leonora por outro, o conde, que a ama, se declara rival. Manrico se apresenta como seguidor do prícipe de Biscaia, exilado em Aragão. E a situação fica tensa. Ambos rivalizavam na guerra e, agora, no amor… Se desafiam e iniciam duelo. Cena se desenvolve no agitado terceto “Di geloso amor sprezzato, arde in me tremendo il fuoco!” (“Por amor ciumento e desprezado, arde em mim tremenda revolta!”). Em condições de desferir golpe fatal, Manrico não o faz… Assustada com a violência, Leonora desmaia…

“Duelo”, 2ª cena – Ato 1. Estranho sentimento impede “Manrico” de desferir golpe fatal contra o “conde de Luna”, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Ópera de San José”, 2020.

Ato II – “A Cigana”

Cena 1: “Na comunidade de ciganos”, em Biscaia

No sopé de uma montanha, em Biscaia, vive comunidade de ciganos. Homens trabalham como ferreiros e todos cantam o célebre “Vedi! le fosche notturne spoglie” (Vejam! As noites nuas e sombrias!”), conhecido como “coro dos Ferreiros”…

Azucena, mãe de Manrico, conta-lhe do passado em dramático relato. Da morte de uma velha cigana (sua mãe), na ária “Stride la vampa, la folla indomita corre a quel foco lieta in sembianza! Urli di gioja intorno eccheggiano cinta di sgheri…” (“A chama crepitava. A multidão cercava a fogueira. E os gritos de alegria ecoavam no cerco dos bandidos…”)

Cena do relato de “Azucena à Manrico”, Cena 1 – Ato 2, “Il trovatore”, de Verdi.

Manrico lamenta, em “Soli orsiamo! Deh, narra quel la storia funesta!” (“Sozinhos suportamos! Ah, conte essa triste história!”)… Azucena canta “Essa bruciata vene, ov’arde quel foco!” (“Ardem minhas veias, como ardia aquela fogueira”). E expressa sua dor na ária “Condotta ell’era in ceppi al suo destin tremendo, col figlio in sulle braccia, io la seguia piangendo” (“Acorrentada ao terrível destino, eu acompanhava chorando, com o filho nos braços”). E enquanto as chamas ardiam, Azucena ouviu da condenada “Allor, con tronco accento: mi vendica! sclamo” (Com voz truncada, exclamou: Vinga-me!”)…

Manrico indaga “La vendicaste?…” Ao que Azucena responde: para vingar a morte da mãe, a filha raptou um dos filhos do velho conde de Luna, seu algoz, para atirá-lo às chamas, em “Il figlio giunsi a rapir del conte. Lo trascinai qui meco le fiamme ardean già pronte” (“Filho do conde sequestrei. Arrastei comigo e as chamas ainda ardiam…”). “Ei destruggeasi in pianto. Io mi sentiva in core dilaniato, infranto…” (“A criança chorava muito. Senti o coração partido, dilacerado”)…

“Cena do delírio de Azucena”, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

E segue, “Quand’ecco agl’egri spirti. Come sogno, aparve. La vision ferale di spaventose larve! Gli sgherri! Ed il supplizio! La madre smorta in volto, scalza, discinta! Il grido, il grido, il noto grido ascolto! Mi vendica!” (“Como eco de espíritos, nuvem escura abateu-se sobre mim. E como sonho, a visão selvagem de larvas assustadoras! Os bandidos! A tortura! A mãe pálida, descalça, quieta! E o choro, o conhecido choro que ouvia! Vinga-me!”)…

Então, canta Azucena “La mano convulsa stendo stringo la vittima nel foco la traggo, la sospingo! Cessa el fatal delirio, l’orida scena fugge! La fiamma sol divampa, e la sua preda strugge!” (“Estendi a mão convulsiva, segurei a vítima e empurrei ao fogo! Cessou o delírio fatal, a cena horrível! Uma única chama se acendia e queimava sua presa!”)…

E conclui o relato aterrador, “Pur volgo intorno il guardo e innanzi a me vegg’io dell’empio conte il figlio! Il figlio mio, mio figlio avea bruciato! Quale orror! Ah, quale orror, mio figlio, mio figlio! Sul capo mio le chiome sento drizzarsi ancor!” (“Após, volto o olhar e vejo, diante de mim, o filho do ignóbil conde! Meu filho, meu filho queimara! Que horror! Ah, que horror, meu filho! Em minha cabeça, os cabelos eriçaram!”)…

Cena do relato de “Azucena à Manrico”. Cena 1 – Ato 2, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

 – Ao contar terríveis fatos, Azucena insinua terceira pessoa e, gradualmente, assume protagonismo. Lembra com dificuldade extrema dos momentos dolorosos e angustiantes, entremeados de alucinações e terror – tremendas culpa e ódio… Além disto, suscita desconfiança de Manrico…

Manrico exclama: “Quale orror!”… E perturbado com a cena, indaga: “Non son tuo figlio. E chi son io? chi dunque?” (“Não sou teu filho.  Quem sou eu? Quem então?”)… Se Azucena não fosse sua mãe, ainda assim o cuidou com amor… “Tu sei mio figlio”, responde Azucena: como cuidaria de teus ferimentos e com tanto cuidado, da “batalha de Petilla”, se não fosse tua mãe…

E iniciam pungente duetto “Mal reggendo all’aspro assalto”. Manrico relata ter derrotado o conde em duelo, mas fora impedido de matá-lo, misteriosamente, por estranha sensação e poder… Ao que Azucena reponde “Ma nell’alma dell’ingrato non parlò del cielo un detto. Oh! se ancor ti spinge il fato a pugnar col maledetto, compi, o figlio, qual d’un dio, compi allora il cenno mio!” (“Mas na alma do ingrato um dito não vinha do céu. Oh! Se o destino te leva a lutar contra os amaldiçoados cumpra, oh! filho, como da divindade, o meu apelo!”)…

Carlo Baucarde, tenor – “Manrico” na estreia de “Il Trovatore”, Roma, 1853.

Em “Il Trovatore” as cenas são pontuadas por intensa expressividade e comoção… Entra Ruiz, mensageiro do príncipe de Biscaia, convocando Manrico para comandar a defesa da fortaleza “Castellor”.  E Azucena apela: “Mi vendica!” (“Me vingue!”)…  Ruiz informa Manrico que, imaginando ter sido morto em “Petilla”, Leonora decidira tornar-se freira. E à caminho de “Castellor”, Manrico decide ir ao convento!…

Cena 2: “No convento”, próximo à fortaleza de Castellor

Também conde de Luna tomara conhecimento da decisão de Leonora e com seus soldados, comandados por Ferrando, dirige-se ao convento, para raptá-la… Conde de Luna canta seu amor na bela ária “Il balen del suo sorriso” (“Brilho de seu sorriso”) – referência do repertório de barítono, seguida da cabaletta “Per me, ora fatale” (Para mim, momento fatal”)…

Giovanni Guicciardi, barítono – “conde de Luna”, estreia de “Il Trovatore”, Roma, 1853.

Vozes femininas entoam canto religioso, enquanto Leonora, acompanhada por Inês e damas, encaminham-se para o convento… Conde de Luna interpõe-se, mas antes de arrastá-la, chegam Manrico, Ruiz e seus soldados…  Conde é repelido!… E Leonora exclama: “E deggio! e posso crederlo?” (“Eu devo! Posso acreditar?”), ao ver seu amado. Iniciam arrebatado quarteto – Leonora, Manrico, conde de Luna e Ferrando, depois, com soldados e freiras, em grandioso concertato… Por fim, Manrico e seus comandados levam Leonora…

Ato III – “O filho da Cigana”

Cena 1: “No acampamento militar do conde de Luna”

Tropas do conde de Luna sitiam castelo de “Castellor”, onde se encontram Manrico e Leonora. As lutas aragonesas dão lugar ao viéz da paixão, entre dois militares rivais. Tal como no 2° Ato, cena abre com célebre coro, então, no acampamento militar, “Or co’ dadi, ma fra poco, giocherem ben altro gioco” (“Agora com dados, mas em breve, em outro e diferente jogo”). Na versão francesa, ocorre um ballet no Ato III…

Cena de “Azucena” capturada pelas tropas de “de Luna”, no acampamento militar, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

Conde aparece aos soldados e lhe comunicam da captura de uma cigana, que rondava o acampamento… Tratava-se de Azucena, que se apresenta como inofensiva e pobre mulher, na ária “Giorni poveri vivea” (“Dias de miséria, vivia”). No entanto, Ferrando a reconhece, apesar das rugas e cabelos grisalhos… Azucena nega e clama por Manrico, gritando que é seu filho… Ao saber, ser mãe de Manrico, enfurecido, o conde de Luna decide mandá-la à fogueira…

Cena 2: “Salão na fortaleza de Catellor”

Cena do casamento de “Leonotra e Manrico”, interrompido pela captura de “Azucena pelo conde De Luna”, em “Il Trovatore”, de Verdi – Operhaus of Zurich”, Suiça.

Em “Castellor”, prepara-se o casamento de Leonora e Manrico… Num salão próximo à Capela, Manrico expressa sua felicidade em outra belíssima ária: “Ah sì, ben mio, coll’essere io tuo, tu mia consorte” (“Ah! sim, meu bem, eu sendo seu e você minha esposa”)…

No momento das núpcias, Leonora e Manrico dão-se as mãos em direção à Capela, mas Ruiz, escudeiro de Manrico, entra apressadamente… Azucena fora capturada e será levada à fogueira… As chamas são vistas do castelo! Dado urgência e alvoroço, cerimônia é interrompida e Manrico convoca suas tropas na célebre cabaletta “Di quella pira, l’orrendo foco tutte le fibre m’arse” (“Daquela fogueira, horrendo fogo queima minhas fibras”), em vibrante final! 

Cena da cabaletta “Di quella Pira”. “Manrico” convoca soldados para libertarem “Azucena”, capturada pelo “conde De Luna” – Final do Ato 3, em “Il trovatore”, de Verdi.

– Ao final da cabaletta “Di quella pira”, tenores cantam célebre “dó agudo”, não escrito por Verdi, mas incorporado à partitura. Verdi não escrevia “dó agudo” para tenores e, jocosamente, dizia: “cantores se desconcentram do enredo até execução do ‘dó agudo’… E depois de executá-lo, bem ou mal, da mesma forma”…

Ato IV – “O Suplício”

Nas masmorras do “palácio de Aljaferia”, encontravam-se presos Manrico e Azucena. A tentativa de salvar Azucena fracassara… Em noite escura, Leonora entra no castelo, acompanhada de Ruiz, que lhe aponta local da prisão e se retira… Leonora tem em mente um arriscado plano para libertar Manrico. E junto, carrega um veneno. Canta ária “D’Amor sull’ali rosee” (“De amor, em asas róseas”), expressando todo seu amor – referência do repertório de soprano…

Segue um sombrio “Miserere”. E sob fundo de um “coro de prisioneiros”, fora de cena, que entoa um “salmo”, Leonora canta “Quel suon, quelle preci soleni, funeste” (“Estes sons, orações solenes e fatais”); Manrico, também fora de cena e prisioneiro na torre, responde, ao perceber a chegada de Leonora, em “Ah, che la morte agnora” (“Ah, a morte ela ignora”) – dramático duetto, para muitos, grande momento de “Il Trovatore”. Após “Miserere”, segue intensa cabaletta, onde Leonora anuncia “Tu vedrai che amore in terra” (“Você verá que existe amor na terra”), entre o sucesso de seu plano e o veneno que trazia consigo!… 

Cena de “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

Entra o conde de Luna, em terrível ordem:”Udiste? Come albeggi, al scure al figlio, ed alla madre il rogo” (Ouçam! Ao amanhecer, o machado para o filho e para a mãe, a estaca!”)… Conde procurava por Leonora e surpreende-se ao vê-la no castelo, em “A che venisti?” (“A que ponto você chegou?”). Leonora responde em “Egli è già presso all’ora estrema; e tu lo chiedi? Ah sì, per esso pietà dimando” (“Se aproxima a hora final e você pergunta? Por isto, peço piedade…”). Conde “Che!… tu deliri! Io del rival sentir pietà?” (“O que? Você está delirando. Sentir pena de um rival?”) e Leonora “Clemente nume a te l’ispiri” (“Clemente deus te inspira”)… Conde responde “È sol vendetta mio nume… Va’!” (“Apenas a vingança é meu Deus… Vá!”)

Cena se desenvolve em intenso duetto. Leonora inicia “Mira, di acerbe lagrime spargo al tuo piede un rio… Non basta il pianto? Svenami, ti bevi il sangue mio… Calpesta il mio cadavere… ma salva il trovator!”  (“Veja, derramei torrente de lágrimas aos seus pés… Chorar não é suficiente? Beba meu sangue. Pise em meu cadáver. Mas salve o trovador!”).

Célebre duetto “Mira, di acerbe lagrime” – Sondra Radvanovsky, “Leonora”, e Dmitri Hvorostovsky “conde de Luna” – MET.

E o conde responde “Più l’ami, e più terribile divampa il mio furor!” (“Quanto maior o seu amor, maior a minha fúria!”). Conde ameaça se retirar e Leonora o agarra. Leonora canta “Uno ve n’ha! sol uno!… Ed io… te l’offro” (“Existe um preço! Apenas um!… E eu… eu ofereço a você”). Conde indaga “Spiegati, qual prezzo? di’!” (Explique-se, que preço? diga!”). Leonora responde “Me stessa” (“Eu mesma”), “Che la vittima fugga, e son tua” (“Deixe a vítima fugir e serei tua”)…

Enquanto o Conde se dirige a um guarda, na torre, Leonora ingere veneno, de um anel, e sussurra “M’avrai, ma fredda, esanime spoglia!” (“Você terá a mim, mas fria, sem vida e nua!”). E o conde confirma “Colui vivrà…” (Ele viverá…). Leonora, entre lágrimas e alegria, canta “Vivrà!… contende il giubilo i detti a me, signore… ma coi frequenti palpiti mercé ti rende il core!” (Viverá!… Contenho o júbilo das palavras que ouço, senhor… Intenso palpitar, pela misericórdia do teu coração!)…

E segue, “Ora il mio fine impavida, piena di gioia attendo… Potrò dirgli morendo: salvo tu sei per me!” (Agora meu destemido fim, cheio de alegria, espero… Poderei dizer a ele, morrendo: você está seguro para mim!”)… Conde responde em “Fra te che parli? Volgimi, mi volgi il detto ancora, o mi parrà delirio quanto ascoltai finora… tu mia!… ripetilo. Il dubbio cor serena…” (“O que, você fala consigo mesma? Volte-se para mim, repita, ou parecerá delirante… tu és minha!… Repita e a dúvida em meu coração se dissipará…”). E Leonora canta, “Andiam” (“Vamos”). Conde responde “Giurasti… pensaci!” (“Você jurou, pense nisso!”). Leonora dissimula em “È sacra la mia fé!” (“Sagrada é minha fé!”)… Ao final deste monumental duetto, Leonora entra na torre, ao encontro de Manrico e Azucena…

Cena na prisão, “Azucena” adormece e “Manrico” permanece ao seu lado, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

Na prisão, entre janelas gradeados e pouca iluminação, estão Manrico e Azucena… Na solidão e perspectiva de condenação, a velha cigana canta “Sì, la stanchezza m’opprime, o figlio… alla quïete io chiudo il ciglio! Ma se del rogo arder si veda l’orrida fiamma, destami allor!” (“Sim, o cansaço me oprime, meu filho… Fechei as pálpebras, no silêncio! Mas, horrível chama ardia, então despertei!”)… “Difendi la tua madre!”…

Após atormentado recitativo, canto se dilui em belo e esperançoso duetto “Ai nostri monti… ritorneremo!… l’antica pace… ivi godremo!… Tu canterai… sul tuo liuto… in sonno placido… io dormirò!” (“Às nossas montanhas… voltaremos!… à antiga paz… ali desfrutaremos!… Cantarás… no teu alaúde… no tranquilo sono… vou dormir!”). Manrico responde em “Riposa, o madre: io prono e muto la mente al cielo rivolgerò” (“Descanse, minha mãe. Prostrado e mudo, elevo minha mente ao céu”). Azucena adormece e Manrico fica ao seu lado… 

Cena de “Leonora” adentrando a prisão, para tentar libertar “Manrico e Azucena”, em “Il trovatore”, de Verdi.

Porta se abre e entra Leonora, para avisar Manrico e Azucena que fujam. Manrico surpreende-se ao perceber que Leonora ficaria. Leonora trocara a liberdade deles, aceitando casar-se com o conde. No entanto, já estava sob efeito do veneno…

Manrico indigna-se, sente-se humilhado por tal barganha, desconhecendo o efeito do veneno… Amaldiçoa Leonora! Que liberdade seria esta?… O  tempo, no entanto, corria… Precisavam fugir e o veneno fazia seu efeito. Cena desenvolve-se no duetto “Che!… non m’inganna quel fioco lume?” (“O que? Esta luz fraca não me engana”)…

Azucena, que dormia, balbucia algo sobre “Ai nostri monti… ritorneremo!… l’antica pace… ivi godremo!” (“Às nossas montanhas… voltaremos… à antiga paz… então desfrutaremos!”)… Cena transforma-se em terceto, com Leonora e Manrico. Leonora começa a desfalecer e suplica pela fuga… Manrico resiste!…

Adentra o conde e se depara com Leonora morrendo. Percebe a barganha de Leonora, que trocava a liberdade de Manrico pela própria vida! Quanto amor sentia ela!… E Manrico percebe o trágico sacrifício de sua amada. Não havia mais tempo, nem desejava fugir…

Cena de “Leonora”, desfalecendo nos braços de “Manrico”, sendo observados pelo “conde de Luna”, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

Desenvolve-se o tercetto final, “Prima che d’altri vivere… io… volli tua morir!…” (“Antes que viver para outros… eu… por ti, morrerei!…”). Leonora morre nos braços de Manrico… E o Conde, em extrema revolta e ciúme, ordena execução de Manrico!… 

Manrico dirige-se à Azucena, “Madre… oh, madre, addio!”… Azucena, acordando, “Manrico! Ov’è mio figlio?” (“Manrico! Onde estás, meu filho?”). Conde interpela, “A morte ei corre!” (“Para a morte e rápido!”) e arrasta a cigana até uma janela… Azucena resiste, “Ah ferma! m’odi…” (“Pare! Você me odeia…”)

Cena final – “Leonora” morta e o carrasco com machado e a cabeça de “Manrico”, em “Il Trovatore”, de Verdi – “Operhaus of Zurich”, Suiça.

Azucena presencia a morte de Manrico e, em desespero, grita: “Cielo!… Egli era tuo fratello!”… Mataste teu irmão!… Surpreso e horrorizado, Conde exclama: “Ei!… quale orror!!… Azucena sentencia: “Sei vendicata, o madre!!” (“Estás vingada, minha mãe!!”) e a velha cigana cai prostrada… Com o suicídio de Leonora, o trágico e brutal reencontro com Garcia (Manrico) e mais dolorosa solidão, conde de Luna lamenta: “E vivo ancor!” (“E permaneço vivo…”)

– Cai o pano –

“Il Trovatore” é drama intenso e contundente, onde a música transborda, poderosa e vulcânica – grande momento da produção de Verdi e do romantismo!…  

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, músico italiano, 1813-1901, entusiasta do “Risorgimento”.

Após estreia, foi apresentada no “Théâtre Italien”, Paris, 1854; “Teatro Lyrico Fluminense”, Rio de Janeiro, 1854; “Academy of Music”, Nova York, 1855; “Covent Garden”, Londres, 1855; “Theatre Royal Drury Lane”, Londres, 1856; “Opéra”, de Paris, 1857; “Metropolitan Opera”, Nova York, 1883; e muitas se seguiram… 

  1. Gravações de “Il Trovatore”

Grande sucesso desde a estreia em Roma, 1853, “Il Trovatore” tem sido montada, ininterruptamente, em todo o mundo, tornando-se impossível elencar tantas produções. De modo que apresentaremos lista sucinta de gravações e DVDs:

  • Gravação em áudio, 1947 – CD MYTO

“Orchestra and Chorus of the Metropolitan Opera”, direção Emil Cooper
Solistas: Stella Roman (Leonora) – Margaret Harshaw (Azucena) – Jussi Björling (Manrico) – Leonard Warren (conde de Luna) – Giacomo Vaghi (Ferrando)
“Metropolitan Opera”, Nova York, USA

Obs: Elenco excepcional, onde destacamos as belas vozes e interpretações de Margaret Harshaw (mezzo) e Leonard Warren (barítono).

  • Gravação em áudio, 1962 – CD Melodram

“Orquestra do Teatro alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Antonietta Stella (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Franco Corelli (Manrico) – Ettore Bastianini (conde de Luna) – Ivo Vinco (Ferrando)
“Coro do Teatro alla Scala”, direção Norberto Mola
Milão, Itália

  • Gravação em áudio CD – “Bella Voce”, 1975

“Orquestra and chorus of the Royal Opera House”, direção Anton Guadagno
Solistas: Montserrat Caballé (Leonora) – Irina Arkhipova (Azucena) – Carlo Cossutta (Manrico) – Sherill Milnes (conde de Luna) – Richard Van Allan (Ferrando)
“Covent Garden”, Londres

    • Gravação em áudio CD – EMI, 1977

“Berliner Philharmoniker”, direção Herbert Von Karajan
Solistas: Leontyne Price (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Franco Bonisolli (Manrico) – Piero Capucilli (conde de Luna) – Jose Van Dam (Ferrando)
“Chor der Deutschen Oper Berlin”, Alemanha.

  • Gravação em vídeo – DVD TDK, 1978

“Orchester der Wiener Staatoper”, direção Herbert Von Karajan
Solistas: Raina Kabaivanska (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Plácido Domingo (Manrico) – Piero Cappuccilli (conde de Luna) – José van Dam (Ferrando)
“Chor der Wiener Staatoper”, direção Helmuth Frochauer
Viena, Áustria

  • Gravação em vídeo DVD “Deutsche Grammophon“, 1988

“The Metropolitan Opera Chorus and Orchestra”, direção James Levine
Solistas: Eva Marton (Leonora) – Dolora Zajick (Azucena) – Luciano Pavarotti (Manrico) – Sherrill Milnes (conde de Luna) – Jeffrey Wells (Ferrando)
New York, USA

  • Gravação em áudio – CD EMI, 2001

“London Symphony Orchestra”, direção Sir Antonio Pappano
Solistas: Angela Gheorghiu (Leonora) – Larissa Diadkova (Azucena) – Roberto Alagna (Manrico) – Thomas Hampson (conde de Luna) – Ildebrando D’Arcangelo (Ferrando)
“London Voices Chorus Master”, direção Terry Edwards,
London, Inglaterra

  • Gravação em vídeo, 2017

“Orquestra Clásica del Maule”, direção Francisco Rettig
Solistas: Paulina González (Leonora) – Evelyn Ramírez (Azucena) – Giancarlo Monsalve (Manrico) – Omar Carrión (conde de Luna) – David Gaez (Ferrando)
“Coro del Teatro Regional del Maule”, direção Pablo Ortiz
Talca, Chile

Obs: Excelente produção sul-americana, realizada com dedicação, entusiasmo e belas vozes. 

  • Gravação em vídeo – DVD “Fondazione Arena di Verona” – C major, 2020

“Orchestra and Ballet of the Arena di Verona”, direção Pier Giorgio Morandi
Solistas: Anna Netrebko (Leonora) – Dolora Zajick (Azucena) – Yusif Eyvazov (Manrico) – Luca Salsi (conde de Luna) – Riccardo Fassi (Ferrando)
“Chorus of the Arena di Verona”, direção Vito Lombardi
Verona, Itália

  • Download no PQP Bach

Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Il Trovatore”, sugerimos gravação em áudio da “Bella Voce”, 1975, ”Orchestra and chorus of the Royal Opera House”, de Londres, direção Anton Guadagno e grandes solistas:

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Vozes solistas e direção

Monserrat Caballé, soprano Catalão, “Leonora” em “Il Trovatore”, de Verdi, no “Covent Garden”, Londres, 1975.

Os solistas desta gravação são de primeira grandeza. E no personagem “Leonora”, a magnífica María de Montserrat Bibiana Concepción Caballé i Folch – Montserrat Caballé, soprano catalão, entre as maiores cantoras líricas de todos os tempos… Formada no “Conservatório Superior de Música”, de Barcelona, sua carreira teve início na Suíça, “Ópera de Basiléia”, com repertório que abrangia Mozart e Johann Strauss…

Após, Caballé tornou-se cantora permanente da “Ópera de Bremen”, Alemanha. E o destaque mundial ocorreu nos USA, no “Carnegie Hall”, 1965, quando substituiu, imprevisivelmente, o mezzo-soprano Marilyn Horne, em “Lucrezia Borgia”, de Donizetti, sendo aplaudida por 25 min. – uma revelação acontecia!… Críticos novaiorquinos, entusiasmados, sintetizaram Caballé na equação “Callas+Tebaldi”…

Irina Arkhipova, mezzo-soprano russo, “Azucena” em “Il Trovatore”, de Verdi, no “Covent Garden”, Londres, 1975.

Em cerca de 130 gravações, o repertório de Caballé é vastíssimo, desde Rossini, Donizetti, Bellini, Verdi e Puccini; até Wagner e Richard Strauss… Por fim, ocasionalmente, incursionou pelo “rock” e “heavy metal”… Morreu em Barcelona, aos 85 anos…

Impecável no papel da cigana “Azucena”, o mezzo-soprano russo, Irina Konstantinovna Arkhipova – Irina Arkhipova. “Técnica irresistível e grande poder expressivo” são características atribuídas à célebre cantora, nascida em Moscou, Rússia…

Inicialmente formada em arquitetura e, mais tarde, no “Conservatório de Moscou”, Arkhipova destacou-se no repertório russo e italiano. E brilhou em “Khovanschina” e “Boris Gudonov”, de Mussorgsky; também em “Eugene Onegin”, de Tchaikovski, atuando nos principais teatros do mundo. Na ex-URSS, recebeu distinções como “Artista do povo”, 1966, e “Herói do trabalho”, 1984…

Carlo Cossutta, tenor dramático – “Manrico” em “Il Trovatore”, de Verdi, “Covent Garden”, Londres, 1975.

Interpretando “Manrico”, o tenor dramático italiano, de ascendência eslovena, Carlo Cossutta. Nascido em Santa Croce del Carso, perto de Trieste, Itália, Cossuta emigrou para Argentina, onde iniciou e terminou sua carreira – no “Teatro Colón”…

Em Buenos Aires, destacou-se em “Don Rodrigo”, de Ginastera, depois na “Royal Opera”, de Londres. As décadas de 70 e 80 marcaram seu apogeu, atuando nos grandes teatros europeus e americanos. Nesta produção, percebe-se a voz poderosa e sólida técnica, típicas de tenores dramáticos. (prudentemente, canta “Di quella Pira” 1/2 tom abaixo, mas em vigorosa performance e bela cor vocal)…

Interpretando “conde de Luna”, o carismático Sherrill Milnes, excelente barítono estadunidense, nascido em Downers Grove, Illinois. Filho de produtores de leite, desde jovem, alternava as lidas da fazenda com os estudos musicais. Posteriormente, entre medicina e música, optou pela carreira musical, na expectativa de tornar-se professor. Assim, de início modesto e poucas pretensões, a voz robusta e presença de palco possibilitaram à Milnes brilhar entre os grandes barítonos de sua geração…

Sherrill Milnes, barítono estadunidense, “conde de Luna”, “Il trovatore”, de Verdi, no “Covent Garden”, Londres, 1975.

Milnes atuou em festejadas casas de ópera e suas qualidades de ator o levaram ao cinema, em “Tosca”, de Puccini…  Junto com as poderosas vozes de Caballé, Arkhipova e Cossutta, além dos solos, integra os belíssimos ensembles, de perfeito equilíbrio e eufonia – qualidades desta excepcional produção…

No papel de “Ferrando”, incisivo personagem do prólogo de “Il Trovatore”, o britânico Richard van Allan. Versátil voz de baixo, destacou-se no “Covent Garden”, na “English National Opera” e, após, realizou extensa carreira internacional. Com elegante presença de palco, suas interpretações sensibilizavam, tanto em pesado repertório de Verdi e Wagner, quanto na leveza de Gilbert e Sullivan. Artigos do “The Times” o elogiaram pelas “virtudes de um grande artista – estilo e dramaticidade, técnica e beleza vocal”…

Richard van Allan, baixo britânico, “Ferrando” em “Il trovatore”, de Verdi, no “Covent Garden”, Londres, 1975.

Em primorosa direção, Anton Guadagno revela sua capacidade de atuar em meio a diversidade sonora – alternando solos, ensembles, coros e orquestra. Mas, sobretudo, nos pequenos conjuntos, entre tercetos e quartetos, atinge níveis de sutileza notáveis, explorando a versatilidade e potencial dos solistas. Equilíbrio, por vezes, comparável a madrigais renascentistas, apesar da robustez vocal dos solistas – final do 4° Ato, Leonora e Manrico em terceto com Azucena, que balbucia “Ai nostri monti… ritorneremo!… l’antica pace… ivi godremo!”… 

Assim, depreende-se que Guadagno coordena de modo a estimular a liberdade, mas semeando coesão; por onde obtém maior concentração e primorosas performances. Sobretudo, no que se revela em qualidade de uma gravação “ao vivo”, sempre sujeita ao inesperado. Assim, percebem-se direções musicalmente sensíveis e proativas…

Anton Guadagno, diretor italiano, na produção de “Il trovatore”, de Verdi, no “Covent Garden”, Londres, 1975.

Nascido em Castellammare del Golfo, Itália, Anton Guadagno formou-se no “Conservatório Vincenzo Bellini”, de Palermo. E após, na “Accademia di Santa Cecilia”, de Roma. Ainda estudante, foi assistente de Herbert von Karajan, no “Mozarteum”, de Salzburgo, Áustria…

Guadagno iniciou carreira na Cidade do México; após, estreou no “Carnegie Hall”, de New York, 1952, e tornou-se diretor assistente da “Metropolitan Opera”, entre 1958-59. Também atuou na “Filadélfia Lyric Opera Company” e, sobretudo, a partir de 1970, maestro residente para o repertório italiano, na “Wiener Staatsoper”, por 30 anos. Em 1984, em paralelo às atividades de Viena, retornou aos USA, como titular da “Palm Beach Opera”, permanecendo até sua morte – Viena, 2002…

Por fim, agradecemos e aplaudimos os coros, ensembles e orquestra desta excelente produção. “Il trovatore” é drama intenso, onde a música de Verdi segue a nos sensibilizar e manter viva a arte da ópera! 

Capa CD “Bella Voce”, de “Il Trovatore”, de Verdi, “Covent Garden”, Londres, 1975

Sugerimos também:

    1. Áudio CD Myto – produção do “Orchestra and Chorus of the Metropolitan Opera”, direção Emil Cooper, com Stella Roman (Leonora) – Margaret Harshaw (Azucena) – Jussi Björling (Manrico) – Leonard Warren (conde de Luna) – Giacomo Vaghi (Ferrando), Nova York, USA, 1947.

    1. DVD TDK – produção em vídeo da “Orchester und Chor der Wiener Staatoper”, direção Herbert Von Karajan, com Raina Kabaivanska (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Plácido Domingo (Manrico) – Piero Cappuccilli (conde de Luna) – José van Dam (Ferrando), Viena, Áustria, 1978.

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“PQP Bach and Company: farmers at work!”

Alex DeLarge

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Diversos Compositores: Retrospectiva de 2022 do René Denon ֍

Diversos Compositores: Retrospectiva de 2022 do René Denon ֍

Retrospectiva

2022

Mais uma vez a Terra está a completar uma volta em sua órbita celeste e nos aproximamos do fim deste peculiar ano de 2022. Alguns ciclos se completam, outros estão a vir, já anunciados. É um bom momento para, como Janus, olharmos para trás, considerando o que foi feito e desejarmos o que está chegando. Eu estou tentando criar espaço no presente para receber o que o futuro trará.

Passei em revista minha atividade no blog, entre 1 de dezembro de 2021 e 30 de novembro de 2022. Este ano não tive energia para verificar todas as publicações e limitei às que resultaram de meus próprios esforços. Estas postagens refletem meu envolvimento com música, que posso observar, é grande. Algumas delas foram fáceis de preparar, vindas de alguma boa inspiração, outras demandaram mais estudo e dedicação, mas todas me deram bastante prazer, ao longo do caminho. Prazer em ouvir a música, de eventualmente comparar com outras interpretações ou de seguir as direções que ela me apontava. Prazer também em burilar o texto, em catar as ilustrações e depois esperar que elas surgissem, no blog. Esperar os aguardados comentários, estes mais parcos do que eu gostaria. De qualquer forma, os que recebi ao longo deste período me pareceram sinceros e foi gratificante lê-los.

Olhar estas postagens mais uma vez me fez pensar o quanto é importante valorizar o tempo, que ouvir música demanda tempo. Talvez seja por isso que alguns de nós se agarre a um repertório mais restrito, voltando sempre aos mesmos intérpretes. Eu sou por demais curioso para isso, o que me força a constantemente abrir mão desse tipo de segurança, abrindo espaço para as novidades.

Neste período fiz 64 postagens e acabei selecionando uma playlist entre as peças que considerei representativas do total. Caso você tenha o tempo de ouvir, poderá se interessar em visitar a correspondente postagem e descobrir algumas outras novidades.

Três dessas postagens selecionadas são de nosso padroeiro, São Sebastião Ribeiro. Uma gravação estalando de nova das seis sonatas para cravo e violino, com o violinista Andoni Mercero e o cravista Alfonso Sebastián; um disco com cantatas para baixo interpretadas pelo (jovem) David Greco, acompanhado pelo Luthers Bach Ensemble, sob a direção de Tymen Jan Bronda; uma outra gravação (plena de reflexões feitas durante o afastamento social resultado da pandemia) das seis (maravilhosas) suítes para violoncelo pelo jovem e talentoso Bruno Philippe.

Duas postagens refletem essa minha busca por novidades. Assim, na minha playlist de Retrospectiva 2022 há duas peças que conheci este ano e que me impressionaram: num deles, o Concerto para Piano de Sir Michael Tippett, interpretado pelo veterano pianista Howard Shelley, com a Bournemouth Symphony Orchestra, regida pelo (late) Richard Hickox, num disco do selo Chandos, inglês em todas as instâncias; no outro, o Cantus Articus do compositor finlandês Einojuhani Rautavaara. A peça Cantus Articus foi a que me motivou investigar a música de Rautavaara e o disco também traz a sua Sinfonia No. 7 e o Concerto para flautas.

O repertório de música francesa dos séculos 19 e 20 aparece sempre nas minhas postagens e um exemplo é este disco de músicos poloneses (ótimos) tocando lindas peças de câmara com instrumentos de sopros, o Gruppo di Tempera. Veja o discreto charme deste La chaminée du roi René, de Darius Milhaud.

Outro exemplo é o disco Exotisme, sonorités pittoresques, com peças para piano solo ou a quatro mãos, interpretadas pelos ótimos Ludmilla Guilmaut e Jean-Noël Dubois. Uma mescla de música de compositores mais conhecidos com música de compositores que recebem menos exposição e que merecem maior divulgação. Muita alegria, charme e beleza, como num lindo buque de flores.

Cantores também me interessam muito e adorei ter conhecido o trabalho da mezzo-soprano Elisabeth Kulman cantando algumas canções de Mahler, acompanhada por um pequeno conjunto de músicos com o sugestivo nome Amarcord Wien.

Muito trabalho me deu a postagem das 40 árias, que passou incólume pelos nossos leitores. Muito trabalho, uma vez que ópera é um gênero musical que eu conheço pouco, mas muito prazer também em descobrir um pouco o sentido de tão belos momentos musicais. Para esta Retrospectiva 2022 escolhi algumas das árias que considerei mais emblemáticas. Entre elas Casta Diva, da ópera Norma, composta por Bellini, e Vissi d’arte, de Tosca, composta por Puccini.

Uma grata surpresa neste ano foi a descoberta da música para piano de Radamés Gnattali, num disco primoroso. O intérprete Luís Rabello é sobrinho do violonista Raphael Rabello e ótimo pianista.

Para completar essa retrospectiva, não poderia deixar de mencionar mais música barroca. Escolhi algumas sonatas de Scarlatti, parte da postagem de um disco da espetacular pianista Zhu Xiao-Mei e uma postagem dedicada ao Opus 3 de Vivaldi, pelo Concerto Italiano, sob a direção de Rinaldo Alessandrini. Esta coleção tem de especial o fato de que os concertos de Vivaldi estarem entremeados com algumas das suas transcrições feitas por Bach.

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)

Sonata No. 6 em sol maior, BWV1019
  1. Allegro
  2. Largo
  3. Allegro
  4. Adagio
  5. Allegro

Andoni Mercero, violino

Alfonso Sebastián, cravo

Cantata BWV 82 ‘Ich habe genug’
  1. Ich habe genug
  2. Ich habe genug! Mein Trost ist nur allein
  3. Schlummert ein, ihr matten Augen
  4. Mein Gott! Wann kömmt das schöne
  5. Ich freue mich auf meinen Tod

David Greco, baixo

Joanna Huszcza, violino

Amy Power, oboé

Luthers Bach Ensemble

Tymem Jan Bronda

Suíte para Violoncelo No. 6 in D major, BWV1012
  1. Prélude
  2. Allemande
  3. Courante
  4. Sarabande
  5. Gavottes I & II
  6. Gigue

Bruno Philippe, violoncelo

Michael Tippett (1905 – 1998)

Concerto para Piano e Orchestra
  1. I Allegro non troppo
  2. II Molto lento e tranquilo
  3. III Vivace

Howard Shelley, piano

Bournemouth Symphony Orchestra

Richard Hickox

Darius Milhaud (1892 – 1962)

Le cheminée du Roi René, Op. 205
  1. Cortege
  2. Aubade
  3. Jongleurs
  4. La Maousinglade
  5. Joutes sur l’arc
  6. Chasse a Valabre
  7. Madrigal – Nocturne

Gruppo di Tempera

Agnieszka Kopacka, piano
Agata Igras-Sawicka, flauta
Sebastian Aleksandrowicz, oboé
Adrian Janda, clarinete
Artur Kasperek, fagote
Tomasz Bińkowski, trompa

Gustav Mahler (1860 – 1911)

  1. Ging heut morger übers Feld – Mahler (Lieder eines fahrenden Gesellen)
  2. Ich atmet’ einen linden Duft – Rückert-Lieder
  3. Blicke mir nicht in die Lieder – Rückert-Lieder
  4. Liebst du um Schönheit – Rückert-Lieder
  5. Adagietto – 4 movimento da Quinta Sinfonia

Elisabeth Kulman, mezzo-soprano

Amarcord Wien:

Tommaso Huber, acordeão

Sebastian Gürtler, violino

Michael Williams, violoncelo

Gerhard Muthspiel, contrabaixo

Einojuhani Rautavaara (1928 – 2016)

Cantus Arcticus, Op. 61 (Concerto para Pássaros e Orquestra)
  1. Suo (Pântano)
  2. Melankolia
  3. Joutsenet muuttavat (Cisnes migrando)

Sinfonia Lahti

Osmo Vänskä

Claude Debussy (1862 – 1918)

Préludes, Livre 1, L. 117
  1. Voiles

Ludmilla Guilmault, piano

Déodat de Séverac (1872 – 1921)

En Vacances, Vol. 1
  1. Où l’on entend une vieille boîte à musique
  2. Valse romantique

Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano

Gabriel Fauré (1845 – 1924)

Dolly, Op. 56
  1. Le pas espagnol

Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano

40 Best Arias

  1. Bellini- Norma – Casta Diva – Maria Callas
  2. Verdi- Rigoletto – La Donna E Mobile – Richard Leech
  3. Bizet- Carmen – Habanera – ‘L’amour Est Un Oiseau Rebelle – Julia Migenes
  4. Bizet- Carmen – Flower Song – Placido Domingo
  5. Offenbach- Les Contes d’Hoffmann – Barcarolle – Jennifer Larmore & Hei-Kyung Hong
  6. Mozart- Don Giovanni – Dalla Sua Pace – [Don Ottavio] – Hans-Peter Blochwitz
  7. Delibes- Lakme – Flower Duet – [Lakme, Mallika]) – Jennifer Larmore & Hei-Kyung Hong
  8. Verdi- La Traviata – Brindisi- Libiamo Ne’Lieti Calici – Neil Schicoff & Edita Gruberova
  9. Puccini- La Boheme – Che Gelida Manina [Rodolfo]) – Jose Carreras
  10. Puccini- La Boheme – Si. Mi Chiamano Mimi – Barbara Hendricks
  11. Puccini- Tosca – Vissi D’arte’ [Tosca] – Kiri Te Kanawa
  12. Puccini- Tosca – E Lucevan Le Stelle [Cavaradossi] – Placido Domingo
  13. Gluck- Orphee Et Eurydice – J’ai Perdu Mon Eurydice – Susan Graham
  14. Rossini- La Cenerentola – Non Piu Mesta [Angiolina] – Jennifer Larmore

Radamés Gnattali (1906 – 1988)

  1. Rapsódia Brasileira
  2. Poema de Fim de Tarde
  3. Manhosamente
  4. Uma rosa para o Pixinguinha

Luís Rabello, piano

Domenico Scarlatti (1685 – 1757)

  1. Sonata em mi maior, K. 531 (L. 430)
  2. Sonata em si menor, K. 87 (L. 33)
  3. Sonata lá maior, K. 533 (L. 395)
  4. Sonata em ré menor, K. 32 (L. 423)
  5. Sonata em lá maior, K. 39 (L. 391)

Zhu Xiao-Mei, piano

Antonio Vivaldi (1678 – 1741)

Concerto No. 8 for 2 Violins in A Minor, Op. 3, RV 522
  1. Allegro
  2. Larghetto
  3. Allegro

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)

Concerto for organ after RV 522 in A Minor, BWV 593
  1. [Allegro]
  2. Adagio
  3. Allegro

Antonio Vivaldi (1678 – 1741)

Concerto No. 10 for 4 Violins in B Minor, Op. 3, RV 580
  1. Allegro
  2. Largo
  3. Allegro

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)

Concerto for 4 Harpsichords after RV 580 in A Minor, BWV 1065
  1. [Allegro]
  2. Largo
  3. Allegro

Concerto Italiano

Rinaldo Alessandrini, cravo e regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

MP3 | 320 KBPS | 681 MB

Assim, mantendo ainda viva a memória da música que nos alegrou no ano que passou, voltamos os planos e as expectativas para este ano novo.

Aproveite!

René Denon

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Rigoletto” – ópera em três atos (D’Angelo, Capecchi, Tucker, Pradelli)

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Rigoletto” – ópera em três atos (D’Angelo, Capecchi, Tucker, Pradelli)
“Rigoletto” – 17ª ópera de Giuseppe Verdi.

A condição de Rigoletto não era simples. Com sagacidade, no entanto, o corcunda combinava sua miséria física com especial talento para o humor – meio de salvação existencial… Assim, tornou-se bobo de uma pequena corte, simplória e decadente, onde explorava o riso da própria deformidade, entremeando os truques de ator…

E, se pessoas são capazes de generosidade e compaixão; também são da mais escrachada insensibilidade… Sobretudo, quando ostentam e riem, auto confiantes, da miséria alheia, tocadas por certa identidade – estúpida cumplicidade dos iguais… E em tal condição, o corcunda carregava e semeava ressentimentos…

Apesar de odiar a corte, Rigoletto almejava certa empatia, quem sabe, cínica troca de favores e proteger a filha dos assédios do patrão, a quem colaborava na aproximação de outras mulheres – direito dos proprietários, dispor da criadagem, retirando-lhes qualquer senso de escolha e dignidade…

Assim, o duque, dissoluto e incorrigível, ciente dos ditos direitos, mostraria à Rigoletto o devido lugar, negando-lhe qualquer atenção especial e assediando também a filha, definindo natureza e distanciamento de ambos… E à Rigoletto caberia resignar-se, como insignificante distração, numa corte que vivia a esmo e aos prazeres…

Do caráter inicial, jocoso e cínico, da relação com o duque, a trajetória de Rigoletto ganharia contornos dolorosos, quando o ambiente dissoluto, inexoravelmente, invadiria sua casa e sua família, agredindo-lhe os sentimentos paternos… Vassalo corrompido e amargurado, cujas dor e existência eram irrelevantes, Rigoletto extravasaria: “Cortigiani, vil razza, dannata!”…

E assombrado por medos, ao desafiar gente poderosa, mas acossado por vingança, Rigoletto, por engano e trágica ironia, se depararia, no lugar do duque, com a morte da própria filha, Gilda: “La maledizione!”…

  • Motivações
Giuseppe Verdi, músico e entusiasta da unificação italiana.

A leitura de “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”), de Victor Hugo, fascinou Verdi. E o músico, de imediato, solicitou libreto a Francesco Piave, que trabalhava em “Stiffelio”, as duas novas óperas, após estreia, em Nápoles, de “Luisa Miller”…

Desde o final do sec. XVIII, a literatura alemã anunciava o romantismo, debruçava-se sobre o contexto social europeu e adentrava à França. “Le roi s’amuse” trazia realidade pungente, dos direitos distintos para cada classe social, formalmente, abolidos na “Revolução Francesa”… E desde “Luisa Miller”, Verdi aprofundava-se na trajetória dos personagens, nos afetos e conflitos, abandonando os temas épicos, fruto do intenso engajamento, que antecedeu a “1ª guerra de independência italiana”…

Apesar dos esforços heroicos, o fracasso daqueles levantes revolucionários levariam a Itália permanecer, por mais dez anos, fragmentada e sob domínio austríaco… Período em que Verdi retornou à terra natal, após dois anos em Paris, e iniciava nova vida conjugal, com o soprano Giuseppina Strepponi, que estreara suas primeiras óperas…

“Villa Sant’Agata”, adquirida por Verdi, 1848, na cidade natal, Bussetto, ducado de Parma, onde fixa residência, com Giuseppina Verdi Strepponi, 1849.

Para tanto, adquiriu propriedade na comuna de Busseto, ducado de Parma – “Vila Sant’Agata”… E debruçava-se em novas leituras, fossem de autores alemães, como Schüller e o “Sturm und Drang”, precursores do romantismo; ou de autores franceses, como Victor Hugo e a “mélange des genres”. Para o autor francês, a dramaturgia englobava o épico e a poesia, o belo e o feio, o sublime e o grotesco; elogiando o cristianismo por admitir tais dualidades…

Clelia Maria Josepha Strepponi, conhecida como Giuseppina Verdi Strepponni, soprano e esposa de Verdi, por cerca de 50 anos.

Através desta literatura, Verdi discutiria o seu tempo, marcando seus personagens pelos contrastes sociais, costumes e multiplicidade de sentimentos… E a mudança para “Villa Sant’Agatta” traria mágoas e frustrações, dado ambiente conservador e religioso… Juntos, Giuseppina e Verdi, suportariam o preconceito local, apesar de artistas consagrados, mas que não eram casados – Giuseppina sofria muito e evitava sair…

  • Embates com a censura

Desde o intenso engajamento pela unificação italiana – fase patriótica, e mesmo após, com as temáticas burguesas, recorrentemente, Verdi provocou desconfiança. E a cada nova ópera, surgiam conflitos, fossem com as monarquias italianas, ou com autoridades austríacas e religiosas… Fatores inevitáveis, que atrasavam estreias e suscitavam escarnio da imprensa, que acompanhava querelas e desgaste de compositores e libretistas. Tal como em “Stiffelio”, com as autoridades religiosas, em Trieste…

Na Europa, a ópera era atividade relevante e popular. E as estreias, precedidas de farta divulgação e preparativos, o que também englobava certa imprensa, folhetinesca e difamatória, intrínseca à rica e efervescente indústria cultural… E em “Rigoletto” não seria diferente, com os censores venezianos…

Assim, o disforme corcunda era figura provocativa, a mover-se no palco e gracejar, fosse para deleite dos cortesãos ou para ironizá-los; também a ressentir-se, dolorosamente, por ter a filha violada e denunciar sociedade decadente e abjeta, levando o drama para terrível desenlace, que evoluía da farsa e do cinismo, para o ódio implacável e tragédia…

“Rigoletto”, pelo barítono Tood Thomas, na Ópera de Atlanta, USA, 2015.

Verdi fascinou-se com as possibilidades do tema – das cenas e imagens que chocavam e constrangiam. Do feio e deformado protagonista; do ambiente dissoluto e do arrastar uma jovem morta dentro de misterioso saco, que, por fim, descobriria ser a própria filha. Tudo, deliberadamente, apresentado em dose de exagero, quem sabe, de vulgaridade frente aos limites do decoro – o realismo verdiano…

O drama culminaria, por fim, com a maldição e derrota do vassalo. Daquele que, também corrompido, ao indignar-se e tentar reerguer-se, ao seu modo, buscando vingança ou justiça, revelava sua própria impotência, seus medo e inferioridade internalizados, quando planejava atabalhoadamente e fracassava, voltando seu ódio contra si mesmo e sua descendência…

Assim, após regozijar-se com suposta morte do duque, Rigoletto encerra o drama, em intensa catarse e lamento, ao descobrir que sua própria filha morrera no lugar daquele a quem odiava: “Maledizione!”, grita Rigoletto – título inicial da ópera – frente ao tremendo e incorrigível erro; da maldição do inferior, incerto dos próprios direitos, que sucumbe à indelével condição – marcando na deformidade física, metáfora da deformidade social e psíquica… 

  • Música de “Rigoletto”

Verdi trabalhou intensamente na música de Rigoletto. O drama decorre do profundo amor entre o pai e a filha, Gilda, a quem pretendia preservar de um mundo sombrio e violento, do qual participava e bem conhecia… Do desejo de preservá-la, em pureza e dignidade, para um mundo diferente, contrário à perversidade, à qual habituara-se no convívio da corte e do duque… E em seu amor, puramente egoísta, Rigoletto, com as demais mulheres, agia como lhe era esperado – cúmplice debochado e fiel servidor do duque…

De outro, em seu devaneio afetivo, Gilda, ao deixar-se seduzir, acreditava no amor do duque e também o amava. Assim, manteve ilusão e pureza, quem sabe, certa alienação, que a alimentou e protegeu, sem que nunca compreendesse a angústia e ódio paterno, ou mesmo, as motivações que levaram o duque a seduzi-la, permanecendo em seu universo particular – de sonho e idealismo, quem sabe, de dignidade e liberdade interior…

Rigoletto”, cenário para Cena 2, Ato 1, por Giuseppe Bertoja.

Nesta fase, Verdi despertara para simplicidade de meios. E da robustez vocal e orquestral da fase patriótica, evoluiu para maior variedade harmônica e fluente melodismo, produzindo árias e ensembles que tornar-se-iam famosos – “viralizariam”… A música de Rigoletto é marcada por ininterrupta invenção, agregando originalidade, expressão e dramaticidade. E mesmo em “Stiffelio”, composta simultaneamente, a crítica percebia cativante melodismo, a ampliar-se nas óperas seguintes…   

  • Lirismo verdiano e “Risorgimento” – década de 50

Dado a longevidade, falecido no alvorecer do século XX, Verdi testemunhou e participou de inúmeros eventos. Embora residindo em Paris, acompanhou e empenhou-se na “1ª guerra de independência”, quando vibrou com as façanhas do “Levante de Milão”, 1848; e estreou “La battaglia di Legnano” em plena Roma ocupada, 1849, durante a efêmera república, proclamada pelas forças de Garibaldi e Mazzini, depois repelidas por austríacos, franceses e espanhóis, a pedido do Papa. E, mais tarde, celebraria a monarquia italiana, 1861, sendo nomeado senador, por Vitor Emanuelle, 1874…

Episódio dos “Cinco Dias de Milão”, por Baldassare Verazzi.

Figura simbólica da unificação, junto com Garibaldi e Mazzini – “os três Giuseppes”, a partir de “Luisa Miller”, Verdi seguiria espécie de produção “entre guerras”, abandonando os temas épicos. A década de 50 marcaria reorganização, econômica e militar, do “Risorgimento”, sob liderança da Sardenha-Piemonte, de Vitor Emanuelle e Cavour. E certo apaziguamento revolucionário, que, no caso de Verdi, resultou em sucessão de obras-primas, do mais profundo lirismo. Após “Rigoletto”, viriam “La Traviatta” e “Il Trovatore”, formando célebre trilogia, além de “I Vespri Siciliani”, “Aroldo” – nova revisão de “Siffelio”, “Simon Boccanegra” e “Ballo Maschera”…

Apenas em 1859, com apoio da França, o “Risorgimento” empreenderia nova e bem sucedida campanha – “2ª guerra de independência”… Lombardia, Sicilia e Nápoles seriam libertadas. E a cada conquista, massiva adesão popular, consolidando ideia de nação. Em 1861, Vítor Emanuelle proclamaria a “Monarquia Italiana”, com capital em Turim, depois Florença, 1865… E a unificação se estenderia até a libertação do Vêneto, 1868, com apoio da Prússia; e depois, Roma, 1870… Cerca de dez anos de lutas!

Giuseppe Verdi e Gioachino Rossini.

E Verdi, apesar da expressiva contribuição até “Stiffelio”, só a partir de “Rigoletto”, teria o reconhecimento de Rossini, como músico diferenciado, quem sabe, genial… Aos 38 anos, iniciava nova etapa. E muito ainda viria, até “Aída”, “Requiem”, “Otello” e “Falstaff”… Maior compositor italiano de seu tempo, até idade avançada, surpreendeu em vitalidade e criatividade, marcando o teatro lírico do sec. XIX…

  • Sucesso de público e controversas na crítica

“Rigoletto” foi grande sucesso na estreia, 11/03/1851, no teatro “La Fenice”, de Veneza. O público reagiu calorosamente, tocado pelo ritmo, pelas cenas e melodismo fluente. Dois números foram bisados e Verdi chamado ao palco diversas vezes… Sucesso que foi crescente e, até hoje, referência das grandes plateias…

No Brasil, foi encenada no Rio de Janeiro, 1856, cinco anos após estreia europeia, no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, “Attila” e “Luisa Miller”; “Il Trovatore”, “La Traviata” e “Giovana D’Arco”… Posteriormente, o teatro foi demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…

“Teatro Provisório”, depois “Teatro Lyrico Fluminense”, No “Campo de Santana”, em atividade entre 1852 à 1875, Rio de Janeiro – Estreia de “Rigoletto”, 1856.

A critica, como esperado, dividiu-se entre aqueles mais susceptíveis à reação emotiva; e outros, mais distanciados, reagindo parcimoniosamente, senão com indiferença ou preconceito… Assim, a “Gazzetta Privilegiatta di Venezia” descreveu o impacto da estreia e reação do público:

“Ópera que não pode ser julgada numa única noite. Ontem, fomos quase que subjugados pela originalidade… ou antes, pelas estranhezas do tema, da música e ausência de números… No entanto, o sucesso de público foi absoluto. A habilidade na instrumentação é autêntica, admirável e estupenda. A orquestra fala, chora e transmite paixão. Nunca, a eloquência dos sons foi mais poderosa”…

E, curiosamente, segue a crítica: “Parece-nos, numa primeira audição, que a parte vocal foi menos esplêndida, uma vez que faltaram grandes conjuntos e mal se percebem um quarteto e um trio no último ato”… O quarteto, a que se referia o crítico, era, nada mais, nada menos, que “Bella figlia dell’amore”, que impressionou Victor Hugo e entre os mais famosos de Verdi…

Interior do Teatro “La Fenice”, Veneza, Itália. Estreia de “Rigoletto”, em 11/03/1851.

Outros acharam a ópera, simplesmente, confusa; que Verdi tentava apropriar-se do estilo de Mozart; ou, faltavam invenção e originalidade. Enfim, uma gama de opiniões de ocasião… Finalmente, Chorley, em Londres, 1853, que havia descrito “I Masnadieri” como a pior ópera já composta, escreveu: “A mais fraca das óperas de Verdi”… O público, no entanto, já havia adotado “Rigoletto”, entre as maiores já escritas!… 

  • Acontecimentos na Europa

Passavam-se cinco décadas da Revolução e, na França, após queda de Napoleão, permanecia a instabilidade política… Após o Congresso de Viena, 1815, estabeleceu-se nova ordem europeia, dado a consolidação e sobrevivência dos regimes monárquicos. Um mundo em transformação, que cedia à construção de modelos híbridos, entre monarquias e aristocracias remanescentes; e a emergente burguesia, que passava a compartilhar poder político e econômico…

“Grande funeral”, pelas vitimas da Revolução de 1848, no largo da Bastille, Paris.

Além disto, novas demandas pressionavam a sociedade europeia, representadas pelas organizações de trabalhadores – proletariado, impulsionado pelos pensamentos socialista e anarquista…Verdi estava em Paris, quando eclodiu a revolução de 1848 e esteve presente no grande funeral – no largo da Bastille…

Em Paris, acompanhou a constituinte de 48, pós abdicação de Louis Philippe e eleição de Luís Napoleão, que, posteriormente, empreenderia auto golpe, restabelecendo o Império, 1851 – Napoleão III seria determinante na “unificação italiana”…

Karl Marx e Friedrich Engels, autores do “Manifesto Comunista”, 1848.

Chamado “Primavera dos Povos”, além do levante de Paris, ano de 48 marcaria a política europeia com o “manifesto comunista”, de Marx e Engels; também com movimentos liberais e anarquistas na Alemanha; e na Itália, eclosão da “1ª guerra de independência”, proclamação de diversas repúblicas e simbólicos “cinco dias de Milão”, quando os exércitos austríacos foram, temporariamente, expulsos…

Dado as dificuldades no enfrentamento dos austríacos, Verdi juntou-se a diversos intelectuais, que encaminharam pedido de apoio ao governo francês, na “1ª guerra de independência”, que não veio… Apoio da França ocorreria 10 anos após, com o então imperador Napoleão III… 

“Napoleão III” – 1° presidente da França, 1848-52.
Depois, Imperador, entre 1852-70.

Curiosamente, neste contexto, Richard Wagner amargaria exílio de 11 anos dos estados alemães, após derrota do levante de Dresden, 1849, fruto de sua adesão ao ideário anarquista, de Bakunin… O que lhe custou o cargo de “Kapellmeister” da ópera de Dresden, para imensa frustração da esposa, Minna Planer…

  • Victor Hugo

“Podemos resistir à invasão de exércitos; não resistimos à invasão das ideias”…

Filho de um dos generais de Napoleão e mãe monarquista, a infância de Hugo foi marcada pela divergência política de seus pais… Um espelho, em família, da crise que se abatia na França, pós Revolução. Autor de múltiplos gêneros literários e nas artes visuais, mais de 4 mil desenhos, Victor Hugo foi poeta, dramaturgo e romancista, além de escrever para jornais e revistas, em geral, denunciando a desigualdade social…

Victor Hugo, poeta, dramaturgo e político francês, autor de “Le roi s’amuse”, “Cromwell”, “Notre-Dame du Paris”, “Les Miserables” e outros.

Na política, inicialmente monarquista, foi eleito senador, 1845. E após a revolução de 1848, aderiu aos liberalismo e republicanismo… Constituinte em 48, fez campanha para Luis Napoleão, que tornou-se presidente da 2ª república francesa. E quando este, através de auto golpe, reinstaurou o império, 1851, Hugo rompeu com o então Napoleão III e amargou exílio de 18 anos… Ao retornar à França, 1870, foi eleito deputado e depois, novamente, senador, tornando-se líder da esquerda, na Assembleia Nacional… Falecido aos 83 anos, 1885, recebeu honras nacionais…

Com a peça “Cromwell”, 1827, identificou-se com o romantismo francês. E obteve maior notoriedade em “Notre-Dame du Paris”, 1831, sobre uma Paris medieval, cruel e desumana… Sobretudo, Hugo preocupava-se com o crescimento e a miséria dos trabalhadores, no sec. XIX… 

Em “Le roi s’amuse”, Triboulet diz: “Je suis l’homme qui rit, il est l’homme qui tue” (“eu sou o homem que ri, aquele é o homem que mata”); ou, diria,”o homem que ri, também é aquele que mata”… Condenado pela desigualdade, Triboulet “odiava o rei, porque era rei; odiava os nobres, porque eram nobres; odiava os homens, porque poucos, ou nem todos, tinham corcunda”… Era um condenado pela natureza, pelo sistema e pelo despotismo. E quando decide vingar-se, salvar sua descendência, seus afetos, se depara com a filha morta. O corcunda, simplesmente, não tinha direitos: “J’ai tué mon enfant!” (“Eu matei minha filha!”)…

A peça foi proibida por 50 anos, na França, por supostas críticas à monarquia e ofensas ao então rei Louis-Philippe… Victor Hugo moveu célebre processo pela liberdade de expressão, contra o estado francês. Por fim, derrotado, teve que arcar com as custas processuais… E a 2ª apresentação, simbolicamente, ocorreria na comemoração dos 50 anos da peça, na “Comédie-Française”, 1882, com música incidental de Leo Delibes, pouco antes de sua morte…

“Blanche” (Gilda), em “Le roi s’amuse”, transportada num saco, por “Tribloulet”.

Sobre texto de Victor Hugo e também para Veneza, Verdi compôs “Ernani”, 1844, quando popularizou o “chapéu com pena”, adereço associado à liberdade e à unificação italiana. E quando interessou-se por “Le roi s’amuse”, a peça estava proibida na França, desde 1832… Mas, ironicamente, “Rigoletto” seria encenada em Paris…

Personagem Ernani, 5a ópera de Verdi, sobre drama de Hugo, estreia em Veneza, 1844.

Mais tarde, críticos de “Les Annales” observaram que a ópera de Verdi fora encenada em dois teatros de Paris, a partir de 1857, inclusive com a presença de Victor Hugo, aparentemente exilado, e sem quaisquer objeções da censura, enquanto “Le roi s’amuse” permanecia proibida…

  • Libreto de “Rigoletto”

Sobre “Le roi s’amuse”, Verdi escreveu à Piave: “tenho novo tema que, se for liberado pela polícia, seria dos maiores do teatro moderno. Se aprovaram ‘Ernani’, porque não este, sem conspirações e política… O personagem chama-se Triboulet”…

E ao ler sinopse de “Stiffelio”, achou interessante, embora, motivação maior recaía em “Le roi s’amuse”. Assim, estavam decididos os temas para duas novas óperas: “Stiffelio”, para “Casa Ricordi”, com estreia em Trieste; e “Rigoletto”, para o teatro “La Fenice”, em Veneza; ambas com libretos de Francesco Piave…

Francesco Maria Piave, libretista de “Rigoletto”,
Trabalhou com Verdi em cerca de 11 óperas.

Inicialmente, “La Maledizione” – título original de “Rigoletto” – foi totalmente preterida pela censura veneziana. Verdi supunha que Piave tinha controle da situação e ficou decepcionado. Então, escreveu ao “La Fenice” relatando ser impossível trabalhar novo libreto, quando a música estava bastante avançada – intenso trabalho de 45 dias e, praticamente, duas horas de música concluída… E ofereceu “Stiffelio”, mas na concepção original, pois também se frustrara em Trieste, com a censura religiosa…

Finalmente, após reunião de ambos, Piave e Guglielmo Brenna, secretário do “La Fenice”, com o diretor da “Ordem Pública” de Veneza, obtiveram algumas concessões. Da reunião com Verdi, seis pontos foram elencados, de modo a atender exigências e adaptar outras, sem prejuízo da trama… Assim,  transferia-se ação da corte francesa, para um ducado de menor importância, na França ou Itália; se alterariam nomes dos personagens de Victor Hugo; e outras, que fossem ofensivas aos “bons costumes”. E a nova proposta foi aceita, permitindo à Verdi concluir a ópera, embora, com adiamento da estreia…

O drama era pautado pela maldição de Monterone, um nobre cuja filha fora seduzida pelo Duque de Mântua. Após insultos e gracejos de Rigoletto, Monterone amaldiçoa ambos… Fiel ao duque, mas sarcástico com os demais cortesãos, Rigoletto semeava ressentimentos. E embora mantivesse a filha, Gilda, escondida, desconhecia os assédios que o próprio duque lhe fazia, disfarçado de estudante…

Personagem “Triboulet”, nos 50 anos de “Le Roi s’amuse”, na “Comédie-Française”, 1882.

Naquele ambiente abjeto, a ira à língua afiada do bufão se revelaria no rapto de Gilda, pelos cortesãos, para o interior do palácio, com ajuda do próprio bufão, que desconhecia tratar-se da filha. E quando Rigoletto descobre Gilda no palácio, ela já havia sido seduzida pelo duque…

Tomado de ódio, Rigoletto contrata um matador, de nome Sparafucile, dono de uma hospedaria, para eliminar o duque. A filha de Sparafulice, Maddalena, no entanto, é afeiçoada ao duque e convence o pai a não matar o duque. E sim, o primeiro estranho que adentrasse a hospedaria, a fim de ter um corpo a apresentar a Rigoletto… Ouvindo tal conversa, Gilda decide sacrificar-se e acaba morta por Sparafucile… Gilda amava o duque e imaginava ser amada por ele…

Quando Rigoletto recebe um saco, acreditando conter o corpo do duque, regozija-se. Mas, em seguida, ouve ao longe “La donna è mobile”, na voz do próprio duque… Apreensivo, ao abrir o saco, se depara com a filha, desfalecendo… Gilda morre nos braços do pai… Em desespero, Rigoletto lembra da maldição de Monterone e tomba sobre o corpo de Gilda… 

Teatro “La fênice”, fachada lateral, vista pelo grande canal, Veneza.
  • Sinopse

Ação ocorre na região de Mântua, Itália, sec. XVI.

  • Personagens: Duque de Mântua (tenor); Rigoletto, bufão corcunda (barítono); Gilda, filha de Rigoletto (soprano); Sparafucile (baixo); Maddalena, filha de Sparafucile (contralto); Monterone, um nobre (barítono); Borsa, cortesão (tenor);
  • Coros: Damas e nobres da corte; pajens e serviçais.

A ópera inicia com breve e sombrio “Prelude” orquestral.

Figurinos para “Gilda e Duque”, na
estreia de “Rigoletto”, 11/03/1851.
  • Ato 1 

Cena 1: Salão do palácio ducal

Cena abre com um baile no palácio do Duque de Mântua. Duque canta suas conquistas amorosas à Borsa, um cortesão. E de uma recente aventura, com jovem encantadora, que até aquele momento só avistara na Igreja… Obsessivo nas conquistas, o Duque descobrira a residência da jovem, numa vila, onde um desconhecido a visitava diariamente… Tratava-se de Gilda, filha de Rigoletto, que vivia escondida pelo pai… Em meio à festa, Duque canta a balada “Questa o quella, per me pari sono” (“Esta ou aquela, para mim são o mesmo”). E tal como Don Giovani, passava de uma aventura à outra, sem qualquer hesitação, não importando as condições sociais…

Chegam também à festa, conde e condessa de Ceprano. O Duque se encanta com a condessa, a convida para dançarem e passa a elogiar a bela figura feminina – dançam o “minuetto e o peregodino”. E Rigoletto, conhecendo a índole do duque, passa a ridicularizar o conde… Entra Marullo, outro cortesão, a mexericar, mas agora, sobre suposta amante do corcunda, apesar da deformidade física…  E os presentes irrompem em gargalhadas!…

Rafaelle Mirate, tenor – “Duque de Mântua”, na estreia de “Rigoletto”, em Veneza, 11/03/1851.

Ainda na presença do conde Ceprano, Rigoletto insiste nas provocações, insinuando as inevitáveis incursões que o Duque faria para seduzir sua esposa. Rigoletto galhofa a ponto de sugerir risco de morte, ao conde, se a vontade do duque não se realizasse… Com tais insinuações, Ceprano desafia Rigoletto para um duelo. E demais cortesãos condenam Rigoletto, pela atitude repugnante e debochada… Ceprano propõe reunião à noite, com demais cortesãos, para vingarem-se do corcunda… E o Duque repreende a todos, protegendo Rigoletto…

Neste momento, a música alegre é interrompida pela chegada de Monterone. Outro nobre ofendido, que acusa o Duque de desonrar sua filha. Rigoletto, cúmplice das aventuras do Duque, parte para desmoralizar Monterone, ao gracejar e imitar gestos e atitudes… O nobre amaldiçoa ambos e promete vingança, por tamanha baixeza ao ignorarem a dor de um pai – “Ah! Siati entrambi voi maledeti!”…

Por fim, tais apelos, à dor e aos sentimentos paternos, perturbam Rigoletto, que treme ao lembrar que também tem uma filha. E, desta feita, os cortesãos alinham-se ao duque e à Rigoletto, indignados com Monterone, mas por perturbar o ambiente festivo, com suas dores e ressentimentos… 

“Entrada de Monterone” – cena da maldição de “Rigoletto”.

Cena 2: Num beco, entre as casas de Ceprano e Rigoletto, à noite

A maldição de Monterone trouxe maus pressentimentos à Rigoletto. E ao encontrar Sparafucile, dono de uma hospedaria, que se apresenta como assassino profissional, Rigoletto canta “Pari siamo” (“Como nos parecemos. A língua é minha arma, o punhal a sua. Fazer rir é meu destino, fazer chorar o seu. As lágrimas, consolo de todo homem, me são negadas. Divertir é minha sina e só me resta obedecer…”). De início, Rigoletto desconsidera os serviços de Sparafucile, mas reflete sobre a vida e as humilhações que sofreu, por ser aleijado e bufão…

Teresa Brambilla, soprano – “Gilda” na estreia em Veneza, 11/03/1851.

Desprezado por muitos, apenas o amor pela filha, Gilda, o tornava capaz de alguma ternura e humanidade. E com Rigoletto mergulhado em suas memórias, entra Gilda e pergunta, ao pai, sobre o passado, em particular, sobre sua mãe… Rigoletto conta de muitas desgraças e de um amor perdido… E dirige-se à Gilda como sua única alegria e afeto, quando cantam o belo duetto “Figlia!… Mio padre!”…

Movido por medo, mas com energia, ordena à Gilda nunca se ausentar de casa sem companhia, o que reforça à governanta, Giovanna. Rigoletto se retira… E em seguida, entra o Duque, que já subornava Giovanna, para abrir-lhe a casa… E Gilda, por sua vez, já estava apaixonada, encantada pela fleuma, beleza e jovialidade do duque, a quem acreditava, ingenuamente, ser um estudante… Duque canta com arrebatamento, em “E il sol dell’anima, la vita è amore” (“Luz da alma, vida é amor”)…

E seduzida, escondia, do pai, os encontros com o duque. Gilda estava enamorada e indefesa, suscetível às frases e juras de amor… De repente, no entorno da casa, ouvem-se movimento e cochichos. Receoso, o Duque despede-se de Gilda, no duetto “Addio! speranza ed anima!” (“Adeus! Esperança e ânimo!”) e afasta-se do local… E Gilda, sozinha, canta “Caro nome che el mio cor” (“Querido nome em meu coração”), referindo-se ao duque ainda pelo falso nome, “Gualtier Maldè”…

Na escuridão, conde Ceprano, Marullo e outros aproximavam-se da casa de Rigoletto. Em conluio, haviam decidido punir Rigoletto, ao raptarem Gilda, que pensavam ser sua amante. Rigoletto retorna e, por sua vez, é enganado, acreditando ser a condessa Ceprano, que estavam levando. E com os olhos vendados, colabora na ação…  Mas, quando todos partem e retira a venda, percebe que Gilda sumira… Rigoletto desespera-se e lembra da maldição de Monterone: “Ah! La maledizione!”

Ato 2 – No Palácio do Duque

Com Gilda desaparecida, também o duque estava intrigado. Nada sabia, apesar de ter retornado à casa de Rigoletto, em “Ella mi fu rapita” (“Ela me foi raptada”). Ansioso para revê-la e confortá-la, queria notícias, em “Parmi veder le lagrime” (“Pareço ver as lágrimas”). E em revanche, pelos cinismos e sarcasmos do corcunda, os cortesãos comemoravam o rapto da suposta amante – sua “inamorata”…

Felice Varesi, barítono – Rigoletto na estreia em Veneza, 11/03/1851.

Surge, então, Rigoletto aparentando indiferença, mas extremamente angustiado. Em contido desespero para reencontrar Gilda, cantarola irônica e disfarçada melodia, “La rá, la rá, la rá…” E percebe, na atitude de um pajem, que a filha encontrava-se no palácio e na companhia do próprio Duque. Transtornado, tenta ir ao encontro do Duque, mas é impedido. Então, implora que Gilda fosse libertada. Mostra sua indignação, em “Cortigiani, vil razza, dannata!” (“Cortesãos, raça vil e maldita!”) e, depois, sua fragilidade, em “Signori, perdon, pietà. Ridate a me la figlia…” (“Senhores, perdão, piedade. Devolvam minha filha”)…

Chorosa, Gilda é trazida e confessa ao pai, da sua relação e amor pelo Duque. E que este, agora, havia lhe tirado a honra… Neste momento, ouvem-se os gritos de Monterone, que amaldiçoara o duque e Rigoletto, sendo levado à prisão… E, diante da tremenda humilhação de Monterone, Rigoletto jura vingança ao duque, não importando o amor ou as súplicas de Gilda… A cena, entre pai e filha, desenvolve-se em magnífico duetto, “Tutte le feste al tempio… Sì, vendetta!” (“Todas as festas no templo” … “Sim, vingança!”)

Ato 3 – Numa hospedaria afastada, à noite

E os serviços de Sparafucile, por fim, seriam contratados por Rigoletto – a morte do Duque! Juntos, Rigoletto e Gilda vão à casa de Sparafucile… Próximo ao local, Gilda percebe a presença do Duque, disfarçado e em mais uma aventura amorosa. O duque cantava sua impressão e desprezo pelas mulheres, em “La donna è mobile” (“As mulheres são volúveis”)…

Rigoletto e Sparafucile tratam do assassinato. Então, Maddalena vai ao encontro do duque…  Ao que Gilda observa, sem reagir… Duque diverte-se e corteja Maddalena. Amargurada, Gilda assiste e pensa nas sombrias ameaças de Rigoletto… A cena desenvolve-se no célebre quarteto “Bella figlia dell’amore”, entre duque e Maddalena, de um lado, e Gilda e Rigoletto, de outro. Cada personagem a cantar seus desejos, intenções e sentimentos… E sendo afeto do duque, Maddalena, alegando pena da jovem, que amava o duque, convence Sparafucile, a matar outra pessoa e apresentar um corpo qualquer à Rigoletto…

Finalizado o trato, Rigoletto se retira e pede à Gilda que deixe a cidade. Mas Gilda, que tomara conhecimento do plano de Maddalena e Sparafucile, de assassinar o primeiro que adentrasse a hospedaria, decide sacrificar-se. E vai ao encontro de Sparafucile, que espreitava atrás de uma porta, armado com punhal, para executar o crime…

Mais tarde, Rigoletto retorna… E na escuridão, adentra a hospedaria. A vítima fora colocada num saco e, satisfeito com andamento do plano, precisava desfazer-se do corpo, jogando o saco num rio. Mas, para sua surpresa e horror, ouve, ao longe, o Duque cantarolando “La donna è mobile”… Então, Rigoletto abre o saco e vê Gilda agonizando – “ameio-o demais, agora, morro por ele!”… E com Rigoletto, canta derradeiro duetto,  “Lassu in cielo!” (“Nas alturas do céu!”)… Gilda implora perdão ao pai e morre… Rigoletto grita: “Maledizione!”… e, transtornado, cai sobre o corpo da filha… 

– Cai o pano –

“Rigoletto” trata de corrupção, assédio e estupro, além de homicídio… Retrata barbárie e decadência, nas ausências de lei e valores, onde os personagens virtuosos são presos, como Monterone, ou preferem a morte, caso de Gilda… Nos costumes, denuncia o machismo e a condição feminina. E, de forma rapsódica, o ambiente dissoluto evolui, sem perspectivas e esperança… A música, no entanto, é potente ao expressar tais energias, tamanhas turbulência e loucura; também em doçura e resignação; ou, ainda, paixão e revolta, sentimentos que moviam Rigoletto e do que lhe restava de vida e dignidade!

Por fim, triunfam os costumes vigentes, onde cada qual permanece no seu papel, em inarredável condição, corrompida e adversa, sem nada almejar, além do que resignar-se à sua própria “Maledizione!”…  

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, 1813 – 1901, músico e entusiasta da unificação italiana.

Em “Rigoletto”, depois em “La Traviata” e “Il Trovatore”, a música de Verdi se expandiria. E os personagens ganhariam densidade e intimismo – explorando, em sutileza e variedade, conflitos e sentimentos. Neste sentido, Verdi percebeu o potencial da ópera, como forma estabelecida, mas passível de enriquecimento e aprofundamento – o progressismo verdiano! E, no lugar de reformista, concentrou-se no amplo potencial, ainda por explorar, da forma tradicional…  

  1. Gravações de “Rigoletto”

Desde a estreia em Veneza, 1851, “Rigoletto” vem obtendo ininterrupto sucesso. De forma que os registros e produções são inúmeros. Aqui, faremos referências pontuais, homenageando grandes barítonos que interpretaram o papel:

      • Gravações
  • Produção cinematográfica, 1946 – Video VHS, “Bel canto Society”, New York, 1995

Orchestra del Teatro dell’Opera”, direção Tulio Serafin
Solistas: Mario Filippeschi (duque de Mântua) – Lina Pagliughi (Gilda) – Tito Gobbi (Rigoletto) – Anna Maria Canali (Maddalena) – Giulio Neri (Sparafucile) – Marcello Giorda (Monterone)
“Direção de produção”, Carmine Gallone, Itália

  • Gravação em áudio LP Columbia, 1955 – CD EMI

Orquestra del Teatro alla Scala”, direção Tulio Serafin
Solistas: Giuseppe di Steffano (duque de Mântua) – Maria Callas (Gilda) – Tito Gobbi (Rigoletto) – Adriana Lazzarini (Maddalena) – Nicola Zaccaria (Sparafucile) – Plinio Clabassi (Monterone)
“Coro do Teatro alla Scala”, Milão, Itália

  • Gravação em áudio LP Columbia, 1959 – CD Walhall/Philips

Orquestra do Teatro di San Carlo di Napoli”, direção Francesco Molinari-Pradelli
Solistas: Richard Tucker (duque de Mântua) – Gianna D’Angelo (Gilda) – Renato Capecchi (Rigoletto)
“Chorus of teatro di San Carlo di Napoli”, Itália

  • Gravação em Vinil Ricordi/Mercury, 1960 – CD BMG

“Orchestra del Maggio Musicale Fiorentino”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Alfredo Kraus (duque de Mântua) – Renata Scotto (Gilda) – Ettore Bastianini (Rigoletto) – Fiorenza Cossotto (Maddalena) – Ivo Vinco (Sparafucile) – Silvio Maionica (Monterone)
“Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção Andrea Morosini
Florença, Itália

  • Gravação em áudio “CD GOP” – Teatro Colón, Buenos Aires – 1961

Orchestra – Teatro Colón”, direção Argeo Quadri
Solistas: Gianni Raimondi (duque de Mântua) – Leyla Gencer (Gilda) – Cornell MacNeil (Rigoletto) – Carmen Burello (Maddalena) – Jorge (Giorgio) Algorta (Sparafucile) – Juan Zanin (Monterone)
“Chorus Teatro Colón”, Buenos Aires, Argentina

  • Gravação em áudio “RCA Victor”, 1963

“Orquestra della RCA Italiana”, direção Georg Solti 
Solistas: Alfredo Kraus (duque de Mântua) – Anna Moffo (Gilda) – Robert Merrill (Rigoletto) – Rosalind Elias (Maddalena) – Ezio Flagello (Sparafucile) – David Ward (Monterone)
“Coro della RCA Italiana”, direção Nino Antonellini
Roma, Itália

  • Gravação em áudio – Vinil Acanta , 1977 – Video

“Staatkapelle Dresden Orchestra”, direção Francesco Molinari-Pradelli 
Solistas: Franco Bonisolli (duque de Mântua) – Margherita Rinaldi (Gilda) – Rolando Panerai (Rigoletto) – Viorica Cortez (Maddalena) – Bengt Rundgren (Sparafucile) – Antonin Svorc (Monterone)
“Chor der Staatoper Dresden”, direção Franz-Peter Müller-Sybel
Dresden, Alemanha

  • Gravação em áudio – CD/Video “Deutsche Grammophon/Decca”, 1982

“Vienna Philharmonic Orchestra”, direção Riccardo Chailly 
Solistas: Luciano Pavarotti (duque de Mântua) – Edita Gruberova (Gilda) – Ingvar Wixell (Rigoletto) – Victoria Vergara (Maddalena) – Ferruccio Furlanetto (Sparafucile) – Ingvar Wixell (Monterone)
“Vienna State Opera Chorus”, direção Norbert Balatsch
“Direção de Palco e Filmagem”, Jean-Pierre Ponnelle   

  • Gravação em áudio – CD “Philips/Decca”, 1984

“Coro e Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia”, direção Giuseppe Sinopoli 

Solistas: Neil Schikoff (duque de Mântua) – Edita Gruberova (Gilda) – Renato Bruson (Rigoletto) – Brigitte
Fassbaender (Maddalena) – Robert Lloyd (Sparafucile) – Kurt Rydl (Monterone)
Roma, Itália  

  • Download no PQP Bach

Para download e compartilhamento da música de Verdi, em “Rigoletto”, sugerimos gravação em áudio da “Orquestra e coro do Teatro San Carlo”, de Nápoles, Itália, na direção Francesco Molinari-Pradelli e grandes solistas:

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE 

Gianna D’Angelo, soprano “leggero” americano – “Gilda”, na produção do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.

Vozes solistas e direção

Com reconhecida atuação nas décadas de 50 e 60, os solistas desta gravação são de primeira grandeza. De modo que os ouvintes poderão encantar-se com grandes interpretações e amplo domínio vocal. Gianna D’Angelo, soprano “leggero” coloratura, norte-americano, tornou-se referência no personagem “Gilda”. Aluna de Giuseppe de Luca, formou-se na “Julliard School”, de New York…

Renato Capecchi, barítono italiano – “Rigoletto”, na produção do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.

D’Angelo iniciou carreira com “Gilda”, de “Rigoletto”, em “Termas de Caracalla”, Roma, quando notabilizou-se no papel. Com extensa carreira na Europa e nos USA, brilhou no “Metropolitan Opera”, de New York, e na “Ópera de San Francisco”. Quando retirou-se, lecionou na “Jacobus School of Music”, em Bloomington, USA, falecendo em 2013, aos 84anos…

Interpretando “Rigoletto”, o notável barítono italiano, Renato Capecchi. Nascido no Cairo, foi também ator e diretor de ópera. Estreou as óperas “O Nariz”, de Shostakovich, e “Guerra e Paz”, de Prokofiev, atuando com sucesso na Europa e no “Metroplotitan Ópera”, de New York…

Como diretor, atuou em produções da “Ópera de San Francisco”, “New York City Opera” e da “Merola Opera Program”, de Saratoga, USA… E, por vários anos, lecionou na “Manhattan School of Music”…

Richard Tucker, tenor norte-americano – “Duque de Mântua”, na produção do teatro “San Carlo”, de Nápoles, 1959.

No personagem “Duque de Mântua”, o grande tenor Richard Tucker. Cantor lírico norte-americano, filho de imigrantes judaicos, iniciou sua formação musical colaborando em cultos religiosos… E por trinta anos, Tucker brilhou como principal tenor do período pós-guerra, do “Metropolitan Opera”, de New York…

Também atuante em teatros europeus, após sua morte, esposa e filhos criaram a “Richard Tucker Music Foundation”, para “cultivar a memória do ‘maior tenor da América’ e desenvolver projetos de apoio à jovens cantores”…

Francesco Molinari-Pradelli, maestro italiano, na produção de “Rigoletto”, do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.

Por fim, na direção desta magnífica produção, Francesco Molinari-Pradelli, maestro italiano formado em Bolonha e, depois, na “Academia Nacional de Santa Cecília”, Roma. Pradelli iniciou carreira com “L’Elisir d’Amore”, de Donizetti. Depois, nos teatros de Bergamo e Brescia. Por fim, dirigiu o “Alla Scala”, de Milão, na reabertura do teatro, após 2ª Guerra Mundial…

Internacionalmente, seguiram “Covent Garden”, Londres, com o soprano Renata Tebaldi, em “Tosca”, de Puccini; e nos USA, “Ópera de São Francisco”… Com sucesso, Pradelli atuou nas grandes casas de ópera, como “Viena Sataatoper”, “Metropolitan Opera”, de New York, “Ópera de Roma”, “Teatro Regio di Parma” e “La Fenice”, de Veneza…

Muitas de suas gravações permanecem referência, além do trabalho com renomados solistas, como Luciano Pavarotti, Birgit Nilsson, Nicolai Gedda, Joan Sutherland, Renata Scotto e outros… Por fim, destacou-se, também, como colecionador de arte…  

Capa CD Walhall – ópera “Rigoletto”, de Verdi, produção do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.
  • Em vídeo, sugerimos também:
  1. produção do “Sataatoper Dresden”, com Franco Bonisolli, Margherita Rinaldi, Rolando Panerai, direção de Francesco Molinari-Pradelli, 1977:

  1. produção da “Vienna Philharmonic Orchestra”, Luciano Pavarotti, Edita Gruberova, Ingvar Wixell, direção Riccardo Chailly, 1982:

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“Parabéns a ‘los hermanos’ pelo título mundial!”

Alex DeLarge

 

40 Most Beautiful Arias – Vários Intérpretes e Compositores – Warner Classics ֍

40 Most Beautiful Arias – Vários Intérpretes e Compositores – Warner Classics ֍

 

 

40 Mais Belas Árias

 

 

 

Estes dois discos têm me acompanhado no caótico trânsito de minha cidade nas últimas semanas e me dado tanto prazer que decidi fazer a postagem. Se o carro para no sinal, na geleia geral do trânsito ou no posto de gasolina, abro os vidros e deixo que essa exuberante arte do excesso se espalhe e impressione as pessoas, que me olham com alguma curiosidade.

As óperas têm estado presentes no blog, especialmente nas edições completas (e vastamente comentadas), mas aqui temos uma proposta diferente – coleção de árias – o crème de la crème. Veja o título: 40 Most Beautiful Arias – 40 Mais Belas Árias !

Há uma certa simplificação, pois que nem todas as faixas são árias, há alguns duetos também.

Eu confesso que costumava olhar com um certo desdém para este tipo de edição, por parecer um pouco populista, mas rendi-me à efetividade do produto, adorei ouvir essas belezuras, uma depois da outra… Realmente, é fácil criticar este tipo de lançamento, inclusive por deixar esta ou aquela outra ária de fora, pois que há muitas tantas tão bonitas, mas no fim dos discos chegamos ao entendimento de porque tantas pessoas se apaixonam por ópera. Além disso, a alternância tanto dos tipos de vozes quanto de estilos funcionou bem para mim.

No pacote há 18 compositores representados e o campeão é Puccini, com 11 árias, seguido de Mozart e Verdi, cada um com 5 números. Bizet tem 4 faixas, Handel 2 e o resto, uma cada.

Na escolha dos intérpretes os produtores devem ter tido um olho nos contratos, de forma que se poderia dizer que este ou aquele intérprete teria sido uma melhor opção. Mas não nos prendamos a essas coisas e se deixe levar pela onda da ópera, no que ela tem de melhor.

Há uma certa aura em torno de música clássica, ópera em especial, deixando uma impressão de inacessibilidade, que é necessário ter um gosto adquirido para de fato apreciar, mas isso é falso. As pessoas gostam (sempre gostaram) de ópera. Eu gosto do filme ‘O Feitiço da Lua’ (Moonstruck) pela história, mas também pela cena da ópera. O mocinho do filme (Nicholas Cage, quando jovem) é um padeiro que ama ópera e consegue levar a mocinha (Cher, a noiva de seu irmão mais velho) para uma noite na ópera. Mas não é um teatro qualquer, é o Metropolitan! A cena transmite toda a excitação e expectativa que antecede o espetáculo e mostra como as pessoas se envolvem com a apresentação. Pois bem, nem precisa vestir sua roupa de domingo, apenas ouça e deixe-se encantar pela magia dessas peças.

Moonstruck – Loretta e Ronny vão à Opera

As estrelas do disco:

Disco 1

Nessun dorma (Ninguém durma) – ária do Ato III de Turandot (1926), de Giacomo Puccini. A princesa Turandot decretara que ninguém poderia dormir na cidade de Pequim até o nome do príncipe (Calaf) lhe ser revelado. Calaf havia concordado que morreria caso seu nome fosse descoberto antes do amanhecer. Ele canta certo de que o esforço será em vão e que ao amanhecer ele mesmo dirá seu nome à princesa ganhando assim a sua mão em casamento. O papel é de um tenor. Neste disco, a ária é cantada por Placido Domingo que teve uma voz maravilhosa…

Turandot, no Met…
Carmen foi uma ópera revolucionária

L’amour est un oiseau rebelle (O amor é um pássaro rebelde) – Habanera – Ária do Ato I de Carmen (1875), de Georges Bizet. A ária é cantada pela própria protagonista, ao sair do trabalho, na fábrica de charutos. Carmen é a própria sedução, falando sobre o amor e as loucuras de amar. O papel é escrito para um mezzo-soprano, e a intérprete é Julia Migenes. Carmen é uma ópera especial entre todas, não só pela música maravilhosa, mas pela audácia dos temas e, é claro, termina em tragédia.

Una furtiva lacrima – ária de L’elisir d’amore (1832), ópera de Gaetano Donizetti, cantada por Nemorino, um jovem camponês. Ele está cheio de confiança por ter tomado a segunda dose da Poção do Amor (na verdade, apenas vinho) e esnoba todas as belas da vila, reunidas e interessadas nele devido à fortuna que acabara de herdar. Entre elas está Adina, que fica magoada com sua indiferença e sai. Nemorino assim descobre que ela está interessada nele e canta sua alegria por descobrir que ela o ama. Aqui o tenor é Roberto Alagna.

Je dis que rien ne m’épouvante (Posso dizer que nada me assusta…) – ària de Carmen, cantada por Micaëla, uma jovem da vila de Don José e que está apaixonada por ele. Carmen mete Don José em tantas confusões que a ele só resta unir-se aos contrabandistas (Dancaïre e Remendado, ótimos nomes…) que vivem escondidos nas montanhas. A pobrezinha Micaëla vai a sua procura e para afugentar seu próprio medo, canta essa canção.

Bizet

Au fond du temple saint também é de Bizet, mas da ópera Les pêcheurs de perles (1863) e não é uma ária, é um dueto. Os personagens são Nadir e Zurga, dois vértices de um (surpresa) triângulo amoroso. Os cantores aqui são Jerry Hadley e Thomas Hampson.

Ombra mai fu (também conhecida como Largo de Handel) – é uma ária da ópera Xérxes (1739), de Georg Frideric Handel. Muito conhecida, a ária é cantada por Xérxes para uma árvore, um plátano, louvando suas maravilhas… Aqui Xérxes é a cantora Jennifer Larmore.

When I am laid in earth – é um lamento cantado por Dido, na ópera Dido and Aeneas (década de 1680) de Henry Purcell. O sem-coração do Aeneas se apaixona por Dido, uma rainha, mas deve retornar à sua pátria e a abandona. É claro que ela vai se matar por isso, mas não sem antes nos cantar este maravilhoso lamento… Remember me, remember me, but ah! forget my fate! Aqui o lamento é da maravilhosa Véronique Gens.

Voi che sapete che cosa è amor – ária da ópera Le Nozze di Figaro (1786) do cara que sabia de tudo sobre ópera, Wolfgang Amadeus Mozart. A ária é cantada por Cherubino, um jovem pajem que vive apaixonado por todas as mulheres da ópera e canta para elas essa linda canção sobre o amor de dentro de seu uniforme militar… É claro que o papel é sempre de uma cantora (contralto) e aqui é a spettacolare Cecilia Bartoli.

Soave sia il vento – duetto de Così fan tutte (1790), outra do grande Mozart. Esta ópera é sobre (in)fidelidade no amor – rola uma aposta e dois casais serão submetidos a uma série de provas. Os mocinhos partem em um barco (de mentirinha, é claro) e as mocinhas, Dorabella e Fiordiligi, junto ao cético Don Alfonso, dão adeusinhos a eles, desejando que bons ventos os levem… As cantoras aqui são as famosas Kiri Te Kanawa e Frederica von Stade, que leva nobreza até no nome.

Mon coeur s’ouvre à ta voix – ária da ópera Samson and Delilah (1877) de Camille Saint-Saëns. Não consigo pensar nessa ópera sem lembrar dos filmes de Cecil B. DeMille, com Victor Mature e a deslumbrante Hedy Lamarr (deve ser um lance de numerologia, esse nome). Mas, voltando ao assunto, temas bíblicos como esse eram usados para um bom libreto, e essa ária é o momento no qual Dalila encanta e seduz o povero Sansão. A cantora aqui é o mezzo-soprano Olga Borodina e no finalzinho da ária o tenor José Cura da a voz a um balbuciante Sansão.

Nossa foto é apenas ilustrativa…

Pourquoi me réveiller, ária da ópera Werther (1887), de Jules Massenet. Você provavelmente sabe, Os Sofrimentos do Jovem Werther é um livrinho escrito por Goethe contando a história do mísero Werther, que está apaixonado pela Charlotte, que o ama de volta, mas está casada com outro homem. Sofrência no úrtimo com o terrível desfecho, suicídio do pobrezinho. O livro é um clássico, dizem autobiográfico (menos a parte do suicídio…) e gerou uma onda de suicídios nos dias de seu lançamento. Nesta ária, Werther lembra-se, ao lado de Charlotte, das suas leituras de poesias… O cantor é o tenor Jerry Hadley.

La donna è mobile, canzone do ato III, de Rigoletto (1851) ópera de Giuseppe Verdi. Essa é uma dessas óperas que você precisa ouvir pelo menos uma vez. Aqui o Duque de Mantua, um grande mulherengo, a là Don Giovanni, canta disfarçado de soldado está linda ária com palavras nada altaneiras sobre o caráter mundano das mulheres… O tenor aqui é Richard Leech.

Canção da Lua é uma ária da ópera Rusalka (1901), de Antonín Dvořák, mais conhecido pelo seu belíssimo Concerto para Violoncelo e pela Sinfonia ‘do Novo Mundo’. Rusalka conta a história de uma ninfa aquática que se apaixona por um humano. Aqui ela implora à Lua que revele ao príncipe (claro que o humano seria um príncipe…) o seu amor. A popularidade da ária sobrepujou a ópera e faz parte do repertório de grandes sopranos. Aqui está a cargo de  Eva Urbanová.

Un bel di é uma ária de nosso campeão Puccini, da ópera Madama Butterfly (1904). Cio-Cio-San, a Madame Butterfly, espera já há três anos a volta de seu marido americano. Sua empregada Suzuki tenta convence-la que ele não retornará, mas ela crê na volta dele – Un bel di, vedreno o barco chegando e tal… Aqui a cantora é Cristina Gallardo-Domâs.

 

Donna non vidi mai é uma ária da ópera Monon Lescaut (1893), de (ta dã…) Puccini. O jovem cavaleiro Renato des Grieux acaba de conhecer e se apaixonar por Manon Lescaut. Desafortunadamente ela deve atender ao chamado de seu irmão, mas promete retornar. Ficando sozinho des Grieux canta nesta ária todo o seu amor por Manon. Quem empresta a voz a des Grieux aqui é José Cura.

Brindisi, de outra maravilhosa ópera de Verdi. Mais uma que precisa ser ouvida – La Traviata (1853). Alfredo, o mocinho da ópera, é convencido por Gastone e Violetta, a mocinha, a exibir sua voz. Ele então canta esta Canção de Brindar. Na gravação Alfredo é Neil Shicoff.

La Divina interpretou Tosca como poucas…

Vissi d’arte é a ária! Como todas as próximas neste disco, é de Puccini, da ópera Tosca (1900), talvez a ópera das óperas. A mocinha é ela mesma uma cantora de ópera (o cara era bom). Amor e música – as razões de viver de Tosca (Vissi d’arte = Eu vivo para a arte). A primeira cantora a cantar no papel de Tosca foi Giuditta Pasta, a mais famosa cantora lírica do século XIX. Foi Desdemona em Otello e teve três grandes óperas escritas para ela – Anna Bolena, La Sonnambula e Norma, na qual está a ária Casta Diva, que faz parte do segundo CD. Foi a partir daí que se passou a chamar essas mega artistas de Diva. Giuditta Pasta foi a primeira Diva! Aqui a Diva é Kiri Te Kanawa.

Che gelida manina (Que mãozinha gelada!) ária cantada por Rodolfo para Mimi, quando eles se encontram pela primeira vez. Eles são os protagonistas de mais uma ópera emblemática, La Bohème (1896), de (adivinhe) Giacomino Puccini. Ele aproveita para dizer que está apaixonado por ela. Aqui, o Rodolfo é o ótimo José Carreras.

Si, mi chiamano Mimi é da mesma ópera, mesmo momento. Rodolfo acabou de se declarar a Mimi e pede que lhe fale algo sobre ela. Bom, ela então lhe diz (cantando lindamente) que a chamam Mimi, apesar de seu nome ser Lucia. Ah, o amor! Mimi aqui é interpretada pela espetacular Barbara Hendricks.

O soave fanciulla – Depois dessas duas árias, os enamorados se reúnem nesse dueto que encerra o Primeiro Ato da ópera La Bohème. De novo, José Carreras e Barbara Hendricks são Rodolfo e Mimi.

Disco 2

O mio babbino caro (cuidado, não é ‘bambino’!) é uma ária famosa de uma (não tão famosa) ópera de um ato de Puccini, chamada Gianni Schicchi (1918). A ária é cantada por Lauretta, que implora a seu pai (babbino) – Ganni Sichicchi – que a ajude casar-se com o amor de sua vida, Rinuccio. Bom, nem os nomes ajudam muito, mas a ária é daquelas que está no repertório de todas as grandes cantoras. Aqui, Lauretta é interpretada por Cristina Gallardo-Domâs.

Ebben? Ne Andrò Lontana é uma ária da ópera La Wally (1892), escrita por Alfredo Catalani. Essa ária é cantada pela heroína, quando ela decide sair de casa para sempre. Bom, ela é uma garota tirolesa que morre jogando-se em uma avalanche de neve… Pois é, vá entender libretos de óperas. A cantora aqui também é Cristina Gallardo-Domâs.

Les Contes d’Hoffmann, no Met!

Barcarolle é um dueto para soprano e mezzo-soprano de Les Contes d’Hoffmann (1881), a última ópera de Jacques Offenbach. Offenbach foi ótimo violoncelista e compôs inúmeras operetas de enorme sucesso. Essa Barcarolle tem uma das melodias mais populares do mundo e aposto como você vai se lembrar de já tê-la ouvido antes. Aqui as intérpretes são Jennifer Larmore e Hei-Kyung Hong.

La fleur que tu m’avais jetée é outra pérola de Carmen, de Bizet. A canção da flor é um dos momentos mais líricos da ópera e traz o motivo do destino. Don José aqui é interpretado por Placido Domingo.

Puccini

Signore, ascolta! É uma ária de Turandot, que como você já sabe, é de Puccini. A ária é cantada por Liu, uma escrava, para o príncipe Calaf, por quem está secretamente apaixonada! Ela o alerta para não arriscar sua vida pela fria princesa Turandot… Liu aqui é interpretada por Kiri Te Kanawa.

Un di felice é um dueto do primeiro ato da espetacular La Traviata (1853) de Giuseppe Verdi. Alfredo e Violetta cantam o tema mais famoso da ópera, que aqui são interpretados por Neil Shicoff e Edita Gruberova.

Dôme épais le jasmin – dueto da ópera Lakmé (1883), de Léo Delibes, cantado por Lakmé e sua serva Mallika, enquanto vão colher flores às margens de um rio. Um destes temas que são maiores do que a própria ópera, assim como a Barcarolle, de Offenbach. Aliás, cantados aqui pelas mesmas intérpretes, Jennifer Larmore e Hei-Kyung Hong.

Porgi amor – Cavatina do Segundo Ato de Le Nozze di Figaro (1786), de Mozart. A condessa, Rosina, só em seu quarto, lamenta a infidelidade de seu marido, o Conde de Almaviva. Ária curta, sem repetições, na qual a quase impossível simplicidade de Mozart transborda numa pequena joia. Aqui a condessa é Lella Cuberli.

Esse sabia de tudo e mais ainda, sobre óperas…

Dalla sua pace – Ária da ópera Don Giovanni (1787), composta pelo divino Mozart, e é cantada por Don Otavio, noivo de Donna Anna. Eu tinha um amigo que o chamava Don Otário, pois o personagem é assim, um dois de paus, nada faz de interessante, mas é o tenor da ópera, onde o Don, Leporello e Masetto são todos baixo-barítonos. Isso sem contar o Comendador, que é um baixo à la Ghiaurov.  Dalla sua pace foi composta para a apresentação da ópera em Viena, depois do sucesso em Praga, pois o tenor do dia não conseguia cantar a segunda ária de Don Otavio – Il mio tesoro – cuja parte …cercate…, é de matar de difícil. Aqui a bela Della sua pace está aos encargos de Hans Peter Blochwitz.

Casta Diva, assim como Vissi d’arte, é uma das mais famosas árias do repertório de soprano. A ópera é Norma (1831), de Bellini. Não é o capitão da Seleção Brasileira de Futebol de 1958, cuja estátua se encontra em frente ao Maracanã, mas Vincenzo Bellini, que escreveu o papel para Giuditta Pasta, a primeira das Divas. Aqui, a intérprete é Maria Callas, a Diva do século XX. O que realmente torna uma cantora uma Diva é a paixão que coloca em suas interpretações, assim como seu senso teatral.

 

Lascia ch’io pianga – Retornando no tempo, essa é uma ária da ópera Rinaldo (1705), de Handel. Como você pode imaginar, este é um lamento, construído sobre uma sarabanda. Logo após se casar com Rinaldo, Almirena é raptada por Armida. Ela está só no jardim de Armida e canta este seu lamento. A cantora na gravação é Marilyn Horne.

J’ai perdu mon Eurydice – essa memorável ária é da versão em francês de Orpheé et Eurydice (adaptada em 1774 da versão em italiano). Em italiano é Che faro senza Euridice (1762). Uma das mais lindas melodias colocadas em uma ária. Inesquecível mesmo após a primeira audição. A cantora aqui é Susan Graham.

Bein Männern, welche Liebe fuhlen – é um dueto da ópera Die Zauberflöte (1791), de Mozart. Pamina e Papageno cantam juntos um dueto sobre o amor em geral, mas não cantam um para outro, pois que não são parte de um par amoroso. Nesta gravação os cantores são Rosa Mannion e Anton Scharinger

Celeste Aida é a ária na qual Radamés, escolhido para comandar os invasores etíopes, canta sua esperança de ser o grande vencedor para assim ganhar também o amor de Aida. A ópera Aida (1871), de Giuseppe Verdi, é uma daquelas obras que é reconhecida por todos e as suas montagens podem envolver quase um universo. Aqui Radamés está ao encargo de Placido Domingo.

Chi il bel sogno di Doretta, da ópera La Rondine (A Andorinha) (1917) de Puccini. Nesta ária a protagonista Magda conta como Doretta se apaixonou por um estudante. Na ópera, por sua performace, Magda ganha um colar de pérolas, que aqui vai para Kiri Te Kanawa.

Quizz do PQP Bach: Qual é a série de cuja trilha sonora esta ária faz parte?

Amor ti vieta é uma ária da ópera Fedora, de Umberto Giordano. Como parte de seu plano de vingança, Fedora (1898) seduz o Conde Loris Ipanov. Nesta ária eles se encontram em uma festa e ele diz a ela que realmente a ama. O conde aqui é Placido Domingo.

Es lebt eine Vilja (Vilja-Lied) é da ópera Die Lustige Witwe (1905), de Franz Lehár. Em sua festa Hanna conta a história de um espírito da montanha, uma Vilja, que vaga por lá e seduz os caçadores com sua beleza. A cantora aqui é Karita Mattila.

E lucevan le stelle é do Terceiro Ato de Tosca, de Puccini. Mario Cavaradossi é o mocinho (literalmente) da ópera, um jovem e liberal pintor, amante de Tosca. Nesta belíssima ária Cavaradossi troca sua última posse, um anel, para que um guarda leve uma carta para sua amada Tosca. Enquanto ele escreve a carta, canta seu amor por Tosca e pela vida. Mais uma vez, a voz linda de Placido Domingo.

Verdi

Ave Maria é uma ária da ópera de maturidade de Verdi, Otello (1887). Desdemona reza à Virgem Maria um pouco antes de Otello entrar e cego de ciúmes, matá-la. Pois é, feminicídio é comum nas óperas… A Desdemona da vez é Cristina Gallardo-Domâs.

Non più mesta accanto al fuoco é da ópera La Cenerentola (1817), de Gioacchino Rossini. Ele mão poderia faltar , este genial compositor. Essa ópera é baseada no conto de fadas Cinderela, e foi composta em apenas 24 dias. Este é um dos momentos finais da ópera, onde a Cinderela canta que já não fica mais triste perto do fogo. Muito virtuosismo, mas a melodia aqui é a mesma de uma ária cantada pelo Conde Almaviva no final de O Barbeiro de Sevilha. Não por pouco que Rossini tinha fama de preguiçoso. Compunha deitado em sua cama. Se a folha em que estava escrevendo caísse, em vez de pegá-la do chão, ele começava tudo novamente em uma outra mais à mão. A cantora aqui é Jennifer Larmore.

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Acredito que Ammiratore gostaria desta postagem.

Faça você também a experiência do carro…

Aproveite!

René Denon

Resposta do Quizz:

 

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Stiffelio” – ópera em três atos (Guanqun, Aronica, Frontali, Battistoni)

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Stiffelio” – ópera em três atos (Guanqun, Aronica, Frontali, Battistoni)
Lars Cleveman, como Stiffelio, e Lena Nordi, como Lina, na “Royal Swedish Opera”, 2011

Como reagirá um ministro de Deus frente a uma crise conjugal, sobretudo, à traição da esposa… Tal questão está colocada ao pastor Stiffelio, na 16ª ópera de Verdi. Tema que, além de gerar preconceitos, fatalmente, causaria problemas com a censura. Verdi, frequentemente, era cerceado por questões políticas, mas neste caso, provocou outra polêmica, ao confrontar valores religiosos…

Nesta fase, o compositor fez estranhas escolhas. Outro tema emblemático seria mostrar a figura disforme de Rigoletto, um corcunda que provaria do próprio veneno, ao facilitar aproximação de um duque por jovens mulheres – duque que, por fim, lhe seduziria a própria filha… Verdi entusiasmou-se com o tema e, novamente, trazer algo provocador – do bôbo de uma pequena corte, entre o zelo de um pai, a corrupção moral e o escárnio da deformidade física… Ironia grotesca, quem sabe, sua percepção de mundo…

Em Stiffelio, cenários e luz ganhariam novo tratamento, somando-se ao desenlace dramático. E, se “Luisa Miller” ainda ocorreu num ambiente pastoral e luminoso, Stiffelio será na escuridão e na sobriedade dos templos – na profunda dor, solidão e conflito! Um tema a desafiar a autoridade religiosa, mais que a censura de estado…

Cena da ópera “Stiffelio”, de Verdi – produção do “Teatro Regio di Parma”, 2012.

E para frustração de Verdi, a ópera sofreria cortes, sarcasmo da crítica e clichê do atentado ao pudor: “dilema de um pastor, entre o amor e o sofrimento, a desonra e o perdão!” E apesar dos cortes, obteve sucesso, no “Teatro Grande”, de Trieste… Além disto, Stiffelio trazia religiosidade estranha à cultura italiana – o protestantismo, onde representantes de Deus casavam e constituiam famìlia. Questão delicada ao catolicismo…

Por fim, o dilema religioso seria contraposto ao atávico orgulho machista, numa época em que se matava por ciúme e, muito mais, por infidelidade… Além da desonra familiar e rejeição à mulher adúltera. Mas, o austero e conflituado personagem resgataria suas crenças, se reconciliaria consigo mesmo e com a esposa, sem cometer violência maior… Ainda assim, descaracterizado pela censura, de ministro à sectário e fanático, perderia força dramática – do orador que prega a palavra sagrada…

  • Aspectos iniciais
Giuseppe Fortunino Francesco Verdi,
Músico e entusiasta da unificação italiana.

A estreia de “Luisa Miller” – drama urbano e burguês, em Nápoles, deixou Verdi satisfeito e confiante em suas habilidades, pois iniciava nova etapa criativa, centrada na subjetividade e lirismo, no lugar dos temas épicos e patrióticos…

De outro, passado por inúmeros problemas com o teatro “San Carlo”, retornou exausto e muito contrariado, jurando nunca mais voltar à Nápoles. Atritos por descumprimentos contratuais, quando ameaçou suspender “Luisa Miller” e quase foi preso; ou pela estreia, quando cenário do 1° ato desabou, quase atingindo o músico... Apesar dos incidentes, “Luisa Miller” foi grande sucesso!

E o músico, imediatamente, recebeu novos convites: uma ópera para a “Casa Ricordi”, com direito de escolha da cidade e teatro de estreia, exceto o “Alla Scala”, de Milão – condição de Verdi; e outra para o teatro “La Fenice”, de Veneza. Assim, compostas simultaneamente, “Stiffelio” seria destinada ao “Teatro Grande”, de Trieste; e “Rigoletto” ao teatro veneziano…

Em “Stiffelio”, Verdi e Francesco Piave trariam adaptação de “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, escritor e ficcionista francês. Drama contemporâneo, que refletia crise conjugal num ambiente religioso, dado que pastores casavam e constituíam família – dilema entre o amor, o sofrimento e o perdão, daquele que prega a palavra sagrada…

E o romantismo francês, após perseguições políticas e religiosas do período revolucionário, temendo desagregação e lutas pelo poder, à pretexto do lema “Liberté, égalité, fraternité”, defenderia resgate do cristianismo, além de novas demandas sociais – da desigualdade e do abandono… E a burguesia, ascendente e transformadora, seria alvo de oposição em novas conjunturas políticas, ao longo do séc. XIX – dos socialistas e anarquistas emergentes!…

Na Itália, os temas épicos e patrióticos de Verdi, como “Nabucco”, “Ernani” e outros – associados às lutas pela unificação italiana, seguiriam encenados com sucesso… Neste interim, Verdi retornou à terra natal, vilarejo de Roncole, onde teria problemas de adaptação, dado ambiente conservador, frente à nova relação conjugal – Giuseppina e Verdi não eram casados…

Impressionantes, o ímpeto criativo e presença da ópera, à época, como grande espetáculo musical, popular e burguês… Sobretudo, o repertório italiano, após estreias europeias, rapidamente era solicitado em outras nações e continentes. Algo surpreendente, inclusive no Brasil, desde a condição de “Vice-reino de Portugal” e ao longo do “Império”, século XIX…

“Real Theatro São João”, Rio de Janeiro, construído por D. João VI, pintura de Loeillot, 1835.
  • Pré-romantismo: a valorização dos afetos

Após imensa contribuição iluminista, do ser humano colocado no centro do pensamento, do advento do método científico, da ascensão burguesa e contestação do absolutismo, nova ordem substituiria o decadente “Acient régime”. Assim, o pré-romantismo viria questionar e sobrepor os sentimentos à racionalidade, ao considerar o comportamento resultante de imensa complexidade interior…

Fridrich Schiller e Wolfgang Goethe, dramaturgos alemães do “Sturm und Drang” e precursores do romantismo.

E, no lugar de resignação aos valores, daria lugar a intensa, até violenta reação, no sentido de reconhecer a afetividade, diante de profunda e contraditória condição humana. Sobretudo, quando costumes se contrapunham ao prazer e à felicidade. Uma veemente exaltação destes universos interiores, intensos e contidos

Assim, na Alemanha, surgiria a dramaturgia “Sturm und drang” (“Tempestade e Ímpeto”), final do sec. XVIII, de Goethe e Schiller, que, politicamente, alinhava-se ao iluminismo, ao reconhecer a ascensão burguesa e decadência do aristocratismo; e, de outro, ia além, na projeção deste universo subjetivo e na valoração dos sentimentos…

E do impacto na Alemanha, a literatura “Sturm und Drang” se propagaria pela Europa, com imensa receptividade e polêmica, fomentando o romantismo. Na França, além da ênfase nos afetos, o romantismo incorporaria o nacionalismo, resgate da religiosidade e demandas sociais, fruto das experiências na “Revolução Francesa” e no “período Napoleônico”…

  • A nova arte musical
“Vienna”, Áustria, final do sec. XVIII.

Protagonista e sensível às mudanças, final do sec. XVIII, a nova arte debruçava-se sobre o individuo, lembrando dos afetos, como referências essenciais da existência –  da congruência com as ações e interações humanas, da indispensável associação entre emoções e vida interior…

E enfatizaria o amor – algo essencial para a felicidade… E também o trágico, dados os conflitos e o sofrimento humanos. Em Viena, em sintonia com “Sturm und Drang”, Beethoven seria referência essencial, seguido por Schubert e projetando-se no sec. XIX. Nascia dialética poético musical – das aspirações e desejos frente às resistências e desafios da existência; do absoluto e universal diante da finitude; e das liberdades de fantasia e imaginação frente o possível…

E para pontuar tais dualidades, intensificaram-se os contrastes, como elementos a induzirem o conflito e o trágico – “a sonata forma”, através de fragmentos musicais antagônicos. E a vida cultural seria sacudida por obras marcantes, como a 5ª sinfonia de Beethoven e o impacto orquestral doAllegro con brio”, inicial – “do destino que bate à porta”…

1° Tema do “Allegro con brio”, incisivo e enérgico, da 5ª sinfonia, de Beethoven – “Do destino que bate à porta!”

Tais experimentos, portanto, reportavam às vivências possíveis diante dos desejos, da infinita fantasia e da criatividade – da nostalgia do inatingível frente à  finitude e possibilidades do “vir a ser”, busca inexorável e dialética…

2° Tema do “Allegro con brio”, dolce e tranquilo, antagônico
ao 1° Tema da 5ª sinfonia, de Beethoven.

Sobretudo, estética do conflito e da esperança, da crença na superação e, quem sabe, do “amor fati beethoveniano” – impulso vital que subexistia na dor e permitia a sublimação, amor imanente e heroico… Onde tais confrontos melódicos evoluíam para novas sínteses estéticas e metafóricas da existência – do resistir e do superar-se!

Ludwig van Beethoven, músico alemão, do pré romantismo – “Sturm und Drang”, pintura de Joseph Mähler, 1815.

Em geral, finalizados por entusiásticos cantos de júbilo, de celebração da vida e crença na vitória sobre o si mesmo – “agarrar o destino pela garganta e não deixá-lo dominar”, dizia Beethoven; além do cantar a liberdade e a comunhão coletiva… E quanto à surdez, severa limitação, seria sublimada pela compulsão criativa e mente incançável, que não lhe permitiam sucumbir ao desalento e à prostração…

Assim, nascia uma arte que se opunha à amargura, ao jogo das aparências e das formalidades sociais, que alimentavam ressentimentos e recalques individuais, decorrentes de valores obsoletos, identificados como corruptores da natureza humana…

Uma arte que reagisse à estética vigente e, politicamente, denunciasse a sociedade decadente, final do sec. XVIII, e todo conjunto de valores, ilegítimos e obsoletos por distanciarem-se da natureza humana – manifestos no “Sturm und Drang” e reportados às ideias de Rousseau, do “ser humano que nasce bom, mas torna-se mau pela cultura e pela formação”…

Jean Jacques Rousseau, filósofo Iluminista, precursor do Romantismo.

E, se o vibrante pensamento iluminista contestava o absolutismo, lançava as bases da ciência e do estado moderno, representativo e democrático, o pré-romantismo alemão denunciaria sociedade que submergia moralmente, incapaz de perceber o seu tempo e a si mesma… Apegada a comportamentos contraditórios, que colidiam com a espontaneidade dos afetos e reprimiam natureza essencial, levando ao conflito, às frustrações e ao cultivo do cinismo, consigo mesmo e com o outro – assim, uma nova estética proporia um novo indivíduo, aliado ao incipiente conceito de cidadão e influindo as novas gerações…

Estéticas que interagiam com a ópera e, na Itália, evoluíam do bel canto rossiniano e seu “Barbeiro de Sevilha” – de conteúdo neo-clássico e iluminista, para o romantismo musical, através do lirismo de Donizetti, Bellini e, posteriormente, de Verdi, incorporando o nacionalismo, literaturas de vanguarda e Shakespeare

  • Intimismo romântico

“O coração tem razões que a própria razão desconhece”… (Blaise Pascal)

“Kapelmeister” Johannes Kreisler, excêntrico personagem de ETA Hofmann, inspirador das “Kreisleriana”, do romântico Robert Schumann.

Singelo e definitivo pensamento, do iluminista Pascal, profetiza o romantismo… E, após centrar-se, a filosofia, no ser humano – não mais em Deus, seria essencial valorizar a subjetividade e reconhecer a importância dos sentimentos sobre a racionalidade, para refletir sobre a natureza humana…

E produzir arte vigorosa, que expressasse tamanha variedade de sensações, onde viver seria usufruir desta intensa, até turbulenta emotividade. Arte capaz de despertar e instigar o interior humano; contemplar ampla memória afetiva; e misturar tudo quanto fosse capaz de sentir, tais como sugeriam o “Carnaval” ou as “Kreisleriana”, conjuntos de miniaturas musicais, do romântico Robert Schumann…

E.T.A. Hoffmann, escritor e músico do romantismo alemão.

“Kreisleriana” formam turbulento encadeamento de mudanças de humor, em breves episódios musicais. Schumann as considerava obra definitiva. Escritas em incríveis quatro dias e inspiradas no personagem, de E.T.A. Hoffmann, Johannes Kreisler, um violinista excêntrico e maníaco-depressivo, que representava os alter ego, poéticos e antagônicos, do compositor – “Florestan”, impulsivo; e “Eusebius”, sonhador…

Eis o romantismo! Uma arte que projetasse energia vital, que conectasse e reconectasse o indivíduo a si mesmo, a fim de preservar e restabelecer-lhe o fio existencial; suscitando comoção, empatia e compaixão; também o amor e o prazeroso, inclusive, nos mais simples entretenimentos…

E o pré-romantismo alemão adentraria à França, através de Madame de Staël, entusiasta do “Sturm und Drang”, apontando para Idade Média e cristianismo; e na Itália, literaturas alemã e francesa alimentariam o teatro e a ópera – caso de “Stiffelius!”, conflito conjugal e religioso, adaptação de “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, e posterior ópera de Verdi…

Romantismo na França

Execução de Luís XVI, Praça da Concórdia, onde existia estátua do avô, Luís XV, demolida durante a revolução.

Ideais iluministas e ascensão burguesa desencadearam a “Revolução Francesa” – processo extremamente violento. A monarquia fora derrubada e as sociedades francesa e europeia impactadas. E ao mesmo tempo em que se propunham novas concepções de estado e políticas liberais; a aristocracia e a Igreja resistiram e se organizaram, na França e em outras nações, na defesa do “Acient régime”…

Tamanha violência e radicalização levaram às disputas de poder e à turbulência, dividindo a sociedade francesa. Como resultados, muita instabilidade, incerteza e desalento, frente à permanência da crise e aparente falta de perspectivas – a era do terror!… Disputas entre jacobinos e girondinos por maior ou menor avanço da revolução… E, se o imenso derramamento de sangue rompeu e libertou a sociedade do “Ancient régime”, significou também angústia e desespero… O indivíduo ficara perdido numa sociedade desagregada; e o “Ancient régime” e a religiosidade, fortemente abalados…

Com posição pró “Ancient régime”, da Igreja, 16 freiras carmelitas foram decapitadas, sob o lema “Liberté, égalité, fraternité”, na “era do Terror”, em Compiège, França.

Além disso, em meio à instabilidade interna, a França se ocuparia de guerras externas – ameaças estrangeiras, que temiam alastramento das ideias revolucionárias pela Europa. Guerras que, por fim, projetariam a liderança militar e política de Napoleão Bonaparte. E, após dez anos, sucessivos governos e autofagia política, franceses apoiariam “golpe de 18 brumário”, 1799, iniciando a “era Napoleônica!”…

“Napoleão atravessando os Alpes”, pintura realista por Paul Delaroche.

E no alvorecer do século XIX, nova geração intelectual exigiria renovação, quando as possibilidades de desenvolvimento artístico e literário no regime Napoleônico eram limitados. O líder francês percebia a influência das artes e das ideias iluministas no fomento da revolução… Assim, desejava uma estética conservadora para o Império, passando a orientar e supervisionar a cultura, a suprimir opiniões e estilos contrários – determinando um neoclassicismo, grandiloquente e militarizado!

  • Germaine de Staël

Os tempos, no entanto, eram outros… E, à semelhança da Alemanha, houve reação à imitação da antiguidade, especialmente, no final do sec. XVIII. Discussões que haviam se iniciado, anteriormente, com a “Querelle des Anciens et des Modernes”, e intensificadas pelos dramas de Denis Diderot. E dois autores marcariam o advento do sec. XIX, ambos apoiadores de Napoleão Bonaparte e, posteriormente, seus contestadores: Anne Louise Germain de Staël, de índole liberal; e François-René Chateaubriand, conservador e aristocrata…

Curiosamente, autores que projetaram o romantismo, mas refletiam a polarização política francesa… E Staël reconhecia, na Alemanha, moderna e pujante literatura, o “Sturm und Drang”, de Goethe e Schiller, apesar de certa estagnação política. Enquanto a França permanecia na imitação do clássico. O próprio Napoleão era admirador do “Werther”, de Goethe, a quem conheceu pessoalmente, embora intransigente quanto à arte neoclássica – imagem oficial do Império!

“Madame de Staël”, precursora do romantismo, na França, e entusiasta da literatura alemã.

Em “De la littérature”, 1800, Staël definiu literatura como relato de amplos contextos sociais e morais: desde processos históricos e instituições políticas, valores e costumes, religiosidade e códigos legais, até geografia e clima – elementos determinantes na criação literária…

E frente à público profundamente franco-cêntrico, passou à crítica incisiva. Afirmava que literatura francesa era apenas uma, entre várias… E admirava as literaturas inglesa e alemã, por serem melancólicas e sonhadoras, filosóficas e liberais. Além disto, apelava aos franceses pelo abandono do neoclassicismo, pagão e mediterrâneo, e ênfase na Idade Média, germânico-cristã. Tais provocações resultaram em banimento, 1803, por resistência e conspiração ao regime Napoleônico…

Assim, Staël exilou-se na Alemanha e após, 1805, viajou à Itália. Retornou à França, 1810, e publica “De L’Allemagne”, onde reitera profundidade e seriedade da literatura alemã – obra influente e imediatamente banida, levando à novo exílio… Por fim, inspirou escritores e leitores, através de imagens de contos de fadas e atmosferas bucólicas e idílicas do país germânico…

  • François-René de Chateaubriand
René de Chateaubriand, precursor do romantismo, na França, e resgate do cristianismo, durante “Revolução Francesa” e “era Napoleônica”.

Durante a revolução, imensa angústia e pessimismo foram vivenciados pelos franceses. O mundo desabava, desconstruia-se, sem que nova e alentadora ordem lhe substituísse – “era do terror!”… E Chateaubriand, inicialmente, entusiasta da revolução, passou a recear desagregação e extinção da tradição cristã. Sentiu-se desenraizado e mergulhou em profunda melancolia… Assim, passados dez anos, 1798/99, renovou a fé cristã… 

Em 1802, publica “Le génie du Christianisme”, onde reflete sobre a beleza, os fenômenos naturais e intui pela existência de Deus… E ressalta a importância do cristianismo, mais pela prática do ensino, do que por questões teológicas. Aceitava a religião como cultivo do equilíbrio interior, pacificação individual e preservação da ordem; também como inspiração para as artes, através das imagens e dos ensinamentos… Assim, Chateaubriand concebeu o romantismo, amalgamando-o ao cristianismo – espécie de contra-revolução cultural e conservadora, frente ao neo-classicismo e às ideias anticlericais vigentes…

  • A nova geração

Sob impacto da revolução e era Napoleônica, o romantismo francês, tardiamente, enfatizaria os sentimentos e a fantasia; além da natureza, o passado medieval e a religiosidade… E grande confusão, intelectual e política, se estabeleceria na França, após queda de Napoleão – “Le deux Frances”, entre o que deveria mudar e o que permanecer. Ora mesclando-se neoclassicismo e liberalismo, ora romantismo e conservadorismo, e ambas distanciando-se da concepção pré-romântica e liberal, do sec. XVIII…

Victor Hugo, romancista, poeta, dramaturgo e estadista francês.

Assim, de um lado, os “ultras” – monarquistas ou “legitimistas” – desejavam restabelecer o “Ancient régime”, formado por jovens autores, como Victor Hugo, Alphomnse de Lamartine e Alfred de Vigny, que mais tarde, iriam aderir ao liberalismo; de outro, os liberais, como Stendhal e Prosper Mérimé, que preferiam uma monarquia constitucional – intenso e complexo debate, enriquecido por abundante literatura…

E Victor Hugo defenderia “mélange des genres”, que combinasse o épico, o drama e a poesia, a contemplar todos os aspectos da natureza humana – “entre o belo e o feio, o sublime e o grotesco”, reconhecendo, no cristianismo, tais dualidades; e abordando temas da desigualdade social e dos direitos civis – referência da literatura francesa e universal…

Verdi encantou-se com a leitura de “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”), de Victor Hugo, e de pronto, solicitou libreto à Piave, que resultaria em “Rigoletto”, sua 17a ópera, composta simultaneamente à música de “Stiffelio”…  

– “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre

Émile Souvestre, escritor e ficcionista Francês, autor de “Le pasteur d’hommes”.

Adaptado do drama de Charles-Émile Souvestre, o libreto de Stiffelio mesclaria afetos e religiosidade num intenso e apaixonado pastor, que beirava o fanatismo. Com tamanha veemência, Stiffelio atraía multidão de fiéis, pelas capacidades de persuasão e oratória. Mas, surpreendido pela traição da esposa, seria contraposto aos valores que pregava – aceitação do outro e perdão…

E tal impacto desafiava o personagem também nos instintos e temperamento – uma explosão de dor e energia, de decepção e revolta… E, se alguma reflexão e comedimento fossem possíveis, quem sabe, até o perdão, teriam que aguardar o arrefecimento de fúria atávica e descontrolada – a personalidade de Stiffelio!…

Embora, para mulher adúltera, a traição fosse motivo de grande rejeição, além de desonra familiar, tradicionalmente, levava o homem à extremo sofrimento. Espécie de dor em dose dupla… Onde somavam-se às dores do abandono, da perda do ser amado e desejado; as dores da humilhação pública, do ser traído, objeto de escárnio e desmoralização entre os iguais – desonra e chacota social, ainda hoje, vigentes…

E ao longo dos tempos, tais decepções tem sido motivo de violentos desafios, ameaças de morte e sentimentos de ódio – não raro, em ritos de reparação da honra… Conta-se, o poeta Puschkin duelou 4 vezes, embora desafiado em 7 e desafiante em outras 20… Em sua maioria, amigos conseguiram acalmar situações e embates foram evitados… Duelos eram proibidos na Rússia, mas ocorriam clandestinamente… No caso do grande poeta, ciúme da esposa foi motivo recorrente. E derradeiro duelo o levou à morte…

Proibidos na Rússia, duelos ocorriam clandestinamente. Puschkin, célebre escritor russo, bateu-se em alguns duelos, vindo, por fim, a ferir-se gravemente e falecer…

Assim, Verdi e Piave apresentariam Stiffelio, surpreendendo o público com personagem religioso, em crise conjugal, contrapondo sentimentos e valores masculinos aos ensinamentos cristãos… E em determinado momento, Stiffelio jogará a Bíblia no chão, acossado pela dor e pelo conflito. A música será intensa e o final, apaziguador, quando se reconciliará consigo próprio, com a esposa e a religião… O sogro, no entanto, será implacável na reparação da honra e nos moldes do sec. XIX – não perdoará o amante da filha e o matará!…

  • Arte entre o sublime e o grotesco: “os gratos terrores”
“Gárgulas” de Notre Dame – inquietantes e grotescas figuras ornam as fachadas da catedral gótica, Paris.

Nestes contextos, Verdi aprofundou-se no comportamento humano. E reagia como artista, visualizando a realidade como objeto estético. Apresentando o feio, sob a beleza da arte; sublimando e qualificando o grotesco; e procurando obter prazer no bizarro – quem sabe, transformando-o em sublime. Assim, tanto a vulgaridade mais execrável, quanto o trágico, transformavam-se em gratificantes terrores – objetos estéticos, paradoxalmente, prazerosos…

Tal como Iago, em “Credo in un Dio crudel che m’ha creato”, quando canta o ressentimento, em surpreendente beleza dramática e musical Assim, a arte musical obtinha da dissonância, a consonância; da tensão e do instável, a harmonia; e do grosseiro e do bizarro, sublimação e satisfação estética – agregando beleza à existência… 

E, não menos que o disforme corcunda, Rigoletto; a figura do homem traído, pareceria tão ou mais disforme ao olhar do outro, quanto de si mesmo. E, se a deformidade de Rigoletto, resultava de fator congênito e individual; em “Stiffelio”, a traição conjugal era fruto do comportamento do outro. Ainda assim, objeto do mais cruel e alheio desprezos, do qual padeciam e ainda padecem, sobretudo, os homens…

Cena de “Stiffelio”, 16a ópera de Giuseppe Verdi – 2° Ato, Stiffelio confronta Raffaele, amante de Lina.

E a dor e humilhação da figura masculina associavam-se à imagem do religioso, em profunda solidão, desilusão e revolta, daquele que leva o evangelho e difunde a virtude e o perdão… Momentos em que desabam a confiança em si mesmo e nos outros; desabam as crenças e os ideais…

Além disto, Stiffelio apresentava religiosidade estranha à cultura italiana, onde pastores protestantes casavam e constituíam família – tema delicado ao catolicismo. Assim, acossados pela censura católica, Verdi e Piave acabariam por mutilar o libreto. E, de ministro, “Stiffelio” seria caracterizado como um sectário, um pregador pagão e fanático, perdendo força dramática – do orador que leva a palavra sagrada…

Cidade de Paris, com vista da “Pont Royal”, 1850.

Até os 36 anos, Verdi vivera em grandes centros culturais, entre Milão e Paris, e surpreendentemente, decidiu retornar à Itália e fixar residência no solo natal, vilarejo de Roncole, comuna de Busseto – provinciano, conservador, extremamente religioso e maledicente… E a música em Stiffelio, junto com Rigoletto, seria pontuada por energia reativa, mesmo que vibrante…

Apesar do sucesso na estreia, Verdi ficou incomodado, até decepcionado com as modificações. E, por fim, retiraria a ópera e esconderia o original. “Stiffelio” seria revista mais tarde, resultando em Aroldo, sua 22ª ópera… A música, no entanto, é poderosa. E, nos anos de 1960, mais de um século após estreia, localizou-se manuscrito de um copista do sec. XIX e, novamente, a ópera foi apresentada, aproximando-se da concepção original e com renovado sucesso!

  • Retorno à Itália – “Villa Sant’Agata”
Giuseppe Verdi, músico e entusiasta da unificação italiana – “Resurgimento”.

Em Paris, após oito anos de viuvez, 1848, Verdi assumiu nova relação conjugal, com Giuseppina Strepponi, diva italiana que estreara “Oberto”, sua primeira ópera e, depois, o sucesso de “Nabucco”… União que duraria por toda a vida, cerca de 50 anos, até a morte da esposa…

E ambos decidiram retornar à Itália, para terra natal de Verdi,  Roncole, um vilarejo da comuna de Busseto. Para tanto, Verdi adquirira propriedade, inicialmente, cuidada pelos parentes – “Villa Sant’Agata”, hoje denominada “Villa Verdi”. Apesar do entusiasmo inicial, na vida pessoal, a mudança lhes traria incômodos. Não sendo casados e Giuseppina, “mulher do teatro”, rapidamente, tornaram-se alvos de mexericos, rejeição e grosserias…

Giuseppina sofria muito, saia pouco e evitava a Igreja… Embora artistas consagrados, naqueles rincões da província de Parma, não importava a fama… A relação deles era inaceitável! E Verdi, à época, era o mais prestigiado compositor italiano; Giuseppina, celebridade que brilhara em papéis de Rossini, Donizetti, Bellini e outros. Mas, sua voz decaíra precocemente, dedicando-se ao ensino do canto lírico, em Paris…

Giuseppina Verdi Strepponi, soprano
italiano e 2ª esposa de Verdi.

Entusiasta e diva nos primeiros trabalhos do músico italiano, Giuseppina e Verdi guardavam imensa admiração e amizade… E, à época da estreia de “I Masnadieri”, em Londres, Verdi passara por Paris, onde alugou imóvel próximo à residência de Giuseppina…

E enviou, antecipadamente, à Londres, seu assessor e amigo, Emanuele Muzio, para organizar estreia. Mais tarde, Verdi seria aclamado, encantando-se com a cidade e público londrinos… E retornou à França, para atender outro convite: do “Opera de Paris”, que resultaria em “Jerusalém”, revisão de “I Lombardi alla prima Crociata”…

Assim, na companhia de Giuseppina, a permanência na capital francesa prolongou-se por dois anos, onde Verdi concluiu “Il Corsaro”, compôs “La battaglia di Legnano”, além de leituras e planos para duas novas óperas, “Rei Lear” e “L’assedio di Firenzi”, que nunca concretizou…

De volta à Itália, 1850, Verdi arrojava-se em novas temáticas, abordando dramas urbanos e intimistas, da vida amorosa, familiar e burguesa, abandonando os temas épicos e patrióticos… E concluiu “Luisa Miller”, sobre drama de Schiller, “Kabale und Liebe” – sucesso em Nápoles. De outro, aos 36 anos, músico experiente e bem sucedido, deparava-se com ambiente grosseiro e preconceituoso de sua cidade natal, que havia esquecido ou desconsiderado…

“Villa Sant’Agata”, adquirida por Verdi, 1848, na comuna natal, Bussetto, província de Parma, Itália, para onde mudou-se em 1849, com Giuseppina Strepponi.

E, se a união com Giuseppina era simples e rotineira, ainda assim, alvo de falatórios – do que parecia indigno ou digno de desprezo… E quando mudaram-se para “Villa Sant’Agata”, parentes deixaram o local. Verdi, possivelmente, preferia maior privacidade com Giuseppina, com quem se casaria, mais tarde, 1859… E, apesar das rusgas, mostraria afeto e gratidão, mantendo suporte financeiro à família…

Giuseppe Verdi em “Villa Sant’Agata”, arredores de Busseto – Parma, Itália.

Curiosamente, neste período, Verdi aguçou sua atenção no bizarro e no que evidenciasse, até exagerasse, o feio e escatológico. Quem sabe, motivado a expressar a grosseria de sua terra natal ou do mundo, fosse por questões estéticas ou por desforra pessoal... E aproximou-se do romantismo francês, das teorias e teatro de Victor Hugo – “integrar o belo e o feio, o sublime e o grotesco”, novo realismo verdiano!

E tanto o disforme “Rigoletto”, quanto “Stiffelio”, seriam personagens alvo de maledicência, bobos de uma corte ou de uma sociedade, cujos prazeres limitavam-se ao que resta aos ressentidos – suposta moralidade, como ideia de valor, afirmação e autoestima… E, por efeito contrário, agregando mais ressentimento… Nestas trajetórias, Rigoletto mergulharia em profunda dor pela morte da filha; mas, Stiffelio se reconstruiria como pessoa, pacificando-se e resgatando suas crenças!

  1. Libreto e Sinopse de “Stiffelio”
  • Adaptação de “Le pasteur d’hommes”

Até chegar à Francesco Piave e tornar-se libreto de nova ópera, Stiffelio resultou da tradução italiana, de nome “Stiffelius!”, realizada por Gaetano Vestri, da peça teatral “Le Pasteur” ou “L’évangile et le foyer”, de Émile Souvestre e Eugène Bourgeois – peça que, por sua vez, era adaptação do romance “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre…

Francesco Maria Piave, libretista de “Stiffelio” – colaborou em diversas Óperas de Verdi.

A tradução italiana foi apresentada à Verdi por Piave, após estreia de “Luisa Miller”, em Nápoles. Verdi tinha dois novos convites: uma ópera para Casa Ricordi e outra para o teatro “La Fenice” – que resultariam em “Stiffelio” e “Rigoletto”. O tema de “Rigoletto” estava definido por Verdi, que encantou-se com leitura de Victor Hugo, “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”). Mas, “Sitiffelio” necessitou leitura e convencimento do músico, que não conhecia a tradução italiana, nem o romance de Émile Souvestre…

Libreto de Piave trataria do carismático, até fanático pastor Stiffelio, cujos sermões eram apaixonadas leituras das escrituras, que atraíam centenas de fiéis. Em geral, Stiffelio exortava a justiça, ainda que ao custo de renúncias e auto-sacrfícios… Mas, ao experimentar, ele próprio, a amargura da traição, teria abalada a crença em si e nos outros; na infinita misericórdia divina e no perdão…

Assim, ao deparar-se com a infidelidade de Lina, sua esposa; os subterfugios do sogro, conde Stankar, para proteger a filha e a família; e a farsa de Raffaele, amante de Lina, Stiffelio se revelaria em sua humanidade e fragilidade. E, do ardoroso e virtuoso pregador, afloraria o individuo machucado, diante das dores da existência e da chama das paixões… Conseguiria Stiffelio atenuar o sofrimento, compreender as escolhas alheias, entre os caminhos e descaminhos humanos, quando a decepção, revolta e ódio afloravam?…

“Cartaz” do Teatro Grande, Trieste, Itália, para estreia de “Stiffelio”. .

Sobretudo, resistiriam o casamento e o amor conjugal, diante de tamanho e doloroso episódio… Resistiriam o amor de Stiffelio ou os sentimentos de Lina, entre o marido e o amante… Contrapostos à decepção e ódio paternos, que almejava a morte do amante da filha… E, quem sabe, uma conciliação que, socialmente, contornasse maior difamação familiar e que recairia também sobre Lina – por adultério e anulação do casamento…

Por fim e para salvação interior, o sanguínio pastor se reconciliaria consigo próprio e com a esposa. E resgataria suas crenças, certamente, não mais por virtudes retóricas e idealizadas, por leituras fantásticas e oníricas dos textos sagrados; mas marcado pelas surpresas e impactos da existência, pela vulnerabilidade e imprevisibilidade das experiências humanas…

E, se a ópera fora liberada pela censura de estado, a censura católica criaria objeções. Proibiu a cena final, num templo protestante, por assemelhar-se a uma Igreja; não tolerou o “paganismo” do argumento, onde misturavam-se o pregador fanático, casado e traído pela mulher adúltera, redefinindo Stiffelio com um sectário. Verdi e Piave cediam e adaptavam música e libreto – para deleite e galhofa da crítica, que acompanhava e ironizava a polêmica!…

“Teatro Grande”, de Trieste, Itália – estreia da ópera “Stiffelio”, 1850.

Embates com a censura e modificações exigidas frustraram tanto, que Verdi retirou a ópera e escondeu o manuscrito, 1856. Em 1857, reaproveitaria parte da música em novo libreto de Piave, que resultou em “Aroldo”, sua 22a ópera…

Por escolha da Casa Ricordi, conforme contrato, a estreia de “Stiffelio” ocorreu em 16/11/1850, no “Teatro Grande”, de Trieste, que sediou, anteriormente, a estreia de “Il Corsaro”, também com libreto de Piave. E, se “Il Corsaro” fora um fracasso de público, “Stiffelio” seria bem recebida em Trieste!

  • Sinopse

Ação ocorre na Alemanha, início do século XIX

  • Personagens: Stiffelio, pastor evangélico (tenor); Lina, esposa de Stiffelio (soprano); Conde Stankar, pai de Lina (barítono); Raffaele de Leuthold, jovem nobre e amante de Lina (tenor); Jorg, velho pastor (baixo); Dorotea, prima de Lina (mezzo-soprano); Federico di Frengel, primo de Lina (tenor);
  • Coros: Paroquianos asaverianos, discípulos evangélicos de Stiffelio e amigos do conde Stankar.

A ópera inicia com “Sinfonia” (abertura orquestral)

“Sinfonia” – abertura orquestral da ópera “Stiffelio”.
  • Ato 1

Cena 1: Salão do castelo de Stankar

Num salão do castelo do conde Stankar, familiares esperam pela chegada do pastor Stiffélio. Entre eles, sua esposa, Lina; o sogro, conde Stankar; e os primos, Dorotea e Federico. Também entre os presentes, encontra-se Raffaele, um desconhecido, mas amante de Lina... Ao chegar de uma missão religiosa, Stiffelio conta estranha história de um barqueiro, que notou homem e mulher fugirem por uma janela do castelo, em “Di qua varcando sul primo albore” (“Daqui, cruzando o primeiro amanhecer”). Ao relatar, Stiffelio deixa cair um pacote de cartas, que trazia consigo. E, recusando-se em saber do conteúdo, joga as cartas ao fogo, para alívio de Lina e Raffaele, receosos da leitura, no septeto “Colla cenere disperso sia quel nome e quel delitto” (“Com as cinzas, disperso tanto o nome, quanto o delito”)

Marietta Gazzaniga – soprano, “Lina”, na estreia de “Stiffelio”.

Em meio à recepção, no concertato “Viva Stiffelio! Viva!” e planejando novo encontro, discretamente, Raffaele avisa Lina sobre um livro da biblioteca, que usam para se comunicar. Demais presentes se retiram. E, sozinhos, Lina e Stiffelio cantam o duetto “Non ha per me un acento” (“Ela não tem nenhuma palavra para mim, nem um olhar”)… Então, Stiffelio conta da missão e dos pecados que testemunhou, em Vidi dovunque gemere” (“Em todos os lugares vi a virtude gemer sob o jugo do opressor”), e percebe que Lina está sem aliança de casamento…

Surpreso, Stiffelio irrita-se, quer saber a razão, em Ah v’appare in fronte scritto” (“Ah, claramente escrita em sua testa é a vergonha que faz guerra em seu coração”). Mas, situação acalma-se com a chegada do conde Stankar, que retorna para acompanhar Stiffelio a um encontro preparado por amigos. E ambos deixam o local…

Cena 2: no castelo do conde Stankar

Sozinha e conflituada, Lina expressa sentimentos de culpa e arrependimento, na áriaA te ascenda, O Dio clemente” (“Que meus suspiros e lágrimas subam a ti, ó Deus misericordioso”). Então, decide escrever uma carta, confessando à Stiffelio, sua relação com Raffaele. Mas, quando começa a redigir, conde Stankar adentra o local, toma a carta e lê em voz alta…

Filippo Colini – barítono, “conde Stankar”, na estreia de “Stiffelio”.

Inicialmente, irritado e decepcionado com Lina, a repreende “Dite che il fallo a tergere” (“Diga a ele que seu coração não tem forças para lavar seus pecados”), mas preocupado e defensivo, opta por preservar a honra da família, encobrindo o comportamento da filha, em “Ed io pure in faccia agli uomini” (“Então, diante da face da humanidade, devo abafar minha raiva”). E em duetto, tomam a decisão, em “O meco venite” (“Venha agora comigo; as lágrimas não têm importância”) e afastam-se do local…

Raffaele adentra, conforme avisara Lina, para colocar bilhete no livro da biblioteca, marcando próximo encontro. Federico, primo de Lina, é cúmplice dos amantes e aguarda para levar o livro até Lina. Jorg, o pregador idoso, está no local e observa a movimentação. Suspeitando das ações de Federico, Jorg leva o assunto à Stiffelio… 

O livro, no entanto, possuia chave e em poder de Lina. Stiffelio a chama, mas Lina se recusa a abri-lo. Com violência, Stiffelio toma a chave e o abre. A carta incriminadora cai, mas rapidamente é retomada pelo conde Stankar, que chega, repentinamente, e a rasga, para fúria de Stiffelio!

  • Ato 2 – Um cemitério próximo ao castelo

No cemitério, Lina, solitária, reza no túmulo da mãe, em Ah dagli scanni eterei” (“Ah, de entre os tronos etéreos, onde, abençoado, você se senta”), e Raffaele se aproxima. Lina, imediatamente, pede que se afaste. Raffaele resiste, em Lina, Lina! Perder dunque voi volete” (“Lina, então você deseja destruir esse infeliz e traído miserável”), recusando-se a sair, em Io resto” (“Eu fico”)…

Gaetano Fraschini – tenor heroico. “Stiffelio”, na estreia da ópera.

Stankar chega ao local, ordena que Lina vá embora e desafia Raffaele para um duelo. Neste ínterim, Stiffélio também chega e determina que nenhum embate acontecerá no cemitério – local sagrado… E desconhecendo os fatos, propõe conciliação, unindo as mãos de Stankar e Raffaele… No limite de tensão, Stankar, então, revela que Stiffélio tocou a mão de quem o traiu!… 

Ainda confuso, Stiffélio exige que o mistério lhe seja revelado… E Lina retorna pedindo perdão ao marido… Stiffelio, então, percebe a situação (“Ah, não! Não pode ser! Diga-me, pelo menos, que é mentira”). E num impulso, desafia Raffaele a lutar. Mas Jorg, o velho pastor, se aproxima e avisa Stiffelio que a congregação o esperava, na Igreja… Emocionado e conflituado, Stiffelio abandona a espada e pede a Deus que inspire sua palavra aos paroquianos, ao mesmo tempo em que esbraveja e amaldiçoa a esposa!…

  • Ato 3 

Cena 1: Um quarto no castelo de Stankar

Num aposento do castelo, Stankar, pai entristecido, através de carta, toma conhecimento que Raffaele refugiou-se e está na expectativa que Lina vá ao seu encontro. Angustiado e decepcionado, Stankar desespera-se com o comportamento da filha, em “Lina, pensai che un angelo in te mi des se il cielo” (“Lina, pensei em você como anjo que me trazia felicidade celestial”)…

Cena da ópera “Sitiffelio”, de Verdi – produção do “Teatro Regio di Parma”.

Por momentos, Stankar pensa em suicídio e tenta escrever carta à Stiffélio. Mas, à chegada de Jorg, vem notícia que Raffaele retornara ao castelo. Revoltado, Stankar se regozija, em “O gioia inesprimibile, che questo core inondi!” (“Oh, a alegria inexprimível que inunda este meu coração!”), por vislumbrar possibilidade de vingança… E afasta-se do local…

Ao retorno de Raffaele, Stiffelio o encontra e confronta. Stiffelio questiona sobre o que faria se Lina fosse livre – entre uma “liberdade culpada” e “futuro destruído”… Raffaele fica em silêncio, pois vive uma ilusão ou, de fato, uma paixão por Lina. Então, Stiffelio pede-lhe que ouça sua conversa com a esposa, do aposento ao lado. Raffaele concorda…

E, ao encontrar Lina, Stiffelio expõe motivos que levariam à anulação do casamento, em “Opposto è il calle che in avvenire” (“Opostos são os caminhos que no futuro nossas vidas seguirão”). E Lina, diante de sentença de divórcio, revela que morreria, mas pelo amor que sentia pelo marido, em (“Morrerei, mas por amor a você”) – quase uma confissão ao pastor, mais do que ao homem, do qual era esposaMas, reafirmando seu amor por Stiffelio…

No aposento ao lado, Raffale acompanhava conversa do casal. Mas, à chegada de Stankar – atormentado por vingança, Raffaele é confrontado e morto. Após, Stankar adentra aposento do casal e revela que matara Raffaele. Em meio à tragedia, entre a reconciliação do casal, revolta de um pai e um corpo estendido, aproxima-se Jorg, velho pastor, que pede à Stiffelio que vá à Igreja e ministre o culto, ao que Stiffelio atende, em “Ah sì, voliamo al tempio” (“Ah, sim, vamos ao templo”)…

Cena final de ““Sitiffelio”, de Verdi – produção do “Teatro Regio di Parma”.

Cena 2: No templo protestante

No templo, reunindo forças e circunspecto, Stiffelio sobe ao púlpito e profere o sermão. Abre a Bíblia no evangelho de João (7:53 – 8:11) – parábola da mulher adúltera. Com a comunidade reunida, o momento é solene e intenso. E ao ler o texto sagrado, interiorizado e comovido, Stiffelio enfatiza a palavra perdonata!” e dirige olhar à Lina, presente entre os paroquianos – assinalando que “venceram, o amor e a reconciliação!”…

– Cai o pano –

A música de “Stiffelio” revelaria novas e não convencionais direções. Verdi experimentava novo mergulho no drama e na psicologia dos personagens, na afetividade e no intimismo, que iniciou em “Luisa Miller” e seguiriam em “Rigoletto” e “La traviata”… E, tal como “Luisa Miller”, “Stiffelio” apresentava nova linguagem e melodismo, surpreendendo e dividindo público e crítica…

Na “Gazzetta Musicale”, publicou-se: “ao mesmo tempo religiosa e filosófica, a ópera oferece melodias doces e ternas, que se sucedem de maneira atraente, além de comoventes efeitos dramáticos, sem recorrer às bandas no palco, grandes coros ou exigências sobre-humanas, das cordas vocais ou dos pulmões” – economia de meios, sem perder expressividade e efeito de palco, possibilitando maior concentração, comoção e reflexão…

Giuseppe Verdi, nas cercanias do teatro “alla Scala”, Milão, Itália.

Verdi foi um progressista, no lugar de reformista. De modo que sua escrita enriquecia, mas seguia tradicional forma de números – solos, ensembles, coros e concertatos, além de trechos orquestrais. Nesta fase, as linhas melódicas e ensembles ganham sutileza e delicadeza, buscando maior intimismo; e seus recitativos, mais expressivos, passionais e emotivos – novo tratamento musical para os temas urbanos e burgueses…

Trajetória de “Stiffelio”: manuscrito perdido

“Stiffelio” teve trajetória peculiar, dados os problemas com a censura. Após estreia em Trieste, 1850, e partir de 1851, Verdi percebeu a grande dificuldade que Casa Ricordi, editora e proprietária dos direitos de produção, teria em levar a ópera a outros teatros, antes de cuidadosa revisão e sem os assodamentos da estreia…

Outra versão, evitando o dilema religioso, foi intitulada “Guglielmo Wellingrode”, ministro de um principado germânico, sec. XV, produzida em 1851, mas sem consentimento de Verdi ou Piave. E, quando solicitado a modificar novamente, pelo empresário Alessandro Linari, 1852, Verdi, irritado, recusou-se. Registram-se, ainda, algumas produções na Península Ibérica, nas décadas de 1850/60

Atender a censura, portanto, foi algo extenuante. Inúmeras exigências, que requeriam alterar cenas, texto e música. Piave tinha temperamento paciente e submisso à Verdi, portanto, abituado às mudanças de texto. Mas Verdi, embora, particularmente, solícito pelo compromisso com Ricordi, era de natureza impaciente… Assim, o destino da ópera era incerto…

Por fim, em 1856, Verdi retirou a ópera de circulação, escondeu o original e aproveitou parte da música em outro libreto, elaborado por Piave, que resultaria em Aroldo, sua 22ª ópera, 1857 – tema ambientado na Inglaterra e Escócia, sec. XIII. E, desde 1856, o manuscrito orquestral fora dado como perdido…

Sir Edward Thomas Downes, musicólogo e maestro inglês, especializado em ópera.

Com tal desaparecimento, restaram as partes vocais. E, final da década de 1960, descobriu-se manuscrito orquestral de um copista, no conservatório de Nápoles, que motivou nova produção, no Teatro Regio, de Parma, 1968. E tornou-se base para outras produções, em Nápoles e Colônia, mas acrescidas de trechos de “Aroldo” – edição “Bärenreiter”… 

Edição “Bärenreiter” possibilitou, posteriormente, produção em inglês da University College Opera (“Music Society”), Londres, 1973. Dado que na estreia, em Trieste, original foi cortado pelos censores, a produção moderna, possivelmente, se aproximava mais da autêntica… Nos USA, Stiffelio foi produzida por Vincent La Selva e New York Grand Opera, 1976, na Brooklyn Academy of Music. E também por Sarah Caldwell e a Opera Company of Boston, 1978… E no teatro “La Fenice”, Veneza, 1985/86, conjuntamente com “Aroldo”, em encontro acadêmico internacional…

Philip Gossett, musicólogo e historiador americano.

Em 1992, Philip Gossett teve acesso à manuscritos originais, autorizado pela família Carrara Verdi, conforme relata em “Divas and Scholars” – cerca de 60 páginas… E, sendo coordenador das edições de Verdi, da Universidade de Chicago, USA, compartilhou as fontes com diretor Edward Downes, para nova produção do Covent Garden, Londres, 1993. Tais originais, no entanto, também eram parciais e incluíam apenas partes vocais, mantendo-se a base de orquestração do “copista de Nápoles”, sec. XIX – manuscrito original e completo de Verdi, portanto, permanece desconhecido… 

Finalmente, realizaram-se primeira produção e uma série de apresentações no “Metropolitan Opera House” – MET, Nova York, entre 1993/98, dirigidas por James Levine, que engajou-se no projeto. E, das produções no MET, seguiram-se em Sarasota, USA; Londres, Reino Unido; Berlim, Alemanha, e outras… 

  1. Gravações de “Stiffelio”

Após resgate no “Teatro Regio di Parma”, 1968, seguiram-se esforços de recuperação de originais, sendo revisitada com sucesso:

Gravação em áudio – CD, 1968

“Orquestra e coro do Teatro Regio di Parma”, direção Peter Maag
Solistas: Gastone Limarilli (Stiffelio) – Angeles Gulin (Lina) – Walter Alberti (Stankar) – Benjamino Prior (Jorg)

Gravação em áudio – CD Decca, 1979

“ORF Symphony orchestra and chorus”, direção Lamberto Gardelli
Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Sylvia Sass (Lina) – Matteo Manuguerra (Stankar) – Wladimiro Ganzarolli (Jorg)

Gravação em DVD Kultur, 1993

“Royal Opera House orchestra and chorus”, Londres, direção Edward Downes
Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Catherine Malfitano (Lina) – Gregory Yurisich (Stankar) – Gwynne Howell (Jorg)

Gravação em DVD Deutsche Grammophon, 1993

“Metropolitan Opera House”, Nova York, direção James Levine
Solistas: Placido Domingo (Stiffelio) – Sharon Sweet (Lina) – Vladimir Chernov (Stankar) – Paul Plischka (Jorg)

Gravação em áudio, 1996

“Chor und Orchester der Wiener Staatoper”, direção Fabio Luisi
Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Eliane Coelho (Lina) – Renato Bruson (Stankar) – Goran Simic (Jorg) – Ruben Broitman (Raffaele) – Wilfried Gahmlich (Federico di Frengel) – Marjorie Vance (Dorotea) 

Gravação em áudio CD Dynamic, 2001 – DVD, 2007

“Orchestra and Chorus of Teatro Lirico Giuseppe Verdi di Trieste”, direção Nicola Luisotti
Solistas: Mario Malagnini (Stiffelio) – Dimitra Theodossiou (Lina) – Marco Vratogna (Stankar) – Enzo Capuano (Jorg)
Obs: Local de estreia da ópera, 1850, antigo “Teatro Grande”, de Trieste.

Gravação em DVD C Major, 2012

“Teatro Regio di Parma, orchestra and chorus”, direção Andrea Battistoni
Solistas: Roberto Aronica (Stiffelio) – Guanqun Yu (Lina) – Roberto Frontali (Stankar) – George Andguladze (Jorg)

Gravação em DVD, 2016

“Teatro La Fenice di Veneza, orchestra and chorus”, direção Daniele Rustioni
Solistas: Stefano Secco (Stiffelio) – Julianna di Giacomo (Lina) – Dimitri Platanias (Stankar) – Simon Lim (Jorg) – Francesco Marsiglia (Raffaele) – Cristiano Olivieri (Federico di Frengel) – Sofia Koberidze (Dorotea)

Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Stiffelio”, sugerimos vídeo em DVD de 2012, do “Teatro Regio di Parma, orchestra and chorus”, direção Andrea Battistoni e grandes solistas. O vídeo pode ser obtido no link abaixo:

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Vozes solistas e direção

Entre os solistas, nova geração com ampla projeção vocal, bela interpretação e domínio técnico, como o soprano chinês Guanqun Yu, no personagem “Lina”…

Guanqun Yu, soprano chinês – “Lina” em Stiffelio, na produção do “Teatro Regio di Parma”.
Roberto Aronica, tenor, como Sttifelio, à esquerda – Roberto Frontali, barítono, como Stankar, à direita, em Sttifelio, de G. Verdi, “Teatro Regio di Parma”.

No personagem “Stiffelio”, o grande tenor italiano Roberto Aronica, discípulo de Carlo Bergonzi, com extenso repertório e convidado regular dos mais prestigiados teatros de ópera… 

E com brilhante carreira em palcos como “Wiener Staatoper” e “Metropolitan Opera de New York”, no personagem “Stankar”, o barítono italiano Roberto Frontali…

Andrea Battistoni, diretor italiano.

Na direção da orquestra e coro do “Teatro Regio di Parma”, o entusiasmo e musicalidade de Andrea Battistoni…

Por fim, agradecemos e aplaudimos a orquestra, os coros e ensembles desta excelente produção. Stiffelio é drama intenso e a vigorosa música de Verdi segue a sensibilizar e manter viva a arte da ópera! 

DVD da C Major, produção de Stiffelio, do “Teatro Regio di Parma”, direção de Andrea Battistoni.

– Sugerimos também:

      1. Áudio – produção do “Chor und Orchester der Wiener Staatoper”, direção de Fabio Luisi

    Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – a brasileira Eliane Coelho (Lina) – Renato Bruson (Stankar)

    2. DVD Kultur – produção do “Royal Opera House orchestra and chorus”, direção Edward Downes
    Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Catherine Malfitano (Lina) – Gregory Yurisich (Stankar)

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    “Andrea Battistone, na regência da PQP Bach Philharmonic”…

    “Cada qual ama a seu modo; o modo, pouco importa; essencial é que saiba amar” (Machado de Assis)

  1. Alex DeLarge

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Luisa Miller” – ópera em três atos (Scotto, Domingo, Milnes, Kraft, Giaiotti, Morris, Levine)

“Lady Milford, do drama de Schiller, “Kabale und Liebe” (Intriga e Amor). Duquesa Federica na ópera “Luisa Miller” – gravura de Arthur von Ramberg, 1859.

Relacionamentos entre pais e filhos estão presentes em toda a dramaturgia verdiana. Sabe-se, ainda jovem, entre os 25 e 27 anos, Verdi perdera a família – dois filhos e a primeira esposa, Margheritta. Sobretudo, a perda da filha, com pouco mais de um ano, foi memória que o acompanhou pelo resto da vida, sempre levando-o às lágrimas…

Na obra do músico italiano, tais vínculos familiares sempre receberam especial atenção, desde “Oberto”, sua primeira ópera, passando por “Luisa Miller”, “I Vespri Siciliani”, até “Aída”… Assim, a relação entre Luisa e o pai era tema delicado, que evocava também afetos pessoais de Verdi…

Embora imbuído a escrever nova ópera patriótica, por circunstâncias diversas, Verdi desistiu para retomar o tema de “Luisa Miller”, adaptação do drama de Schiller – “Intriga e Amor”, que vinha esboçando há algum tempo. Assim, atendia o libretista Cammarano e o teatro “San Carlo”, desta feita, livrando-se da censura que, em Nápoles, seria rigorosa, dado o alinhamento com a Áustria e perspectiva de derrota da 1ª guerra de independência…

Um longo caminho seria percorrido até a unificação, cerca de dez anos, e nestas circunstâncias, certo arrefecimento das tensões políticas e confrontos bélicos. Assim, aconselhado e prudentemente, Verdi abordaria temas de maior lirismo, iniciando nova etapa criativa, onde “Luisa Miller” e “Stiffelio” formam prelúdio para “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata” – obras que marcariam o sec. XIX e o consagraram como compositor!

  1. Aspectos iniciais

Após estreia de “La battaglia di Legnano”, em Roma – 1849, Verdi retornou à Paris e, rapidamente, passou a tratar de nova ópera. Este ano marcaria também retorno à Italia, fixando residência em Busseto, sua terra natal. Na Itália, havia grande tensão política, com possível derrota da 1ª guerra de independência. Mas, Verdi mantinha-se confiante na causa do Resurgimento. Assim, pretendia colocar música em novo tema patriótico, particularmente, “L’assedio di Firenze”, texto de Guerrazzi, com libreto de Francesco Piave… Outros fatores, no entanto, o levaram a abandonar o projeto…

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, músico e entusiasta da unificação italiana.

Salvattore Cammarano, libretista que o estimulou compor “La battaglia di Legnano”, estava comprometido com o teatro “San Carlo”, de Nápoles. E Verdi solidarizou-se, embora estivesse rompido com o teatro napolitano. Mas, diante de circunstâncias políticas e revolucionárias adversas, Cammarano dissuadiria Verdi do tema patriótico…

A 1ª guerra de independência não lograria êxito e o reino de Nápoles manteria sua aliança com a Áustria… Portanto, a censura retornaria e mais rigorosa. Um longo período de reorganização seria necessário até novo enfrentamento da Áustria – cerca de dez anos… Assim, enquanto Verdi planejava “L’assedio di Firenze”, Cammarano resistia, trabalhava lentamente e não enviava o libreto, sem revelar as razões…

Verdi não tinha interesse pelo teatro “San Carlo”, fruto de divergências anteriores, à época de “Alzira”, sua 8ª ópera. Mas, estranhava a demora e insistia: “Lembre-se que componho esta ópera para atendê-lo. Se não tiver interesse, avise-me e não continuarei”… Por fim, Cammarano abriu-se e informou que a censura de Nápoles não liberaria “L’assedio di Firenze”… E propôs retomada de “Luisa Miller”, sobre texto de Schiller, “Intriga e Amor” (“Kabale und Liebe”), que Verdi trabalhava há algum tempo…

Friedrich Schiller – poeta e dramaturgo alemão do “Sturm und Drang”.

Verdi concordou, pelas circunstâncias e pelo autor, particularmente, dileto. De suas vinte e oito óperas, quatro abordaram temas de Friedrich Schiller, poeta e dramaturgo alemão. Assim, ganharam os palcos “Giovanna D’arco”, “I Masnadieri”, “Don Carlos” e “Luisa Miller”… 

Dado o temperamento e sensibilidade de Verdi, sua música exigia intensidade dramática. E dois autores marcaram o final do sec. VXIII e sec. XIX: Friedrich Schiller e Wolfgang Goethe, ambos identificados com o movimento “Sturm und Drang” (“Tempestade e Ímpeto”), na Alemanha…

“Sturm und Drang” ocorreu num período de grandes transformações na sociedade europeia. Do advento da modernidade e projeções das sociedades urbanas e burguesas, que impulsionaram mudanças políticas e econômicas, fomentadas pelos ideais iluministas. Sobretudo, a desigualdade de classes e rejeições à aristocracia e ao absolutismo foram ideais compartilhados pelo “Sturm und Drang” – causas da Revolução Francesa e outros movimentos de independência e unificação, ao longo do século XIX…

“Tomada da Bastilha” – evento da “Revolução Francesa”, 14/07/1789.

Além disto, firmava-se a crença de que a opinião pública tinha que preponderar, no lugar de tribunais de estado, que decidiam sobre atividades culturais. Portanto, avanços na liberdade de expressão e da chamada “esfera pública”, em Paris, formada por jornais, lojas maçônicas, cafés e clubes de leitura. Surgia também o consumidor pagante, que conquistava o direito de escolher suas leituras, teatro e ópera...  E com o tempo, a “esfera pública” evoluiria para discussão política…

E, se o Iluminismo descortinava as possibilidades da razão e do método científico, abrindo novas perspectivas ao avanço do conhecimento, uma desconfiança levantava-se diante da complexidade humana: a capacidade intelectiva, embora recurso, por óbvio, humano e formidável, possuía limites…

Daí a ênfase, no “Sturm und Drang”, dos sentimentos sobre a razão, na valorização da individualidade, das emoções e dos afetos – elementos subjetivos incompreensíveis e inalcançáveis pela razão, e que as artes, por seus meios, desde sempre, expressaram…

– Iluminismo e ascensão burguesa

René Descartes, filósofo iluminista francês – do racionalismo.

O Iluminismo ocorreu na França, Inglaterra e moveu a independência americana. E a expressão “penso, logo existo”, de René Descartes, trazia o ser humano para o centro, como nova referência da filosofia, no lugar de Deus no pensamento medieval…

O ser humano capaz de reconhecer a própria existência, observar e diferenciar-se do seu entorno; capaz de identificar eventos e classificá-los; de descobrir leis e relações; e finalmente, manipular a natureza, criando artefatos e amplos benefícios…

Neste período, cunhou-se também a expressão “conhecimento é, em si, um poder”, de Francis Bacon, que continha outro e imenso potencial: de um lado, um poder virtuoso, fruto do prazer intelectual e gerador de benefícios; e de outro, poder ambíguo, onde as sociedades, capazes de criar e produzir artefatos, projetariam sobre outras culturas e nações, poder econômico e militar, sobrepondo-se àquelas que não detivessem tais modelos de desenvolvimento…

Francis Bacon, filósofo iluminista inglês – do empirismo.

Francis Bacon refletiu sobre  política e ética no uso do conhecimento. E, fatalmente, era o advento do colonialismo e, depois, do imperialismo; do advento da burguesia e da nova sociedade de classes, da busca por matérias primas e da industrialização, por mercados e pela prática da concorrência; quando conectavam-se lugares, até então, desconhecidos e distantes, através de novas rotas comerciais – adventos do capitalismo, das supremacias e projeções geopolíticas…

O Iluminismo avançou também pelas áreas do direito e da política… Exerceu a crítica do absolutismo e propôs as bases do estado moderno. O estado democrático, plural e representativo, organizado em poderes independentes e complementares – ditos legislativo, executivo e judiciário, no lugar da centralidade absolutista… E novos embates ocorreriam após a queda da monarquia francesa!…

Assembleia Nacional Constituinte Francesa, 1789.

Durante a Revolução Francesa, os aristocratas sentaram à direita, no parlamento, na defesa de interesses econômicos, da Igreja e sistema de classes do “Acient régime”; e os comuns sentaram à esquerda, integrados pela burguesia, na defesa do republicanismo, secularismo e do livre mercado. Assim, deram origem às atuais denominações de orientação política – esquerda e direita

Naquele contexto, entretanto, camponeses, trabalhadores e os mais pobres, embora partícipes da revolução, não tiveram lugar… Sendo curioso observar que a esquerda, à época, era representada pela burguesia ascendente, propondo o capitalismo e a economia de mercado – portanto, liberal progressista!…

Representantes da burguesia (esquerda) e da aristocracia (direita), no parlamento revolucionário francês, 1789.

Neste período, defendeu-se as liberdades de pensamento, de imprensa e religiosa. Promulgou-se a “Declaração dos direitos do homem e do Cidadão”, inspirada na “Declaração de Independência Americana”, e propôs-se o estado laico, com separação entre estado e religião. E, sob o lema “Liberté, égalité, fraternité”, síntese do pensamento iluminista, liberal e burguês, defendeu-se a igualdade jurídica, mas não a igualdade social e econômica… Ainda assim, avanço substancial, dado que no absolutismo haviam diferentes códigos para cada classe social…

François-Marie Arouet – Voltaire, filósofo do Iluminismo.

Propôs-se o novo e incipiente estado democrático, onde a liberdade de pensamento e o direito à divergência estavam sintetizados na célebre frase de Voltaire: “mesmo discordando de alguém, defenderei até a morte o direito de dizê-lo”… E assim, organizavam-se a pluralidade e a representatividade das diversas demandas da sociedade, além de um novo conceito de indivíduo e cidadão…

Evidentemente, tais mudanças não ocorreram de forma linear, imediata ou pacífica. As classes aristocráticas organizaram-se e resistiram, na França e em outras nações. E, ao longo do sec. XIX, ocorreriam inúmeras revoluções e manifestos violentos… A desigualdade social e econômica permaneceria e a sociedade burguesa estabeleceu-se no poder, no controle da economia e influência no estado, contraposta pelos ideais socialistas e anarquistas, que passariam a organizar as classes trabalhadoras – o proletariado – e denunciar formas de exploração e dominação econômica…

O Iluminismo trouxe contribuições que marcaram o advento da “Era moderna”. Processos que ainda permeiam as sociedades atuais, em suas contradições e complexidades!…

“Frontispício da Enciclopédia”, 1772, de Cochin e Prévost. Imagem simbólica – no centro, a verdade, cercada por luz intensa; à direita, duas figuras, a razão e a filosofia retiram manto s/a verdade.

– Pré-romantismo alemão: “Sturm und Drang” (Tempestade e Ímpeto)

No contexto do Iluminismo e do Esclarecimento (“Aufklärung”) alemão, portanto, às vésperas da Revolução Francesa, as peças teatrais do “Sturm und Drang” emergiram na Alemanha. A proposta era totalmente oposta ao absolutismo e ao aristocratismo, a que chamavam Société d’Ancien Régime” e, neste aspecto, identificada com os ideais políticos iluministas

Mas, “Sturm und Drang” ia além. Se, de um lado, refletia um mundo sufocado por desigualdades, prestes a explodir, fomentado por aspirações burguesas De outro, afirmava a prevalência dos sentimentos sobre a racionalidade; e a presença de energias, espontâneas e incontroláveis, na natureza humana, que interferiam no comportamento. Assim, preconizava limites à razão, neste sentido, questionando o racionalismo…

“O Viajante observa um mar de Bruma”, de Caspar David Friedrich, pintor alemão. Manifesto romântico, à época do “Sturm und Drang”: a solitária figura humana conpempla a natureza.

O movimento defendia uma literatura intensa e contundente, através de cenas e textos explosivos: um gesto, um soco; um movimento, um salto; uma reação, fúria desmedida. Além de novas perspectivas para o amor e para a vida, diante de sociedade e costumes rígidos… Onde, não havendo saídas, restavam as reações últimas – impulsivas, violentas e autodestrutivas…

Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão do “Sturm und Drang”.

Ao explicitar a violência, “Sturm und Drang” apontava para a relevância dos sentimentos e para readequação dos valores… E o fazia através de uma literatura crua e rebelde, afirmativa de uma sociedade conflituada, mas em transformação; que demandava arte e cultura, mas era colocada no espelho – a nova sociedade burguesa…

Assim, os personagens eram movidos por ambição, vingança, ressentimento e reações extremas, por experiências sufocantes e dolorosas, por solidão e abandono, decepções e medo; sendo levados ao desespero, às explosões de fúria e instintos mórbidos…

Mas, “Sturm und Drang” foi, sobretudo, uma dramaturgia que buscou o sublime; que através da violência e do trágico, exaltou o amor, discutiu o stablishment e propunha reflexão – urgência no reconhecimento dos sentimentos e dos afetos…

Gravura histórica das próteses da mão do Gottfried von Berlichingen, após ter mão direita decepada, no cerco de Landshut, 1504.

Gottfried von Berlichingen da mão de Ferro”, 1773, de Goethe, foi obra inaugural do movimento. Através de estética transgressora, Goethe rompeu modelo neoclássico e apresentou um teatro livre e espontâneo, não subordinado às “três unidades aristotélicas” – de tempo, lugar e ação, sistematizadas por Nicolas Boileaux. No lugar,  elaborou enredo duplo, cerca de 50 cenários móveis e cenas vagamente encadeadas. E incluiu falas de baixo calão, desafiando as normas de decoro

A designação “Sturm und Drang” foi posterior, de 1776, e originou-se da peça, de mesmo nome, de Friedrich Maximilian von Klinger. Assim, tempestade e ímpeto – conflitos e impulsos – passaram a caracterizar um estilo dramatúrgico… À semelhança de Shakespeare e do teatro grego, Klinger procurava personagens intensos e evitava a rigidez formal do neoclassicismo, a que se opunha, estética e politicamente. Além disso, propôs retorno às raízes, à germanidade – certo nacionalismo incipiente

Com influências de Herder, Lessing e Hamann, abria-se novo campo literário, centrado no sublime e na subjetividade, na percepção de uma natureza humana inconstante e imprevisível. Também Rousseau, inicialmente, integrante do Iluminismo, incitou o romantismo, ao emitir conceitos como: “o homem nasce bom, mas torna-se mau pela cultura e pela formação”… Assim, “Sturm und Drang” questionaria, na dramaturgia, os costumes e os valores, apelando a uma ética que compatibilizasse sentimentos e prazer…

Friedrich Maximilian von Klinger,
dramaturgo alemão, autor da peça teatral “Sturm und Drang”.

“Sturm und drang” exerceu intensa influencia no “Romantismo”. Uma estética capaz de estimular a criação de personagens exaltados ou sombrios; onde a razão e os sentimentos subexistiam, turvados ou suplantados pela dor, distorcidos pelo ressentimento e pelo ódio, por sensações amargas e impulsos agressivos, pelas desilusão e descrença no outro e no mundo… Mas, uma literatura pela afirmação dos afetos, do amor e das paixões…

Portanto, temáticas especiais para a concepção e descortino de personagens e dramas intensos, além de grande efeito teatral… Para a ópera e, em especial, para Verdi, uma temática rica e exploratória, pelo realismo e amplitude emotiva!

– “Sturm und Drang” na música

C.P.E Bach, compositor alemão,
transição do barroco e precursor do rococó-classicismo .

Na música, “Sturm und Drang” tem sido associado, sobretudo, aos tons menores e sombrios, também aos acentos e contrastes rítmicos e melódicos, que possibilitam surpreender e apelar ao dramático – expressando ansiedade, conflito, angústia e desespero…

Assim, no “rococó-classicismo”, do sec. XVIII, algumas obras de Carl Phillip Emmanuel Bach, Haydn e Mozart, tem sido consideradas “Sturm und Drang”. No entanto, neste período, predominava outro estilo – Empfindsamkeit”, o sentimentalismo ou estilo sensível, sucedâneo da “Affektenlehre” – teoria barroca dos afetos, que buscava variedade de sentimentos e mudanças bruscas de humor, no decorrer de um trecho ou obra musical. Contemporâneo do iluminismo e do racionalismo, o estilo sensível foi explorado por músicos de transição, como C.P.E. Bach; ou inovadores, como Johann Stamitz…

Para tanto, gradualmente, abandonou-se o baixo continuo e centrou-se a base orquestral nas cordas, com maior leveza rítmica e dinâmica – como crescendos e diminuendos, ausentes no barroco. E também propôs-se o conceito de “paleta orquestral” – variedade de timbres instrumentais associados às mudanças afetivas…

Figurino para ópera “Armide”, de C.W. Gluck.

Através da “paleta orquestral”, típica do “rococó-classicismo”, instrumentos não mais executariam de forma permanente e contínua. Mas, apareceriam alternada e ocasionalmente, de acordo com as características melódicas, rítmicas e expressivas… Recursos que ressaltavam a individualidade e beleza dos timbres; do ataque de pequenos grupos ou do tutti orquestral, criando nova variedade de cores e sensações no transcorrer de uma peça. Nascia a orquestra clássica, típica da escola de Mannhein, da ópera neo-clássica e das sinfonias de Haydn e Mozart – base da moderna orquestra sinfônica…

E vários recursos dinâmicos seriam inventados: “foguete de Mannheim”, linha melódica arpejada em rápida ascensão; “suspiro”, enfatizando a primeira, de duas notas descendentes; “gorgeio”, imitação de pássaros; ou “grande pausa”, quando o conjunto instrumental cala, subitamente, para retomar em seguida e com vigor…

“Foguete de Mannhein” – tema do 4º mov. da Sinfonia 40, Mozart.

Neste período empreendeu-se também reforma da ópera, com influência iluminista e associada aos novos estilos neo-clássico e pré-romântico, inaugurada por “La Serva Padrona”, de Pergolesi, 1750 – inclusão de personagens humanos, no lugar da mitologia. Christoph Willibald Gluck defenderia que música e texto deveriam complementar-se com maior simplicidade na expressão dramática, além de abandonar-se a pompa e complexidade da ópera barroca – “Orfeo e Euridice”, 1762 E, finalmente, Mozart, assimilando inovações de época, criaria síntese notável, tornando-se grande expressão da ópera do sec. XVIII…

Retrato inacabado de Mozart – por Joseph Lange, 1782.

Estilo sensível – “Empfindsamkeit”, portanto, antecedeu o exacerbado e eloquente “Sturm und Drang” – mais literário e centrado na individualidade. De outro, “Sturm und Drang”, que durou cerca de 15 anos, refletia também aspirações políticas do final do sec. XVIII. De uma Europa pré-revolucionária, onde regimes vigentes seriam contestados… Assim, uma nova estética, necessariamente, romperia normas e se oporia ao equilíbrio e ao racionalismo vigentes, para expressar, com maior crueza, sentimentos violentos e destrutivos, de certa forma, latentes naquelas sociedades e prestes a explodirem…

Compositor contemporâneo, cujas características, notavelmente, poderiam estar associadas ao “Sturm und Drang”, foi Ludwig van Beethoven, pelo experimentalismo, ruptura permanente e amplitude expressiva. Sua música, exuberante em ímpeto e dramaticidade, parece refletir aquele mundo em convulsão, transformações e liberação de energias… E sua música deu lugar também à alegria, ao entusiasmo e à exaltação da liberdade…

Ludwig van Beethoven, compositor que musicou obras de Schiller e Goethe – autores alemães do “Sturm und Drang”.

Atento ao seu tempo, Beethoven apoiou aqueles ideais revolucionários, democráticos e republicanos, opondo-se ao “Ancien régime”… Além disto, conviveu com Goethe e foi leitor de Schiller: “a dificuldade de musicar-se um grande poema está em elevar-se ao nível do poeta”… “E quem pode fazê-lo no caso de Schiller?”, dizia… Por afinidade ou não, admitia Goethe mais simples… E, de certa forma, justificava-se, pois musicou várias obras de Goethe e poucas de Schiller, mesmo quando o eternizou em “Ode an die Freud!”

A música de Beethoven não ganhava forma nas primeiras ideias e inspirações. Necessitava renovar-se, permanentemente, buscar identidade poética e individualidade… Assim, cada obra era escrita e reescrita – riscada, suprimida e acrescida de elementos musicais, até adquirir clareza e unidade… Sobretudo, os contrastes temáticos sugeriam turbulência e conflito, bases da dinâmica e do drama beethoveniano: a sonata forma. Junto com a dramaturgia “Sturm und Drang”, Beethoven projetou-se no séc. XIX – referências do romantismo…

  • Goethe e Schiller
Wolfgang Goethe e Friedrich Schiller, autores do “Sturm und Drang” – monumento em Weimar, Alemanha.

Nascia uma literatura que refletia a sociedade de seu tempo e colocava os jovens em nova perspectiva. Quando aspirações individuais e afetivas se contrapunham à rigidez educacional e costumes estabelecidos, tais como escolhas profissionais e casamentos… Assim, transcorre “Os sofrimentos do jovem Werther”, apaixonado por Charlotte, e esta, destinada a Albert. A obra de Goethe instigou e sensibilizou sua época. Causou imenso impacto, dado o final trágico de Werther, que preferiu a morte, a renunciar os ideais afetivos… E, ironicamente, o romance não deixa claro se havia reciprocidade de Charlotte; ou estrita fantasia, afetiva e pessoal, do jovem Werther

“Sturm und Drang” apontava para o reconhecimento e legitimação deste universo subjetivo, para a congruência entre sentimentos, concepções de família e amor conjugal; e ocorria, paralelamente, ao novo e incipiente estado representativo e democrático, que trazia nova noção de cidadão e indivíduo… Assim, as paixões e o estar enamorado passariam a integrar os sonhos das novas gerações, por vezes, transformando-se em experiências frustrantes, trágicas e até suicídios…

“O Sofrimento do jovem Werther”, gravura do romance de Goethe.

Friedrich Schiller

Friedrich Schiller – dramaturgo alemão, autor de “Kabale und Liebe”.

Inicialmente, destinado a ser pastor, Schiller optou pela academia militar de Karlshue, onde realizou estudos de direito e, após, concluiu curso de medicina… Neste período, aprofundou leituras, passando por Plutarco, Shakespeare, Goethe, Lessing e Kant, além dos iluministas franceses e Rousseau. Finalmente, identificou-se com Sturm und Drang, movimento literário e teatral alemão…

Sturm und Drang anunciava a decadência do aristocratismo e projetava a ascendente sociedade burguesa – novo foco cultural e político. E, neste contexto, denunciava valores, costumes, hipocrisia e dissolução de relações familiares… Assim, o abastado personagem conde Moor, em “Die Rauber”, sobreviveria para testemunhar os filhos se matarem e a família extinguir-se… Drama que causou profundo impacto na sociedade alemã e motivou reflexão sobre valores e afetos familiares... Tal como em “Luisa Miller”, a obra de Schiller teve música de Verdi – na ópera “I Masnadieri”…

“Kabale und Liebe”, capa da 1ª edição alemã, 1784.

E à semelhança de “Werther”, em “Kabale und Liebe”, Schiller tratou do tema do amor, que, para eternizar-se, também terminaria em tragédia… Assim, Ferdinand, pertencente à aristocracia, diante do pai, reafirmaria seu amor por Luisa – um amor inegociável… E, se o casamento era impossível, restava realizá-lo na morte dos amantes. Ferdinand, em desespero, envenena a jovem, filha de um músico pobre, por quem se apaixonara, e suicida-se…

Uma nova sociedade requeria uma nova arte. Assim, à medida que a burguesia afirmava-se política e economicamente, ganhando protagonismo social; de um lado, passava a demandar arte e cultura; e de outro, costumes e valores vigentes seriam discutidos na literatura e no teatro, além de novas concepções de felicidade e prazer – objetos da filosofia e das artes, ao longo do sec. XIX…

Neste contexto, jovens músicos, como Clara e Robert Schumann, se apaixonaram e fariam valer sua união, desafiando o pai de Clara, inclusive em demandas judiciais, quando obtiveram autorização legal para casarem – o amor romântico...

Robert e Clara Schumann, músicos do romantismo.

E, até o trágico final, Robert enviaria cartas à Clara, reafirmando seu amor: “Oh! se eu pudesse te rever, falar-te mais uma vez”. E, chamada às pressas, Clara presenciaria os últimos momentos de consciência de Robert: “Ele sorriu e, com grande esforço, me abraçou. Não trocaria esse abraço por todos os tesouros do mundo”… Depois da morte de Robert, Clara empenhou-se em preservar e divulgar a obra do marido…

Literatura pré-romântica e 15ª ópera: “Luisa Miller”

Tal literatura e dramaturgia adentraram o sec. XIX, caracterizando o romantismo. A subjetividade, a individualidade e a vida burguesa seriam objeto da música e da ópera. E a temática histórica, da fase inicial de Verdi, associada à política e ao Risorgimento, de um jovem idealista, seria acrescida desta literatura, romântica e pré-romântica, em parte escrita no sec. XVIII e muito relevante no XIX, tratando da vida burguesa, seus costumes e valores…

Fachada “Teatro San Carlo”, Nápoles, Itália – estreia de “Luisa Miller”, 1849.

Assim, dos ambientes e personagens históricos, dos temas épicos e patrióticos, Verdi migrava para o microcosmo da vida familiar, do ambiente da casa, dos afetos e dramas individuais, da vida em sociedade… “Sturm und Drang” oferecia ampla literatura e dramaturgia a respeito. E Verdi leu estes autores, precursores do romantismo, além de Byron, Shakespeare e outros…

Uma extensa literatura e poesia, capaz de inspirar compositores, fosse para os lied e canções, para os oratórios e cantatas, fosse para ópera… E a contundência dos sentimentos e dos conflitos, tributárias de desejos intensos e reações limites, do teatro de Schiller e Shakespeare, seriam abordadas por Verdi – o realismo verdiano!…

Interior do Teatro “San Carlo”, Nápoles – estreia de “Luisa Miller”, em 08/12/1849.

Assim, se a decadência e extinção de uma família, frutos da competição e ambição, do ciúme e do ódio exacerbados entre irmãos, seriam retratadas em “I Masnadieri”; em “Luisa Miller” e “La Traviata”, a vida burguesa ganhava os palcos, levando a plateia enxergar a si mesma, através de seus desejos, paixões e frustrações – dos sentimentos, que, por vezes, colidiam com os costumes e valores… E, à medida que Verdi adentrava estas leituras, universo de possibilidades expressivas e teatrais invadia sua imaginação – intenso mergulho no comportamento e nas relações humanas…

Tanto em “Luisa Miller” e, posteriormente, em “La Traviata”, existe um tratamento especial de Verdi, de delicadeza e consternação diante da figura feminina, seja pela juventude e inexperiência de Luisa, frente à sordidez e intransigência social; ou na pureza dos sentimentos de Violetta, diferenciados da vida mundana de cortesã, que resignificavam sua existência… Personagens femininos trágicos, que se revelavam na sinceridade dos afetos, mas sucumbiam resignados ou vítimas das contingências… Alguns autores definem estas óperas, dado o intimismo e singularidade, como “pequenas joias” na dramaturgia verdiana…

Salvattore Cammarano, libretista de “Luisa Miller”.

A temática de “Luisa Miller” trará novo colorido à obra verdiana, que se repetirá em “Stiffelio” e culminará em “La traviata”… Onde tudo que motiva a existência está encoberto e inacessível à razão, não raro, surpreendendo e desafiando o aparente “bom senso”… Está no interior humano, em processos subjetivos, que sabotam e confundem a consciência e o convívio social… Assim, Rodolfo, sob máxima tensão e frustração, envena  Luisa e suicida-se… Uma dramaturgia que apontava para campos misteriosos, tão íntimos que nem a consciência os alcançava…

Quem sabe, aproximando-se das reflexões de Imannuel Kant, ao final do sec. XVIII: “a humanidade marcha sem descanso para questões que não poderão ser resolvidas pelo uso empírico da razão, nem por princípios dela emanados”…

Convencido Verdi da nova temática, de forma rápida e surpreendente, Salvattore Cammarano enviou uma sinopse de “Luisa Miller”, ao contrário da demora e relutância com “L’assedio di Firenzi”. E, nesta época, dois temas fascinavam Verdi, para os quais esboçou planos que nunca concretizou: “L’assedio di Firenzi” e “Rei Lear”

– Retorno à Itália e estreia de “Luisa Miller”

Giuseppe Verdi, músico romântico do sec. XIX, pintura de 1850.

Verdi morou em Paris por dois anos, 1847 a 1849, onde estreou “Jerusalém”, concluiu “Il Corsaro” e compôs “La Battaglia di Legnano”. E, em 1848, havia adquirido propriedade no vilarejo natal, arredores de Busseto, chamada “Vila Sant’Agata”. Assim, com a nova companheira e futura esposa, Giuseppina Strepponi, planejava retornar e fixar residência na Itália

Para ambos, era momento delicado na vida pessoal e familiar. Para tanto, Giuseppina precisava resolver assuntos em Firenze e Verdi foi à Roncole fazer preparativos. Antes do relacionamento com Verdi, Giuseppina foi mãe de três crianças e necessitava encaminhar a educação do filho mais velho, Camillo. A vida de Sttrepponi, anterior à união com Verdi, alternou intensa atividade como diva, que brilhou em papéis principais de Rossini, Donizetti, Bellini, Mercadante e outros; entremeada por diversos affairs amorosos, que resultaram em gravidezes… Assim, a educação de Camillo foi entregue ao escultor Lorenzo Bartolini, que aceitou o menino e solidarizou-se com Giuseppina… Ainda hoje, biógrafos são controversos neste período da vida de Giuseppina

Clelia Maria Josepha Strepponi, conhecida como Giuseppina Verdi Strepponi, soprano renomada e esposa de Verdi por cerca de 50 anos.

De outro, familiares de Verdi eram pessoas simples, campesinos do interior de Roncole, que na ausência de Verdi cuidavam de “Villa Sant’Agata”. Tanto que o pai, Carlo, frequentemente, mandava notícias: “quase todas as vacas deram cria e à contento… então, organizei os estábulos”... Mas, Giuseppina estava apreensiva, pois seria apresentada à família e aos amigos de Verdi – sobretudo, Antonio Barezzi, protetor e pai da primeira esposa, Margheritta, a quem Verdi, pelo resto da vida, trataria como sogro

Verdi e Giuseppina chegaram à Busseto em julho/1849 e, inicialmente, moraram no Palazzo Orlandi. Giuseppina sentiu as tradições religiosa e coservadora muito presentes, sobretudo, diante de uma mulher do teatro, que vivia com um homem, não sendo casados… E Verdi, diante da falta de receptividade e preconceitos locais, aparentava indiferença, mas preocupava-se por Giuseppina, que sofria muito, evitava passear pela cidade ou frequentar a Igreja…

Ao instalarem-se no Palazzo Orlandi, Verdi passou à composição de “Luisa Miller” e concluiu as partes vocais. Em outubro, partiu para Nápoles, com Barezzi. E, passando por Roma, depararam-se com epidemia de cólera, permanecendo em quarentena. Após três semanas de coche, chegaram à Nápoles. E Verdi deparou-se com descumprimento financeiro, pelo teatro “San Carlo”, lançando ultimato: dissolução imediata do contrato! Estabeleceu-se uma querela, entre ameaças de prisão e fuga de Verdi, com pedido de asilo à França – através de navios franceses, fundeados em Nápoles…

Antonio Barezzi, patrono, amigo e pai da 1a esposa de Verdi. Barezzi acompanhou Verdi à Nápoles, na estreia de “Luisa Miller”.

Finalmente, situação resolveu-se e iniciaram os ensaios… Como de costume, Verdi deixava a orquestração para o final e, dado os entreveros e atrasos, Barezzi retornou à Busseto, sem assistir a estreia. E perdeu outra querela, então, de Verdi com compositores locais – conta-se, um tal Vicenzo Capecelatro, dito de “mau olhado”, desejava derrubar Verdi e teria sido responsável, anteriormente, pelo fracasso de Alzira, sua 8a ópera…. E na estreia de “Luisa Miller”, o cenário do 1° Ato desabou, quase atingindo Verdi. Segundo desconfiança local, pela presença de Capecelatro, nas coxias… Outra suspeita, de Verdi, era que tais sabotagens tinham relação com política e sua adesão ao Risorgimento… Apesar disso, a estreia foi um grande sucesso, em 8/12/1849. Mas, Verdi sentia-se esgotado e deixou Nápoles jurando nunca mais retornar! 

Com o sucesso de “Luisa Miller”, Verdi ganhou confiança e sentiu-se capaz de colocar música tanto em temas épicos e patrióticos, quanto urbanos e domésticos… E, no periodo que segue, dois novos convites: uma ópera para Casa Ricordi e outra para o teatro “La Fenice”, de Veneza. De início, Verdi interessou-se pelo tema de Stifellius, tradução italiana do  romance “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, que Francesco Piave enviara; de outro, empolgou-se com a leitura de Victor Hugo, “Le Roi s’amuse”, que resultaria em “Rigoletto”… Afora a dramaturgia de Schakespeare, que o encantava e perseguia…

“Villa Sant’Agata”, adquirida por Verdi, 1848, na cidade natal, Busseto, Itália, onde morou com Giuseppina Strepponi, a partir de 1851.

Dois anos se passariam até a mudança para “Villa Sant’Agata”, nos arredores de Busseto, maio/1851, hoje chamada “Villa Verdi”… Os familiares de Verdi deixariam o local e, em oito anos, 1859, Giuseppina e Verdi se casaram e seguiram juntos até a morte da esposa, em 1897 – perda que muito o entristeceu… Giuseppina, desde o início, o apoiou na carreira, cantou nas estreias de Oberto e, depois, Nabucco, além de acompanhar o processo criativo e colaborar de várias maneiras, graças ao senso dramático e musical; e à fluência em inglês e francês…

A ópera se consolidara na Europa, através de prestigiada indústria cultural e imenso público pagante – expetáculo popular e burguês, por excelência… E Verdi tornara-se músico bem sucedido, artística e financeiramente… À época, tal como se diz hoje, desejava-se muita sorte – ou muita “merde!”… Uma alusão à quantidade de carruagens que chegavam aos teatros e, quanto mais cavalos a defecar no entorno, maior sucesso na bilheteria…

“Merde!”… Irônico e tradicional desejo de boa sorte, entre os artistas. Quanto mais carruagens e cavalos a defecar nas proximidades dos teatros, maior sucesso artístico e financeiro…
  1. Libreto e Sinopse de “Luisa Miller”
  • Adaptação de “Kabale und Liebe”

Na ópera “Luisa Miller”, Cammarano fixou libreto em três atos, no lugar dos cinco atos da peça de Schiller. E, para maior compreensão do drama, deu títulos: 1º ato –“Amor”; 2º ato – “Intriga” ; 3º ato – “Veneno”. O texto de Schiller contrapõe a expontaneidade e reciprocidade do amor entre dois jovens, Luisa e Rodolfo, aos interesses do pai de Rodolfo, de casá-lo com a duquesa Federica, em busca de conveniências sociais e financeiras, através da união de bens e projeção política – aspirações aristocráticas, onde o pai de Rodolfo caracteriza personagem oportunista e até criminoso, que conquistara títulos de forma suspeita…

Assim, em tom amargo, mas sensível, o idealismo romântico, frente ao oportunismo social, não triunfará. E o amor sucumbirá diante de emaranhado de intrigas e manipulações; restando perpetuar-se na morte dos jovens amantes, dado as naturezas de Rodolfo e Luisa… O drama também contrasta a relação afetiva, amorosa e protetora, entre pai e filha – Miller e Luisa; com a relação contaminada pelo poder e pela fortuna, entre pai e filho – Walter e Rodolfo…

“Morte de Luisa Miller”, imagem de capa da 1ª Edicão Ricordi.

Considerando a censura e situação conturbada, na Itália, Cammarano evitou demasiada ênfase na crítica política e direcionou o drama para a dimensão privada, com certo caráter pastoral… Assim, mudou nomes e transferiu personagens e ação, de uma corte principesca, na Alemanha, no sec. XVIII, para uma recôndita aldeia, no Tirol, no sec. XVII…

“Kabale und Liebe” seria a última peça de Schiller no estilo “Sturm und Drang”… Ambientada no sec. XVIII, os distanciamentos sociais eram imensos e códigos legais diversos para cada classe social – abolidos na Revolução Francesa, quando igualdade jurídica foi avanço notável, mesmo que formal...

Sobretudo, o personagem Luisa, em Schiller, é jovem altiva e determinada, que defende sentimentos como direitos legítimos: “quando a barreira da desigualdade cair, quando esta odiosa diferença de condição se descolar de nós como uma casca, e os homens forem apenas homens”… Enquanto no drama verdiano, adquire caráter sensível e dócil, inclinada à submissão e aos valores de “classe inferior”...

Assim, na ópera de Verdi, pelas circunstâncias sociais e culturais, Luisa é personagem inclinado à renúncia e à resignação, à solidão e ao abandono, remetendo ao patético e ao sentimental; no lugar da altivez e coragem do personagem de Schiller, que remete à resistência e ao heroico. De outro, com certa ironia e alternando caráter e personalidades, Schiller apresenta, na mãe de Luisa, o personagem oportunista que vem “de baixo”, cuja ambição é, de fato, ascender socialmente através da filha…

Finalmente, a duquesa Federica – Lady Milford no texto original apaixonada por Rodolfo, ao perceber não ter o afeto do rapaz e ser alvo de trama sinistra, torna-se personagem veemente e crucial na crítica política, e percepção da decadência do aristocratismo. No entanto, perde protagonismo na ópera, assim como a mãe de Luiza… Mesmo com o drama de Schiller desvirtuado, o libreto de Cammarano é convincente e a ópera comovente, ao manter o intimismo; a afirmação trágica, mas intransigente do amor; e as hipocrisia e cinismo da sociedade aristocrática e burguesa – captando várias intensões do texto de Schiller… 

Para os apreciadores de Verdi, todas as óperas são de profundo interesse, integrando fabulosa trajetória criativa. No entanto, alguns autores destacam Luisa Miller – 15a ópera, entre as quatro grandes óperas que Verdi compôs, até então, junto com Nabucco, Ernani e Macbeth…

  • Sinopse de “Luisa Miller”
Figurino para “Luisa”, na ópera “Luisa Miller” – arquivo Ricordi.

Ação ocorre numa aldeia do Tirol, primeira metade do século XVII.

  • Personagens: Conde Walter (baixo); Rodolfo, filho de Walter (tenor); Miller, velho soldado (barítono); Luisa, sua filha (soprano); Federica, duquesa, sobrinha de Walter (mezzo); Laura, camponesa, amiga de Luisa (contralto); Wurm, serviçal de Walter (baixo); um camponês (tenor);
  • Coros: Damas de honra de Federica, pajens, membros da família, arqueiros e aldeões.

A ópera inicia com “Ouverture” (abertura orquestral)

  • Ato 1 – “Amor”

Cena 1: Numa aldeia do Tirol

Numa aldeia do Tirol, vizinhos comemoram aniversário de Luisa, filha de Miller, um velho e reformado soldado. Em coro, os aldeões fazem uma serenata “Ti desta, Luisa!” (“Desperta, Luisa!”). Luisa vive as primeiras fantasias e está apaixonada por Carlo, um rapaz que conheceu na aldeia. Entretanto, Miller, pai austero e protetor, está incerto diante deste amor misterioso…

Marietta Gazzaniga, soprano – “Luisa”, na estreia de “Luisa Miller”, 1849.

Mas, Luisa despertara para o amor e se expressa na ária “Lo vidi e’l primo palpito” (“Eu o vi e primeiro amor palpitou meu coração”), onde fala da afeição e esperança de reencontrar Carlo entre os aldeões… Em seguida, Carlo entra e Luisa mostra seu encantamento. Então, os jovens enamorados cantam o brilhante duetto “T’amo d’amor ch’esprimere” (“Te amo com um amor além do que as palavras possam expressar”)… Cena concluiu-se em concertato…

Os aldeões afastam-se e entra Wurm, um serviçal da corte, também apaixonado por Luisa. Wurm aproxima-se de Miller e reitera sua intenção de casar-se com Luisa. Miller dera certa abertura à aproximação, mas responde não ter intenção de impor casamento contrário aos desejos da filha, na ária “Sacra la scelta è d’un consorte” (“A escolha de um marido é sagrada”)…

Casualmente, Wurm é serviçal do conde Walter, pai de Carlo. E, frustrado com a resposta de Miller, revela ser Carlo um falso nome… O verdadeiro nome do apaixonado de Luisa é Rodolfo, filho de seu patrão. Então, Wurm deixa o local e Miller, surpreso e apreensivo, confirma sua desconfiança, mostrando-se ora desapontado, ora irritado com a situação, na cabalettaAh fu giusto il mio sospetto” (“Ah! Minha suspeita estava correta”)…

Achille De Bassini, barítono – “Miller”, na estreia de “Luisa Miller”. Atuou em diversas óperas de Verdi – Litografia Josef Kriehuber, 1854.

Cena 2: no castelo do conde Walter

De volta ao castelo, o ressentido Wurm informa conde Walter da afeição de Rodolfo por uma jovem aldeã. Walter chama o filho a sua presença. E, se Miller, pai de Luisa, ficou desapontado com os fatos, muito indignado ficará o conde, expressando toda contrariedade na ária “Il mio sangue la vita darei” (“Daria o sangue da minha vida”). Além de traição, Walter considerava a conduta de Rodolfo um castigo pessoal, fruto de irregularidades cometidas no passado… Luisa era uma aldeã sem perspectivas, filha de um velho e pobre soldado, enquanto Rodolfo pertencia à aristocracia…

E, à chegada de Rodolfo, Walter lhe apresenta um plano. Revela sua intenção de casá-lo com a duquesa Federica von Ostheim – jovem, rica, viúva e influente na corte… E recomenda que Rodolfo aproveite à vinda da duquesa ao castelo, vá ao seu encontro e peça em casamento, no duettino “Taci, È la duchesa! Incontro adessa moviam” (“Quieto, é a duquesa! Ao encontro.”)…

Figurino para “duquesa Federica”, da ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Rodolfo atende determinação do pai e, à chegada de Federica, aproxima-se. Ambos cantam o duetto “Dall’aure raggianti di vano splendor” (“Com aura radiante de vão esplendor”). Com sinceridade e na esperança de compreensão, Rodolfo confessa amar outra mulher. As palavras de Rodolfo surpreendem Federica, que estava apaixonada e aguardava pedido de casamento. A reação foi de dor, ciúme e revolta, sobretudo, ao sentir-se trocada por uma simples aldeã, sem posição, nem fortuna E ambos, Federica e Rodolfo, revelam os sentimentos e indignação no duettoDeh! La parola amara perdona al labbro mio” (“Por favor, perdoe meus lábios pelas palavras amargas”)…

Cena 3: arredores da casa de Miller

A cena abre com coro de caçadores “Sciogliete i levrieri!…” (“Dispersem os cães!…”). Luisa está em casa, à espera de Rodolfo. E Miller, que havia ido ao castelo, retorna furioso e com novas informações. Além do verdadeiro nome e posição social, agora sabia, através do intrigante Wurm, do iminente casamento de Rodolfo com a duquesa. Miller revela à Luisa, mostrando quanto estava sendo enganada e por um nobre aventureiro…

Neste ínterim, Rodolfo chega e admite suas insegurança e fraqueza, ao esconder o verdadeiro nome. Mas jura que seu amor é sincero. E adverte, se o conde se opusesse ao casamento, saberia como demovê-lo. Finalmente, ajoelhando-se diante de Miller, pede Luisa em casamento…

Figurino para “Rodolfo”, da ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Lúgubre sonoridade na orquestra anuncia chegada, inesperada, do conde, que havia saído para caçar… Conde Walter entra ofendendo Luisa. Indignado, diante da humilhação da filha, Miller ameaça vingança. E o conde ordena as prisões do velho soldado e sua filhaRodolfo intercede, mas o conde está inflexível. Então, Rodolfo ameaça o pai com uma revelação secreta: “de como conquistara o título de nobreza”… Surpreso e temeroso, o conde ordena solturas de Miller e Luisa

A cena é pontuada por intenso e magnífico quartetto, onde Rodolfo, à chegada do conde, canta “Tu, tu, signor fraqueste soglie! Ache vieni?(“Tu, senhor, nestas redondezas! A que vens?). Então, conde Walter agride Luisa em “Puro amor… L’amore abbietto di venduta sedutrice” (“Amor puro… Amor abjeto de vendas sedutoras”). Em defesa da filha, Miller responde: “A me portasti grave insulto! Io fui soldato!” e ameaça vingança. Conde manda prender Miller e Luisa. Mas, Rodolfo ameaça:“Trema! Svelato agl’uomini sara dal labro mio come giungeste essere conte Walter!” (“Trema! Pois, aos homens será revelado, dos meus lábios, como você tornou-se Conde Walter!”). Conde Walter liberta Miller e Luisa, e a cena cresce em tensão e comoção, finalizando no grande concertato “Fra mortalli ancora opressa” (“Entre mortais oprimidos…”). E conde Walter saí ao encontro de Rodolfo, que, furtivamente, deixara o local…

  • Ato 2 – “Intriga”

Cena 1: num quarto na casa de Miller

Na aldeia, Luisa está em casa e sua amiga, Laura, e outros vizinhos trazem más notícias, na cena e coro “Ah! Luisa, Luisa ove sei?” (Ah! Luisa, onde você está?”). Conde Walter decidira ignorar as ameaças de Rodolfo, e seu pai fora preso e arrastado por correntes. Luisa se desespera e decide ir ao castelo, mas chega Wurm, confirmando que Miller fora preso e terá pena de morte, por afrontar o conde

Figurino para “Luisa”, da ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Ardiloso, Wurm tenta convencer Luisa, no intuito de salvar seu pai, a escrever uma carta endereçada ao próprio Wurm, em “Eppure tu puoi salvarlo” (“No entanto, você pode salvá-lo”)… Onde Luisa confessaria que fora levada pela ambição, ao aceitar as insinuações de Rodolfo, mas que nunca o amara. Além disto, revelaria que seu verdadeiro amor era Wurm, em “Wurm, Io giammai Rodolfo amai…” (“Wurm, eu jamais amei Rodolfo…”) e que, diante do plano fracassado, propunha fuga da aldeia com o próprio Wurm – um conjunto de falsas alegações, que a prenderiam ao lado de Wurm, mas, quem sabe, libertariam seu pai, o velho Miller… Intercalados às falas e proposta de Wurm, ouvem-se curtos lamentos melódicos, em solos da orquestra…

Luisa, inicialmente, resiste à proposta, na grande ária “Tu puniscimi, O Signore”  (“Castiga-me, Senhor”). Mas, Wurm insiste, inclusive, ditando as frases, em “Sulcapo del padre, spontaneo lo escrito” (“Pela cabeça de meu pai, espontaneamente escrevo…”). E, finalmente, temendo pela vida do pai, Luisa decide escrever a carta, na cabaletta “A brani, a brani, o pérfido” (“Oh! Desgraçado! Oh! Pérfido”), onde amaldiçoa Wurm, que servia-se da fragilidade e imbroglio, para chantagea-la e obter compromisso matrimonial. Assim, Luisa via-se obrigada a renunciar ao amor por Rodolfo. E, em desespero, canta “Di morte io fero brivido tutta” (“Diante da morte, tremo toda”) e “Speranza nutro ancor” (“Esperança, ainda alimento”)…

Cena 2: numa sala do castelo de Walter

Antonio Selva, barítono – “Conde Walter”, na estreia de “Luisa Miller”, 1849.

No castelo, conde seguia articulando o futuro de Rodolfo. À chegada de Wurm, este informa que o plano seguia à contento. Luisa escrevera, de próprio punho, a almejada carta, renuciando à Rodolfo e humilhando-se… Conde Walter, no entanto, ainda temia que Rodolfo revelasse seu segredo – que “não foram assaltantes que assassinaram o antigo conde, seu primo, mas ele próprio, em cumplicidade com Wurm”, para pleitear herança, entre títulos e patrimônio… Assim, ambos percebem que deveriam continuar cúmplices, pois ainda corriam risco de desmascaramento, no sórdido duetto “L’alto retaggio non ho bramato” (“A nobre herança de meu primo”) e, depois, em “O meco incolume sarai, lo giuro!” (“Comigo você ficará ileso, eu juro!”)…

Entram a duquesa Federica e, depois, Luisa, acompanhada por Wurm. E, dando sequencia ao plano, Walter revela à duquesa que a relação de Rodolfo com Luisa era um golpe, um jogo de sedução a fim de envolver os sentimentos do filho e obter vantagens. A presença de Luisa, diante de Federica, portanto, era para obrigá-la a jurar que seu verdadeiro amor era Wurm… E, assim, Walter recuperaria a confiança de Federica, que também estava sendo manipulada… Sem alternativas, Luisa confirmou o conteúdo da carta…

A cena desenvolve-se em novo quartetto, com Walter, Federica, Luisa e Wurm, iniciando em recitativo… Conde Walter dirigi-se à Federica, em “di Luisa il cuore mai Rodolfo non ebbe” (“Rodolfo nunca teve o coração de Luisa”), ao que Federica pergunta: Fia vero? I chi potrebbe attestarlo?” (“É verdade? E quem poderia atestar isso?”), e Walter responde: “Ella stessa” (“Ela própria”)…

Figurino para “duquesa Federica”, da ópera “Luisa Miller”, de G. Verdi – arquivo Ricordi.

Luisa entra e Federica dirige-se: “Luisa m’odi… Non mentir. Ma no l’aspetto tu non hai di mentritice” (“Luísa, me odeia… Mas não minta. Você não parece uma mentirosa”)… Ami tu? (Você ama alguem?), Luisa responde: “Amo”; Federica indaga: “E chi” (“E quem?”), e Luisa responde: “Wurm”… Conflituada e em dor extrema, Luisa renunciava ao amor por Rodolfo, para salvar o pai

A cena encerra em quartetto à capela, quando Luisa canta “Come celar le smanie del mio geloso amore” (“Como esconder os desejos de meu amor ciumento”) e depois, “Ahimè, l’infranto core piu reggere non puo” (“Infeliz, um coração partido não pode mais aguentar”)…

Cena 3: no castelo, no quarto de Rodolfo

De outro, Wurm seguia outra face do plano. Num quarto no castelo, cena abre com allegro agitato, na orquestra. E, através de um camponês (contadino), Wurm faz chegar carta de Luisa ao conhecimento de Rodolfo, que não acreditou que aquele fosse o caráter de sua amada e que, de fato, ela o tivesse traído, em “Tutto è menzogna, tradimento, ingano…” (“Tudo é mentira, traição, engano…”) e canta a terna ária Quando le sere, al plácido chiaror d’un ciel stelatto” (“Ao entardecer, no brilho tranquilo do céu estrelado”)Mas, indignado, ao que parecia sórdida manipulação e calúnia, Rodolfo reage e desafia Wurm para um duelo, em “Ad entrambi è questa ora di morte!” (“Para nós, é a hora da morte!”), do qual o serviçal escapa, desferindo um tiro para o alto, avisando o conde e a criadagem …

Entra Walter, em “Rodolfo! Oh, Dio! Calmati…” (“Rodolfo! Oh, Deus! Acalme-se…”). E, tal como agiu Luisa diante de Wurm, em desespero, Rodolfo cede, em “Ah! Padre mio…”, e implora pela vida de Miller e por toda aquela situação… Conde Walter, maliciosa e hipocritamente, consola o filho, em “Deh! sorgi… m’odi… abbomino il mio rigor crudele” (“Ah! levante… me odeie… abomino meu rigor cruel”), mas aconselha o filho vingar-se daquelas ofensas, casando-se com a duquesa Federica – avançando no ardil do casamento… Sem alternativa, Rodolfo concorda, na dramática cabaletta “L’ara o l’avello apprestami! Al fato, io m’abbandono!” (“Altar ou sepultura preparam para mim! Ao destino, me abandono!”)

  • Ato 3 – “Veneno” – num quarto na Casa de Miller
Figurino para “Miller”, pai de “Luisa”, na ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Tema orquestral sombrio da Ouverture reaparece, em contraponto ao solo de Laura, amiga de Luisa, e coro, em “Come un giorno di sole, come ha potuto il duolo stampar su quela fronte cosi funeste impronte” (“Como um dia ensolarado poderia imprimir dor e marcas tão fatais naquela face”)… Na aldeia, camponeses tentam consolar Luisa. E Laura canta “Dolce amica, ristorar non vuoi di qualche cibo le affralite membra…” (“Oh, doce amiga, restaure suas forças com algum alimento…”), “Cedi all’amistà, cedi…” (“Ceda, pelos amigos…”), ao que Luisa responde “La ripugnanza mia rispettate. Lo imploro” (“Respeitem minha repugnância, eu imploro”)…

Ao longe e festivamente, anunciam casamento de Federica e Rodolfo, enquanto camponeses seguem a consolar Luisa. Afinal, Miller fora libertado e regressou. Então, Luisa suplica ao pai que entregue uma carta de despedida à Rodolfo. Em grande duetto com Miller, deprimida e inconsolável, Luisa pensa em suicidio, expressando-se na resignada e delicada ária La tomba è un letto sparso di fiori” (“O túmulo é uma cama cheia de flores”) Miller, em desepero, canta em “Figlia! Compreso d’orror, d’orror iosono. Figlia, potresti contro te stessa” (“Filha! Que horror! Você poderia ir contra si mesma…”) e Luisa responde: “È colpa d’amore!”…

Miller suplica à Luisa, em “Di rughe il volto, mira…” (“Olha as rugas em meu rosto…”), que desista de soluções extremas. Tenta convencê-la a deixarem a aldeia e reconstruirem suas vidas noutro lugar, em La figlia, vedi, pentita” (“A filha, vejo arrependida”) Cedendo às súplicas de Miller, Luisa responde em “Ah in quest’amplesso l’anima oblia quanti martiri provo finor. Pero fuggiam!” (“Ah, neste abraço a alma esquece os martírios, que ora sinto. Vamos fugir!”). E com alguma esperança, Miller e Luisa cantam “Come s’apressi la nuova aurora, noi parti!” (“Quando romper novo amanhecer, partiremos!”). Miller deixa o recinto, concluindo a cena…

Settimeo Malvezzi, tenor – “Rodolfo”, na estreia de “Luisa Miller”, 1849.

Da Igreja, ouve-se toque solene do órgão. Luisa, sozinha, canta “Ah! l’ultima preghiera in questo caro suolo” (“Ah! última oração neste querido solo”). Prestes a se casar, furtivamente, entra Rodolfo e despeja veneno numa jarra sobre a mesa. E pergunta à Luisa se, de fato, ela escrevera aquela carta: “Hai tu vergato questo foglio?” (“Você escreveu esta carta?”). Luisa confirma. Então, Rodolfo canta “M’arde le vene” (“Minhas veias queimam!”), bebe um copo de água e, em seguida, oferece à Luisa… Segue um apaixonado duetto! E Rodolfo, angustiado, pergunta se ela realmente amava Wurm. Luisa bebe da água, mas hesita responder…

Então, Luisa canta “Piangi, piangi il tuo dolore” (“Chora, chora tua dor”)… Para obter resposta, Rodolfo insiste e canta intensamente, em “Allo strazio ch’io soporto, Dio mi lascia!” (“No tormento que sofro, Deus me abandona!”) e revela que, em breve, ambos estarão diante de Deus, em “Con me, bevesti la morte… Al ciel rivolgiti, Luisa…” (“Comigo, bebeste a morte… Para o céu você irá, Luísa…”). E Luisa, sentido-se livre, revela que tudo não passou de chantagem e manipulação de Wurm, para que seu pai fosse libertado, em: “Muoro inocente”… “Avean mi padre i barbari avinto fra ritorte” (“Morro inocente”… “Os bárbaros haviam preso meu pai!”)…

Indignado, Rodolfo abomina sua origem, em “Maledetto, maledetto il di ch’io nacqui, il mio sangue, il mio padre” (“Maldito aquele do qual nasci, meu sangue, meu pai”), e Luisa responde: “Per l’istanti in cui ti piacqui, per la morte che s’appressa” (“Instante em que você mostra afeição, a morte se aproxima…”), desfalecendo sob efeito do veneno…  Miller retorna, em “Quai grida intensi? Chi veggo? Oh, cielo!” (“Que gritos intensos? Quem eu vejo? Oh céus!)… Rodolfo assume a culpa em “Chi? L’assassino, misero, vedi del sangue tuo” (“Quem? Assassino miserável, do seu sangue, você vê”) e Luisa interpela “Rodolfo, arresta!” (“Rodolfo, pare!”)… “Gia… mi… ser peggia la morte insen” (“Sim… eu… a morte me espera”) e Miller, transtornado, canta: “La morte! Ah, dite!” (“A morte! Ah, que dizes!”)…

Inicia-se grande tercetto, onde Luisa, Rodolfo e Miller rezam e se despedem. Luisa inicia em “Padre, ricevi l’estremo addio” (“Pai, receba meu último adeus”); Miller responde em “O figlia, o vita del cor paterno” (“Oh, filha, vida do coração paterno”)… E Rodolfo canta “Ambo congiunge, un sol destino” (“Ambos se unem, num único destino”)… Por fim, Luisa chama por Rodolfo em “Ah! viene meco… non lasciarmi” (“Ah! vem comigo… não me deixe”) e morre nos braços do pai…

“Morte de Luiza” – cena final de “Luisa Miller” – gravura.

Com a morte de Luisa, aldeões se aproximam e entram Walter, seguido de Wurm, para levarem Rodolfo ao altar. A duquesa o esperava… Mas, ao encontrar Wurm, Rodolfo toma uma espada e o trespassa. E, ainda desfalecendo, acusa o pai: La pena tua mira!!” (“Olha o teu castigo!!”). A ópera conclui-se com ambos, Miller e conde Walter, atordoados diante dos cadáveres dos filhos… 

– Cai o pano –

A dramaturgia “Sturm und Drang” foi de grande interesse para Verdi. Em “Luisa Miller”, aos 36 anos, realizava primeira incursão, retratando algo do intimismo e da vida burguesa. “Luisa Miller” se tornaria antecessora direta de “La Traviata”... E Verdi ainda abordaria temas de Friedrich Schiller em “Don Carlos”, sua 25a ópera. Uma profícua trajetória, que passaria por “Rigoletto”, “Ballo in Maschera” e “Aída”… E suas óperas patrióticas continuariam encenadas, fomentando os ideais do Resurgimento

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi – “O camponês de Roncole”.

Após estreia, “Luisa Miller” foi apresentada em Roma, 1850, Veneza, Florença e Milão, até 1852. Nos USA, por “Caroline Richings Company”, no Walnut Street Theatre”, Filadélfia, 1852; no “Teatro Provisório”, Rio de Janeiro, 1853; no Reino Unido, no “Her Majesty’s Theatre”, de Londres, 1858. E retomada em Berlim, 1927; seis apresentações no Metropolitan Opera”, de Nova York, em 1929/30; no “Maio Musical Fiorentino”, 1937; em Roma, 1949; e, novamente, no “Maio Musical Fiorentino”, 1966. Finalmente, a partir de 1968, no “Metropolitan Opera”, de Nova York, retornou às temporadas, pelo mundo, sendo apresentada frequentemente…

“Teatro Provisório”, depois “Teatro Lyrico Fluminense”, no “Campo de Santana”, Rio de Janeiro – Estreia de “Luisa Miller”, 1853.

No Brasil, apresentação de “Luisa Miller” ocorreu no Rio de Janeiro, 1853, quatro anos após sucesso em Nápoles, encenada no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Neste período, foram encenadas também “Macbeth”, 1852, “Attila”, 1853, “Giovana D’Arco”, 1860, e outras, como “Il Trovatore”, 1854, “La Traviata”, 1855, e “Rigoletto”, 1856… Posteriormente, foi demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…

Por fim, ressaltamos que Verdi foi um progressista, no lugar de reformista. Assim, aprimorou as formas da ópera, mas seguindo o tradicional encadeamento de solos, ensembles, coros e concertatos, além dos ballets e trechos orquestrais. Em Luisa Miller, a parte orquestral ganhou maior autonomia, através de contrapontos e solos instrumentais, que enriqueceram a textura musical Verdi adentrava nova etapa criativa…

  1. Gravações de “Luisa Miller”

Após temporada no “Metropolitan Opera”, de Nova York, 1968, “Luisa Miller” tem sido revisitada com sucesso:

  • Gravação em áudio da Opera d’Oro, 1951

“Coro e Orquestra da RAI”, direção Mario Rossi
Solistas: Lucy Kelston (Luisa) – Giacomo Lauri-Volpi (Rodolfo) – Scipio Colombo (Miller) – Miti Truccato Pace (Federica) – Giacomo Vaghi (Walter) – Duilio Baronti (Wurm)

  • Gravação em áudio da RCA Victor, 1964

“RCA Italiana Opera and Chorus”, direção Fausto Cleva
Solistas: Anna Moffo (Luisa) – Carlo Bergonzi (Rodolfo) – Cornell MacNeil (Miller) – Shirley Verrett (Federica) – Giorgio Tozzi (Walter) – Ezio Flagello (Wurm)

  • Gravação em áudio, 1975

“Nacional Philharmonic”, direção Peter Maag
Solistas: Monserrat Caballe (Luisa) – Luciano Pavarotti (Rodolfo) – Sherrill Milnes (Miller) – Anna Reynolds (Federica) – Bonaldo Giaiotti (Walter) – Richard van Allan (Wurm)
“London Opera Chorus”, Londres
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  • Gravação em áudio, 1976

“Coro e Orquestra do teatro Alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Monserrat Caballe (Luisa) – Luciano Pavarotti (Rodolfo) – Piero Cappuccilli (Miller) – Bruna Baglione (Federica) – Carlo Zardo (Walter) – Carlo Del Bosco (Wurm)
“Teatro Alla Scala”, Milão, Itália
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  • Video em DVD da “Deutsche Grammophon”, 1979

“Metropolitan Opera and Chorus”, direção James Levine
Solistas: Renata Scotto (Luisa) – Plácido Domingo (Rodolfo) – Sherrill Milnes (Miller) – Jean Kraft (Federica) – Bonaldo Giaiotti (Walter) – James Morris (Wurm)
Nova York, USA.

“Metropolitan Opera House” – “Lincoln Center”, New York, USA.
  • Gravação em DVD e áudio da “Deutsche Grammophon”, 1979

“Royal Opera House, Chorus and Orchestra”, direção Lorin Maazel
Solistas: Katia Ricciarelli (Luisa) – Plácido Domingo (Rodolfo) – Renato Bruson (Miller) – Elena Obraztsova (Federica) – Gwynne Howell (Walter) – Wladimiro Ganzarolli (Wurm)
“Covent Garden”, Londres
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  • Gravação VHS da “Polygram” – DVD “Kultur Video”, 1988

“Orquestra e Coro da Opera de Lyon”, direção Maurizio Arena
Solistas: June Anderson (Luisa) – Taro Ichihara (Rodolfo) – Edward Toumajian (Miller) – Susanna Anselmi (Federica) – Paul Plishka (Walter) – Romuald Tesarowicz (Wurm)
“Coro da Opera de Montpellier” – Lyon, França

  • Gravação em DVD – 1990

“Orquestra da Opera de Roma”, direção de Roberto Abbado
Solistas: Aprile Millo (Luisa) – Alberto Cupido (Rodolfo) – Luciana d’Intino (Federica)
Roma, Itália

  • Gravação em áudio CD da “Sony Classical” – 1991

“Metropolitan Opera and Chorus”, direção James Levine
Solistas: Aprile Millo (Luisa) – Placido Domingo (Rodolfo) – Vladimir Chernov (Miller) – Florence Quivar (Federica) – Paul Plishka (Walter) – Jan-Hendrik Rootering (Wurm)
Nova York, USA

  • Gravação em DVD da “Naxos” – 2006

“Orquestra e coro do Teatro La Fenice”, direção Maurizio Benini
Solistas: Darina Takova (Luisa) – Giuseppe Sabbatini (Rodolfo) – Damiano Salerno (Miller) – Ursula Ferri (Federica) – Arutjun Kotchinian (Walter) – Alexander Vinogradov (Wurm)
Veneza, Itália

  • Gravação em DVD “C maior” – 2007

“Orquestra e coro do Teatro Regio di Parma”, direção Donato Renzetti
Solistas: Fiorenza Cedolins (Luisa) – Marcelo Alvarez (Rodolfo) – Leo Nucci (Miller) – Katarina Nikolic (Federica) – Giorgio Surian (Walter) – Rafal Siwek (Wurm)
Parma, Itália

  • Gravação em DVD – 2008

“Paris National Opera Chorus and Orchestra”, direção Massimo Zanetti
Solistas: Ana Maria Martinez (Luisa) – Ramon Vargas Federica (Rodolfo) – Andrzej Dobber (Miller) – Maria Jose Montiel (Federica) – Alexander Vinogradov (Walter) – Kwangchul Youn (Wurm)
Paris, França

  • Gravação em DVD – 2010

Coro e Orchestra dell’Opera di Zurich”, direção Damiano Michieletto
Solistas: Barbara Frittoli (Luisa) – Fabio Armiliato (Rodolfo) – Leo Nucci (Miller) – Liliana Nikiteanu (Federica) – Laszlo Polgar (Walter) – Ruben Drole (Wurm)
“Opernhaus di Zurich”, Suiça

  • Gravação em DVD “Arthaus Musik” – 2012

“Coro e Orquestra da òpera de Malmö”, direção Michael Güttler
Solistas: Olesya Golovneva (Luisa) – Luc Robert (Rodolfo) – Vladislav Sulimsky (Miller) – Ivonne Fuchs (Federica) – Taras Shtonda (Walter) – Lars Arvidson (Wurm)
Malmö, Suécia

  • Gravação em áudio CD da “BR Klassik” – 2018

“Münchner Rundfunorchester”, direção Ivan Repusic
Solistas: Marina Rebeka (Luisa) – Ivan Magri (Rodolfo) – George Petean (Miller) – Judit Kutasi (Federica) – Marko Mimica (Walter) – Ante Jerkunica (Wurm)
“Chor des Bayerischen Rundfunks”, Munique, Alemanha

Cena de apresentação no MET – “Metropolitan Opera House”, New York.

Download no PQP Bach

Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Luisa Miller”, sugerimos video em DVD da “Deutsche Grammophon”, 1979, e do ”Metropolitan Opera and Chorus”, sob direção James Levine e grandes solistas… 

– Vozes solistas e direção

Renata Scotto, soprano italiano – “Luisa”, em “Luisa Miller”.

Os solistas são de primeira grandeza, de modo que pode-se apreciar e encantar-se com a beleza, interpretação e amplo domínio técnico de Renata Scotto, na ária “Lo vidi e’l primo palpito”, na cabaletta “A brani, a brani, o pérfido”, no quartetto, depois concertato, “Fra mortalli ancora opressa” ou no duetto final “Piangi, piangi il tuo dolore”. As exigências vocais em “Luisa” são imensas… 

Jean Kraft, mezzo-soprano norte -americano. “Duquesa Federica”, em “Luisa Miller”.

Na interpretação da “Duquesa Federica”, o mezzo-soprano norte-americano Jean Kraft, muito expressiva no duetto “Dall’aure raggianti di vano splendor” e “Deh! La parola amara perdona al labbro mio”. Jean Kraft integrou “New York City Opera” (NYCO) e “The Santa Fé Opera”. Após, juntou-se ao elenco do “Metropolitan Opera”, Nova York. Sua carreira no palco engloba cerca de 800 performances…

José Plácido Domingo Embil, tenor espanhol. “Rodolfo”, em “Luisa Miller”.

E reunindo talentos de ator e cantor, o grande tenor Plácido Domingo, em “Rodolfo”, destaca-se nas árias e ensembles, como no quartetto e concertato “Fra mortalli ancora opressa”, na ária “Quando le sere al plácido”, ou no duetto final “Piangi, piangi il tuo dolore”. Plácido Domingo notabilizou-se em temporadas na Europa e USA, além de atuar em produções para o cinema, música popular e regência de orquestra…

Sherrill Milnes, barítono norte-americano. “Miller”, em “Luisa Miller”.

Verdi privilegiava os barítonos e, em “Luisa Miller”, são três, as vozes médias e graves. No personagem ”Miller – pai de Luisa”, o grande barítono norte-americano Sherril Milnes, brilhante em “Ah! fu giusto il mio sospetto”, onde surpreende com um lá bemol agudo, ao final; ou no duetto “La figlia, vedi, pentita” e no tercetto final “Padre, ricevi l’estremo addio”. Também atuou em produções para o cinema, na ópera “Tosca”, de Puccini… .

Bonaldo Giaiotti, baixo italiano. “Conde Walter”, em “Luisa Miller”.

No personagem ”conde Walter – pai de Rodolfo”, o baixo italiano Bonaldo Giaiotti, atuante nas grandes casas de ópera do mundo e ao lado de grandes solistas. Nesta gravação brilha em “Il mio sangue la vita darei”, ou nos duettos “L’alto retaggio non ho bramato” e “O meco incolume sarai, lo giuro!”…

James Peppler Morris, baixo-barítono norte-americano. “Wurm”, em “Luisa Miller”.

E no perverso ”Wurm – auxiliar do conde Walter”, o baixo-barítono norte-americano James Morris, que estudou com o famoso soprano Rosa Ponselle e estreou na “Ópera de Baltimore”. Mais tarde, incorporou-se ao elenco do Metropolitan Opera”, em Nova York. Além do repertório italiano, destacou-se em papéis de Wagner, como “Wotan”, do ciclo “Anel do Nibelungo”. Nesta gravação brilha nos duettos “L’alto retaggio non ho bramato” e “O meco incolume sarai, lo giuro!”…

James Lawrence Levine – regente.

E as atuações de James Levine, à frente da “Orquestra Sinfônica de Boston” e, sobretudo, do “Metropolitan Opera House”, de New York, são amplamente reconhecidas. O grande regente faleceu em 2021…

Por fim, aplaudimos a orquestra, os coros e concertatos desta magnífica produção do MET – “Metropolitan Opera House”, de Nova York. “Luisa Miller” retornou aos palcos com grande vigor e receptividade. A obra flui com imensa variedade e riquesa musical, inaugurando aqueles novos caminhos, de intenso lirismo e dramaticidade, que consagraram Verdi!

Capa do DVD “Luisa Miller” – “Deutsche Gramophon”, 1979.
  • Em vídeo e audio, sugerimos também:
  1. produção do “Roayal Opera House” – “Covent garden”, Londres, 1979, com Katia Ricciarelli, Placido Domingo, Renato Bruson, direção de Lorin Maazel:

2. produção em áudio da “London Opera Chorus and Nacional Philharmonic”, 1975, com Monserrat Caballe, Luciano Pavarotti, Sherrill Milnes, Bonaldo Giaiotti, direção Peter Maag. (Clique aqui)

3. produção da “Paris Opera Chorus and Orchestra”, 2008, com Ana Maria Martinez, Ramon Vargas, Andrzej Dobber e Maria Jose Montiel, direção de Massimo Zanetti.

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“De Nova York, ‘Metropolitan Opera Chorus’ saúda leitores e equipe PQP Bach…”

“Todos somos culpados pelo bem que deixamos de fazer…” (Voltaire)

Alex DeLarge

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Homenagem a Ammiratore [Verdi/Beethoven: Quartetos em arranjos para orquestra de cordas – Previn]

Hoje é aniversário de nosso querido, saudoso Ammiratore e, por mais que quiséssemos, não conseguiríamos colocar em palavras a falta que ele nos faz. Assim, claro, vamos homenageá-lo com música.

Eu lhe alcancei esta gravação algumas semanas dele inaugurar sua imensa empreitada de publicar e comentar a obra completa de seu amado Verdi, que prossegue com o empenho e a minúcia do colega Alex DeLarge. Eu a recomendei primordialmente, como já decerto perceberam, pela presença da única obra de câmara deixada por Verdi: seu quarteto de cordas, uma peça despretensiosa, competentemente escrita durante um hiato ocioso na produção de “Aida”, e estreada diante de tão só alguns amigos. Aqui, ela tem uma roupagem orquestral dada por Arturo Toscanini e uma leitura muito hábil por André Previn, que mantém as texturas límpidas e muito afeitas à graça do original.

Menos óbvia, mas igualmente significativa, é a ligação entre Ammiratore e a obra que abre a gravação. O quarteto de cordas em Dó sustenido menor de Beethoven – certamente sua mais extensa, e provavelmente sua mais ambiciosa obra do gênero – não escapou ao projeto BTHVN 250, que nosso amável amigo acompanhou e comentou com entusiasmo durante todo 2020. Ele gostou tanto das publicações que teve a gentileza de me escrever em privado, agradecendo pelo empenho em completar o projeto, que muito o inspirou a encarar seu extenso Projeto Verdi. Além disso, ele também me era grato por apresentar-lhe obras de Ludwig que ele nunca antes conseguira antes acessar, como os últimos quartetos de Beethoven, que lhe teriam sido revelados (vejam como era gentil!) pelas minhas publicações. Passamos algum tempo a comentar pormenores dessas obras visionárias, até que ele mencionou que nenhuma delas lhe parecia tão sinfônica quanto o imenso Op. 131. Alcancei-lhe então esta gravação de Previn, que conduz o arranjo de Dmitri Mitropoulos ante os filarmônicos de Viena, para que pudesse experimentar a obra tocada pelas forças de uma orquestra.

Se não sei se ele a chegou a escutá-la, certamente nós outros o faremos agora, em sua memória – para que, enquanto a escutamos, também a escute o Ammiratore, lá nas Esferas.

Em nome de todos colaboradores do PQP Bach,

Vassily Genrikhovich


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Dó sustenido menor, Op. 131
Arranjo para orquestra de cordas por Dmitri Mitropoulos (1896-1960)

1 –  Adagio, ma non troppo e molto espressivo
2 – Allegro molto vivace – attaca:
3 – Allegro moderato – attaca:
4 – Andante, ma non troppo e molto cantible – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto – attaca:
5 – Presto – Molto poco adagio – attaca:
6 – Adagio quase un poco andante – attaca:
7 – Allegro

Giuseppe Fortunino Francesco VERDI (1813-1901)
Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Mi menor
Arranjo para orquestra de cordas por Arturo Toscanini (1867-1957)

8 – Allegro
9 – Andantino
10 – Prestissimo
11 – Scherzo – Fuga

Wiener Philharmoniker
André Previn, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

PQP Bach, pelo querido Ammiratore (1970-2021)

 

Giuseppe Verdi (1813-1901): “La Battaglia di Legnano” – ópera em quatro atos (Ricciarelli, Carreras, Manuguerra, Ghiuselev, Gardelli)

A estreia de “La Battaglia de Legnano” ocorreu em Roma, com a população nas ruas e a cidade tomada pelos ideais do Risorgimento. Havia muita indignação, pois o papa Pio IX não enviara ajuda à Lombardia, durante o levante de Milão. Mazzini e Garibaldi estavam em Roma e a república seria proclamada – de constituição liberal, eleições e liberdade religiosa…

Verdi acompanhou os ensaios e esteve presente no “Teatro Argentina”, que sediou a estreia. E quando o coro anunciou: “Viva Itália! Sacro un patto! Tutti stringi i figli suoi!”, a plateia explodia “Viva Itália! Viva Verdi!”. E, de tal forma, o tema exaltou o público, que os gritos e frenesi foram imensos, enquanto Pio IX refugiava-se…

A república romana teve curta duração, assim como os levantes na Lombardia e no Vêneto – esforços efêmeros, mas heroicos… A consciência popular estava consolidada e o sucessor da Sardenha-Piemonte, Vitor Emanuele, se tornaria líder e esperança da unificação… 

Assim terminava a 1ª guerra de independência, com restabelecimento da ocupação austríaca e proteção dos estados aliados, absolutistas e conservadores… Seriam necessários dez anos até novo esforço fosse realizado – então exitoso!

Proclamação da república Romana, fevereiro de 1849 – abolida pelos exércitos austríacos, espanhóis e franceses, com retorno do Papa Pio IX, em 1850
  1. Aspectos iniciais

Entre as diversas óperas que tratam da liberdade, “La Battaglia di Legnano” foi escrita especialmente para o Risorgimento, para reafirmar os ideais e enaltecer as mobilizações – uma ópera de exaltação patriótica e temática italiana. A trajetória de Verdi esteve intrinsecamente ligada à independência e à unificação, causas pelas quais lutou, tornando-se símbolo do Risorgimento…

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi: Músico e entusiasta da unificação italiana

Ao longo de sua vida, o músico compartilhou e festejou a unificação. Processo do início do sec. XIX, que prolongou-se até meados de 1870, pelo qual muitos morreram… Sobretudo, a partir de 1831, o Risorgimento fortaleceu-se com o pujante “Jovem Itália”, de Giuseppe Mazzini, que defendia a unificação mobilizando as camadas populares…

Estimulado pelo libretista Salvatori Cammarano e poeta Giusti, Verdi decidiu escrever mais uma ópera patriótica. Agora, desafiando a censura austríaca com a temática italiana, mesmo considerando aquele momento inadequado. Para Verdi, “a hora era de pegar em armas e lutar com determinação!”

A reação das nações europeias ao apelo do papa Pio IX, no entanto, foi enérgica e imediata. Em poucos meses, após estreia de “La Battaglia de Legnano”, ocorreu a retomada de territórios pelos austríacos, com apoio de franceses e espanhóis… Ainda assim, os levantes mostraram que a independência era possível e, de fato, seria alcançada, em dez anos…

De outro, os italianos suportariam por mais tempo a indesejável presença estrangeira e, com ela, a repressão e a censura. Humilhação exercida também pelas monarquias absolutistas italianas, que reafirmavam-se solidárias à Áustria

Conta-se, o Levante de Milão iniciou com uma campanha antiaustríaca, que desencadeou onda de revolta, com barricadas, apedrejamentos e tiros nas ruas, provocando enérgica reação dos soldados austríacos, com espadas e baionetas, o que transformou Milão numa praça de guerra, levando o experiente mal. Radetzki ordenar retirada das tropas austríacas…

“Cinco dias de Milão” – pintura de Carlo Bossoli

Os estranhamentos e provocações vinham do início de 1848, com o boicote ao fumo e ao jogo de loteria, produtos tarifados pelas autoridades austríacas… Nos “Cinco dias de Milão”, os austríacos seriam expulsos da Lombardia e do Vêneto, e diversas repúblicas proclamadas: em Roma, San Marino, na Toscana e na própria Lombardia…

Neste período, Verdi residia em Paris, onde havia estreado “Jerusalém” e, após 7 anos de viuvez, iniciava novo relacionamento, com a cantora Giuseppina Strepponi. Assim, na França concluiu “Il Corsaro” e compôs “La Battaglia di Legnano”. E, quando soube do levante de Milão, para lá se dirigiu…

“Il Duomo”, catedral de Milão, iniciada em 1386 e concuída em 1813, por Napoleão Bonaparte.

Para os milaneses a presença de forças estrangeiras era intolerável. Com registros de 400 AC, Milão era um centro histórico com intensa atividade cultural e comercial no norte da Itália. O levante, no entanto, ocorreu num conjunto de ações em vários estados, desencadeando a 1ª guerra de independência…

E a derrota intensificaria o ativismo de Mazzini e Garibaldi, Cavour e Vitor Emanuelle, e de artistas e intelectuais, como Verdi, Giusti, Grossi e outros. Além de notáveis personalidades femininas, como Cristina Trivulzio, Margaret Fuller, Anita Garibaldi e outras…

Além disto, havia uma complexidade adicional. A unificação requeria considerar a religiosidade popular e os estados pontifícios, que também seriam incorporados. Um duro golpe à Igreja, por fim, acordado no estado do Vaticano, bairro de Roma a ser administrado de forma autônoma – “Tratado de Latrão”, 1929

Estado do Vaticano – definido no “Tratado de Latrão”, 1929, com indenização da Igreja pelos territórios perdidos nas guerras da unificação italiana.

Tais mobilizações exigiam, sobretudo, grandes financiamentos, fossem de estados monárquicos ou apoiadores privados, a equipar, alimentar e transportar tropas, além de suportes em saúde e propaganda…

Na Itália, a ópera detinha imensa capacidade de comunicação e apelo popular – tornara-se o grande espaço de ativismo. E da plateia e galerias vinham os gritos e palavras de ordem, tais como “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuele, Re D’Italia”!… E, se a temática fosse nacionalista, mais inflamado reagia o público, transformando os teatros em grandes e contundentes atos políticos!… Intenso ativismo, no qual Verdi e outros envolveram-se profundamente – na consolidação do sentimento nacional!

Interior do “Teatro Argentina”, Roma
Estreia de “La battaglia di Legnano”, 1849
Pintura de Giovanni Paolo Pannini
  • Líderes institucionais – Cavour, Vitor Emanuele II e Napoleão III

Diante da intensa pressão que vinha dos movimentos intelectuais e populares, os estados monárquicos posicionavam-se frente à unificação – fosse contra ou a favor… E nesta crise regional, entre confluências e disputas de interesses, movimentava-se a política oficial, interna e externa. A 1ª guerra de independência foi mobilização estritamente interna, que mostrou força, mas não suficiente para afastar os austríacos…

Assim, a ordem do “Congresso de Viena” foi restabelecida. A “República Romana” e outras foram abolidas. E o papa Pio IX recuperou territórios. A derrota da Sardenha-Piemonte levou à renúncia de Carlos Alberto em favor do filho, Vitor Emanuele, que nomeou Cavour, chefe de gabinete

Cavour foi idealizador do periódico “Il Resurgimento”, 1847, que havia motivado o rei Carlos Alberto empreender a 1ª guerra de independência. A escolha de Cavour como chefe de gabinete, portanto, sinalizava que a Sardenha-Piemonte se manteria na direção da unificação. Agora, através de cuidadoso trabalho diplomático, além da recuperação econômica do país

Camilo Benso, Conde Cavour, chefe de gabinete de Vitor Emanuele.

Sardenha-Piemonte era um estado moderno, que divergia dos modelos autoritários e absolutistas de outras monarquias italianas… E mesmo com o fracasso da 1ª guerra de independência, Vitor Emanuele manteve a constituição liberal e, contrariando a Áustria, anistiou os revolucionários – o que lhe custou perda de territórios, mas credenciou como líder e esperança da unificação…

Vitor Emanuele II, da Sardenha-Piemonte
Líder monárquico do Resurgimento  (Em trajes de caça)

E, se havia conflitos sobre a forma de governo, entre monarquia ou república, liberalismo ou socialismo, prevaleceria, como solução política, uma monarquia parlamentarista de constituição liberal, abandonando-se disputas ideológicas que adiassem a unificação… E a Casa de Saboia pleiteava a futura monarquia italiana…

Além disso, o recente manifesto comunista de Marx e Engels, 1848, questionava as relações de trabalho e denunciava as formas de dominação econômica. Pressões que exigiam decisões céleres, quando a unificação, por si, representava imenso desafio… 

Luiz Napoleão, presidente na 2ª
república francesa e, depois, Napoleão III, na restauração do Império francês.

Tal como Verdi e outros receavam, o papel de Napoleão III foi ambíguo, visto que pleiteava também interesses franceses. Na 1ª guerra de independência, ainda como Luiz Napoleão, presidente da 2ª república francesa, lutou contra o Risorgimento. Apenas mais tarde, após autogolpe, tornando-se Napoleão III, apoiaria Vitor Emanuele na campanha e derrota da Áustria na 2ª guerra de independência. Mas condicionou a desocupação militar da Lombardia à incorporação de territórios de tradição francesa – ainda assim, um apoio decisivo…

Com habilidade e priorizando a incorporação da Lombardia, Vitor Emanuele concordou com as reivindicações, desde que legitimadas por plebiscito. E os ducados de Saboia e Nice foram cedidos à França… Posteriormente, as tropas francesas também se retirariam de Roma, facilitando a tomada dos “estados pontifícios”

 Líderes populares no Risorgimento – “os três Giuseppes”

Giuseppe Mazzini, líder da “Jovem Itália” na unificação italiana

Três nomes impulsionaram a grande mobilização, tornando-se símbolos populares do Resurgimento: Giuseppe Mazzini, Giuseppe Verdi e Giuseppe Garibaldi – “os três Giuseppes”…

Giuseppe Mazzini foi líder revolucionário, intelectual e político. De início, integrou a sociedade secreta dos “carbonários” e, em 1831, fundou o “Jovem Itália”, um movimento popular para fomentar a liberdade, o sentimento nacional e uma nova nação – laica, democrática e republicana…

O ativismo de Mazzini, em grande parte, deu-se no exílio. “Jovem Itália” nasceu em Marselha, França. E Mazzini estimulou frentes semelhantes em outras nações. Visionário, sonhava também com uma ordem europeia, considerado entre os precursores da atual União Europeia. Foi considerado por Metternich, chanceler austríaco, ”o mais perigoso inimigo da ordem social”… Com a derrota na 1ª guerra de independência e abolição da república romana, Mazzini e Garibaldi partiriam para novo exílio…

Marselha, 1833 – primeiro encontro entre os Giuseppes – Garibaldi (esquerda) e Mazzini (direita)

E nos anos de 1840, surgiria Giuseppe Verdi, compositor inspirado capaz de colocar música naqueles ideais, contribuindo para o amadurecimento dos sentimentos de identidade, nação e liberdade… Em 1848, o poeta Giuseppe Giusti escrevia à Verdi: “… neste momento, a tristeza que toma conta de nós, italianos, é de uma raça que sente necessidade de um destino melhor” – apelando a uma nova ópera de Verdi…

Giuseppe Giusti, poeta — entusiasta da unificação

A estes apelos, Verdi respondeu com “La Battaglia de Legnano”. Verdi dizia pouco entender de política, mas acompanhava os acontecimentos na Europa e, na Itália, era um ativista. Assim, integrou a delegação que levou adesão de Parma ao movimento de Vitor Emanuele; e no “Levante de Milão”, com outros intelectuais, buscou apoio da França, em carta que finalizava: “Não permitam que, no delírio do sofrimento e com aparente razão, erga-se o grito: infelizes os povos que acreditam nas promessas da França!”…

E, de fato, naquele momento – constituinte de 48, o apoio da França não viria. Pelo contrário, a França lutou contra o Risorgimento, enviando tropas para abolir a república romana. O apoio ocorreria dez anos após, com Napoleão III…

Giuseppe Verdi – entusiasta da unificação, nomeado senador por Vitor Emanuele, então monarca do reino da Itália, 1874.

Mazzini e Verdi estiveram juntos na estreia de “I Masnadieri”, 1847 – exílio de Mazzini em Londres. E reencontraram-se em Milão, no “Grande Levante”, 1848. Na ocasião, Mazzini pediu um novo hino à Verdi, por entender fraca a melodia de Michele Novaro “Il canto degli Italiani”, com versos de Goffredo Mamelli. A canção evocava a “Batalha de Legnano”, histórica vitória da “Liga Lombarda” sobre o Sacro Império Romano-Germânico”, 1176

Música de Michele Novaro, com poesia de Goffredo Mamelli – “Il canto degli Italiani”, 1847

Mazzini desejava um hino mais solene e Verdi aceitou, mas um tanto contrariado, pois a melodia de Novaro popularizava-se. Verdi atendeu com “Suona la Tromba”, sobre novos versos de Mamelli… Por fim, “Suona la Tromba” seria esquecida e adotada a Marcia Reale” da Casa de Sabóia, como hino da monarquia italiana, 1861. E a canção do Resurgimento – “Il canto degli Italiani” – se tornaria hino nacional apenas em 1946, permanecendo até a atualidade…

Enquanto Mazzini e Garibaldi lideravam movimentos populares e forças militares; Cavour e Vitor Emanule, como chefes de estado, interagiam com nações europeias e monarquias italianas; Verdi e outros intelectuais atuavam na sensibilização e fomento da identidade nacional, através da literatura e da música. Por fim, Vitor Emanuele homenagearia Verdi, nomeando-o senador da monarquia italiana, 1874…

Giuseppe Garibaldi,
herói de dois mundos

Já o republicano Giuseppe Garibaldi foi comandante de muitas lutas e amargou exílios. Na América do Sul, combateu na “Revolução Farroupilha”, sul do Brasil, onde chefiou a marinha farroupilha. Em Laguna, conheceu a catarinense e futura esposa Anita Garibaldi. Com a derrota dos farroupilhas para as forças imperiais, exilou-se no Uruguai e lutou contra forças argentinas

As incríveis façanhas de Garibaldi – deslocando embarcações por terra, puxadas por bois e sobre rodados de madeira, para escapar da marinha imperial brasileira, na “Revolução Farroupilha”

Sobre os farroupilhas, Garibaldi diria: “Quantas vezes desejei patentear ao mundo os feitos dessa gente viril e destemida, que sustentou, contra um poderoso império e por mais de nove anos, a mais encarniçada e gloriosa luta!” De outro, o armistício do “Poncho verde” seria maculado pelo controverso “massacre de Porongos”, onde os “lanceiros negros” seriam assassinados, como “parte do acordo com o Império”…

Do exílio sul-americano, Garibaldi retornou à Europa para lutar a 1ª guerra de independência. E sob seu comando, os “camisas vermelhas” entraram em Roma, onde foi proclamada a república, 1849. Naquele ambiente conflagrado e de extremo patriotismo, ocorreu a estreia de “La Battaglia de Legnano”, com Verdi presente. Após a derrota, Garibaldi amargaria novo exílio, então nos Estados Unidos, de onde empreenderia viagens pela America do Sul e Oceania…

Garibaldi com a esposa Anita, grávida e doente, que morreria perto de Ravena, após a retirada de Roma, 1849

Ao retornar do 2° exílio, 1854, Garibaldi encontraria Mazzini em Londres. E, em seguida, publicaria artigos aproximando-se de Cavour. Possivelmente, o republicano Garibaldi passava a admitir a monarquia como solução viável para a unificação… E, há muito, Garibaldi colaborava com a Casa de Saboia, da qual receberia o comando dos “Caçadores dos Alpes” para empreender a 2ª guerra de independência, junto com forças francesas, na vitoriosa campanha de libertação da Lombardia – armistício de “Villafranca”, 1859… E os tempos eram tais, que até o resistente e obstinado Mazzini escreveria: “não se trata mais de república ou monarquia, trata-se da unidade nacional – de ser ou não ser!”

“Partida dos Mil” de Garibaldi em direção ao sul da Itália, financiado pela Casa de Saboia

Ainda financiado pela Casa de Saboia, Garibaldi voltou-se para o sul – os “1.000 camisas vermelhas”, curiosamente, contavam 100 médicos, 250 advogados, 50 engenheiros e uma mulher, entre outros… E, apesar das baixas, voluntários chegavam de todas as partes, incorporando-se e fortalecendo a causa da unificação… Assim, a Sicília foi dominada, 1860…

Da Sicília, as forças atravessaram o estreito de Messina e adentraram a Calábria, já contando 20.000 voluntários, somados às deserções nas linhas inimigas, que mudavam de lado… Em Nápoles, Garibaldi encontrou a cidade desocupada e venceria os Bourbon em “Volturno”… Com a chegada das forças sardo-piemontesas, os “camisas vermelhas” incorporaram-se às tropas de Vitor Emanuele, que combatiam os estados pontifícios… E a monarquia italiana seria proclamada, 1861, com capital em Turim e depois Florença, 1865, antes mesmo da incorporação de Roma e do Vêneto…

“Encontro de Garibaldi e Vitor Emanuelle II, em Teano”, Pintura de Sebastiano de Albertis

Para legitimação da independência e recente monarquia, realizavam-se plebiscitos nas regiões ocupadas. A adesão popular era massiva, gradualmente, consolidando a unificação. E as façanhas de Garibaldi continuariam até a libertação do Vêneto, com apoio da Prússia, 1868, e tomada de Roma, 1870

  • As mulheres no Risorgimento – Cristina Trivulzio di Belgiojoso, Margaret Fuller e Anita Garibaldi

Para Alfred de Musset: “Cristina tinha os olhos terríveis de uma esfinge. Tão grandes, que me perdia dentro deles, sem conseguir encontrar a saída”…

Cristina Trivulzio di Belgiojoso, líder e apoiadora do “Risorgimento”

Personagem de especial importância, Cristina Trivulzio di Belgiojoso é lembrada como mulher de “cinco vidas”, pelas diversas fases que empreendeu, fruto de exílios e perseguições… Após a queda de Napoleão, 1815, a Áustria passou a exercer rígido controle dos estados italianos, levando Cristina aderir aos movimentos de libertação, 1820…

Para Cristina: “Das liberdades políticas e civis, os italianos só tinham a esperança… E quando os governantes austríacos e Bourbon revelaram-se tiranos incuráveis, os italianos sentiram o peso insuportável das correntes, amaldiçoando-as e preparando-se para os mais nobres sacrifícios”…

Marcante foi sua experiência em Roma, 1829, quando frequentou o salão de Hortênsia de Beauharnais e integrou-se aos republicanos “carbonários”. A casa de Hortência sediava a “carbonara romana”, onde Cristina conheceu o futuro imperador Napoleão III, depositando-lhe confiança e esperanças…

Franz Liszt, compositor e pianista, correspondente de Cristina Trivulzio – autor de inúmeras paráfrases sobre óperas de Verdi, Bellini e outros

Em Paris, conheceu a intelectualidade: escritores como Heine, Musset e Balzac; e músicos como Bellini e Liszt, que encantaram-se com a princesa italiana. Seus saraus eram tão prestigiados, quanto os de Marie d’Agoult, esposa de Liszt… Em Paris, apaixonou-se pelo historiador François Mignet, pai de sua filha Marie

Pertencente à rica família da Lombardia, Cristina financiou tropas, organizou hospitais e apoiou Mazzini em diversos motins. Nos dez anos em Paris, escreveu artigos e editou jornais políticos. Eram notórias suas discussões e divergências com Mazzini, sobretudo, quanto à ineficácia dos motins e rebeliões isoladas…

Na França, frequentou os saint-simonianos” e interessou-se pelo liberalismo católico... Em particular, pelo pensamento do abade Pierre-Louis Coeur, defensor de uma Igreja afinada com o progresso social. Por fim, Coeur frustrou-se, ao admitir tais expectativas muito distantes da realidade daqueles tempos…

“Chapéu com pena” de Ernani, símbolo de identidade e amor à pátria, na 5a ópera de Verdi.

Símbolo de identidade e subversão foi o “chapéu com pena”, do sec. XVI, que representava a prosperidade e as novas ideias, usado por “Ernani”, na 5ª ópera de Verdi. O adereço caracterizava um espanhol rebelde, que lutava contra injustiças. Seu uso popularizou-se, evocando a luta contra a tirania e amor à pátria… Por fim, foi proibido por Lanzenfeld, chefe da polícia austríaca, mas a população o adotou nos “Cinco dias de Milão”, seguindo Cristina di Belgiojoso – ardorosa musa do Risorgimento…

Cristina Belgiojoso usando “chapéu com pena”, do personagem de Verdi, representando a independência e amor à pátria

De volta à Lombardia, 1840, Cristina deparou-se com as condições miseráveis dos agricultores. Então, dedicou-se ao serviço social, organizou escolas, asilos e creches, além de associações de trabalhadores, antecipando o sindicalismo. Neste período, manteve correspondência com Musset, Liszt e outros, cultivando antigas amizades…

Por duas vezes reuniu-se com Luiz Napoleão: no exílio deste no Reino-Unido, 1839, onde reiterou a necessidade de apoio internacional à causa italiana; e depois na Fortaleza de Ham, França, 1845, onde o líder estava preso, após três tentativas de derrubar o rei Luis Felipe. O futuro Napoleão III, no entanto, era ambíguo. A depender da política europeia, não se posicionava com clareza frente à causa italiana…

Cristina, então, empenhou-se no fortalecimento da Casa de Saboia e do rei Carlos Alberto, que sozinho enfrentaria a Áustria, na 1ª guerra de independência. E, embora republicana, reconhecia a unificação mais urgente. Assim, admitia uma monarquia sob liderança da Sardenha-Piemonte…

Em Nápoles, 1848, financiou voluntários que decidiram lutar no norte da Itália, apoiando o Levante de Milão – cerca de 10.000 pessoas aglomeraram-se no porto para desejar sorte aos combatentes… Em poucos meses, no entanto, os austríacos retomaram Milão e Cristina seria obrigada a fugir. Neste ínterim, buscou novo apoio da França, sem sucesso…

E viajou à Roma, 1849, para a linha de frente, em defesa da república, que duraria 4 meses. Em Roma, organizou hospitais e apelou às mulheres, que aderiram solidarias à unificação… Com a derrota e abolição da república, sentiu-se traída por Luiz Napoleão, exilando-se novamente – novo capítulo em sua vida…

Fuga de Cristina Belgioioso para Malta, com exílio em “Ciaq Maq Oglù”, Turquia – anistiada após cinco anos

Cristina fugiu para Malta e dirigiu-se à Turquia, instalando-se em “Ciaq Maq Oglù”, perto de Ancara, onde organizou uma fazenda e escrevia contos e artigos sobre as aventuras no oriente, enviando-os à Europa. Assim, manteve-se por cinco anos. Em 1855, foi anistiada e retornou à Lombardia

Por fim, após 40 anos de lutas e a monarquia instaurada, deixou a política… Para tanto, mudou-se para Blevio, às margens do lago de Como, e levou dois antigos assistentes: Budoz, um turco que a acompanhava, há dez anos; e Miss. Parker, governanta inglesa… Cristina di Belgiojoso morreu aos 63 anos, 1871, com o Vêneto incorporado e Roma tornada a capital…

Entusiasta do Resurgimento, Margaret Fuller foi primeira correspondente de guerra da unificação, no intuito de informar e conquistar simpatia do público pela causa italiana. De jornalista à gestora de hospital, a escritora americana atuou no “New York Tribune” e no periódico “The Duel”, com Ralph Waldo Emerson. Conheceu o revolucionário Mazzini e esteve em Roma, 1849, durante o cerco das tropas estrangeiras

Margaret Fuller, escritora americana com intensa participação no Risorgimento

Em Roma, a pedido de Cristina di Belgiojoso, dirigiu o hospital “Fate Bene Fratelli”. E um cônsul americano testemunhou: “O tempo estava quente e sua saúde, fraca. Mortos e moribundos ao seu redor, em todas as formas de dor e horror… Seu coração e alma, no entanto, nunca desistiam. Margaret atendia a todos, fazendo o possível para confortá-los em seus sofrimentos”…

E ao lado de Garibaldi, a guerreira Anita combateu na 1ª guerra de independência, depois de participar da “Revolução Farroupilha”, sul do Brasil. A companheira brasileira esteve na instauração da república romana, 1849, quando adoeceu grávida, morrendo em Mandrioli, perto de Ravena, aos 28 anos…

Anita Garibaldi, combatente e companheira de Giuseppe Garibaldi – Homenageada em 2021, pelos 200 anos de nascimento (30/08/1821)

Sepultada em vala simples, dez anos se passariam até Garibaldi retornar ao local para traslado do corpo à Nice, na França. No sec. XX, o governo italiano trouxe os restos mortais para Roma, erguendo monumento no “Gianicolo”… Assim transcorreu o destino da jovem de 18 anos, que Garibaldi conheceu em Laguna, Santa Catarina…

Monumento à brasileira Ana Maria de Jesus Ribeiro (Anita Garibaldi) – Gianicolo, Roma

Por fim, curiosa é a trajetória de Hortênsia de Beauharnais, complexa personalidade e mãe de Napoleão III. A nobre francesa não foi ativista no Risorgimento, mas sua vida itinerante pela Europa, fruto da política francesa e crises no casamento com Luis Bonaparte, rei da Holanda, a levaram à Itália

Na Itália, sua casa sediou a “carbonara romana” e seus filhos lutaram ao lado dos republicanos contra o domínio austríaco. Com a queda de Napoleão, 1815, os Bonaparte tornaram-se “personae non gratae” na Europa. E Hortência, filha de Josefina e enteada de Napoleão, cultivou a tradição familiar, sempre lembrando os filhos do restabelecimento do Império… Atenta ao seu tempo, acompanhava os acontecimentos e novos cenários na política europeia…

Hortênsia de Beauharnais, rainha da Holanda, mãe de Napoleão III

Assim, o jovem e futuro Napoleão III lutou na Itália e, mais tarde, interviria na unificação. De início, considerado traidor por Cristina de Belgiojoso, posteriormente, seria decisivo na libertação da Lombardia... Talentosa e perspicaz, Hortência protegeu e preparou os filhos para a política e para o poder. Por fim, Napoleão III e Barão Haussmann, urbanista e prefeito de Paris, idealizariam a bela cidade, tal como é conhecida hoje…

– Na Itália, a adesão das mulheres ao Resurgimento foi imensa. Mulheres como Anna Zanardi, Giuditta Arquati, Sara Nathan, Giorgina Saffi e tantas heroínas anônimas… E aos insultos de Pio IX, Cristina di Belgiojoso respondeu: “Não vou discutir se entre centenas de mulheres que cuidaram de feridos, houvesse as de costumes condenáveis… O que sei é que nunca se retiraram! Nem das cenas e funções mais repugnantes, nem do perigo maior, quando os hospitais eram alvos das bombas francesas”…

  • 14ª Ópera – “La Battaglia di Legnano”, 1849

Cenário, 1176: As forças de Federico Barbarossa e da Liga Lombarda marchavam entre Borsano e Legnano. E, mesmo informadas da proximidade, encontraram-se repentinamente, desencadeando o combate sem tempo para qualquer estratégia…

“La Battaglia di Legnano” – pintura de Amos Cassioli, 1860

Sob um cenário político conflagrado, ocorreu a estreia de “La Battaglia di Legnano”. Concebida com marchas militares e grandes coros, a ópera evoca a batalha travada na Idade Média e destinava-se a enaltecer os levantes e ideais do Risorgimento, através da histórica vitória da “Liga Lombarda” sobre o poderoso “Sacro Império Romano-Germânico”

A vitória resultou na “Paz de Constança”, 1183, quando o norte da Itália conquistou maior autonomia – entre concessões administrativas, políticas e jurídicas… “Canto degli Italiani”, de Mameli e Novaro, hino do Risorgimento, 1847, e atual hino nacional, faz referência à memorável vitória: “dos Alpes à Sicília, por toda parte é Legnano”…

Aos 35 anos e domínio do gênero, Verdi escreveu uma ópera curta – 1hora e 50min – para elevar o patriotismo e resgatar o caráter determinado do povo italiano, capaz de insurgir-se contra a dominação externa… Sem maior rigor histórico, o libreto trata de antecedentes diplomáticos e da batalha, intercalados por um drama amoroso entre os personagens Lida e os amigos Arrigo e Rolando…

Salvatori Cammarano, libretista de “La Battaglia di Legnano”, “Alzira” e “Luisa Miller”

Verdi buscou efeito grandiloquente e teatral. E o libretista Salvatori Cammarano sugeriu adaptação da peça “La Bataille de Toulouse”, de Joseph Mér, substituindo personagens, locais e eventos… Nos anos seguintes, alvo da censura, a ópera foi apresentada com diferentes títulos e cenários, como “L’assedio de Haarlem”, com o imperador Barbarossa passando a duque espanhol e os patriotas italianos, a holandeses. Após a unificação, seria liberada no original, 1861…

Em Roma, no Teatro Argentina, 27/01/1849, “La Battaglia di Legnano” obteve grandiosa aclamação, embora poucas récitas. O 4º ato foi bisado na estreia e demais récitas e, apesar do entusiasmo popular com os acontecimentos, Roma permaneceria palco de guerra, onde as tropas de Mazzini e Garibaldi seriam forçadas à retirada e a república abolida…

“Teatro Argentina”, Roma – estreia de “La Battaglia di Legnano”, janeiro/1849

“La Battaglia di Legnano” seria a última ópera a enfatizar a temática histórica associada à liberdade. E, apesar do momento intensamente nacionalista, há algum tempo, Verdi interessava-se por temas de maior lirismo e subjetividade, como “Luisa Miller” e “Stiffelio”. E as óperas deste período – chamado “os anos nas galés” – seguiriam encenadas com sucesso, cumprindo os papéis político e patriótico almejados. Através delas, Verdi permaneceria engajado no Risorgimento

2. Sinopse de “La Battaglia di Legano”

 Personagens: Lida, mulher de Rolando (soprano) – Arrigo, soldado de Verona (tenor) – Rolando, duque de Milão (barítono) – Federico Barbarossa (baixo) – Primo console (baixo) – Secondo console (baixo) – Marcovaldo, prisioneiro alemão (barítono) – Il Podesta di Como (baixo) – Imelda, auxiliar de Lida (mezzo soprano) – Um araldo (tenor) – Um scudiero di Arrigo (tenor)

Coros: Cavaleiros da Morte, Magistrados e líderes de Como, povo e senadores milaneses, Guerreiros de Verona, Brescia, Novara, Piacenza e Milão, e forças do “Sacro Império Romano-Germânico”

Cena de “La Battaglia di Legnano”, Giuseppe Verdi

A ópera inicia com uma “Sinfonia” (abertura orquestral)

Ato 1 – Ele está vivo! (Arrigo)

Cena 1: Nos arredores de Milão

A cena abre com um “Allegro Marzialle”, orquestral. Nos arredores da cidade, 1176, populares reúnem-se para saudar a “Liga Lombarda” – cidades do norte da Itália que enfrentarão as forças de Barbarossa, monarca do Sacro Império Romano-Germânico, na cena com coro “Viva Itália! Sacro un patto! Tutti stringi i figli suoi!” (“Viva Itália! Um pacto sagrado! Todos abraçam seus filhos!”). E Arrigo, um jovem soldado dado por morto, reaparece para integrar as tropas e também reencontrar Lida, sua antiga namorada. Ferido em batalha, Arrigo agradece os cuidados maternos, na cavatinaLa pia materna mano” (“A mão gentil de uma mãe”)…

Gaetano Fraschini – tenor heroico, “Arrigo” na estreia de “La Battaglia di Legnano”. Atuou em óperas de Verdi e Donizetti

Surpreso com a presença de Arrigo, surge Rolando, comandante da tropa milanesa, que cumprimenta com entusiasmo o velho amigo, na romanza “Ah, m’abbraccia d’esultanza” (“Ah! Venha aos meus braços”). E inicia-se o grande “giuramento”, com solistas e coro em concertato, onde as tropas e cônsules comprometem-se a defender Milão da tirania, finalizando a cena com o “Allegro marzialle” inicial

Cena 2: Próximo às muralhas da cidade de Milão

Coro feminino saúda a chegada das forças a Milão, em “Plaude all’arrivo Milan dei forti, cui si commetono le nostri sorti” (“Aplaudam a chegada das forças, das quais depende nosso destino”). Com o desaparecimento de Arrigo, sua namorada, Lida, casou-se, não menos, com o amigo Rolando. Lida não compartilha da euforia nas ruas. Encontra-se deprimida, pois perdera pais e irmãos, além do antigo amor em guerras, o que lamenta em “Voi lo diceste, amiche, amo la pátria! Immensamente, io l’amo. Ma dove spande un riso la gioia, per me loco ivi non é” (“Vocês dizem, amigos, amo a pátria! E, imensamente, eu amo. Mas, onde expressam riso e alegria, a mim não cabe”), e na cavatina Quante volte come undono al signor la morte no chiesta” (“Quantas vezes a morte não é um presente do Senhor…”)

Teresa Di Giuli Borsi, soprano, “Lida” na estreia de “La Battaglia di Legnano”

Surge Imelda, auxiliar de Lida, e informa que Arrigo está vivo e que ambos, Rolando e Arrigo, encontraram-se. Surpresa, Lida expressa angústia e ansiedade na cabaleta “A frenarti il cor nel petto”… E, de fato, ao retornar para casa, Rolando traz o amigo desaparecido. Ao deparar-se com Arrigo, ambos descontrolam-se e confrontam-se. Em duetto, Arrigo, decepcionado, questiona Lida em “É ver? sei d’altri?” (“É verdade? Você é de outro?”), “Va… tu mi desti oror!” (“Vai… tu me causas horror!”); Lida responde ter sido encorajada pelo pai a casar-se, pois Arrigo fora dado por morto. Mas, indignada com os insultos, reage em “T’amai qual Ângelo, or qual demon t’abborro!” (“Te amei com um anjo, mas como demônio te abomino!”)…

 Ato 2 – “Barbarossa!” (na cidade de Como)

No coro masculino “Udiste? La grande, la forte Milano”, líderes da cidade de Como aguardam Rolando e Arrigo, como embaixadores da Liga Lombarda. Como fora tomada pelos germânicos, mas as forças de Barbarossa encontraram resistência em Pádua. Assim, Rolando e Arrigo, no duetto “Ah! Ben vi scorgo nel sembiante l’alto”, alegam ser momento de mobilizar os cidadãos de Como na defesa da causa italiana…

Federico Barbarossa, monarca do “Sacro Império Romano-Germânico”

Mas são surpreendidos com a chegada do imperador Barbarossa. Com suas tropas cercando Como e ameaçando Milão, exige que Rolando e Arrigo retornem e negociem uma rendição pacífica… Em grande e magnífico concertato, a cena inicia com terceto entre Barbarossa, Rolando e Arrigo, “A che smarriti e pallidi vi scorgo al mio cospetto” (“Desnorteados e pálidos, vejo em minha presença”) e o coro responde em “Su te Milan gia tuona” (“Em voce Milão já troveja”) e no “Grande e libera Itália sarà!” (“Grande e livre será a Itália!”). Ao que Federico Barbarossa retoma em “Il destino d’Italia son Io”. A grande cena conclui na stretta “Guerra adunque terribile! a morte!”

 Ato 3 – “Infâmia!” (na cidade de Milão)

 Cena 1: Na Basílica de Sant’Ambrogio, em Milão, Arrigo integra-se aos “Cavaleiros da Morte”, guerreiros comprometidos em lutar até a morte pela causa italiana. A cena abre em marcha fúnebre orquestral e o coro de cavaleiros entoa “Fra queste dense tenebre” (“Entre essas trevas densas”). Arrigo presta juramento no solo “Campioni de la morte”… E todos respondem, na grande cena com solista e coro, Giuriam d’Italia por fine ai danni” (“Juramos por fim aos danos à Itália”)

Arcos da basílica de “Santo Ambrósio”, construída entre os anos de 376/386, Milão, Itália

Cena 2: No castelo de Rolando, Lida é informada da adesão de Arrigo aos “Cavaleiros da Morte” e, apreensiva, tenta contatá-lo, enviando-lhe um bilhete, na cavatina “Questo foglio stornar potria contanta sciagura” (“Este bilhete irá reverter o infortúnio”), através de Imelda, sua auxiliar. Ao sair, Imelda depara-se com Rolando, que chegava para despedir-se de Lida e do filho.  Então, esconde o bilhete e sai furtivamente…

Ao despedir-se, Rolando pede á Lida, no caso de morte em batalha, educar o filho nos princípios do amor pela pátria, no duetto “Digli ch’è sangue italico”. Convocado por Rolando, entra Arrigo. Rolando desconhece a adesão do amigo aos “Cavaleiros da Morte” e, supondo que Arrigo fora designado para a guarda de Milão, pede que cuide da esposa e do filho, no caso de sua morte, na cavatina “Se al nuovo di pugnando al giorno, io chiudo il ciglio” (“Se lutando, um dia eu fechar os olhos”)…

Arrigo deixa a cena e surge Marcovaldo, um prisioneiro germânico, que possui certa liberdade. Apaixonado por Lida, Marcovaldo interceptara o bilhete de Imelda e, por ressentimento e vendetta, expõe Rolando à desonra, no solo “Rolando? M’ascolta”. Rolando explode em fúria, na cabaleta “Mi sccopia il cor! Ahi scellerate! Alme d’inferne! sposa ed amico tradir, tradir cosi!”, e sai à procura de Arrigo…

 Cena 3: Na torre do castelo, isolada num quarto e sem resposta ao bilhete, Lida decide encontrar Arrigo, que escrevia carta de despedida para sua mãe. No duetto “Regna la notte ancor”, ambos declaram amor um pelo outro e Arrigo, indagado, diz não ter recebido o bilhete. Lida procura dissuadi-lo da missão suicida, e Arrigo revela tristeza por vê-la casada. Finalmente, Lida alega que devam esquecer o antigo afeto, para preservar sua família. E Rolando, indignado, chega à procura de Arrigo. Assustada, Lida esconde-se…

Felippo Collini – barítono / “Rolando” na estreia de “La Battaglia di Legnano”

Rolando entra enfurecido e confronta Arrigo. Agora, ciente do juramento aos “Cavaleiros da Morte”, encoraja Arrigo a partir. Mas, ao mover-se no recinto, encontra Lida e extravasa em “Ah! d’un consorte, o perfidi”. No intenso e dramático tercetto “Vendetta d’un moment”, Arrigo confessa seu amor por Lida e, frustrado, diz preferir morrer em batalha, enquanto Lida declara-se culpada pelo bilhete…

Trombetas anunciam início da batalha, em “Le trombe i prodi appelanno!”. Como punição, Rolando aprisiona Arrigo na torre. impossibilitando-lhe de cumprir o juramento prestado aos “Cavaleiros da Morte” – um destino pior que a morte! Em desespero e defesa da honra, Arrigo salta da torre para o fosso do castelo, gritando “Viva a Itália!”… Rolando se retira para a batalha e Lida cai em lamentos…

  • Ato 4 – “Para morrer pela Pátria!”

Numa praça em Milão, ouvem-se, do interior do templo, preces pela vitória, no coro “Deus meus, pose illos ut rotam”. Lida associa-se ao coro na grande cena “Ah! se d’Arrigo e di Rolando, a te la vitta io raccomando” (“Ah! Arrigo e Rolando, desejo-lhes a vida”). Então, ouvem-se gritos, “Vitoria! Vitória!”. E um cônsul anuncia “Popol, gioisci! Vincemmo!” (“Povo, alegrai-vos! Vencemos!”)…

Todos respondem “Dio clementi!” e cantam o hino da vitória “Dall’Alpi a Cariddi echeggi vitoria” (“dos Alpes à Cariddi ecoa a vitória”). Mas, ao lúgubre toque da trompa, Lida, angustiada, canta “Qual mesto suon” (“Que som triste”). E o coro anuncia um cavaleiro moribundo, enquanto outros afirmam que Barbarossa fora atingido em batalha por Arrigo…

“La Battaglia di Legnano”, por Massimo d’Azeglio,1831

Em cortejo, “Cavaleiros da Morte” entram carregando Arrigo, mortalmente ferido. Arrigo se dirige à Rolando em “Questa man, Rolando, pri che l’agghiacci, della morte il gelo, stringer” (“Esta mão, Rolando, você não quer apertar, antes do gelo da morte…”) e reafirma a dignidade de Lida em “Per la salvata Italia” e “Il cor di Lida è puro”. Ao reconciliar-se com Lida emPieta mi scende all’anima”, ao que ela responde em “Il doce afetto antico”, Rolando perdoa Arrigo…

Arrigo inicia o grandioso concertato final “Chi muore pela pátria”. Lida, Rolando e Imelda cantam “Apri, signor, l’empiro al tuo guerrier” (“Abre senhor, teu império ao guerreiro”), sobre o coro, que entoa “Te Deum, te deum laudamus”… E Arrigo, em último alento, proclama: “É salva Itália!”

–  Cai o pano  –

“La Battaglia di Legnano” representa o ápice do nacionalismo verdiano. Escrita num momento de grande ousadia, em que os italianos lançavam a primeira ofensiva pela independência. Para Verdi e outros, alcançar a vitória era primordial e “La Battaglia di Legnano” encerra sua fase de grande apelo patriótico…

Em dez anos, novo e exitoso esforço seria realizado pela unificação. Neste interregno, apesar de imbuído a escrever mais uma ópera patriótica, a partir de Luisa Miller e Stiffelio, Verdi ampliaria sua linguagem, migrando para o profundo lirismo de “Rigoletto”, “La traviata” e “Il trovatore”. E, novamente, surpreenderia o mundo musical, projetando a ópera italiana a novos patamares – obras que marcariam definitivamente o teatro lírico do século XIX…

Giuseppe Verdi: “O camponês de Roncole”

Após a estreia, “La Battaglia di Legnano” foi encenada no Teatro Carlo Felice, Gênova, 1850; Teatro Regio di Parma, 1860; Teatro San Carlo, Nápoles, 1861; e no Teatro alla Scala, Milão, 1916, retornando às temporadas e registros em áudio a partir de 1940…

Verdi não foi reformista, mas um progressista que elevou o gênero. Assim, suas óperas observam a forma tradicional de números – solos, ensembles, coros e concertatos, além dos ballets e trechos orquestrais. “La Battaglia di Legnano” é uma grande cantata cênica, onde sobressaem-se os coros e concertatos, embora com momentos solistas excepcionais. E, de forma sucinta – apenas 1hora e 50min. de música – aliam-se pompa e dramaticidade…

3. Vídeos e gravações de “La Battaglia di Legnano” 

3.1 Vídeos e Gravações

  • Gravação em áudio, 1951 – licenciado para “Naxos”

“RAI Opera Orchestra”, direção de Fernando Previtali
Solistas: Caterina Mancini (Lida) – Amedeo Berdini (Arrigo) – Rolando Panerai (Rolando) – Mario Frosinin (Federico Barbarossa)
“RAI Chorus”, Milão, Itália

  • Gravação em áudio, 1959 – licenciado para “Naxos”

“Orquesta Maggio Musicale Fiorentino”, direção de Vittorio Gui
Solistas: Leyla Gencer (Lida) – Gastone Limarilli (Arrigo) – Giuseppe Taddei (Rolando) – Paolo Washington (Barbarossa) – Olga Carossi (Imelda)
“Maggio Musicale Fiorentino Chorus”, Floreça, Itália

  • Gravação em áudio, 1961 – licenciado para “Myto records”

Orchestra of the Teatro alla Scala”, direção de Gianandrea Gavazzeni. 
Solistas: Antonietta Stella (Lida) – Franco Corelli (Arrigo) – Ettore Bastianini (Rolando) – Marco Stefanoni (Barbarossa) – Aurora Catellani (Imelda)
“Chorus of the Teatro alla Scala”, direção de Norberto Mola
Milão, Itália

  • Gravação em áudio, 1963

“Orquesta Teatro Giuseppe Verdi di Trieste”, direção de Francesco Molinari-Pradelli
Solistas: Leyla Gencer (Lida) – João Gibi (Arrigo) – Ugo Savarese (Rolando) – Marco Stefanoni (Barbarossa) – Bruna Ronchini (Imelda)
“Chorus Teatro Giuseppe Verdi”, Trieste, Itália

 Gravação em áudio da Phillips, 1977

“ORF Radio Symphony Orchestra de Vienna”, direção de Lamberto Gardelli
Solistas: Katia Ricciarelli (Lida) – José Carreras (Arrigo) – Matteo Manuguerra (Rolando) – Nicola Ghiuselev (Barbarossa) – Ann Murray (Imelda)
“ORF Radio Chorus”, Viena, Áustria

  • Video, 2001

“Orquestra do Teatro Massimo Bellini”, direção de Walter Pagliaro
Solistas: Elisabete Matos (Lida) – Cesar Hernandez (Arrigo) – Giorgio Cebrian (Rolando) – Manrico Signorini (Federico Barbarossa) – Pina Sofia (Imelda)
“Chorus do Teatro Massimo Bellini”, direção de Tiziana Carlini, em Catania, Itália

 Video – 2012

“Orquesta Teatro Giuseppe Verdi di Trieste”, direção de Boris Brott
Solistas: Dimitra Theodossiou (Lida) – Andrew Richards (Arrigo) – Leonardo López Linares (Rolando) – Enrico Giuseppe Lori (Barbarossa) – Sharon Pierfederici (Imelda)
“Chorus Teatro Giuseppe Verdi”, Trieste, Itália

3.2 Download no PQP Bach

Para download da música de Verdi em “La Battaglia di Legnano”, sugerimos gravação em áudio da Phillips, 1977, da “ORF Radio Symphony Orchestra de Vienna”, direção de Lamberto Gardelli e grandes solistas:

 Vozes solistas e direção

Catiuscia Maria Stella Ricciarelli – Katia Ricciarelli, soprano | “Lida” em “La Battaglia di Legnano”

“La Battaglia di Legnano” requer grande elenco. E o personagem “Lida”, uma voz magistral. Assim, pode-se apreciar a belíssima voz de Katia Ricciarelli, grande soprano italiano, em diversos e expressivos momentos, como “Quante volte come um dono”, no magnífico duetto “Digli ch’e sangue”, ou no concertato final “Chi muore pela pátria”…

Ann Murray, mezzo-soprano irlandesa | “Imelda” em “La Battaglia di Legnano”

No discreto personagem “Imelda”, o excelente e versátil mezzo soprano irlandês, Ann Murray, formada pelo “College of Music”, Dublin, atuando nos ensembles e no grandioso “Chi muore pela pátria”…

Jose Carreras – tenor catalão | “Arrigo” em “La Battaglia di Legnano”

“La Battaglia di Legnano” privilegia, sobretudo, os papéis masculinos. Assim, aprecia-se o notável “Arrigo” do tenor catalão Jose Carreras, na plenitude vocal, em “La pia materna mano” ou no tercetto “Vendetta d’un momento”…

Nicola Ghiuselev – barítono | “Federico Barbarossa” em “La Battaglia di Legnano”

No personagem de ”Federico Barbarossa”, o excelente barítono búlgaro Nicola Ghiuselev, especialista em ópera russa e italiana. Ao longo de sua carreira, interpretou diversos papeis de Verdi, Mussorgski e outros. Muito expressivo no tercetto “A che smarriti e pallidi vi scorgo al mio cospetto”…

Matteo Manuguerra – barítono / “Rolando” em “La Battaglia di Legnano”

E no papel de “Rolando”, um grande barítono verdiano, o francês, nascido na Tunísia e filho de italianos, Matteo Manuguerra. Formado pelo Conservatório de Buenos Aires, iniciou os estudos musicais aos 35 anos, brilhando em “Se al nuovo di pugnando al giorno, io chiudo il ciglio” ou na cabaleta “Mi sccopia il cor! Ahi scellerate!…

Além do notável trabalho de Lamberto Gardelli, regendo a “ORF Radio Symphony Chorus and Orchestra”, de Viena, produzindo e resgatando grandes obras musicais

Lamberto Gardelli – regente

Por fim, cumprimentamos e aplaudimos a orquestra, os grandes coros e concertatos desta magnífica gravação. Ressaltamos que “La Battaglia di Legnano” está repleta de grande música, que vale ouvir e conhecer!

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

  • Em áudio, sugerimos também:
  1. Produção de 1959 do “Orquesta Maggio Musicale Fiorentino”, direção de Vittorio Gui, com excelentes interpretações de Leyla Gencer (Lida) – Gastone Limarilli (Arrigo) – Giuseppe Taddei (Rolando) – Paolo Washington (Barbarossa)

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Jose Carreras, 75 anos, cumprimenta equipe e leitores do PQP Bach!…

“Temos a arte para não morrer da verdade” (Friedrich Nietzsche)

Alex DeLarge

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Il Corsaro” – Ópera em três atos (Norman, Caballe, Carreras, Mastromei, Gardelli)

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Il Corsaro” – Ópera em três atos (Norman, Caballe, Carreras, Mastromei, Gardelli)

Uma anedota: “Certa feita, os jovens músicos, Muzio e Verdi, notaram um incêndio no centro de Milão e para lá se tocaram. Ao chegarem, perceberam que bombeiros solicitavam voluntários para ajudar no combate ao fogo. Verdi não quis permanecer e pulou um muro, enquanto Muzio acabou convocado para ajudar. Verdi, no entanto, ao transpor o muro, caiu num terreno baixo, dos jardins públicos e ficou a espera que as pessoas se dispersassem, pelo lado de fora, para sair…   

No dia seguinte, ambos se encontraram. Muzio, extenuado pela noite passada, ouviu de Verdi alguns gracejos. Mas sabia que a escapada de Verdi não tinha sido das melhores… Os portões dos jardins estavam fechados e Verdi não conseguiu escalar de volta. Aprisionado no local, teve de juntar pedras e outros objetos, por hora e meia, até construir um trampolim que desse acesso ao topo do muro”…

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi |
Músico e entusiasta da unificação italiana.
  1. Aspectos iniciais e vida familiar

“Il Corsaro” e “La battaglia de Legnano” encerram o período que Verdi, mais tarde, chamaria de ”os anos nas galés”… Intensa produção relacionada à sua afirmação como compositor e ideais pela unificação italiana e libertação da Lombardia – sob domínio austríaco. Nesta época, os grandes coros, como Va’ pensiero, sull’ali dorate”, tornavam-se vigorosos apelos libertários e patrióticos…

Em Paris, palco da estreia de “Jerusalém”, 1847, Verdi iniciava, com Giuseppina Strepponi, uma nova relação conjugal, após sete anos de viuvez. Além de tratar dos libretos de duas novas óperas, “Luisa Miller” e “Stiffelio” – uma transição para a linguagem que viria com “Rigoletto”, “Il trovatore” e “La traviata”…

A perda da família no primeiro casamento – dois filhos e depois a esposa – num curto espaço de tempo, entre os 25 e 27 anos, foi muito dolorosa, sobretudo porque a primeira esposa, Margheritta, era filha do dileto amigo e incentivador, Antonio Barezzi, uma figura paternal… Mais tarde, Verdi lembraria: “Um terceiro caixão saía da minha casa. Eu estava sozinho! Sozinho!”…

Margheritta Verdi Barezzi | Primeira esposa de Verdi

Mas, passado o tempo, tanto os amigos, quanto seus protetores estranhavam o isolamento e desejavam vê-lo reconstruir a vida pessoal e familiar. Verdi tinha apenas 34 anos e um futuro… Assim, a relação com Giuseppina foi bem vista, um achado e uma inspiração… Giuseppina era uma artista sensível e consciente do talento e da contribuição que Verdi daria à música e ao mundo…

A admiração mútua vinha desde os tempos da estreia, em Milão, de “Oberto, conde di san Bonifácio” – sua primeira ópera. E ela havia cantado o desafiante papel de “Abigaille”, em Nabucco, numa fase em que sua voz, precocemente, declinava. Ao reencontraram-se, Giuseppina era uma artista prestigiada e lecionava canto em Paris, embora não mais atuasse. E Verdi alcançava sucesso internacional, com estreias inéditas em Londres e Paris

Giuseppina Verdi Strepponi / Segunda esposa de Verdi

Durante a passagem por Paris, ocorreria a estreia de “Il Corsaro”, em Trieste, Itália, no “Teatro Grande”, 25/10/1848. E o momento político na Europa era explosivo. No alvorecer de 1848, logo após a estreia de “Jerusalém”, iniciava-se um levante na Lombardia, que terminaria nos “Cinco dias de Milão” e no simbólico “22 de março” – episódio heroico na luta pela libertação da Lombardia e da unificação italiana. E outros levantes e revoluções explodiriam na França e na Alemanha

  • Insurreições na Europa, 1848 – “A primavera dos povos”

Período conhecido como “Primavera dos povos”, em 1848 eclodiram diversas revoluções e manifestos pela Europa, marcando um conjunto de reivindicações liberais e trabalhistas. Simultaneamente ao “Levante de Milão”, ocorreu a “Revolução de 1848”, em Paris, com a abdicação do rei Luis Felipe, aos brados de “liberté, l’égalité ou la mort”, levando à “segunda república” francesa…

“A liberdade conduzindo o povo” (pintura de Delacroix, 1830)

Em Colônia, Alemanha, intelectuais e operários, 3 de março, saíram às ruas em protesto; e em Berlim, uma insurreição, 18 de março – com apoio da burguesia pela unificação dos estados alemães, exigia que Frederico Guilherme adotasse políticas liberais e convocasse uma “Assembleia Nacional“, eleita por sufrágio universal. De outro, enquanto a revolução expandia-se, os conservadores no parlamento – entre príncipes e latifundiários – debatiam a contra revolução…

Em abril, Marx e Engels chegaram à Alemanha e lançam a “Nova Gazeta Renana“, custeada também por industriais liberais – a revista propunha uma aliança entre socialistas e liberais pela democracia… E em 1849, ocorreria o “Levante de Dresden”, liderado pelo anarquista russo Mikhail Bakunin e por Stephan Born, da classe operária, com apoio de Richard Wagner, então militante no “Vaterlandsverein”, que defendia a democracia e uma sociedade aberta a novas formas de arte… A adesão ao levante custou-lhe o cargo vitalício de Kapellmeister em Dresden”, além de 11 anos de exílio dos estados alemães…

Aos 36 anos, Wagner fugiria pela França, fixando-se na Suiça, com passagem por Veneza. Neste período, avançou na tetralogia “Anel do Nibelungo”, iniciou os “Mestres Cantores” e compôs “Tristão e Isolda”. Por fim, obteve a anistia e, aos 51 anos, uma oferta decisiva: o apoio de Ludwig II, da Baviera…

Era o advento de ideias políticas e filosóficas: Marx e Engels com o “manifesto comunista”, denunciavam o sistema de dominação e exploração do trabalho, em defesa do socialismo e da luta de classes; o anarquismo e o liberalismo pregavam democracia; e os processos de unificação avançavam nos estados europeus…

Na França, após a “Assembleia Constituinte”, de 1848, a maioria moderada elegeu Luís Napoleão, presidente na “Segunda República”, que, durante o mandato, liderou um autogolpe, restaurando o Império e tornando-se Napoleão III, com importante papel na unificação italiana, além do Reino Unido e Prússia

Na Itália, o processo realizou-se através de uma complexa articulação diplomática conduzida pelo conde Cavour e o rei Vitor Emanuele II, da Sardenha-Piemonte, apoiados por lideranças como Giuseppe Mazzini, do “Jovem Itália”; por republicanos, como Giuseppe Garibaldi e outros… Todos convergindo, por consenso, a uma monarquia parlamentarista e liberal, o que permitia adesão da maioria dos estados italianos…

  • O “Risorgimento”, 1815 – 1870

Após a derrota de Napoleão, emergiram vários e complexos movimentos contrapondo-se ao “Congresso de Viena”, que manteve o sistema de monarquias na península itálica, sob controle da Áustria. Os ideais nacionalistas, no entanto, mantiveram-se, estimulados pelo progresso econômico; pelo idioma – único e aglutinador; e pelo romantismo italiano, que se identificava com o “Risorgimento letterario” e politizava-se. Assim, temas aparentemente literários ou históricos alertavam para a escravidão e tirania – condições a que se submetiam os italianos…

O movimento originou-se em sociedades secretas e pensamentos diversos, entre liberais e socialistas, monarquistas e republicanos, depois intensificados pelo “Jovem Itália” de Giuseppe Mazzini, que defendia a mobilização popular como essencial para a integração e a unificação. A denominação veio do jornal “Il Risorgimento”, 1847, do conde Cavour, que estimulou o rei Carlos Alberto, da Sardenha-Piemonte, a aderir à causa da unificação, depois sucedido pelo filho, Vitor Emanuele II…

Giuseppe Mazzini, da “Jovem Itália” | Líder na unificação italiana

Tais movimentos, no entanto, tinham por oposição as monarquias tradicionais e absolutistas, dispersas pela península e apoiadas pela Áustria; nos “estados pontifícios”, administrados pelo papa, uma complexidade adicional; e no povo, extremamente católico, um elemento cultural e religioso relevante…

Verdi era liberal e anticlerical. Participou da mobilização, que durou cerca de 22 anos, desde o “Levante de Milão”, 1848; à declaração do “reino da Itália”, 1861; até a unificação, 1870, tornando Roma, a capital. A questão do estado do “Vaticano” ainda adentraria no sec. XX, finalizando o processo… Sua música identificou-se com aqueles ideais políticos e anseios populares, permitiu cantar-se a liberdade e semear a autodeterminação, tornando-se símbolo do “Risorgimento”. E, em 1874, seria nomeado senador por Vitor Emanuele IIentão monarca da Itália unificada…

  • 13ª Ópera – “Il Corsaro”, 1848

Verdi desejava estrear “Il Corsaro” em Londres, mas foi convencido a não fazê-lo, por tratar-se de literatura inglesa e do famoso poema de lord Byron, que tanto apreciava, mas que seria, fatalmente, avaliado pelo público e pela crítica inglesa – Byron era um autor extremamente polêmico… No lugar, decidiu por “Il Masnadieri”, para Londres, e “Il Corsaro”, para Trieste. De suas 28 óperas, “Il Corsaro” revelou-se entre as menos encenadas, embora trechos sejam executados frequentemente…

George Gordon Byron – Lord Byron | Poeta de “The Corsair”

Destinada à Trieste, o contrato vinha de Francesco Lucca, segundo Verdi, “um cavalheiro extremamente odioso e indelicado”, do qual desejava livrar-se. E Verdi trabalhou apressadamente, inclusive sem polemizar o libreto – como era seu costume – com Francesco Piave… E não compareceu à estreia, abdicando de ajustar a música durante os ensaios – outro costume… O trabalho foi concluído em fevereiro, 1848, cedendo todos os direitos de publicação e representação – como, de fato, a livrar-se de Lucca

Finalmente, enviou a partitura à Emanuele Muzio, seu amigo e assistente, que regeria a estreia. No entanto, Muzio não pode fazê-lo, pois havia fugido para Suiça durante o “Levante de Milão” – situação extremamente instável no norte da ItáliaMuzio e Verdi ficariam alguns anos sem reencontrar-se… A ópera, por fim, estreou dirigida por Luigi Ricci e com o soprano Marianna Barbieri-Nini, que havia cantado “Lady Macbeth”, a qual Verdi assessorou, por correspondência… Na terceira récita, no entanto, a ópera foi retirada e, aparentemente, Verdi não se importou…

“Grande Teatro”, em Trieste, Itália – estreia de “Il Corsaro”. Hoje, “Teatro Lirico Giuseppi Verdi”

Neste ano, 1848, exceto em breve período, na primavera, em que Giuseppina esteve em Florença e depois encontraria Verdi em “villa Le Roncole” – cidade natal do músico, o casal manteve-se em Paris. Eventos revolucionários ocorriam, simultaneamente, na Itália, Alemanha e França e, possivelmente, Giuseppina preferia que permanecessem em Paris, na residência em Passy…

E Verdi acompanhava os acontecimentos na França, onde Luis Felipe abdicou para evitar agravamento da violência e iniciar negociações para instaurar a “Segunda República”. Para Verdi, politicamente nada acontecia, a não ser o grande funeral dos que tombaram, junto ao monumento à “Bastille”, que acompanhou pessoalmente… Mas lhe interessava a “Assembleia Constituinte”, que legitimaria a “Segunda República”, com eleição de Luís Napoleão… Para a Itália, só iria se acontecimentos o demandassem…

E quando recebeu notícias do “Levante de Milão”, para lá se dirigiu. Os “Cinco dias de Milão”, embora não sendo vitória duradoura, marcariam o início da expulsão dos austríacos e da unificação italiana – um longo e complexo processo… E Verdi escreveria à Piave, então em Veneza: …“Honra à toda a Itália que, neste momento, está sendo grande! Fique certo que a hora da libertação chegou!… É o povo que o exige e não há poder absoluto que possa resistir à vontade popular”…

 E, de fato, o “Risorgimento” só ganhou força quando foi às ruas e mobilizou a gente italiana pela ideia de nação – “um idioma, um povo e um território”, conforme defendia o movimento “Jovem Itália”, de Giuseppe Mazzini… Além da hábil condução diplomática, militar e política de Cavour e Vitor Emanuele, unindo os italianos sob o slogan: “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuele, Re D’Italia”!…

Italianos picham os muros: “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuele, Re D’Italia”!

Com entusiasmo, Verdi admitiu: …neste momento “não escreveria uma nota musical, nem por todo o ouro do mundo… Sentiria imensa culpa em usar para a música, o papel que serve para fazer cartuchos. Bravo, Piave! Bravo, a todos os venezianos! Abaixo os pensamentos paroquiais, vamos estender uma mão fraterna e a Itália se tornará a melhor nação do mundo”… Assim, eclodia a primeira guerra de independência italiana…

No entanto, Verdi faria novo esforço criativo em mais um tema patriótico, na ópera “La Battaglia di Legnano”, por sugestão do libretista Salvatori Camaranno e apelo do poeta Giuseppe Giusti: “o acorde de tristeza sempre encontra eco em nosso peito… e assume diferentes aspectos, dependendo da época, da natureza e do lugar… neste momento, a tristeza que toma conta de nós, italianos, é de uma raça que sente necessidade de um destino melhor”…

“Episódio dos Cinco Dias de Milão” | Pintura de Baldassare Verazzi

Assim, ao contrário de óperas anteriores, “Il Corsaro” desconectou-se do que acontecia na Itália e na Europa. Sua motivação e primeiros esboços precediam “Macbeth”. Portanto, antes mesmo de “I Masnadieri” e da revisão que resultou em “Jerusalém”. De outro, musicólogos percebem inovações na concepção das árias, que apontam de forma incipiente, para uma transição e novos contornos melódicos, cujos sinais apareceriam mais claramente em “Luisa Miller” e “Stiffelio”. Onde a subjetividade ganharia relevância sobre os temas e contextos históricos, aliando lirismo e renovação temática…

O libreto de “Il Corsaro” foi elaborado por Francesco Maria Piave, que havia trabalhado com Verdi em “Ernani”, “I due Foscari” e “Macbeth”. E o poema épico de lord Byron enfocava “mais os humores dos personagens, do que os eventos que os provocavam”, aliado a um conteúdo histórico pouco representativo em simbolismo político. Assim, a ópera resultou num drama de ação e romance, cujo libreto manteve a forma de narrativa, quem sabe, reduzindo a tensão dramática, mas enfatizando a psicologia dos personagens – os acontecimentos são interiores, subjetivos… O amor entre Medora e Corrado, o desejo de liberdade da escrava Gulnara e o amor de Seid. Algo novo e promissor na dramaturgia verdiana!…

Entusiasta do poema de Byron, Verdi planejou a ópera com grande interesse e, mesmo em meio aos contratempos e problemas de saúde, demonstrava à Piave o desejo de concluí-la… Mas, se boa parte da música estava pronta, com o tempo, Verdi mudou. E, tendo direcionado sua energia a outros trabalhos, argumentou a Lumley, empresário britânico, que “Il Corsaro” era inadequada para Londres, por ser “enfadonha e teatralmente ineficaz”…

“Francesco Maria Piave”- libretista de
“Il Corsaro” e diversas óperas de Verdi

Por fim, a ópera foi mal recebida, deixando o sentimento de que “Trieste merecia uma ópera melhor”, apesar da qualidade do elenco… Sobretudo, se comparada às anteriores, “Macbeth”, “I Masnadieri” e “Jerusalém”, pareceu, à época, um trabalho menor… Mas o estilo e domínio do gênero estão presentes, com momentos de grande beleza e expressão – a assinatura lírica e orquestral de Verdi! Atualmente, todas as óperas de Verdi, com maior ou menor frequência, são encenadas…

2. Sinopse de “Il Corsaro”

  • Personagens: Corrado, chefe dos corsários (tenor); Medora, amante de Corrado (soprano); Seid, Pasha de Corona (barítono); Gulnara, favorita de Seid (soprano); Giovanni, um pirata (baixo); Selimo, guerreiro de Seid (tenor); um eunoco (tenor); um escravo (tenor)
  • Coros: Corsários, mulheres, soldados, líderes e povo muçulmano.
  • Ato 1 – Numa ilha grega do mar Egeu, início dos anos 1800

A ópera inicia com breve e agitado “Prelúdio” orquestral.

Corsário – figurino

 Cena 1: O navio de Corrado

Numa ilha montanhosa, abrigo de corsários, um coro masculino anuncia a presença do chefe Corrado, que se encontra refugiado. Nostálgico, Corrado recorda sua infância e reflete sobre a existência, na ária “Tutto parea sorridere” (“Tudo parecia sorrir”). Mas, ao ter notícia de ações hostis do Pasha turco, Seid, decide reunir os comparsas e agir, atacando as forças turcas, na cabalettaSì, de Corsari il fulmine”.

Gaetano Fraschini – tenor heroico,
“Corrado” na estreia de “Il Corsário”. Atuou em óperas de Verdi e Donizetti

Cena 2: casa de Medora

Medora, sozinha e ansiosa, aguarda o retorno de Corrado, seu amante, pois pressente acontecimentos terríveis, na bela e vagamente sinistra romanzaNon so le tetre immagini” (“Maus pressentimentos não consigo afastar de meus pensamentos”). Com a chegada de Corrado, Medora tenta dissuadi-lo de partir, mas o corsário está decidido a enfrentar Pasha Seid, no belo duetto “No, tu non sai”, onde exaltam o amor e certa desconfiança no futuro…

  • Ato 2 – No porto de Corone, Turquia

Cena 1: No harém do Pasha Seid

No harém, cercada de cuidados, encontra-se Gulnara, a favorita do Pasha Seid. Gulnara, no entanto, sente-se triste e frustrada – é uma escrava, apesar das regalias e atenções do Pasha... Solitária, almeja a liberdade e um amor verdadeiro, na cavatina “Vola talor dal cárcere” (“Às vezes meu pensamento voa livre de sua prisão”)…

Obrigada a compartilhar a vida social, Gulnara é convidada pelo Pasha Seid para uma festa, onde celebrarão, antecipadamente, a vitória sobre os corsários – um confronto naval. Imersa em angústias, Gulnara volta-se para si mesma, novamente a sonhar com a liberdade, na cabaletta “Ah conforto è sol la speme” (“As almas perdidas encontram conforto na esperança”). Ao que as mulheres do harém respondem “ser ela, Gulnara, a esperança de todas”…

Marianna Barbieri-Nini, soprano
“Gulnara” na estreia de “Il Corsaro”

Cena 2: No banquete

No banquete, Pasha Seid e seus liderados evocam a proteção de “Allah”, para fortalecerem sua confiança e crença na vitória, na grande cena com solista e coro “Salve, Allah! tutta quanta” (“Salve Allah! Toda a terra ressoa com seu nome poderoso”). Em meio à comemoração, aproxima-se um servo e indaga ao Pasha se um “dervixe” – espécie de monge mendicante islâmico – pode adentrar a reunião. Pasha Seid permite e ambos cantam o duettino “Di que ribaldi tremano”… Mas, de imediato, todos percebem grandes chamas na orla marítima, no concertato “Ma qual luce diffondeci” – a frota do Pasha fora incendiada!…

Neste ínterim, o “dervixe” revela-se: não passava de Corrado disfarçado… E, de pronto, os corsários invadem o local, antes mesmo da mobilização das forças do Pasha. Uma batalha é travada. Inicialmente, Corrado e seus comparsas levam vantagem, mas vendo que o “harém” pegava fogo, Corrado decide salvar Gulnara e as outras mulheres, permitindo que os soldados do Pasha reorganizem-se… Ao agir pela segurança e proteção das mulheres, Corrado comete um erro estratégico, ficando em desvantagem no intenso combate…

Soldado turco – figurino

Corrado é preso e Seid o desafia, no concertato, com solistas e coro, “Audace cotanto, mostrarti pur sai?” onde reconhece a coragem e ousadia de Corrado, mas que o destino lhe foi generoso, permitindo vencer, aprisionar o líder e os demais corsários – foram dominados e serão condenados à terrível morte, mesmo aos inúteis apelos de Gulnara e do “harém”, implorando por suas vidas…

  • Ato 3

Cena 1: Nos aposentos de Seid

Mesmo regozijando sua vitória, Seid desconfia dos sentimentos de Gulnara, na ária “Cento leggiadre vergini”, onde exclama que cem virgens poderiam amá-lo, mas “seu coração batia apenas por Gulnara”… Seid receava que o arrojo de Corrado tivesse despertado o amor de Gulnara, que sonhava uma nova vida…

Enraivecido, enquanto aguarda a chegada de Gulnara, o Pasha planeja sua vingança, na cabaleta “S’avvicina il tuo momento” (“Seu momento se aproxima, sinto terrível sede de vingança”). Gulnara adentra e Pasha Seid, enciumado, questiona-lhe os sentimentos… Impulsiva, Gulnara declara que ama Corrado, confirmando as desconfianças de Seid, que lhe faz ameaças. Mas, Gulnara mostra-se resistente e decidida a enfrentar “o destino e as tempestades que virão”, no duetto “Sia l’istante maledetto”… E o Pasha a expulsa do recinto…

Achille De Bassini – barítono | “Pasha Seid” na estreia de “Il Corsario”
Atuou em diversas óperas de Verdi

Cena 2: Na prisão

Corrado está preso e aceita resignado sua condenação, na pungente ária “Eccomi prigionero!” (“Aqui estou, um prisioneiro”). Gulnara surge, após subornar um carcereiro, com intuito de retribuir a bondade e coragem de Corrado. E entrega-lhe uma faca, para proteger-se e usá-la contra Seid. Mas Corrado recusa o plano de Gulnara, alegando que existem princípios e honra entre combatentes, mesmo entre corsários…

De outro, Corrado percebe os sentimentos de Gulnara, quem sabe, a projetar nele suas esperanças de liberdade. E revela seu amor por Medora, no duetto “Al mio stanco cadavere”… Gulnara, frustrada, afasta-se dali e decide, ela própria, matar o Pasha…

Ouve-se um breve interlúdio com a música tempestuosa do prelúdio da ópera, que ambienta e sugere um assassinato… Gulnara mata Seid e confessa a autoria, no solo “Già l’opra è finita”. Com Seid morto, Gulnara e Corrado conseguem fugir da cidade de “Corone”…

Cena 3: Na ilha grega do mar Egeu

Na ilha dos corsários, desiludida e fragilizada, Medora ingere um veneno, ao imaginar que nunca mais encontraria Corrado. Mas, um veleiro aponta no horizonte trazendo Corrado e Gulnara, que fugiam de “Corone”… Medora e Corrado reencontram-se num intenso e afetuoso abraço… E ouve-se o magnífico terceto final “Voi tacete io non oso interrogarvi”, onde os personagens cantam seus sentimentos. Corrado relata como libertaram-se dos turcos, no solo “Per me infelice vedi costei” (“Infeliz por mim, você vê essa mulher… ela arriscou a vida, para salvar a minha”), ao que Gulnara responde em “Grazie non curo”…

“A separação de Corrado e Medora”,
pintura de Charles Wynne Nicholls

Em meio à imensa alegria e amoroso reencontro, Corrado percebe que Medora desvanece e está morrendo. Corrado cai em lágrimas e desespero… Medora lamenta em “O mio Corrado”… E as poucas alegrias, reminiscências da infância – evocadas na sua ária inicial, que lhe consolavam na solidão, desaparecem… Um sentimento amargo e profundamente triste o invade. A morte de Medora tirava o significado de sua própria existência… Resoluto e incontrolável, mesmo com seus companheiros tentando contê-lo, Corrado abandona a si mesmo e salta de um penhasco para morrer…

  • – Cai o pano –

Densidade, extensão e variedade marcam a obra de Verdi. Uma energia criativa que o alimentou em diversas etapas e até o final da vida, revelada em “La traviata”, “Aída”, no apocalíptico “Réquiem” ou nas derradeiras “Otello” e “Falsttaf” – “musicando a liberdade e a autodeterminação, o amor e o trágico, o espirituoso e o escárnio, a ambição e a vendeta, os acertos e desacertos humanos”…

Sempre a surpreender seus contemporâneos, quando o consideravam obsoleto e acabado, Verdi tornou-se o autor de óperas mais executado no mundo. Inclusive na Alemanha, de Beethoven e Wagner, suas récitas perdem apenas para uma única ópera: “A flauta Mágica”, de Mozart

Giuseppe Verdi |
“O camponês de Roncole”

Após a estreia, “Il Corsaro” foi encenada em Milão e Turim, 1852, e em Modena, Novara, Veneza e Vercelli, 1853, sendo esquecida por mais de um século. Retornou às temporadas em 1963, em Veneza, e em 1966, fora da Itália, período em que teatros europeus resgataram inúmeras obras abandonadas pelo público…

Escrita na forma tradicional de números – solos, ensembles, coros e concertatos, além de prelúdios e intermezzos orquestrais, “Il Corsaro” inclui, de forma sucinta, apenas hora e meia de música, também “leitmotivs” – reminiscências temáticas no decorrer da ópera – que intensificam a expressão e dramaticidade…

3. Gravações de “Il Corsaro”

Após resgate no teatro “La Fenice”, “Il Corsaro” tem sido revisitada com sucesso:

 3.1 Videos e Gravações

 Gravação em áudio, 1971

 “Orquesta y Coros del Teatro La Fenice di Venezia”, direção de Jesús López Cobos
Solistas: Giorgio Casellato Lamberti (Corrado) – Katia Ricciarelli (Medora) – Angeles Gulin (Gulnara) – Renato Bruson (Seid)
“Coros del Teatro La Fenice di Venezia”, Frankfurt, Alemanha

 Gravação em áudio da Phillips, 1975 – relançado pela Decca, 2013

 “New Philarmonia Orchestra”, direção de Lamberto Gardelli
Solistas: Jose Carreras (Corrado) – Jessye Norman (Medora) – Montserrat Caballe (Gulnara) – Gian-Piero Mastromei (Seid)
“Coro Ambrosian Singers”, Londres, Inglaterra

 Video, 1996

 “Orquestra do Teatro Regio di Torino”, direção Mauro Avogadro
Solistas: José Cura (Corrado) – Barbara Frittoli (Medora) – Maria Dragoni (Gulnara) – Roberto Frontali (Seid, il Pascià)
Coro do “Teatro Regio di Torino”, Itália

 Video – 2004

 “Orquestra do Teatro di Parma”, direção de Renato Palumbo
Solistas: Zvetan Michailov (Corrado) – Michela Sburlati (Medora) – Adriana Damato (Gulnara) – Renato Bruson (Seid)
“Coro do Teatro Regio”, Parma, Itália

 Gravação de áudio – 2005

 “Orquestra do Teatro Carlo Felice”, direção de Bruno Bartoletti
Solistas: Giuseppe Gipali (Corrado) – Serena Farnocchia (Medora) – Doina Dimitriu (Gulnara) – Roberto Servile (Seid)
“Coro do Teatro Carlo Felice”, Gênova, Itália

 Video – 2008

 “Orquestra do Teatro Regio di Parma”, direção de Carlo Montanaro
Solistas: Bruno Ribeiro (Corrado) – Irina Lungu (Medora) – Silvia Dalla Benetta (Gulnara) – Luca Salsi (Seid)
“Coro do Teatro Regio”, Parma, Itália

3.2 Download no PQP Bach

 Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Il Corsaro”, sugerimos a gravação em áudio da Phillips, 1975, relançada pela decca, 2013, com a “New Philarmonia Orchestra” e coro “Ambrosian singers”, direção de Lamberto Gardelli e grandes solistas:

Vozes solistas e direção

Jessye Mae Norman, soprano | “Medora” em “Il Corsaro”

Neste trabalho, os solistas são celebridades, de modo que o ouvinte poderá apreciar a beleza e versatilidade de Jessye Norman, em “Medora”, na romanza Non so le tetre immagini” e no duetto “No, tu non sai”…

María de Montserrat Bibiana Concepción Caballé i Folch | Soprano catalã – “Gulnara” em “Il Corsaro”

Comover-se e encantar-se com a cor, domínio técnico e incríveis pianíssimos de Montserrat Caballe, soprano catalã, como “Gulnara”, em “Vola talor dal cárcere”, no duetto “Sia l’istante maledetto”, ou no terceto final, “Voi tacete io non oso interrogarvi”…

Jose Carreras – tenor catalão | “Corrado” em “Il Corsaro”

Ou o notável “Corrado”, do tenor catalão Jose Carreras, no auge da carreira, na cabaletta Sì, de Corsari il fulmine” e em Eccomi prigionero!”…

Gianpiero Mastromei – barítono | “Pasha Seid” em “Il Corsaro”

E no personagem do ”Pasha Seid”, o grande barítono italiano Gianpiero Mastromei, interpretando “Cento leggiadre vergini” e a cabaletta “S’avvicina il tuo momento”. Mastromei formou-se na “Escola de arte Lírica” do “Teatro Colón”, Buenos Aires. Cidade que o acolheu e manteve contato ao longo da carreira…

Lamberto Gardelli – regente

Além do trabalho de Lamberto Gardelli, sensível e credenciado regente à frente da “New Philarmonia Orchestra” e dos “Ambrosiam Singers”…

Por fim, cumprimentamos e aplaudimos a orquestra, os grandes coros e concertatos. Ressaltamos que “Il Corsaro”, embora pouco encenada, trata-se de grande música, que vale a pena ouvir e conhecer… Não por acaso, tem retornado às temporadas e com impecáveis elencos!

Capa CD Philipps de “Il Corsaro”

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Sugerimos também:

  1. Gravação em áudio: “Orquestra y Coros del Teatro La Fenice di Venezia”,1971, com as brilhantes atuações de Katia Ricciarelli, Angeles Gulin e Renato Bruson, direção de Jesús López Cobos:

2.    Video: “Orquestra do Teatro Regio di Torino”, 1996, com belas atuações de Barbara Frittoli, Maria Dragoni, José Cura e Roberto Frontali, direção de Mauro Avogadro:

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“Va’ pensiero, sull’ali dorate” pelo “Grande Coro PQP Bach”…

“Música é a arte mais perfeita: nunca revela o seu segredo” (Oscar Wilde)

Alex DeLarge

Giuseppe Verdi (1813-1901): Jerusalém – Ópera em quatro atos (Mescheriakova, Giordani, Scandiuzzi, Luisi)

Giuseppe Verdi (1813-1901): Jerusalém – Ópera em quatro atos (Mescheriakova, Giordani, Scandiuzzi, Luisi)

Maior compositor italiano de seu tempo, Verdi seguiu tradição de quase três séculos — desde Monteverdi e Vivaldi, até Rossini e Donizetti. E aos 34 anos, projetava-se na Europa, recebendo convites para novas óperas. “I Masnadieri”, primeiro contrato internacional, veio de Londres e estreou no “Her Majesty’s Theater”, onde o músico foi aclamado pelo público e recebido com honras…

Verdi encantou-se com Londres, a pujança econômica, as docas e os arredores, os campos e o povo, apesar do clima… Mas, se a fumaça e o “fog” londrinos o afetavam, impressionavam-lhe a limpeza das casas e educação das pessoas…

Giuseppe Verdi, 1850

De Paris, o convite veio da “Académie Royale” ou “Opéra de Paris”, que ocupou a “Salle Peletier” até o incêndio de 1873, que a destruiu – o atual “Opéra” ou “Opéra Garnier” sucedeu aquele espaço, sendo inaugurado em 1875. À época, o diretor Leon Pillet propôs uma nova ópera à Verdi, que já havia encenado “Nabucco” e “Ernani” no “Théâtre-Italien”…  

Porém, no lugar de trabalho inédito, Verdi propôs revisão de “I Lombardi alla prima Crociata” – sua 4ª ópera, que não havia estreado em Paris e entender o texto mais apropriado à tradução francesa… A que denominou “Jerusalém”, atualmente sua 12ª ópera…

“Salle le Peletier”, 1821 – “Opéra de Paris”. . Estreia de “Jerusalém”, em 26/11/1847

Aconselhado pelo escritor Eugène Scribe, Verdi concordou que o libreto francês ficasse com Alphonse Royer e Gustave Vaez, que haviam trabalhado com Donizetti… Em Paris, a tradição italiana vinha do século XVII. E na Itália, os experimentos em Florença, no final do séc. XVI, do teatro “Comunale” e “Camerata di Bardi”, deram origem ao “melodrama” e depois à “ópera”. Assim, desde a “Dafne”, de Peri, 1597, primeiro drama musicado; até o magnífico “Orfeu”, de Monteverdi, o gênero firmava-se como típica invenção italiana, ganhando a Europa e o mundo.

– “Théâtre-Italien” em Paris

Assim, as primeiras óperas apresentadas na França foram italianas. E por Iniciativa da regente Anne d’Autriche e do primeiro ministro, cardeal Mazarin, organizou-se o “Théâtre-Italien” em Paris, sec. XVII. Tratava-se, portanto, de uma companhia que, ao longo do tempo, ocuparia diversos espaços na capital francesa. São exemplos, “La finta pazza”, de Sacrati, encenada na “Salle du Petit-Bourbon”, 1645; ou“Egisto”, de Cavalli, e “Orfeo”, de Rossi, ambas no “Palais-Royal”, 1646-47…

“Salle du Petit-Bourbon”, Paris

Estética e tradição francesa iniciariam a partir de 1669, pelo trabalho do poeta Pierre Perrin, quando fundou a “Académie d’Opéra”, no reinado de Louis XIV… Na “Salle du Jeu de Paume de La Boutelle” foi apresentada a primeira ópera francesa – “Pomone”, de Cambert, com grande sucesso. Desde o início, o modelo implicava na associação do canto à dança e, sendo uma concessão de estado, dependia da cobrança de ingressos. Em 1672, perseguido por credores, Perrin vendeu os direitos à Jean-Baptiste Lully, italiano naturalizado francês, que tornou-se detentor do projeto na França, encenando sua “opéra-ballet” e depois a “tragédie lyrique”…

Assim, a presença de estilos diversos estimulou rivalidades. E, no séc. XVIII, “La Serva Padrona”, de Pergolesi, 1752, surpreenderia o público francês. A apresentação ocorreu na “Académie Royale”, sede da ópera francesa, o que desencadeou, além de ressentimentos, uma revolução estética – o despojamento e personagens humanos, no lugar da complexidade dos temas mitológicos, marcariam a transição do barroco para o classicismo. E Paris sediaria a famosa “Querelle des Bouffons”, um aguerrido debate entre os partidários de Rameau – da “tragédie lyrique” francesa; e os de Rousseau – da leveza italiana…

Intermezzo “La serva Padrona”, de Pergolesi – estreia em Paris, 1752

E a vitalidade do “Théâtre-Italien” adentraria o sec. XIX, então denominado “Opéra Buffa” ou “Buffons”, sob liderança da atriz Mademoiselle Montansier. A companhia instalou-se na “Salle Favart” – atual “l’Opéra-Comique”, entre 1802-04; ocupou a “Salle Louvois” até 1808; e, finalmente, o “Théâtre de l’Odéon” até 1815. Óperas de Cimarosa e Paisiello, além de Mozart em italiano, com “Mariage de Figaro”, “Cosi fan Tutte” e “Don Giovanni”, foram encenadas nestas salas…

“Salle Favart”, atual “Théâtre de l’Opéra-Comique”
“Théâtre de l’Odéon” – Palco de diversas récitas de Mozart, em Paris – início sec. XIX

Em Paris, Rossini estreou com “L’Italiana em Algeri”, 1817, na “Salle Favart”, seguida de “Il barbiere di Siviglia” e outras, na “Salle Louvois”, tornando-se, mais tarde, seu diretor. Suas óperas eram tão populares, que lotavam também a “Salle Le Peletier”, sede da ópera francesa, com “La gazza Ladra” e “La donna del Lago”. Dominando a cena parisiense, Rossini apresentou a 1ª ópera de Meyerbeer em Paris, “Il crociato in Egitto”. E, nesta época, com habilidade e generosidade, o mestre do “bel canto” tanto dialogava com a grande ópera francesa, quanto colaborava com “Théâtre-Italien”, onde apresentou Bellini, Donizetti e Mercadante – magistral programação que tornaria Paris referência europeia…

Gioachino Rossini
“Salle Louvois”, Paris – dirigida por Rossini

De 1841 a 1878, o “Théâtre-Italien” instalou-se na “Salle Ventadour”, palco de quase todas as óperas de Verdi na França, como “Rigoletto”, “Il trovatore” e “La traviata”. Assim, o jovem Verdi incorporava-se à longa tradição, com grande apreço pelos antecessores. A apresentação de “Jerusalém”, no entanto, foi convite da “Académie Royale” e, portanto, ocorreu na “Salle Le Peletier”. Além disto, Verdi tinha motivos pessoais para estar em Paris: encontrar Giuseppina Strepponi –“Abigaille” na estreia de “Nabucco”, que se tornaria segunda esposa e companheira por 50 anos…

“Théâtre-Italien”, na “Salle Ventadour”, Paris, 1843 – palco de “Nabucco” e “Ernani”, 1845-46. E, posteriormente, de “Il trovatore”, “La traviata”, “Rigoletto”, “Un ballo in Maschera” e “Aída”

– “Verdi em Paris”

Nesta ocasião, Verdi havia concluído duas óperas, “Macbeth” e “I Masnadieri”, trabalhava em “Il Corsaro” e iniciava “La battaglia di Legnano”. Além do libreto de “Luisa Miller” e do recorrente tema de “Rei Lear”, que nunca concretizou em música…

Ao propor revisão de “I Lombardi”, possivelmente, Verdi sentia-se extenuado para iniciar novo trabalho. Até então, um jovem compositor, que produzia incessantemente – ao que chamaria, mais tarde, os “anos nas galés”… E, se a ópera tornara-se uma indústria musical que lhe trazia bons rendimentos, havia o estresse das produções e trato com empresários e libretistas – o texto importava, sobretudo, ao que Verdi chamava de “parola scenica”, expressões que sintetizavam e intensificavam determinados momentos do drama, tais como “fatalità!”, “maledizione!”, “schiava!” e outras…

Para este nível de expressão, a escolha do elenco era primordial. O sucesso não dependia exclusivamente da música, mas de ensaios e compreensão do drama – Verdi rompera com o teatro “alla Scala” de Milão, pelo que entendia descuido nas produções. Assim, necessitava conciliar datas e locais com agenda dos solistas – artistas afinados aos personagens e características vocais… Contratempos e desconfianças, em geral, o assolavam, embora contando com a dedicação de Emanuele Muzio, amigo e assistente…

Emanuele Muzio,1871 – amigo, compositor e assistente de Verdi

Amigo de toda a vida e único aluno, Emanuele Muzio, compositor e regente, foi contratado como “amanuense”, colaborando no intrincado trabalho de copiar e organizar as partes musicais, além de dirigir óperas de Verdi em Bruxelas, Londres e Nova York. Do mestre italiano, Muzio diria: “Verdi tem espírito amplo, generosidade e sabedoria”… “se pudesse nos ver, mais pareço um amigo, do que seu aluno”…

Neste período, vencido o desafio da estreia londrina de “I Masnadieri”, permanecer em Paris, trabalhar em “Jerusalém” e outros projetos, ao lado de Giuseppina, parecia o melhor dos mundos… Verdi alugou um imóvel a poucos metros da residência de Giuseppina e comentários chegavam à Milão… E, de fato, em seguida Verdi alugaria uma casa em Passy, onde moraram juntos e, de volta à Itália, aproximaram as famílias na cidade natal de Verdi, vila “Le Roncole”…

Giuseppina Verdi Strepponi, 1840, 2ª esposa e companheira por 50 anos

Com “Jerusalém”, Verdi iniciou profícuo diálogo comos palcos franceses, com desdobramentos nas décadas seguintes. E sua música ganhou maior amplitude harmônica e instrumental. Mais tarde, “Jerusalém” seria traduzida para o italiano, mas a preferência do público por “I Lombardi” permaneceu. E, mesmo considerada superior, “Jerusalém” teve poucas récitas, tanto na França, quanto na Itália

As óperas de Verdi seguiam padrões de época, mas elevaram o gênero – Verdi era um progressista, não um reformista… Assim, utilizou-se da tradicional sequencia de números, onde os personagens exprimiam-se individualmente, em recitativos, árias e cabaletas; dialogavam em pequenos ensembles – duetos, tercetos, etc; ou formavam grandes conjuntos – coros e concertatos; além dos ballets e trechos orquestrais. Tais possibilidades permitiam tanto um mega espetáculo visual e musical, quanto cenas de absoluta introspecção e recolhimento. Sobretudo, o desafio dramático exigia máxima expressão e virtuosismo vocal…

12ª Ópera – “Jerusalém”

“Jerusalém” estreou na “Salle Peletier”, 26/11/1847, com libreto de Alphonse Royer e Gustave Vaez; figurinos de Paul Lormier; e para os cenarios, duas equipes: uma com Charles Sechan, Jules Dieterle e Edouard Desplechin; e outra com Charles-Antoine Cambon e Joseph Thierry…

Alphonse Royer, 1857.
Libretista de “Jerusalém”
Gustave Vaez, 1835.
Libretista de “Jerusalém”

O drama foi ambientado na “Idade média – 1ª cruzada”, 1095-99, envolvendo amor e ressentimento, crime e resgate da honra – temas inseridos na saga cristã de libertação da palestina. O libreto foi adaptado para ressaltar a presença francesa na “1ª Cruzada”. Assim, os personagens, de italianos passaram a franceses; foram alteradas as tessituras vocais; ou simplesmente excluídos no novo libreto…

Com maior ênfase no romance central, o desenlace amoroso tornou-se mais presente e auspicioso. E Verdi acrescentou um “ballet”, típico da grande ópera francesa, escrevendo música nova ou reformulando e removendo partes originais. Uma ampla revisão, onde “poucos números permaneceram como no original”. E Verdi descreveu o trabalho como uma “transformação de ‘I Lombardi’ distante do reconhecimento”…

“Tancredo de Hauteville no cerco de Jerusalém”, pintura de Émile Signol

O libreto baseou-se no poema épico “I Lombardi alla prima Crociata”, do escritor e ativista italiano Tommaso Grossi, do grupo de Carlo Porta e Alessandro Manzoni – os três poetas lombardos. Grossi era “persona non grata” às autoridades austríacas e Verdi, um nacionalista que também almejava a libertação do domínio austríaco e unificação da Itália. Assim, para driblar a censura, os personagens do poema de Grossi tiveram nomes substituídos, já na versão italiana…

Tommaso Grossi, 1862. Autor do poema “I Lombardi alla prima Crociata”

Além disto, o libretista de “I Lombardi”, Temistocle Solera, realizou mudanças significativas, retirando personagens históricos do poema de Grossi e criando, praticamente, uma ficção ambientada nas cruzadas. À época, qualquer alusão às lutas italianas seria rejeitada pelas autoridades austríacas – por incitar o levante. A censura, no entanto, acabou exercida pela Igreja, mas os cortes foram poucos e a ópera liberada. A música de Verdi era vigorosa – por si, um sonoro estímulo à autodeterminação…

Em meio às tensões políticas, os coros ganhavam importância, por representarem anseios coletivos e vibrantes apelos patrióticos, secundados pelos desenlaces individuais e amorosos. E, embora Verdi cultivasse um estilo despojado e incisivo – o realismo do “camponês de Roncole”, como dizia; para a crítica, “I Lombardi” revelou-se um encadeamento desigual, alternando grande música dramática e incríveis banalidades, muitas eliminadas ou revistas em “Jerusalém” – produções atuais, por vezes, suprimem trechos… Ainda assim, uma narrativa de amor e superação, em grande estilo épico e romântico!

2. Sinopse de “Jerusalém”

– Personagens: Hélène (soprano), Gaston, visconde de Béarrn (tenor); Roger, irmão do Comte (barítono); L’Emir, chefe em Ramia (baixo-barítono); Le Comte de Toulouse (baixo-barítono); Adhemar de Monteil, “Legado Papal” (baixo-barítono); Isaura, assistente de Hélène (soprano)
– Coros: Nobres, religiosos, mulheres, soldados, peregrinos e povo de Ramla

– Ato 1

A ópera inicia com breve prelúdio orquestral – “Introduction”

Cena 1: No interior do palácio de Toulouse

No palácio, os amantes Hélène e Gaston encontram-se e planejam o casamento. Mas dependem da reconciliação de suas famílias, um obstáculo que será superado. Cantam o dueto “Adieu, jê pars” e Gaston deixa o recinto. Hélène, acompanhada de Isaura, sua assistente, ora pela segurança de Gaston, que se prepara para seguir na “1ª cruzada”, na preghiera “Ave Maria”

Mme Julian Van Gelder, soprano, “Hélène” na estreia de “Jerusalèm”, 1847 (litografia de Marie-Alexandre Alophe)

Cena 2: Nas proximidades da capela do palácio

Ao amanhecer, reúnem-se nobres, soldados e religiosos e entoam o coro “Enfin voici le jour propice”… O conde de Toulouse proclama a reconciliação das famílias e autoriza o casamento do filho, Gaston, com Hélène. Todos celebram no concertato, com solistas e coro, “Je tremble encore”. Segue um ato religioso e um coro feminino canta “Viens ô pécheur rebelle”...

O anúncio do casamento, no entanto, desperta o inconformismo de Roger, irmão do conde, que desejava casar-se com Hélène, expresso na ária “Oh dans l’ombre, dans la mystère”. Os eventos antecedem a partida da “1ª cruzada”, quando Gaston será nomeado comandante pelo Legado – representante papal

Roger, ressentido pela perda de Hélène, articula a morte de Gaston. Mas, ao orientar um subordinado a cometer o crime, na cabaleta “Ah! Viens, demônio, esprit du mal”, confunde um manto branco a ser usado por Gaston – prêmio por sua lealdade ao conde – e, sem o perceber, indica ataque ao próprio conde de Toulouse, que sofre ferimentos, sem morrer…

Quando Roger, confiante em seu plano, regozija-se do feito, é surpreendido pelo ataque equivocado ao conde e, diante da presença de Gaston, instiga o subordinado a acusar Gaston como mandante do crime. Gaston é amaldiçoado por todos, perde honrarias, a mão de Hélène, a missão papal e é condenado ao exílio, no dramático concertato, com solistas e coro, “Non, tu n’est pas homicide”

– Ato 2

Cena 1: Numa caverna perto de Ramia, Palestina

Solitário e atormentado por culpas, Roger vagueia pelo deserto, onde canta a ária “A ce front Pâle”. Surge Raymond, seu escudeiro, que o confunde a um homem santo e pede ajuda para seus cavaleiros, que estão perdidos… Hélène e Isaura também andam nas cercanias, em busca de um eremita e do paradeiro de Gaston. Mas encontram Raymond, que lhes conta estar Gaston vivo e em cativeiro num castelo, em Ramia. Em grande alegria, Hélène canta a ária “Quell’ivresse, bonheur suprême” e, acompanhada por Isaura, seguem para Ramia, conduzidas por Raymond

Adolphe Louis Joseph Alizard, barítono, como “Roger” na estreia de “Jerusalém”, 1847

Um grupo de peregrinos aproxima-se da caverna e entoam o magnífico coro “O mon dieu, ta parole est done vaine”. E, ao ouvirem uma “Marcha orquestral”, percebem a aproximação dos cruzados, liderados pelo próprio conde de Toulouse, que sobrevivera ao atentado no palácio – pelo que agradece a Deus e ao Legado Papal. Aos cruzados junta-se Roger, que pede permissão para ir à batalha, concluindo a cena em concertato, com terceto e coro masculinos “Le Seigneur nous promet la victoire! O bonheur!”…

Cena 2: No palácio do Emir de Ramia

Em cativeiro, Gaston lamenta sua sorte e, movido pelo desejo de estar junto à Hélène, planeja uma fuga, no recitativo e ária “Je veux encore entendre”. O Emir, no entanto, o adverte que será morto se tentar escapar. Hélène e Isaura são capturadas e levadas ao Emir. Hélène e Gaston, diante um do outro, fingem não se conhecerem, mas o Emir desconfia de ambos…
Finalmente, ficam sozinhos e expressam seu amor e alegria no reencontro. Mas, se Gaston lamenta sua desonra, que não mais lhe permitirá reconstruir a vida, Hélène mantém-se firme em permanecer ao seu lado, no grande dueto “Dans la honte et l’épouvante”. Por fim, do castelo de Ramia, ambos observam a mobilização dos cruzados e tentam fugir, mas são impedidos por soldados…

– Ato 3

Cena 1: Nos jardins do Harém, no castelo de Ramia

Hélène encontra-se no harém, cercada pelas esposas do Emir e dançarinas, na cena com coro feminino e ballet “O belle captive”. Hélène é advertida pelo Emir: se os cruzados atacarem com sucesso, ela será decapitada e sua cabeça entregue ao conde. Em desespero, ela abomina sua existência na ária “Que m’importe la vie”…

Durante o ataque à fortaleza, Gaston foge e tenta encontrar Hélène, mas é preso pelos cruzados, que exigem sua morte, ainda acreditando ser ele o mandante do atentado ao conde. Hélène, tomada de revolta e indignação, acusa a todos como criminosos, na ária “Non, non votre rage”. A cena conclui-se em grande concertato, onde o conde de Toulouse ordena que ela afaste-se do local…

Cena 2: No cadafalso, em praça pública de Ramia

Um intermezzo em “Marcha fúnebre” anuncia a condenação à morte de Gaston, que é trazido para desonra pública e execução no dia seguinte, por decisão do Legado Papal. Gaston implora por sua honra, na grande cena e ária “O mes amis, mes frères d’armes”, mas é submetido à humilhação pública, onde seu capacete, espada e escudo são destruídos, e a cena conclui-se com coro e solista…

“Jerusalém” – Ato 3, cena 2 (ilustração após estreia em Paris) – 1847

– Ato 4

Cena 1: Nas proximidades do acampamento dos cruzados

Roger vagueia como um eremita, encontrando-se próximo ao acampamento militar, onde uma procissão, entre mulheres e cruzados, canta “Choeur de la procession”. Hélène distancia-se e observa o Legado pedir ao eremita Roger que conceda algum conforto ao condenado Gaston. Hélène, Gaston e Roger cantam o belíssimo terceto “Dieu nous sépare, Hélène! Roger nega-lhe a benção, mas instiga Gaston a lutar pelo “senhor Deus” na tomada de Jerusalém, entregando-lhe sua espada…

Cena 2: Na tenda do conde de Toulouse

Gilbert Duprez, tenor, como “Gaston” na estreia de “Jerusalém”, 1847

Breve interlúdio orquestral – “La Bataille” – abre a cena. Hélène e Isaura aguardam notícias. Finalmente, ouvem-se gritos e comemorações. Jerusalém fora libertada. Conde e Legado, seguidos pelos cruzados, adentram o acampamento e Gaston permanece incógnito. Mas, ao ter sua bravura reconhecida, é exigido revelar-se. Gaston revela-se e agradece pela honra de lutar, sentindo-se pronto para morrer…

Partícipe da batalha, mas mortalmente ferido, Roger é trazido e revela-se irmão do conde. Assolado por culpas, confessa ter planejado a morte de Gaston, vitimizando, por engano, o conde e caluniado Gaston, para quem pede misericórdia, no solo “Un instant me rest encore”. Todos regozijam o restabelecimento da honra de Gaston, no grande concertato final, com solistas e coro, “A toi gloire, O Dieu”. Hélène e Gaston unem-se e Roger morre olhando para as muralhas de Jerusalém

– Cai o pano –

Aos 34 anos e autor de 13 óperas, entre elas, “Nabucco”, “Ernani” e outros trabalhos notáveis, Verdi, na companhia de Giuseppina, aproximava-se de surpreender o mundo musical com “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata” – referências definitivas de sua dramaturgia e do romantismo. E muito ainda viria…

Além disto, Verdi assistiria o término da dominação austríaca e a unificação italiana. Ideais que compartilhou, exaltando o amor e a liberdade, em versos como “Voa, pensamento, em asas douradas!” ou “Oh! minha pátria, tão bela e perdida!”, cantados nas ruas de Milão…

Giuseppe Verdi e Giuseppina Verdi Strepponi

Após a estreia em Paris, “Jerusalém” foi apresentada no “Théâtre d’Orleans”, Nova Orleans, USA, 1850. E a versão italiana, de Calisto Bassi, “Gerusalemme”, ocorreria no teatro “alla Scala” de Milão, depois em Turim, Veneza, Verona e Roma, até 1865. Esquecida por quase 100 anos, retornou aos palcos em 1963, na direção de Gianandrea Gavazzeni, no teatro “La Fenice”, em Veneza.

3. Gravações de “Jerusalém”

Após resgate no teatro “La Fenice”, “Jerusalém” tem sido revisitada com sucesso:

3.1 Registros iniciais

– Em 1975, produção em forma de concerto e gravação em áudio da RAI, com Katia Ricciarelli (soprano) e José Carreras (tenor);

– Em 1986, produção do “Teatro Regio” de Parma, em francês, com Katia Ricciarelli (soprano) e Cesare Siepi (baixo);

– Em 1986, transmissão em forma de concerto da “BBC Philharmonic Orchestra”, em francês, direção de Edward Downes e o soprano June Anderson como “Hélène”;

– Em 1990, passados mais de 140 anos da estreia em Paris, “Jerusalém” foi encenada no Reino Unido, no “Grand Theatre” em Leeds, pela “Opera North”;

– Em 1998, produção em forma de concerto da “Orquestra de Ópera de Nova York”.

3.2 Outros registros

– Vídeo – 1984

Orquestra do Opéra de Paris – “Opéra Garnier”, direção de Donato Renzetti
Solistas: Veriano Luchetti (Gaston) – Cecilia Gasdia (Hélène)
Alain Fondary (conde de Toulouse) – Silvano Carroli (Roger)
Coro do “Opéra de Paris”, França

– Vídeo – 1995

Orquestra “Ópera Estatal de Viena”, direção de Zubin Mehta
Solistas: Jose Carreras (Gaston) – Eliane Coelho (Hélène)
Davide Damiani (conde de Toulouse) – Samuel Ramey (Roger)
Coro da “Ópera Estatal de Viena”, Austria

– CD de áudio da Phillips – 1998

“Orchestre de la Suisse Romande”, com direção de Fabio Luisi
Solistas: Marcello Giordani (Gaston) – Marina Mescheriakova (Hélène)
Philippe Rouillon (conde de Toulouse) – Roberto Scandiuzzi (Roger)
Coro do “Grand Théatre de Genève”, Suiça

– CD de áudio e Vídeo – 2002

Orquestra “Teatro Carlo Felice”, com direção de Michel Plasson
Solistas: Ivan Momirov (Gaston) – Veronica Villarroel (Hélène)
Alain Fondary (conde de Toulouse) – Carlo Colombara (Roger)
Coro do “Teatro Carlo Felice”, de Gênova, Itália

– Vídeo – 2017

Orquestra “Filarmonica Arturo Toscanini”, direção de Daniele Callegari
Solistas: Ramon Vargas (Gaston) – Annick Massis (Hélène)
Pablo Gálvez (conde de Toulouse) – Michele Pertusi (Roger)
Coro do “Teatro Regio di Parma”, Itália

3.3 Download no PQP Bach

Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Jerusalém”, sugerimos a excelente gravação em áudio da Phillips, 1998, com a “Orchestre de la Suisse Romande” e coro do “Grand Théatre de Genève”, direção de Fabio Luisi e solistas de imensa qualidade. Além disto, a gravação oferece a ópera integral, sem cortes…

– Vozes solistas e direção

Neste grande trabalho, os solistas respondem com sensibilidade e elevada técnica. “Quell’ivresse, bonheur suprême” mostra a leveza, agilidade e belos pianíssimos de Marina Mesheriakova – notável soprano russo, formada no Conservatório Tschaikovsky, Moscou, e com as renomadas Renata Scotto e Licia Albanese…

Marina Mesheriakova – soprano

Para buscar maior expressão, o canto deve fluir com liberdade. Assim percebe-se a performance de “Je veux encore entendre” ou “O mes amis, mes frères d’armes”, de Marcello Giordani, grande tenor italiano, lamentavelmente, falecido em 2019…

Marcello Giordani – tenor

Interpretar é agregar significados e Verdi sempre reservou grandes papéis aos barítonos. Notável em “Oh dans l’ombre, dans la mystère” ou “A ce front Pâle”, o italiano Roberto Scandiuzzi é considerado um “baixo nobre” ou “baixo cantante”, facilmente interpretando papéis de barítono, pela extensão vocal e timbre harmonioso…

Roberto Scandiuzzi – baixo nobre

E o trabalho de Fabio Luisi revela um músico refinado à frente da conceituada “Orchestre de la Suisse Romande”, onde trata com imenso cuidado cada solo, conjunto ou trecho musical. Sua atenção aos detalhes, ao equilíbrio sonoro e às nuances do canto tem assinatura – um sujeito meticuloso…

Fabio Luisi – regente

Por fim, aplaudimos e agradecemos os grandes coros e concertatos, além da excepcional orquestra. Num gênero fascinante, embora longo e desafiante, como a ópera, tem-se aqui música, permanentemente, viva, pulsando e exprimindo-se. Música que mantém o ouvinte, naturalmente, envolvido. Nestes tempos de prevalência das imagens, somos aqui cativados apenas pelo som e sua diversidade – um belíssimo trabalho!…

Capa CD Phillips – “Jerusalém”

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

– Em vídeo, sugerimos também:

1. produção do “Opéra Garnier”, 1984, com Cecilia Gasdia e direção de Donato Renzetti;

2. produção da “Ópera Estatal de Viena”, 1985, com a brasileira Eliane Coelho e direção de Zubin Mehta – nestes dois vídeos, alguns trechos são suprimidos, tais com “ballets”, partes orquestrais e outros…

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“Fabio Luisi à frente da PQP Bach Philarmonic”…

“Nossa homenagem ao colega Ammiratore,
de grata lembrança e grande contribuição ao PQP Bach.”

Alex DeLarge

Giuseppe Verdi (1813-1901): I Masnadieri (Caballé, Bergonzi, Raimondi, Gardelli)

Giuseppe Verdi (1813-1901): I Masnadieri (Caballé, Bergonzi, Raimondi, Gardelli)

NOTA DOS COLABORADORES DO PQP BACH:

Esta foi a última postagem que nosso querido Ammiratore deixou agendada antes de falecer, no último 6 de abril. Hemos de completar, oportunamente, sua série da obra completa de Verdi, projeto a que se dedicava duma forma muito apaixonada. Por ora, rendemos nossa homenagem ao amigo, que também deixou imensas saudades cá conosco.

ooOoo

TREDICI – REGINA VITTORIA E “I MASNADIERI”; “BIETIFOL”

Após as primeiras representações de Macbeth, Giuseppe no auge dos seus 33 anos, volta-se ao compromisso assumido com Benjamin Lumley (aqueeele empresário inglês do Her Majesty’s Theatre, o London Theatre). Uma vez em Milão, Verdi começa a trabalhar com seu fiel aluno Emanuele Muzio, o mestre mostrava-se impaciente, havia muito o que fazer. Os dois, a esta altura, moravam no mesmo endereço. Verdi elaborava a nova ópera e Muzio começou a reduzir Macbeth para canto e piano, cada um estava ocupado em seu escritório. “I masnadieri” foi a ópera escolhida, baseado em “Die Räuber” (os ladrões) de Friedrich von Schiller com libreto do grande amigo de Verdi: Andrea Maffei (na verdade ele foi um escritor bem mais reputado que Piave ou Solera mas que não possuía praticamente qualquer experiência de Teatro), seria esta a sua décima primeira ópera. O contrato com Londres havia expirado no período em que ficou doente, então agora ele estava recuperado e pronto para propor um novo contrato, Verdi dera a boa notícia a Lumley já em dezembro de 1846. “I masnadieri “ na verdade já estava com a composição adiantada quando retomou as negociações com Lumley.

Jenny Lind (1820-1887) O Muzio não pegava

Nas trocas de cartas com o empresário ele ficou muito animado ao saber que a principal atração prevista para o espetáculo de Londres seria a sueca Jenny Lind, uma soprano leve “soprano leggero” de um virtuosismo quase lendário, desde sua infância ela era conhecida como “o rouxinol” ou “la stella del nord”. Sobre a mítica “estrela do norte” o bom contador Muzio a descreve para Barezzone e demonstra um senso crítico desenvolvido nos deixando um valioso testemunho, no qual as qualidades do canto parecem chocar-se com as físicas. A voz, áspera por natureza, curvou-se admiravelmente a todos os truques da agilidade, gorjeando e vibrando sem rival, o corpo, por outro lado, foi descrito como “o rosto um pouco feio e duro, o nariz enorme e igualmente as mãos e os pés, cor pálida”.

Benjamin Lumley (1811-1875)

Depois de acertar os detalhes do contrato com Lumley , Verdi e Muzio partiram para Londres no final de maio de 1847. O mestre estava ótimo de saúde e não se furtou do compromisso em terras longínquas. Em Londres a notoriedade do maestro havia se consolidado. Suas obras estavam sendo montadas com muito sucesso nos palcos ingleses (“Lombardi“, “Nabucco” e “Ernani” estavam sendo representados). O colunista William Weaver escreveu, em 1846, no semanário “Illustrated London News” esta descrição a respeito do mestre italiano: “Neste número, oferecemos aos nossos leitores um perfil da grande estrela da música contemporânea – Guiseppe Verdi – de cujas criações o destino da ópera agora parece depender, desde que os grandes mestres, cujas obras dominaram a cena da ópera italiana nos últimos trinta anos, Rossini, Bellini, Donizetti, deixaram de compor suas magníficas criações; um pela idade avançada e esgotamento, outro para morte prematura e o terceiro, infelizmente, para um destino ainda mais terrível: a perda da razão. Foi preciso muito zelo para explicar isso a Verdi que ele, agora, era o único representante ativo da ópera italiana, mesmo aos trinta e dois anos…. embora pareça ser bem mais maduro. As marcas de preocupação e doença, e de uma profunda reflexão, são visíveis em seu rosto. Ele vive quieto e retraído; sua mente ativa, por outro lado, está sempre ocupada. Verdi dedica muito de seu tempo aos estudos literários e musicais.”

Giuseppina Strepponi al tempo di Macbeth

No dia 3 de junho, Muzio chegou a Londres, “só e sem o Maestro que ficou em Paris”, Muzio levou o trabalho concluído, exceto a parte da orquestração (era uma prática padrão na época que a orquestração fosse concluída durante os ensaios para melhor se adequar). Outra razão para a conclusão da orquestração em Londres foi descrita por Gabiele Baldini em “A História de Giuseppe Verdi” que o compositor queria primeiro ouvir “la Lind” e modificar seu papel para se adequar exatamente ao belo canto da “la stella del nord”. No entanto, uma “fofocaiada” tinha caído nos ouvidos de Verdi: dizia-se que Lind não poderia estar presente nem estava disposta a aprender novos papéis e, portanto, Muzio foi enviado através do Canal da Mancha à frente do compositor, que esperava por uma garantia de que a soprano estava em Londres e disposta a prosseguir. De Londres, Muzio foi capaz de dar essa garantia Verdi, informando-o que Lind estava pronta e ansiosa para ir fazer o trabalho. Tudo não passava de notícias maldosas. Em Paris o músico queria ficar um pouco na privacidade e não se pode deixar de pensar que um dos motivos por ter ficado na capital francesa era também a vontade de rever e matar saudades da sua querida Strepponi, que já estava na cidade há algum tempo, faziam meses que não se viam. Afinal, namorar é muito bão né? Após a confirmação do fiel assistente Verdi continuou sua viagem, cruzando o Canal em 5 de junho.

Verdi in “London News” 1846

Nosso Emanuele escreve notícias à Barezzone deslumbrado que estava com a cidade grande, do estranho e do imenso, que se justifica já que ele estava em sua primeira grande viagem no exterior. Londres é a descoberta de uma aglomeração “tão vasta como o mar”, a descoberta da multidão, da vida mecanizada que começa a pressionar as massas do Ocidente. “Que caos Londres é! Que confusão! Paris não é nada em comparação. Gente chorando, muitos mendigos, uma espessa névoa cinza flutuando em todo céu, homens a cavalo, em carruagens, a pé, e todos gritam como se estivessem condenados. Meu caro Sr. Antonio , Milão não é nada; talvez Paris é algo comparada a Londres; mas Londres é uma cidade única no mundo !”

O público que frequenta teatros e salas de concerto parece-lhe muito competente e preciso nos seus julgamentos. “Os franceses dizem que os ingleses não entendem nada de arte; isso é um erro que os franceses espalharam … Os ingleses nunca, jamais, receberam com indiferença um “Barbeiro de Sevilha” como em Roma ou um “Guilherme Tell” como em Paris … Seu entusiasmo não é entusiasmo de convenção, eles o manifestam, como o provam, razoavelmente as atuações dos dois teatros da cidade (Covent Garden e Her Majesty’s Theatre), a um grande número de concertos, e em todo o lado encontrei um público atento e inteligente.

Luigi Lablache il primo Massimiliano

Verdi já estava em Londres qundo o baixo Lablache lhe trouxe um convite da jovem Rainha Vitória, que queria conhecê-lo pessoalmente, a soberana havia marcado uma data para ser encenada a nova ópera de Verdi, seria o dia do fechamento do parlamento, “uma das maiores solenidades diplomáticas da Inglaterra”. Numa apresentação de “Norma” naquela temporada, com Lind, deu no “Times”: “A Rainha e o Príncipe Albert compareceram; mas houve um personagem de importância muito diferente, Giuseppe Verdi, que veio montar sua nova ópera “I masnadieri” para o “Her Majesty’s Theatre”. Temos todos os motivos para acreditar que o compositor mais popular da Itália também terá um sucesso em nosso palco que será um presente para ele e uma dupla glória para a Inglaterra. A chegada de Verdi causou grande sensação em Londres; na noite passada, ele compareceu à apresentação em uma “loggia” (uma espécie de balcão reservado) do teatro bem em frente à rainha. A notícia se espalhou imediatamente por todo o teatro de que Verdi tinha vindo, e imediatamente todos os olhos, desde o mais baixo do povo até os Lordes e a própria Rainha, devoraram o pobre Verdi com seus binóculos.” Na verdade, Lumley, como estrategista muito habilidoso, conseguiu obter alguma publicidade da chegada do maestro pelo menos enquanto ele estava no salão. E Verdi freqüentemente ia aos concertos do Teatro de Sua Majestade para aprender sobre as possibilidades dos cantores, do coral, músicos e a funcionalidade do palco.

L’incontro fra Verdi e Mazzini a Londra

O Covent Garden, concorrente teatro de Lumley, no dia 19 de junho apresentou “I due Foscari“, entre o público estava o exilado Giuseppe Mazzini, para aplaudir essa peça tão humana do exílio, “o apóstolo da liberdade” da Itália, um dos mais temidos e ao mesmo tempo o mais procurado pela polícia austríaca. A Inglaterra vitoriana, apesar de seus contrastes sociais, havia recebido com liberalidade exilados políticos de várias origens (Karl Marx chegaria em agosto). Mazzini, escrevendo para sua mãe após o “Foscari”, informou-a de que tinha “visto o compositor Verdi”.

O jovem maestro, no fundo, gostava da cidade: “não é uma cidade, é um mundo” (escreveu a Emília Morosini), “e ficamos maravilhados e desanimados quando, entre tantas coisas magníficas, se conhece as Docas. Quem resiste a essa nação!” Ele se surpreendeu com a beleza das ruas, as riquezas acumuladas, os arredores e as vilas próximas à metrópole. Não muito, porém, os diversos costumes dos habitantes, e muito menos o clima, que ele definiu como “horrendo”, fumaça, nevoeiro, o cheiro de carvão que o deprimia e o impedia de apreciar as belezas de um lugar que de outra forma seria magnífico (“Oh, se houvesse o céu de Nápoles aqui, acho que seria inútil desejar o paraíso”, disse ele a Appiani). Até mesmo o alojamento, “Liliputian”, pequeno, embora confortável:”Emanuele encontrou para mim um alojamento tão pequeno que não posso mover: apesar disso é muito limpo, assim como todas as casas de Londres.”

A descrição de Muzio, prolixo, avesso a poluição, o frio e o vento, tem a precisão de um relatório barométrico. “De manhã na hora certa, isto é, antes das 7 horas, o ar está melhor; mas entre as 7 e as 8 todas as fogueiras e todas as chaminés das grandes fábricas que lá estão são acesas; e andam à volta do Tamisa uns cinquenta barcos a vapor, e depois todas as chaminés das casas soltam uma fumaça que deixa o ar muito pesado. Ontem quis observar todas as mudanças que o clima fez ao longo do dia; Observei que pela manhã, assim que o sol nasceu, um grande nevoeiro se ergueu do Tamisa; então choveu oito vezes ao longo do dia (sempre com vento) e oito vezes o sol foi visto; o Mestre ficou com dor de garganta e resfriado, como eu também paguei, e como todos os estranhos que vêm aqui o pagam, mas agora ele está bem … mas este ar úmido e pesado reage muito em seu sistema nervoso e isso o torna mais mal-humorado e melancólico do que o normal.”

Talvez para Muzio e para o Maestro o verdadeiro sol só tenha saído depois de 22 de julho, data em que a ópera subiu ao palco e causou “furor”, segundo Muzio, o fiel correspondente do … “giornale il Barezzone”, “Do preludio até o final não houve nada além de aplausos, gritos, chamados e repetições. O próprio Maestro conduzia a orquestra sentado em um banco mais alto do que todos os outros e com a batuta na mão. Ainda vazio o teatro só nós e os músicos da orquestra, ouvíamos um aplauso contínuo do lado de fora do Teatro que durou um quarto de hora. Eles ainda não haviam terminado de aplaudir quando em seus locais chegaram a comitiva da Rainha e do Príncipe Albert, sua consorte, a Rainha Mãe, e o Duque de Cambrige, tio da Rainha, o Príncipe de Gales, filho da Rainha, e todos os da família real e uma infinidade de senhores e duques, que não acabavam mais de entrar, muitos nobres. Às quatro e meia a porta do povo se abriu e as pessoas irromperam no teatro com uma fúria que eu nunca vi. Era um espetáculo novo para Londres, e Lumley soube cobrar muito bem, a entrada do teatro custou 6000 liras … após o término festejou-se muito o Maestro, foi chamado ao palco, sozinho e depois com os cantores, atiraram-se flores a ele e só se ouvia: viva Verdi, “bietifol”.

Her Majesty s Theatre per la prima dei Masnadieri la regina Vittoria con il consorte il duca di Wellington e Luigi Napoleone

Mais cauteloso e realista, Lumley, dirá que “correu bem, e sem ter causado furor, convidei um compositor italiano, de boa fama para escrever uma ópera especificamente para o meu teatro e para supervisionar pessoalmente a encenação. Eu não poderia ter feito mais para agradar os amantes da música italiana, ansiosos por ouvir novos trabalhos. Infelizmente o libreto do Sr. Andrea Maffei foi construído da forma como costuma acontecer no caso de adaptações de dramas estrangeiros para fins da ópera italiana, ruim.” Mais definiu, inexorável o julgamento de Sua Majestade, que anotou em seu próprio diário ao retornar do Teatro: “Nesta nova ópera de Verdi, inspirada em “Die Rauber”de Schiller, achei a música muito comum, nada de novo. Apreciamos os cantores, a requintada Jenny Lind, o barítono Filippo Coletti, o tenor Ítalo Gardoni, o baixo Luigi Lablache está gordo demais….”

Andrea Maffei (1798-1885)

Interessante como eram contraditórias as opiniões, sobretudo dos jornais “especializados”, os amigos do blog podem dar uma bela conferida: o libreto de Maffei recebeu elogios do “Times”, enquanto o “Morning Post” e o “Illustrated London News” trataram Verdi com expressões que o colocaram acima de Meyerbeer “e de outros compositores da escola romântica alemã”. Ao contrário da opinião de “Ateneu”, que rebaixou o mérito da ópera a ponto de julgá-la “a pior que já foi executada em nosso tempo pelo Her Majesty’s Theatre. Verdi é definitivamente rejeitado. O campo para um compositor italiano permanece aberto”.

Em todo caso, o público não teve nada além de reações positivas, até mesmo para a confissão do próprio Lumley: “O teatro estava incrivelmente cheio na noite da primeira apresentação. A ópera recebeu, apesar do fraco libreto, em todas as aparições um sucesso triunfal para o compositor e cantores, foram dirigidos as maiores homenagens do povo.” Na verdade, Lumley honra o mérito profissional de Verdi; que, aliás, trabalhou em ensaios “exaustivos”.

O Enredo

Melodramma tragico “in quattro atti”, de Giuseppe Verdi para um libreto de Andrea Maffei, baseado em “Die Räuber” de Schiller.

Estreia: Londres no Teatro Her Majesty em 22 de julho de 1847, com a condução de Verdi nas duas primeiras performances.

Um solo bonito e triste de violoncelo, escrito expressamente para o violoncelista principal, Piatti, no Her Majesty’s Theatre, constitui um breve mas eficaz prelúdio em que o tema do canto da saudade é resumido.

Local: Alemanha
Época: entre 1755 e 1757

Ato 1
Cena 01: Uma taverna na fronteira da Saxônia
A ópera começa numa taberna onde Carlo está absorvido com a leitura de Plutarco que fala dos grandes homens da Antiguidade. Durante um intervalo de seus estudos na Universidade de Dresden, Carlo, o filho mais velho e favorito do Conde Massimiliano Moor caiu entre ladrões, literalmente. Ele tornou-se um membro de uma gangue notória de salteadores que aterrorizam a comunidade local por roubo, extorsão. Em uma ária dupla formalmente convencional cuidadosamente elaborada com coro, Carlo medita sobre sua terra natal distante e sua amada Amalia (o belo andante “O mio castel paterno” da faixa 03) Carlo saiu de casa para estudar em Dresden. Ele está aguardando a resposta de uma carta que enviou a seu pai pedindo perdão pelos seus delitos recentes. O jovem é nobre de espírito, não apenas por nascimento, lamenta não ter ainda recebido o perdão do conde. Rolla e os outros ladrões chegam com a esperada resposta do Conde. Em vez de perdão, chega uma carta de seu irmão Francesco, que reafirma sua proibição de retorno à pátria paterna. A alegria de Carlo logo se transforma em tristeza, e, em seguida, em raiva, como ele descobre que a carta não é de seu pai, mas de seu irmão mais novo, Francesco, que avisa para ele não voltar para casa porque, longe de Carlo ser perdoado, o velho conde tem a intenção de puni-lo e deixá-lo longe. Os ladrões confortam Carlo e o elegem como chefe. Ele e seus amigos decidem se tornar bandidos e fazem um juramento de irmandade de sangue, na cabaleta “Nell’argilla maledetta” (faixa 05). . Assim, quando os seus companheiros o procuram para formar um bando de ladrões, ele aceita assumir o comando.

Cena 02: Uma sala no castelo de Massimiliano
Uma rápida mudança de local é efetuada para uma segunda ária dupla, a partir desse momento, a obra desmascara as maquinações de Francesco, um Caim que deseja a ruína de seu irmão e quer se apoderar do título hereditário, de quebra também quer a namorada de Carlo, Amalia. O quadro passa-se no castelo do Conde onde Francesco revoltado por ter um lugar secundário nas intenções do seu pai. Pretendendo que o irmão se mantenha afastado destruíra a carta que ele escrevera para o pai substituindo-a por uma carta falsa de sua autoria. Francesco está felicitando-se por ter interceptado a carta do seu irmão direcionada a seu pai, sabendo que Massimiliano certamente teria perdoado Carlo se ele tivesse recebido. Agora, apenas o idoso enfermo Conde fica entre Francesco e o título familiar e propriedades. Ele desenvolveu um plano para acelerar a morte de seu pai, no anguloso sostenuto Andante, “La sua lampada vitale” (faixa 07), Francesco ameaça apressar o fim da vida do pai. Ele então ordena que Massimiliano seja informado da morte de Carlo na batalha, na esperança de que o choque e a dor acabem com o velho. É assim que chama Arminio, o intendente, a quem ordena que se disfarce e que vá anunciar ao Conde a morte do filho mais velho. Em uma cabaleta vigorosa “Tremate, o miseri!” (faixa 09), ele espera ansiosamente assumir o poder.

Cena 03: Um quarto no castelo

Scene dalla prima dei Masnadieri a Londra

Depois de um prelúdio em que solos dos sopros são proeminentes, Amalia olha para o adormecido Massimiliano e pensa nas alegrias do passado em “Lo sguardo avea degli angeli” (faixa 11). A jovem lamenta a esperança perdida com a condenação de Carlo pelo pai, mas não guarda qualquer rancor do Conde, por respeito para com a sua idade e autoridade. Mas Carlo não sai dos seus pensamentos. A ária foi claramente escrita para a “prima donna” Jenny Lind é muito mais ornamentada do que o modelo verdiano usual e para acomodar os floreios e improvisos da “estrela do norte”, uma ária formalmente muito mais discursiva e linda.

Massimiliano acorda e, em um curto movimento de dueto com Amalia, “Carlo! io muoio” (faixa 13), lamenta morrer sem ver seu filho predileto. Amalia e Massimiliano choram a ausência de Carlo e bem-dizem a morte

Armirio, Massimiliano e Amalia

que os libertará das desgraças terrestres. Armínio e Francesco entram para dar a falsa notícia da morte de Carlo. Francesco apresenta Arminio, que vem sob um disfarce, e narra ao Conde a morte do filho ausente – uma mentira contada com todos os pormenores convenientes às pretensões de Francesco: antes de morrer, Carlo teria deixada escrita uma mensagem (com o seu próprio sangue) na lâmina da sua espada, libertando Amalia de todos os compromissos para com ele e aconselhando-a a casar com Francesco. Essa revelação precipita o quarteto “Sul capo mio colpevole” (faixa 15): Massimiliano está ao mesmo tempo arrependido e furioso; Amalia (acompanhada por Armínio) oferece consolo religioso, Francesco espera ansiosamente seu triunfo. É um choque de emoções poderosamente eficaz e termina quando Massimiliano, aparentemente sem vida, cai no chão, sendo dado como morto – o que deixa Francesco exultante por poder assumir finalmente a sucessão.

Ato 2
Cena 01: Um cemitério adjacente à capela do castelo
Vários meses se passaram desde a cena anterior, rapidamente Francesco toma o controle e o poder no castelo. Amalia visita o túmulo de Massimiliano procurando refúgio durante o banquete dado por Francesco para celebrar a sua subida ao poder e em um simples Adagio, “Tu del mio Carlo al seno” (faixa 17), imagina Massimiliano e Carlo juntos no céu. À distância, podem ser ouvidos os sons do festivo banquete. Arminio seguiu Amalia, porque ele está atormentado pela culpa de sua parte na conspiração perversa de Francesco. Ele só tem tempo para revelar que tanto Carlo e o velho conde ainda estão vivos, Amalia se regozija com uma cabaleta jubilosa e distintamente antiquada, “Carlo vive?” (faixa 19), que mais uma vez deu ampla oportunidade para Jenny Lind demonstrar sua famosa agilidade.

Francesco entra para declarar seu amor por Amalia e eles se lançam em um dueto de confronto soprano-barítono em quatro movimentos, um tipo de situação dramática na qual Verdi quase sempre teve um sucesso magnífico. Chega então Francesco que a pede em casamento, o que ela recusa, acusando-o de ser o instigador da morte do irmão. Sua recusa desdenhosa provoca-o um ataque de fúria e ele se torna violento, Francesco revela-se tal como realmente é, dizendo que ela será sua, quer queira quer não, como escrava ou como amante.

Amalia e Francesco

Amalia finge uma mudança de coração e abraça-o para que ela possa aproveitar sua adaga e afastá-lo antes de fazer a sua fuga para a floresta nas proximidades. Mas nesta situação, pela primeira e única vez em minha desprezível opinião, o mestre erra um pouco a mão no dueto e o formato se mostra um pouco frio, rápido e disperso. O andantino “Io t’amo, Amalia” (faixa 21) se dissolve muito rapidamente em um uníssono rítmico rotineiro, e a cabaleta “Ti scosta, o malnato” (faixa 23), trata de maneira dispersa o confronto de tessituras em comparação aos muitos dos melhores trabalhos de Verdi que exploram esta situação com muito mais criatividade. Como diz nosso matemático René Denon “jogou as variantes numa fórmula padrão e deixou rolar” sei lá “…não dá para inventar muito não conheço bem o público, temos que cumprir o prazo…” algo assim. Um pena.

Cena 02: Uma clareira na floresta da Boêmia perto de Praga
Nos bosques próximos de Praga onde os bandidos estão reunidos o “Scene e Coro” (faixa 24) oferece uma amostra típica da vida dos bandidos, embora a escrita coral seja mais complexa do que Verdi normalmente havia se aventurado até então. É aí que se espalha a notícia de que Rolla, o braço direito de Carlo, fora preso e condenado à forca. Como forma de vingança, Carlo decidira saquear a cidade, Rolla, então, é resgatado por Carlo e seus seguidores, que se alegram com sua vida despreocupada. Eles deixam Carlo sozinho para lamentar seu estado de proscrito em uma bela romanza, “Di ladroni attorniato” (faixa 26). Seus companheiros voltam para relatar que estão sob ataque e todos se juntam em um coro guerreiro, todos se preparam para o combate. Carlo conseguiu incendiar grande parte da cidade, resultando em cidadãos armados que o perseguem. A cena termina com Carlo exortando sua turma de ladrões para lutar como lobos para salvar-se (o lindo fechamento da faixa 27).

Ato 3
Cena 01: Um lugar na floresta perto do castelo

Frontespizio del libretto dei Masnadieri 1847

Os ladrões cantam dos prazeres de suas atividades criminosas. Amalia que conseguiu escapar de Francesco, está na mesma floresta em que estão os bandidos, mas agora está sozinha e apavorada ao ouvir o som de bandidos nas proximidades. Ela implora misericórdia do primeiro homem que vê: milagrosamente, ele acaba sendo Carlo, e os amantes são alegremente unidos em um dueto. O primeiro movimento lírico, “Qual mare, qual terra” (faixa 29), é talvez um pouco simples, embora os efeitos vocais compensem em parte a falta da tensão de confronto usual. Amalia conta a Carlo sobre a morte de seu pai e sobre as tentativas de Francesco por sua virtude. Carlo fica horrorizado. Mas, quando Amalia o interroga, Carlo não lhe revela ter-se tornado um bandido. Eles se juntam em uma cabaleta final, “Lassu risplendere” (faixa 31), na qual Amalia tem ainda mais oportunidade de exibir seus trinados e agilidade.

Cena 02: Outra clareira na floresta da Francônia

Um refrão ainda mais alegre dos bandidos apresenta o “Finale Terzo”. Carlo luta com sua alma byroniana e até pensa em suicídio, mas decide que deve aceitar seu destino terrível e viver na solidão e miséria, vilipendiado por todas as pessoas decentes contemplando seu futuro sombrio na ária “Ben Giunto” (faixa 33) mas é interrompido por Armínio, que entra furtivamente e se aproxima de algumas ruínas de torres próximas. Ao ouvir uma voz dentro das ruínas, Carlo vai investigar, então entra na torre e, para sua surpresa, encontra, num dos calabouços, um velho esquelético que ele reconhece ser o seu pai, Massimiliano. Em uma impressionante narrativa “Un ignoto, tre lune ou saranno” (faixa 35), Massimiliano (que não reconheceu seu filho) descreve aquilo que se passou: ao receber a notícia da morte do seu filho mais velho, perdera os sentidos; quando acordara, vira-se fechado num caixão; depois, Francesco, o seu filho mais novo, que ficara furioso ao compreender que ele não morrera, mandara-o aprisionar naquela torre onde deveria acabar por morrer de fome. Felizmente Arminio o salvou e manteve escondido nas ruínas onde Carlo o encontrou. Surpreendido e indignado, Carlo dispara para o ar para chamar os seus homens, a quem faz jurar vingança contra Francesco.

Ato 4
Cena 01: Uma suíte de quartos no castelo de Massimiliano
Francesco acorda após terríveis pesadelos, com remorso. “Pareami che sorto da lauto convicto” (faixa 38) Francesco descreve uma visão assustadora da retribuição divina em um movimento que prefigura os grandes solilóquios das óperas do período intermediário de Verdi. Ele convoca o padre Moser e pede perdão por seus pecados, mas este se recusa a absolvição por seus crimes hediondos: só Deus pode conceder o perdão, responde o pastor. Impelido por sinais de que o castelo está sob ataque, Francesco corre para encontrar seu destino, jurando que vai desafiar o próprio fogo do inferno.

Cena 02: Uma clareira na floresta da Francônia

Scene finale dalla prima dei Masnadieri a Londra

Massimiliano lamenta a morte de Carlo, embora ele ainda não reconheça que o homem de pé na frente dele é seu filho favorito, Carlo não revelará sua identidade a Massimiliano, mas mesmo assim pede uma “bênção paterna”, então ele abençoa o “estranho desconhecido” por salvar sua vida. Em um dueto gentil “Come il bacio d’un padre amoroso” (faixa 41), pai e filho estão vocalmente unidos. Os bandidos regressam do assalto ao castelo. Não encontraram Francesco, e, em seu lugar, decidiram trazer Amalia, que encontraram perdida nas matas. Isso agrada Carlo que tem a intenção de mudar os seus caminhos. Carlo é forçado a admitir para Amalia, e para o seu pai, o seu papel como líder dos ladrões. Massimiliano expressa seu horror e desespero, mas Amalia declara que, apesar de tudo, ela ainda ama Carlo e quer ficar com ele no trio final “Caduto e il reprobo!” (faixa 43). Mas os companheiros ladrões de Carlo estão por perto, ele também deu o seu juramento de fidelidade ao longo da vida para seu bando de ladrões, e é impossível ignorar: em uma passagem declamatória final, ele não pode permitir que a mulher que ele ama seja arrastada para o seu mundo de degradação e vergonha, e ele não pode escapar de seu próprio mau destino está convencido de que não pode apagar a mancha do passado, nem de se redimir do clã, então resolve esse paradoxo esfaqueando e matando Amalia. Carlo abandona os bandidos e corre para a forca que o espera.

Cai o pano
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“I masnadieri” é um dos trabalhos mais intrigantes de Verdi. Quatro furiosos e violentos atos de tragédia. O retrato de Schiller sobre a rivalidade ciumenta de dois irmãos, o mais novo ressentido pelo fato de que o mais velho herdará a propriedade ducal do pai, e o dilema do pai cujo herdeiro legal se rebelou contra a sociedade e se juntou a uma gangue de bandidos de vida irresponsável, é forte material, cheio de ideias pré-revolucionárias (foi escrito em 1781). A figura de Francesco, o homem do crime premeditado, é terrível ele despreza seu pai como um fardo inútil que passa por sua vida e sente categoricamente a necessidade de ir contra a natureza. A inesperada vítima expiatória é a infeliz Amalia. Ela, que resistiu ao sadismo do namoro de Francesco – em uma cena cheia de contrastes – e demonstrou a mais firme coragem, assim como a mais terna feminilidade. O drama caminha desde o início com uma presunção devoradora e selvagem. Com um libreto nada superficial, ainda que desajeitado na linguagem, o músico lançou um ataque anárquico, de natureza explosiva.

Com estes ingredientes deveria ter sido um grande sucesso, fora isso tinha uma companhia estrangeira de grande prestígio dirigida por Lumley, uma elevada base romântica em Schiller (uma das fontes favoritas do compositor), um ilustre homem de letras como o libretista, um elenco de renome internacional. Além disso, Verdi e seu libretista tentaram conscientemente romper com certas tradições de longa data para tornar sua criação mais romanticamente intensa. Mas todos esses ingredientes se mostraram problemáticos. Verdi sentiu-se fora de sintonia e sem empatia com o ambiente inglês e pode não ter certeza do gosto e das exigências do público, o drama se mostrou um tanto pesado, particularmente por sua falta de oportunidades para o confronto dos personagens; Maffei, apesar de suas habilidades poéticas e disposição para experimentar, não tinha experiência de adaptações para o teatro. Acabou ficando um trabalho, no velho e bom português, como “feijão com arroz”.

Her Majesty s Theatre

Porém o lucrativo contrato para compor uma ópera para o Her Majesty’s Theatre em Londres foi um importante sinal da crescente reputação internacional de Verdi, e a ocasião permitiu que ele escrevesse para alguns dos cantores mais famosos da época. A recepção entusiástica de Londres durou pouco e a ópera se saiu muito mal na Itália. Este trabalho se juntou a Alzira no limbo das óperas de Verdi menos executadas. Não que a ópera toda seja feia, tem bons momentos (aliás o solo do prelúdio é lindo) mas o desfecho…putz, o absurdo no final aonde nosso herói esfaqueia sua amada para poupar-lhe a agonia de perdê-la para os bandidos (a quem ele jurou fidelidade eterna) é muito para engolir até no século XIX, em minha desprezível opinião, diga-se de passagem.

Giuseppe Verdi – I masnadieri
Personagens e intérpretes

Lamberto Gardelli (1915-1998)

Esta gravação que vamos compartilhar com os amigos do blog é formada por um dos grandes elencos da década de 70. Para começar a diva Monserrat Caballé é sublime no único papel feminino. Como vimos (para quem teve a paciência de ler o textão) Amalia foi escrita para a sueca, Jenny Lind, e como tal o papel tem um monte de trinados e outros tantos momentos de coloratura delicada que Verdi normalmente não escrevia. Caballé tem uma voz muito leve e ágil, que parece estar de acordo com a escrita para Lind – o papel mantém os registros médios e superiores da voz soprano. Ela é particularmente surpreendente na ária de abertura, “Lo sguardo avea degli angeli” (faixa 11). Carlo Bergonzi é o tenor clássico de Verdi, sua aria de abertura, a cabaletta marcial “Nell’Agila maledetta” (faixa 05), é excelente. É muito bonito também o dueto com Raimondi no quarto ato, “Come d’un bacio d’un padre amoroso” (faixa 41).

Piero Cappuccilli (1926-2005)

Piero Cappuccilli também é o clássico barítono Verdi, trazendo muito calor italiano para o papel. Parece estranho dizer que leva “calor a um vilão”, mas Francesco Moor tem muitas músicas realmente ótimas, e a voz de Cappuccilli é muito bonita! Em minha modesta opinião ele é particularmente magnífico no dueto com Caballé no ato dois, “Io t’amo, Amalia” (faixa 21), que apesar das deficiências dramáticas, os dois fazem deste dueto um dos pontos altos. Sua ária de abertura, “La sua lampada vitale” (faixa 07) tem muita ameaça, tornando Francesco assustador. Ruggero Raimondi é um magnífico baixo, seu Massimiliano ficou nesta gravação com muita profundidade. Realmete é uma pena que não ter muitas participações do personagem dele para nos deleitar com seu canto. Há dois belos duetos, no primeiro ato com Caballé (faixas 11 e 13) e no ato quatro com Bergonzi (faixa 41), e uma curta romanza no ato três, “Un’ignoto, tre lune” (faixa 35). Esta gravação de estúdio é de alta qualidade e o maestro Gardelli conduz o pessoal da New Philharmonia com muita delicadeza. Uma gravação excelente, e os amantes da boa ópera não devem ter receio de ouvir mesmo que esta ópera seja considerada um trabalho menor, pouco conhecido, mas estamos falando da música de VERDI !!! Que subam as cortinas e se inicie o espetáculo ! Bom divertimento !!!!!

Massimiliano, Conde Moor – Ruggero Raimondi, baixo
Carlo, filho mais velho de Massimiliano – Carlo Bergonzi, tenor
Francesco, filho mais novo de Massimiliano – Piero Cappuccilli, barítono
Amalia, sobrinha órfã de Massimiliano – Montserrat Caballé, soprano
Arminio, criado do Conde – John Sandor, tenor
Rolla, membro de quadrilha – William Elvin, barítono
Moser, um padre – Maurizio Mazzieri, baixo

Ambrosian SIngers
New Philharmonia Orchestra
Conductor: Lamberto Gardelli
Registrazione: London, Ago 1974

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Carlo Bergonzi chegando à redação do jornal PQPBach 60 minutes: “Vieni qui, dammi un grande abbraccio mio amico PQP!!!!

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Macbeth, versão 1847 – (Demerdjiev, Iano Tamar, Marco Guidarini)

Giuseppe Verdi (1813-1901): Macbeth, versão 1847 – (Demerdjiev, Iano Tamar, Marco Guidarini)

DODICI – IL PRIMO “MACBETH” A FIRENZE

Após a estreia de Attila, seguindo os conselhos dos médicos Verdi deu uma ligeira relaxada nos compromissos, passou dias quietinho, dessa vez ficou apreensivo com sua saúde. O relatório destes dias sempre nos chega através das cartas que o fiel Muzio enviava ao “papa” Barezzi: “Continua a sentir-se bem e está se recuperando. Não faz nada, não escreve, não assume compromissos; agora só gosta de caminhar ou passear de carruagem, tendo cinco ou seis à sua disposição; todos estes cavalheiros que o cortejam competem pela sua diversão. Às vezes, por volta do meio-dia, vai para o campo ou para Monza ou Cassano ou Treviglio; e volta para casa às cinco para almoçar. À noite retira-se a tempo e descansa. Conduzir-se assim logo ficará recuperado novamente”. E dando-nos os relatos de seu progresso na saúde parece que a torcida se cumpriu. Em maio diz Muzio, escrevendo a Barezzi com aquele tom de quem participa tanto da vida de seu professor que até bebe com ele as águas curativas: ‘O mestre está bem, fazemos grandes caminhadas pela manhã, tomamos muita água e jogamos boliche para digerir essa água, e às cinco saímos para almoçar com uma companhia seleta. “O apetite volta” e ele toma café da manhã com gosto, feliz … Se o visse!!!! Está engordando, adquiriu uma bela cor na pele, está melhor do que nunca”, sempre.

Papa Mastai Ferretti – Pio IX

Um fato vale destacar desse período “ocioso”: Muzio elogia a eleição do novo papa Mastai Ferretti, Pio XI. O mestre é convidado, por seu amigo romano Masi, a escrever um hino para a posse oficial do pontífice em novembro. Verdi recusa, mas com pesar, porque “gostaria muito de compor numa música para homenagear um homem tão merecedor da sociedade”. Muzio enumera esses méritos, a coragem de Sua Santidade em impor uma vida sóbria como tribunal do Vaticano, mais caridade e, acima de tudo, o início de reformas políticas e sociais, como a anistia para crimes políticos e maior liberdade de opinião. Veremos os efeitos disso nas próximas postagens.

O trabalho está a espera; consegue adiar o compromisso em Londres junto ao empresário Lumley, reitera que não irá a Londres por nenhum motivo, até os “doutores” certificarem sua cura. Assume outros compromissos: considera ir para Florença, algo está para nascer, negociações com o empresário Alessandro Lanari avançam para uma nova ópera a ser estreada no Teatro della Pergola em Florença. Em 17 de maio de 1946, Verdi escreveu a Lanari. “Agora que estamos perfeitamente de acordo quanto ao gênero de trabalho que tenho de escrever … Tenho temas fantásticos e lindos em vista que vou escolher o que mais se adequa à disponibilidade do Teatro della Pergola”. Os tópicos “fantásticos” foram certamente “L’avola” de Franz Grillparzer, “Macbeth” de Shakespeare e  “I masnadieri” de Schiller. A escolha final teria dependido da disponibilidade do protagonista masculino: se havia um bom tenor, a melhor escolha seria “l’Avola” ou “i Masnadieri”, se um barítono, a escolha cairia em “Macbeth”. Ao ser indicado o nome de Felice Varesi, um dos melhores barítonos ator-cantor da época, a escolha acabou por recair em Macbeth. Essa iria ser a primeira ópera de Verdi baseada num texto de Shakespeare.

Parte autografa di Verdi nel libretto del Macbeth

Na segunda quinzena de setembro ainda havia alguma incerteza sobre a obra planejada, mas o mestre já havia deixado Piave de sobreaviso e em 2 de setembro (entre outras coisas Piave estava “muito desolado” porque sua namorada havia amputado uma mão depois de um acidente de viagem): “Tente se animar e procure todas as distrações possíveis! … Eu lhe enviarei 100 florins. Amanhã ou mais tarde enviarei o esboço do “Macbeth “. Recomendo para você com alma!” Piave já estava trabalhando no “Corsaro” de Byron. Verdi escreveu ao libretista dois dias depois, em 4 de setembro, e ao enviar-lhe o esboço de “Macbeth”, acrescentou um conselho esclarecedor e admirável: “Esta tragédia é uma das maiores criações humanas … Nos versos, lembre bem, não deverá haver nenhuma palavra inútil: tudo deve dizer algo, e uma linguagem sublime deve ser usada com exceção das bruxas: estas devem ser triviais, mas extravagantes e originais … Oh, eu recomendo que você não negligencie este “Macbeth”, por favor venere esta obra, senão outra coisa, confio que cuidará destes versos. Minha saúde que agora está excelente, mas que imediatamente se deteriora por causa do calor que faz esta temporada em Milão, isso me preocupa … Brevidade e sublimidade.” Quando começou a trabalhar nesta sua nova ópera, Verdi compreendeu de imediato que toda a tensão da Tragédia se centrava, não entre diversas personagens em luta pelo Poder, mas sim entre os dois Protagonistas, Lord e Lady MacBeth. É a tensão existente entre ambos que está na origem da Tragédia: a tensão entre a Ambição Medrosa, latente na figura masculina, e a Ambição Cega, de certa forma camuflada, que guia o comportamento da figura feminina. Foi essa tensão que Verdi tentou transmitir ao transpor para música a obra de Shakespeare.

Il commediografo William Shakespeare

Durante a composição, não satisfeito completamente com os versos de Piave, invocou “S. Andrea” Maffei para retocar e refazer alguns versos que estavam crus e sem emoção. Mesmo na forma de poesia, ele desejava aparecer em ordem diante de um ambiente, uma tradição, onde a linguagem tinha uma importância preeminente, especialmente em comparação com as outras regiões da Itália.

Algumas cartas descrevem de forma clara como Verdi gostava de manipular a parte cênica da preparação das suas montagens orientando os cantores. Nunca antes Verdi foi tão detalhista na preparação de uma ópera, tendo cuidado até com os elementos da encenação, já que fazia muita questão de uma reprodução convincente do século XI escocês. Chegou mesmo a fazer a exigência de que os cantores fossem bons atores – e isso no século XIX era uma grande exigência. Vou reproduzir o que o maestro orientou neste trecho que descreve o momento em que Macbeth se propõe a assassinar o Rei Duncan, e o dueto que se segue ao crime, entre ele e a sua mulher, a sua malvada inspiradora, Verdi recomenda: “Cuidado que é noite: todos dormem : tudo neste dueto terá que ser dito em voz baixa, mas em voz sombria para causar terror … Para que compreendam bem as minhas ideias, digo-vos também que … a parte orquestral consiste nos instrumentos de arco, em quatro sopros e um tímpano. Vocês veem que a orquestra vai tocar baixinho e vocês vão ter que cantar muito baixo também.”…. “Em suma, preste atenção nas palavras e no assunto: não procuro mais nada: o assunto é lindo, as palavras também …”

Mareianna Barbieri-Nini prima interprete dei Lady Macbeth

Ele também enviou considerações semelhantes a Barbieri-Nini, intérprete de Lady Macbeth. Quanto ao tipo de voz desejada e à expressão vale o que escreveu em 1848, quando no San Carlo de Nápoles quiseram confiar a mesma parte a Tadolini: “Tadolini tem qualidade muito grande para desempenhar este papel! Pode parecer absurdo, mas não é … Tadolini canta perfeitamente, e eu gostaria que Lady Macbeth não cantasse. Tadolini tem uma voz clara, límpida e poderosa, e eu gostaria de uma voz áspera e sufocada, sombria. A voz de Tadolini tem algo angelical, a voz de Lady deveria ter algo diabólico.”

Preocupado com o ambiente das cenas, escreveu a Lanari para fazer a curadoria. O cenário que, depois da palavra, era seu segundo problema. A principal dificuldade parecia-lhe estar no desenvolvimento de mecanismos e truques para as aparições fantasmas. A do Banquo que, assassinado por ordem de Macbeth, volta em forma de fantasma para atormentá-lo: “Olha, a sombra do Banquo deve ir para a clandestinidade: deve ser o mesmo ator que representou o Banquo no primeiro ato e deve ter um véu cinza, mas muito discreto e até que seja visto, e Banquo terá que ter cabelo penteado e várias feridas visíveis no pescoço. Todas essas noções eu tenho dos palcos de Londres, onde esta tragédia tem sido continuamente representada por mais de 200 anos. E aquelas múltiplas aparições que ocorrem pelas bruxas no terceiro ato, para as quais ele argumentou a necessidade de explorar a fantasmagoria produzida pela lanterna mágica.” Lanari se empenhou e em uma carta feliz de janeiro de 1847 relata a Verdi: “..tinha falado sobre a “fatasmagoria” com o cenógrafo Sanquirico, ele me garantiu que seria extremamente bonito e muito adequado: por Deus, se ficar bem como Sanquirico descreveu, será um negócio espantoso, e um mundo de gente virá correndo ao teatro só para ver isso. Quanto às despesas, ele me garante que será pouco mais que o valor de uma carruagem nova… O que você acha? ” Achei muito legal o parâmetro: hoje mesmo sendo um “Goleta 1.0” basicão já ia ser bem caro…..

Verdi – 1847

A ópera demorou mais que o comum para ser apresentada, Verdi queria uma execução perfeita, pretendendo atender a todos os pormenores. Assistir a todos os longos ensaios, constantes e cuidadosos. Para se ter um exemplo, a admirável primeira intérprete da Lady Macbeth, Mariana Barbieri-Nini, foi compelida a ensaiar mais de cinquenta vezes o seu dueto com o barítono. Os ensaios duraram mais de três meses. Não contente ainda com a famosa cena do sonambulismo, procurava orientar a cantora: “…. deveis ser a imagem real, viva, duma sonâmbula, dessas que falam dormindo, articulando palavras sem movimentar os lábios. Deveis manter o corpo imóvel, até os olhos….” (na nossa postagem a faixa 22).

Depois desta demostração de como o maestro era detalhista os amigos do blog não precisam de mais nada para entender que Verdi queria se apresentar da melhor maneira possível em Florença.

Verdi dedicou a partitura de “Macbeth” ao sogro Barezzi como testemunho de memória eterna, gratidão e afeto. “Há muito tempo a intenção de dedicar uma ópera para você, que têm sido pai, benfeitor e amigo para mim. Era um dever que eu deveria ter cumprido mais cedo se circunstâncias imperiosas não tivessem me impedido. Agora, eu vos envio Macbeth como prêmio acima de todas as minhas outras óperas, e, portanto, considerando digna de apresentar a você.”

Teatro della Pergola di Firenze dove ebbe luogo la prima di Macbeth

A ópera havia sido encenada no Teatro da Via della Pergola em 14 de março de 1847: segundo o relato do Sr. Antonio, o genro apareceu para agradecer ao proscênio cerca de quarenta vezes e foi acompanhado ao hotel por uma grande multidão. Artistas, homens de cultura, nobres o homenagearam. A primeira apresentação foi um triunfo! Os proprietários do teatro lhe ofereceram, como demonstração do maior conceito de Florença, uma coroa de louros, preciosa porque as folhas eram de ouro, tendo cada uma das folhas o nome das dez óperas que até esta data haviam sido compostas. No entanto, os críticos não abraçaram os elogios, até mesmo nivelando o mérito da música, “que foi apenas parcialmente apreciada”.

Giovanni Dupre (1817-1882)

O maior reconhecimento recebido pelo mestre do meio cultural da cidade foi uma carta memorável do poeta satírico Giuseppe Giusti: “Gostaria que todos os gênios italianos procurassem uma união forte e plena com a arte italiana e se abstivessem da veneração vaga de conexões estrangeiras.” Comovido com os cumprimentos de um literato, Verdi responderá prontamente: “Sim, você diz muito bem … Oh, se tivéssemos um poeta que soubesse traçar um drama como você o entende! Mas desgraçadamente, se quisermos algo que pelo menos tenha um efeito, devemos, para nossa vergonha, recorrer a coisas que não são nossas ”. Além de Giusti, “Macbeth” atraiu outras simpatias florentinas: o dramaturgo Giovanni Battista Niccolini, os escultores Lorenzo Bartolini e Giovanni Dupré, o historiador Gino Capponi e o barão político Bettino Ricasoli, estes dois últimos profundamente engajados na luta por uma nova ideologia liberal. Dupré deixou-nos nas suas memórias autobiográficas uma boa descrição da permanência de Verdi entre eles: “Se não me engano, foi a primeira vez que veio entre nós; a sua fama o precedeu; os inimigos, como é natural, diziam que, como artista, ele era muito vulgar e corrompia o bel canto italiano, e como um homem, eles até disseram que era um urso, cheio de altivez e orgulho, e que desdenhava se aproximar de qualquer pessoa. “Alguns até hoje argumentam que tal reserva obscura resultou da tentativa de esconder o máximo possível sua relação com Giuseppina Strepponi, que teria estado em Florença com ele (há também um retrato dela na época dos ensaios de “Macbeth”) .

Giovanni Dupre – La mano di Verdi

O então jovem escultor queria se convencer de como era na realidade o homem e escreveu-lhe uma nota nos seguintes termos: “Giovanni Dupré solicita ao mestre G. Verdi que se dignasse a sua conveniência a ir ao seu estúdio, onde está completando Caim em mármore, e gostaria de mostrá-lo a ele antes de enviá-lo ao imperador da Rússia.” E para saber até que ponto ele era um “urso”, ele mesmo foi com a carta visitar o músico da Pensão Suíça, apresentando-se como “um jovem aluno do estúdio do professor”. O maestro o acolheu com muita “civilidade”, leu a carta e depois com uma cara “nem rindo nem sério” falou: “Diga ao Sr. Dupré que eu agradeço muito a ele, e assim que possível irei e vê-lo, já que tinha em mente conhecer pessoalmente o jovem escultor.” Então Dupré se revelou e Verdi apertou sua mão, divertido, dizendo que era realmente um “pensamento de artista”. Depois, virou amizade: Dupré continua: “Na sua estadia em Florença, encontramo-nos quase todos os dias; fizemos alguns passeios. Éramos uma brigada de quatro ou cinco: Andrea Maffei, o Manara que mais tarde morreu em Roma, Giulio Piatti, Verdi e eu; à noite, ele nos deixava ir a um ou outro ensaio de Macbeth; de manhã, ele e Maffei vinham com frequência ao meu estúdio. “Eles conversavam sobre pintura e escultura; Verdi preferia Michelangelo e falava dele com perspicácia. Ele também parecia gostar do Caim…..” Dupré conseguiu esculpir a sua mão, que ainda hoje é admirada.

O Enredo

Ópera em quatro atos, libreto de Francesco Maria Piave (com material adicional de Andrea Maffei) baseado na peça Macbeth de William Shakespeare.

Estreia: Florença, Teatro della Pergola, 14 de março de 1847.

Local: Escócia e as fronteiras anglo-escocesas durante o Reinado de Duncan, século 11.

O prelúdio é composto por temas da ópera. Primeiro vem um tema de sopro em uníssono da cena das bruxas no início do ato três, depois uma passagem da música da aparição no mesmo ato. A segunda metade é tirada quase inteiramente da cena do ‘sonambulismo’ de Lady Macbeth do quarto ato.

Ato 1.

Cena 01: Um bosque
Ao regressarem duma batalha vitoriosa contra grupos rebeldes, MacBeth e Banquo encontram numa clareira da floresta um grupo de Feiticeiras que os saúdam, o coro das bruxas que abre o ato divide-se em duas partes, a primeira “Che faceste?” , a segunda “Le sorelle vagabonde” (faixa 02). Ambos compartilham da cor musical associada às bruxas, entre as quais se destacam as sonoridades de sopro (tanto escuras quanto estridentes), figuras de cordas mercuriais e uma tendência para o deslocamento rítmico. Macbeth e Banquo entram e são saudados pelas bruxas com suas três profecias, sombriamente marcadas. MacBeth é saudado como “Senhor de Clamis e de Caudore” e como “Rei dos Escoceses”. Quanto a Banquo é saudado como “a semente duma longa Linhagem de Reis”. Uma rápida marcha militar então apresenta mensageiros que chegam com a notícia da morte do Senhor de Caudore, de cujo título MacBeth é o herdeiro, cumpre-se uma das Profecias. Como Verdi admitiu ao seu barítono principal, Varesi, esta sequência teria tradicionalmente chamado uma ária dupla para Macbeth, mas em vez disso o compositor forneceu um duettino de um movimento para Macbeth e Banquo, “Due vaticini” (faixa 04), cheio de linhas interrompidas e exclamações suprimidas enquanto os dois homens examinam suas consciências. A estrita final das bruxas, “S’allontanarono” (faixa 05), é muito mais convencional, embora encontre espaço para uma cor ainda mais característica.

Cena 02: Uma sala no castelo de Macbeth
A cavatina de Lady Macbeth, gera grande poder dramático a partir de uma forma externa convencional. Depois de uma tempestuosa introdução orquestral, Lady MacBeth entra e lê uma carta do marido em que ele fala no encontro que teve com as Feiticeiras e na estranha forma como elas se lhe dirigiram. A primeira parte de sua ária dupla, “Vieni! t’affretta!” (faixa 06), Lady MacBeth vê nisso um sinal e acha ter chegado o momento de ajudar o Destino fazendo cumprir a última das predições das Feiticeiras canta ordenando que Macbeth volte para casa o mais breve para que ela possa derramar nele seus pensamentos sangrentos; esta ária é linda e notável por evitar a repetição formal e por suas excursões harmônicas estritamente controladas. Um mensageiro anuncia que Macbeth e Duncan são esperados naquela noite, e Lady Macbeth exulta na cabaleta “Or tutti sorgete” (faixa 07). Macbeth entra, em um breve recitativo, Lady Macbeth revela seus planos para Duncan. O casal é interrompido pela chegada do próprio rei, cujo desfile pelo palco é acompanhado por uma marcha ‘rústica’ da banda.

O ‘Gran Scena e Duetto’ que se segue começa com o extenso arioso de Macbeth “Mi si affaccia un pugnal ?!” (faixa 09), durante o qual ele tem a visão de uma adaga e se prepara para matar Duncan. A passagem é extremamente rica em invenção musical, à medida que figuras cromáticas deslizantes se chocam com harmonias “religiosas” distorcidas e reminiscências fugitivas da música das bruxas; ele definirá o padrão para os grandes recitativos da carreira posterior de Verdi. Macbeth entra na sala do rei, e Lady Macbeth aparece, logo se reencontrando com seu marido. O motivo da nota do vizinho de Macbeth em “Tutto e finito!” (Tudo está terminado!) Fornece o material de acompanhamento para o primeiro movimento do dueto dividido em quatro partes, o Allegro “Fatal mia donna! un murmure”. Este primeiro movimento envolve uma troca rápida entre os personagens, com continuidade musical fornecida principalmente pela orquestra. Enquanto Macbeth descreve a voz interior que sempre lhe negou o sono, o segundo movimento mais lírico, “Allor questa você”, começa: os cantores novamente têm material musical diferente. Um curto movimento de transição, “Il pugnal la riportate”, mostra Lady Macbeth devolver a adaga ao quarto do rei e emergir com sangue nas mãos. O dueto termina com uma cabaleta muito reduzida, “Vieni altrove! ogni sospetto”. Consumado o ato, MacBeth é perseguido pelos remorsos e o medo, sentimentos que, acredita, irão passar a ser uma constante de todos os seus dias futuros.

O final do primeiro ato começa com a chegada de Macduff e Banquo, este último cantando uma apóstrofe solene da noite. Macduff chama todos para o palco e anuncia o assassinato de Duncan. A notícia lança o Adagio concertato, “Schiudi, inferno” (faixa 10): uma explosão tutti de angústia, uma passagem tranquila e desacompanhada em que todos oram pela orientação de Deus e uma melodia final elevada na qual a vingança divina é invocada sobre o culpado. O crime é atribuído ao próprio filho do Rei e seu herdeiro, Malcolm, que, ao fugir, não faz senão aumentar as suspeitas que recaem sobre ele. Seguindo o padrão do dueto anterior, a estreta final é extremamente curta, funcionando mais como uma coda do que como um movimento por si só.

Ato 2

Cena 01: Uma sala no castelo dos MacBeth
Uma reprise orquestral de parte do grande dueto do primeiro ato leva a um recitativo entre Macbeth e sua esposa. Ele agora é Rei dos Escoceses, as Profecias cumpriram-se, que perigos podem ainda ameaçá-lo? Malcolm fugiu e é suspeito do assassinato de Duncan, mas Macbeth fala da outra Profecia que ainda não se cumpriu, aquela que anuncia Banquo como semente duma longa Linhagem de Reis. Mas Lady MacBeth diz que esse perigo pode ser afastado: basta mandar assassinar Banquo.Lady Macbeth fecha a cena com a cabaleta “Trionfai! securi alfine” (faixa 11), uma ária convencional de dois versos à maneira da música de Elvira em Ernani.

Cena 02: Um parque
O silencioso e staccato coro de assassinos, “Sparve il sol” (faixa 12), na maneira tradicional de Verdi de representar grupos sinistros, leva a um romanza para Banquo (faixa 13), em cuja coda Banquo é assassinado num recanto distante dos Jardins do Castelo e o seu filho, Malcolm, foge.

Cena 03: Um salão magnífico no castelo dos MacBeth
Música festiva animada sustenta a reunião de nobres convidados, após o que Macbeth chama sua esposa para cantar um brindisi (canção para beber). Ela obedece com “Si colmi il cálice” (faixa 14)

Figurino Lady macbeth della prima reppresentazione di Firenze

e (como acontecerá também no primeiro ato da Traviata) é respondida pelo coro em uníssono. Os acordes finais da música ainda ecoam na orquestra enquanto Macbeth vai ao encontro de um dos assassinos de Banquo que aparece em uma das portas, sendo informado de que tudo se cumprira como ordenado porém Malcolm, filho de Banquo, havia fugido. MacBeth regressa à mesa do banquete lamentando a inexplicável ausência de Banquo.

A música festiva recomeça, mas Macbeth tem uma visão horrível de Banquo, no lugar na mesa que estava reservado, MacBeth vê o Espectro do companheiro de armas, com ele estabelecendo um diálogo incoerente. Lady Macbeth tenta acalmar seu marido, mas a visão retorna. O terror do rei precipita o concertato finale, “Sangue a me” (faixa 15), que é conduzido e dominado por Macbeth, embora com frequentes interjeições de sua esposa que tenta acalmá-lo. Não há stretta formal, o ato termina com a sensação geral de surpresa, mas as suspeitas já surgiram e Macduff decide abandonar de imediato o Castelo e procurar refúgio do outro lado da fronteira.

Ato 3

Uma caverna escura na floresta no antro das Feiticeiras
Depois de uma introdução orquestral tempestuosa, o coro das bruxas lideradas por Hécata, a Deusa da Noite cantam “Tre volte miagola”(faixa 16), traz de volta a ideia inicial do prelúdio como o primeiro de uma série de melodias cada vez mais animadas e ritmicamente acidentadas, aquelas claramente intencionadas para representar o elemento ‘bizarro’ do sobrenatural. Instantes depois chega MacBeth, o novo Rei dos Escoceses, que vem pedir que lhe leiam o Futuro. As aparições, que fazem suas previsões sobre o destino de Macbeth, a resposta das Feiticeiras é breve, mas difícil de decifrar: elas dizem para não confiar em Macduff, acrescentando que “nenhum Homem nascido duma Mulher o poderá derrotar, desde que a Floresta de Birman não interfira entregando o Poder à Linhagem de Banquo”, desencadeia o arioso “Fuggi, fantasima régio” de Macbeth na faixa 17, vêm os oito reis, o último dos quais está na forma de Banquo e precipita o “Oh! mio terror! dell’ultimo”, ao final do qual ele desmaia. Um suave coro e dança dos espíritos aéreos, ‘Ondine e silfidi’, precede o finale. O ato termina com uma cabaleta Allegro risoluto de Macbeth, “Vada in fiamme” (faixa 18).

Ato 4

Cena 01: Um lugar deserto nas fronteiras da Inglaterra e da Escócia e é dominada pela grande batalha decisiva que irá terminar o curto reinado de MacBeth.
O coro de abertura, “Patria opressa” (faixa 19), principalmente em seu lamento pela pátria perdida, lembra um pouco os coros patrióticos que tornou-se tão famoso nas primeiras óperas de Verdi, embora o modo menor lhe dê uma cor diferente. “Ah, la paterna mano” de Macduff, que se segue, é uma romanza menor convencional – maior romanza, e a cena é encerrada por um coro semelhante a uma cabaleta, “La patria tradita”, enquanto as tropas de Malcolm se preparam para descer em Macbeth.

Cena 2: Uma sala no castelo de Macbeth

Lady Macbeth figurini

A famosa ária de “sonambulismo de Lady Macbeth, “Una macchia” (faixa 22), é justamente considerada uma das maiores criações solo do jovem Verdi. Precedida por uma representação instrumental atmosférica sombria de Lady Macbeth que revela os sintomas dum sonambulismo preocupante que é, de fato, prenúncio da sua morte, a ária em si se distingue por sua estrutura formal e harmônica expandida e – mais importante – por uma contribuição orquestral maravilhosamente inventiva.

Cena 03: Uma sala no Castelo de Dunsiname
Uma ruidosa introdução orquestral leva ao confessional Andante sostenuto “Pieta, rispetto, amore” (faixa 23) de Macbeth, uma ária lenta eficaz com algumas modulações internas surpreendentes. MacBeth recebe a notícia da morte da mulher com aparente indiferença, limitando-se a dizer “que a vida não faz sentido, que é apenas uma história confusa imaginada por um louco”. A ária terminou, os soldados correram para anunciar a aparente aproximação do Bosque de Birnam, uma notícia que o deixa gelado, já que indicia o cumprimento de uma das Profecias das Feiticeiras; uma batalha orquestral pseudo-fugal se segue durante a qual Malcolm vence Macbeth em um combate individual. A ópera termina com uma cena curta e melodramática para Macbeth, “Mel per me” (faixa 25) repleta de gestos declamatórios que remetem aos temas do início do drama, MacBeth ferido grita dizendo que, segundo as Profecias, nenhum Homem nascido duma Mulher o poderá derrubar, Macduff responde que o filho de Banquo nasceu de cesariana. MacBeth morre e Malcolm é proclamado Rei.

Cai o pano
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Não há dúvida, na minha nula opinião, que esta ópera é um ponto de excelência fora da curva deste período, enobrecida por seu tema shakespeariano, foi aquela que Verdi conseguiu extrair, com sucesso, a substância dramática. Grande parte da ópera mostra uma atenção aos detalhes e uma certeza de efeito sem precedentes em obras anteriores. Isso vale tanto para os números “convencionais”, como a ária de abertura de Lady Macbeth ou o dueto subsequente com Macbeth, a curiosidade é que esta é a única ópera de toda a carreira do Mestre que não há romance (senza

Frontespizio del libretto di Macbeth

amore) ele dá especial foco aos três elementos principais do drama: Lady Macbeth cuja ambição leva constantemente a manipular seu marido; Macbeth o valoroso soldado que a sede de poder o transforma em assassino e finalmente o coro das bruxas visto por Verdi como o elemento central do drama da ópera, pois suas profecias despertam o desejo de poder nas personagens. Além disso, o novo padrão estabelecido por Macbeth foi o “norte” do qual Verdi raramente se desviou em trabalhos subsequentes.

Afastado das lutas artísticas, Rossini aposentado; Donizzetti doente com grande enfermidade mental; morto Bellini; Verdi ficara, por assim dizer, nesta época de 1847, só, sendo ainda muito jovem. Em Florença não se deteve a aproveitar as maravilhas da linda capital toscana, mas a refletir sobre os novos trabalhos a serem realizados….

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Em 1864, o editor e empresário francês Leon Escudier pediu a Verdi que adicionasse uma música de balé para uma nova encenação da ópera no Theatre Lyrique, em Paris. O compositor concordou, mas também aproveitou a ocasião para aprimorar a ópera fazendo alterações substanciais em alguns números que considerava mais “fracos”, ele acabou realizando retoques maiores ou menores em vários números ao longo da ópera, por fim a revisou significativamente.

A intenção deste que vos escreve é a de seguir a ordem cronológica da vida e obra do mestre, mostrando a evolução de suas óperas, então nesta postagem vamos compartilhar a primeira versão tal qual foi encenada em Florença no Teatro da Via della Pergola em 14 de março de 1847. A versão de Paris que foi encenada no Theatre Lyrique a 21 de abril de 1865 (que é a mais representada e gravada) fica para o post depois da “La Forza del Destino” de 1862.

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Esta gravação que vamos disponibilizar aos amigos do blog de 1997 é excelente, que subam as cortinas e inicie o espetáculo !!!! Divirtam-se!

Giuseppe Verdi: Macbeth, na versão original de 1847 (Florença)

Personagens e intérpretes
Esta é uma linda gravação ao vivo da versão original do Macbeth de Verdi, composta em 1847. Não tenho certeza, mas acredito que seja a ÚNICA gravação ao vivo, com qualidade, disponível da versão florentina, o que a torna ainda mais valiosa. É uma gravação ao vivo, e devo enfatizar que é uma performance ao vivo muito profissional e cuidadosamente gravada. Há muito pouco barulho de palco e menos ainda de público, apenas aplausos nos momentos apropriados….. (não é daquelas transmissões de rádio mono ao vivo descuidadas com chiados, tosse, avisos sonoros…).

Iano Tamar fazendo pose para os fotógrafos do PQPBach

Como Macbeth, Evgenij Demerdijiev teve um início ótimo e firme, mas em sua cena final, ele está cansado, sua voz soa um pouco áspera. A introdução às notas do encarte nos diz que ele estava gripado no dia da apresentação, mas que o desempenho foi importante o suficiente para ser registrado de qualquer maneira. O tom redondo e luxuoso de Iano Tamar como a malévola Lady Macbeth é bonito, sua interpretação da Cena do Sonambulismo é boa o suficiente para compensar o fato da voz dela ser “suave” demais papel. Andrea Papi e Andrea La Rosa, como Banquo e Macduff respectivamente, são ambos firmes. Sob a direção de Marco Guidarini, a Orquestra Internazionale d’Italia vive alguns momentos sublimes. Esta é uma gravação que vale a pena ter !

Macbeth: Evgenij Demerdjiev
Lady Macbeth: Iano Tamar;
Banquo: Andrea Papi;
Macduff: Andrea Ia Rosa;
Malcolm: Emil Alekperov
Gentlewoman: Sonia Lee;
Servant: Jae-Jun Lee
Doctor / Herald / Murderer: Han-Gweong Jang,;

Orchestra Internazionale d’Italia
Bratislawa Chamber Choir
Condutor: Marco Guidarini

Gravação: Martina Franca, Pallazzo Ducale, Italy 25/27 july 1997

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Marco Guidarini respondendo, em linguagem corporal “a lá Italiana”, as perguntas sobre Macbeth

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Attila (Muti, Ramey, Studer, Raimondi, Stella)

Ainda lamentando a falta de nosso grande amigo Ammiratore, a partir de hoje o PQP Bach retoma sua programação. Como habitualmente deixamos nossos posts previamente agendados — às vezes com antecedência de semanas –, temos ainda três óperas de Verdi que foram preparadas por Ammiratore.  Esta é a 11ª. Teremos a 12º e a 13ª com ele e depois seguiremos. Sim, estamos indignados com o descaso com que esta terrível doença vem sido tratada em nosso país e com a perda de nosso amigo. Somos mais de dez pessoas fazendo este blog e a impressão que tenho é a de que hoje somos um pequeno formigueiro que foi pisoteado. Mas fazer o quê? Vamos seguir, porque Ammiratore jamais admitiria o fim de seu querido PQP Bach. Aqui está Attila.

PQP

UNDICI – SOLERA LICENZIATO – “ATTILA” A VENEZIA

Saindo do Peru, com seus contrastes de pele e religião, os selvagens e a cruz (talvez um triste exemplo de história que representa a visão míope de Voltaire (e dos europeus em geral) à época sobre os povos originários das Américas), Verdi escolheu uma peça que havia lido em 1844 do poeta e dramaturgo alemão Friedrich Ludwig Zacharias Werner (1768 – 1823) (que no teatro alemão reviveu o fatalismo, o gosto pelo fantástico e pelo horrendo) “König der Hunnen ( Attila, rei dos hunos )” de 1809, que carrega o cheiro dos cavalos dos bosques da Ístria, enquanto as cruzes brilhantes das igrejas bizantinas relembram o medo que os invadiu à beira da civilização. Inicialmente discutiu o assunto com Piave. No entanto, para sua segunda ópera no La Fenice, o compositor acabou optando por Solera. Não há razão clara para essa mudança ter surgido, especula-se que, ao optar por Solera, ele estava mais confortável trabalhando com um libretista que era mais adequado para “desenhar sagas épicas e afrescos histórico-religiosos.” A abordagem da Solera para o projeto foi a de enfatizar um apelo ao patriotismo italiano, especificamente veneziano, ignorando muitos dos elementos da peça original. Estes incluíram invertendo a ordem das cenas-chave e, no caso da cena de abertura que mostra a fundação de Veneza, totalmente inventada. O enredo parecia excelente para Verdi, e também a poesia que Solera havia preparado até aquele momento, com versos bem musicáveis.

Zacharias Werner (1768-1823)

Conquistara a fama, mas um novo insucesso comprometê-lo-ia pelo menos aos olhos superficiais. Era necessário vencer e o libreto de Solera dispunha de elementos que o auxiliavam, facilitando-lhe o acesso à realização do seu intento. Verdi em agosto de 1845, de Nápoles, começou a pressionar Solera para começar a produzir os atos. Muzio, o seu fiel aluno e acompanhante, escreveu a Barezzi: “O senhor Maestro escreveu a Solera que está chegando a Milão especificamente para levar o libreto de “Attila”, do qual deseja realizar seu melhor trabalho; mas aquele poeta fez muito pouco; o Sr. Maestro reclamou com Maffei e Toccagni, acredito que eles o farão trabalhar, pelo menos Solera prometeu que terminará antes que o Maestro chegue.

E os problemas com Solera estavam apenas começando….. na manhã de 21 de setembro, Verdi tomou a diligência de Nápoles com destino a Milão. Muzio se apressou em contar tudo a Barezzi: “No sábado ao toque da Ave Maria à noite chegamos a Milão depois de uma péssima viagem e sempre acompanhados por uma chuva constante e muito forte. O Maestro está de cama há dois dias com uma dor reumática; mas agora está um pouco melhor; estamos cuidando bem dele um grande alento veio das animadoras notícias que chegaram do leste: os soberanos da Rússia aplaudiram o “Due Foscari”, e no San Benedetto de Veneza, “Un giorno di Regno”, com o título de “Il festo Stanislao”, divertiu o público. O maestro comentou que “o teatro é certamente uma coisa muito engraçada”.

A cara dos “anni di galera”

Este obscuro admirador acha que cabe nesta série, para ilustrar e termos uma ideia do ânimo do mestre nesta época de “galera”, uma carta que escreveu a um certo L. Masi de Roma que conhecera em Nápoles para lhe agradecer a notícia (não muito reconfortante) do desfecho de “Alzira” e para lhe dizer, como já relatamos, que o mal dessa obra estava nas entranhas: “Meu caro Masi, obrigado pelas notícias da Alzira, mas agradeço ainda mais pela memória que guarda do teu pobre amigo que está continuamente aprisionado em notas rabiscadas… Malditas notas! … Como estou de corpo e alma? … Estou bem de corpo, mas a alma é negra, sempre negra, e será sempre assim até que eu termine esta carreira que abomino … E depois? … É inútil se enganar! … sempre será tão negro! … A felicidade não existe para mim! … Você se lembra dos longos discursos que fizemos na minha sala de Nápoles? … Que filosofia! … Mas quantas verdades! .. Ah se eu tivesse cabeça e ombros de carregador! … Comeria bem e dormiria em paz os meus sonhos! … Não fique zangado, meu caro Masi, mas sempre me ame e me escreva com frequência que sempre serei grato. ” Apontado como exemplo irrefutável de seu pessimismo, o discurso traz as consequências de um período estafante em que, embora admitindo as “imagens sombrias” de sua concepção atormentada do mundo, o compositor não encontrou um momento de verdadeira paz, longe dos estímulos de uma vida fantasiosa. Obrigado a viajar constantemente, correndo para cima e para baixo para verificar se as montagens estavam indo se não para o melhor, para o menos ruim e tinha ainda , o cumprimento dos contratos. A expectativa com Attila, no entanto, lhe traz um sopro de satisfação, e maliciosamente escreveu que cogitava “deixar os críticos e jornalistas gritando e fugiria para Londres que estava de portas abertas”. O exílio é um dos seus propósitos, mas só na aparência, como se procurasse o canto do descanso, um conforto imaginário porque a ambição era bem diferente e mais forte do que a vontade de se aposentar, que também surge de vez em quando com o cansaço do corpo e alma.

Solera – Fuuuui, ciao, beeeello

Voltemos ao “…e os problemas com Solera estavam apenas começando….” Solera havia feito as malas, deixou o projeto por completo e seguiu com sua esposa para Madrid de mala e cúia, onde se tornou diretor do Teatro Real. Má não foi beeeem assim: reza a lenda que o real motivo para esta súbita mudança foi que sua esposa, a cantora Teresa Rosmira, tendo sido vaiada pelo público milanês em “Gabriela di Vergy” de Donizetti, rompeu seu contrato com o La Scala e em climão zarpou para Madrid, levando na bagagem o marido. Por certo não houve tempo nem espírito para concluir o trabalho, deixou o libreto incompleto com o último ato a terminar e sem as várias alterações solicitadas por Verdi nos outros atos. “Ma cosa resta da succedere adesso?” Verdi, após diversas tentativas vãs de despertá-lo para concluir a tarefa acabou convocando o fiel Piave para o poema e Maffei para a elaboração do final da ópera. Piave concorda em intervir no trabalho de outro artista, porque a oportunidade de trabalhar com Verdi não será discutida. Maffei faz o rascunho, Piave assumiu a poesia. Verdi instrui Piave a ignorar os planos originais de Solera para um final grandioso com coral e se concentrar nos personagens, uma mudança significativa no libreto. Uma vez em Veneza, em 25 de dezembro, ele informou Solera, embora com relutância, das novas decisões sobre o libreto e outras alterações no enredo… “Não sei se lhe escrevi outra vez que antes de sair de Milão paguei ao senhor Verati aquela sua conta. Não tens mais dívida com ninguém em Milão….. esperei até a metade do mês para receber o 4º ato seu, como te implorei em minha última carta, visto que você nunca me mandou, fiz as alterações ao lado de Piave como você me autorizou em sua última carta… a ópera acabou com um Prólogo e três atos…”, e anexou as alterações e propostas em  uma carta e envia para Solera. Este ao ler as alterações desaprovava veementemente.

Solera ti dirò cos’è “una semplice parodia”, cazzo

Temistocle Solera respondeu aborrecido, desanimado e tarde demais para reparar a falha, entristeceu-se: “Meu Verdi, a tua carta foi um raio para mim: não te posso negar a minha dor indefinível em ver um trabalho, que ousou agradar-me, encerrado como uma vil “paródia”. O cálice que você me faz beber é muito doloroso; só você poderia muito bem me fazer entender que ser libretista não é mais uma profissão para mim … Por enquanto peço que pelo menos mude um pouco as linhas que não são minhas, para que a pílula seja menos amarga.” Mas o final da carta a Verdi parecia muito mais conciliador: a crise econômica de Solera na Espanha foi tão grave que ele não hesitou em pedir: “Já que você pensa que ainda tem algo para me dar ficarei muito grato se quiser enviar este dinheiro o mais depressa possível em Barcelona, através de letras de câmbio.” Verdi jamais perdoou estes “insulto” ao seu juízo. Assim foi feita a rescisão com Solera. Depois, magoado, com as manipulações de Piave em Attila atacou, sem ética nenhuma, seu colega que alterara a ideia original do fim da ópera. Ele não era do tipo que se rebaixava a considerar seus colegas como pessoas de seu nível. Em confidências, feitas posteriormente ao biógrafo de Verdi, Eugenio Checchi, ele não dispensa a faca afiada apontada aos demais colaboradores do venerável mestre, “…são fracos como um maricas: não entendo como ele chegou a aceitar os libretos daquele burro do Piave … burro, sim senhor, e não mudo a opinião; e aquele vigarista do Salvatore Cammarano, que por ter escrito o libreto do “Trovatore” merece prisão, para dizer o mínimo.” Quando, anos depois, Solera dele se aproximou, já então em declinio de sua sorte, sua atitude foi a de Henrique V ante seu antigo companheiro de bebida: ” Não te conheço, velho; faze tuas orações….” Havia, definitivamente, algo “falstaffiano” em Solera.

Frontespizio del libretto della prima di Attila

Fofocas a parte, o tempo não espera e às vésperas de partir para Veneza, o mestre não havia terminado seu trabalho o poema estava demorando muito. O Tempo, que foi diminuindo visivelmente, nos leva ao dia 26 de dezembro e “Giovanna d’Arco” abriu a temporada no Fenice em Veneza, o compositor teve que estar presente. Verdi havia conseguido adiar a estreia de Attila para março. Ele ainda tinha muito a escrever. Revê com Piave os problemas que ainda estão por aparecer, problemas de estilo, libreto, verso, figurino… era demais, acabou ficando novamente de cama por dois dias: “Eu ficou dois dias na cama por causa de um maldito reumatismo! Este ano, de tempos em tempos, sou atacado por esses sinais incômodos da velhice(tinha 32 anos!) … Mas o que ficou velho? … Mas! … Mundo … Olha meu querido Piave que não façamos bagunça”, e pede um final “alla Foscari”, mas acrescenta: “Dane-se isso… gostaria que fosse como o trio de “Ernani”.

Dezembro… Attila e seus homens avançaram sacudindo as peles e espadas em grande cavalgada. Eles são pessoas queridas, fantasmas inofensivos comparados àqueles em carne e osso que depositam suas condições em cartas na caixa de correio. O editor Francesco Lucca e sua esposa Giovannina, mulher com quem é difícil discutir, perguntam quando começa a obra prometida “Masnadieri”. As editoras concorrentes da Ricordi já tinham os direitos de impressão de Attila, aguardavam o “Corsaro” já combinado com o empresário Benjamin Lumley (empresário inglês do Teatro de Sua Majestade) retirado de um poema de Byron sobre versos de Manfredo Maggioni. A viagem à Inglaterra já está sendo discutida… “quanto per me risolvere”. Os hunos se aproximam … Imagine, eles gostariam de cantar! Verdi ficou muito fraco, ganhou mais vinte dias de cama, “parecia vinte séculos”, o médico olha para ele sério: “Que coisa linda se você pudesse descansar por pelo menos seis meses!”. O “Allgemeine musikalische Zeitung”, não muito generoso com votos de melhora para o maestro, anunciou em 25 de fevereiro: “Giuseppe Verdi, o compositor de ópera que alcançou repentina fama nos últimos tempos, morreu em Veneza.”

A triste expectativa era, felizmente, um bom presságio. As forças voltaram pelo menos o suficiente para terminar o trabalho. É claro que, após as crises reumáticas, uma infecção no sistema digestivo pode ser fatal. Em 22 de março em Milão estava “muito magro”, escreve Muzio, mas seus olhos eram muito vivos e sua tez era morena. Attila por fim mereceu a palma da vitória junto com o tenaz compositor.

La locandina del Teatro La Fenice di Venezia per la prima di Attila

A estreia em Veneza no Teatro La Fenice em 17 de março de 1846 incluía o estelar elnco com Ignazio Marini (Attila), Natale Costantini (Ezio), Sophie Loewe (Odabella) e Carlo Guasco (Foresto), foi friamente recebida pelos críticos, mas Attila se tornou uma das óperas mais populares de Verdi na década de 1850. O empresário Benjamin Lumley, em sua autobiografia observa que “talvez nenhuma das obras de Verdi foi recebida com mais entusiasmo na Itália ou coroando o compositor com louros mais abundantes do que Attila. O libreto de Solera/Piave despertaria o patriotismo que, ainda em segredo, dominava todos os corações italianos. O contraste das cenas, as mutações frequentes, os efeitos assegurou o sucesso à expressão de patriotismo que vibra em toda ópera, em certas estrofes excitaria vivamente o sentimento popular. Havia no libreto frases que a música, longe de encobrir, acentuava para entusiasmar a multidão, para incitá-la a repeti-las com intenção reservada de exaltar o amor pela pátria oprimida.

Assim pensava Verdi, e não se equivocou. Falar de pátria, naquela época, equivalia a articular as mais completas aspirações de um povo. Bastava o nome “Itália” para que pulassem os corações mais apressadamente. Na noite de estreia, escutando as primeiras alusões políticas que se multiplicavam na peça, o público demonstrou o seu assentimento e seguiu com mais apreço, com maior ansiedade, o desenrolar da trama.Ainda que o autêntico mérito da música, bem apropriada, e em perfeita sintonia, fizesse prever o triunfo sem o fator patriótico, é inegável que este sentimento lhe angariou a simpatia geral, conquistando a assistência. Quando Ezio cantou a sua frase: “…Avrai tu l’universo, resta l’Italia a me !” (terás tu o universo, fique a Itália para mim !) (faixa 10 / 04)*… todo o público aplaudiu freneticamente; o grito “”Itália para nós” foi dito por milhares de gargantas simultaneamente, como se fora o ardente desejo de um povo inteiro. Dias depois, repetia-se nas ruas o grito de Ezio vibrante de oculto pensamento. Assim como as mulheres venezianas, abrasadas de amor pátrio, cantavam o trecho de Odabela: “… nós mulheres italianas, cingindo de ferro o seio, pelo ardoroso anseio sempre vereis pugnar…” Neste trecho o auditório erguia-se como um só, aclamando o maestro e a cantora que, naquele momento, parecia anunciar no palco o santo desejo de todas as italianas.

A alusão à futura glória da Itália unida, aos destinos da pátria, patenteava-se claramente na romança e Foresto, com que a plateia delirava”… querida pátria, nossa mãe e rainha de poderosos, magnânimos filhos, que descalabro, deserto, ruína; mora o silêncio da tristeza! Mas das algas desta maresia, nova Phoenix virás ressurgida, tão soberba, de galas vestida que serás o assombro do mundo!…” (faixa 19 / 06)*. Pode-se dizer que a animação derivava dos próprios sentimentos da população expressos nos cantores e não do mérito da música. A música, com suas notas maravilhosas, exprimia o desejo de batalha, de reconquista que animava os espíritos….

O Enredo

Ilustrazione oleografica sulla prima di Attila a Venezia 1846

Attila é a nona ópera de Verdi com libretto de Tomistocle Solera e Francesco Maria Piave sobre “König der Hunnen “ – Attila, Rei dos Hunos – de Zacharias Werner .

*Observação: quando as faixas forem mostradas colocaremos em primeiro a versão do maestro Muti com o Samuel Ramey (1989) e a segunda opção de faixa é a versão do maestro Muti com o Ruggero Raimondi (1970). (faixa x / y)

Estreia: (Veneza) Teatro La Fenice em 17 Março de 1846.

Cenário Aquileia, as lagoas do Adriático e perto de Roma, em meados do século V

O prelúdio segue um padrão que mais tarde se tornou comum na obra de Verdi: uma abertura contida leva a um grande clímax, depois ao início da continuidade melódica que se fragmenta rapidamente.

Prologo

Cena 01 A praça de Aquileia

G Bertoja bozzetti di Attila 1

A ação situa-se no ano 452 da Era Cristã, e a ópera inicia-se quando Attila, o flagelo divino, invadiu a Itália e saqueou Aquileia. Entre as ruínas fumegantes da cidade, os hunos, os hérulos, os ostrogodos e outros seguidores de Attila festejam seu grande líder, a quem exaltam com palavras dignas de uma divindade nórdica, mitológica, quase wagneriana da guerra. O líder bárbaro, porém, não está inteiramente satisfeito: o triunfo que sua confiança lhe confere é obscurecido pela desobediência de seu escravo bretão Uldino, que salvou uma multidão de mulheres venezianas, em vez de matá-las segundo as ordens recebidas. Uldino declara que queria dar a Attila um presente digno dele, pois essas mulheres lutaram ferozmente no campo e, portanto, merecem a honra das armas. Um grupo de mulheres guerreiras é trazido, e sua líder Odabella, filha do governador morto de Aquileia, proclama o valor e o zelo patriótico das mulheres italianas. A ária dupla de Odabella é uma exibição vigorosa do poder do soprano, seu primeiro movimento, “Allor che i forti corrono” (faixa 06 / 03), mostrando uma forma extraordinariamente extensa que permite a Attila inserir comentários de admiração. Impressionado Attila dispõe-se a conceder-lhe o que ela pedir. E Odabella pede-lhe uma espada. Attila entrega-lhe então a sua própria arma que a mulher aceita com entusiasmo, fazendo sobre ela de imediato um voto: o de usá-la na sua vingança. Tamanha é a força desse movimento que a cabaleta, “Da te questo” (faixa 08 / 03), apenas dá continuidade ao tom musical, embora com ornamentação mais elaborada.

Quando Odabella sai, o general romano Ezio aparece para um dueto formal com Attila. Ezio pede que a audiência seja privada. Diz que o Imperador de Constantinopla está velho e enfraquecido. Valentiniano, que reina a Ocidente, é ainda um adolescente. É por isso que propõe um acordo secreto para dividir o Império Romano do Oriente e do Ocidente: Attila poderá conquistar o mundo inteiro desde que ele, Ezio, possa conservar a Itália no Andante “Tardo per gli anni, e tremulo” (faixa 10 / 04). Attila recusa furiosamente essa proposta desleal: um povo tão covarde precisa ser castigado pelo representante de Votan. Ezio ainda tenta recuar para o seu papel de mensageiro de Roma, mas Attila diz que a cidade será arrasada, ao que Ezio responde desafiando-o “Vanitosi! che abbietti e dormenti” (faixa 12 / 04).

Cena 02: O Rio-Alto nas lagoas do Adriático
A cena muda, saímos do acampamento bárbaro, vamos para Rio Alto, “nas lagoas do Adriático”, na prática no lugar onde Veneza vai nascer. Algumas cabanas sobre palafitas conectadas por pontes improvisadas; a escuridão está prestes a dar lugar à luz do amanhecer em um céu ainda desordenado com nuvens tempestuosas. Primeiro vem uma violenta tempestade orquestral, depois o amanhecer gradual é retratado com uma passagem de cores e sons orquestrais cada vez maiores. O sino da manhã toca; alguns eremitas saem das cabanas para celebrar o rito em um altar rústico de pedras. Uma novidade é trazida pelo mar nos raios da luz em expansão. Chegam barcos cheios de fugitivos, de gente que fugiu de Aquiléia: procuram fuga e refúgio; a cena em torno da sua chegada é muito descritiva, parece realmente ver os canais vindos do mar, empurrados pela brisa da manhã. Grande tensão humana e fraterna, imediatamente perceptível no coro polifônico de fugitivos que ecoa o coro monódico dos eremitas. Foresto lidera um grupo de sobreviventes do ataque de Attila em Aquileia. Entre os refugiados, Foresto, a quem essas pessoas consideram um guia e salvador. Foresto, namorado de Odabella, teme muito pelo destino da mulher, que sabe estar nas mãos do Rei Átila. Num Andantino que novamente mostra uma extensão formal incomum, “Ella in poter del bárbaro” (faixa 16 / 06), seus pensamentos se voltam para sua amada Odabella, capturada por Attila. O brilho do sol é um bom presságio, e o jovem sente que a esperança renasceu; a mesma que ele infunde nos seus companheiros de desgraça, instados por ele a construir no lugar onde eles vieram para a segurança, uma bela cidade, que não os faça lamentar a Aquileia que eles abandonaram à força. Na cabaleta subsequente, “Cara patria, gia madre” (faixa 19 / 06), o solista é acompanhado pelo coro para uma conclusão empolgante da cena Foresto pede aos seus companheiros de infortúnio que construam uma nova cidade naquele preciso local, uma cidade renascida das cinzas, como phoenix: “Sim, das algas destas ondas, / Que phoenix nova, / viverás de novo, nossa pátria mais bela, / da terra e do espanto das ondas!”: Homenagem declarada a Veneza e seu teatro.

Ato 1

Cena 01: Um bosque próximo ao acampamento de Attila

G Bertoja bozzetti di Attila 2

O episódio esperançoso e marcial, dá lugar à primeira cena do primeiro ato, um bosque enluarado no acampamento de Attila, que desta vez está bem mais abaixo, perto de Roma, onde o grande e terrível líder chegou. Um solo melancólico de cordas apresenta Odabella triste, que permaneceu no acampamento de Attila para encontrar uma oportunidade de assassiná-lo. Em um Andantino delicadamente marcado, “Oh! nel fuggente nuvolo” (faixa 21 / 07), Odabella vê nas nuvens as imagens do pai morto e de Foresto . O próprio Foresto aparece diante dela, ele passou por muitos perigos para alcançá-la, e agora que a encontrou naquele lugar, ele a acusa de traição: ele a viu com Attila. O dueto assume o padrão multi-movimento usual: as acusações de Foresto permanecem através do Andante menor-maior, “Si, quello io son, ravvisami” (faixa 23 / 08), mas Odabella o convence de seu desejo de matar Attila, e eles amorosamente se unem em uma cabaleta uníssono , “Oh t’innebria nell’amplesso” (faixa 25 / 08).

Cena 02: A tenda de Attila
Attila conta a seu escravo Uldino sobre um sonho terrível em que um velho um velho enorme que lhe barrava o caminho de acesso a Roma em nome de Deus gritando: “Até agora a tua missão era castigar os mortais. Retira-te! Este solo é Reino dos Deuses!” “Mentre gonfiarsi l’anima” (faixa 27 / 09). Mas ele descarta a visão com uma cabaleta guerreira, “Oltre quel limite” (faixa 29 / 09), recuperando sua frieza, Attila reúne as tropas e ordena que marchem contra Roma. Uma explosão vocal belicosa dos seguidores de Attila é interrompida por uma procissão de mulheres e crianças liderada pelo velho do sonho de Attila, eles entram no meio da cena onde estão as tropas de Attila; entre os integrantes da procissão estão também Foresto e Odabella. O Bispo Leão repete a Attila as mesmas palavras do sonho e o líder dos Hunos finalmente entende o significado de sua visão. Attila está apavorado, ele parece ver São Pedro e São Paulo apontando espadas flamejantes para ele (aqui, nas faixas 31 / 10, entra uma daquelas semelhanças musicais: em sua composição Verdi utiliza notas que se assemelham, e muito, ao Commendatore quando fala com Don Giovanni no último ato do obra prima de Mozart). Ele se ajoelha e os hunos o observam maravilhados, enquanto os anfitriões cristãos se regozijam. Sua liminar precipita o Largo do concertato finale, “No! non e sogno” (faixa 32 / 11), que é liderado por um aterrorizado Attila, cuja declamação gaguejante é respondida por uma passagem de lirismo sustentado de Foresto e Odabella. O concertato assume proporções tão impressionantes que Verdi achou por bem encerrar o ato ali, sem a tradicional estreta.

Ato 2

Cena 01: O acampamento de Ezio

G Bertoja bozzetti di Attila 3

Muito mais confuso, apressado e pouco leve para ser onírico, o resto da obra, ainda que a popular técnica de fabulação evite a reconstrução histórica permanece sempre no nível da fantástica inventividade.

Ezio recebe a ordem de retornar a Roma porque uma trégua foi concluída entre o rei dos hunos e o imperador Valentiniano. No Andante, “Dagl’immortali vertici” (faixa 35 / 12), ele reflete sobre a queda de Roma. Foresto aparece e sugere um plano para destruir Attila surpreendendo-o em seu acampamento. Em uma cabaleta impetuosa, “E gettata la mia sorte” (faixa 37 / 12), Ezio espera ansiosamente por seu momento de glória.

Cena 02: O acampamento de Attila
Segue-se a cena do banquete no acampamento de Attila onde os Hunos aclamam o seu rei em mais um coro bélico. Ouvem-se as trompas que anunciam a chegada dos convidados, e Attila levanta-se para os receber. Attila cumprimenta Ezio , é então que os druidas lhe segredam que Wotan os advertiu para que não se sente à mesma mesa com os seus antigos inimigos, as sacerdotisas dançam e cantam. Uma súbita rajada de vento apaga todas as velas, evento que precipita mais um concertato finale, “Lo spirto de’ monti” (faixa 41 / 14), um movimento complexo na confusão que se segue Ezio volta a apresentar a Attila a sua proposta que é novamente recusada pelo Huno com desprezo. Foresto revela a Odabella que Uldino irá em breve oferecer a Attila uma taça de vinho envenenado. Isso roubará a Odabella a sua vingança (que deseja uma vingança mais pessoal), furioso Attila quer saber o nome do responsável. Foresto aproxima-se rindo das ameaças de morte, e Odabella pede como recompensa de ter salvo a vida ao rei, que lhe seja entregue a ela o poder sobre a vida de Foresto. Attila aceita, e, como testemunho da sua gratidão, compromete-se a tornar Odabella a sua rainha e lança a estreta final, “Oh miei prodi! un solo giorno” (faixa 44 / 14). Odabella diz a Foresto que fuja, e Foresto jura vingar-se daquele gesto da jovem que interpretou como traição O ato termina com os Hunos pedindo a Attila que retome o combate contra os pérfidos romanos.

Ato 3: Um bosque

G Bertoja bozzetti di Attila 4

Foresto aguarda notícias do casamento de Odabella com Átila, e em uma romanza menor – maior, “Che non avrebbe il misero” (faixa 46 / 16), é informado de que o cortejo está já muito próximo, e revolta-se com a ideia de que uma jovem tão bela e tão pura o tenha traído daquela forma. Ezio chega, incitando Foresto para uma batalha rápida dizendo que os seus homens esperam apenas um sinal para atacar os Hunos. Um coro distante anuncia a procissão nupcial, mas de repente a própria Odabella aparece, incapaz de prosseguir com a cerimônia, lavada em lágrimas, implorando ao pai que lhe perdoe por ir casar-se com o seu assassino. Foresto diz-lhe que é tarde de mais para se arrepender, ao que Odabella responde dizendo que foi sempre a ele que ela amou.

Agora entra Attila, em busca da noiva, que encontra com Ezio e Foresto. O palco está armado para um quartetto finale. No Allegro, “Tu, rea donna” (faixa 50 / 18), Attila acusa os três conspiradores por sua vez, mas eles respondem, cada um com uma linha melódica diferente. No clímax do número, enquanto se ouve o clamor dos romanos no seu ataque aos Hunos, Odabella apunhala Attila. “Até tu, Odabella?” – diz ele. Mas estas últimas palavras do rei são apagadas pelos gritos de triunfo dos romanos que encontraram finalmente a vingança.

Cai o pano
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O ato final é, como vários apontaram, um pouco fraco em sua ação teatral, e as partes do enredo que Verdi e Piave criaram um tanto superficiais; talvez o plano original de Solera para um grande final coral fosse mais adequado. Tal como acontece com todas as primeiras óperas de Verdi, há momentos individuais impressionantes, particularmente nos movimentos de grandes conjuntos que inspiraram constantemente o compositor a redefinir e aprimorar sua linguagem dramática. Attila tinha um ambiente propício e foi a ópera predileta naquele tempo em que a alma da nação principiava a florescer a esperança.

A inflamação gástrica havia deixado no Maestro sequelas. O convalescente tinha que observar o descanso do trabalho, fazer exercícios, beber águas curativas e se distrair. Fulgia novamente o sol. Trabalhar era seu lema e sua distração. Quando Verdi se sentava ao piano e cobria o áspero papel com os sinais mágicos das notas, sentia a plenitude da vida e alegria de existir….

Gosto muito desta ópera de Verdi… A música é fascinante, começando pelo prelúdio impossível de resistir, e o prólogo é uma obra-prima absoluta, no geral é uma bela ópera com grandes árias e cenas que são particularmente memoráveis. Aos amigos do blog estamos compartilhando duas belíssimas versões desta ópera com o maestro Ricardo Muti (Nápoles, 1941) todos os cantores são excelentes em gravações incríveis, uma em estúdio e outra ao vivo. Verdi estava em seus anos de “galé” e a ópera termina de uma forma que sugere que ele só queria terminar tudo. Musicalmente, porém, é um banquete.

Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Bom divertimento !

Personagens e intérprtes

Esta primeira gravação eu considero a mais recomendada, o principal fator é a qualidade da turma do Scala de Milão. Muti apresenta uma direção musical com um esplêndido discurso orquestral e com magníficas atuações de coro e orquestra, dentro de um espírito teatral, interpretadas de forma soberba. Outro ponto importante a se destacar é a presença do contrabaixo Samuel Ramey (1942) , esplêndido no papel-título, proporcionando uma vocalidade excepcional a partir de sua experiência de bel canto e a beleza do peculiar timbre de sua voz, o canto é irresistível. Samuel Ramey que ao longo da década de 80 inquestionavelmente acumulou mais performances no papel de Attila do que qualquer outro baixo desde a estréia no “La Fenice”… Attila “é ele”. A americana Cheryl Studer (1955) logo no Prólogo na área “Allor che i forti corrono” mostra todo seu vigor, e na faixa 21 em “Oh! nel fuggente nuvolo “ uma delicadeza nobre, um lindo canto uma ótima Odabella. O barítono Giorgio Zancanaro nas faixas “Tardo per gli anni, e tremulo”(10) e ““Vanitosi! che abbietti e dormenti”(12) canta os duetos com Ramey de forma

Muti em 1989

magnífica, são faixas incríveis, no minha nula opinião! Já o nova-iorquino Neil Schicoff (1949) é um Foresto honesto faz muito bem seu papel, junto com o coro nas grandes passagens das faixas 17, 18 e sobretudo na faixa 19 mostra bem a intensidade patriótica que Solera e Verdi queriam chegar, são lindas ! Sempre vou gostar e respeitar muito o Coro e Orchestra do “Teatro alla Scala di Milano”, sempre em grande sintonia com a orquestra e o gigante Maestro Muti ! Esta gravação eu recomendo. Tenho a absoluta certeza de que vocês vão adorar, eu prometo.

Giuseppe Verdi – Attila

Attila, rei dos hunos – Samuel Ramey, baixo
Uldino, um Breton escravo de Átila – Ernesto Gavazzi, tenor
Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Cheryl Studer, soprano
Ezio , um general romano – Giorgio Zancanaro, barítono
Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Neil Schicoff, tenor
Leone ( Papa Leão I ) – Giorgio Zurian, baixo

Coro e Orchestra del Teatro alla Scala di Milano
Conductor: Ricardo Muti
Recording: 1989

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Esta segunda gravação achei interessante postar porque foi feita ao vivo em 21 de novembro de 1970 com o mesmo Ricardo Muti mais novinho mostrando sua incrível habilidade em uma das suas primeiras incursões no repertório de Verdi. Esta também é uma gravação ótima com som excelente e ao vivo! Gosto muito da regência do Muti em “Attila” é muito boa e as sutilezas da música são bem evidenciadas, o que, a meu ver, auxilia os cantores em suas interpretações dos personagens. No papel de Attila está o incrível Ruggiero Raimondi (1941) o que torna esta audição bastante atraente, também era muito jovem em 1970 nos oferece um canto viril com bastante cor e profundidade, muito boa interpretação com seu baixo-barítono característico. Guelfi se iguala a Ruggiero em seus duetos e é completamente crível como um guerreiro rude, o general romano egoísta. O canto da Antonietta Stella (1929) é maravilhoso, muito lírico ela é muito expressiva tinha 40 anos quando essa apresentação foi feita.

Muti em 1970

Ela não demonstra nenhuma dificuldade com a personagem, sua Odabella encontra belos momentos para brilhar sobretudo no início do primeiro ato em “Oh! nel fuggente nuvolo” (7). Gianfranco Cecchele (1938), um dos melhores tenores de sua época, é um Foresto também em alto nível, uma gravação muito equilibrada mostra bastante entusiasmo na interpretação, Cecchele foi, em minha opinião, voluntariamente esquecido pelas gravadoras, sempre me lembrou Mario Del Monaco…. canto “grande” e marcante. Esta é uma gravação que recomendo também, nos oferece um Verdi de primeira classe, em um nível artístico muito alto da RAI Symphony Orchestra & Chorus, com um elenco absolutamente fantástico dando uma performance apaixonada e emocionante, o som ao vivo é muito bom para transmissão mono da RAI.

Giuseppe Verdi – Attila

Attila, rei dos hunos – Ruggero Raimondi, baixo
Uldino, um Breton escravo de Átila – Ferrando Ferrari, tenor
Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Antonietta Stella, soprano
Ezio , um general romano – Giangiacomo Guelfi, barítono
Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Gianfranco Cecchele, tenor
Leone ( Papa Leão I ) – Leonardo Monreale, baixo

RAI Symphony Orchestra & Chorus, Rome
Conductor: Ricardo Muti
Live Recording, november 21, 1970

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Samuel Ramey respondendo a intrigante pergunta: “Você é o cara do Attila?”

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Alzira (Gazheli, Bothmer, Saito, Gustav Kuhn)

Giuseppe Verdi (1813-1901): Alzira (Gazheli, Bothmer, Saito, Gustav Kuhn)

DIECI – ALZIRA ( DEL PERU )

Semanas após a estreia de “Giovanna d’Arco” Verdi, ultra solicitado, já se comprometia com mais um contrato; em março de 1845 assinou com a editora Lucca uma segunda coleção de seis romances: “Il Tramonto”, “La zingara”, “Ad una stella”, “Lo Varredura”, “O mistério”, “Brindisi”, com textos poéticos de Andrea Maffei e Manfredo Maggioni. Dedicado pela editora a Don José de Salamanca, cavalheiro da câmara da Rainha de Espanha, e imediatamente transcrito para piano pelo genovês Carlo Andrea Gambini, os romances foram apresentados em um aspecto luxuoso, com ilustrações originais de Gandolfi e Focosi. Além dos romances Verdi já havia se comprometido, por contrato, a escrever mais seis óperas. Está a pleno vapor em seus “anos na galera”, quando era obrigado a produzir óperas e pequenas peças por encomenda.

Il Teatro San Carlo di Napoli dove ebbe luogo la prima di Alzira

A conta de novas obras já havia subido, primeiro quatro, depois seis. Depois de alguns passeios na região de Como, a composição de “Alzira”, sua oitava ópera, prosseguiu na primavera de 1845 mesmo com a crônica gastrite que tanto o atrapalhava e fazia sofrer. Havia duas razões pelas quais Alzira era um acontecimento especial. Foi a primeira que escreveu especialmente para o famoso Teatro San Carlo de Nápoles, e assim lhe ofereceu a oportunidade de se confrontar com um público muito significativo e um teatro com o qual ele tinha tido pouco sucesso até então. A segunda razão era a chance de colaborar com Salvadore Cammarano(1801-1852), poeta residente no San Carlo, certamente o mais famoso libretista ainda em atividade na Itália, conhecido por sua sequência de sucessos na década anterior sobretudo com Gaetano Donizetti. Por causa da fama de Cammarano, Verdi parece ter participado pouco ativamente da criação do libreto (ao contrário das obras que preparou com seus principais libretistas, Piave e Solera), estando na maior parte satisfeito em aceitar os ditames e os instintos altamente profissionais de Cammarano desta vez o Maestro pouco ou quase nada interferiu.

Il Librettista Salvatore Cammarano (1801-1852)

Verdi tinha recebido uma sinopse da ópera de Cammarano, e o maestro adotou uma atitude um tanto passiva, talvez encantado em poder trabalhar com este libretista que era tão famoso. Em uma carta de 23 de fevereiro 1845, Verdi tinha expressado seu otimismo de que “a tragédia de Voltaire vai tornar-se um excelente melodrama, com a certeza de que o autor do libreto fosse “colocar alguma paixão” e que ele iria escrever a música para corresponder a esta emoção. Em sua correspondência, parece que Cammarano já tinha enviado alguns versos de exemplo, porque na data desta carta de Verdi também continha o seu entusiasmo para receber mais.: “Peço-lhe que me envie prontamente mais alguns versos. Não é necessário que eu lhe diga para manter o diálogo curto. Você conhece o teatro melhor que eu.”

Talvez a gastrite do Maestro esteja relacionada ao grande acúmulo de responsabilidades ainda aos trinta e um anos de idade, além das composições e montagens ele tinha que ser hábil na venda dos direitos das óperas pelos teatros europeus, e em maio deste ano conheceu os editores franceses León Escudier (1821-1881) e Marie Escudier (1819-1880). O interessante relato dos Escudier mostram claramente o caráter do mestre: “Me deram uma falsa ideia de seu caráter, retratando-o como um homem frio, pouco comunicativo e sempre absorto em sua arte. Verdi me deu as boas-vindas cheias de afabilidade, e recebeu com graça francesa vários amigos que vieram visitá-lo enquanto eu estava com ele…. falamos muito da música francesa e dos compositores que agora escrevem para o cenário parisiense; ele conhece todas as nossas produções musicais que merecem ser conhecidas, e expressa profunda simpatia por tudo o que vem da França.” Nesta época o mestre falava sinceramente com Escudier, já que a França ainda representava, aos olhos de um italiano daqueles anos, uma esperança mais livre de vida intelectual e política, sem falar que Escudier viera a Milão para adquirir todos os direitos de Óperas de Verdi na França e, portanto, seu testemunho foi uma publicidade valiosa para os leitores daquele país. As precisas descrições de Escudier continuaram ilustrando (e ampliando) a atraente figura física do mestre italiano, sua sala de trabalho mobiliada com simplicidade, modéstia e entusiasmo, seus gostos

I fratelli Leon e Marie Escudier

artísticos e o discernimento com que ele adivinhava os mecanismos da música. “Ele queria ver a grande partitura de “Le Désert” do jovem compositor francês Félicien David … Depois de lê-la de uma ponta a outra exclamou: “Oh! Os franceses são realmente bons juízes! Eu esperava ler música densa, carregada de notas; mas vejo, em vez disso, a instrumentação clara e fácil da escola francesa, combinada com a melodia simples e poética da escola italiana. Diga a David que um dia eu terei a sorte de poder pessoalmente expressar minha admiração por seu gênio.”…. Marie Escudier ainda descreve: “Verdi é um belo rapaz de cerca de vinte e oito – vinte e nove… (na verdade estava com trinta e um), tem cabelos castanhos, olhos azuis (na verdade verde acinzentado), com uma expressão doce e viva ao mesmo tempo. Quando ela fala, sua fisionomia ganha vida; a mobilidade incessante de seu olhar reflete a variedade de suas sensações ; tudo nele revela um coração sincero e uma alma sensível. Pedi a Verdi que me deixasse ouvir uma peça do “Lombardi” que sempre me pareceu o melhor trecho desta obra, a Ave Maria. Ele imediatamente foi ao piano e cantou com expressão tocante esta página musical que ele próprio considera uma das suas boas inspirações. As obras do jovem e já famoso compositor são muito procuradas na Itália e pagas em peso de ouro. Tem uma boa fortuna, mas os seus gostos materiais são modestos. Em seu escritório não há nenhum móvel ou mobília que se destaque, mas apenas quatro ou cinco cadeiras, um piano de cauda, sua estatueta e, acima do piso, um quadro e adivinhe? … caricatura Francesa: “Grand chemin de la postérité (O Caminho da Posteridade).” Marie se despede com duas comparações que o leitor de seu país deve ter feito para formar uma opinião muito lisonjeira sobre o homem “que brilhará”, como escreveu Donizetti. “Em poucas palavras, posso traçar o retrato físico e moral do jovem mestre: … em feições e estatura ele se assemelha a Donizetti, e na suavidade da fala com Bellini.” Comparações que vão além de um elogio externo e dizem respeito ao estilo do músico.

Gran Chemin de la postérité di B Rauhaud

Por estes relatos podemos imaginar que Verdi não era tão severo, ele era flexível e acolhedor, é muito diferente do que por carta, onde ele bate com uma indiferença muitas vezes cruel. Ele não admitia ser criticado sobretudo por motivos de saúde, o empresário napolitano Flauto, que depois de algumas considerações sobre o atraso da conclusão da ópera “Alzira” fizeram Verdi dar pulos de indignação, Cammarano já havia alertado que Flauto havia escrito “em certo tom desagradável” que “não gostou nada do atraso”. Verdi desabafa “Nós, artistas, nunca podemos ficar doentes. Precisamos sempre ser homens honestos e cumprir os prazos! … Os empresários acreditam, ou não acreditam, dependendo de seus interesses. Não posso ficar feliz com a maneira como o Sr. Flauto … sempre duvida da minha doença e dos meus atestados ”. A ópera só poderia ser encenada em julho. Por mais indisposto e abatido que estava.

Na verdade, o mestre estava trabalhando muito naquele momento para encontrar uma saída para suas obras na praça de Paris, e ele vai se aconselhar com Rossini, que responderá a frequente preocupação do jovem colega, especificando os termos em que deverá atuar, acrescenta uma afabilidade que é toda uma programação: “Na Opéra os royalties são 250 francos pelas primeiras 40 apresentações, após as quais diminuem e em seguida vem a venda aos editores da propriedade da música, que pode ser calculada para o bom Verdi de 20 a 30 milhões de francos. Devido à incerteza do sucesso, o amigo poderia pedir um prêmio de alguns milhares de liras, para cobrir despesas de viagem e estadia. ” A sutileza administrativa de Rossini estava neste caso em perfeita sintonia com a parcimônia de Verdi, também porque se tem a impressão de que este procurava um caminho para Paris para viver em paz. Talvez a ideia de se estabelecer ali com, a ainda “crush”, Giuseppina Strepponi, longe de olhares indiscretos. Strepponi estava em Milão. A grande estrela dos palcos estava em declínio vocal. Naquela época o excesso de trabalho e a falta de cuidados abreviavam a saúde vocal dos cantores principais: as críticas dos jornais milaneses eram implacáveis: “No passado, era rodeada por um halo de glória. Mas a estrela brilhante que presidia seus destinos teatrais parece perto do crepúsculo, portanto, apenas envia uma luz débil… sobre os louros conquistados, ela nunca será esquecida por ninguém foi um dos belos orgulhos da Itália.” Os caras gostavam de queimar os artistas.

Casa da Verdi – via principal di Busseto

Apesar destas crises, Verdi partiu para Nápoles em 20 de junho com a composição quase encerrada; faltava o final, porque Cammarano ainda não lhe tinha escrito os versos correspondentes, mas na prática “Alzira”, com ou sem gastrite, iria estrear em Nápoles. Antes de partir o mestre teve uma conversa epistolar com Barezzi acho que vale a pena escrever porque é uma história deliciosa: “Barezzone” e sua família cultivaram a ideia de um teatro a ser construído em Busseto, inaugurado com uma obra do grande Giuseppe. A questão do teatro de Busseto terá alguns desdobramentos, vai merecer respostas mais ásperas do maestro, mas mesmo assim a iniciativa completamente ingênua dos seus concidadãos deu-lhe o ponto de partida para uma briga “a là italiana”. Um tanto exagerado, para falar francamente, um pouco histérico, como sempre acontecia com Verdi quando discutia com a família, é claro que pertence à categoria das brigas domésticas, fruto de tensões viscerais, noturnas, eu diria envolto na escuridão do tempo, que vão muito além dos eventos visíveis. “Estudei o projeto teatral e direi com a minha habitual franqueza que estou muito insatisfeito com ele. Na verdade não é muito delicado julgar e comprometer o meu nome perante as Autoridades, por uma palavra a amigos e uma carta de confiança “, começa. Os precedentes não nos são conhecidos, mas Verdi aí permite-nos compreender muito bem: “Todos os países do mundo fizeram teatro sem ter quem escrevesse e cantasse a ópera” Parece que o povo de Busseto já tivesse marcado o tempo para a inauguração do edifício, quando as obras ainda nem tinham começado. Deduzimos que eles mencionaram uma possibilidade para 1847. “Não retiro a minha palavra, mas sabes que em 47 tenho que escrever duas obras para Nápoles e para o editor Lucca; nem tenho estômago de bronze que possa suportar”. Na verdade, ele disse a Finola, “em três anos … seis obras”, e assim foi: em 1847 ele tinha “Alzira”, “Luisa Miller”, “Il corsaro”, “Attila”, “Macbeth” e “I masnadieri” representados.

Teatro Verdi – Busseto

Aqui está o verdadeiro motivo de seu alarme. O final é muito elevado em sua aparente modéstia: “Repito que não foi necessário me citar em sua decisão, muito mais do que meu nome me parece ambicioso para ter um teatro intitulado e um busto. Parte dos italianos sabem por prova de como me oponho, quando posso, a esta publicidade.” Porém o pessoal do Busseto inchou o peito e o teatro foi construído, não imediatamente, mas eles fizeram. E hoje, apesar de Verdi que não o queria, está lá para sua reverente honra. O Teatro Giuseppe Verdi hoje é uma pequena casa de ópera localizado numa ala da Rocca dei Marchesi Pallavicino na Piazza Giuseppe Verdi em Busseto, o teatro foi inaugurado em 15 de agosto de 1868 e tem capacidade para 300 pessoas. Apesar de Verdi se opor à sua construção (seria “muito caro e inútil no futuro”, disse ele) e ter a reputação de nunca ter colocado os pés nele, ele contribuiu com 10.000 liras para a construção. Na noite de abertura, todos os funcionários se vestiram de verde, os homens todos usando gravatas verdes, as mulheres usando vestidos verdes. Duas óperas de Verdi foram apresentadas: “Rigoletto” e “Un ballo in maschera” . Verdi não compareceu, embora vivesse a apenas 3 km de distância em sua casa, a Villa Verdi, na aldeia de Sant’Agata, em Villanova sull’Arda. Italianada brava, rapaiz….

Il Teatro San Carlo di Napoli

Vamos voltar a Nápoles: “os napolitanos são curiosos: uma parte é tão rude, tão incivilizada, que é preciso vencê-la para ser respeitado, a outra o cerca com um calor de bondade que o sufoca. Para falar a verdade, só posso ficar feliz, porque até os empresários (o que é dizer muito) são gentis comigo.” Estando em território napolitano mais de um mês, Verdi escreveu sobre a Andrea Maffei (seu orientador na escolha dos temas ou no retoque dos versos). Mostrou-se seguro, mesmo que o ambiente não fosse o mais favorável ao moral de um compositor em voga, portanto, alvo da inveja de seus colegas e da imprensa local, que fomentava rivalidades para a diversão do pequeno público, ou daqueles que bocejavam em torno das apresentações. “Não tenho inimigos em Nápoles. Qualquer que seja o resultado da minha música, não se assuste ao ler os jornais. Eles dirão todo o mal imaginável: tenho certeza disso…. se Alzira vier a falhar, não irá me perturbar.” Na verdade, o libreto estava sendo aceito por Verdi porque ele estava ainda “altamente encantado” com a figura do libretista. No entanto, como o conteúdo do livro de Voltaire foi reduzido a um mínimo do envolvimento da religião e da política, as duas razões de ser do drama, que ficaram pouco mencionados, e do confronto de diferentes credos, diferentes civilizações e mundos diferentes, a obra tornava-se apenas mais uma variante do eterno triângulo. No entanto Verdi se lembrará dos murmúrios, mesmo um pouco tolos, provincianos, levantados pela imprensa napolitana sobre sua pessoa e a protagonista da ópera, Eugenia Tadolini. “…. escrevo continuamente há seis anos, viajando de cidade em cidade e nunca disse uma palavra a um jornalista, nunca implorei a um amigo, nunca utilizei influência de um homem rico para obter um resultado. Nunca, nunca: sempre desprezarei esses meios. Faço o meu melhor com as obras: deixo as coisas correrem sem nunca influenciar a opinião do público em nada.”

Caricatura raffigurante la Stampa Napoletana (caricatura dos críticos especializados)

Mas Verdi, digamos, ficou realmente ofendido com as picadas dos jornalistas ou melhor, com o desfecho de “Alzira”, que não teve sucesso e além disso lançou críticas maliciosas. Quando chegou a Nápoles, não tinha do que reclamar e as suas cartas refletem muito bem o estado de quem gozava da confiança da maioria. Por ocasião de uma apresentação do Due Foscari, na noite de sua chegada, a notícia de que ele estaria no teatro atraiu um grande público. Os intérpretes, “animados pela presença de Verdi, como se por uma faísca elétrica, se superaram”, e o público “amontoado” nas poltronas, “entusiasmados quiseram testemunhar ao autor sua admiração, chamando-o repetidamente ao palco.” A crítica mais meticulosa e implacável foi a de Vicenzo Torelli (1807–1882), que deve ter sido um verdadeiro mastim (cão gigante) nas notícias. Ele registrou cada sinal de desaprovação, cada silêncio, cada aplauso perdido. Mas, com igual escrúpulo, aprovou as passagens da ópera que tocaram a sensibilidade do público, nada preconceituoso, aliás, muito disposto a saudar aquele que tão bem se apresentara no “Due Foscari”. Como disse: “A história da música italiana não oferece um exemplo de compositor mais afortunado que Verdi, tem o grande segredo de ser popular, e este é o triunfo mais invejável do que qualquer outro, já que a música dos teatros é feita para as multidões. Este amor, junto com a imparcialidade judiciosa de quem aplaude a beleza onde quer que esteja, dominou a mente dos espectadores no San Carlo, daí os vários juízes, as discrepâncias, as decepções perdidas e as grandes esperanças para o futuro… Tenho certeza que esta amarga lição que o nosso público lhe deu, servirá para torná-lo mais consciente, mais certo no futuro, para que mais trabalhe e aproveite de forma mais adequada o seu valor musical que hoje é universalmente reconhecido; especialmente por escrever menos, isto é com maior maturidade do tempo, não podendo fazer como engenhosidade humana duas ou três grandes obras por ano. E embora esteja convicto de que a severidade com que foi julgada era demais, e aquele silêncio bastava, mas mesmo assim acredito que jovens talentos precisam desses contratempos, para se sacudirem, se aperfeiçoarem cada vez mais”.

Vincenzo Torelli

São quase as mesmas reclamações, que ele vai dirigir ao empresário Flauto, ele já as havia expressado, e tanto que chegaram aos ouvidos dos jornalistas. Seu julgamento sobre o trabalho e o resultado é, em vez disso, coletado em observações por correspondência que se contradizem. A princípio, ele esperava que Alzira fosse bem-vindo. Depois da primeira apresentação, ele ainda mostrou um certo otimismo: “Graças a Deus isso também está feito. O Alzira está no palco. Esses napolitanos são ferozes, mas aplaudiram.” Verdi admitiu que o mal estava “nas entranhas”, que por mais que tivesse estudado ali não encontraria maneira de curá-lo e que no entanto a Sinfonia e o último final deveria ter salvado a reputação afinal “evidente que o trabalho lhe era caro nem mais nem menos do que os outros, e que não se sentia tão indiferente ao futuro da “Alzira”. Muito se ocuparam críticos e biógrafos desta ópera, mas parece que não conheciam suficientemente porque lendo os artigos publicados, deparam-se contradições flagrantes, dizendo uns precisamente o contrário do que outros afirmam.

Eugenia Tadolini, la prima Alzira

Como dissemos Cammarano foi inspirado por uma tragédia de Voltaire, “Alzire ou les Américains” de 1736, então considerada uma mensagem a favor do Cristianismo, enquanto Voltaire a havia escrito para condenar todas as formas de fanatismo religioso, não apenas o do antigo Peru. “Quem são esses peruanos na tragédia de Voltaire? Eles, olhando mais de perto, não são senão franceses disfarçados de selvagens. Cammarano não levava esses peruanos a sério, sem perceber que, por seus dizeres e fatos, pareciam ter vivido muito bem na Europa. Verdi foi mais circunspecto, que, para sair da armadilha, tratou-os todos igualmente como filhos do velho mundo com a sua música. E também estava certo quanto aos méritos da música de Verdi que, uma vez que rejeitou o exotismo no prefácio (a Sinfonia), colocou notas europeias na boca dos personagens, não tanto francesas, mas notas puramente ítalo-nortenhas. O libreto, então, não se concentrava no significado moral, mas nos elementos espetaculares, de confronto e paixão.

Frontespizio del libretto

A Sinfonia é uma música de sucesso e até sugestiva, além disso é um passo em frente em relação a outras páginas iniciais escritas anteriormente: e isto mesmo que não contenha ideias muito distintas. Modelado em materiais que recentemente se assemelham a “Giovanna d’Arco” e “Oberto”, ele revela inteligência e medida. Os efeitos das madeiras no primeiro movimento conduzem às florestas exóticas aos longos trinados que se perdem no meio das árvores, onde vagueiam pássaros raros com penas coloridas e flautistas experientes, com arabescos móveis: todos portanto digno de arte plumaria e instrumental Inca, o povo sul-americano onde o assunto se passa. Essa leveza quase pétala é abalada por uma tempestade furiosa bastante breve, que termina em uma melodia romântica patética exposta pelo clarinete, uma lembrança do tema de Jacopo Foscari. A alegre dança de encerramento é semelhante à conclusão de Giovanna, exceto que ela era marcial ali e pulava aqui, com um crescendo rossiniano e uma elegante sucessão de tons. A performance de abertura recebeu uma nota de aprovação da ‘Gazzetta Musicale’ de Nápoles: “Belezas tão delicadamente inventadas”… No entanto, a reação geral dos napolitanos não foi positiva, ainda pior quando “Alzira” foi encenada em Roma, em novembro de 1845 e, pior ainda, em 1846 nas apresentações no La Scala, resultando na pior matéria da imprensa que o compositor tinha visto desde o fracasso da “Un giorno di Regno” em 1840. Foi encenada em Ferrara, como parte da temporada da Primavera de 1847 após o que desapareceu do repertório. Antes de 1940, a ópera não foi realizada com muita frequência. A partir de 2000 “Alzira” vem se apresentando com regularidade, na maioria das vezes representada em forma de concerto (como a gravação que hoje vamos compartilhar com os amigos do blog).

O Enredo

Tragedia lirica em um prólogo e dois atos de Giuseppe Verdi para libreto de Salvadore Cammarano baseada na peça de Voltaire “Alzire”, ou Les Americains”; Nápoles, Teatro San Carlo, 12 de agosto de 1845.

Local: Peru

Época: século XVI

Estamos no Peru na época dos “conquistadores”. As tribos locais lideradas por Otumbo e rebeldes ao jugo da Espanha estão prestes a executar o velho Álvaro, o governador espanhol.

Prólogo: Il prigioniero (O prisioneiro)
A ação decorre no Peru em meados do século XVI, e o Prólogo, com o título de “O Prisioneiro”, passa-se numa grande planície atravessada pelo rio Rima onde Alvaro, o velho governador espanhol, está amarrado a um tronco à espera da morte. Ele foi feito prisioneiro por uma tribo Inca que vai executá-lo pela tortura e ao som de cânticos duma alegria selvagem e diabólica “Muoia , muoia coverto d’insulti” (faixa 02). A sua morte, sob grande sofrimento, deverá pagar a morte de muitos membros da tribo que combatiam o invasor, e que morreram de forma igualmente cruel. Enquanto os selvagens guerreiros incas o torturam num ritmo cada vez mais frenético, o espanhol reza ao seu Deus pedindo-lhe que perdoe os seus algozes. Eles estão prestes a despachá-lo horrivelmente quando um barco é avistado carregando Zamoro, seu jovem líder que eles acreditavam estar morto. Ele é recebido com gritos de alegria pelos outros índios que se jogam aos seus pés. Zamoro, estranhamente comovido com a visão de Álvaro, o liberta e ordena que ele retorne ao seu povo, justificando este seu gesto com o fato de ter sido salvo por um espanhol generoso. Com a partida de Alvaro, o andante incomumente estendido de Zamoro, “Un Inca … eccesso orribile!” (faixa 04), conta à tribo sobre seu tratamento brutal nas mãos do perverso espanhol Gusmano, filho do velho governador. Ele, um príncipe Inca, foi entregue ao carrasco por esse bárbaro cristão de quem agora jura vingar-se. Então Zamoro é informado por Otumbo, um dos seus guerreiros, que os espanhóis raptaram e encarceraram Alzira em Lima, a sua noiva, bem como o pai dela, Ataliba, o velho chefe. Esta notícia terrível não faz se não aumentar a ira de Zamoro contra os invasores. É assim que anuncia que mil guerreiros de outras tribos se vêm juntar a eles para derrotar os espanhóis. Zamoro jura resgatá-los e se junta a seus guerreiros em uma cabala belicosa, “Dio della guerra” (faixa 05) a quem os selvagens pedem para que torne a sua crueldade ainda maior que a dos espanhóis encerrando o prólogo.

Ato 01: Vita per vita (Vida por vida )
Cena 01: A praça principal de Lima
No mercado de Lima os soldados espanhóis juram fidelidade ao rei, declarando-se prontos a conquistar para ele novos reino. Um robusto movimento coral, reforçado pela banda, apresenta Alvaro, que anuncia que está cedendo, em nome do rei, a sua demissão como governador do Peru e passando o poder a seu filho Gusmano. Este imediatamente declara uma paz geral, entre o povo Inca e os espanhóis, com o chefe Inca Ataliba, lembrando-lhe que a filha de Ataliba, Alzira, foi aceita como recompensa de Gusmano. Depois de jurar submissão, Ataliba é pressionado por Gusmano para cumprir a promessa dando-lhe a mão da filha Alzira em casamento. Mas no andante de sua ária, “Eterna la memoria” (faixa 08), Gusmano admite que os sentimentos de Alzira por Zamoro, seu amado, continuam fortes demais para ele superar. Ataliba exorta Gusmano a ser paciente; mas o novo governador não pode tolerar atrasos e, na cabaleta “Quanto un mortal puo chiedere” (faixa 09), lamenta o espírito maligno do seu rival, bem como o poder que ele ainda exerce sobre o coração de Alzira. Mesmo morto, Zamoro atemoriza-o, e torna-o a ele, vencedor de tantas batalhas, incapaz de conseguir conquistar o amor duma mulher. Ataliba volta a pedir mais algum tempo, mas Gusmano, louco de desejo, não quer esperar. Venceu, o mundo está aos seus pés, falta-lhe apenas apaziguar a alma. Sem Alzira nada tem qualquer significado.

Cena 02: Os aposentos de Ataliba
No palácio do governador Tremolando, numa sala reservada aos príncipes Incas que estão prisioneiros, encontramos enfraquecida pelo muito que chorou pelo seu amado Zamoro, Alzira que está adormecida, e é cuidada carinhosamente pela sua irmã Zuma e por algumas outras mulheres, ela acorda para pronunciar o nome de Zamoro e insiste em contar a todos um sonho estranho: “Da Gusman, su fragil barca” (faixa 11) narra como ela sonhava em fugir de Gusmano em um barco, sendo pega em uma tempestade e resgatada por um nobre espírito; ela reconhecera nesse espírito o seu amado Zamoro, a ária segue corajosamente o padrão do conto, em vez de duplicar a forma de um andante italiano convencional. Apesar das advertências de sua comitiva, ela orgulhosamente declara seu amor por Zamoro na cabaleta “Nell’astro che piu fulgido” (faixa 12).

Ataliba chega, dispensa Zuma e o coro e, num recitativo simples, implora a Alzira que se case com Gusmano, mas ela odeia o opressor cruel, e recorda ao pai que ele usurpou o trono, e, sobretudo, mandou matar Zamoro, o seu prometido. Ataliba insiste. Ele acredita que o consentimento de Alzira irá trazer a Paz ao seu povo. Mas Alzira mantém-se irredutível.

Enquanto Ataliba sai, Zuma anuncia um “membro da tribo” e Alzira fica em êxtase ao ver ninguém menos que Zamoro. O primeiro movimento do dueto, “Anima mia!” (faixa 14), é uma troca rápida de palavras amorosas, unidas da maneira tradicional por uma melodia orquestral impulsionadora. Passadas as primeiras emoções, Zamoro fala das suas suspeitas levantadas por um rumor que diz que Alzira está prometida em casamento ao odiável espanhol. Alzira dissipa de imediato os ciúmes do seu amado, e jura-lhe fidelidade eterna. Cammarano e Verdi passaram imediatamente para a animada cabaleta, “Risorge ne’ tuoi lumi” (faixa 15).

Aparece então Gusmano acompanhado de Ataliba, e depara, estupefato, com o seu pior inimigo: Zamoro está vivo… e nos braços da sua amada. O jovem chefe dos Incas dá-se orgulhosamente a conhecer, e reivindica o eterno amor de Alzira. Furioso, Gusmano manda-o prender, e ordena a sua imediata execução e, em um Allegro impetuoso, Zamoro responde chamando-lhe carniceiro e carrasco. Entra então Álvaro que revela a Gusmano a atitude humana daquele selvagem que lhe salvara a vida numa situação semelhante. Apesar de surpreendido por aquele revelação, Gusmano não revoga a sua decisão. Desesperados, Alzira e Zamoro repetem juras de amor. O palco está armado para um concertato extraordinariamente grandioso e lento, “Nella polve, genuflesso”(faixa 18), que começa com uma estrutura de diálogo mais livre do que o normal e, talvez por esse motivo, leva a um clímax final incomumente impressionante. O concertato acabou, uma música selvagem e exótica ouve-se ao longe: um mensageiro informa que um exército hostil está fora, exigindo a volta de Zamoro. Os guerreiros Incas já atravessaram o rio Rima em direção a Lima, exigindo a libertação do seu chefe Zamoro. Só então Gusmano cede ao pedido do pai dando a liberdade a Zamoro para poder cortar-lhe a cabeça no campo de batalha. Ao que Zamoro responde dizendo que será ele próprio quem o irá escalpar ao iniciar a stretta final, “Trema, trema … a ritorti fra l’armi” (faixa 20), ele avisa Zamoro de que eles se encontrarão novamente no campo de batalha. Alzira junta-se a Zamoro, enquanto Álvaro, Ataliba e as mulheres anteveem uma carnificina terrível.

Ato 02: La vendetta di’un selvaggio (A vingança de um selvagem)
Cena 01: Dentro das fortificações de Lima
Os incas perderam novamente a batalha; soldados espanhóis vitoriosos se entregam a um tumultuoso brindisi “Mesci, mesci” (faixa 21) brindam pela Espanha e por mais um triunfo sobre os bárbaros, interrompido apenas brevemente pela visão triste de Zamoro e seus seguidores marchando pelo palco. Gusmano promete dividir com os seus homens o ouro da rapina. Ovando, um oficial, traz a sentença do tribunal militar sobre o destino de Zamoro: a pena capital. É com um prazer evidente que Gusmano assina a sentença, que lê em voz alta para que Alzira a escute. Diante disso, Alzira corre para implorar clemência e Gusmano oferece a ela uma barganha: a vida de Zamoro pela mão de Alzira em casamento. O impasse é explorado em um Andante, “Il pianto … l’angoscia” (faixa 23), os soluços sem fôlego de Alzira contrastando com o suave (talvez muito suave) cantabile de Gusmano. Eventualmente, ela concorda, o governador não cabe em si de contente, e anuncia grandes festejos. Depois declara à jovem o seu amor, que nada significa para Alzira que lamenta a sua sorte e o pacto é selado por um animado dueto na cabaleta, “Colma di gioia ho l’anima”.

Cena 02: Uma caverna sombria
Uma sombria introdução orquestral, apropriada à cena desolada, apresenta Otumbo, que diz a seus amigos que garantiu a libertação de Zamoro subornando seus guardas espanhóis. Zamoro aparece e no Andante “Irne lungi ancor dovrei” (faixa 26) se declara desolado sem sua amada Alzira. Otumbo piora as coisas ao lhe dizer que Alzira está prestes a se casar com Gusmano. Nada pode conter a fúria de Zamoro, e na cabaleta “Non di codarde lagrime” (faixa 27) desesperado ele decide aparecer no casamento como um convidado inoportuno para executar uma vingança terrível.

Cena 03: Um grande salão na residência do governador
O coro nupcial, “Tergi del pianto América” (faixa 28), canta a esperança das prisioneiras Incas duma forma positiva dizendo que aquele casamento irá trazer a reconciliação dos dois mundos. Gusmano aparece com o uniforme de gala, anuncia aos soldados a sua vitória sobre os selvagens, e apresenta-lhes oficialmente Alzira como a sua futura mulher, dizendo que a alegria que sente em casar-se com ela é maior do que a que sentiria se vencesse uma centena de batalhas. Alzira mantém-se em silêncio ao seu lado. Tem o coração despedaçado, e espera apenas a morte. Ele está prestes a pegar a mão de Alzira quando Zamoro (disfarçado de soldado espanhol) irrompe em cena, crava uma adaga no coração de Gusmano e aguarda uma retribuição sangrenta. Mas Gusmano guarda uma surpresa: aprendeu com Alzira as alegrias da paz e da misericórdia e, numa ária final acompanhada de coro “I numi tuoi” (faixa 30), dá aos dois amantes a sua bênção. Por caridade cristã perdoa ao seu assassino, e diz a Alzira que quer que ela seja feliz ao lado de Zamoro. Depois morre nos braços do pai. É um final impressionante, aqui pela primeira vez está um final aberto com a oportunidade real de felicidade para os amantes. Uma mudança marcante da prática aceita.

Cai o pano
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Jean Huber – Voltaire – Il librettista Cammarano si ispiro alla sua tragedia Alzire ou les Americains per la vicenda di Alzira

O próprio Verdi anos depois pronunciou Alzira como “proprio brutta” (francamente feia), e a ópera é, sem dúvida, uma das menos prováveis de suas obras a serem representadas, mesmo na atmosfera consciente do avivamento de hoje. Talvez, como aconteceu em outras ocasiões, a estima que Verdi tinha por seu libretista fosse uma desvantagem, inibindo-o de seguir livremente seus instintos dramáticos. No entanto, como todas as óperas menores de Verdi, Alzira tem muitas passagens bonitas, os grandes conjuntos em particular. Vimos que a composição de Alzira foi turbulenta, sobretudo por problemas de saúde. O elenco para a estréia era excepcionalmente forte, incluindo Filippo Coletti (Gusmano), Gaetano Fraschini (Zamoro) e Eugenia Tadolini (Alzira), mas a primeira apresentação foi, na melhor das hipóteses, apenas um sucesso parcial e em poucos anos a ópera logo desapareceu inteiramente do repertório. Ocasionalmente, foi revivido nos tempos modernos, mas continua sendo uma das duas ou três óperas menos executadas do compositor. A maior crítica que se pode fazer a esta ópera é, de fato, o libreto. Não apenas o libreto mas a fonte a que Cammarano recorreu – ou seja: a peça “Alzira” de Voltaire. Na verdade, ao escutarmos a forma como esta história nos é contada, ficamos, no mínimo, estarrecidos. Como é possível que alguém como Voltaire tenha esta visão sobre a conquista das Américas ? Fica esta interrogação. Quanto à música… é Verdi bello!!!

Giuseppe Verdi – Alzira
Personagens e inérpretes

A verdade é que gostei muito desta versão de Alzira em concerto, tem seus bons momentos, o elenco é muito equilibrado e apesar de ser uma versão de concerto, os cantores são bastante expressivos é muito bem executada, nota-se o empenho em expressar a verdade dramática que o compositor buscou alcançar, esta versão do “projeto Tutto Verdi” gravado em 2012 e lançado no início de 2013 pode, e com sobras, demonstrar a genialidade de Verdi mesmo na ópera que o próprio maestro confessou ser a menor. Alzira, porém, para este obtuso admirador foi um gosto mais recente, adquirido. Depois de experimentar essa produção concertante, me perguntei o que me levou tanto tempo para descobrir os encantos escondidos nesta “má” ópera de Verdi. Quem aprecia Verdi deve levar em conta ouvir esta produção. Existem realidades atemporais de racismo, ciúme, coragem e amor abnegado a serem descobertos nesta ópera. Se ao menos pudéssemos deixar de lado nossos preconceitos e deixar que o compositor ainda jovem os revele para nós, enquanto desenvolve sua habilidade. A música do maestro é bonita sim, é uma cascata interminável de melodias, muitas delas muito enérgicas, e uma apresentação de concerto pode muito bem ser seu melhor local, para evitar a negatividade do preconceito racial de dramas defeituosos.

A turma em ação

Todos os cantores se saem bem, com especial “Braaavissimiii !!” para o soprano Junko Saito (Alzira), o tenor Ferdinand Von Bothmer (Zamoro) e o barítono Thomas Gazheli (Gusmano). Von Bothmer foi particularmente notável com um tom vibrante e alcance estendido. A orquestra e o coro sob a batuta do austríaco Gustav Kuhn (1947) fizeram um excelente trabalho com a partitura. As apresentações de concertos colocam peso adicional sobre os artistas, pois o público tem uma oportunidade maior de ouvir o canto sem a adição de atuação.

Para este admirador há muito o que gostar em Alzira seja ou não válido o comentário “proprio brutta” do Maestro de olhos verdes acinzentados de Roncole. Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Háaa também tem um link “bônus” das obras que Verdi fez nas temporadas de 1844-1845.

Boa diversão !!!!!

Alvaro, pai de Gusmano, inicialmente Governador do Peru – Francesco Facini, baixo
Gusmano, Governador do Peru – Thomas Gazheli, barítono
Ovando, a duque Espanhol – Joshua Lindsay, tenor
Zamoro, líder de uma tribo peruana – Ferdinand von Bothmer, tenor
Ataliba, líder de uma tribo peruana – Yasushi Hirano, baixo
Alzira, filha de Ataliba – Junko Saito, soprano
Zuma, sua irmã – Anna Lucia Nardi, meio-soprano
Otumbo, um guerreiro – Joe Tsuchizaki, tenor

Orchestra Haydn de Bolzano e Trento
Instituto corale ed Orchestrale di Dobbiacc
Conductor: Gustav Kuhn

Release: 14 janeiro 2013

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Bônus

Frontespizi originali delle sei romanze per l’editore Lucca

1844 – E la vita d’un mar d’affanni
Mariella Devia
Parma Opera Ensemble
Chamber

1844 – Romanza Senza Parole for piano
Andrea Bacchetti – Piano

1845 – 6 Romanze Canzoni
01 – Il Tramonto [Maffei] – Michele Pertusi, Parma Opera Ensemble
02 – La Zingara [S.M.Maggioni] – Michele Pertusi, Parma Opera Ensemble
03 – Ad Una Stella [Maffei] – Michele Pertusi, Parma Opera Ensemble
04 – Lo Spazzacamino [F.Romani] – Mirella Devia, Parma Opera Ensemble
05 – Il Mistero [Romani] – Sergej Larin, Parma Opera Ensemble
06 – Brindisi [Maffei] – Michele Pertusi, Parma Opera Ensemble

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Gustav Kuhn numa calorosa discussão no PQPBach 60 minutes

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Giovanna d’Arco (Caballé, Domingo, Milnes, Levine)

Giuseppe Verdi (1813-1901): Giovanna d’Arco (Caballé, Domingo, Milnes, Levine)

NOVE – GIOVANNA D’ARCO” MA SENZA ROGO

Pode ser que algumas obras de Verdi não originem hoje as emoções, não provoquem o delírio que despertavam naquela época atribulada na Itália; nem por isso deixaram de prosseguir seus caminhos. Compostas, orquestradas para o público contemporâneo, por estes foram escutadas, preferidas, festejadas. Naquela temporada de 1844-45 Roma era um barril de pólvora, os Estados Papais e os Estados de Bourbon foram testemunhas de ações revolucionárias promovidas por partidários de Giuseppe Mazzini (os Mazzinianos extremistas, organizaram um movimento político chamado Jovem Itália. O lema era “Deus e o povo” e o seu objetivo era a união dos estados italianos numa única república). Tinham começado em Savigno Bolognese e Imola, com resultados muito graves para os insurgentes, detenções e muitas mortes.

Giuseppe Mazzini (1805-1872)

Verdi aparentemente não participou de nada além do trabalho para o teatro. Após as positivas apresentações de “Idue Foscari”, em Roma, o maestro voltou a Milão. Lá ele era aguardado com alegria pelos amigos Toccagni, Tito Ricordi, Pedroni (também amigo de Donizetti) e pelo irreprimível “Calimero” Pasetti. No dia seguinte a sua chegada, almoçaram juntos e brindaram com vinhos franceses. Foram eles os únicos a lhe fazer companhia, além de Muzio, naquele outono e inverno milaneses que, generosamente, distribuía frio e neve em grandes quantidades.

Una prova al teatro alla Scala secondo un dipinto del Focosi

Em dezembro, a composição da então “Joana d’Arc” começou, quase imediatamente interrompida pelos ensaios e preparação de “I Lombardi” que ocorreria em 26 de dezembro no La Scala. Os ensaios (I Lombardi ) deram muito trabalho ao compositor e, mesmo que trabalhasse com determinação e fúria, não ficou satisfeito; na verdade, ele nem mesmo compareceu às primeiras apresentações no teatro tal o desapontamento com a falta de recursos disponibilizados pela gerência na montagem. Conta-se que o maestro durante os ensaios dos lombardos tivesse decidido não mais compor para o Scala.

O biógrafo milanês Carlo Gatti (1876-1965) nos conta que “A tendência das apresentações musicais no La Scala tornaram-se insuportáveis. A festa de vaidades e arrogância que imperava entre as “estrelas” dominavam: são duas ou três, pagas com abundância pelo empresário, que gasta até o que não tem, contando com este poder das “estrelas” para atrair o público, e é obrigado a economizar em todo o restante. A orquestra insuficiente em termos de instrumentistas e mal distribuída. Os coros são desajeitados na movimentação e na organização. Os cenários e as roupas muitas vezes antigos e remendados. Contra este mau hábito surge o vigor de Verdi, chama para si a responsabilidade de melhorar as apresentações do La Scala. Ele se prepara para reconstruir a orquestra, para equilibrá-la, para completá-la nas várias famílias de instrumentos. Em seguida, ele se volta para melhorar o desenho dos cenários, as luzes, a disposição das salas; ele espera dos cantores uma participação mais próxima e calorosa na representação das histórias dramáticas. O compositor pula no palco, estala os dedos, marca o tempo com os pés como se quisesse tirar dele um lampejo de chama. Em muitas outras montagens pelos palcos que atuou ele se entregará com a mesma energia. Essa energia, esbanjada em cada momento de sua atividade e em cada problema, fez com que superasse com excelentes resultados, muitas vezes extraordinários, o altíssimo número de produções teatrais montadas depois de 1842: “De Nabucco em diante não tive, pode se dizer, uma hora de calmaria. Foram dezesseis anos de trabalho ininterrupto! “, ele escreveu a Maffei em maio de 1858.”

L’interno di un palco di quinta fila del Teatro alla Scala 1844

As cartas que Muzio escrevia a Barezzi (ou Barezzone, como os amigos o chamavam) deste tumultuado dezembro de 1844 são interessantes: “Vou aos ensaios com o Maestro e lamento vê-lo cansado; grita que parece desesperado; bate o pé tanto que parece tocar órgão com pedaleira; transpira tanto que cai na partitura. O Maestro não assistiu às primeiras apresentações do “I Lombardi”… se ele estivesse lá teriam corrido bem, pois nos ensaios a música estava melhor do que nas apresentações. Falei isso para o Maestro, de que quando ele está lá um simples olhar, um sinal dele e os cantores, os coros e a orquestra parecem ser tocados por uma faísca elétrica, e então vão muito bem… ”

Após alterações dos censores a ópera muda de nome para “Giovanna d’Arco” que é um “dramma” lirico dividido em um prólogo e três atos, o maestro havia sugerido ao empresário Merelli que Temistocle Solera fosse contratado como o libretista. Solera foi devidamente contratado e – com típico exagero – destacou o fato de que seu libreto sobre a vida de Joana d’Arc era “original”, não devendo nada a Shakespeare ou a Schiller. Podemos afirmar então que o libreto de Solera foi inspirado apenas “vagamente” na peça “Die Jungfrau von Orleans” de Friedrich von Schiller (1759-1805). Ela é a sétima ópera de Verdi. Verdade seja dita que a obra reflete, apenas em parte, a história de Joana d’Arc. Verdi retoma, assim, a veia épica religioso-popular e faz da famosa história uma lenda, uma carta sagrada que deriva não só do libreto, mas da música.

Schiller (1759-1805) – il tuo libretto ricorda “vagamente” la mia storia, va bene Temistocle, va bene.

A Sinfonia, dividida em três partes, coloca na primeira uma atmosfera de tragedia tempestuosa, em que o motivo pastoral que se segue evoca a vida pacífica dos suíços, como em “Guilherme Tell” de Rossini, retratando a feliz menina do campo Giovanna. Mas o final “Allegro”, que assume o clima de uma grande tragédia, acolhe o tema do triunfo militar, o coro do povo, na abertura do prólogo, sente a força esmagadora do opressor. Embora inspirado nos grandes coros patrióticos de obras anteriores, tem a angústia, a força dobrada da “pátria oprimida”. As injúrias contra os estrangeiros são sensacionais, os gritos das mulheres são igualmente comoventes.

A partitura foi escrita durante o outono e inverno de 1844-45. Sua primeira apresentação no La Scala em 15 de fevereiro de 1845 foi um grande sucesso de público, apesar de que os críticos foram bastante desdenhosos com a ópera. Porém naquela temporada foi um “êxtase recebido” pelo público e foram dadas respeitáveis 17 performances. Porém ao final, pelo fato do envolvimento exaustivo do maestro em todas as fases da montagem, como dissemos, os padrões de produção estavam muito abaixo das suas expectativas e causaram uma rixa entre ele e Merelli que resultou em anos sem estreias das obras de Verdi no La Scala: a Giovanna original era Erminia Frezzolini, que já havia estreado “I Lombardi alla prima crociata”, dois anos antes. O próprio Verdi estimava seu trabalho, mas estava descontente com a forma como ela havia sido imposta para o papel pelo teatro, caracterizando as normas da deterioração das produções de Merelli. Além disso, devido a subterfúgios nas negociações de Merelli para adquirir os direitos de pontuação junto a editora Ricordi, o compositor jurou nunca mais lidar com o empresário, e nem a pisar no palco do La Scala. Na verdade, o teatro teria que esperar por 36 anos para outra estréia da obra de Verdi, que seria a versão revisada do “Simon Boccanegra”.

Frontespizio d’epoca di Giovanna d’Arco

Giovanna, uma sagrada guerreira, incomodou os apáticos habitantes do teatro milanês durante os ensaios da ópera a ela dedicada. Na verdade, também parecia contrastar outras produções em andamento, como se o arcanjo da confusão tivesse entrado nas “dependências” do La Scala. As fieis descrições que Muzio fazia para Barezzi contava a vida no teatro: “Giovanna está sempre sendo representada às quartas, quintas, sábados e domingos; e estes dias o teatro fica lotado como nas primeiras noites … se não fosse essa ópera o negócio da companhia ia mal. Merelli ainda queria contratar o Sr. Maestro para mais algumas temporadas por qualquer valor po ele estipulado, mas o Maestro não quer mais escrever para o La Scala; nem encenar ou dirigir nenhuma de suas obras; e ele diz que não vai pisar naquele palco novamente.” E como que para reforçar a ameaça dessas nuvens negras e raios, ele conta sobre um infortúnio acontecido naqueles dias nas dependências do grande teatro: “No La Scala também temos um grande baile, do qual gostamos muito, é decorado com um luxo de surpreender, em dado momento o palco se transforma no Grande Teatro Fenice iluminado para festa; com um surpreendente e variado número de máscaras, uma delícia. Ontem à noite despencou um dos cenários enquanto se fazia o baile, a madeira que a sustenta estava rachada há muito tempo e ontem ela quebrou e caiu em cima de quatro pessoas nos ombros, foi uma confusão; a vida era temida; a cortina caiu; as senhoras que estavam no baile ficaram com muito medo; e dizem que uma chegou a dar à luz (uma menina). Foi muito assustador.”

Giovanna d’Arco

Mas além do “mau-olhado”, como Giovanna se saiu ? Muzio sugeriu um resultado muito bom; basicamente a música de Giovanna deu certo e em abril já se ouviam na rua: “Já temos a música da Giovanna nos órgãos que funcionam e as bandas sempre tocam”, confirma Muzio. A ópera não foi um triunfo. As falhas de Giovanna recaíam principalmente no libreto, e Donizetti também defendeu isso ao escrever ao cunhado Antonio Vasselli: “Você viu que a música de Verdi foi muito bem em Milão. Dizem que ele escreveu boa música para um libreto infame”. Solera guardou as inexatidões históricas esquecendo a visão poética, e procurando antes o sensacionalismo teatral reduzindo a três as personagens principais: Giovanna e o Delfim de França (Carlo VII) protagonistas de um amor amaldiçoado e Giacomo, o pai de Giovanna, que surge como denunciante da própria filha a qual, além de práticas de bruxaria, acredita ter uma ligação amorosa com o Delfim, os críticos não perdoaram. Mas, enfatizamos, Verdi estava na crista da onda e dificilmente teria caido dela; uma recepção fria não era suficiente para mortificá-lo: em suas obras o público agora reconhecia uma grande parte de si mesmo, de suas esperanças, afetos e sofrimentos. Até os grandes da ópera o reconheciam com mérito, e o próprio

Rossini (1792-1868) – scusa, ma non sono andato all’opera per il mio punto di ebollizione, sai com’è giusto Giuseppe?

Rossini, ao enviar-lhe votos de felicidades para Giovanna a partir do final de janeiro, escrevera-lhe de maneira familiar, com estima, o aposentado maestro o agradece por ter gentilmente escrito para seu amigo, o tenor Nicola Ivanoff, um novo Finale da segunda parte de Ernani. O tenor a cantou em Parma com grande satisfação, e deve-se acrescentar que Verdi também gostou. Além disso, Rossini pagou generosamente a Verdi pela inserção da área, e informou que tinha ouvido falar da “fúria” causada em Florença pelo “Due Foscari” e pediu desculpas por não ter respondido antes devido a uma espinha que tinha “pernas e braços comprometidos e sem falar da dor que sentia”. Reza a lenda quando um Rossini vem falar com você sobre seus furúnculos, significa que você está “dentro” de sua estima sincera. E isso significa que é hora de ir em frente sem desacelerar. “Tampe seus ouvidos à crítica (nenhum crítico jamais foi capaz de determinar as escolhas de um músico), cerrar os dentes e pronto”. Verdi então se declarou satisfeito com o trabalho realizado, amou Giovanna com amor convicto.

Frontespizio del libretto di Orietta di Lesbo titolo imposto della censura papalitina alla Giovanna d’Arco

Para a primeira produção da ópera em Roma, três meses após a estréia de Milão, a trama teve de ser alterada sem qualquer conotação religiosa por ordem do censor papal. O título foi alterado para “Orietta di Lesbo”, a ação foi deslocada para a ilha grega da heroína, agora de origem genovesa, que tornou-se uma líder contra os turcos. Performances deste título foram também dada em Palermo, em 1848. Para os próximos 20 anos, Giovanna d’Arco teve sucesso contínuo na Itália, aparecendo em Florença, Lucca, e Senigallia, em 1845, Turim e Veneza, em 1846, Mantua, em 1848, o Milão novamente mais três vezes em 1851, 1858 e 1865.

 

O Enredo
Dramma lirico em um prólogo e três atos de giuseppe Verdi para um libreto de Temistocle Solera, baseado “só de leve” na peça “Die Jungfrau von Orleans” de Friedrich von Schiller; Milão, Teatro alla Scala, 15 de fevereiro de 1845.

Local: Dom-Rémy, Reims e perto de Rouen em 1429

Como dissemos a bela abertura está dividida em três movimentos. O primeiro é tempestuoso e incerto; o segundo é um Andante pastorale com flauta solo, oboé e clarinete (com os tons da abertura “Guillaume Tell” de Rossini); o último retorna ao tempestuoso menor, mas termina em um triunfante e belicoso maior. Não chega a ser uma obra-prima, mas ocasionalmente é apresentado nas salas de concertos.
O prólogo, dividido em duas seções, é repleto de eventos.

Prólogo.
Cena 1 – Um grande salão em Dom-Rémy
O Prólogo passa-se em Dom-Rémy, terra natal de Giovanna d’Arco, onde os habitantes se inquietam com as notícias da guerra trazidas pelos oficiais do exército francês que dizem que o país está a ser destruído por bárbaros ingleses, e que Orleans está sitiada devendo sucumbir a qualquer momento. A cena de abertura é uma cavatina convencional para o tenor, embora com intervenções corais invulgarmente importantes (Verdi e Solera sem dúvida desejavam manter sua imagem com os milaneses depois de Nabucco e eu Lombardi). Mesmo antes de o tenor entrar, o coro uníssono condena o triste destino da França em “Maledetti cui spinge rea voglia”, e as forças corais são novamente proeminentes nos movimentos líricos do solista, particularmente em um tempo di mezzo excepcionalmente longo. O rei Carlo VII, após admitir a derrota, narra um sonho (“Sotto una quercia”, faixa 04). Ele diz que uma imagem da Virgem que encontrara num altar na floresta lhe dera ordem para entregar as armas. Pela descrição que faz do local, os aldeões dizem tratar-se duma região assombrada habitada por espíritos malignos. Mas o Delfim ri-se dessa superstição popular, e dirige-se para o local da floresta onde está o altar com a imagem da Virgem para aí depor a sua espada e o seu elmo dizendo ser seu desejo de libertar-se do peso da coroa.

Cena 2 – Uma floresta
Giacomo aparece para uma breve cena, expressando temores de que sua filha Giovanna possa estar aliada ao diabo. Em um andante beliniano altamente ornamentado (“Sempre all’alba ed alla sera”, faixa 09), ela ora por armas na batalha que se aproxima. No interior da floresta, junto do altar, Giovanna reza revelando à Virgem o estranho pressentimento que a persegue e que lhe diz ter sido incumbida duma missão. Faz então um pedido: “uma espada e um elmo para ir combater o invasor”. E continua a repetir “uma espada e um elmo” até adormecer. Quando ela adormece, um coro de demônios (recomendando alegremente os pecados da carne) e de anjos (prometendo sua glória como salvadora de seu país) brigam por sua atenção. Chega então o Delfim que vem cumprir o prometido, e coloca aos pés da imagem da Virgem as suas armas. Enquanto isso acontece Giovanna continua a sonhar: espíritos malignos dizem-lhe para reparar no jovem que a observa com olhar apaixonado, enquanto visões celestiais a aconselham a abdicar do amor carnal, e a entregar-se à missão de libertar a França em nome de Deus. A esta exortação Giovanna responde estar pronta. O Delfim ouve o grito da jovem e aproxima-se. Giovanna reconhece-o, e devolve-lhe a espada e o elmo que encontrara junto do altar, suplicando-lhe que não abandone o combate, e dizendo que irá estar ao seu lado comandando os seus exércitos. Impressionado com o tom profético do apelo da jovem o Delfim cede. Eles se unem em uma cabaleta animada e sincopada, durante a qual Giacomo os vê juntos e conclui que sua filha enfeitiçou de alguma forma o rei originada pela influência dos espíritos malignos. Profere então uma maldição contra a filha. (a belíssima faixa 12, o Placidão, Milnes e Caballé estão excelentes! ).

Bozzetti di Giuseppe Bertoja

Ato 1
Cena 1 – Um lugar remoto espalhado por pedras no acampamento inglês perto de Reims
A música gloriosa que inicia o ato é a peça coral “Ai, lari … Alla pátria” (faixa 13 – ela foi posteriormente “reciclada” no “Requiem”).Os soldados ingleses foram derrotados e lamentam os seus mortos dizendo que a derrota se deveu a poderes sobrenaturais que protegem os franceses desde o aparecimento do novo comandante dos exércitos, uma camponesa de Dom-rémy. Mas o comandante Talbot discorda, diz que é tudo imaginação originada pelo medo. . Giacomo chega para anunciar que a mulher que inspira as forças francesas pode ser sua prisioneira naquela noite. Num sostenuto Andante, “Franco son io” (faixa 15), ele vem oferecer-se para lhe entregar a filha que acredita ter desonrado o seu nome ao ligar-se a Carlos VII; a cabaleta seguinte, “So che per via di triboli” (faixa 16), explora os sentimentos ternos de um pai. A progressão usual do lacrimoso Andante para a cabaleta energética é então revertida, o que permite uma cabaleta Donizettiana de ritmo moderado e incomumente comovente, totalmente carente do impulso rítmico Verdiano característico.

Cena 2 – Nos jardins da corte em Reims
Giovanna diz sentir-se feliz por se ver livre do elmo e da espada, e por poder descansar em trajes de mulher sem ser importunada pelos clamores da multidão Mas não está disposta a deixar Carlos e a corte: as vozes demoníacas ainda a atormentam. Ela canta sobre sua casa na floresta simples em “O fatidica foresta” (faixa 18) outro exemplo delicioso de pastoral Verdiana. Particularmente notável e lindíssimo é o adagio “T’arretri e palpiti!” (faixa 20), Carlos VII oscila entre o desconforto com o comportamento dela e as tentativas de acalmá-la com expressões de amor. Num instante de fraqueza Giovanna responde que também o ama. Mas as vozes celestiais voltam a manifestar-se dizendo-lhe que deve resistir a todos os desejos terrenos. O Delfim não ouve as vozes, e não entende a reação da jovem que inexplicavelmente recusa o seu amor. Chega então um oficial que diz que o povo está junto da catedral para assistir à cerimônia da coroação. O Delfim diz a Giovanna que será ela quem o irá coroar e que só aceitará a coroa se for posta pelas suas mãos. Enquanto os dois seguem juntos para a catedral ouvem-se as vozes dos espíritos malignos que rejubilam por aquela que julgam ser a sua vitória sobre a inocência de Giovanna. “Vieni al tempio” (faixa 22).

Bozzetti di Giuseppe Bertoja

Ato 2
Uma praça em Reims junto da catedral
Uma “grande marcha triunfal” em louvor de Giovanna e Carlo VII e da sua vitória sobre o invasor. A procissão entra na catedral. Giacomo entra também: ele pretende denunciar a filha publicamente. É assim que, depois da coroação, quando o Delfim proclama Giovanna padroeira da França, Giacomo observa, dando vazão ao seu zelo religioso em uma romanza menor-maior, “Speme al vecchio era una figlia” (faixa 24), denuncia sua filha sai de entre a multidão acusando-a de blasfêmia, e dizendo que a filha foi buscar os seus poderes nas práticas de bruxaria. O movimento mais interessante é o Andante, “No! forme d’angelo” (faixa 27): fragmentos de duetos desacompanhados de Carlos VII e Giacomo são justapostos com um cantabile estendido para Giovanna; ai Verdi encontra espaço para dar asas à sua sensívell personalidade musical. O Delfim não acredita, defende Giovanna com veemência, mas a jovem fizera um voto de silêncio e nada declara em sua defesa se recusa três vezes a negar as acusações de sacrilégio de Giacomo. Esse silêncio é interpretado por todos como uma confissão de culpa, e o Delfim vê-se obrigado a entregá-la aos ingleses que lhe reservam o destino da fogueira, o dramático e grandioso fim do ato, “Ti descolpa” (faixa 28).

Ato 3
Dentro de uma fortaleza inglesa junto do campo de batalha
Giovanna está presa por correntes a um banco, observa enquanto os ingleses e franceses lutam, notando com consternação que Carlos VII foi cercado e ao ouvir as sentinelas falar da batalha implora que a soltem para poder ir combater. Chega Giacomo, seu pai. Ele acredita que Giovanna continua a pensar no amante, mas acaba por compreender que ela reza e que as suas orações se dirigem a Deus, portanto ela é inocente daquilo que ele a acusara. As fervorosas orações de Giovanna alertam Giacomo para o erro da acusação, e eles se unem em um dueto de explicação e reconciliação, cuja seção mais impressionante é o lento movimento lírico, “Amai, ma un solo istante” (faixa 30), no qual uma sucessão comovente de as ideias melódicas sustentam a aceitação gradual do pai da pureza da filha. Decide então libertá-la, e abençoa-a.

Depois de aceitar a benção do pai, Giovanna corre para ajudar os franceses, pega a sua espada e parte para o campo de batalha. É pela voz de Giacomo que ouvimos a descrição da batalha, que com a ajuda de sua filha a balança pendeu decisivamente contra os ingleses. Carlos VII sai vitorioso, perdoa Giacomo, mas fica sabendo que Giovanna foi gravemente ferida. Na romanza “Quale più fido amico” (faixa 35), delicadamente composta para trompa inglesa solo e violoncelo, ele lamenta sua perda. Giovanna é levada ao ritmo de uma marcha fúnebre e tem força suficiente para saudar o pai e o rei e aguardar as boas-vindas no céu. Ela lidera o conjunto final com um solo elaboradamente ornamentado acompanhado por violoncelo de obbligato antes de um longo tema, a donzela, cujo rosto parece iluminado por uma aura misteriosa, ouve uma última vez as vozes celestiais antes de morrer.

Cai o pano
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O libretto de Solera é bem distante dos fatos históricos e pode deixar a desejar, mas a música é de Verdi, o jovem gênio de 31 anos que mostra muitas dicas emocionantes do que está por vir. Uma das coisas mais interessantes que este obscuro admirador percebeu ao elaborar os textos e performances destas primeiras óperas de seus “anos de galera” é ouvir os pré-ecos das obras-primas do futuro. Verdade que não há uma única melodia famosa na bela Giovanna d’Arco, mas eu adorei cada momento. É como ir ao “Cirque du Soleil” e voltar para casa com imagens vagas das maravilhas da vida na Terra. Os fãs de Verdi, assim como os que não o conhecem, vão se deliciar com esta ópera! É mais uma bela jóia Verdiana negligenciada. Então aí está, vale a pena sim a audição. Que subam as cortinas e se inicie o estpetáculo !!!!!

Giuseppe Verdi – Giovanna d’Arco
Personagens e Intérpretes

Vamos compartilhar com os amigos do blog esta clássica gravação feita em 1972 que dificilmente acusa sua idade. Esta gravação da ópera merece ser ouvida por seus ritmos enérgicos, instrumentação de metal, melodias folclóricas e lirismo, além de ser bem curtinha (quase duas horas). É uma bela obra de Vedi mas com ecos de Donizetti, cada personagem recebe uma parte justa de árias solo, assim como eram as ópera sérias dos tempos passados, as cabalettas voam, permitindo amplo espaço para interpolação e exibição de notas altas. A Giovanna de Caballe tem a maior parte da glória da interpolação, e aqui está ela, flutuando sua marca registrada o pianissimi

Placidão fazendo uma massagem para a Montserrat relaxar.

em peças como “O fatidica foresta” (faixa 18), a peça mais lírica da obra, e último trio “Che mia fu” (faixa 37). Caballe lida facilmente com a coloratura do papel-título. A voz da Montserrat nesta gravação, para este admirador, é um pote de ouro puro 18k, e seu envolvimento e entrega por si só valeria o download, eu posso entender claramente porque ela tem tantos fãs. O jovem Plácido Domingo em seu auge vocal inicial, estava com 31 anos nesta gravação, no qual a voz está em seu estado mais doce e totalmente impassível. A nota alta no final da cabaleta de “Pondo e latal, martiro” (faixa 06) raramente é ouvida nas produções de Domingo em seus anos mais maduros me lembra “di quella pira”. Esses foram os primeiros anos de sua carreira e o estímulo da crítica ainda não havia impulsionado o cantor a expandir os centros para emular a sensualidade carusiana. Domingo mostra-se totalmente à vontade e também sempre foi um excelente intérprete, capaz de explorar da melhor forma a beleza do timbre para fins amorosos, com um sotaque nobre e eloquente . A excelente dicção faz o resto. Faço um discurso semelhante para Milnes. A voz extensa era usada com frequência em papéis dramáticos de barítono, seus melhores momentos foram os líricos, e de fato no papel deste Giacomo consegue encontrar-se perfeitamente à vontade tanto no erro como na dor do pai. Robert Lloyd também em ótima forma oferece um belo canto em seu poderoso baixo.

A qualidade do som é excelente e o então promissor maestro de 29 anos, James Levine, faz um trabalho maravilhoso, começando com a abertura deliciosa, até os refrões finais. Levine tem uma afinidade especial por esse repertório. Sua energia irresistível, até atrevida, mantém as atenções presas, uma explêndida execução. O coro ambrosiano e a The London Symphony Orchestra são excelentes como sempre. Esta gravação eu recomento fortemente, muito bem feita.

Giovanna – Montserrat Caballé
Carlo VII – Placido Domingo
Giacomo – Sherrill Milnes
Delil – Keith Erwen
Talbot – Robert Lloyd

The Ambrosian Opera Chorus – Chorus Master – John McCarthy
The London Symphony Orchestra
James Levine
Recorded: 01 sep 1972

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Milnes, Montserrat, Levine e Placido acertando os últimos detalhes para uma canja no PQPBach Ópera House – sede Itatiaia-RJ

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): I Due Foscari (Stefan Pop, Maria Katzarava, Paolo Arrivabeni)

Giuseppe Verdi (1813-1901): I Due Foscari (Stefan Pop, Maria Katzarava, Paolo Arrivabeni)

OTTO – L’ ESILIO DEI FOSCARI

A aceitação de Ernani foi positiva, o público enaltecia Verdi com os mais quentes louvores, ele se firmava como um dos grandes símbolos do patriotismo italiano. Muitas vezes o público demonstrou sua afeição com aplausos frenéticos. Claro que seu estilo despertou o interesse dos empresários em novas obras. Entre 1844 e 1849 foram nada menos do que oito novas óperas, algumas com composições simultâneas ! Os teatros queriam obras originais do jovem mestre. Verdade que ele ainda não havia terminado a partitura de Ernani, quando fechou contrato com o Teatro Argentina de Roma para uma produção original a ser feita no outono de 1844, que seria, a composição de “I due Foscari” com libreto de Piave, baseado na tragédia de Byron. Ainda poucos dias depois da estreia de Ernani, ele fechou outro contrato e a encomenda para o Teatro di San Carlo em Nápoles, em um libreto de Salvatore Cammarano (o poeta de “Lucia” de Donizetti) esta ópera será “Alzira”, a ser apresentada no verão de 1845. Não é tudo. Com La Fenice, ele tem a palavra para um segundo drama, sobre o qual, um mês após a estreia de Ernani, ele iniciou correspondências com Piave, seria a ópera “Átila”, da tragédia de Zacharias Werner (o poeta romântico que iniciou o fatalismo na literatura alemã), esta obra entrará no teatro veneziano em 1846. Verdi, em sus memórias sobre este agitado período disse: “…mal tive tempo de respirar. Quatro obras em andamento, estreia ao longo de dois anos, superação de equívocos, atrasos, sucessão de projetos…..”.

Lord George Gordon Byron (1788-1824)

Como dissemos, logo após a estreia de Ernani em Veneza, Verdi concordou em escrever uma nova ópera com Piave para o Teatro Argentina em Roma. A primeira escolha foi “Lorenzino de Medici”, mas isso se mostrou inaceitável para os censores romanos, e o libreto de “I due Foscari “ de Byron foi apresentado e aceito. É claro a partir das primeiras correspondências entre Verdi e Pive fica claro que o compositor orientou para que a ópera trilhasse o estilo de Ernani (concentrando-se em confrontos pessoais em vez de grandes efeitos cênicos). Estas correspondências revelam até que ponto Verdi interveio na confecção do libreto, uma boa parte da estrutura em grande escala da ópera sendo ditada por seus instintos teatrais cada vez mais exigentes.

Verdi con lo spartito dei Due Foscari, 1844

Verdi deixando por algum tempo a populosa e dinâmica cidade de Veneza, voltou à sua terra, a pacata Busseto. Para rever seus pais e Barezzi, ao qual ligava sempre profunda afeição. Não revira a região de Parma desde a sua triste visita seguida pela morte de Margherita. “….Eu tremo ao me aproximar de casa !! Grande destino é meu !! Nunca é uma alegria sem dor !! Minha viagem foi feliz: estou muito bem de saúde, mas exausto de forças. Agora que passou o nervosismo da estreia em Veneza, parece-me que estou sem sangue. O silêncio vai recuperar minhas forças !”

A quietude de Busseto, foi quebrada diversas vezes pelas celebrações espontâneas do povo que podem tê-lo incomodado mais do que agradá-lo, enfim ele era uma celebridade agora. As notícias que Giovannino (filho de Baresi), enviado especial de Veneza, trouxe para casa relata as exclamações de todos que ouviam sua obra; frases triunfantes como: “Esta será uma noite de triunfos e coroação para Verdi como o primeiro maestro do mundo.” …”Ontem ouvi os ensaios e para mim o Ernani é melhor do que Nabucco, Lombardi e todas as óperas do mundo”… “Que barulho esta noite, que prazer ver gente vindo de todos os lados. Ah! Aqui estão as gôndolas chegando que trazem mais de 100 jovens Padovani.” … “Muito bem, a Ernani; venha também para aumentar o triunfo de Verdi!”  Piave também não hesita na fé, chama o mestre de “divino Beppo”, e continua: “Lembra-me a teu excelente pai, a quem muito amo, a Itália lhe agradece por ter gerado este gênio da música ! Agora estou escrevendo o novo libreto para a ópera de Roma que se intitula “I due Foscari”.”

Francesco Maria Piave (1810 – 1876)

Pressionado o máximo que pôde pelo compositor, o libretista enviou um primeiro rascunho do Foscari para Milão em meados de maio. A composição começou alguns dias depois e desta vez quem nos fornece o material é um pequenino conterrâneo de Verdi, ele relata e examina o mestre de perto fazendo observações diretas em cartas a Barezzi. O jovem redator foi o único aluno de Verdi, além de seu colaborador na época, teve que pagar pelas aulas que o compositor lhe dava regularmente, trata-se de Emanuele Muzio, nascido a 24 de agosto de 1821. Na última visita a Busseto o senhor Barezzi, com sua generosidade de sempre, ofereceu o rapaz para auxiliar Verdi e deixando claro que iria se responsabilizar financeiramente para garantir sua permanência em Milão. Ele se comunicara com Antonio Barezzi em longos e numerosos relatos, ora divertidos, ora ingênuos, mas sempre úteis do ponto de vista biográficos, espionando o mestre enquanto ele é implacável em suas “tarefas” (le opere!) “… Agora vou para a escola, ele acabou de se levantar e começa a escrever “I due Foscari”. Sr. Antonio tenho que lhe dizer o coro introdutório, que é o congresso dos Dez, é magnífico e terrível, e na música você pode ouvir aquele mistério que reinou naquelas reuniões tensas que decidiam sobre a morte ou a vida; e então você pode imaginar como o “pai dos corais”, como os milaneses o chamam, pode ter musicado bem !!! ” Muzio morava perto do alojamento do mestre, em Contrada del Monte Napoleone, Verdi ficava no começo da rua, em uma casa com estábulo para cavalos e galpão para o transporte. Se precisava do menino, chamava-o de “assobio”, tão perto que moravam.

Mas vamos voltar a 1844.

Emanuele Muzio (1821-1890), unico allievo di Verdi

Verdi trabalhava dia e noite para completar o “I due Foscari”. Ele não saia de casa, exceto para a refeição da noite; logo cedo, Muzio trazia o café da manhã e ia buscar as correspondências no correio. O drama veneziano (baseado em Byron) parecia-lhe muito belo tendo como tema dominante o exílio. Verdi havia estudado o cenário, talvez ainda em Veneza, visitando o Museu Correr, e uma vez em Milão teria renovado o interesse na casa de Andrea Maffei; lá estava a pintura de Francesco Hayez “Último adeus do filho do Doge Foscari à família” tratada várias vezes pelo artista desde 1827. Verdi fez acordos substanciais com Piave para fortalecer o plano de trabalho. Entre maio e setembro, há pelo menos quatro cartas de Verdi que fornecem elementos muito significativos. Em primeiro lugar, está a observação sobre a fonte, que é o drama em versos “The Two Foscari” de George Gordon Byron, publicado em 1821: “torture sua inteligência e encontre algo que faça um pouco de barulho, especialmente no primeiro ato…. No último ato, porém, faça com que a cena se passe ao anoitecer e elabore um pôr-do-sol, que é tão bonito”. Verdi acha o poema “estupendo”, mas não diz mais nada, enquanto em sua mente vai se formando a caricatura musical dos tons tristes e fortes que dominam a obra. Em suas cartas ele evita referências de situações políticas que poderiam ter levantado suspeitas e encheção de saco por parte da censura, é justo acrescentar que habilmente Verdi, em suas cartas, não atribui muita importância ao próprio doge, simplesmente se declarando satisfeito com a abordagem que Pive lhe deu. Na verdade, tanto no personagem do doge quanto no coro dos vereadores, o compositor esconde uma denúncia irada que tem suas raízes em Ernani: em Francesco Foscari encontramos analogias muito fortes com o velho Silva. Ambos os velhos se queixam da solidão e do abandono a que os outros os obrigam, mas que deveriam estar ligados pelo afeto. Portanto, as melodias de Silva e de Francesco se assemelham vagamente, é claro, pois para Silva se trata de um amor senil por uma mulher, ao contrário o velho Francesco que ama paternalmente o filho, que talvez (só talvez) manchou a honra da família.

Francesco Hayez (1791 – 1882) – Ultimo addio del figlio del doge Foscari alla sua famiglia – contribui a dare a Verdi inspirazione per I due Foscari

Abandonemos agora a figura do personagem solitário e vejamos o coro. Aqui também notamos mudanças substanciais no que diz respeito à técnica composicional usada para a massa vocal em Nabucco ou Lombardi. Também para o coro, Verdi encontrou um novo rosto em Ernani, um rosto coletivo de extraordinário interesse. Ele encontrou uma forma de completar e até melhorar, com crueza incisiva, o perfil psicológico da massa. Ele começou em Nabucco levantando uma evocação nostálgica avassaladora com “Va, Pensiero” e continuou em Ernani com uma guinada para uma caracterização “vulgar”. O núcleo coral do “Concílio dos Dez” de Foscari, sobre o qual Verdi pisou com uma intenção precisa: a de iluminar sua intransigência sinistra e até grotesca, que acaba condenando um inocente.

Frontezpizio del libretto dei Due Foscari

Para acalmar os censores, Verdi adotou pela primeira vez um método que até então ele não usara, mas tinha sido utilizado e aprovado por outros mestres, e que consistia em distinguir cada um dos personagens principais com um motivo melodioso, assinalando sempre a sua entrada em cena. Assim todas as figuras principais eram envoltas em aura musical. A composição de “I due Foscari” ocupou Verdi por cerca de quatro meses (muito tempo para os padrões da maioria de seus predecessores). Por fim a ópera subiu ao palco do Teatro Argentina de Roma, precisamente em 3 de novembro de 1844.

Que em Roma, à época, tivessem enlouquecido pelo drama dos Foscari não é verdade, possivelmente porque as expectativas do público haviam sido elevadas demais pelo enorme e generalizado sucesso de “Ernani”. O elenco de estreia incluiu Achille De Bassini (Francesco Foscari), Giacomo Roppa (Jacopo) e Marianna Barbieri-Nini (Lucrezia) os artistas foram muito celebrados, mas a obra não deixou uma marca inesquecível. A crítica foi impiedosa. Nítido se definia o contraste entre a atitude do público e a dos jornais; enquanto o povão, longe de lhe levantar objeções, o incitava a progredir e fazer mais, já os jornais publicavam artigos pouco animadores, acusando-o de cobrir as vozes dos artistas com a sonoridade da instrumentação. Este nulo admirador tem uma opinião de que talvez estas censuras lhe fossem mais úteis que os louvores, porque, se um homem, deslumbrado pelo inebriante perfume dos elogios, não vigia suas faculdades acaba perdendo o incentivo. As advertências, pelo contrário, incentivam a produzir sempre melhor, afinal Verdi, calejado, aos 31 anos sabia bem disso.

Mareianna Barbieri-Nini (1818-1887), prima interprete dei Due Foscari

Para nós hoje, o interesse é diferente e talvez o valorizemos mais do que então, é uma p… ópera, cheia de áreas bonitas por exemplo a faixa 5, as faixas 7-8, o intenso encerramento do primeiro ato (faixas 13 e 14) ou o breve e “carrancudo” prelúdio que inicia a ópera e cria o clima na primeira faixa. Verdi se esforçou muito para caracterizar situações, ambientes e personagens, porém, contudo e no entanto três anos depois da estreia ele julgava, talvez até, com excessivo rigor: “Em temas naturalmente tristes, se você for sem muito cuidado você acaba com um humor mortal, como por exemplo em “I due Foscari”, que têm uma tonalidade, uma cor, escura e muito uniforme do começo ao fim.” Ainda assim, as recomendações feitas para Piave mostraram que o compositor tinha uma consciência precisa do assunto. Na verdade, a música “sisuda” tinha sido o tempero adequado para esse “caminho das lágrimas”, como o chama Marzio Pieri. E ainda há outra coisa. Em abril de 1845, Donizetti ouviu a ópera em Viena. Assim como anteriormente ele fez uma bela descrição de Verdi, mas também circunscreveu os valores do Foscari: “… Eu tinha razão em dizer que Verdi era talentoso! Este é o homem que vai brilhar !”

O Enredo
Tragédia lírica em três atos de Giuseppe Verdi, libreto de Francesco maria Piave baseado na peça de George Byron “The Two Foscari”; Roma, Teatro Argentina, 3 de novembro de 1844.
A obra se passa em Veneza. Período: ano 1457

Esta é a ópera mais curta de Verdi, seu prelúdio descreve uma atmosfera de conflito tempestuoso antes de introduzir dois temas da ópera, o primeiro uma melodia de clarinete triste a ser associada a Jacopo, o segundo uma flauta etérea e passagem de cordas da cavatina de Lucrécia.

Ato 1.

Bozzetti di Luigi Ricci per I due Foscari

Cena 1- Um salão no Palácio do Doge em Veneza
A cortina se levanta vemos os membros do Conselho dos Dez reunidos. O refrão de abertura (‘Silenzio … Mistero’, faixa 02) imediatamente lança sobre a ópera uma atmosfera ameaçadora, sugerida musicalmente por sombrias sonoridades instrumentais, vocais e por tortuosas progressões cromáticas. A melodia do clarinete do prelúdio é ouvida quando Jacopo sai das prisões para aguardar uma audiência com o Conselho. Em um arioso delicadamente marcado, ele saúda sua amada Veneza e começa a primeira seção de uma cavatina de duas partes. O primeiro movimento, ‘Dal piu remoto esilio’ (faixa 04), evoca a cor local em seu ritmo, sonoridades de sopro proeminentes e excursões cromáticas incomuns. A cabaleta, ‘Odio solo, ed odio atroce’ (faixa 05), é rotineiramente enérgica, embora desafie as convenções ao permitir que o tenor estenda um agudo enquanto a orquestra realiza uma reprise do tema principal.

Cena 2 – Um salão no Palácio Foscari
Lucrécia, a esposa de Jacopo, entra em um tema de cordas crescente, associado a ela em intervalos durante a ópera. Ela está determinada a enfrentar o Doge na tentativa de salvar seu marido, mas primeiro oferece uma prece, ‘Tu al cui sguardo onnipossente’ (faixa 07). Esta area exibe um estilo vocal mais altamente ornamental do que o usual encontrado nas primeiras obras de Verdi, embora o colorido seja – tipicamente para o compositor – estritamente controlada dentro de frases fixas. A cabaleta que se segue, ‘O patrizi, tremate l’Eterno’, é nova no design formal, começando com uma passagem semelhante a um arioso e dissolvendo-se em uma escrita ornamental de estrutura aberta no final.

Cena 3 – Um salão no Palácio do Doge
O Conselho concluiu sua reunião e, em parte com um retorno à música do coro de abertura, nos informa que o ‘crime’ de Jacopo, assassinato, deve ser punido com o exílio.

Cena 4 – As salas privadas do Doge
A Scena e Romanza do Doge abre com outro tema que se repetirá ao longo da ópera, desta vez uma melodia ricamente harmonizada para viola e violoncelos divididos. A romanza ‘O vecchio cor, che batti’ faixa 11, na qual o Doge descreve sua angustia por seu filho, é claramente uma peça complementar ao anterior ‘Dal piu remoto esilio’ de Jacopo (observe, por exemplo, as figuras de acompanhamento de abertura idênticas), embora o pai barítono canta com um apelo emocional muito mais direto do que seu filho tenor. O final do Ato 1 é uma longa cena entre Lucrécia e o Doge, na qual a esposa de Jacopo implora ao Doge que mostre misericórdia. Um dos melhores duetos de soprano-barítono de Verdi, o número cai no padrão convencional de quatro movimentos, mas as seções individuais apresentam considerável contraste interno, respondendo de perto às diferentes atitudes emocionais dos principais, as excelentes faixas 13 e 14.

Ato 2

Cena 1 – As prisões estaduais
Um prelúdio fragmentário e altamente cromático para viola e violoncelo solo apresenta Jacopo, sozinho na prisão. Ele tem uma visão aterrorizante de Carmagnola, uma vítima passada da lei veneziana, e na romanza ‘Non maledirmi, o prode’ (faixa 16) implora por misericórdia à visão. ‘Non maledirmi’ é convencional em sua passagem de menor para maior, mas tem um retorno incomum ao menor quando a visão de Carmagnola reaparece para assombrar o prisioneiro e eventualmente deixá-lo inconsciente. Lucrécia, acompanhada por seu crescente tema de cordas, entra e, após reviver Jacopo, anuncia sua sentença de exílio. Segue-se um duetos de amor (faixa 18), este apresentado na forma usual de vários movimentos, embora sem uma sequência de “ação” de abertura. As partes finais do dueto mostram uma injeção de cor local: gondoleiros cantando em louvor a Veneza interrompem marido e mulher, dando-lhes uma nova esperança para o futuro. O Doge entra agora para dar um triste adeus ao filho. O primeiro movimento lírico do trio seguinte, ‘Nel tuo paterno amplesso’ (faixa 22), faz muito do contraste em personalidades vocais – tenor declamatório, sustentado, barítono controlado, soprano ofegante e perturbado – enquanto o final (na qual os principais são acompanhado por um Loredano exultante). Loredano chega para anunciar o veredicto oficial e para preparar Jacopo para a sua partida. Ele é desdenhoso dos fundamentos do Foscari e ordena a seus homens para remover Jacopo de sua cela. Em um trio final, Jacopo, o Doge e Lucrezia expressam suas emoções conflitantes e, como Jacopo é tirado, pai e nora saem juntos.

Cena 2 – O salão do Conselho dos Dez
Um coro de abertura, novamente parcialmente construído com material da cena 1 do Ato 1, explica que os crimes de Jacopo são assassinato e traição contra o estado. O Doge aparece, logo seguido por seu filho, que continua a protestar sua inocência. O Doge lamenta sua incapacidade de ajudar, atuando, como ele deve, no papel de Doge antes que de pai, mas todos estão pasmos com o súbito aparecimento de Lucrécia, que trouxe seus filhos com ela em um pedido final de misericórdia. O palco está pronto para o concertato finale, ‘Queste innocenti lagrime’ (faixa 26), liderado por Jacopo, que é secundado por Lucrécia. Este movimento grandioso desenvolve um ímpeto, mas sua cadência final é interrompida: Jacopo retorna ao modo menor e à linguagem musical íntima de suas frases iniciais. A extrema justaposição cria carga dramática suficiente para encerrar o ato.

Ato 3

Cena 1 – A velha piazzetta di San Marco
O início brilhante do ato em forma de uma ‘Introduzione e Barcarola’ dá início ao ato (faixa 27), com gondoleiros oferecendo uma repetição mais desenvolvida da música que havia interrompido anteriormente o dueto Jacopo-Lucrezia. Jacopo é trazido para a separação final. Seu ‘All’infelice veglio’ (faixa 30) é semelhante ao romanza em seu progresso do menor ao maior, mas é enriquecido pelas contribuições de Lucrécia e, eventualmente, do refrão, tornando a cena um grande clímax adequado ao papel do tenor.

Cena 2 – Os quartos privados do Doge
A cena começa com o Doge na qual ele é apresentado com uma confissão no leito de morte revelando que Jacopo é inocente. Mas a mensagemvem tarde demais: Lucrécia se apressa em anunciar que Jacopo morreu repentinamente ao deixar Veneza. A ária de Lucrezia ‘Piu non vive!’ (faixa 32) é, como convém a este estágio final do drama, altamente condensado, e talvez seja melhor considerado um tipo de cabaleta bipartida, permitindo (como fez sua ária de primeiro ato) mais espaço do que o normal para floreios. Quando ela sai, o Conselho dos Dez aparece, pedindo ao Doge que renuncie a seu poder. Ele responde em uma ária apaixonada, ‘Questa dunque e l’iniqua mercede’ (faixa 34). Em muitos aspectos, a seção mais poderosa da ópera, esta ‘ária’ é na verdade um dueto entre o Doge e o coro masculino: ele declama exigindo o retorno de seu filho; eles em uníssono são inflexíveis. Ele pede para a nora ser trazida e, gradualmente, estabelece a pompa de seu trabalho. Quando Lucrezia entra e se dirige a ele com o título familiar “Príncipe”, ele declara: “Príncipe que eu era! Agora eu não sou mais.” Só então, o sino de San Marco é ouvido anunciando que um sucessor seja escolhido. Como eles dobram uma segunda vez, Francesco reconhece que o fim chegou: Quel bronzo feral / “Qual sentença fatal” (faixa 36). Como os sinos dobram novamente, ele morre e Loredano observa “eu estou pago.”

Cai o pano

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“I Due Foscari”, como o próprio Verdi admitiria mais tarde, sofre um pouco por ser muito sombrio em seu tom geral, apesar das evocações periódicas dos canis venezianos. Mesmo assim, a ópera oferece vários experimentos interessantes. Talvez o mais impressionante seja o uso de temas recorrentes para identificar os principais. Esses proto-‘leitmotivs ‘são aqui talvez aplicados com demasiada rigidez, servindo em última instância para negar qualquer sentido de desenvolvimento ou progressão nos personagens; mas o experimento em si é significativo, sugerindo que Verdi estava ansioso para explorar novos meios de articulação musical e dramática. A importância crescente da cor do ambiente também é notável à luz do desenvolvimento futuro de Verdi. Embora em “I due Foscari” a sensação de um ambiente preciso pareça imposto à partitura em vez de emergir dela, a consciência de Verdi do potencial dessa dimensão adicionada no drama musical foi decisiva; a partir dessa época, ele raramente empregaria a cor da ambientação de maneira mecânica que usou em suas primeiras óperas. Uma pequena observação: O canto das últimas palavras do Dodge quando morre é incrivelmente parecido com as últimas palavras do Rigoletto para Gilda…. mas essa é outra história….. por agora, que subam as cortinaa e apreciem esta que é a sexta ópera do Maestro Verdi !!!!!

Personagens e intérpretes

Escolhi esta versão, por estar com tinta fresca ainda, ela foi gravada no Festival Verdi 2019 em uma co-produção do Teatro Regio di Parma e do Teatro Comunale di Bologna. É uma récita excelente! Para mim, a grande estrela desta versão é o Stefan Pop como Jacopo Foscari sua interpretação, para este nulo admirador, foi de uma qualidade brutal, as nuances emotivas na voz foram irrepreensíveis. Maria Katzarava esteve igualmente em alto nível como Lucrezia Contarini, com uma voz muito bonita, emotivamente plástica, grande técnica e agudos sem gritos num papel de extrema exigência para a soprano. Giacomo Prestia é um baixo italiano com a grande consistência vocal e cumpriu muito bem o papel de Jacopo. Stoyanov como Francesco Foscari achei muito bom, em particular na última cena do terceiro ato. O elenco em geral agrada dramaticamente. O coro faz um trabalho muito bom. A Orquestra Filarmonica Arturo Toscanini excelente, sob a direcção do maestro Paolo Arrivabeni. O equilíbrio entre os cantores e a orquestra é bom e a gravação é maravilhosa. O maestro faz um ótimo trabalho evitando o estilo “internacional” mais moderno e mantém o tradicional italiano para evitar que Verdi dê voltas em seu túmulo.

Giuseppe Verdi – I Due Foscari

Francesco Foscari – Vladimir Stoyanov
Jacopo Foscari – Stefan Pop
Lucrezia Contarini – Maria Katzarava
Jacopo Loredano – Giacomo Prestia
Barbarigo – Francesco Marsiglia
Pisana – Erica Wenmeng Gu
Attendant on the Council of Ten – Vasyl Solodkyy
Servant of the Doge – Gianni De Angelis

Parma Teatro Regio Chorus
(chorus master: Martino Faggiani)
Filarmonica Arturo Toscanini
Orchestra Giovanile della Via Emilia
Paolo Arrivabeni, conductor
Recorded at Teatro Regio di Parma, Festival Verdi 2019, 11 October 2019.

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

O maestro Paolo Arrivabeni, no PQPBach Caffé, ansioso para responder aos comentários dos amigos do blog.

Giuseppe Verdi (1813-1901): Ernani (Bonynge, Nucci, Sutherland, Pavarotti)

Giuseppe Verdi (1813-1901): Ernani (Bonynge, Nucci, Sutherland, Pavarotti)

Sette – ERNANI ! . . . ERNANI, Involami

Com “Nabucco” e “I Lombardi alla prima crocíata” – isto é, com os seus primeiros grandes sucessos – Verdi começou – diria quase instintivamente – a exercer a ação política com a sua música. A quinta ópera de Verdi foi encomendada pelo Teatro La Fenice, Veneza, e foi a primeira que escreveu para um teatro diferente do La Scala. As autoridades venezianas, impressionadas com a recente recepção de “Nabucco” em La Fenice e de “I Lombardi” em La Scala, permitiram que o jovem compositor negociasse uma taxa considerável e fizesse várias condições incomuns, notadamente que ele teria o direito de escolher os cantores de sua nova ópera. Montagens pela Itália de “I Lombardi” em 1843 ocuparam muito tempo do mestre e numa delas ele conheceu um personagem que será importante colaborador o bolonhês Giulio Cesare Ferrarini, já conhecido violinista e maestro, ele dirigiu os “I Lombardi” no carnaval de 1843-44 em Mântua, onde se tornou o protagonista de um episódio que acho legal compartilhar com os amigos do blog relatado pelo historiador Alcari com palavras que fazem jus à prática da regência no século XIX na Itália, mesmo naquele setor bastante desacreditado que eram os conjuntos instrumentais de ópera. “É importante notar que no século XVIII os maestros estavam perfeitamente familiarizados com toda a mecânica dos instrumentos de arco e até por volta de 1870 eles regiam segurando o violino e batendo o tempo com o arco, e os principais maestros, como Ferrarini, eram todos virtuosos de seu instrumento. Aconteceu no carnaval de 1843-44, no Teatro Sociale de Mântua, que desde a primeira execução do “I Lombardi” de Verdi, o “violino di spalla” passou mal pouco antes do início do famoso solo do terceiro ato. Ferranni, sem se atrapalhar, atacou aquela admirável peça encenando-a toda, sentado no seu banco, de forma perfeita e sendo aclamado pelo público e depois festejado pelas autoridades cívicas. E o sucesso foi tal que a Superintendência do teatro lhe pediu que executasse também a peça para todas as representações subsequentes.” Portanto, deixando “I Lombardi” em boas mãos, voltemos a nova ópera. Os dias passam, o compositor está a caminho para iniciar a ópera que será mundialmente conhecida como “Ernani”.

L ingresso ao Teatro Fenice di Venezia dalla laguna – 1820

Em abril de 1843, voltando de Viena, Verdi estava conversando com o presidente do teatro veneziano “La Fenice”, conde Nani Mocenigo. Ele tentou ganhar tempo, afirmando que não poderia entregar a orquestração da ópera porque normalmente a espalhava durante os ensaios do cravo e terminava a partitura apenas para o ensaio geral. Um procedimento inconcebível para nós hoje e que ilustra plenamente como era artesanal a concepção orquestral das óperas, bem como o costume da casa de ópera italiana, onde a orquestra não era tão importante quanto a companhia cantante; por outro lado, os ensaios para a preparação de uma estreia duravam muito mais do que hoje. Enquanto o noivado amadurecia, o maestro e o conde escolhiam o tema, Mocenigo sugere o libreto de Cromvello, retirado da peça de Victor Hugo “Cromwell”; depois o olhar recaiu sobre outro drama do mesmo,

Hernani (1830) – Victor Hugo

“Hernani” , que treze anos antes causara sensação em Paris. “Liberdade na arte, liberdade na sociedade: tal é o duplo objetivo pelo qual todos os espíritos coerentes e lógicos devem lutar com igual entusiasmo; tal é a dupla bandeira que vê todos os jovens fortes reunidos, exceto algumas inteligências que não se deixarão iluminar… Tal é o início do século: e prevalecerá. Os “ultras” de toda espécie” (escreveu Hugo no prefácio da obra, chamando os reacionários de “ultras”). “ Clássicos ou monárquicos, vão se divertir ajudando uns aos outros para colocar o velho regime de pé novamente, pedaço por pedaço … cada progresso do país, cada desenvolvimento da inteligência, cada passo de liberdade vai derrubar tudo o que eles acumularam.”

 

Victor Hugo (1802-1885) par Amand Vaché (1876)

Era claro que tal tema, que então abalou almas e cérebros, pôs febre nos censores, mas Verdi se apaixonou. Precisava sair da concha das incertezas, dos dramas em que a moldura denteada ou o traje sufocavam o quadro das ambiguidades em que se enredara desde o Oberto: um libreto já corajoso e ardente. Agora algo mais forte estava batendo dentro dele. “Gostaria de um libreto grandioso e ao mesmo tempo apaixonado, e que se desviasse do “Nabucco ”e dos “Cruzados” com muito fogo, muita ação e brevidade ”. Por diversas razões, Verdi, não se dirigiu a Solera, que não aceitaria. Muito cioso do seu trabalho, da disposição das estrofes e dos versos, adaptava-se mal às exigências do “tirano Verdi”. Cedia contra a vontade porque o maestro não desistia, nem a bem , nem a mal. Deparou-se-lhe um jovem libretista, hábil versejador, que se ofereceu, renunciano a todas as ambições, para que o maestro tivesse nele um auxiliar pronto e obediente aos seus intentos a ás suas imposições. Foi recebido com prazer porque, para seguir, sem obstáculos e interrupções, carecia de um homem inteligente, perito, mas sem pretensões, um ajudante com quem pudesse aconselhar-se, escolher, investigar o que melhor conviria para harmonizar com sua música. O libretista serviu maravilhosamente a Veri, escrevendo durante anos para o maestro os libretos de óperas que, junto aos de Solera (Nabucco, Lombardi, GiovannaD’Arco, Attila), o tornaram polular. Este libretista chamava-se Francisco Maria Piave (1810-1876). Em pouco tempo concluiu o libreto de Ernani, o maestro não necessitava “encerrar o libretista num quarto” para trabalhar, como fez com Solera. Piave se ajustava perfeitamente os projetos de Verdi, suprimindo, revendo, modelando os versos para que o maestro pudesse dar asas a sua inspiração sabendo acomodar bem os dramas e os episódios, explanar clara e sucintamente a trama da narração, dizia que os libretos de ópera são, sem música, esqueletos imóveis, e que só os sons podem faze-los brilhar e dar vida. Certificara-se de que as observações de Verdi para cortar ou ampliar não provinham de simples caprichos, mas de intuição para alcançar o melhor. Piave não era um poeta verdadeiro, mas possuía extraordinária habilidade de libretista entre os diversos trabalhos que escreveu para Verdi, além de “Ernani”, destacam-se: “Rigoletto”, “Macbeth”, “Corsaro”, “Traviata”, “Forza del Destino” (como veremos nas postagens no decorrer da série Verdi).

Francesco Maria Piave – “Va bene maestro, cambiamo di nuovo la poesia”

Com Piave, Verdi falou claramente desde o início: queria que ele abrisse mão de toda a preciosidade literária, foi uma verdadeira relação de colaboração, a cada pedido, o libretista seguia os conselhos, que iam do esboço de uma cena à finalização do verso e à escolha das palavras. “Por mais que eu tenha pouca experiência, vou ao teatro o ano todo, sou muito cuidadoso: certamente muitas composições não teriam caído se houvesse melhor distribuição das peças, efeitos mais bem calculados, formas musicais mais claras … Muitas vezes um recitativo muito longo, uma frase que ficaria bonita no livro ou em um drama encenado, quando é transportada para um drama cantado não fica bom e as vezes a plateia chega a rir.”

Durante o outono de 1843, a correspondência entre Verdi, Piave e a direção do teatro deixa claro que o compositor teve um interesse incomumente ativo na modelagem do libreto e interveio em vários pontos importantes, insistindo, por exemplo, que o papel de Ernani fosse cantado por um tenor. Pelo menos em parte, essa nova preocupação com o texto poético era necessária por seu trabalho com Piave, que era inexperiente em assuntos teatrais e ocasionalmente cometia o que Verdi considerava erros no amplo planejamento dramático. Alterações de última hora no elenco levaram Verdi a fazer várias alterações tardias em sua pontuação, notadamente ao adicionar um cantabile de Silva ao final do primeiro ato. Cobnsagrando-se inteiramente à nova ópera, porque o libretoo enfeitiçara, terminou a composição em fevereiro de 1844, exatamente um ano depois de “Il Lombardi”. A estreia que ocorreu em Veneza no Teatro “La Fenice” em 9 de março de 1844, cujo elenco incluía Carlo Guasco (Ernani), Antonio Superchi (Don Carlo), Antonio Selva (Silva) e Sophie Loewe (Elvira), o esplendor das cenas e a ótima execução da orquestra e cantores, não deu outra, foi um enorme sucesso.

Verdi in una foto del 1844

Apesar de habituado já aos triunfos, o maestro ficou como que aturdido, absorto em intensa satisfação moral. Todos os jornais, no dia seguinte, reconheceram o valor de quem soubera acentuar a sua personalidade no difícil ambiente teatral. “… causou tão viva impressão no público a música de Ernani que as pessoas, saindo do teatro, cantarolavam os motivos do tenor e do barítono, o que só se pratica com boa música…..”; “…. como soam harmoniosos e retumbantes os versos de Victor Hugo! Há nessa música qualquer coisa de trepidante, de colérico, de suave e de convulsivo. As paixões, antes que despertadas e gradativamente incendidas, anunciam-se veementes sem transições notáveis. Ninguém é sereno, nem razoável. Três homens amam a mesma mulher e loucamente a disputam. Não declaram seu afeto, gritam-no; não abrigam somente ciúmes uns dos outros, insultam-se. Todos correm as armas e, de espada na mão, clamam vingança: todos se alimentam de ódio e rancores, só concordes no insensato apetite de se exterminarem….”. disparou a “Gazzetta Privilegiata di Veneza”.

Ernani não sobressaía apenas pelas suas características românticas. A época abrigava um secreto, mas fervente, patriotismo, e não eram poucas as alusões ao latente amor da pária que acordava o povo. O coro dos bandidos, a sua devoção a Ernani, generoso salteador, erguia os corações num impulso de ideal aspiração. O coro “Si ridesti il leon di Castiglia” (faixa 30) ainda determinava mais coletivo entusiasmo, pelas suas palavras guerreiras e sua música imponente. Os populares repetiam-no com mal disfarçada intenção, acentuando com a voz as palavras que pareciam, e tinha de fato, uma significação bem aceita pelos italianos: “Sejamos todos uma só família / Combatamos com alma e com os braços”. Os espectadores, no Fenice, acompanhavam os artistas na execução dos coros, esquecidos da situação cênica, para recordarem apenas as próprias condições sociais e políticas. A veemência chegava ao auge no fim do terceiro ato, o perdão de Carlos V, a que Verdi imprimiu toda a potencialidade e doçura da sua paleta sinfônica ! Vincavam-se as palavras que na peça definem a ação “ .. para Carlos Magno toda a gloria e honra!” (faixa 33), substituindo “Carlos Magno” por “Carlos Alberto” ou “Pio IX”. Subtendia-se a intenção, aliás algumas vezes desmascarada, porque no teatro do povo, quando aplaudiam, agitavam bandeirinhas tricolores, ato este que não era permitido exibir impunemente. O calor patriótico se exaltava sob o manto do entusiasmo artístico. A população estava preparada para a luta que devia originar notáveis páginas da história italiana.

Teatro La Fenice di Venezia per la prima di Ernani

Verdi teve a fortuna de nascer, ou melhor, revelar-se num período de ardente fé, de formidável arrebatamento, criando para o artista um meio mais acolhedor e benéfico. Neste tempo, segunda guerra da independência, seu nome transformou-se numa espécie de estandarte patriótico. Isto bastou para que fosse o mais querido do povo, mais conhecido pela multidão, melhor aceito pelas plateias. Além do próprio mérito, deveu sua fama ao momento histórico que soube interpretar e executar em suas obras. A sua arte foi como a boa semente lançada em terreno adequado. Pôde germinar, crescer, desenvolver-se e frutificar pela perícia do cultivador, é verdade, mas também pelo clima e pela posição. Poucos artistas tiveram esta sorte do destino. Quantos e quantos ótimos artistas não semearam em terrenos áridos e sob céus inclementes da incompreensão vendo suas obras primas sendo rejeitadas (ex. Bizet-Carmen).

Ernani rapidamente se tornou imensamente popular e foi revivido inúmeras vezes durante seus primeiros anos. Em geral, Verdi foi inflexível para que nenhuma mudança fosse feita na pontuação; mas ele permitiu pelo menos uma exceção. A pedido de Rossini, que atuava em nome do tenor Ivanoff, ele forneceu uma ária com refrão para Ernani como um final alternativo ao final do segundo ato (faixa 25, o Big-Pava canta belissimamente, diga-se de passagem), a peça foi executada em Parma em 26 de dezembro de 1844.

O Enredo

Drama lírico em quatro partes, libreto de Francesco Maria Piave baseado no romance de Victor Hugo “Hernani”; Primeira apresentação em Veneza, Teatro La Fenice, 9 de março de 1844.

O prelúdio apresenta as ideias musicais ligadas aos dois principais temas dramáticos da ópera: primeiro, entoado em trompete e trombone solo, o tema associado ao juramento fatal de Ernani a Silva; e então um tema lírico que evoca o amor entre Ernani e Elvira em seu estado mais puro.

A ação se passa no ano de 1519 em Aragão , Aachen e Saragoça .

Ato 1: “Il bandito”

Ernani – prima edizione per canto e piano

I – Os Pirenéus.

O castelo de Silva é visto à distância, a ópera começa com o belo coro (‘Evviva! Beviam!’, faixa 02). Esta cena mostra ao espectador o mundo turbulento e despreocupado dos ‘montanhistas e bandidos’. O líder deles Ernani entra para contar seu amor por Elvira; todos concordam em ajudá-lo a roubá-la de Don Ruy Gomez de Silva, seu tutor e noivo. A cavatina de Ernani está no formato convencional de ária dupla, mas o primeiro movimento, “Merce, Diletti Amici.. Come Rugiada Al Cespite” na faixa 03, mostra uma expansão do período lírico usual enquanto Ernani se concentra em seu ódio por Silva. A cabaleta, “O tu, che l’alma adora (faixa 04), faz uso proeminente da sincopação para sugerir a impaciência de Ernani para a ação.

II – Apartamento ricamente mobiliado de Elvira no castelo de Silva.

Elvira canta sua cavatina, durante o qual ela medita sobre seu amado Ernani, repete o esboço formal de ária dupla de Ernani, embora a cena inteira seja desenvolvida musicalmente de forma mais expansiva. O famoso Andantino, “Ernani! … Ernani involami” na faixa 05, tem a forma expandida, mas ainda altamente esquemática, que estava se tornando comum nos primeiros trabalhos de Verdi e, caracteristicamente, mostra um controle rigoroso dos gestos ornamentais da soprano. Um alegre tempo “di mezzo” com sonoridade espanhola, durante o qual a comitiva de Elvira a elogia por seu futuro casamento com Silva, leva a uma linda cabaleta, “Tutto sprezzo che d’Ernani” (faixa 06 em que é difícil ouvir apenas uma vez a divina Dame Joan Sutherland), em que a extensão vocal e expressiva da frase inicial dá alguma indicação das novas demandas que Verdi estava colocando em seus principais intérpretes. Elvira e suas mulheres varrem e o palco é ocupado por um disfarçado Don Carlo, rei da Espanha. Carlo, apaixonado por Elvira e indignado por ter sido preterido, manda Giovanna, a serva de Elvira, buscar sua amada. Elvira entra para expressar indignação com a audácia do rei e eles cantam uma das formas de maior sucesso de Verdi, o chamado dueto “diferente” entre barítono e soprano. O primeiro movimento, como de costume, é um diálogo rápido com a continuidade preservada pela orquestra, mas isso logo dá lugar a uma primeira declaração: Carlo inicia com uma efusão lírica, “Da quel di che t’ho veduta” faixa 08. Após a ópera nos oferece uma cena totalmente romântica: Carlo tenta impacientemente arrastar Elvira para longe, ela agarra sua faca para defender sua honra e, no auge da ação, o próprio Ernani aparece por uma porta secreta. Há um declamato do chocado Carlo antes de Elvira e Ernani se lançarem no furioso dueto que vira um belíssimo e dramático trio cheio de síncopes para enfatizar a energia desafiadora dos jovens amantes. As cadências prolongadas da stretta são imediatamente seguidas pelo aparecimento do terceiro pretendente de Elvira, o idoso Silva, é o início do Finale do primeiro ato. Silva fica obviamente consternado com a cena que observa, depois de convocar com raiva seus seguidores, se envolve em um andante dolorido e cromático: “Infelice! e tu credevi” faixa 10. Mas há mais surpresas por vir e, logo após Silva terminar, emissários revelam a verdadeira identidade do rei. A revelação precipita um adagio, que começa na confusão total, mas gradualmente encontra voz lírica, notadamente por meio da repetição e desenvolvimento de um pequeno motivo cadencial. Quando o adagio termina, Silva se ajoelha para pedir perdão ao rei, que este concede, explicando que está ali para angariar apoio para a próxima eleição do imperador. Em um aparte, o rei se oferece para ajudar Ernani e, anunciando abertamente que o bandido está sob proteção real, ordena que ele saia. A raiva de Ernani à parte, na qual ele ameaça seguir Carlo meramente para se vingar, começa em tom menor, mas agudo, e progride para o modo maior com um crescendo simples, mas altamente eficaz.

Ato 2: “L’ospite”

Prima edizione dello spartito per pianoforte di Ernani

Um salão magnífico no castelo de Silva.

Depois de um belo coro inicial elogiando Silva e Elvira, ocorre um exemplo do tipo de cena articulada e complexa que Verdi costumava preferir no meio de uma ópera. O número se intitula ‘Recitativo e Terzetto’, mas envolve em seu trio um dueto prolongado. Enquanto a multidão se dispersa, Silva concede entrada para um ‘peregrino’ que pediu abrigo. Elvira aparece e Silva a apresenta como sua futura noiva, no que o ‘peregrino’ (que é Ernani) tira o disfarce e oferece a própria cabeça como presente de casamento. O Andante que se segue, “Oro, quant’oro ogn’avido” faixa 16 traz Ernani zangado, Elvira triste e Silva (que não reconheceu Ernani) confuso, é dominado por Ernani e faz uso dinâmico do trio. Assim que os amantes ficam sozinhos, cantam a magnífica “Tu, Perfida!” faixa 17, em que Elvira garante a Ernani que pretendia suicidar-se na noite de núpcias, e a reconciliação é selada por um breve Andantino com harpa e sopros “Ah, Morir Potessi Adesso” faixa 18. Quando Silva retorna, fica horrorizado ao encontrá-los nos braços um do outro. Ele descobre que Don Carlo está esperando por Ernani fora do castelo; mas ele não desistirá do bandido, desejando uma vingança pessoal, Elvira conduz Ernani a um esconderijo secreto enquanto os dois amantes expressam seu desespero.

A entrada de Carlo anuncia uma longa passagem de recitativo acompanhado. O rei pede a Silva que revele o paradeiro de Ernani e, ao ser negado, desarma o velho e ordena uma busca no castelo. Durante a busca, Carlo canta “Lo vedremo, o veglio audace” faixa 21, primeiro movimento do que formalmente se intitula ‘ária’, mas no qual Silva se junta livremente. A raiva do rei se manifesta em uma linha ampla e altamente declamatória, enquanto Silva o nega com ritmos e tons obsessivamente restritos. O movimento do meio, embora muitas vezes lírico, é repleto de ação no palco: os seguidores de Carlo voltam, sem encontrar nada no castelo; o rei ameaça Silva; Elvira entra precipitadamente e implora por misericórdia; Carlo a leva como refém. A cabaleta final, “Vieni meco, sol di rose” da faixa 23 é uma peça dramática magnífica: depois de toda a ação e conflito, Verdi termina com uma passagem de puro lirismo do barítono, cheio de ornamentos gentis quando o rei convida Elvira a se juntar a ele. O palco está livre para deixar Silva sozinho. Ele liberta Ernani do esconderijo e imediatamente o desafia para um duelo. Ernani se recusa e revela que o próprio rei está perseguindo Elvira. Para unir forças com Silva para se vingar de Carlo, Ernani oferece ao velho uma trompa de caça e propõe um pacto mortal, devidamente enfatizado com solenes acordes de metais. Se ouvir Silva tocar o clarim Ernani deverá se matar. O negócio foi fechado; Ernani se junta a Silva e seus seguidores em um explosivo prestíssimo para encerrar o ato (a belíssima faixa 25).

Ato 3: “La clemenza”

Una Stampa d’epoca raffigurante l’esecuzione di Ernani alla Fenice di Venezia

Abóbadas subterrâneas confinando a tumba de Carlos Magno em Aax-la-Chapelle.

Cores instrumentais escuras adequadas ao cenário dão início ao ato. Carla entra com Riccardo, seu escudeiro. É o dia da eleição do Sacro Imperador Romano, e Carlo soube que uma conspiração está acontecendo. Ele instrui Riccardo a disparar três tiros de canhão se a eleição for a seu favor. Deixado sozinho “para conversar com os mortos”, o rei analisa amargamente sua juventude desperdiçada e decide subir de status se for eleito. A ária que ilustra este ponto de inflexão mais importante no drama, “O de’verd’anni miei” faixa 28, é notável por sua extrema mudança na atmosfera no meio do caminho: de lembranças musicais sombrias do barítono florido que caracterizou os atos anteriores a uma recém descoberta força e amplitude de expressão nas palavras “e vincitor de, secoli”. Carlo se esconde na tumba de Carlos Magno quando os conspiradores entram: sombrias cores orquestrais reafirmam-se enquanto os conspiradores trocam a senha e sorteiam a tarefa de assassinar o rei. Ernani vence o sorteio e todos se unem em um grande coro, “Si ridesti il ? Leon di Castiglia” faixa 30. Em cunho rítmico, esta peça guarda uma certa relação com “Va pensiero” (Nabucco) e “O Signore, dal tetto natio” (I Lombardi), mas aqui a vitalidade rítmica e o consequente estímulo à ação são muito mais imediatos. Os três tiros de canhão soam e Carlo emerge triunfante da tumba enquanto o palco se enche de seus seguidores. Em um final magnífico para o ato, Carlo perdoa os conspiradores e até consente no casamento de Ernani e Elvira; sua peroração final a Carlos Magno, “Oh sommo Carlo” faixa 33, eventualmente atrai todos para sua órbita musical.

Ato 4: “La maschera”

Una caricatura dei quattro personaggi principali dell Ernani, che suggerisce l’stampio del copricapo portato dai rivoltosi milanesi del ’48

Um terraço no palácio de Don Giovanni de Aragão (Ernani) em Saragoça.

Como é comum com Verdi e seus contemporâneos, o ato final é de longe o mais curto. Um coro e um grupo de dançarinos nos contam que os preparativos para o casamento de Ernani e Elvira estão em andamento. Os dois amantes emergem para uma breve mas intensa afirmação de sua felicidade, mas são interrompidos pelo som de uma trompa de caça distante. Ernani tenta esconder a verdade, do pacto com Silva, de Elvira reclamando de um antigo ferimento e mandando-a sair e pedir ajuda. Deixado sozinho, ele momentaneamente se convence de que o o som do clarim era uma ilusão. Mas Silva aparece e exige a vida que lhe é devida. Elvira retorna enquanto Ernani pega a adaga oferecida; e assim começa o trio final, “Ferma, crudel, estinguere” faixa 37, justamente uma das peças mais célebres da partitura, notável acima de tudo por sua profusão de ideias melódicas. O encerramento do trio é seguido imediatamente pela repetição de Silva da música do pacto. Apesar dos protestos de Elvira, Ernani pega a adaga e se esfaqueia. Os amantes têm tempo apenas para uma última e desesperada afirmação de amor antes que o herói morra, deixando sua noiva desmaiar.

Cai o pano

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Personagens e intrérpretes

Como o próprio Verdi afirmou mais de uma vez, Ernani representa uma importante mudança de direção em seu início de carreira. Seus dois sucessos anteriores, “Nabucco” e “I Lombardi”, haviam sido escritos para o La Scala, um dos maiores palcos da Itália e bem adequado aos grandiosos efeitos corais dessas obras. Para a atmosfera mais íntima do La Fenice, ele criou uma ópera que se concentrava no conflito pessoal, controlando cuidadosamente a sequência complexa de ações necessárias para trazer os personagens a um confronto intenso. Este novo formato trouxe uma nova consideração sobre as formas fixas da ópera italiana, em particular uma expansão e enriquecimento da ária solo e dueto, juntamente com uma abordagem mais flexível para as sequências musicais que unem peças líricas. Mais importante, no entanto, foi o senso crescente de Verdi da retórica mais ampla de um drama musical, seu controle crescente sobre a dinâmica de atos inteiros, em vez de apenas números inteiros. Nesse sentido, o terceiro ato de Ernani estabelece um padrão imponente de coerência, raramente igualado até as óperas do início da década de 1850. Para nos deleitar com esta excelente ópera vamos compartilhar com os amigos do blog a gravação que este insignificante admirador mais gosta. A última colaboração em estúdio entre Sutherland (1926-2010) e Pavarotti (1935-2007), que no mínimo, tem uma qualidade inegavelmente histórica.

Big-Pava e Shuterland brindando no PQPBach Caffé

Curiosamente a presente gravação foi realizada em 1987 e mantida na gaveta da gravadora por uma década antes do lançamento, todos os cantores estão com performances impressionantes, Burchuladze (Silva) é bastante imponente é o que se poderia desejar como Silva, Nucci no auge de sua belíssima voz é sólido como sempre e para este que vos escreve a verdadeira estrela desta gravação, Nucci é meu Don Carlo favorito. O coro e a orquestra do WNO atuam de maneira excitante sob a competente direção Richard Bonynge.  Pavarotti com seu timbre de voz inconfundível é lírico e heroico, e a Elvira de Dame Joan é mais que extraordinária. Não se ouve Elvira com tanta musicalidade, ela oferece elementos interpretativos fascinantes para sua única gravação deste papel. Por já ser veterana, sua voz já não é tão brilhante quanto foi nas décadas anteriores, o vibrato diminuiu, mas a dinâmica é fluida e eficaz. Ela ainda adiciona ornamentação linda na conhecida “Surta E La Notte.. Ernani! Ernani, Involami” faixa 05, uma cabaleta que deixaria qualquer outro cantor deste papel no chão ofegante, na mesma proporção que a força da sua voz diminuiu na década de 80 seus elementos interpretativos e musicalidade foram se tornando mais pronunciados. Aqui ela se transforma em uma performance fascinante, cheia de personalidade e bela cantoria.

Chega de falatório e curtam esta grande obra do mestre Verdi. Subam as cortinas e que o espetáculo começe ! Bom divertimento !

Giuseppe Verdi: Ernani

Ernani—Luciano Pavarotti
Elvira – Joan Sutherland
Carlo – Leo Nucci
Silva – Paata Burchuladze
Giovanna – Linda McLeod
Riccardo – Richard Morton
Jago – Alastair Miles

Orchestra and Chorus of Welsh National Opera
Richard Bonynge
Recorded: Walthamstow Assembly Hall, 10–21 May 1987

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Big-Pava fazendo caras e bocas depois de ler que o obscuro Ammiratore acha o Nucci “o cara” desta gravação

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): I Lombardi ala prima Crociata (Levine, Ramey, Pavarotti)

Giuseppe Verdi (1813-1901): I Lombardi ala prima Crociata (Levine, Ramey, Pavarotti)

SEI – Spuntano le ali – La Crociata dei Lombardi

Depois do imenso sucesso que foi Nabucco o jovem Verdi não se descuidou deixando o sucesso lhe cegar, se comportou de forma prudente, como quem evita elogios. Suas primeiras declarações eram de uma humildade provinciana: “Pelo amor de Deus, eu não sou digno!” – “Estive em Bolonha cinco ou seis dias … Estive visitando Rossini que me acolheu muito gentilmente e as suas boas-vindas pareceram realmente sinceras. De qualquer forma, fiquei encantado. Quando penso que Rossini é mundialmente famoso, eu fico apavorado”. Pelos contratos com Merelli e Ricordi o maestro atingira segurança econômica assim como também compromissos de curto prazo.

Verdi já se fazia notícia e atraía a admiração dos visitantes, dos habitantes, dos habitués, enfim dos que povoavam a piazzetta della Scala, a antecâmara do melodrama. Por falar nela, interessantíssimo o relato dos contemporâneos: “A praça que fica em frente ao grande teatro La Scala…. Pode ser considerada um ponto de encontro, onde todos os artistas dramáticos, cantores, dançarinos e músicos da Itália competem, se esbarram, se abraçam e namoram….. Nos dias de bom tempo e ao meio-dia (hora dos artistas, como se costumava dizer no jargão teatral) a praça fica movimentada: Quem vai, quem vem, quem chora, quem ri, quem declama; e vendo-os todos juntos, esses “pavões” vestidos de vaidade, parece até que se reuniram para discutir o destino da Europa e que “o equilíbrio do planeta” depende de suas conversas. Os mais talentosos e afortunados entre eles constituíam uma espécie de aristocracia, fechado em seus hábitos, ciumentos de suas

Caffe Martini, Inizio XX secolo

fronteiras, esta seleta categoria escolheu um canto da praça, o Caffè Martini, o “I cantori Epuloni” ampliava em voz alta os sucessos registrados mais recentemente no grande teatro. Mesmo os estabelecimentos da música dos editores Lucca e Ricordi, colocavam-se um à frente do outro na praça, competindo na atividade comercial de partituras e contratos, também lá os jovens cantores e compositores vinham em busca de proteção e apoio. As “prime donne” e as mais conceituadas bailarinas ali realizavam longas sessões, e ficavam atentas as exortações benevolentes do Papa Ricordi, um homem conhecido como ser autoritário, porém altamente estimado pelos artistas.

Tommaso Grossi autore del poema I Lombardi alla prima crociata

“Lombardi ala prima Crociata” chegou ao Scala em 11 de fevereiro de 1843, retirado do poema homônimo de Tommaso Grossi e também versado por Solera, “I Lombardi” percorreram mais ou menos os mesmos roteiros afortunados de Nabucco. Eles foram divididos em quatro episódios (A vingança, O homem na caverna, A conversão, O Santo Sepulcro), o espetacular coro “O Signore, dal tetto natio”, faixa 31, (que até poderia ter sido a sequência do coro dos judeus exilados de Nabucco) como exaltação épica e religiosa, até milagrosa, chegou ao ponto de despertar as queixas do cardeal arcebispo de Milão, conde Gaetano di Gaisruck, Verdi viu-se confrontado com os primeiros conflitos com a censura e resistiu. Eles queriam que a cena de massa com os estandartes e igrejas dos cruzados ao fundo fosse removida; Verdi, por outro lado, sabia que, respeitando as ilustrações desenhadas, daria ao público “uma faísca”, e tinha razão. Neste período a obra deveria ter um nobre significado patriótico e o poeta despertou este gosto artístico no compositor que excitava a secreta aspiração do povo. Quando Solera terminou a leitura do libreto, Verdi teve a certeza de que essas páginas estimulariam a sua inspiração. De fato, o coro transmitiu toda a doçura da música nas palavras, e este “hino” depois acabou sendo cantarolado pelo povo em toda parte.

Impelido pelo seu próprio ardor, Verdi dedicou-se à ópera com tal ímpeto, com tanta vontade que, em poucos meses, a partitura estava quase toda completa. Da mesma forma que em Nabucco, contínuas discussões surgiram entre Verdi e Solera, reclamando o maestro, pelas exigências da música ou para fazer sobressair um episódio, ora a supressão de um verso, ora o destaque de uma frase. O poeta hesitava em contentar Verdi, a quem apelidou de tirano e, muitas vezes, anuía de má vontade, tão irritado que, se não fora a estreita amizade que os unia, teriam brigado. O próprio Solera, referindo-se a Verdi, relata algumas dessas divertidas cenas: “Certo dia, ensaiando um dueto, achou Verdi falta de calor naquele trecho que, para acabar bem, carecia da adição de outros versos. “- Preciso uma frase quente, – dizia, – umas palavras de amor, qualquer coisa que lembre o Oriente, a Palestina, que sei eu… Procura tu. Pensa e realiza. Vou ao teatro e depois eu volto.” Pôs o chapéu e saiu dando volta à chave. Esta mania de me fechar no quarto era obsessiva. Fiquei entregue a elucubrações, rabisquei uma estrofe, depois outra e muito enfadado por estar detido no quarto, quis distrair-me e abri um armário com intenção de fazer uma brincadeira. Ao abrir o armário fiquei frente a frente com meia dúzia de garrafas de vinho, que pareciam convidar-me a provar-lhes o conteúdo. Abri uma, repus-me ao trabalho e, cada verso que a mente me fornecia, saudava-o com um bom copo… Quando Verdi regressou, calculo que os meus olhos brilhavam demasiadamente, porque me ponderou com expressão jubilosa: “- A inspiração espelha-se no teu rosto; aposto que compôs estes belos versos.” O pobre homem não reparava que outra coisa se lia nos meus olhos; mas, quando pegou nos papéis e descobriu que continham mais garranchos que versos, agarrou-me por um braço gritando: “- Miserável! Celerado! Para que te encerrei aqui?” Excitadíssimo declamava os dois últimos versos legíveis que diziam e dizem assim: “Será tálamo a areia do interminável deserto” “- Interminável… Areia… Espera um pouco!…” e gesticulando como um ator de feira, improvisou ali mesmo os outros versos que terminavam a estrofe e que, permaneceram no libreto: “Será o uivo da hiena / a canção do nosso amor!” Este dueto se tornou muito popular e o Pava e a June Anderson cantam maravilhosamente na faixa 22 que compartilharemos com os amigos do blog. Em sete meses a ópera foi terminada, e em onze ficaria pronta a ser estreada, obtendo um duplo sucesso: artístico e patriótico. Feitos os primeiros ensaios, o símbolo foi compreendido, exaltando os próprios cantores e determinando atitudes hostis de quem não estimava o despertar do povo. A polícia austríaca levantou dificuldades para a representação e o cardeal Gaisruck, arcebispo de Milão, procurou enfatizar as ordens da autoridade civil.

Il Teatro alla Scala visto della Corsi del Giardino

Entediava os austríacos o espírito patriótico, ao passo que o cardeal solicitava ao chefe de polícia, Torresami, que proibisse a representação por ser um sacrilégio. O cardeal realçava que em “I Lombardi” desfilavam no palco procissões, faziam-se batismos, conversões e ainda que o fundo de um dos cenários reproduziam o vale de Josafá. Que faltava para ser considerada um autêntico sacrilégio?

Torresami, no entanto, não atendeu o pedido do arcebispo e a proibição não foi decretada. Gaisruck não se deu por vencido: mandou chamar o empresário, o poeta e o musicista, responsabilizando-os conjuntamente pela obra e pedindo que praticassem alguns cortes. Verdi nem foi e recusou atender os rogos do cardeal declarando que apenas musicara as palavras e não mudaria uma nota. “- A ópera deve ser cantada tal como foi composta. Não sacrificarei nem um compasso.”

Merelli e Solera procuraram o chefe de polícia, expondo-lhe as razões com que o maestro e o poeta defendiam a integridade da sua obra. Como Torresami era grande admirador de música e não queria de forma alguma tornar-se responsável pela “supressão” de talvez uma obra-prima e não aspirava a um lugar negativo na história, pronunciou uma frase que permitiu a Verdi alçar voo: “Jamais serei eu quem cortarei as asas deste jovem que tanto promete pela arte musical”. De resto, Merelli, não dando amplas explicações que permitissem descobrir todo o seu intuito, insistiu que cercear a expansão seria a ruína de um talento promissor. No que o arcebispo censurava não havia desígnio ofensivo, pois que as cenas dos batismos e das conversões valiam pelo cunho artístico, não pretendendo ser irreverentes. Torresami deixou-se convencer, com a única condição, imediatamente aceita pelo poeta, de substituir “ave” por “salve” no verso que começava com “ave Maria”! Nesta gravação foi preservado o original “Ave Maria”, faixa 08.

Seguro de que não haveria mais aborrecimentos, o empresário impulsionou os ensaios e, na noite de 11 de fevereiro de 1843, “I Lombardi” arrastou o juízo da opinião. Em Milão só se falava na estréia. Foram principais intérpretes: Giovanni Severi (Arvino), Prosper Derivis (Pagano), Carlo Guasco (Oronte) e Erminia Frezzolini (Giselda) que o público idolatrava ela era dotada de uma voz melodiosa e forte. Narra-se que na noite da primeira audição, Verdi apareceu nervoso, agitado, como costumava acontecer a todos os autores nas mesmas circunstâncias. Temia que a grande ansiedade em que o público estivera fosse condição desfavorável para a boa recepção. Falara-se muito da ópera, espicaçara-se a curiosidade pelos episódios devassados por indiscrições que chegaram a incomodar o Cardeal de Milão, muitas pessoas se vangloriavam até de conhecer a música. Os cronistas desse tempo informam que era tão grande a inquietação de espírito, que o teatro foi quase tomado de assalto, e, quem teve a felicidade de arranjar um bilhete, já no fim da tarde acampava, literalmente, à porta do teatro. Grupos deslocaram-se para junto do prédio 6 e 7 horas antes do espetáculo, provendo-se de pão, vinho, carnes frias e garantido por esta forma o comparecimento a essa primeira representação, em torno da qual tantos comentários se teciam, as testemunhas oculares da estreia chegaram a afirmar que ao subir do pano ainda podia-se sentir um cheiro muito acentuado de salsicha e alho! (Qualquer semelhança com a euforia dos atuais shows de Rock, Pagode, Sertanejo…. não são meras coincidências).

Erminia Frezzolini

Justificava-se a apreensão do maestro. Demais, receava que Frezzolini não estivesse em plena posse das suas faculdades, porque os ensaios a tinham extenuado. Antes de dar o sinal para subir o pano, Verdi visitou o camarim da cantora que, pelo menos na aparência, parecia tranquila. “- Como vai?” “- Bem.” “ – Tem coragem?” “ – Duvida? Se for necessário morrerei no palco, mas Lombardi será cantada até a última nota.” “- Isso me anima. E qual é o seu parecer? Agradará ou não?” “- A ópera provocará delírio. Os aplausos terão duas finalidades: exaltar a arte e o desejo de liberdade.”

Assim sucedeu. A profecia da cantora realizou-se, o público, embevecidos na audição, retiveram com facilidade a música, mais ardente, se não mais correta, que a de Nabucco, e proclamaram Verdi vitorioso. Confirmando o que Verdi e Solera tinham imaginado, o público distinguiu especialmente o terceto do terceiro ato, faixa 27. Por ocasião da leitura do libreto, Solera, chegando a êsse ponto, convenceu-se, que ele inspiraria brilhantemente o maestro e, fazendo uma pequena pausa, observou: “- Agora é a tua vez!” Como dissemos anteriormente, Verdi dedicou-se com afinco e, quando terminou, chamou o amigo para que, primeiro que qualquer outro, emitisse a sua opinião. Sentou-se ao piano, tocando e cantando, enquanto Solera, silencioso e comovido, escutava. Finda a execução, Verdi voltou-se. Emocionado o amigo abria-lhe os braços em total aprovação.

Principio di amicizia – Rudolf Hirth

Entre um coro e outro existe um elemento individual de particular importância para Verdi, o princípio da amizade, que deve preencher o vazio que se forma entre dois seres humanos antes e depois da febre da paixão, especialmente de origem sensual. A amizade deve levantar uma barreira, conter ou remover os sentimentos que inflamam a alma e que podem rapidamente ceder e desaparecer. Com espírito romântico, entende que as paixões, mesmo os afetos, se condensam e se liquefazem sem dar origem a uma realidade duradoura. Mesmo os ideais civis, políticos e religiosos (também de origem passional) não são inflexíveis. No confronto entre pagãos e cristãos, ele não está do lado de um nem do outro, como também é evidente em Nabucco. Para aquela época os estrangeiros nunca poderiam perceber a influência que durante certo período deve ter tido as melodias ardentes e inflamadas de Verdi, ou mesmo passagens únicas de poesia, que lembravam do infeliz estado da Itália, ou de suas memórias ou suas esperanças. O público via alusões em todos os lugares, mas Verdi primeiro as descobriu e adaptou a música inspirada que muitas vezes acabou revolucionando o teatro. Com “I Lombardi”, a censura austríaca e depois das pequenas picuinhas italianas deram origem a esse paciente trabalho de investigações, que as autoridades sempre fizeram, a fim de limpar os libretos que Verdi usava, reduzi-los … e tornar impossíveis as manifestações – que então o público sempre encontrava formas de agir. Se este simples admirador se emociona sempre com o coro final, faixa 35 “Te Iodiamo, Gran Dio Di Vittoria”, imaginem o pessoal sofrido da estreia, defumados que estavam de salsicha e alho, como não devem ter ido a loucura …..

Un ritratto di Verdi verso il 1843

A ópera, sempre festejada com ardor, percorreu os principais teatros italianos e estrangeiros, drenando para Verdi fartas messes de louvores e dinheiro. Consagrado, depois deste segundo êxito, como um dos melhores compositores, muito se esperava da sua juventude e da sua atividade. A partitura da ópera foi dedicada pelo autor, não pela editora, para a duquesa Maria Luigia de Parma, a “sua” duquesa. Maria Luigia chamou o mestre em sua presença “para lhe agradecer a dedicatória que fez a Sua Majestade em tão bela obra”. Na prefeitura, entregou-lhe uma joia com pedra verde no meio e um círculo de diamantes magníficos ”, e também lhe oferecendo um cargo na corte, assim que Verdi encerrasse sua carreira.
Ficou com muuuita moral !

O Enredo
O tempo da ação está localizado em 1099. Se passa em Milão e na Terra Santa durante a Primeira Cruzada no final do século XI.

Ato 1 – La vendetta
Na praça Sant’Ambrogio, diante da Catedral de Milão, a multidão vem dar graças pela reconciliação entre os irmãos Arvino e Pagano, filhos do Senhor Folco. Pagano, ao ser rejeitado por Viclinda, tentara matar o seu rival, e irmão, Arvino, sendo, por isso, condenado ao exílio. Agora fora perdoado e regressara – se bem que muitos duvidem ainda da sinceridade do seu arrependimento. Apenas Viclinda, casada agora com Arvino, e a sua filha Giselda, parecem acreditar nele.

No meio das celebrações, um Padre anuncia mais uma cruzada à Terra Santa, designando Arvino como comandante das tropas lombardas. Enquanto se ouve ao longe um coro de Monges, Pagano confessa a Pirro, escudeiro do seu irmão, não estar arrependido dos seus crimes, bem pelo contrário: aquilo que mais deseja é possuir Viclinda, ao que Pirro responde dizendo estar disposto a ajudá-lo no seu pérfido intento.

Bozzetti di Giuseppe Bertoja – la prima milanese 1

Entretanto, no palácio, Viclinda e Giselda começam também a suspeitar das intenções de Pagano. Arvino pede-lhes para tomarem conta do pai, que está no seu quarto. Depois de rezarem uma Ave Maria, as mulheres saem. Entram então Pirro e Pagano, que empunha um punhal. Os seus cúmplices atearam fogo ao palácio, e eles procuram Arvino dirigindo-se para os seus aposentos. Quando regressam, arrastando com eles Viclinda, são confrontados com Arvino que, ao ver o punhal ensanguentado, compreende que Pagano acabou de matar o próprio pai. Entra uma multidão que cerca os dois criminosos, e o ato termina com Pagano sendo de novo condenado ao exílio.

Ato 2 – L’uomo Della Caverna
Passa-se na Antioquia, e inicia-se no palácio de Acciano, o tirano, que está reunido com os embaixadores dos países vizinhos para organizarem a resistência contra os Cruzados. Chega Sofia, mulher de Acciano, secretamente convertida ao Cristianismo. Com ela vem o seu filho Oronte que está apaixonado por Giselda, prisioneira no harém do tirano – um sentimento que é visto por Sofia como um meio para converter o filho à Fé Cristã.

Figurini alla Scala

O segundo quadro passa-se junto duma gruta no deserto onde um Eremita espera impaciente a chegada dos Cruzados. Aproxima-se dele um homem que lhe pede humildemente o perdão dos pecados. Esse homem é Pirro, o escudeiro de Arvino, que renegou a Fé, e que é atualmente responsável pela segurança dos muros de Antioquia. O Eremita diz-lhe que os seus pecados serão perdoados se ele abrir as portas da cidade aos Cruzados que se aproximam. Esses Cruzados são as tropas da Lombardia. Ao saber isto, o Eremita veste os seus trajes de combatente, e vai ao encontro das tropas de viseira baixa. A verdade é que o Eremita é de facto Pagano que tenta remir-se da sua culpa através do sacrifício. Pagano dirige-se a Arvino, seu irmão, que não o reconhece, e que lhe pede para rezar pelo sucesso da causa, dizendo que a sua filha Giselda foi feita prisioneira pelos infiéis. O Eremita prediz ao chefe das tropas lombardas que irá encontrar a sua filha, e que, essa mesma noite, armarão as suas tendas no interior de Antioquia.

O quadro seguinte passa-se no harém do palácio onde as mulheres cantam louvores ao amor de Oronte e Giselda, que está entregue à oração. Ouvem-se gritos, os turcos fogem e os cristãos avançam. Entra então Sofia que anuncia que o marido e o filho foram mortos em combate. É assim que, quando chega Arvino, Sofia o aponta como sendo o assassino. O Cruzado aproxima-se de Giselda para a abraçar, mas ela afasta-o horrorizada, declarando, num fervor que toca as raias da loucura, que Deus nunca quis aquela carnificina. Arvino enfurece-se, desembainha o punhal, mas é agarrado antes de desferir o golpe.

Ato 3 – La Conversione
A Conversão inicia-se no vale de Josafat onde os cruzados e os peregrinos louvam as belezas de Jerusalém e choram as desgraças que dominam a Terra Santa. Giselda chega sozinha. Ela deixou o acampamento do pai e queixa-se de que, mesmo naquele lugar, os seus pensamentos continuem dominados pelo amor a Oronte, que julga ter morrido. Mas Oronte não morreu, está apenas gravemente ferido, e aparece agora na sua frente. Ele deixou tudo por Giselda, e fica feliz ao saber que ela está disposta a enfrentar todos os perigos ao seu lado. Ao ouvirem gritos de soldados, fogem.

Bozzetti di Giuseppe Bertoja – la prima milanese

Arvino continua dominado pela fúria contra a filha, e mais furioso fica quando é informado de que Pagano foi visto no acampamento dos cruzados. Deve ser um sinal do descontentamento divino. E Arvino conclui que Pagano deve morrer.

Interior de uma gruta. Para uma abertura ao fundo você pode ver a margem do Jordão (um lindo prelúdio com solo de violino “a la Paganini” nos ambienta nesta atmosfera, faixa 25). Giselda ajudou Oronte a refugiar-se numa gruta de onde se pode ver o rio Jordão. Oronte está ferido de morte, e, no seu desespero, a jovem recrimina Deus amargamente. Aparece então o Eremita, aliás Pagano, perguntando quem ousa recriminar os Céus, e diz a Giselda que o seu amor é pecaminoso. Mas se Oronte aceitar receber o batismo, poderão ter uma nova vida juntos. O Eremita parte para ir buscar no rio a água para o batismo. Quando ficam sós, Oronte diz a Giselda que irá esperá-la no Céu. E morre.

Ato 4 – Santo Sepolcro
O ato inicia-se com um sonho de Giselda onde vê Oronte que lhe diz que Deus escutou a sua oração, e que os cruzados recuperarão as forças com a água de Siloé. Quando acorda Giselda está certa da vitória.
No acampamento dos Lombardos cruzados e peregrinos recriminam Deus por tê-los conduzido até àquele deserto árido. Depois um grito anuncia a descoberta duma fonte. Giselda aparece e diz que os Céus escutaram as suas orações: eles podem refrescar-se naquela fonte. Feliz, Arvino afirma aos seus homens que em breve poderão escalar as muralhas de Jerusalém.

Figurini alla Scala

Ouvem-se ruídos de batalha. Arvino e Giselda trazem o Eremita, mortalmente ferido, para o interior da tenda. Então o moribundo revela a sua verdadeira identidade: ele é Pagano, que sem a intervenção do Destino, teria também morto o próprio irmão. Nos últimos instantes de vida, pede a Arvino que não amaldiçoe a sua alma penitente. Arvino abraça-o. Depois Pagano pede para ver uma última vez a Cidade Santa. Jerusalém aparece iluminada pelo alvorecer. Pagano morre, e a ópera termina com os cruzados entoando um hino de vitória.

Cai o pano

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Personagens e intérpretes

Infelizmente, “I Lombardi ala prima Crociata” é raramente vista ou ouvida, embora seja um deleite musical! Esta ópera de Verdi é uma verdadeira joia. Há um grande número de ótimas óperas de Verdi que são pouco conhecidas e raramente ou nunca executadas. Este admirador tentará, com colher de café, tentar quebrar

June Anderson

alguns paradigmas. A presente ópera chama a atenção imediatamente, é animada, oferece grandes interlúdios corais, simplesmente dignos de se ouvir e inspirar! A gravação com o Big-Luciano (em sua última gravação de ópera completa), Ramey e a grande June Anderson é absolutamente fantástica, Levine é o maestro Verdi dos anos 80, 90 e 2000, ele o sente como ninguém e transmite ao ouvinte um excelente “I Lombardi”. Gosto muito desta versão.

Um tema politico-religioso espetacular, muitos coros, uma pitada de exotismo e de sobrenatural, blasfêmia, conversão, expiação, visões, prodígios divinos, amor do herói pela filha do seu inimigo, rivalidade entre irmãos, e um lamento pela Pátria distante. “I Lombardi ala prima Crociata” é a ópera de Verdi mais acessível ao ouvido, tenho certeza que os amigos do blog vão adorar !!!!! Que subam as cortinas e se inicie o espetáculo!

I Lombardi ala prima Crociata – Giuseppe Verdi

Samuel Ramey (Bass) – Pagano
Patricia Racette (Soprano) – Viclinda
Ildebrando D’Arcangelo (Bass) – Pirro
June Anderson (Soprano) – Giselda
Anthony Dean Griffey (Tenor) – Priore
Yannis Yannissis (Bass) – Acciano
Jane Shaulis (Soprano) – Sofia
Luciano Pavarotti (Tenor) – Oronte
Richard Leech (Tenor) – Arvino

James Levine
Orchestra/Ensemble: Metropolitan Opera Chorus, Metropolitan Opera Orchestra (1997).

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

James Levine no Foyer do PQPBach Hall

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Nabucco – Ciampa, Enkhbat, Magri, Pertusi, Saioa Hernández

Giuseppe Verdi (1813-1901): Nabucco – Ciampa, Enkhbat, Magri, Pertusi, Saioa Hernández

CINQUE – Il Primo Sucesso
O tempo é o verdadeiro médico das feridas, cinco meses depois do desastre de “Um Giorno di Regno”, numa das suas raras aparições em ambientes artísticos, Verdi encontrou o empresário Morelli na “La Galleria De Cristoforis”, inaugurada em 1832, no mesmo ano que ele foi pela primeira vez a Milão, sim eles conversavam naquele caminho coberto como faziam os escritores Grossi, D’Azeglio e Maffei. Merelli não tinha desistido de Verdi, e talvez ele seguiu esperando o momento certo de colocá-lo de volta à cena. Passaram várias horas conversando e Merelli percebeu que, embora o compositor nada dissesse, estava farto da indolência e, por obstinação, não confessava o seu desejo de voltar a produzir. Conhecendo o amigo, Merelli enfiou-lhe no bolso um libreto de Temistocle Solera, obrigando-o a lê-lo e depois apresentar uma opinião. Muito a contragosto, Verdi levou para casa os papéis.

La Galleria De Cristo foris a Milano nel 1832

A história contada por Verdi é mais eloquente de qualquer tentativa de reconstrução histórica … “Uma noite de inverno estava caminhando na Galleria De Cristoforis e encontro Merelli que estava se dirigindo ao La Scala. Estava nevando muito, ele me segurou pelo braço e me convidou a acompanhá-lo para o seu camarim no Scala. A caminho ele me diz que está envergonhado pelo novo trabalho que devia me oferecer: um libreto rejeitado pelo compositor Carl Otto Nicolai (As alegres comadres de Windsor). De acordo com Merelli, em vez do libreto, “maravilhoso”, “magnífico”, tinha “um bom tópico”, e foi uma pena Nicolai rejeitá-lo. “Pegue, leia”, ele insistiu, no que respondi com indiferença: “O que diabos devo fazer com isso? … não, não, não tenho vontade.” Mas o outro: “Eh … Não vai te queimar as mãos! … leia e depois me diz se gostou ou não. Você me restituirá o manuscrito a pretexto de uma visita!” Então ele entregou-me o manuscrito. Me despedi de Merelli e voltei para casa. No caminho, senti como se estivesse tendo um mal-estar indefinível, uma angústia, um sufoco de inchar o coração! … fui para casa e com um gesto quase violento, joguei o manuscrito na mesa, fiquei parado em frente a ele. Caindo sobre a própria mesa, o libreto se abriu e sem saber como, meus olhos se fixaram na página em que tinha sido aberta diante de mim, e este versículo me saltava aos olhos: “Va, pensiero, sull’ali dorate” (Vá, pensamento, nas asas douradas). Recebi uma grande impressão, especialmente porque eram quase uma paráfrase da Bíblia, em cuja leitura eu sempre fiquei encantado. Eu li uma passagem, li duas: então firme na decisão de não compor mais fecho o libreto e vou para cama! … Mas sim … “Nabucco” me invadiu! … O sono não veio: eu me levanto e leio o livreto, não uma, duas vezes, mas três, tanto que pela manhã se pode dizer que eu sabia o libreto de Solera de cor. A frase mágica reacendeu uma fagulha nas cinzas da minha vida. Porém não queria me afastar do meu propósito de não mais compor e no dia seguinte volto ao teatro para devolver o manuscrito para Merelli. Ele me pergunta – “Lindo, Hã? …” – “Sim muito bonito”, respondo. – “Eh! …então coloque isso na música!” … – “Nem por sonho … não quero saber” – “Coloque isso na música, coloque na música! …A tua ociosidade é um crime. O único bálsamo que suaviza as dores morais é o trabalho. Leva o manuscrito, elabora uma ópera!” E assim dizendo ele pega o libreto enfia novamente no bolso do meu sobretudo, me agarra pelos ombros, e com um solavanco me empurra não só fora do camarim, mas me fecha a porta na cara e tranca com a chave “Vai, vai. Eu tenho mais o que fazer e estou perdendo tempo. Não voltes aqui sem teres acabado! O que fazer? Volto para casa com o “Nabucco” no bolso: um dia um verso, um dia outro, uma vez uma nota, outra vez uma frase … aos poucos o trabalho foi sendo composto.”

A arte venceu.

Por fim Merelli recebeu a obra pronta de Verdi e “declarou-se pronto para manter a promessa, mas não naquela temporada, deveriam esperar a próxima temporada porque os shows da primavera ainda não tinham sido estabelecidos e poderia contratar bons artistas. Verdi nos conta em suas memórias que “…Enfim, entre o sim, o não, os constrangimentos, meias promessas, o outdoor do La Scala para a temporada da primavera saiu … mas “Nabucco” não foi anunciado. Eu era jovem, tinha sangue quente! … escrevi uma carta para Merelli, no qual desabafo todo o meu ressentimento – confesso que ao acabar de enviar tive uma espécie de remorso! – … eu estava com medo de que minha carreira fosse arruinada por causa desta carta. Merelli me manda buscar e ao me ver, ele exclama asperamente: ‘É isso que se escreve a um amigo? … Mas vá, você está certo: vamos representar este “Nabucco”: no entanto, devemos levar em consideração que terei despesas muito grandes para as outras montagens: Eu não poderei fazer para “Nabucco” cenários novos muito complexos, nem roupas! … e vou ter que adequar, na melhor das hipóteses, o que encontrarmos no nosso estoque.’ Eu concordei com tudo isso porque estava ansioso para que o trabalho fosse representado. Um novo outdoor saiu no que finalmente li: “Nabucco”! ”

Em doze dias a obra foi montada e em 9 de março de 1942 subiu ao palco com um elenco que incluiu o excelente contrabaixo francês Prosper Dénvis, no papel de Zaccaria, o barítono Giorgio Ronconi, poderoso Nabucco, e finalmente no papel de Abigaille, Giuseppina Strepponi. Nos corredores do La Scala dizia-se que Merelli só tinha decidido montar Nabucco quando Strepponi concordou em cantar o papel de Abigaille.

Il baritono Giorgio Ronconi

Esta ópera exige um grande e afinado coro. O La Scala não oferecia e Verdi bancou de seu bolso vozes adicionais. Coro fortalecido adequadamente, segundo a vontade do mestre e instruída por ele com energia e a inspiração que merecia, o coro mais significativo da ópera, “Va, pensiero” funcionou perfeitamente. Outra página que ateou fogo a primeira apresentação foi a “Sinfonia”, preparada nos últimos dias antes da estreia, de acordo com o que diz em suas memórias “ … foi composta de forma curiosa a Sinfonia: Restavam alguns dias para a primeira apresentação quando Barezzi, caminhando uma noite pelas ruas de Milão comigo e Pasetti, disse de repente: “Você deveria fazer uma sinfonia no seu trabalho.” “É tarde, respondi, já não da mais tempo.” Mas Barezzi insistiu. Ele entrou em um café, e comprou algumas garrafas e alguns doces, então, de volta ao hotel, ele começou a comer, beber e conversar alegremente com Pasetti, enquanto fiquei do lado oposto da mesa, concentrado, escrevendo apressadamente a Sinfonia.

Durante os ensaios, a atmosfera no teatro era muito positiva, conforme relatado pela biografia de Pougin-Folchetto “…, foi, por assim dizer … o caráter da partitura era tão grande e novo, tão desconhecido, estilo tão rápido, tão incomum que o espanto dos cantores, coros, orquestra, foi geral. Ao ouvir essa música, eles mostraram um entusiasmo extraordinário. E tem mais: era impossível trabalhar no teatro, fora do palco, durante os ensaios, desde funcionários, trabalhadores, pintores, fabricantes de lâmpadas, mecânicos, todos estavam como que eletrificados pelo que ouviram, eles deixaram os seus deveres para ver e ouvir o que estava sendo feito no palco. Então, quando uma peça fosse concluída, ouvia-se as expressões no bom dialeto milanês: “Che fotta noeuva!” (Que porra é essa!).

Depois dos primeiros ensaios, todos profetizam que a obra será bem recebida. Conta Verdi que, no terceiro ato, inserira um dueto amoroso que, aliás, considerava pouco oportuno. Em seu parecer, esse dueto esfriava o assunto e tirava do drama muito da sua solenidade bíblica, que formava a base principal.

Temistocle Solera

Transmitiu tal conceito a Solera, pediu-lhe escrevesse outros versos, em vez do supérfluo dueto. Solera não concordou; como Verdi defendia a sua música e Solera a poesia, a controvérsia foi longe e por fim, Solera cedeu. Verdi sugeriu ainda, a substituição por uma profecia de Zacarias, ao que o libretista torceu o nariz. Vendo passar o tempo sem uma decisão, o maestro tomou uma decisão: fechou a porta do quarto de Solera e disse: “Não sairás daqui enquanto os versos não estiverem prontos!” “Mas como assim….!!??” “A Bíblia está ai. Os versos já estão feitos, falta apenas substituir as palavras. Trabalha !” Solera, claro, se aborreceu. Resignado, por fim, a ser vítima do obstinado jovem musicista, escreveu a profecia.

Os vestuários, reformados, foram maravilhosamente apropriados. O velho cenário, retocado pelo pintor Perroni, causou magnífico efeito, especialmente a primeira cena do Templo. Na noite da estreia a eletricidade estava no máximo. Amigos estavam ansiosos e felizes, certos do sucesso. Quando Verdi apareceu na orquestra para seguir a performance, o violoncelista Merighi, um de seus primeiros apoiadores sussurrou para ele: “Maestrino, gostaria de estar no seu lugar”. Era praxe então em voga e hoje abandonada: o autor deveria assistir ao espetáculo, não em camarote ou incógnito na plateia, mas sentado entre dois instrumentistas, ocupado, aparentemente, no simples desempenho de virar as páginas. Recebia assim a pleno peito, as vozes de aprovação ou censura, recebia o juízo do público como um réu presente a julgamento.

Verdi – 1842

Entre o público, Gaetano Donizetti estava torcendo por Verdi desde os ensaios, ele chegou a escrever para alguns amigos de Bergamo para virem ouvir a peça nova. Ele mesmo, para estar presente na estreia, tinha adiado a regência do “Stabat Mater”, que Rossini tinha acabado de compor (a execução do Sabat “à bolonhesa” seria a estreia na Itália, após a estreia mundial em Paris). E precisamente a caminho de Bolonha, Donizetti continuará a se lembrar do “Nabucco”, exclamando para si mesmo “Oh! Nabucodonosor! bello! bello! Bello! O público também deu ao autor uma grande ovação, que o deixou muito lisonjeado. Saindo da performance, Verdi confidenciou a um amigo sua emoção: “Garanto-vos que para os aplausos do primeiro final, quando todos os espectadores das poltronas e do público, ficaram gritando e gritando, eu acreditava que eles quisessem zombar deste pobre compositor, e então eles caíram sobre mim para me agradecer, fiquei assustado.” Já evidente nas primeiras apresentações de março, que foram apenas oito, devido ao calendário do La Scala, o sucesso explodiu e se espalhou nos teatros em repetições, cinquenta e sete, isto é um recorde até mesmo para aqueles tempos.

A platéia vibrou com a história e com a música, fundindo-a como expressão do seu desejo de libertação do domínio austríaco. E esse sucesso marcou o verdadeiro início da carreira de Giuseppe Verdi. Os principais teatros italianos encenaram a obra. Os direitos autorais afluíram. Toda essa época foi extremamente importante para a Itália. A nação libertava-se da dominação estrangeira, sacudindo o jugo espanhol no sul e o poder austríaco no norte. O Risorgimento, liderado, por Garibaldi, Mazzini, Manin, conduziria logo mais a reunificação da livre Itália. Nabucco, por meio da várias analogias, suscitou o sentimento nacionalista italiano. O Coro dos Escravos Hebreus, no terceiro ato da ópera (Va, pensiero, sull’ali dorate) tornou-se uma “música-símbolo” do nacionalismo italiano da época.

Com a vitória vieram os primeiros proventos, Merelli, satisfeito por ter impulsionado, quase com violência, Verdi a trabalhar, fê-lo assumir o compromisso de uma nova ópera para a temporada seguinte. Ganhou um contrato muito bom e com o dinheiro pensou em seus pais, que ainda estavam vivendo na velha estalagem em Busseto. Recordava os grandes sacrifícios que tinham feito por ele, o amor com que o haviam criado, a felicidade que compartilharam com o seu triunfo. Exigiu que abandonassem a velha estalagem, escolhendo uma tranquila moradia em Vidalenzo.

Vá, pensamento, sobre asas douradas / Vá e pousa sobre as encostas e sobre as colinas / onde exalam perfumes mornos e macios / a brisa doce da terra natal! / Do Jordão, suas margens saúdam / De Sião as torres aterradas / Oh minha Pátria, tão bela e perdida / Oh lembrança tão cara e fatal! / Harpa de ouro de fatídicos vaticínios / Porque muda dos salgueiros ti pende? / As memórias do peito reacendem / Nos falam do tempo que foi! / Oh semelhança aos fatos de Solima / Traz um som de rude lamento / Oh te inspire o Senhor um acordo / Que nos infunda a virtude de suportar / Que nos infunda a virtude de suportar / A virtude de suportar.

Enredo
Nabucco
Milão, 9 de março de 1842, La Scala

A história ocorre no ano 586 a.C., no Templo de Salomão, em Jerusalém e na Babilônia. Os hebreus foram derrotados pelo imperador babilônico Nabucodonosor, mas o profeta e líder hebreu Zaccaria capturou a filha de Nabucco, Fenena, que está apaixonada por um jovem oficial hebreu, Ismaele. A outra filha de Nabucco, Abigaille, ajuda o pai a invadir e a profanar o templo sagrado dos judeus em Jerusalém, porém mais tarde se volta contra Nabucco, ao descobrir que é apenas sua filha adotiva, tendo sido originalmente escrava. Quando Nabucco blasfema, é atingido por Jeová e perde a razão, sendo feito prisioneiro por Abigaille, que lhe toma a coroa. Somente quando suplica a Jeová, Nabucco recobra o senso, a tempo de salvar Fenena da execução. Abigaille arrependida, se envenena e antes de morrer implora o perdão de Jeová, o Deus dos judeus. Com seu último suspiro, abençoa a união de Fenena e Ismaele.

Ato I – Jerusalém
Dentro do templo. Os levitas e o povo lamentam o infeliz destino dos judeus, após serem derrotados pelo rei da Babilônia Nabuccodonosor, que agora está às portas da cidade. O sacerdote principal, Zaccaria, incentiva seus seguidores. Os judeus capturaram um refém importante para se manterem seguros, a filha de Nabucco, Fenena, com quem Zaccaria deixou aos cuidados do oficial Ismaele, sobrinho do rei de Jerusalém. No entanto, Ismaele promete a Fenena sua liberdade, pois há algum tempo na Babilônia ele havia sido feito refém e foi ela quem o libertou, pois estava muito apaixonada pelo jovem. Ambos estão organizando sua fuga quando Abigaille, uma suposta filha de Nabucco, chega ao templo liderando uma grande tropa de babilônios. Ela também está apaixonada por Ismaele e ameaça contar ao pai de Fenena sobre seu plano de fuga com um estrangeiro; e no final, Abigaille declara que ficará calada se Ismaele desistir de Fenena. Mas ele se recusa a aceitar a chantagem. Nabucco, à frente de seu exército, irrompe em cena, tendo decidido saquear a cidade. Em vão Zaccaria, brandindo uma adaga sobre a cabeça de Fenena, tenta detê-lo; Ismaele intervém e entrega Fenena sã e salva ao pai.

Ato II – O perverso
Na corte da Babilônia. Abigaille soube de um documento que revela sua verdadeira identidade como escrava: portanto, os babilônios estão errados em acreditar que ela é uma herdeira do trono. Nabucco, engajado em uma batalha, nomeou Fenena como a princesa regente da cidade, o que faz com que o ódio de Abigaille cresça. O sumo sacerdote, aliado de Abigaille, diz a ela que Fenena está libertando todos os escravos hebreus. Abigaille aproveita a oportunidade e pensa em assumir o trono de Nabucco. Zaccaria, entretanto, anuncia com alegria ao povo que Fenena, apaixonada por Ismael, se converteu à fé hebraica. Abdallo, um ex-conselheiro do rei e Fenena, revela as ambições de Abigaille e avisa que ela deve fugir para escapar da ira de sua meia-irmã. Mas não há tempo. Abigaille chega com seus magos, o sumo sacerdote e uma multidão de babilônios. Mas, inesperadamente, Nabucco também chega, coloca sua coroa firmemente em sua cabeça e amaldiçoa o Deus dos judeus. Ele então ameaça matar Zaccaria. Fenena revela sua conversão ao judaísmo, mas ele a força a se ajoelhar diante dele, adorando-o não como um rei, mas como um deus. O Deus dos judeus lança um raio sobre ele e Nabucco, apavorado, cai em agonia, enquanto Abigaille coloca a coroa em sua cabeça.

Ato III – A Profecia
Os jardins flutuantes da corte da Babilônia. Abigaille no trono recebe honras de todas as autoridades do reino. Nabucco tenta em vão recuperar o trono, mas é impedido pelos guardas. No diálogo que se seguiu entre os dois, Abigaille, aproveitando a condição mental instável de Nabucco, faz com que ele coloque seu selo real em um documento que condena os judeus à morte. Num momento de lucidez, Nabucco percebe que também condenou sua amada filha Fenena e implora por sua salvação. Mas Abigail rasga o documento que afirma que ela é uma escrava e se declara filha única e, portanto, herdeira do trono. Ela então ordena que os guardas prendam Nabucco. Às margens do Eufrates, os hebreus invocam sua pátria distante e sua terra, e mais uma vez Zaccaria tenta confortar seu povo com uma profecia que os encoraja na fé.

Ato IV – O Ídolo Quebrado

La prima di Nabucco alla Scala di Milano

De sua prisão, Nabucco vê Fenena sendo arrastada para a morte junto com os outros judeus. Em desespero, ele se volta para o Deus dos hebreus, convertendo sua fé. Quando Abdallo e um grupo de soldados ainda leais ao rei veem como Nabucco recupera suas forças e seus sentidos, eles decidem se revelar liderados pelo velho rei. Nos jardins flutuantes se desenrola uma marcha fúnebre: chegam hebreus condenados à morte. Zaccaria abençoa Fenena, uma mártir. Mas Nabucco interrompe a cerimônia, o ídolo Belo cai no chão estilhaçado e todos os presos são libertados. Mais uma vez, Nabucco está no trono. Abigaille, morrendo com o veneno ingerido conscienciosamente, pede perdão a Fenena e prediz seu casamento com Ismael. Zaccaria profetiza o domínio de Nabucco sobre todos os habitantes da terra.

Cai o pano

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Personagens e Intérpretes

Francesco Ivan Ciampa

Escolhi, dentre muitas ótimas gravações, esta de 2019 para compartilhar com os amigos do blog pois é novinha e os valores musicais são muito altos. A presença marcante de Amartuvshin Enkhbat e o canto forte e disciplinado marcam o seu Nabucco. Embora nem sempre com controle vocal perfeito, Saioa Hernández é uma Abigaille enérgica e em grande escala. Michele Pertusi oferece um Zaccaria de grandeza tonal e nobreza. Ismaele de Ivan Magrì fornece fluência e alguma sensibilidade, enquanto Annalisa Stroppa oferece uma Fenena focada. Os conjuntos são especialmente impressionantes, alcançando níveis satisfatórios de liberação emocional para os cantores e o público. Conheço e adoro outras gravações desta ópera, mas esta versão foi a que escolhi para sair um pouco dos grandes e consagrados intérpretes. O maestro Francesco Ivan Ciampa faz uma leitura confiável da partitura auxiliado por uma orquestra de qualidade louvável e um coro de impressionante beleza.
Uma grande e belíssima gravação !

 

 

Nabucco  – AMARTUVSHIN ENKHBAT
Ismaele – IVAN MAGRÌ
Zaccaria  -MICHELE PERTUSI
Abigaille  -SAIOA HERNÁNDEZ
Fenena  -ANNALISA STROPPA
Il Gran Sacerdote  -GIANLUCA BREDA
Abdallo  – MANUEL PIERATTELLI
Anna – ELISABETTA ZIZZO

FILARMONICA ARTURO TOSCANINI
ORCHESTRA GIOVANILE DELLA VIA EMILIA
CORO DEL TEATRO REGIO DI PARMA
Teatro Regio di Parma dal 29 settembre a 20 ottobre 2019, Festival Verdi 2019

FRANCESCO IVAN CIAMPA

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Peças compostas no ano de 1842
1) Chi I Bei Di M’Adduce Ancora – Esta Romanza, inspirada num texto de Goethe, foi dedicada a condessa Sofia de Medici, esta melodia antecipa o tema “Di quell’amor” da “La Traviata”.

Mariella Devia
Originally recorded in 2006
Parma Opera Ensemble

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Nabucco Painting by Oleg Buryan

Giuseppe Verdi (1813-1901): Il finto Stanislao o Un giorno di regno – Abuladze, Fersini, Marcus Bosch

Giuseppe Verdi (1813-1901): Il finto Stanislao o Un giorno di regno – Abuladze, Fersini, Marcus Bosch

QUATTRO: infinita tristezza
Incentivado pelo sucesso de “Oberto”, o empresário Merelli fez um contrato de mais três óperas, uma a cada oito meses, e pediu a Verdi, como primeira, das três comprometidas no contrato, uma ópera cômica: escolheram “Il finto Stanislao o Un giorno di regno”, libreto de Felice Romani, o poeta melodramático mais estimado e em voga. Porém o compositor adoeceu com angina durante a composição e o casal, mais uma vez, ficou sem grana. Verdi pediu para Pasetti para perguntar a Merelli se poderia rolar um adiantamento do contrato, “50 scudi”. Pasetti (um engenheiro de palco influente no La Scala) esqueceu da tarefa e não faz o pedido de adiantamento ao empresário (daí provavelmente nasceu a antipatia de Verdi por Pasetti). Então como último recurso, Margherita pega os poucos objetos de ouro, que são dela, sai de casa, e consegue arrecadar a mencionada quantia, lhe entregou o dinheiro, com um sorriso de amor e confiança (isso sim é o bem mais valioso que o ouro). Porém a doença, os embaraços financeiros não eram mais que um prelúdio de uma série de desditas que, nos dias que se seguiram, se abateram com muita violência sobre o artista e o homem, que foi um milagre resistir a tanto infortúnio.

Todos as pessoas atravessam na vida um momento em que, como o aço, são submetidos à prova de fogo: ou se temperam ou se fundem, resistem a todas as dores ou se abatem e perecem. O casal em abril de 1840 ficou só. Após a recuperação de Giuseppe, foi a vez de Margherita adoecer ela chorava continuamente a falta das crianças consumindo-se em aflição. Antes de completar dois meses da passagem do pequeno Icílio ela desfaleceu, inclinando a loira e encantadora cabeleira na cama para não mais se levantar. Os médicos da época diagnosticaram a sua doença como encefalite (provavelmente a mesma doença que levara seu pequeno filho) e assim no dia 19 de julho foi se juntar aos filhos depois de dias de agonia.

Verdi ficou só, o coração despedaçado, como um robusto carvalho alvejado por um raio. “Para que trabalhar ?” – dizia aos que o cercavam. As obrigações contraídas impunham-se a conclusão da ópera cômica (!!!), cujo prazo estava a findar. Como prosseguir tendo ele visto falecer um a um todos os membros queridos de sua família? Revolta e amargura dominavam todos os seus sentimentos. E, em desespero, ele escrevia: “Fiquei só, só, só! Em apenas dois meses meus entes mais queridos abandonaram-me para sempre. Minha família está exterminada”. Mas o contrato assinado não incluía cláusulas que desculpassem o atraso da encomenda por motivo de angústia. O prazo de entrega já se esgotara e Verdi teve que concluir às pressas “Un Giorno di Regno”, estreada, após desorganizados ensaios, na noite de 9 de setembro de 1840, sob vaias e apupos.

Felice Romani (1788-1865)

A segunda ópera de Verdi foi escrita em grande velocidade. É provável que Bartolomeo Merelli tenha atribuído a ele o libreto apenas no final de junho de 1840; O antigo melodrama giocoso de Romani (originalmente definido por Adalbert Gyrowetz em 1818 sob o título “Il finto Stanislao”) teve então de ser substancialmente revisado para ser atualizado (embora nenhuma evidência direta tenha sobrevivido, o revisor provavelmente foi Temistocle Solera).

A ópera foi um fiasco completo, retirada do palco depois de apenas uma apresentação. A julgar pelas críticas contemporâneas e pelas lembranças posteriores de Verdi, seu fracasso teve tanto a ver com a performance quanto com a música. “Un giorno di regno” teve alguns “revivals” durante a vida de Verdi e ocasionalmente é hoje encenada em festivais.

O fiasco aumentou o abatimento moral do compositor que, sentindo-se arrasado, não acreditava mais em seu talento e decidiu a abandonar a arte “para sempre”. Pediu mesmo ao empresário Merelli que rasgasse o contrato que havia assinado, pois “não tornaria a escrever uma nota sequer”.

Convencido de que o mal que se abatera sobre Verdi era grave, ferida profunda, Merelli devolveu o contrato, informando que não o obrigaria a escrever, mas também a confiança que depositara em seu talento não estava abalada e esperaria que um dia, dominada a crise, o artista voltaria a trabalhar e lutar para vencer. Verdi agradeceu, mas não deu esperanças de mudar de atitude. Afastando-se de todos, o destroçado Giuseppe entregou-se à tristeza e à ociosidade durante algum tempo. Não escrevia a ninguém, evitava as pessoas e vivia recluso, sofrendo, sem fazer qualquer tentativa para vencer a mágoa e retomar a vida.

Enredo
Un Giorno di regno (Il finto Stanislao)

Melodramma giocoso em dois atos de libreto de Felice Romani (provavelmente revisado por Temistocle Solera) após a peça de Alexandre Vincent Pineu-Duval “Le faux Stanislas”

Estréia: Milão, Teatro alla Scala, 5 de setembro de 1840.

Frontespizio di Un giorno di regno – Luigia Abbadia e Rafaele Ferlotti, i cantanti dell’unica rappresentazione

A ação acontece perto de Brest, no castelo de Kelbar, no início do século XVIII. Belfiore (barítono) é um oficial que se apresenta como Rei Stanislao da Polônia para protegê-lo do perigo. Mas ele está apaixonado por uma jovem viúva, a marquesa del Poggio (meio-soprano), que está prestes a se casar. O interesse romântico secundário vem de um casal de jovens amantes, Edoardo (tenor) e Giulietta (soprano); cenas cômicas são fornecidas por um par de contrabaixos, o barão Kelbar (pai de Giulietta) e La Rocca, o tesoureiro do estado (tio de Edoardo), que deseja se casar com Giulietta. Depois de várias intrigas de farsa, Belfiore usa seu disfarce para realizar o casamento dos jovens amantes e então revela sua verdadeira identidade a tempo de reivindicar a marquesa como sua.

Ato 1
Cena 1: uma galeria na casa do Barão Kelbar
Belfiore, personificando o rei polonês Stanislao, é um convidado na casa do Barão Kelbar e comenta consigo mesmo sobre sua mudança de fortuna: Compagnoni di Parigi … Verrà purtroppo il giorno / “Se ao menos meus antigos camaradas em Paris pudessem me ver agora, o oficial mais dissoluto do regimento tornou-se rei filósofo.” O Barão recentemente arranjou uma aliança política ao prometer sua filha, Giulietta, a La Rocca, o tesoureiro da Bretanha, mas Giulietta prefere o sobrinho de La Rocca, Edoardo. Outro casamento indesejado envolve a sobrinha do Barão, a marquesa del Poggio, uma jovem viúva apaixonada por Belfiore. Ela ficou noiva do conde de Ivrea porque Belfiore não conseguiu se comprometer a casar com ela, apesar do fato de que ele a ama.

Sabendo da chegada iminente da marquesa e preocupado com a possibilidade de ela revelar sua falsa identidade como rei, Belfiore escreve a Stanislao e pede para ser liberado de seu compromisso. Edoardo revela sua situação ao “Rei” e implora para ser levado para a Polônia com ele para esquecer a mulher que ama. Além disso, quando a marquesa chega e, ao ser apresentada a Belfiore como “o rei”, ela finge não o reconhecer. Da mesma forma, ele finge não a reconhecer, mas ela está determinada a testá-lo, proclamando seu amor pelo Conde: Grave a core innamorato …

Cena 2: o jardim do castelo de Kelbar
Giulietta está sozinha com seus acompanhantes e expressa infelicidade por ter que se casar com um homem velho: ‘Non san quant’io nel petto … Non vo’ quel vecchio.” Quando o conde e La Rocca chegam, seguidos sucessivamente por Belfiore e Edoardo e depois a marquesa (que planejava ajudar os amantes), Belfiore atrai o conde e La Rocca a pretexto de discutir negócios de Estado, deixando os jovens amantes sozinhos com a Marchesa.

Cena 3: a galeria do castelo de Kelbar

Mantendo seu papel de rei, Belfiore faz ao tesoureiro uma oferta de promoção que incluiria o casamento com uma viúva rica. Ao aceitar, ele concorda em não se casar com Giulietta. Quando o tesoureiro diz ao Barão que se recusa a se casar com sua filha, o Barão fica afrontado e o desafia para um duelo. Para aumentar a confusão ao redor, a marquesa imediatamente propõe que Giulietta e Edoardo se casem imediatamente. No entanto, o falso Rei volta e propõe que ele decidirá sobre uma solução que irá satisfazer a todos.

Ato 2
Cena 1: a galeria do castelo de Kelbar
Após o pronunciamento do “Rei”, os criados ficam perplexos e cantam um coro despreocupado que leva Edoardo a buscar seu apoio e anunciar sua esperança de ainda poder se casar com Giulietta: Pietoso al lungo pianto … Deh lasciate a un alma amante.”

O tesoureiro Belfiore e Giulietta entram discutindo os motivos da oposição do Barão ao casamento da filha com Eduardo. Giulietta explica que a pobreza do jovem é a principal objeção e por isso Belfiore determina imediatamente que o Tesoureiro deve desistir de um de seus castelos e dar uma soma em dinheiro ao jovem, e então tudo ficará bem. Este último reluta em desobedecer seu soberano, mas busca uma saída para seu duelo com o Barão.

Cena 2: uma varanda com vista para os jardins do castelo
Belfiore e a marquesa se encontram na varanda, o primeiro ainda sem saber quem é. Isso irrita a senhora, que corajosamente afirma ser sua intenção casar-se com o conde de Ivrea. Porém, ela não entende por que Belfiore está demorando tanto para se revelar e ainda espera sua mudança de coração: Si mostri a chi l’adora …” . Quando o Conde Ivrea é anunciado, ela assume uma postura desafiadora (cabaletta): Si, scordar saprò l’infido.” Como Eduardo se comprometeu a se juntar ao “Rei” quando for para a Polônia, Giulietta está determinada a fazer com que o Rei rescinda o compromisso. O conde entra e a marquesa afirma mais uma vez que se casará com o conde. No entanto, Belfiore proíbe imediatamente o casamento por “razões de estado” e anuncia que ele e o conde devem partir para a Polônia para tratar de assuntos de estado.

Todos expressam seus sentimentos, mas as coisas param quando chega uma carta para Belfiore. É do rei Stanislao anunciando sua chegada segura a Varsóvia e liberando Belfiore de sua tarefa de se passar por ele. Em troca, o rei o criou Marechal da França. Antes de largar o disfarce, o “Rei” proclama que Giulietta e Eduardo vão se casar e, tendo recebido o consentimento do Barão, lê a carta do verdadeiro rei e revela sua verdadeira posição. Ele expressa seu amor pela marquesa e tudo termina feliz com a perspectiva de dois casamentos.

Cai o pano

Personagens e intérpretes
Tá bom, o pessoal da época não gostou por diversas razões e a principal foi que o maestro Verdi não se empenhou nos ensaios pois estava com a vida particular abalada. Para este medíocre admirador, esta segunda ópera de Verdi não é ruim, depois de algumas audições fica familiar e percebemos momentos muito bons. Tem uma amostra do vigor que caracteriza toda a obra de Verdi, mas não nos conta muito mais, apesar de estar cheia de lindas melodias de “bel canto” e números padrões do “Código Rossini”. O que ele produziu aqui foi uma obra que poderia facilmente ser confundida com as linhas estruturais de alguma obra menor de Donizetti ou de Bellini. A abertura é muito simpática e soa ótima nesta gravação.

Ítalo-brasiliano Marcus Bosch

Esta performance que tenho a imensa alegria de compartilhar com os amigos do blog é ao vivo do ótimo “Heidenheim Opera Festival” gravado em 2017. É uma bela gravação, gostei bastante do maestro Marcus Bosch que lidera a Cappella Aquileia em uma leitura animada da alegre Abertura, cujo tema principal retorna no final da ópera. Marcus Bosch é uma das figuras mais proeminentes na cena da regência alemã. Este artista alemão de ascendência ítalo-brasileira decidiu desde cedo embarcar na carreira de Kapellmeister como muitos maestros na Alemanha. O elenco é jovem e adequado, com um tenor notavelmente muito bom que é o destaque: Giuseppe Talamo como o “Edoardo” tem uma voz clássica de tenor lírico no bom estilo italiano. Gocha Abuladze canta “Belfiore” com admirável fluência, um adorável tom sombrio e com muito humor. David Fersini é um “Kelbar” encantador. David Steffens é um barítono lírico juvenil que se adapta admiravelmente à música. Ouçam o dueto buffo do primeiro ato para o “Barone” de David Fersini e “La Rocca” de Steffens é uma boa diversão e Bosch move os conjuntos com bastante dinamismo. Valda Wilson faz uma “Giulietta” charmosa, ela tem uma voz lírica rica em tons. Elisabeth Jansson é uma elegante marquesa “del Poggio” seu tom rico contribui de forma muito bonita as suas passagens.

Em suma, uma obra surpreendente e agradável, uma raridade que os amigos dificilmente encontrarão sendo encenada em palcos fora de festivais da Itália. Bom divertimento, vale a pena sim, não é uma obra prima, mas é bem animada: uma competente composição no estilo “bel canto”!!!! Que subam as cortinas e apreciem esta segunda ópera de Verdi !!!!

Cavaliere Belfiore – Gocha Abuladze
Barone Kelbar – Davide Fersini
Giulietta Di Kelbar – Valda Wilson
Marchesa Del Poggio – Elisabeth Jansson
Edoardo Di Sanval – Giuseppe Talamo
La Rocca – David Steffens
Conte Ivrea – Leon De La Guardia
Delmonte – Daniel Dropulja

Cappella Aquileia and Czech Philharmonic Choir
Heidenheim Opera Festival – 2017

Marcus Bosch

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Margherita amore mio, dammi forza !!!!

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Oberto, Conte Di San Bonifacio – Marriner, Ramey, Guleghina

Giuseppe Verdi (1813-1901): Oberto, Conte Di San Bonifacio – Marriner, Ramey, Guleghina

TRE: la prima opera
O retorno do casal Giuseppe e Margherita para Busseto, certamente marcou um período de agitação particular, a cidade e os recursos eram muito aquém das pretensões do compositor. Os dois jovens disseram com firmeza para o papa Barezzi que eles queriam se mudar definitivamente para Milão. Margherita deve ter sido muito firme com os pais. Afinal, a jovem já fazia algum tempo declarou publicamente que seu Giuseppe pretendia seguir uma carreira teatral. Papa Barezzi deve ter engolido a decisão “de atravessado” e com relutância esta decisão, mas afinal o futuro que tanto sonhara para Verdi não poderia ser interrompido quando começou a se tornar realidade. Quanto para Verdi devemos acreditar que em Milão recebeu por sua vez, se não garantias, pelo menos promessas sérias de que seu trabalho iria ao palco do La Scala ainda na próxima temporada. Dignamente Verdi redigiu uma carta de demissão, arrependimento sincero, até um pouco de ironia pelo seu parco salário. Ele não recebeu uma boa resposta dos conterrâneos, quase que eles conseguiram que ele ficasse por “gratidão” aos anos de estudo subsidiados pela Sociedade Filarmônica e por alguns amigos. Eles surgem desses exageros possessivos, depois de anos Verdi mesmo em idade madura, famoso e livre, continuou ouvindo as fofocas de alguns conterrâneos sobre ele no condado de Busseto, foram poucos mais ruidosos, afinal Verdi tinha família e amigos em Busseto e assim permaneceram por muito tempo.

Verdi fazendo pose em 1839

Por fim a pequena família, Giuseppe, Margherita e Icilio, pusram o pé na estrada e partiram para a grande Milão em 6 de fevereiro de 1839. Em Milão, Verdi trabalhou muito para colocar preto no branco seu propósito no importante acordo de elaborar uma nova ópera. Não tendo ainda contrato, o dinheiro ficou escasso. Ele tinha trazido a pontuação completa e partes separadas dos cantores; não sabemos se ele já havia esboçado a partitura orquestral, mas é improvável, porque este trabalho foi feito quando os ensaios começaram. Além disso, o trabalho precisava de retoques: antes de tudo o libreto teve que ser refeito, e, portanto, também certas cenas. Aparentemente as mudanças tinham sido sugeridas pelo grande cérebro de toda a operação, o empresário

L’impresario Bartolomeo Merelli (1794-1879)

Merelli. A questão mais importante foi o libreto, a revisão e transformação foi confiada para um poeta, músico e romancista Temistocles Solera (o primeiro libretista de Verdi). Começando as alterações pelo nome da ópera que agora se chamaria  “Oberto [conte] di S.Bonifacio” ainda foi ajustado e ampliado por Solera sobre um libreto intitulado “Lord Hamilton” de Antonio Piazza. Mas, além das qualidades de escrita e do conhecimento do ofício melodramático, Solera era um personagem do teatro e um ótimo contador de histórias reconhecido até hoje, tinha ótimo prestígio e trabalhava como uma espécie de “libretista residente” do La Scala.

Libreto revisado, “Oberto, Conde de San Bonifacio” entrou na fase definitiva depois do dia 20 de abril com o começo dos ensaios. Na companhia de canto havia grandes nomes que vão voltar fatalmente na biografia de Verdi: o barítono Giorgio Ronconi, o tenor Napoleone Moriani e a soprano Giuseppina Strepponi. Moriani, era o astro da época “il tenore della bella morte” (no palco), uma estrela para o público feminino, parece que ele era o amante da soprano e pai de seus dois filhos. Moriani adoeceu durante os ensaios, e uma recomendação de Strepponi ao empresário Merelli para que o trabalho fosse adiado. No entanto Verdi dependia dos rendimentos da bilheteria, novamente passou por um período difícil. Em setembro, foi obrigado a encontrar moradia em apartamentos populares na Via San Simone (hoje Cesare Currents) para não ter que pagar mais o aluguel , escreve ao sogro pedindo ajuda financeira para poderem viver até que o teatro lhe pagasse pela ópera.

Frontespizio del libretto

Finalmente a primeira ópera de Verdi fez sua estreia no La Scala dia 17 de novembro de 1839 com outros cantores. Parentes e amigos vieram de Busseto: o sogro Barezzi e filho Giovanni, além de Finola, com um grupo de músicos da filarmônica. Porém sua amada esposa não teve forças para ir ao concerto, por outro infortúnio cruel que atingira o casal no mês anterior. O pequeno Icilio estava morto. Verdi e seu cunhado Giovanni correram até ela durante o intervalo para relatar o resultado, que foi “muito bom”, embora não “excelente”, por fim a ópera foi bem aceita e repetida treze vezes. Ricordi comprou os direitos da partitura por 2.000 liras austríacas, Merelli ofereceu ao novato um contrato para mais três obras a serem produzidas, uma a cada oito meses, por um contrato de 4.000 liras austríacas cada uma, e mais a ser obtido com a venda de partituras.

Giovanni Ricordi (1785-1853)

Embora Verdi tivesse 26 anos quando “Oberto” foi ao palco pela primeira vez, a ópera é, de certa forma, um trabalho de aprendiz. Algumas das peças líricas têm uma soltura formal reminiscente de Bellini e claramente, com Rossini, a principal influência estilística. Os jovens compositores mergulhavam no que ficou conhecido como o “Código de Rossini” – Rossini dominou o repertório da década de 1820 ele elaborou uma matriz de padrões formais que iria influenciar as várias décadas seguintes na Itália. Essa fórmula, ou código, evitava aventuras frustrantes e agradava bastante às plateias. A ária solista, principal elemento, era composta tipicamente por um recitativo introdutório seguido por três movimentos: (1) um movimento lírico, em geral de andamento lento e com frequência chamado de “cantabile”; (2) uma passagem movimentada de ligação, estimulada por algum acontecimento em cena e chamada de “tempo di mezzo”; e (3) uma “cabaletta” de conclusão, geralmente mais rápida do que o primeiro movimento e exigindo agilidade por parte do cantor. O foco era a canção, as áreas, e não a orquestração complexa – por outro lado, o jovem Verdi mostra que há fortes indícios do seu futuro: uma poderosa escrita em uníssono para o refrão, em algumas peças de conjunto dramaticamente marcantes e, talvez acima de tudo, na impetuosa vitalidade rítmica de muitos episódios. O movimento Adagio do quarteto do Ato 2, ‘La vergogna’, provavelmente a última peça a ser escrita antes da estreia, é em muitos aspectos o mais impressionante. Embora, como em outras partes da ópera, o cromático ousado da abertura seja bastante instável, o controle em grande escala do ritmo musical oferece um testemunho convincente do que seria o ponto forte do jovem Verdi. No entanto, apesar de tais sucessos na época, é improvável que “Oberto” se torne algo mais do que uma curiosidade ocasional no repertório operístico, é bem pouco representado hoje nas grandes casas de ópera.

A ação da primeira ópera de Verdi se passa em 1228 no norte da Itália em Bassano. Já no primeiro trabalho Verdi empatou com Oberto um personagem típico de seu mundo operístico, isto é a figura do pai, que terá seu ápice em “Rigoletto”. Aqui também, como em “Rigoletto”, Oberto é o pai que tem como função defender a reputação familiar, um defensor a todo custo. A tragédia é baseado somente neste elemento; o outro, que seria previsível, ou seja, a rivalidade entre duas mulheres por culpa do mesmo homem, não ocorre, uma vez que Cuniza e Leonora vão se tornar freiras. E se isso é nobre do ponto de vista humana, não “orna” em peças teatrais da primeira metade do século XIX, onde principalmente as paixões são desencadeadas em dramalhões. Por outro lado, todo o trabalho é formado em linhas diretas e claras, brevidade e síntese com base na prevalência da melodia e ritmo. Até a orquestração, bastante simplificada é funcional. Verdi oferece muita música boa para acompanhar um libreto que contém romance, infidelidade e vingança violenta, todos ingredientes atraentes no mundo da ópera. “Oberto” teve uma gestação longa e frustrante, mas como vimos os acontecimentos na vida pessoal do compositor pouco antes de sua encenação foram mais do que provadores: os dois filhos de Verdi morreram, o primeiro em agosto de 1838, o segundo apenas um mês antes da estreia de 17 de novembro de 1839. A resposta geralmente positiva à ópera tanto da crítica quanto do público, entretanto, ofereceu pelo menos algum consolo ao desolado Verdi.

O Enredo
Oberto, conte di San Bonifacio.
Dramma em dois atos de giuseppe Verdi a um libreto de antonio Piazza e temistocle Solera;

Estréia: Milão, Teatro alla Scala, 17 de novembro de 1839.

Norte da Itália, século XIII.

1º ato,
Cena 1
Linda paisagem perto do castelo de Bassano: cavaleiros, damas da corte e vassalos vêm cumprimentar Riccardo. De seu casamento iminente com a princesa Cuniza, a irmã Ezzelinos, esperava-se a paz (Coro d’introduzione, “Di vermiglia, amabil luce”). Para Riccardo, a conexão com Cuniza também significa maior poder, que ele gostaria de usar para derrubar seus inimigos (Cavatina, “Son fra voi! -Gia sorto e il giorno”). Leonora, que foi abandonada por Riccardo apesar de uma promessa de casamento, se aproxima de Bassano para se vingar dele (Cavatina, “Sotto il paterno tetto”). Seu pai Oberto, que acusa Leonora de profanar sua honra, também voltou pelo mesmo motivo (Scena e duetto, “Guardami! -Sul mio ciglio”).
Cena 2
Esplêndido salão no palácio Ezzelinos em Bassano: cortesãos cumprimentam a noiva Cuniza (Coro, “Fidanzata avventurosa”), que Riccardo revela que um estranho medo se mistura com sua alegria. Ele consegue dissipar suas preocupações (Scena e duetto, “Il pensier d’un amore felice”). Enquanto isso, Leonora e Oberto chegaram secretamente ao castelo. Leonora revela a Cuniza que Riccardo jurou seu amor eterno. Cuniza, que agora também quer se vingar de Riccardo, implora a Oberto que controle sua raiva para não se colocar em perigo (Scena e terzetto, “Su quella, fronte impressa”). Quando confrontado no tribunal, Riccardo afirma que Leonora o traiu. Oberto então o desafia para um duelo (Finale primo, “A me gli amici! Mira!”).

2º ato,
Cena 1
Quarto de Cuniza: damas da corte lamentam a infeliz Cuniza. Ela determina que o perjurado Riccardo volte para Léonora (Coro, scena ed ária, “Oh, chi torna I’ardente pensiero”).
Cena 2
Um lugar remoto perto dos jardins do palácio: cavaleiros cantam (Coro di cavalieri, “Dov’e l’astro ehe nel cielo”). Oberto espera Riccardo para um duelo (Scena ed aria, “L’orror del tradi-mento”), mas Riccardo se recusa a lutar com o velho e só desembainha sua espada após as provocações excessivas de Oberto. Cuniza ainda impede o duelo e exige que Riccardo se case com Leonora. Este se submete, mas ao mesmo tempo organiza secretamente outro duelo com Oberto para defender sua honra (Scena e quartetto, “La vergogna ed il di-spetto”). Os cavaleiros duvidam que a briga entre Oberto e Riccardo tenha acabado, e de fato eles ouvem de repente o choque de espadas na floresta (Secondo coro di cavalieri, “Li vedeste. Ah si! La mano”). Riccardo aparece com a espada ensanguentada na mão e, enquanto o gemido de Oberto mortalmente ferido pode ser ouvido ao fundo, implora perdão a Deus (Romanza, “Ciel ehe feci! … Di quel sangue …”). Enquanto isso, Cuniza procura em vão por Riccardo e Oberto quando a sociedade da corte traz a ela a notícia do resultado fatal do duelo. Um pouco mais tarde, a horrorizada Leonora, que se culpa pela morte de seu pai, é trazida (Scena ed adagio, “Vieni, o misera, cresciuta”). Embora Riccardo peça perdão a ela em uma carta e dê-lhe seus bens, ela quer passar o resto de sua vida no mosteiro (Scena e rondo finale, “Cela il foglio insanguinato”).

Cai o pano

Personagens e intérpretes.
Esta é uma gravação muito boa e animada que merece destaque. Samuel Ramey está no auge sua voz tem uma sonoridade que este mero admirador acha soberba, como de fato todos os outros protagonistas, e a condução de Marriner é rápida e firmemente controlada. Se você ainda não conhece essa ópera, recomendo fortemente esta gravação como uma excelente introdução. Comprei esta gravação para completar minha

Neville Marriner

coleção “Verdi” no início do século. Esta gravação deixará os amigos fascinados por esta primeira ópera de Verdi. Às vezes temos a sensação de que estamos ouvindo Donizetti ou Rossini ou seja o jovem Verdi estava se entrosando ainda com o “código Rossini”. Na primeira parte há um grande dueto entre Samuel Ramey e Maria Guleghina. A música e o canto lembram muito o “Nabucco”. A música em Oberto é maravilhosa, ária segue ária bem dinâmicas. Existem duetos maravilhosos. É uma música muito colorida e melodiosa. A abertura e o final da ópera merecem menção especial. A ópera termina com uma linda ária de soprano de Maria Guleghina e, em seguida, um maravilhoso dueto entre tenor e soprano. Adoro a Maria Guleghina que interpreta um Verdi magnífico, claro e luminoso. É um prazer ouvir sua bela voz. Violetta Urmana é igualmente excelente e tem um mezzo quente adorável. Neill também está fantástico. No conjunto são cantores ótimos com lindas vozes e dão a seus papéis o adequado perfil que impressiona muito bem quem nunca ouviu esta obra, um elenco de alta qualidade que merece ser ouvido.

Tenho certeza de que os amigos do blog e de Verdi irão apreciar. Sobem as cortinas desfrutem desta primeira ópera do mestre Verdi !

Oberto – Samuel Ramey
Leonora – Maria Guleghina
Cuniza – Violeta Urmana
Riccardo – Stuart Neill
Imelda – Sara Fulgoni

Academy of St Martin in the Fields, London Voices
Sir Neville Marriner

Recording Venue: St. John’s Smith Square, London in 15-08-1996

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Peças compostas no período de 1839:

1) La seduzione: Mariella Devia
2) L’esule : Michele Pertusi

Parma Opera Ensemble
Chamber
Originally recorded in 2006

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Debutto di Verdi a Milano

Ammiratore

Giuseppe Verdi (1813-1901): Obras da Juventude 02 (1837-1839)

Giuseppe Verdi (1813-1901): Obras da Juventude 02 (1837-1839)
Primo ritratto di Verdi

DUE: Amico e suocero Barezzi
Em pouco tempo Busseto não oferecia condições para o desenvolvimento de um talentoso músico jovem e brilhante como Giuseppe Verdi. Seu grande protetor dom Barezzi fixou-lhe um subsídio anual dando condições financeiras, pelo período de três anos, para se aperfeiçoar em Milão. Estava em curso o ano de 1832. Acostumado à vida serena de uma região rural, Verdi assombrou-se com o movimento e a agitação da grande cidade. Mas seu encantamento por Milão durou pouco. Ao tentar obter matrícula no Conservatório, recebeu uma recusa terminante. Os estatutos determinavam que os alunos deviam ter menos de catorze anos e ele já completara dezoito, não era um virtuose instrumental nem demonstrava excepcionalidade como compositor. Não havia, portanto, razões que justificassem a abertura de uma exceção. A derrota o deixou mal por pelo menos um mês, ele era jovem e fora “rejeitado” ficou muito triste, e ao longo de sua vida não esqueceu nunca o que ele considerou uma afronta.

Verdi tomando “paw” da bancada do Conservatório

Já que o Conservatório se mostrava inacessível, Verdi arranjou um professor particular por intermédio do professor Saletti, membro da banca que o reprovara. O mestre Vincenzo Lavigna professor de cravo e músico da orquestra do Teatro Scala, com ele o rapaz aprofundou-se em harmonia e contraponto, analisando as obras de seus autores prediletos — Bach, Haydn, Mozart e Beethoven além dos trabalhos de Palestina e Benedetto Marcello. Contudo, o ensino de Lavigna foi particularmente valioso a Verdi pelo fato de iniciá-lo no gênero operístico. O velho músico era um profundo conhecedor da ópera e seu discípulo aprendeu com ele tanto quanto era possível aprender. Lavigna facilitou o acesso as partituras de operas para que as estudasse, orientou o aluno que devesse ir a todos concertos do Scala. O professor lhe deu muitos conselhos ao passar dos anos e revisando várias partituras de ópera com ele e especialmente Don Giovanni de Mozart. Os três anos subvencionados pelo povo de Busseto passaram depressa. E a notícia da morte do seu amigo Fernando Provesi fez com que o rapaz não aguardasse o término da sua temporada de estudos em Milão.

Antes de expirar, Provesi manifestara a vontade de que Verdi voltasse a ocupar os cargos de Mestre de Capela, organista da Catedral e Regente da Banda. Para cumprir o último desejo do companheiro falecido e por sentir uma saudade insuportável da linda Margarida Barezzi, Giuseppe voltou à cidade de Busseto. Tornar-se sucessor de Provesi não foi tão simples quanto Verdi imaginara. A vida musical da comunidade era perturbada por um acirrado conflito político. O partido clerical favorecia um músico chamado Ferrari, defendendo ferrenhamente o seu direito aos cargos. O partido anticlerical e os músicos cerraram fileiras para nomear Verdi, mas foi inútil. Graças à influência de dois bispos, Ferrari saiu vitorioso. O fato gerou um conflito ainda maior, pois toda a população da cidade se envolveu na questão, dividida em dois partidos: verdianistas e ferrarianistas. Os primeiros, admiradores de Verdi e defensores da justiça, eram liderados por Barezzi, que, valendo-se do seu prestígio, desencadeou uma série de represálias. A primeira delas foi suspender o subsídio de Ferrari, transferindo-o para Verdi. Os ferrarianistas, constituídos pelo grupo clerical, responderam com um aumento de salário para o seu protegido. Mas a disputa não ficou aí. Os verdianistas em peso passaram a frequentar a igreja dos frades franciscanos. Estes acolheram Verdi como organista, dando-lhe a oportunidade de confirmar sua superioridade a Ferrari e seus partidários, que se desesperavam quando o jovem maestro se deslocava com a Banda de Busseto para os povoados vizinhos, sendo recebido em todos eles com verdadeiros delírios populares. Durante toda essa batalha político-musical, Margarida Barezzi esteve ao lado de Verdi, auxiliando-o na estratégia e revelando-se a sua mais fervorosa admiradora.

La bella Margherita Barezzi

A ideia de casar-se com ela havia muito tempo agitado o espírito de Giuseppe, que, aos poucos, adquiriu coragem e um dia apresentou-se em casa da moça, nervosíssimo e quase sem poder falar, para fazer o pedido formal a seu pai. O velho Barezzi, que sabia perfeitamente da afeição mútua entre Giuseppe e Margarida, divertiu-se com o empertigamento do seu amigo e abraçou-o jovialmente. Não poderia imaginar melhor marido para sua filha. O casamento realizou-se em maio de 1836. Toda a cidade participou da alegria de Verdi e Margarida, em cuja homenagem se promoveram diversos concertos.

A existência de Verdi na província é melhor vista como um atraso irritante em sua carreira profissional, e há evidências de que ele estava buscando ativamente planos mais ambiciosos. Em meados do ano de 1836, ele confidenciou a Massini em carta a sua própria angústia: “Saiba então que eu cansei de ficar em Busseto, porque você sabe que em uma pequena cidade não há recursos para quem quer fazer profissão de músico, não há esperança de avanço longe da cidade, então veja que estou passando minha juventude em vão”.

Em março de 1837 os dois recém-casados tiveram a alegria de uma filhinha, Virginia Maria Luigia. Até para o trabalho do maestro parecia chegar, em setembro, uma boa oportunidade, a única capaz de quebrar a situação estagnada da província. O Teatro Ducale di Parma, declarou sua intenção de representar uma obra, libreto de Piazza, intitulado de “Rochester”, que Giuseppe já tinha quase terminado em setembro do ano anterior. O jovem o compositor tinha vários amigos em Parma, admiradores e apoiadores, entre a aristocracia da corte, na orquestra e na comissão de teatro. O gerente da temporada Luigi Granci de Lucca, recebeu Verdi ouviu algumas passagens da obra. Porém não deve ter prestado muita atenção ao jovem e sua obra, acabou recusando. Em uma carta ao amigo Massini, desiludido e com raiva, desabafa: “…. O empresário, a quem me apresentei cordialmente e sem muitos preâmbulos, respondeu que não lhe convinha expor-se a uma ópera de resultado incerto…. Cheguei em casa com raiva e muito sentido sem ter nenhuma esperança com Parma. Conte-me; não seria possível para você falar com o Sr. Bartolomeo Merelli ( Gerente e empresário do La Scala ) para ver se poderíamos apresentar a ópera em algum teatro em Milão ? Você me faria um favor muito bom. Eu seria eternamente grato.”

Frontespizio delle Sei Romanze

Neste mesmo período sairiam as primeiras publicações de obras de Verdi: seis romances. São composições modestas e bem que marcam o fim de um período de aprendizagem, exercícios e tentativas. Em suas memórias o maestro lembra desta época da seguinte forma: “…. eu escrevi muitas peças soltas: marchas, algumas pequenas sinfonias que foram usados nos trabalhos da Igreja e Teatros…. Lembro-me de um “Stabat Mater”, três ou quatro “Tantum ergo” e outras peças sagradas que não me lembro. A maioria se perdeu.” Na verdade, como alguns estudiosos apontam não sobrou muita coisa, é possível que Verdi as tenha destruído. O editor Ricordi, inclinado a publicar trabalhos de autores de várias notoriedades, incluindo iniciantes, publicou os seis Romances de Verdi, e imediatamente se provaram ser muito bem aceitos.

Temos insistido um pouco em focar o início da vida de Verdi e espero que o leitor-ovinte não se desinteresse, são os primeiros compassos de uma existência. São muito importantes para entender a natureza de um artista, as forças que agitam, enfraquecem ou fortalecem.

Teatro alla Scala di Milano – 1830

Verdi foi para Milão entre final de abril e início de maio de 1838 para entregar alguns manuscritos de sua música para Ricordi. No mesmo ano, em 11 de julho, uma segunda criança nasceu, um menino desta vez, Icilio Romano Carlo Antonio. O feliz acontecimento foi entristecido pela morte da pequena Viginia, um mês depois do nascimento de Icilio, ela tinha apenas um ano e seis meses. O golpe para o casal, especialmente para Margherita, deve ter sido grande (a mortalidade infantil na época era bem alta), ela estava bastante abatida e cansada também por causa do recente parto. Os cônjuges então, aproveitando as férias de setembro na escola, foram para Milão lá o maestro entra em contato com os membros do la Scala e foi recebido de forma cordial recebendo um “talvez” para as suas obras serem representadas no mais importante teatro de Milão.

Verdi – Obras da Juventude 02 (1837-1839)

1837: Credo For Tenor, Bass, Male Chorus And Orchestra [Doubtful]
Fausto Tenzi
Antonio Abete
Rino Vernizzi
Alberto Negroni
Orchestra e Coro “Giuseppe Verdi” di Busseto
Fausto Pedretti (2001)

1837: Orchestration Of Giacomo Mori Canto Di Virginia Variations For Oboe
Orchestra sinfonica di Milano Giuseppe Verdi
Ricardo Chailly (2003)

1837: Variazioni On A Theme Of Morlacchi’s Tebaldo E Isolina For Piano And Orchestra [Reconstructed Fortunato Ort]
Orchestra sinfonica di Milano Giuseppe Verdi
Ricardo Chailly (2003)

1838: 6 Romanze Canzoni [Jacopo Andrea Vittorelli]
Michele Pertusi – bass
Mariella Devia – soprano
Sergei Larin – tenor
Parma Opera Ensemble (2006)

1838: Adagio For Trumpet And Orchestra
Orchestra sinfonica di Milano Giuseppe Verdi
Ricardo Chailly (2003)

1838: Capriccio For Bassoon And Orchestra [Doubtful]
Orchestra sinfonica di Milano Giuseppe Verdi
Ricardo Chailly (2003)

1838: Notturno (Guarda Che Bianca Luna) For Soprano, Tenor, Bass, Flute And Piano [Vittorelli]
Michele Pertusi – bass
Mariella Devia – soprano
Sergei Larin – tenor
Parma Opera Ensemble (2006)

1838: Sinfonia For Orchestra In C Major
Orchestra sinfonica di Milano Giuseppe Verdi
Ricardo Chailly (2003)

1839: La Seduzione For Voice And Piano [Balestra]
Michele Pertusi – bass
Mariella Devia – soprano
Sergei Larin – tenor
Parma Opera Ensemble (2006)

1839: L’Esule For Tenor And Piano [Temistocle Solera]
Michele Pertusi – bass
Mariella Devia – soprano
Sergei Larin – tenor
Parma Opera Ensemble (2006)

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Verdi – Obras da Juventude 02 (1837-1839)

Ammiratore