BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Mi menor, Op. 90 [Beethoven – Piano Sonatas Opp. 90, 106 & 111 – Sokolov]

Depois de parir petardos como a “Waldstein” (Op. 53) e a “Appassionata” (Op. 57) e romper todas as costuras da sonata para piano, Beethoven voltou-se bissextamente para seu meio favorito de expressão. Em franco contraste com as onze notáveis sonatas que lhe brotaram da pena nos cinco anos que antecederam a Op. 57, houve um hiato de cinco anos entre a “Appassionata” e a sonata seguinte, Op. 78. E, se é verdade que as três sonatas seguintes (Opp. 78, 79 e 81a) vieram ao mundo ao longo de meros dois anos, também não se nega que elas sejam, em duração e escopo, muito mais sucintas que suas antecessoras.

Pois entre o adeus ao arquiamigo Rudolph (Op. 81a) e a sonata seguinte, que lhes trago hoje, passaram-se quatro anos. Em seu retorno ao gênero, Beethoven manteve a concisão que dedicara às obras anteriores. No entanto, a Op. 90 parece-me melhor definida pela palavra concentração, tamanha a riqueza de ideias expressas pelo compositor em tão poucos minutinhos. Ainda que frequentemente incluída entre as últimas sonatas de Beethoven, não há na Op. 90 os gestos visionários das sonatas seguintes. Composta em 1814, mesmo ano em que a revisão de “Fidelio” foi concluída, ela me parece mais um retorno do compositor a um gênero que lhe era muito confortável do que uma busca de renovar um meio – ou, talvez, um grande ensaio-geral para desenferrujar e criar fôlego para as cinco últimas e transcendentais sonatas que comporia entre 1816 e 1821.

São apenas dois movimentos, todos com indicações de andamento e expressão em alemão, como seria quase sempre o caso nas sonatas seguintes. Especula-se que a preferência pelo alemão fosse um reflexo do espírito nacionalista que ressurgia nos povos de língua alemã naquela Europa sacudida por Napoleão – ou talvez nada disso, e apenas a vontade de se exprimir em sua língua materna. Apesar de descrita como uma obra em Mi menor e de fato começar nessa tonalidade, a Op. 90 seria melhor descrita como uma sonata em Mi, uma vez que o primeiro movimento desenvolve-se predominantemente em menor, e o segundo, em maior.

O primeiro, “com vivacidade, e sentimento e expressão do começo ao fim”, baseia-se praticamente num só tema e, em que pesem alguns momentos de tensão, deixa uma impressão de fluidez e constrita simplicidade. Alguns biógrafos atribuem a tensão supracitada a um conteúdo programático, que teria sido descrita pelo compositor como “a tensão entre a cabeça e o coração”, numa referência aos entreveros vividos pelo dedicatário, o conde Lichnowsky, em função duma paquera sua, mas o mais provável é que essa anedota seja mais uma atochada do factotum Schindler. Já o segundo, “não muito rápido, e para ser tocado de maneira muito cantável” é um cálido rondó com um tema que parece schubertiano, e que se resolve numa coda muito efetiva que não detrata a serenidade do movimento.

Ao nos encaminharmos para a reta final dessa travessia da integral beethoveniana, encontraremos obras tão transcendentais, tão ricamente abertas a seus intérpretes, que não teria como lhes alcançar uma interpretação favorita sem o pesar de preterir tantas e tão notáveis outras. Assim, preferi abordá-las individualmente em minhas postagens e, pelo mesmo motivo, alcançarei aos leitores-ouvintes, na medida do possível, uma série completa das últimas sonatas para cada postagem sobre elas.

Para o Op. 90, começo como talvez devesse terminar: por Grigory Sokolov. Nada afeito aos estúdios, e certamente ainda menos simpático a gravação de integrais tão só pela necessidade de gravá-las, o genial petersburguense frequentemente inclui as últimas sonatas em seus longos e variados recitais. Trago-lhes, pois, além da Op. 90 – aqui abordada com moderação nos andamentos ainda maior que a prescrita por Beethoven, uma tradicional opção de Sokolov em prol da clareza e da atenção aos detalhes -, uma “Hammerklavier” extraordinária gravada na década de 70 (gravação diferente da que já foi publicada aqui) e uma Op. 111 à qual, talvez mais do que qualquer outra versão, só se possa seguir o silêncio.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

3 – Allegro
4 – Scherzo: Assai vivace
5 – Adagio sostenuto
6 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

7 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Grigory Sokolov, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

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  1. Sokolov! Sei que este não é o foco da postagem, e sem querer preterir a excelente op. 90, mas o que dizer a respeito desse registro absolutamente sublime das sonatas n. 29 e n. 32? Bom, talvez o melhor seja não dizer nada, apenas, no caso, agradecer o compartir. Obrigado, Vassily.

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