Stefan Niculescu (1927-2008): Dois álbuns (Conta / Georgescu / Brâncusi)

Stefan Niculescu (1927-2008): Dois álbuns (Conta / Georgescu / Brâncusi)

Há pouco mais de quatro anos morreu Stefan Niculescu, compositor romeno pouco conhecido, pouco gravado, sobretudo fora da Romênia, a quem tento, dentro das minhas parcas possibilidade, divulgar um pouquinho mais. Não sei bem por quê, mas a Radio România Muzical e um blog estavam por estes dias homenageando o compositor. Fizeram uma semana de programação na rádio, postaram algumas coisas no Youtube, publicaram uma entrevista inédita (em romeno, tristemente). Por que depois de quatro anos, não sei muito bem. Fico a imaginar aqui que talvez a ficha tenha caída e tenham resolvido prestar as devidas homenagens (que não aconteceram, pelo que pude notar, logo após sua morte), mas a gente sempre duvida do milagre. De qualquer forma, aproveitando que, com as “festividades”, andei escutando Niculescu demais (e sempre me surpreendendo, pois mesmo uma nova gravação de uma peça conhecida sempre carrega, pela forma como é escrita e pela liberdade de inflexão que permite ao intérprete, um sabor de coisa nova), resolvi postar aqui material de dois vinis que tentei com o maior carinho transferir para mp3 (embora o resultado sempre deixe a desejar). Espero que estejam a contento. Converti só um lado de cada LP, pois o outro de cada foi lançado em cd pela Olympia. Já postei esses cds (com as sinfonias 2 e 3), mas só para ficar o álbum completo, posto novamente aqui.

São — as peças aqui apresentadas — músicas pelas quais tenho um carinho sem fim. Niculescu sabe como nenhum outro compositor trafegar no escuro e no claro. Com doçura e violência. E a doçura é de uma intensidade tão impressionante quanto a violência. Acho que já disse isso aqui, mas me repito porque o argumento é importante para mim. Ao contrário de tantos compositores que escuto por aí, vários inclusive muito bons, alguns dos quais ainda pretendo postar aqui, a doçura, a comunicabilidade de uma peça como a Sincronia II não se apresenta em nenhum momento como um passo para trás. Ao contrário, é desbragada e ousada, uma coisa de quem não tem medo nem de abandonar os clichês da vanguarda (aproveitando-se de sua bagagem) nem resolve retroceder para o lugar protegido de um teórico público resistente a novidades.

Não comento as sinfonias 2 e 3, sobre as quais já falei anteriormente. As outras peças caminham mais claramente para a escuridão, conforme retrocedem no tempo (a Sincronia é de 1980; Unisonos II, de 1972; Tastenspiel, de 1968; e Heteromorfia, de 1967). As obras me interessam menos conforme retrocedem, o que não deixa de ser uma deliciosa prova de avanço e amadurecimento. Ainda assim, é bem verdade, tanto Unisonos II quanto Heteromorfia são peças fabulosas, cheias de sabor. Unisonos II parece brincar com a violência e a aspereza, guarda assim um fundinho delicioso do não levar a sério o clima que constrói, jogando com a ambiguidade (neste sentido, me lembra aquelas peças melancólicas do Villa, nas quais o que mais sobressai é o prazer, um prazer de melancolia que nos faz desconfiar de ser realmente melancolia, ainda que se derrame candente). Heteromorfia é, em vários aspectos, um estudo de heterofonia, técnica que foi cara a Niculescu, com incursões numa aleatoriedade controlada (num esquema um pouco diferente do de Lutoslawski, já que, de fato, as peças mudam muito conforme a interpretação); é uma peça de materialização, de moldar o som. Ainda mais violenta que Unisonos II, não há aqui qualquer nesga de ambiguidade, só um afundar-se no mundo denso da música.

Boa diversão!

Stefan Niculescu (1927-2008): Dois álbuns

ST-ECE 02036
01 Sinfonia nº2 “Opus Dacicum” (1979-80), para orquestra
02 Eteromorfie (Heteromorfia) (1967), para orquestra
03 Tastenspiel (O jogo das teclas) (1968), para piano

Alexandrina Zarleanu, piano (faixa 3)
Orquestra Filarmônica “Banatul”de Timisoara (faixa 1)
Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional Romena (faixa 2)
Remus Georgescu (faixa 1)
Iosif Conta, regente (faixa 2)

ST-CS 0197
01 Sinfonia nº3 “Cantos” (1984), para sax e orquestra
02 Sincronia II “Homenagem a Enesco e Bartók” (1980), para orquestra
03 Unisonos II (1972), para orquestra

Daniel Kientzy, saxofones (faixa 1)
Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional Romena
Iosif Conta, regente (faixa 1)
Cristian Brâncusi, regente (faixas 2 e 3)

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Stefan Niculesco (1927-2008)

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Romanian Contemporary Music (Țăranu, Bentoiu, Niculescu) [Olympia]

Romanian Contemporary Music (Țăranu, Bentoiu, Niculescu) [Olympia]

A 2ª Sinfonia do Niculescu, nome do qual já falei um pouco em post anterior, constrói-se numa dicotomia fluência-ruptura. Numa primeira parte, a fluência nunca domina, o tom escuro e violento sobressai (ainda que com uma certa dose de sensualidade). Na segunda, por mais que o compositor pareça criar empecilhos, a fluência é irresistível, numa doçura crescente, aos poucos se definindo. Mais do que em sua terceira sinfonia, que é uma obra de certa maneira mais suja, mais plural, Niculescu parece aqui buscar a mais absoluta purificação expressiva nessa tentativa de depurar a peça de tudo que fuja a dicotomia.

A 5ª Sinfonia de Pascal Bentoiu, compositor nascido em 1927 (mesmo ano em que nasceu Niculescu) e ainda vivo, é uma síntese de vanguarda e tradição. O compositor, ao contrários dos outros grandes nomes de sua geração, sempre foi reticente com arroubos de vanguardismo e só aos poucos foi caminhando em direção a uma música abertamente experimental, já na década de 70, com peças como esta quinta sinfonia. Contudo, o experimentalismo neste caso é totalmente conciliado com uma melodia delicada que vai se ramificando e se transformando com um objetivo sempre expressivo, sempre humanista, nunca simplesmente técnico.

Ao contrário das duas outras peças, a 2ª Sinfonia de Cornel Țăranu é obra de um experimentalismo um pouco mais áspero. Mas ainda assim não perde de vista a questão da expressão. Transcrevo os comentários de um outro grande compositor romeno, Mihai Moldovan, sobre a peça:

A 2ª Sinfonia (“Aulódica”) fecha e abre ao mesmo tempo um novo ciclo estilístico, no qual – ao eliminar tudo que é supérfluo – a música atinge os picos da expressão. Reescutando a “doina” em sua forma primária, não alterada pelo tempo e pelo espaço, reescutando-a do interior, purificando-a até atingir a complexidade por uma economia notável de meios, o compositor realiza uma sinfonia de uma impressionante expressividade, página de referência da música romena contemporânea”.

Cornel Țăranu (1934- )

01 Sinfonia nº2 “Aulodica”

Orquestra Sinfônica de Cluj-Napoca
Emil Simon
, regente

Pascal Bentoiu (1927- )

02 Sinfonia nº5, op. 26

Orquestra da Rádio e Televisão Romena
Paul Popescu
, regente

Stefan Niculescu (1927-2008)

03 Sinfonia nº2 “Opus Dacicum”

Orquestra Filarmônica de Timisoara “Banatul”
Remus Georgescu
, regente

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Democrart, de Adriana Varejão
Democrart, de Adriana Varejão

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Stefan Niculescu (1927-2008) / Myriam Marbé (1931-1997) / Anatol Vieru (1926-1998): The Romanian Saxophone

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Este álbum foi um marco para mim. Já andava um pouco cansado do tom escuro, áspero, da música contemporânea, o que me levava a colocar todo tipo de compositor de vanguarda no mesmo balaio, e igualmente decepcionado com a sensação de que compositores que buscavam abandonar ou suavizar o experimentalismo com uma linguagem mais comunicativa acabavam fazendo concessões desnecessárias e diluindo a força da música, como se comunicabilidade só fosse possível com um passo para trás. Neste momento me deparei com este álbum de música romena, da qual já havia ouvido falar algo bem por cima, mas que conhecia mal (basicamente Enescu e Doina Rotaru, uma compositora que, aliás, pretendo postar aqui mais tarde). De repente me deparo com o apaixonante lirismo da Sinfonia nº3 de Ştefan Niculescu, um lirismo extremo — não aquele lirismo extremamente contido num Mi-Parti do Lutoslawski, por exemplo, mas um lirismo escancarado e desavergonhado — e nada convencional, que parecia reposicionar várias técnicas contemporâneas que associava a escuridão numa expressão totalmente outra. Era, como no caso Matisse, como se o preto deixasse de significar coisas sombrias para ser só mais uma cor. Buscando mais informações sobre Niculescu, descobri a variedade expressiva de suas obras e mesmo comentários como o de Ligeti, que dizia ser Niculescu um dos grandes mestres de nosso tempo. Pena que comentários assim não possam garantir divulgação!

Embora um pouco menos (dada a epifania causada pela sinfonia de Niculescu), os outros dois compositores presentes neste álbum, Myriam Marbé e Anatol Vieru, também me chamaram a atenção e me instigaram a correr atrás de mais música romena, pesquisa que acabou sendo de mais e mais descobertas.

Finalmente, note-se que as três obras foram dedicadas ao grande saxofonista romeno Daniel Kientzy, raro nome a tocar (bem) a família toda de saxofones e que aqui sola em todas as peças. Além dessas três, muitos outros compositores (sobretudo romenos) a ele dedicaram obras, com um resultado empolgante para o repertório de sax (que aos poucos espero postar aqui).

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Daniel Kientzy – The Romanian Saxophone: Obras de Niculescu, Marbé e Vieru

Ştefan Niculescu (1927-2008)
01 Concertante Symphony nº3 “Cantos”, para saxofone e orquestra

Daniel Kientzy, saxofone
Romanian Radio Symphony Orchestra
Iosif Conta, regente

Myriam Marbé (1931-1997)
02 Concerto for Daniel Kientzy and Saxophones

Daniel Kientzy, saxofone
Ploiesti Philharmonic Orchestra
Horia Andreescu, regente

Anatol Vieru (1926-1998)
03 Narration II, para saxofone e orquestra

Daniel Kientzy, saxofone
Timisoara Philharmonic Orchestra
Remus Georgescu

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Stefan Niculescu: brilhante representante de um repertório quase desconhecido
Stefan Niculescu: brilhante representante de um repertório quase desconhecido

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14th International New Music Week 2004 – Bucareste

Aí vai mais um cd de música romena. Embora seja sempre agradável ouvir um Niculescu, a peça gravada aqui, Sequentia (1994) para flauta, clarinete, violino, violoncelo e percussão, não é do que mais me surpreende nele. É de sua última fase, abertamente sacra, com peças em geral um pouco mais escuras e muito densas. Prefiro o momento anterior, doce sem deixar de ser denso, expressivo sem deixar de ser arrojado (ao contrário de compositores como Rautavaara, que realmente deram para trás para encontrarem comunicação). Ainda assim, como já dizia, a peça é interessante, guarda um sabor meio jocoso, apesar da sacralidade óbvia. Outras peças do período, como as sinfonias 4 e 5 também são muito fortes, com momentos de beleza soberba. O que me incomoda, talvez, é a sensação de reinserção na ambientação mais típica da música de vanguarda, ainda que com estilo. Sinto muita semelhança com o Lutoslawski de Mi-Parti e Livre para Orquestra (duas das minhas prediletas deles, por sinal) pelo ar grandioso, um tanto difuso, belo mas um tanto quanto assustador (sem falar na heterofonia). O Niculescu outsider me instigava mais.

O quer realmente pega aqui é a introspectiva rouaUruauor, para as 9 da manhã, de Octavian Nemescu (1940). O compositor usa durante quase toda a peça uma base eletrônica relativamente estática e vai ornamentando sem uma preocupação coesiva. Os lampejos sonoros que vão se sucedendo, pouco preocupados com conexões e desenvolvimento, são eivados de uma força religiosa, um transe, ainda que no final das contas a música não trate disso. A peça em questão faz parte de um ciclo que o compositor compôs para as 24 horas do dia.

Ainda que eu tenha enfatizado as peças do Nemescu (por ser a mais fantástica do cd, na minha opinião) e a do Niculescu (dada minha adoração pela música dele), as outras duas peças chamam igualmente a atenção. Para cello e fita magnética, a peça Shadow III, de Doina Rotaru, tem um início deslumbrante, e a fusão entre o cello e a fita magnética resulta em uma sonoridade muito cativante. Finalmente, o Concerto para sax de Sorin Lerescu é de uma doçura ímpar, às vezes até me recordando o Niculescu dos anos 80 (o que, aliás, não me parece fortuito, já que várias de suas peças me passam essa sensação). Vou ver se posto logo suas sinfonias (aproveitando que já tenho o link pronto) para ter opiniões sobre a semelhança, por exemplo, entre o clima das sinfonias 2 e 3 do Niculescu com as do Lerescu.

Mais informações sobre a Semana de 2004, clique aqui.

Boa audição!

14ª Semana Internacional de Música Nova de Bucareste (2004)

01 Stefan Niculescu – Sequentia (1994), para flauta, clarinete, violino, violoncelo e percussão
02 Doina Rotaru – Shadow III, para cello e fita magnética
03 Octavian Nemescu – rouaUruauor, para as 9 da manhã
04-05 Sorin Lerescu – Concerto para sax e orquestra

BAIXE AQUI (mediafire)

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