Canções de compositores paranaenses, 1900-1999 (Marília Vargas, soprano)

Canções de compositores paranaenses, 1900-1999 (Marília Vargas, soprano)

Nem todo CD que a gente posta neste blog é por morrer de amores pelo repertório; existem muitas outras razões possíveis. Por exemplo, o CVL e eu (Ranulfus) postamos bastante por razões de documentação: disponibilizar coisas de determinada época ou tendência artística pras pessoas poderem saber que essas coisas existem e como são.

Aliás, o próprio Grão Mestre PQP não faz isso sempre, mas quando faz vai fundo: baste ver o Miles Davis que ele postou há dois dias, que, como ele mesmo é o primeiro a dizer, é realmente o ó do borogodó.

Mas esse NÃO é, de jeito nenhum, o caso do CD que estou postando agora! É um CD muito bom; minha ressalva é só que pessoalmente sinto mais afinidade com repertórios de outras épocas e estilos.

Então minha decisão de postar estas peças brasileiras inincontráveis de outro modo tem por um lado esse caráter documental – mas também outras razões: uma delas a própria voz, e a impecabilidade no uso dessa voz, dentro da técnica que escolheu, da soprano Marília Vargas – que apesar de minha conterrânea só conheci este ano com a estupenda postagem feita pelo CVL das cantatas da compositora seiscentista veneziana Barbara Strozzi.

Pessoalmente continuo preferindo ouvir a voz da Marília nas cantatas de Strozzi – mas também não posso deixar de reconhecer o capricho, o empenho verdadeiramente amoroso colocado por Marília e pelo musicólogo Paulo José da Costa, seu pai, na pesquisa e realização do CD, não por acaso chamado (a partir de um verso de uma das canções) “Todo amor desta terra”.

As 22 faixas procedem de 8 compositores, só 2 deles vivos, com por volta de 90 anos. Desses oito, o nascido há mais tempo (130 anos) morreu com 47, vítima da gripe espanhola: trata-se de Augusto Stresser (1871-1918), sempre mencionado como autor da primeira ópera composta no Paraná, “Sidéria”, de 1912 (houve outras?). O mais recente estaria com 77 anos, se não houvesse morrido aos 74: Henrique de Curitiba (1934-2008), que comparece com um ciclo de 6 poemas musicados, mais uma faixa independente.

No entremeio temos (retomando a ordem de antiguidade) Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956), com uma faixa – e aí as principais estrelas da “face antiga” do disco: 5 faixas de Bento Mossurunga (1879-1970) e 4 de Alceo Bocchino (1918). Entram ainda Wolf Schaia (1922-2002) com 2 faixas, Gabriel de Paula Machado (1924) com uma, e também uma de José Penalva (1924-2002).

Canções paranaenses ou curitibanas? Dos oito compositores, cinco são curitibanos – sendo que Alceo Bocchino, com 92 anos, vive há 65 no Rio. Mossurunga nasceu em Castro (cidade cujo rio é homenageado na primeira faixa), mas viveu 25 anos no Rio e bem uns 60 em Curitiba. Paula Machado parece ter vivido dividido entre sua Ponta Grossa natal e Curitiba. E o Padre Penalva, provavelmente o compositor mais denso do grupo, é paulista de Campinas; mudou-se com 34 anos para Curitiba, onde produziu o principal de sua obra nos 44 anos seguintes.

Paranaenses ou curitibanas, minha impressão é que a sombra de uma terceira cidade recai sobre pelo menos metade das canções: a do Rio antigo. Pois pelo menos metade podem ser classificadas como modinhas tardias: criações novecentistas dentro do principal gênero “de salão” da música brasileira oitocentista – “popular” na medida em que possa ser chamada assim a música cultivada nas casas senhoriais. E na combinação soprano e piano a modinha está inteiramente em casa.

Talvez o caso mais curioso no CD seja a canção do Padre Penalva (faixa 14), compositor que estamos acostumados a ver transitando entre o dodecafonismo e os clusters vocais à la Penderecki: pois não é que comparece aqui com uma espécie de modinha alunduzada? A propósito, uma exploração bastante interessante dos belos versos de Menotti del Picchia, mas em certo sentido a menos paranaense das canções: antecede em cinco anos a instalação do autor em Curitiba.

As mais paranaenses, num sentido folclorizante, são – é chato dizer, mas necessário – as que eu menos gosto: peças que pretendem estilizar para o salão um tipo de música que têm seu berço no galpão, e que vive muito bem no galpão sem precisar fingir o que não é. (Falo de um galpão sulino, puxando para o gauchesco). Cabem nesse saco (ou pelo menos tendem a ele) as faixas 2, 6 e 9, sintomaticamente chamadas “Tristeza do Pinheiro”, “Sapecada” (nome que se dá para assar pinhão no mato numa fogueira das próprias grimpas do pinheiro/araucária) e “Gauchinha”.

Eu diria ainda que duas das canções escapam ao modinheiro e ao folclorizante no rumo do Lied romântico europeu (com perdão da redundância): as faixas 5 (“As letras”, de Wolf Schaia sobre versos de Fagundes Varella) e 15 (a forte “Canção de Inverno” de Alceo Bocchino).

Finalmente, espero não estar sendo influenciado pela generosidade com que, nos anos 70, Henrique de Curitiba recebia os estudantes mais inquietos na sua mesa na Confeitaria Iguaçu ou mesmo na sua casa, ao dizer que se há uma voz propriamente pessoal no CD, essa é a sua. Não que aí também não apareça o elemento “modinha”; só que, justamente, é apenas um elemento. Também não quero dizer que a composição de Henrique me convença sempre: a última faixa do CD, por exemplo (e a exemplo de algumas outras peças suas que conheço, não neste CD), me parece ficar no nível de uma construção artificial, uma intenção de composição que não recebeu a graça daquele sopro de vida que concede naturalidade até às coisas construídas mais artificialmente. Mas Henrique também tem outros momentos –

… como o encontro entre o filho de poloneses Zbigniew Henrique Morozowicz (“de Curitiba” é nome artístico) e a filha de ucranianos Helena Kolody (1912-2004), uma modesta professora de ciências apaixonada pelas palavras desde menina, que com os anos atingiu um minimalismo singelo tão pessoal que a tornou a inegável grande dame da poesia paranaense. De 1999, os “Seis Poemas de Helena Kolody” são a peça mais recente do CD, e me caem como um vinho branco de perfume sutil. Em sua delicada síntese de eslavo e brasileiro, romântico e moderno, estudado e intuitivo, quer-me parecer que neste ciclo nosso professor e amigo Henrique chegou lá – tanto no sentido de realização pessoal quanto no de alguma coisa que possa ser chamada de “canções paranaenses”, e não apenas “de compositores paranaenses”.

Mas eu falei que postava o CD por diversas razões, e há uma que ainda não mencionei – esta bem pessoal: é que precisamente hoje, 10 de setembro, se encerra a estada de nove meses do peregrino monge Ranulfus na cidade de Curitiba: sua próxima postagem já virá de outro canto do Brasil. Daí a vontade de marcar o momento com a divulgação deste CD, o qual talvez possa ser entendido – inclusive em sua imagem de capa reproduzida abaixo – como um sensível reflexo das múltiplas e para mim fascinantes ambiguidades deste lugar.

“Todo amor desta terra” – canções paranaenses [1900-1999] (2008)
Soprano: Marília Vargas – Piano: Ben Hur Cionek
Flauta transversal: Fabrício Ribeiro (faixa 6)

01 Ondas do Iapó – Bento Mossorunga / José Gelbeck
02 Tristeza do Pinheiro – Bento Mossorunga / Alberico Figueira
03 Virgem do Rocio – Bento Mossorunga / Alberico Figueira
04 Cantiga de Ninar – Alceo Bocchino / Glauco de Sá Britto
05 As Letras – Wolf Schaia / Fagundes Varela
06 Sapecada – Bento Mossorunga / João de Barros Cassal
07 A Marília – Alceo Bocchino / Tomás Antônio Gonzaga
08 Só tu – Wolf Schaia / Paulo Setúbal
09 Gauchinha – Alceo Bocchino / Antônio Rangel Bandeira
10 Mimosa Morena – Benedito Nicolau dos Santos / Correia Junior
11 Vem – Bento Mossorunga / José Gelbeck
12 Serenata da ópera “Sidéria” – Augusto Stresser / Jayme Ballão
13 Ismália – Gabriel de Paula Machado / Alphonsus de Guimarães
14 Saudade – José Penalva / Menotti del Picchia
15 Canção de Inverno – Alceo Bocchino / Pery Borges
. . . . . . . . .
SEIS POEMAS DE HELENA KOLODY – Henrique de Curitiba
16 Cantar
17 Cantiga de Roda
18 Voz da Noite
19 Âmago
20 Nunca e Sempre
21 Viagem Infinita
. . . . . . . . .
22 E se a lua nos contasse – Henrique de Curitiba

. . . . . . BAIXE AQUI – download here
(com excertos do encarte)

Curitiba em 1909 por R. Klämmerer — reproduzido na capa do CD

Ranulfus

Banda de Música, de ontem e de sempre (3 LPs) [Acervo PQPBach] [link atualizado 2017]

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Fonogramas espetaculosamente enviados pelo professor musicólogo Paulo Castagna.

Minha infância está repleta de momentos felizes nos quais havia a presença de uma banda dessas de coreto. E talvez por isso eu deseje tão intensamente dividir com vocês esta beleza de LP triplo enviado pelo professor Paulo Castagna.

Nascido em Limeira que sou, cidade do interior de São Paulo que ainda se dá ao gosto de manter duas bandas marciais que se revezam todo domingo na praça Toledo de Barros, a principal da cidade, eu cresci tendo o imenso prazer de ouvir as retretas musicais naquele lugar, numa infância que poderia usar como citação o trecho da música de Braguinha: “todo domingo havia banda no coreto do jardim” (de o gato na tuba). E como eram verdadeiras delícias essas matinas dominicais! E ainda são: quando volto para minha terra natal, (cada vez com menor frequência), gosto muito de ainda vê-las, pois as duas corporações musicais da cidade ainda continuam firmes, uma octogenária, outra sesquicentenária. O mais bonito é a cena típica de uma cidade do interior que, apesar de seus 300 mil habitantes, insiste em manter nesse ambiente aprazível e aconchegante. Ainda que a praça esteja hoje cercada de edifícios de muitos andares, ela vive! E vive mais quando tem banda: as crianças brincam, correm atrás das pombas, casais de namorados se encontram, há por vezes casais de idosos que arriscam uns passos quando a banda toca uma valsa, tem pipoqueiro e algodão-doce, tem música, tem aplausos, tem alegria e confraternização entre pessoas que às vezes nem se conhecem. E tem muita, muita música. A praça, aos domingos de manhã ainda é a sala de visitas, talvez o salão de festas, da cidade!

.o0o.

Espero que este meu depoimento pessoal tenha atiçado a vontade de vocês de ouvirem um pouco mais das músicas de bandas marciais. Este álbum é especialíssimo, pois traz 34 obras de 24 autores, que vão dos mais eruditos, compositores de música de concerto, até populares.

O primeiro LP dedica-se a peças eruditas compostas ou arranjadas para banda de medalhões da nossa música, como Carlos Gomes e Francisco Braga, ao mesmo tempo em que apresenta a influência de compositores populares da virada do século, autores de lundus e choros, caso de Anacleto de Medeiros e Henrique Alves de Mesquita, evidenciando as mudanças que estavam ocorrendo na música brasileira de então.

O segundo disco apresenta composições com elementos populares bem estabelecidos, como valsas, sambas, marchas-ranchos, schottiches, de caras como o próprio Anacleto de Medeiros, que faz a ponte com o ambiente do primeiro LP, e Pixinguinha, Donga, Sinhô, Ernesto Nazareth, Bento Mossurunga, Radamés Gnattali, terminando com o clássico dos clássicos “A Banda“, de Chico Buarque (que é um dos autores que debutam hoje aqui no PQPBach).

O último volume arremata com composições feitas especificamente para bandas de coreto, num belo trabalho de recuperação da obra de muitos autores de grande qualidade, mas que ficaram desconhecidos do grande público, em grande parte dos casos por terem dedicado suas vidas a reger e compor para as corporações musicais que comandavam. Temos aí Bernardino Joaquim de Nazareth, Augusto Nunes Coelho, José Agostinho da Fonseca, José Selaysim de Souza, Cândido Lira, Eudóxio de Oliveira Coutinho, Benedicto Silva, Antônio de Freitas Toledo, e o Mestre Vavá (Osvaldo Pinto Barbosa), responsável pelos arranjos desta pequena coleção.

É lindo! Ouça, ouça! Deleite-se!

Coreto da Praça Carlos Gomes, em Campinas (SP)

Banda de Música
de ontem e de sempre

LP01
Antônio Carlos Gomes (Campinas, SP, 1836 – Belém, PA, 1896)
01. Hino Triunfal a Camões
Anacleto de Medeiros (Rio de Janeiro, RJ 1866 – 1907)
02. Pavilhão Brasileiro
João Elias da Cunha (Niterói, RJ, 18?? – 1918)
03. Hino do Estado do Rio de Janeiro
Francisco Braga (Rio de Janeiro, 15 de abril de 1868 – 1945)
04. Episódio Sinfônico
05. Hino à Bandeira
Cincinato Ferreira de Souza (São Luís, MA, 1868 – Belém, PA, 1959)
06. Artística Paraense (abertura)
Henrique Alves de Mesquita (Rio de Janeiro, RJ, 1830 – 1906)
07. Os Beijos-de-Frade (lundu)
Isidoro Castro Assumpção (Vigia, PA, 1858 – Belém, PA, 1925)
08. Saudades de minha Terra (dobrado)
Anacleto de Medeiros (Rio de Janeiro, RJ 1866 – 1907)
09. Marcha Fúnebre N.2
Anônimo
10. Coração Santo (marcha de procissão)

LP02
Joaquim Antonio Naegele (Cantagalo, RJ, 1899 – Rio de Janeiro, RJ, 1986)
01. Ouro Negro (dobrado)
Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos – Rio de Janeiro, RJ 1890 – 1974), David Nasser (Jaú, SP, 1917 – Rio de Janeiro, RJ, 1980)
02. Quando uma estrela sorri
Francisco Braga (Rio de Janeiro, 15 de abril de 1868 – 1945)
03, Saudades (valsa)
Ernesto Nazareth (Rio de Janeiro, RJ 1863 – 1934)
04. Saudades e saudades (marcha)
Anacleto de Medeiros (Rio de Janeiro, RJ 1866 – 1907)
05. Louco amor (schottisch)
Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Jr. – Rio de Janeiro, RJ, 1897 – 1973)
06. Saudade (marcha-rancho)
Anacleto de Medeiros (Rio de Janeiro, RJ 1866 – 1907)
07. Araribóia (dobrado)
Bento Mossurunga (Castro, PR, 1879 – Curitiba, PR, 1970)
08. Bela Morena (valsa)
Sinhô (José Barbosa da Silva – Rio de Janeiro, RJ,1888 – 1930)
09. Resposta à inveja (marcha-rancho)
Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Jr. – Rio de Janeiro, RJ, 1897 – 1973)
10. Esquecida (polca-marcha)
Radamés Gnattali (Porto Alegre, RS, 1906 – Rio de Janeiro, RJ, 1988)
11. Abolição (dobrado)
Chico Buarque (Rio de Janeiro, RJ, 1944)
12. A Banda (marcha-rancho)

LP03
Anônimo
01. Silvino Rodrigues (dobrado)
02. Havaneira (polca)
Bernardino Joaquim de Nazareth (Guarani, MG, 1860-1937)
03. Biza (valsa)
Augusto Nunes Coelho (Guanhães, MG, c1890 – 19??)
04. Saudades do Cauê (dobrado)
José Selaysim de Souza
05. Saudade de Abadia (valsa)
José Agostinho da Fonseca (Manaus, AM, 1886 – Santarém, PA, 1945)
06. Almofadinha (maxixe)
Anônimo
07. Cateretê
Cândido Lira (Pernambuco, 18?? – 19??)
08. Os domingos no poço (quadrilha)
Eudóxio de Oliveira Coutinho
09. Antônio (valsa)
Benedicto Silva
10. José e Ritinha brincando (polca)
Osvaldo Pinto Barbosa, Vavá (Guarabira, PB, 1933)
11. Riso no frevo (frevo)
Antônio de Freitas Toledo
12. Depois da valsa (dobrado)

A banda:
Alexandre Areal, Clarinete
Daniel Wellington de Araújo, Trompa
Dimas José Ribeiro, Tuba
Fernando Henrique Machado, Saxofone Barítono
Gedeão Lopes de Oliveira, Trompete
Gedeão Silva, Saxofone Alto
Gerino Zuza de Oliveira, Trompete
Isabela Sekeff Coutinho, Clarinete
Johnson Joanesburg Anchieta Machado, Saxofone Tenor
José Antônio da Silva Nascimento, Bombardino
José da Silveira Vilar “Pedrinho”, Caixa
José de Oliveira Monte Amado, Pratos
Marco Salvador Salustiano Donato, Bumbo
Nivaldo Francisco de Souza, Flautim
Paulo Roberto da Silva, Trombone
Raimundo Martins, Trompa
Ricardo José Dourado Freire, Clarinete
Roberto Crispim da Silva, Trompa
Luiz Gonzaga Carneiro, Regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

FLAC
LP01 (255Mb), LP02 (252Mb) , LP03 e encartes (283Mb)
MP3
LP01 (138Mb), LP02 (141Mb) , LP03 e encartes (173Mb)

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