A música de Fauré é tímida. Ela não bate na porta pedindo para entrar. Você é que tem que convidá-la para se acomodar. Ela não grita chamando você, não chama sua atenção, tem que ser convidada, repito. Depois disso você poderá fruir de algumas das melhores obras low profile deste planeta, uma curiosa e discreta ligação entre romantismo e modernismo. Neste CD, o Schubert Ensemble traz requintadas e compreensivas versões destas duas obras extraordinárias do compositor. O pianista William Howard traz uma leveza de toque à parte de piano, timidamente virtuosa. O grupo é apaixonado pela música de Fauré e, nos últimos anos, deu muitos recitais com estes quintetos reflexivos e altamente individuais. Fauré foi aluno de Saint-Saëns e professor de Ravel. Sua fluidez acontece aparentemente sem esforço, mas se você ouvir atentamente seus Quintetos para Piano, ouvirá grandes dramas, tensões e profunda emoção, tudo habilmente demonstrado. “A música de câmara”, escreveu Fauré, “é a verdadeira música e a expressão mais sincera de uma personalidade genuína.” E em sua música de câmara ele conseguiu algo efetivamente notável.
Gabriel Fauré (1845-1924): Quintetos para Piano Nº 1 e 2 (Schubert Ensemble)
Piano Quartet No.1 in C minor, Op.15 (1876-79)
1 – I. Molto moderato
2 – II. Adagio
3 – III. Allegretto moderato
Piano Quintet in C minor, Op. 115 (1919-21)
5 – I. Allegro moderato
6 – II. Allegro vivo
7 – III. Andante moderato
8 – IV. Allegro Molto
The Schubert Ensemble Of London:
Piano – William Howard
Cello – Jane Salmon
Viola – Douglas Paterson
Violin – Maya Koch, Simon Blendis
Mais uma vez a Terra está a completar uma volta em sua órbita celeste e nos aproximamos do fim deste peculiar ano de 2022. Alguns ciclos se completam, outros estão a vir, já anunciados. É um bom momento para, como Janus, olharmos para trás, considerando o que foi feito e desejarmos o que está chegando. Eu estou tentando criar espaço no presente para receber o que o futuro trará.
Passei em revista minha atividade no blog, entre 1 de dezembro de 2021 e 30 de novembro de 2022. Este ano não tive energia para verificar todas as publicações e limitei às que resultaram de meus próprios esforços. Estas postagens refletem meu envolvimento com música, que posso observar, é grande. Algumas delas foram fáceis de preparar, vindas de alguma boa inspiração, outras demandaram mais estudo e dedicação, mas todas me deram bastante prazer, ao longo do caminho. Prazer em ouvir a música, de eventualmente comparar com outras interpretações ou de seguir as direções que ela me apontava. Prazer também em burilar o texto, em catar as ilustrações e depois esperar que elas surgissem, no blog. Esperar os aguardados comentários, estes mais parcos do que eu gostaria. De qualquer forma, os que recebi ao longo deste período me pareceram sinceros e foi gratificante lê-los.
Olhar estas postagens mais uma vez me fez pensar o quanto é importante valorizar o tempo, que ouvir música demanda tempo. Talvez seja por isso que alguns de nós se agarre a um repertório mais restrito, voltando sempre aos mesmos intérpretes. Eu sou por demais curioso para isso, o que me força a constantemente abrir mão desse tipo de segurança, abrindo espaço para as novidades.
Neste período fiz 64 postagens e acabei selecionando uma playlist entre as peças que considerei representativas do total. Caso você tenha o tempo de ouvir, poderá se interessar em visitar a correspondente postagem e descobrir algumas outras novidades.
Três dessas postagens selecionadas são de nosso padroeiro, São Sebastião Ribeiro. Uma gravação estalando de nova das seis sonatas para cravo e violino, com o violinista Andoni Mercero e o cravista Alfonso Sebastián; um disco com cantatas para baixo interpretadas pelo (jovem) David Greco, acompanhado pelo Luthers Bach Ensemble, sob a direção de Tymen Jan Bronda; uma outra gravação (plena de reflexões feitas durante o afastamento social resultado da pandemia) das seis (maravilhosas) suítes para violoncelo pelo jovem e talentoso Bruno Philippe.
Duas postagens refletem essa minha busca por novidades. Assim, na minha playlist de Retrospectiva 2022 há duas peças que conheci este ano e que me impressionaram: num deles, o Concerto para Piano de Sir Michael Tippett, interpretado pelo veterano pianista Howard Shelley, com a Bournemouth Symphony Orchestra, regida pelo (late) Richard Hickox, num disco do selo Chandos, inglês em todas as instâncias; no outro, o Cantus Articus do compositor finlandês Einojuhani Rautavaara. A peça Cantus Articus foi a que me motivou investigar a música de Rautavaara e o disco também traz a sua Sinfonia No. 7 e o Concerto para flautas.
O repertório de música francesa dos séculos 19 e 20 aparece sempre nas minhas postagens e um exemplo é este disco de músicos poloneses (ótimos) tocando lindas peças de câmara com instrumentos de sopros, o Gruppo di Tempera. Veja o discreto charme deste La chaminée du roi René, de Darius Milhaud.
Outro exemplo é o disco Exotisme, sonorités pittoresques, com peças para piano solo ou a quatro mãos, interpretadas pelos ótimos Ludmilla Guilmaut e Jean-Noël Dubois. Uma mescla de música de compositores mais conhecidos com música de compositores que recebem menos exposição e que merecem maior divulgação. Muita alegria, charme e beleza, como num lindo buque de flores.
Cantores também me interessam muito e adorei ter conhecido o trabalho da mezzo-soprano Elisabeth Kulman cantando algumas canções de Mahler, acompanhada por um pequeno conjunto de músicos com o sugestivo nome Amarcord Wien.
Muito trabalho me deu a postagem das 40 árias, que passou incólume pelos nossos leitores. Muito trabalho, uma vez que ópera é um gênero musical que eu conheço pouco, mas muito prazer também em descobrir um pouco o sentido de tão belos momentos musicais. Para esta Retrospectiva 2022 escolhi algumas das árias que considerei mais emblemáticas. Entre elas Casta Diva, da ópera Norma, composta por Bellini, e Vissi d’arte, de Tosca, composta por Puccini.
Uma grata surpresa neste ano foi a descoberta da música para piano de Radamés Gnattali, num disco primoroso. O intérprete Luís Rabello é sobrinho do violonista Raphael Rabello e ótimo pianista.
Para completar essa retrospectiva, não poderia deixar de mencionar mais música barroca. Escolhi algumas sonatas de Scarlatti, parte da postagem de um disco da espetacular pianista Zhu Xiao-Mei e uma postagem dedicada ao Opus 3 de Vivaldi, pelo Concerto Italiano, sob a direção de Rinaldo Alessandrini. Esta coleção tem de especial o fato de que os concertos de Vivaldi estarem entremeados com algumas das suas transcrições feitas por Bach.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Sonata No. 6 em sol maior, BWV1019
Allegro
Largo
Allegro
Adagio
Allegro
Andoni Mercero, violino
Alfonso Sebastián, cravo
Cantata BWV 82 ‘Ich habe genug’
Ich habe genug
Ich habe genug! Mein Trost ist nur allein
Schlummert ein, ihr matten Augen
Mein Gott! Wann kömmt das schöne
Ich freue mich auf meinen Tod
David Greco, baixo
Joanna Huszcza, violino
Amy Power, oboé
Luthers Bach Ensemble
Tymem Jan Bronda
Suíte para Violoncelo No. 6 in D major, BWV1012
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue
Bruno Philippe, violoncelo
Michael Tippett (1905 – 1998)
Concerto para Piano e Orchestra
I Allegro non troppo
II Molto lento e tranquilo
III Vivace
Howard Shelley, piano
Bournemouth Symphony Orchestra
Richard Hickox
Darius Milhaud (1892 – 1962)
Le cheminée du Roi René, Op. 205
Cortege
Aubade
Jongleurs
La Maousinglade
Joutes sur l’arc
Chasse a Valabre
Madrigal – Nocturne
Gruppo di Tempera
Agnieszka Kopacka, piano
Agata Igras-Sawicka, flauta
Sebastian Aleksandrowicz, oboé
Adrian Janda, clarinete
Artur Kasperek, fagote
Tomasz Bińkowski, trompa
Gustav Mahler (1860 – 1911)
Ging heut morger übers Feld – Mahler (Lieder eines fahrenden Gesellen)
Ich atmet’ einen linden Duft – Rückert-Lieder
Blicke mir nicht in die Lieder – Rückert-Lieder
Liebst du um Schönheit – Rückert-Lieder
Adagietto – 4 movimento da Quinta Sinfonia
Elisabeth Kulman, mezzo-soprano
Amarcord Wien:
Tommaso Huber, acordeão
Sebastian Gürtler, violino
Michael Williams, violoncelo
Gerhard Muthspiel, contrabaixo
Einojuhani Rautavaara (1928 – 2016)
Cantus Arcticus, Op. 61 (Concerto para Pássaros e Orquestra)
Suo (Pântano)
Melankolia
Joutsenet muuttavat (Cisnes migrando)
Sinfonia Lahti
Osmo Vänskä
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes, Livre 1, L. 117
Voiles
Ludmilla Guilmault, piano
Déodat de Séverac (1872 – 1921)
En Vacances, Vol. 1
Où l’on entend une vieille boîte à musique
Valse romantique
Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
Dolly, Op. 56
Le pas espagnol
Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano
40 Best Arias
Bellini- Norma – Casta Diva – Maria Callas
Verdi- Rigoletto – La Donna E Mobile – Richard Leech
Bizet- Carmen – Habanera – ‘L’amour Est Un Oiseau Rebelle – Julia Migenes
Bizet- Carmen – Flower Song – Placido Domingo
Offenbach- Les Contes d’Hoffmann – Barcarolle – Jennifer Larmore & Hei-Kyung Hong
Mozart- Don Giovanni – Dalla Sua Pace – [Don Ottavio] – Hans-Peter Blochwitz
Delibes- Lakme – Flower Duet – [Lakme, Mallika]) – Jennifer Larmore & Hei-Kyung Hong
Verdi- La Traviata – Brindisi- Libiamo Ne’Lieti Calici – Neil Schicoff & Edita Gruberova
Puccini- La Boheme – Che Gelida Manina [Rodolfo]) – Jose Carreras
Puccini- La Boheme – Si. Mi Chiamano Mimi – Barbara Hendricks
Puccini- Tosca – Vissi D’arte’ [Tosca] – Kiri Te Kanawa
Puccini- Tosca – E Lucevan Le Stelle [Cavaradossi] – Placido Domingo
Gluck- Orphee Et Eurydice – J’ai Perdu Mon Eurydice – Susan Graham
Rossini- La Cenerentola – Non Piu Mesta [Angiolina] – Jennifer Larmore
Radamés Gnattali (1906 – 1988)
Rapsódia Brasileira
Poema de Fim de Tarde
Manhosamente
Uma rosa para o Pixinguinha
Luís Rabello, piano
Domenico Scarlatti (1685 – 1757)
Sonata em mi maior, K. 531 (L. 430)
Sonata em si menor, K. 87 (L. 33)
Sonata lá maior, K. 533 (L. 395)
Sonata em ré menor, K. 32 (L. 423)
Sonata em lá maior, K. 39 (L. 391)
Zhu Xiao-Mei, piano
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto No. 8 for 2 Violins in A Minor, Op. 3, RV 522
Allegro
Larghetto
Allegro
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto for organ after RV 522 in A Minor, BWV 593
[Allegro]
Adagio
Allegro
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto No. 10 for 4 Violins in B Minor, Op. 3, RV 580
Allegro
Largo
Allegro
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto for 4 Harpsichords after RV 580 in A Minor, BWV 1065
Os três homens não poderiam ser mais diferentes, nos aspectos e temperamentos… Apesar de cada um ter já um nome firmado como solista de seu próprio instrumento, quando se reuniam formavam um conjunto notável, pela maneira como se completavam musicalmente, recriando com rara espontaneidade as obras para trio com piano. Tanto que seu exemplo ajudou a firmar este tipo de conjunto. Esse famoso trio costumava reunir-se com regularidade para ensaiar, estudar novas peças, mas também para falar de literatura, pintura, dança e, é claro, música. Mas eis que em certa ocasião, lá se foi o violoncelista para sua natal Catalunha por uns tempos, deixando o pianista e o violinista às voltas com sonatas, incluindo a famosa Sonata de César Franck. Pois foi assim, num destes dias, o pianista chegou mais cedo e o violinista atrasou mais do que o costume. O pianista, para não se entediar, começou, de brincadeira, a tocar a sonata TODA. Isso mesmo, não apenas a pouco trivial parte do piano, mas, assim cantando com o teclado, ia incluindo também a parte do violino. Bom, o pianista era um bamba e quando o violinista ouviu um trecho, foi logo prometendo nunca mais se atrasar – pois que senão você fará o recital sozinho, disse ele.
P. Casals, J. Thibaud e A. Cortot
Confesso ter imaginado isso tudo, mas que a história é plausível, ah, isso é. O trio a que me refiro era formado por Alfred Cortot (piano), Jacques Thibaud (violino) e Pablo Casals (violoncelo). O trio foi formado em 1905 e esteve ativo por décadas. Há registros dos três e, também, de Cortot e Thibaud tocando a tal Sonata de César Franck. Mas a postagem de hoje trata principalmente do pianista, regente e arranjador Alfred Cortot.
Como geralmente faço, estava revirando umas pilhas de discos que temos acumulados aqui no vault do PQP Bach Coop. em busca de coisas que goste ou de que possa vir a gostar. Acabei encontrando um disco que apesar de bem interessante, não chegou à postagem. Teve, no entanto, o mérito de indicar este arranjo – transcrição – da Sonata para Violino de César Franck para piano solo, feito por Alfred Cortot. Sai em busca de outras gravações e encontrei mais três discos com a peça. Depois de trocentas audições, dois deles acabaram entrando para a postagem. Eu nem sou assim um ouvinte assíduo das peças de Franck, acho que sua Sinfonia fica muito tempo taxiando antes de decolar e tal. Mas a Sonata para Violino, essa merece lugar de destaque. Minha gravação referência é a feita por Kyung-Wha Chung (violino) e Radu Lupu (piano), mas há muitas outras, excelentes.
No primeiro disco escolhido para a postagem, interpretados pelo ótimo pianista He Yue, encontramos um punhado de transcrições para piano de obras de diversos compositores, feitas por Cortot. As escolhas das fontes revelam dois aspectos das atividades ligadas ao piano. A de professor, que se preocupava com o aspecto técnico. Para ele, a música da Bach era muito importante na formação de um pianista. Esse aspecto está aqui na forma de uma transcrição da Toccata e Fuga em ré menor BWV 565. Imagino se o Capitão Nemo conhecia essa…
Mas Cortot também tinha um olho na audiência. Veja quais dois maravilhosos Lieder ele escolheu para transcrever: Wiegenlied, uma canção de ninar, de Brahms, e Heidenröslein, um dos maiores sucessos de Schubert. O Largo do Concerto em fá menor de Bach também tem uma dessas marcantes melodias, que gruda na memória da gente. Há também os desafios para qualquer pianista, dar conta sozinho de música que foi concebida para conjuntos maiores, como a Suíte Dolly, de Gabriel Fauré, escrita para duo de piano, o Largo da Sonata para Violoncelo de Chopin e a Sonata de César Franck, que completa o disco e foi a motivação para a postagem.
O segundo disco oferece música escrita originalmente apenas por César Franck, incluindo a tal transcrição para piano solo da Sonata para violino e piano feita por Cortot. Aqui uma interpretação um pouco diferente, talvez mais contida do que o virtuosismo do He Yue, mas o som produzido por Domenico Codispoti é muito bonito e não lhe falta virtuosismo e brilho quando chega a hora disso. A outra peça é uma transcrição para piano de um Prelúdio, Fuga e Variações escrito para órgão, feita por Harold Bauer. Bauer é também um ótimo personagem para se descobrir, mas hoje a postagem é do Cortot. Fechando o disco, uma outra peça notável de Franck, o Prelúdio Coral e Fuga, escrito para piano. Esta peça é figurinha carimbada nos álbuns de vários grandes pianistas, como Stephen Hough, Murray Perahia ou Evgeny Kissin. (Não perca, em breve, no seu PQP Bach mais próximo…)
Disco 1
Música transcrita para piano por
Alfred Cortot (1877 – 1962)
escrita originalmente por:
Gabriel Fauré (1893 – 1897)
Suíte Dolly, Op. 56
Berceuse
Mi-a-ou: Allegro vivo
Le jardin de Dolly: Andantino
Kitty-valse: Tempo di valse
Tendresse: Andante
Le pas espagnol: Allegro
Johann Sebastian Bach (1685 -1750)
Toccata e Fugue em ré menor, BWV565
Johannes Brahms (1833 – 1897)
Wiegenlied, Op. 49 No. 4 (Lullaby)
Johann Sebastian Bach (1685 -1750)
Concerto para Cravo em fá menor, BWV 1056:
Largo
Frédéric Chopin (1810 – 1849)
Sonata para violoncelo em sol menor, Op. 65
Largo
Franz Schubert (1797 – 1828)
Heidenröslein, D257
César Franck (1822 – 1890)
Sonata para violino em lá maior
Allegretto ben moderato
Allegro
Recitativo – Fantasia: Ben moderato – molto lento
Allegretto poco mosso
He Yue, piano
Gravação: 27, 28 de outubro de 2012
Music Hall, Gu Lang Yu Piano School, Central Music Conservatory, Xiamen City, China
Legendary pianist Alfred Cortot’s distinguished reputation as an educator is demonstrated in these magnificent arrangements of chamber music for solo piano. They cover every aspect of technique and expression, from Bach’s demanding Toccata and Fugue in D minor to Fauré’s delectable Dolly Suite and the grand scale of Franck’s Violin Sonata. Award-winning pianist He Yue is a young and rising star of the Chinese musical firmament.
Disco 2
César Franck (1822 – 1890)
Sonata para violino em lá maior (Arranjo de Alfred Cortot)
Allegretto ben moderato
Allegro
Recitativo – Fantasia: Ben moderato – molto lento
Allegretto poco mosso
Prelúdio, Fuga e Variações Op. 18 (Arranjo de Harold Bauer)
This CD contains the CD premiere of the transcription for piano solo of the Franck violin sonata, made by Alfred Cortot, a fascinating pianistic tour de force, the new pianistic textures giving a special sonority to the unique harmonies of this master piece. The Prélude, fugue et variation is originally an organ work, and is transcribed for piano by the famous pianist Harold Bauer. The Prélude, chorale et fugue is Franck’s pianistic pièce de résistance, although also here the influence of Franck the organist is never far away. An excellent new recording by Italian pianist Domenico Codispoti, playing with a beautiful blend of grandeur and intimacy, and a wonderful transparency (listen to the canonic 4-th movement of the violin sonata!).
Aproveite!
René Denon
Alfred testando um piano Pleyel da coleção do PQP Bach…
Este disco está a um passo de ser um disco de gatinhos. Para quem teve o privilégio de viver o suficiente sabe que havia discos de (capas com) gatinhos, recheados com os melhores movimentos de música ‘clássica’, retirados do acervo (monumental) da gravadora Philips.
É claro que o resultado costumava ser uma coleção, uma antologia com os melhores momentos, mas que assim reunidos poderia resultar de uma Dança do Sabre, de Katchaturian, surgir após a Ária da Suíte Orquestral No. 3, de Bach… e ainda, a tal endiabrada dança dos furiosos guerreiros anteceder o (possivelmente) mais famoso movimento de uma Suíte Francesa – Clair de Lune, de Debussy. Mas os discos de gatinhos vendiam muito bem e levaram as sementes da música clássica para muitos futuros apreciadores.
Aqui temos assim uma coleção de ‘melhores momentos’, mas com um repertório que guarda uma maior afinidade, girando em torno de peças de música francesa ou próxima, para piano a duas ou a quatro mãos. Os dois intérpretes, Ludmilla Guilmault e Jean-Noël Dubois intercalam-se nos solos e eventualmente se juntam em algumas das faixas.
Este disco reúne peças de compositores de grande renome com peças brilhantes de compositores menos conhecidos e me surpreendeu pela sua contagiante amabilidade e alegria. Minha simpatia foi totalmente conquistada pelas duas peças de Séverac, que ocupam as faixas dois e três. Essas duas peças interpretadas a quatro mãos revelam lindas sonoridades e um frescor contagiante.
Assim, sem qualquer pudor de esbanjar alegria, o disco desfila peças de Debussy – alguns prelúdios, a já mencionada Clair de lune e dois irresistíveis movimentos da Petit Suite. A escolha entre os muitos prelúdios é bem interessante e diversa. O disco começa calmamente com Voiles, depois haverá poesia de Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir, as brincadeiras da Serenata interrompida e completará com as pirotecnias de Feux d’artifice.
Há duas nobres e sentimentais valsas de Ravel, assim como os tristes pássaros e dois deliciosos números da Suíte da Mamães Gansa.
Não poderia faltar alguma coisa bem-humorada da música de Camille Saint-Saëns, dois movimentos do Carnaval dos Animais: os contrastantes Hémiones e Aquarium. Fauré inaugura o clima fandango espanhol com o espetacular Le pas espagnol, da Suíte Dolly, e o clima continua com duas peças de Manuel de Falla – uma dança espanhola (de La Vida Breve) e a Dança Ritual do Fogo (de El Amor Brujo).
Para fechar o cortejo, em clima de bis, a Marcha Turca de Mozart, que em certos trechos ganha um reforço sonoro…
Um disco para ser ouvido pelo prazer das lindas peças e que para algumas pessoas pode servir para despertar o interesse por este tipo de música, assim como no passado fizeram os discos de gatinhos.
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes, Livre 1, L. 117
Voiles
Ludmilla Guilmault, piano
Déodat de Séverac (1872 – 1921)
En Vacances, Vol. 1
Où l’on entend une vieille boîte à musique
Valse romantique
Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano
Maurice Ravel (1875 – 1937)
Valses nobles et sentimentales, M. 61
Assez lent, avec une expression intense
Vif
Ludmilla Guilmault, piano
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes, Livre 1, L. 117
Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir
Plus d’infos sur le ”Exotisme, Sonorités pittoresques” Concert-spectacle pour piano solo et à 4 mains par le Duo Cziffra à Paris
Dans ce choix de répertoire que j’ai choisie de Debussy, ravel, Fauré, Saint-Säens, séverac, De Falla, Mozart sont des compositeurs qui nous font voyager par leur couleur locale de leur nouveaux timbres pianistiques avec notamment ce prélude les Sons et les Parfums de Debussy, des accords qui habillent des harmonies voluptueuses au rythme impressionnisme.
L’odeur hispanisante.
Exotisme exprime pour moi une harmonie du soir, propice à l’évocation d’un lointain passé.
Exotisme, des images qui semblent solliciter, l’ouïe, la vue, le toucher, l’odorat, établissant en musique ces correspondances ténues que Baudelaire, le premier devina en poésie.
Des sensations de couleurs d’exotisme.
Des odeurs d’oeuillet et d’arguardiente, une atmosphère de castagnettes avec la Sérénade Interrompue de Claude Debussy.
Ces pièces orientales de Ravel, Laideronette, impératrice des pagodes pour piano à 4 mains nous évoque ces pays lointains, ce dépaysement par le recours au patrimoine musical de chaque compositeur.
Falla tient à faire son miel des fleurs du folklore.
Falla, c’est l’Andalousie et son flamenco, des voluptueux jardins andalous, des Nuits à l’âpre.
Séverac, possède une sonorité charnue, couleur en taches plus vives, en pâte plus épaisse, ce goût des échelles modales. Il nous conte les paysages traversés, inspiration de sa chère Méditerranée.
Hoje, quando lembramos que faz um ano que o Ammiratore nos deixou, vítima de uma Covid-19 que já era uma doença prevenível em nações não negacionistas e da necropolítica que matou outros 661.000 brasileiros, nada tenho de muito inteligente para lhes dizer, pois nada há que possa aplacar a tristeza e a revolta com a perda de nosso querido amigo e o morticínio promovido por tão dolosas negligências.
Por isso, hei de lhes oferecer música.
Pensei, primeiramente, em alcançar-lhes alguma gravação do portentoso Requiem de Giuseppe Verdi, até me dar conta de que suas tonitruâncias apocalípticas ornam melhor com meu ódio a todos perpetradores desse hediondo crime sanitário contra os brasileiros do que com a índole de nosso pacato Ammiratore. Ele amava Verdi, sim, e certamente haveria de nos proporcionar uma entusiasmada aula sobre o Requiem dentro de seu projeto de aqui publicar a obra completa do mestre de Roncole. Por isso mesmo – em respeito a nosso amigo, à sua devoção ao Progetto Verdi, e ao colega Alex DeLarge, que tanta dedicação enciclopédica tem empenhado em sua continuidade – resolvi deixar que o Requiem de Giuseppe aqui apareça no devido momento, provavelmente entre Aida e Otello, dessa longa travessia.
Em lugar da tonitruância, oferecer-lhes-ei uma obra muito mais afeita à suavidade do homenageado: o Requiem que Gabriel Fauré escreveu entre 1887 e 1890 e revisou algumas vezes. Nessa obra-prima, a sequência Dies Irae, que costuma proporcionar aos compositores os melhores pretextos para derramar magma nos ouvintes, é substituída pela mui branda Pie Jesu, e o sublime In Paradisum que a encerra atesta quão bem-sucedido foi o compositor em suas intenções, aqui expressas em suas próprias palavras:
Tudo o que consegui acalentar por meio de ilusão religiosa coloquei no meu Réquiem, que, além disso, é dominado do começo ao fim pelo sentimento muito humano de fé no descanso eterno.”
E nada mais lhes contarei, além das saudades que tenho de meu amigo, e da vontade de que, em seu eterno descanso, haja muita música.
Gabriel Urbain FAURÉ (1845-1924)
Requiem em Ré menor, para solistas, coro e orquestra, Op. 48
Versão original, publicada em 1893
1 – Introït
2 – Kyrie
3 – Offertoire
4 – Sanctus
5 – Pie Jesu
6 – Agnus Dei
7 – Libera Me
8 – In Paradisum
9 – Cantique de Jean Racine, Op. 11
Sandrine Piau, soprano Stéphane Degout, barítono Maîtrise de Paris
Membros da Orchestre National de France
Luc Héry, violino solo Christophe Henry, órgão Laurence Equilbey, regência
Neste CD de música francesa da grande ECM, Fauré dá o esqueleto… Ou melhor, voltemos ao começo. Imaginemos um navio. O corpo, ou estrutura, do navio é chamado de casco. Aqui, o casco é Fauré. Já a quilha é como a espinha dorsal do navio: uma viga central que percorre a parte inferior, desde a proa até a popa. Ela o impede de tombar para os lados. Este é Ravel. Enquanto isso, o convés é como o andar de um edifício. Os navios geralmente possuem vários conveses. Os camarotes de passageiros, as salas de motores e de controle e os espaços para cargas costumam ocupar conveses diferentes. Quem nos recebe aqui é Messiaen. Ou seja, ancorados em Fauré-Chopin, equilibrados por Ravel e com Messiaen regendo os pássaros que acompanham a partida da viagem, Alexander Lonquich nos dá um banho de sensibilidade e competência.
Fauré compôs seus 5 improvisos em dois períodos distintos de sua carreira, em 1881-83 e 1906-09. Inspirados no exemplo de Chopin, os brilhantes improvisos iniciais (Op. 25, 31 e 34) assemelham-se a estudos líricos que parecem improvisações, mas são dispostos de forma simétrica com uma coda. Em contraste, o improviso Op. 91 e 102 são concebidos com muito mais ousadia em sua sonoridade, harmonia e virtuosismo.
Os Préludes pour pianoé uma das primeiras obras para piano de Messiaen compostos em 1928-1929, quando o compositor tinha 20 anos. Messiaen considerou ser seu primeiro trabalho de algum valor. A composição é baseada nostraz uma influência decisiva dos prelúdios de Debussy. As peças foram estreadas pelo compositor em uma apresentação privada que ocorreram em 28 de janeiro de 1930.
Gaspard de La Nuit é uma suíte para piano composta por Maurice Ravel em 1908. Foi inspirada em uma série de poemas em prosa fantásticos do escritor Aloysius Bertrand. No poema, o autor relata uma série de surpreendentes visões e aventuras protagonizadas pelo “Gaspar da Noite”. Trabalhando sob o encanto do texto evocativo de Bertrand, Ravel baseou seu Gaspard em três desses contos. O título do primeiro movimento, Ondine, refere-se a um legendário espírito feminino das águas (já viram o fime?) que tenta seduzir um jovem e arrastá-lo para sua morada no fundo de um lago. O segundo movimento, intitulado Le Gibet (em português, “O patíbulo”), transmite uma atmosfera apropriadamente densa. O terceiro movimento, Scarbo, é o nome de um gnomo que corre quase à velocidade da luz e assume a forma que desejar. Ravel declarou que almejava alcançar com este “Scarbo” uma obra ainda mais difícil de ser executada do que “Islamey”, do compositor russo Mily Balakirev. Não há dúvidas de que Scarbo é uma das peças mais difíceis de que se tem notícia…
01. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 3 in A flat major, Op. 34 5:03
02. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 1. La colombe 2:11
03. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 2. Chant d’extase dans un paysage triste 6:47
04. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 3. Le nombre leger 1:43
05. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 4. Instants defunts 4:43
06. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 5. Les sons impalpables du reve 3:21
07. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 6. Cloches d’angoisse et larmes d’adieu 8:37
08. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 7. Plainte calme 3:23
09. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 8. Un reflet dans le vent 5:08
10. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 1 in E flat major, Op. 25 4:04
11. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 4 in D flat major, Op. 91 4:43
12. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 2 in F minor, Op. 31 3:54
13. Maurice Ravel – Gaspard de la nuit, for piano 1. Ondine 6:42
14. Maurice Ravel – Gaspard de la nuit, for piano 2. Le Gibet 7:28
15. Maurice Ravel – Gaspard de la nuit, for piano 3. Scarbo 9:37
16. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 5 in F sharp minor, Op. 102 2:09
Creio que ouvi mais música francesa em 2021 do que ouvi em praticamente minha vida inteira. Compositores que conhecia apenas de nome me foram apresentados, e puder conferir que havia vida na música francesa além de Debussy, Ravel e Saint-Säens. Claro que falo com relação ao período que compreendia o século do XIX e início do Século XX. E mesmo assim ainda me considero em débito com os três compositores citados acima. Gostaria de ouvi-los mais, e mesmo se eu deixar como projeto de aposentadoria, ainda assim não teria tempo suficiente para ouvir tanta coisa.
As ‘descobertas’ referem-se a Poulenc, Chausson e Fauré, uma trinca que lamento não ter ouvido com tanta atenção até hoje. Claro que poderia me desculpar alegando a falta de acesso a esse material, e que apenas com o advento da Internet consegui conhecê-los e claro, ouvi-los. Tive em um primeiro momento de me curar do vício adquirido ouvindo os compositores alemães e austríacos do Barroco e do Romantismo, e prestando atenção, por exemplo, em Saint-Säens e seu magnífico Primeiro Concerto para Violoncelo, comecei a perceber e entender sua linguagem tão única, tão pessoal.
Este belo CD que ora vos trago é um primor de execução, temos um solista jovem (nasceu em 1976), e que resolveu, assim como eu, ver o que a música francesa tinha a oferecer para si, enquanto violoncelista. O resultado é uma das melhores gravações que já tive a oportunidade de ouvir do Concerto de Saint-Säens, e olha que a concorrência é grande. A maturidade artística de Müller-Schott se sobressai em cada nota que extrai de seu instrumento, seja em peças mais introvertidas, como a ‘Elégie’ de Fauré, em um arranjo para Violoncelo e Orquestra, ou namorando com a modernidade de Honneger em seu Concerto para Violoncelo. O músico não teme em encarar um repertório tão diferente (ouçam a pequena ‘cadenza’ do Segundo Movimento do Concerto de Honneger para poderem apreciar ainda mais sua versatilidade).
Claro que nessa seleção não poderia faltar Lalo e seu Concerto em Ré menor. Fico feliz ao ver que mesmo após a morte de gigantes como Fournier, Rostropovich ou Starker, as novas gerações vem mostrando a que vieram, preenchendo aquelas lacunas com talento, virtuosismo e amor à causa. Claro que ao nome de Müller-Schott posso acrescentar os nomes de outros jovens talentosos, como Sol Gabetta, Gautier Capuçon, entre outros, e mais recentemente, o formidável Sheku Kanneh-Mason, cujo último álbum quero trazer para os senhores assim que possível.
Então vamos ao que viemos. Espero que apreciem este belíssimo CD, recentemente lançado. Eu gostei muito.
Cello Concerto No. 1 In A Minor, Op. 33, R. 193
Composed By – Camille Saint-Saëns
1 I. Allegro Non Troppo
2 II. Allegretto Con Moto
3 III. Allegro Non Troppo
4 Élégie, Op. 24 (Version For Cello & Orchestra)
Composed By – Gabriel Fauré
Cello Concerto In C Major, H. 72
Composed By – Arthur Honegger
5 I. Andante
6 II. Lento
7 III. Allegro Marcato
Cello Concerto In D Minor
Composed By – Édouard Lalo
8 I. Prélude. Allegro Maestoso
9 II. Intermezzo. Andantino Con Moto. Allegro Presto
10 III. Introduction. Andante. Allegro Vivace
11 Romance In F Major, Op. 36, R. 195 (Version For Cello & Orchestra)
Composed By – Camille Saint-Saëns
Daniel Müller-Schott – Cello
Deutsches Symphonie-Orchester Berlin
Alexandre Bloch – Conductor
Véronique Gens (1966) é uma linda e extraordinária soprano francesa. Ela passou grande parte de sua carreira gravando e executando música barroca. Sua estreia em 1986 foi com William Christie e seu Les Arts Florissants. Desde então, ela trabalhou com Marc Minkowski, René Jacobs, Christophe Rousset, Philippe Herreweghe, Jean-Claude Malgoire, ou seja, só com gente nada desprezível. Embora tenha começado como especialista em barroco, Gens também se tornou requisitada para papéis em óperas de Mozart e como intérprete de canções de Berlioz, Debussy, Fauré e outros. Suas numerosas gravações incluem muito Mozart e Purcel.
O repertório deste CD é desta época não barroca, trata-se de autores franceses, exclusivamente da virada da primeira metade do século XX. O disco é muito bom. O grande destaque são as canções de Poulenc, mais alegres e melodiosas que as de seus colegas Fauré e Debussy.
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
1. Après un rêve Op. 7 No. 1
2. Sylvie Op. 6 No. 3
3. Au bord de l’eau Op. 8 No. 1
4. Lydia Op. 4 No. 2
5. Le papillon et la fleur Op. 1 No. 1
6. Mandoline Op. 58 No. 1
7. Clair de lune Op. 46 No. 2
8. Les berceaux Op. 23 No. 1
Claude Debussy (1862 – 1918)
Trois Chansons de Bilitis
9) I. La flûte de Pan
10) II. La chevelure
11) III. Le tombeau des Naïades
Fêtes galantes, Set 1
12) I. En sourdine
13) II. Fantoches
14) III. Clair de lune
15) Nuit d’étoiles
16) Beau soir
17) Fleur des blés
18) La Belle au bois dormant
19) Noël des enfants qui n’ont plus de maison
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Banalités FP 107 (Guillaume Apollinaire)
20) I. Chanson d’Orkenise
21) II. Hôtel
22) III. Fâgnes de Wallonie
23) IV. Voyage à Paris
24) V. Sanglots
Deux Mélodies de Guillaume Apollinaire FP 127
25) Montparnasse
26) Hyde Park
Um tremendo disco, cheio de estilo e beleza. Como escreveu Paulo da Costa e Silva na Piauí:
“As melhores páginas que li sobre música foram escritas por Proust. Nada supera a vitalidade das descrições musicais e da compreensão dos processos da escuta que encontramos no romance. Grandes musicólogos como Leonard B. Meyer, Charles Rosen e Jean Molino não conseguiram, ao que me parece, chegar tão próximo do âmago do mistério musical – e nem grandes filósofos como Schopenhauer e Nietzsche, ou grandes artistas que pensaram a própria arte, como Stravinski e John Cage. Proust não tinha qualquer estudo formal de música. Não sabia ler partituras, desconhecia teorias e não tocava nenhum instrumento. Tinha apenas um ouvido finamente cultivado, antenado com a tradição da música clássica de sua época, indo mais ou menos de Bach a Debussy. E uma sensibilidade descomunal. Sensibilidade e capacidade expressiva por meio da palavra escrita. As reflexões musicais de Proust são tão mais fascinantes por não trazerem a aridez e a pretensão de objetividade das terminologias técnicas. Ele cerca seu objeto com as armas que possui, de modo direto. Está interessado no efeito da música sobre os meandros do ser. É um observador extraordinário desses efeitos, que ele conseguiu não apenas captar, mas transpor no meio específico da linguagem escrita. Vamos supor a música como sendo uma entidade invisível, como de fato é: a escrita de Proust seria um tecido finíssimo que por um breve instante adere perfeitamente à forma dessa entidade, tornando-a visível. Por meio de conceitos ela constrói uma experiência que possui algo de análogo à forma musical – uma escrita musicalizada capaz de emular a própria música. Citei alguns filósofos acima, mas agora me parece que quem mais (e melhor) se aproximou desse modo de pensar sobre música foi Gilles Deleuze, não à toa um proustiano de carteirinha. Talvez, depois de Proust, as mais luminosas páginas sobre música sejam de sua autoria. Adorno também captou a sugestão (era outro grande admirador de Proust), mas a amplidão de seu conhecimento (era pianista e compositor, conhecia bem a teoria musical) talvez o tenha afastado das regiões mais relaxadas do amador, onde a experiência corre um pouco mais livremente, um pouco menos obstruída pelo o que se sabe. Ainda que coalhada de iluminações, a escrita de Adorno não chega a atingir o “estado musical” que caracteriza a prosa de Marcel.
Tudo isso me leva a pensar que o ensaio é a forma textual mais adequada para se aproximar desses misteriosos objetos sonoros, e não o texto acadêmico com pretensões de conhecimento científico – que, ao levar a música para o laboratório, com suas provas e refutações, suas noções de objetividade, acaba quase sempre nos devolvendo um objeto morto. O bonito do ensaio é que ele permite que a música continue viva em seu interior. O que ele traz são, justamente, vislumbres de seu movimento. E nada mais. É diferente de querer fixá-la para o frio exame do microscópio. O ensaio é em si um objeto com vida própria – e o que ele narra é seu encontro com outro objeto qualquer. Proust foi um mestre dessa arte, mas não ficou apenas nisso. Incorporou o ensaio dentro do gênero do romance e, o que é mais incrível, não perdeu de vista o movimento que levava dos detalhes particulares para as generalizações mais abstratas da formulação teórica – ou seja, o movimento que conduz na direção do saber científico. Jean-Jacques Nattiez demonstrou em seu livro Proust musicien como o escritor formula ao longo do romance uma pequena “teoria da comunicação musical”, delineando as três fases perceptivas de uma obra – que começa com impressões vagas, bem ao sabor de Proust; desenvolve para uma relação associativa entre sons, experiências e lembranças; e finalmente, a depender da sofisticação do ouvinte, pode conduzir a uma apreensão das formas puras, do jogo estético das ideias musicais, por assim dizer. Cada uma dessas etapas da escuta musical coincide com um representante histórico, mas curiosamente segue num sentido inverso da história, na direção do passado. Assim, o primeiro momento da escuta, no qual sensações inefáveis prevalecem sobre a definição das formas, encontra um equivalente na música de Debussy, que foi contemporâneo de Proust; o segundo momento é representado pela obra de Wagner, que antecedeu historicamente Debussy; e o terceiro e último tem como paradigma a obra tardia de Beethoven, que antecedeu os dois primeiros. Tais seriam as bases da pequena “teoria musical” do escritor francês. Coloco o termo entre aspas porque Proust não é um cientista. Em nenhum instante sua “teoria” se desvencilha dos fatos concretos que a motivaram; jamais ganha um caráter genérico; por isso, não chega a ser uma teoria. A sugestão de um modelo ordenado de escuta serve apenas para melhor iluminar a complexidade da experiência real – e não para extrair dela um sumo básico, ou os “mecanismos da escuta musical”. Há um impulso na direção do saber científico, mas esse impulso não deve ser consumado. Quando o personagem Swann escuta a sonata de Vinteuil, não se trata apenas de um cérebro interagindo com uma forma sonora organizada; sua experiência é inextricavelmente ligada ao seu momento de vida, à figura da amante Odette, aos sofrimentos amorosos, ao ambiente do salão dos Verdurin, aos fiapos de memória e de reflexões que transitam em sua mente enquanto ouve a peça, etc., etc… Tudo isso faz parte do contexto sempre impuro no qual se dá a experiência musical. Proust até admite ordenar um pouco a bagunça das sensações, baseando-se no modelo científico, mas sem afastá-la demasiadamente do terreno concreto da experiência. Praticou, por assim dizer, uma “ciência suja”, que jamais perde de vista o je ne sais quoi do objeto estético. Que faz com que a música permaneça para sempre viva em suas palavras.
Steven Isserlis e Connie Shih mostram-se dignos de toda esta sensibilidade.
Duparc / Fauré / Franck / Hahn / Isserlis / Saint-Saëns: Música para Violoncelo nos Salões de Proust
01. Hahn: Variations chantantes sur un air ancien
02. Fauré: Romance in A Major, Op. 69
03. Fauré: Élégie in C Minor, Op. 24 (Version for Cello & Piano)
04. Saint-Saëns: Cello Sonata No. 1 in C Minor, Op. 32: I. Allegro
05. Saint-Saëns: Cello Sonata No. 1 in C Minor, Op. 32: II. Andante tranquillo e sostenuto
06. Saint-Saëns: Cello Sonata No. 1 in C Minor, Op. 32: III. Allegro moderato
07. Saint-Saëns: Cello Sonata No. 1 in C Minor, Op. 32: III. Allegro quasi presto (Original Version)
08. Duparc: Cello Sonata in A Minor: II. Lamento
09. Isserlis: Récitatif et chant (After Holmès’s “La vision de la reine”)
10. Franck: Violin Sonata in A Major, FWV 8 (Arr. J. Delsart for Cello & Piano): I. Allegretto ben moderato
11. Franck: Violin Sonata in A Major, FWV 8 (Arr. J. Delsart for Cello & Piano): II. Allegro
12. Franck: Violin Sonata in A Major, FWV 8 (Arr. J. Delsart for Cello & Piano): III. Recitativo-Fantasia
13. Franck: Violin Sonata in A Major, FWV 8 (Arr. J. Delsart for Cello & Piano): IV. Allegretto poco mosso
Este disco é uma pérola! Adoro este repertório e tudo aqui está excelente. Imagine que você seja um pianista dono de uma soberba musicalidade, técnica poderosa, tenha uma imaginação vibrante e possua uma profunda paixão… Suponha ainda que disponha de uma gravadora interessada em produzir um álbum com o repertório que você escolheu e que você disponha de um ambiente ideal – familiar e tecnicamente impecável – com condições ideais para as gravações. Tudo para resultar assim em um dico primoroso.
Pois foi o que aconteceu aqui. O pianista Jorge Federico Osorio tem todas as qualificações listadas acima, segundo o livreto e como você poderá confirmar ao ouvir o disco. Ele mora em Chicago onde exerce as carreiras artística e acadêmica – é professor da Roosevelt University’s Chicago College of Performing Arts. A gravadora Cedille Records, de Chicago, tem por objetivo promover os artistas locais, criando assim as condições ideais para a produção do disco que foi gravado no Reva and David Logan Center of Arts da Universidade de Chicago em janeiro de 2020.
O programa consiste em oito prelúdios de Debussy e mais duas peças de outras coleções e são típicas da sonoridade que associamos à música francesa. O livreto diz: A fascinação de Debussy com as sonoridades do piano inspirara a criação de seus prelúdios. Eles podem ser ouvidos como experimentos sonoros: quais são as possibilidades das harmonias cromáticas e escalas não tradicionais?
Osorio fez suas escolhas entre as peças e as coloca na ordem que lhe agrada, o que acrescenta uma dose de surpresa na sequência. Começamos com a belíssima e extrovertida peça chamada Les collines d’Anacapri e passamos para a mais introvertida La terrasse des audiences du clair de lune. Para continuar no clima, Clair de lune, possivelmente a peça mais conhecida de Debussy, o movimento lento da Suíte Bergamasque. Mais beleza com a irrequieta peça Ce qu’a vu le d’Ouest seguida do segundo dos prelúdios, Voiles. Depois, ouvir o prelúdio da Catedral Submersa seguido de Fogos de Artifício é de tirar o fôlego. Osorio sai do universo de Debussy pisando em Fuilles mortes para entrar no clima dos precursores de música francesa para teclado com três lindas peças de Rameau, compostas originalmente para cravo.
Dai em diante, as origens latinas do pianista muito provavelmente entraram em consonância com o fascínio que os compositores franceses tinham com a música de origem espanhola. O clima fica ibérico com a Habanera de Chabrier, La Puerta del Vino e La soirée dans Grenade de Debussy e passa para a Alborada del gracioso de Ravel.
O disco se fecha assim como foi aberto, com uma Pavane. A peça da abertura é de Fauré e para completar, Ravel. Ótima hora e um quarto de excelente música.
What appears to be a hodgepodge of French pieces actually emerges as a carefully crafted program. […] All told, an enjoyable and well-put-together recital.
… he [Osorio] plays with beauty and charm, a delicate touch, and a genuine grace, with expressive, nuanced singing in his piano playing. He is a richly expressive piano virtuoso of international fame, and in my experience has never demonstrated anything but sensitive, immaculate, committed, passionate playing, a most-refined pianist whose best work comes in expressively lyrical passages.
Producer James Ginsburg and Cedille’s ace engineer Bill Maylone recorded the music in the Reva and David Logan Center for the Arts at the University of Chicago in January 2020. The sound is gorgeous: not too sharp or bright; not too dull or soft. It simply sounds like a real piano in a real hall setting, with just the right amount of ambient bloom, room acoustics, and lifelike detail to bring it to life.
Aproveite!
René Denon
Jorge explicando para o pessoal do PQP Bach: Federico, não Frederico, Fe-de-rico…
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A atuação de Domus nessas duas obras-primas é leve, delicada e cheia de percepções. Esta é a melhor versão dessas duas lindas peças. São obras profundas e fascinantes de beleza sedutora executadas com cuidado e carinho. Fauré foi um homem modesto, músico e compositor que não alcançou o reconhecimento que provavelmente merecia. Criou uma música de piano sutil e cheia de nuances, deixando de lado as exibições sinfônicas bombásticas (wagnerianas) que estavam em alta na Paris do final do século XIX. Mas, devemos ser muito gratos por esse traço — pois dessa mentalidade contemplativa e subjugada surgiram obras maravilhosas de beleza rara como esses quintetos para piano. O brilho dessas peças é idealmente combinado por Susan Tomes, Richard Lester e o resto deste quinteto. Esta é uma gravação especial de grande profundidade e beleza expressiva. A sensação é a de que o tempo para. As atmosferas etéreas criadas por tons ricos e progressões harmônicas sutis e suaves são verdadeiras revelações da música de Fauré. Esses são momentos muito comoventes nessa música — é difícil imaginá-los tocados de forma mais maravilhosa do que isso. Os prêmio que este CD recebeu foram merecidíssimos!
Gabriel Fauré (1845 -1924): Os Quintetos para Piano (Domus / Marwood)
Piano Quintet No 1 In D Minor Op 89 (28:58)
1 Molto Moderato 10:25
2 Adagio 10:56
3 Allegretto Moderato 7:22
Piano Quintet No 2 In C Minor Op 115 (31:30)
4 Allegro Moderato 10:03
5 Allegro Vivo 4:04
6 Andante Moderato 10:57
7 Allegro Molto 6:06
Buscar inspiração no mundo do ‘Era uma vez…’ – no universo infantil – é um recurso usado por compositores do mundo todo. Isto também aconteceu com os compositores franceses da virada do século XIX para o século XX, como podemos ver nas duas suítes para piano a quatro mãos que abrem e fecham o programa deste maravilhoso disco.
Eu, que aprecio bastante estes dois ótimos pianistas, Paul Lewis e Steven Osborne, e como gosto muito deste repertório, tratei logo de ouvir e de postar este disco assim que me dei com ele. Inclusive, passei-o à frente de outros projetos. Afinal, nada como uma boa novidade para animar a gente.
Gabriel Fauré teve em 1892 um caso com Emma Bardac, cuja filha de tão pequenina tinha o apelido Dolly. Foi para ela que Fauré compôs cinco das seis peças desta Suíte Dolly, ao longo de alguns anos, acrescentando a primeira delas, a Berceuse, que já estava na gaveta esperando uma boa oportunidade. Essa música de salão é muito bela e agradável, mas demanda bastante trabalho dos intérpretes. Veja como o último movimento, Le pas espagnol, é de tirar o fôlego.
A peça a seguir é uma curta mas intensa Sonata para Piano, a quatro mãos, escrita por Poulenc ainda aos 19 anos e sob boa influência de Satie. O livreto fala em pureza, equilíbrio e reserva. Eu penso em intensidade e ritmos marcados.
Após esta breve sonata entramos em um universo sonoro diferente, com as Seis Epígrafes Antigas, de Debussy. Estas peças são arranjos feitos em 1914, para piano duo, de um material composto originalmente para duas flautas, duas harpas e celesta, por volta de 1900, para acompanhar um espetáculo de mímica e declamação de poemas – Les chansons de Bilittis. Claude fez estes arranjos com um olho no mercado para música para piano a quatro mão e outro na despensa, que já andava meio vazia.
Depois disso, a adorável Petit Suíte, também de Debussy, mas esta peça composta em 1888, 1889. Música de salão no melhor sentido da palavra – um pouco de superficialidade, nada de longos movimentos, ritmos simples e melodias memoráveis. Depois de ouvir ‘Em bateau’ uma só vez você reconhecerá a peça cada vez que voltar a ouvi-la. Claude estreou a suíte ao lado de Jacques Durand, que seria seu editor. Pois no último movimento, Claude ficou tão animado que deixou o pobre Durand arfando.
Na sequência Três Peças de Stravinsky, que era russo, mas estava emprestado na França, em 1914, às voltas com o espetacular insucesso da Sagração. A composição destas peças certamente foram uma boa maneira de retomar o fôlego assim como os seus poderes criativos.
E para completar este lindo disco, a Suíte Ma mère l’oye, de Maurice Ravel. Falar o que? Perfeição! Já ouvi muitas gravações desta suíte e gosto praticamente de todas (I’m easy to please), mas esta, senhores, está maravilhosa. Vejam lá o quão feérico é este jardim!
Fresh-faced charm pervades this astutely curated disc…Far from a marriage of convenience, Lewis and Osborne are long-standing duo partners, complementing each other perfectly in lightly-worn…
— BBC Music
This offers not only the perfect escape from our current locked-down state but also the most sublime example of peerless pianism.
Gramophone Magazine, April 2021 – Recording of the Month
Aproveite!
René Denon
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Um bonito disco de gatinhos. Ou seja, são peças juntadas de vários compositores segundo critérios que um ateu não entende bem, mas que deve ser a tal Trindade, — Pai, Filho e Espírito Santo –, sem mulheres envolvidas. Mas são elas, sopranos e contraltos, as estrelas de um disco que inclui algumas joias extraordinárias como a faixa 6 de Duruflé, a 11 e a 22 de Fauré e a 18 de Brahms. As duas últimas quase me levaram às lágrimas e isto é raro neste coração seco de tanta irreligião. (Brincadeira, é um alívio ser assim em nosso país fundamentalista). O disco me deu enorme saudade da música praticada nas igrejas da Inglaterra e da Alemanha, que tanto ouvi em meus turismos-sinfônicos por aqueles países. É o esplendor, mas agora não dá pra viajar.
O Coral do Trinity College de Cambridge é misto e sua função principal é a de cantar serviços corais na capela Tudor do Trinity College, Cambridge. Em janeiro de 2011, a revista Gramophone nomeou-o como o quinto melhor coro do mundo.
2 Never Weather-Beaten Sail
Composed By – Parry*
3:22
Psalms Of David
Composed By – Schütz*
3 Der Herr Sprach Zu Meinem, Herren 3:21
4 I Was Glad
Composed By – Purcell*
4:08
5 Ubi Caritas
Composed By – Duruflé*
2:30
6 Tota Pulchra Es
Composed By – Duruflé*
2:24
Lobet Den Herrn
Composed By – Bach*
7 I Lobet Den Herrn BWV.320 4:56
8 II Hallelujah! 1:18
9 Seigneur, Je Vous En Prie
Composed By – Poulenc*
1:23
10 Exultate Deo
Composed By – Poulenc*
2:47
11 Requiem – In Paradisum
Composed By – Fauré*
3:37
Der Geist Hilft Unsrer Schwachheit Auf, BWV.226
Composed By – J.S. Bach*
12.1 I Der Geist Hilft Unsrer Schwachheit Auf 3:25
12.2 II Der Aber Die Herzen 2:12
12.3 III Du Heilige Brunst 1:45
13 Hear My Prayer
Composed By – Purcell*
2:57
14 Judas Mercator
Composed By – Victoria*
2:12
15 Unus Ex Discipulis
Composed By – Victoria*
2:31
16 O Sacrum Convivium!
Composed By – Messiaen*
4:34
17 Eternal Father
Composed By – Stanford*
6:28
18 Geistliches Lied
Composed By – Brahms*
4:50
19 There Is No Rose
Composed By – Anon*
2:18
20 Of The Father’s Heart
Composed By – Anon*
2:29
21 Sweet Was The Song
Composed By – Anon*
2:19
22 Requiem – Sanctus
Composed By – Fauré*
3:26
The Choir Of Trinity College Of Cambridge
Richard Marlow
Depois de 13 dias caminhando todas as tardes por mais do que uma hora, meu joelho direito definitivamente zangou-se. Amanheceu com cara de poucos amigos e rangeu alto – botou-me de molho. Eu conheço a peça, reconheci o abuso e o tratei da melhor forma que pude – gelo e diclofenaco dietilamônio em gel. E pernas para o ar, que essa é a melhor das medicinas nestes casos. Dois dias de inatividade melhoraram o humor de meu parceiro joelho e assim consegui uns tantos minutos de pedaladas, espero que isso não me incorra em algum pedido de impedimento. Ao voltar para casa, depois do ritual de assepsia com álcool gel, água sanitária, que meu saudoso pai chamava quiboa, nos sapatos e tudo o mais. Atirei-me ao sofá e pus-me a escolher algum disquinho para embalar o fim da tarde, que a brisa vinda pela porta da varanda fica brincando com as cortinas e tudo fica muito propício. A patroa andava entretida em uma aula no zoom e eu não quis abusar da sorte – tratei de pegar qualquer coisa que já estava no pendrive espetado no sistema e dei com este disco de sugestivo nome ‘Les sons et les parfums’.
As primeiras notas do Noturno chegaram com uma lufadinha de brisa que veio da varanda para o sofá e tudo conjurou para que eu gostasse muito do disco, que foi ficando cada vez melhor.
Uma mistura de peças mais conhecidas, entremeadas por outras menos famosas, mas não menos charmosas.
Um crítico mencionou que já ouviu interpretações mais sutis dessas peças e eu acredito. A Janina tem uma certa objetividade, uma clareza na interpretação, que me soa mais como virtude do que falta. Assim, decidi compartilhar tudo com vocês.
Fialkowska nasceu no Canadá, onde começou seus estudos, mas foi a Paris, onde estudou com Yvonne Lefébure e passou também por Nova York, onde estudou com Sacha Gorodnitzki, na Juilliard School. Em 1974 ganhou um importante prêmio e com isso ganhou a atenção de Arthur Rubisnstein, que se tornou assim uma espécie de mentor e ela passou a ser identificada como intérprete de Chopin.
Neste disco os compositores mais conhecidos são Debussy e Ravel, cujas peças dominam a segunda parte. Isso é bom, mas as quatro primeiras delas, de Germaine Tailleferre, Gabriel Fauré, Francis Poulenc e Emmanuel Chabrier, são belíssimas. A Habanera, de Chabirer, que evoca a música espanhola, apesar do nome, está tocando agora… Portanto, não demore nem mais um pouco e vá logo baixando o arquivo.
Germaine Tailleferre (1892 – 1983)
Impromptu
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
Noturno No. 4 em mi bemol maior, Op. 36
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Intermezzo em lá bemol maior, FP118
Emmanuel Chabrier (1841 – 1894)
Habanera
Claude Debussy (1862 – 1918)
Poissons d’or (de Images pour piano, livre 2, No. 3)
Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir (de Préludes, livre 1)
Reflets dans l’eau (de Images pour piano, livre 1, No. 1)
Cet affectueux parcours dans sa mémoire musicale évoque un portrait vibrant de Paris pendant la jeunesse de Mme Fialkowska, alors que « Poulenc et Tailleferre étaient encore très vivants et que les âmes de Ravel, Debussy et Fauré étaient toujours omniprésentes ».
Esta viagem afetuosa na memória musical evoca um retrato vibrante de Paris durante a juventude de Mme Fialkowska, quando “Poulenc e Tailleferre ainda estavam muito vivos e as almas de Ravel, Debussy e Fauré ainda eram onipresentes”.
Gramophone – Awards Issue 2019
This programme, selected with such care and affection, is imbued with the character, style and intelligence which are the hallmarks of Fialkowska’s playing… Fialkowska brings to bear an extraordinary variety of touch, producing sounds that seem tailored to their respective pieces…There’s simply no one quite like her.
Tailleferre was the only woman in the group of French composers, Les Six. Encouraged and inspired by her friends – including Poulenc and Ravel – she wrote many of her most important works during the 1920s, including her first Piano Concerto, the Harp Concertino, the ballets ‘Le marchand d’oiseaux’ and ‘La nouvelle Cythère’. She was composing and playing piano right up until her death at the age of 91.
Aproveite!
René Denon
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Um excelente disco de Nicola Benedetti, que, apesar do nome, é escocesa. Neste Fantasie, seu quarto álbum, ela apresenta uma seleção de peças para violino que são muito amadas e que formam uma impressionante demonstração de qualidade interpretativa. A combinação de peças virtuosísticas de influência cigana com meditações e canções introspectivas funcionou maravilhosamente e mostram a maturidade de Benedetti. Ela foi vencedora do concurso de jovens músicos da BBC e depois estabeleceu uma carreira fantástica com grandes orquestras do Reino Unido, EUA e Japão, recebendo elogios por suas ousadas interpretações de concertos como os de Tchaikovsky, Mendelssohn, Sibelius, Glazunov e Szymanowski. Para Fantasie, Benedetti deixou de lado os grandes concertos para explorar algumas obras do recital padrão, mas também incluindo músicas não tão conhecidas, como a linda The Lark Ascending, de Vaughan Williams, uma das maiores obras para violino que, nos últimos três anos, foi eleita a peça favorita de música clássica da inglesa Classic FM, mas ainda pouco divulgada fora das ilhas.
1 Zigeunerweisen Op.20
Composed By – Pablo de Sarasate
Conductor – Vasily Petrenko
Leader – James Clark (6)
Orchestra – Royal Liverpool Philharmonic Orchestra
8:59
2 The Lark Ascending
Composed By – Ralph Vaughan Williams
Conductor – Andrew Litton
Leader – Vesselin Gellev
Orchestra – The London Philharmonic Orchestra
15:57
3 Introduction And Rondo Capriccioso In A Minor
Composed By – Camille Saint-Saëns
Conductor – Vasily Petrenko
Leader – James Clark (6)
Orchestra – Royal Liverpool Philharmonic Orchestra
9:19
4 Meditation From “Thais”
Composed By – Jules Massenet
Conductor – Daniel Harding
Leader – Carmine Lauri
Orchestra – The London Symphony Orchestra
5:39
5 Tzigane
Composed By – Maurice Ravel
Conductor – Vasily Petrenko
Leader – James Clark (6)
Orchestra – Royal Liverpool Philharmonic Orchestra
10:02
6 Spiegel Im Spiegel
Composed By – Arvo Pärt
Piano – Alexei Grynyuk
7 Vocalise Opus 34 No.14
Composed By – Sergey Rachmaninov*
Piano – Alexei Grynyuk
6:11
8 Apres Une Reve
Composed By – Gabriel Fauré
Piano – Alexei Grynyuk
O lançamento deste disco foi ontem (escrevo na linda tarde de 2 de outubro de 2020) e deixou-me assim, um pouco surpreso.
O Fauré Quartett é formado por Konstantin Heidrich (violoncelo), Erika Geldsetzer (violino), Sascha Frömbling (viola) e Dirk Mommertz (piano). Estes quatro músicos alemães formaram este conjunto de câmera há 25 anos, quando estudavam em Karlsruhe. A escolha do nome se deve ao fato de que naquele ano de 1995 comemorava-se os 150 anos de nascimento do Gabriel e a música deste ótimo compositor francês os reuniu e mostrou a possibilidade de assim atuarem profissionalmente.
Minha surpresa vem do fato de que, apesar do nome, o grupo ainda não havia registrado as peças do homônimo compositor. Realmente, eles gravaram os quartetos de Mozart, de Brahms, e realizaram outros interessantes e ousados projetos para a Deustche Grammophon, mas nada de Fauré, até ontem…
Parece que eles passaram 25 anos se preparando para realmente fazer jus à música que tanto os inspirou. Posso vos garantir que valeu a espera. O disco é excelente.
O pianista do grupo, Dirk Mommertz, explica que os membros do grupo estão realmente muito conectados e isto gera algum risco: manter exatamente aquilo que uma música como a de Fauré precisa, o imprevisível, uma sensação de estar no ar, de leveza, mas também a profundidade que está dentro dela.
Dame Janet Baker
Veja como o Google tradutor do alemão verteu a mensagem de lançamento do álbum: O lançamento do novo disco é iminente! Estamos comemorando 25 anos do Quarteto Fauré. É por isso que Gabriel Fauré pode ser ouvido no CD. Muito! Seus dois quartetos de piano, Op. 15 e Op. 45, são adoçados com cinco canções: Notre Amour, Les Berceaux, Après un rêve, Clair de lune e Mandolin em um arranjo agradável de Dietrich Zöllner. O CD estará disponível a partir de 2 de outubro!
Gérard Souzay
Adoçados (versüßt) pode não ser muito elogioso para nossos ouvidos, mas tenho certeza que o contexto cultural alemão deve ser diferente. Digo isso por que achei os arranjos de impecável bom gosto. Acrescentei no arquivo que você já deve estar baixando gravações das canções Les Berceaux, Après un rêve, Clair de lune e Mandolin, nas vozes excepcionais de Gerard Souzay e Janet Baker, para que você compare e tire as suas próprias conclusões.
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
Quarteto com Piano No. 2, Op. 45
Allegro molto moderato
Allegro molto
Adagio non troppo
Allegro molto
Canções arranjadas para Quarteto com Piano (Dietrich Zöllner)
E o pianista do Fauré Quartett continua explicando: “One discovers much that is wonderful in Fauré’s music, from the darkest depths in the slow C minor movement, to the airiness and cheerfulness of some of the art songs we arranged and recorded” […] It is “incredibly challenging to cope with such emotional fluctuations along with all the imponderables as a member of an ensemble that has been rehearsing this music for over twenty years now. But it is exactly this that has perhaps driven us to rethink just about everything as much as possible. You have to look for a truth that offers validity.”
Na minha opinião, eles saíram-se brilhantemente do desafio!
Aproveite!
RD
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Mas que danado de CD bonito, meus queridos… que dupla!!! Provavelmente uma das melhores gravações destas obras…
Dia destes o colega René Denon apresentou uma outra gravação da Primeira Sonata de Gabriel Fauré, mas essa obra é tão linda que me dá a liberdade de trazer para para os senhores uma outra possibilidade de leitura, mais antiga, mas com os então tão jovens Shlomo Mintz e Yefim Bronfman. Por algum motivo inexplicável me veio a cabeça estes versos daquela belíssima canção do Johnny Alf, imortalizada na voz de João Gilberto:
“Ah, se a juventude que essa brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só
Pra ser um sonho”
Sim, porque o que sinto ouvindo esse CD é uma brisa soprando, empurrando a dor e o lamento para longe, ainda mais nestes tão tristes tempos em que estamos vivendo.
Gabriel Fauré viveu em um período de transformações sociais intenso, quando nasceu Chopin ainda era vivo, e quando morreu, aos 79 anos de idade, o mundo já conhecia o atonalismo e o Jazz, e recém passara por uma violentíssima Grande Guerra, que ceifou milhões de vidas. Além de compositor, Fauré foi educador e influenciou toda uma geração de músicos e compositores, vindo inclusive a receber um prêmio das mãos do Presidente francês pela sua importância na história da cultura francesa.
Então vamos deixar que estes dois excepcionais músicos nos apresentem estas belíssimas obras e nos ajudem a encarar a nossa triste realidade com um pouco mais de luz e esperança.
01. Violin Sonata op.13 – I. Allegro molto
02. Violin Sonata op.13 – II. Andante
03. Violin Sonata op.13 – III. Allegro vivo
04. Violin Sonata op.13 – IV. Allegro quasi presto
05. Violin Sonata op.108 – I. Allegro non troppo
06. Violin Sonata op.108 – II. Andante
07. Violin Sonata op.108 – III. Final. Allegro non troppo
Um disco FANTASQUE! Com sabor gálico! Eu disse gálico, não gárlico… Brincadeiras à parte, temos aqui um disco maravilhoso reunindo quatro sonatas para violino e piano de quatro mestres franceses, compostas ao longo de um período de perto de 70 anos. Da Sonata No. 1 de Gabriel Fauré, composta em sua juventude, passamos para a Sonata para violino de Debussy, escrita quando ele já estava no fim de sua vida e faz parte de um conjunto planejado para seis sonatas, das quais apenas três chegaram a ser completadas. Depois a segunda sonata de Ravel, pois acabaram descobrindo uma primeira sonata mais de juventude, e a sonata de Poulenc, já mais modernosa, mas ainda com todos as características da tradição de sonatas para violino francesas.
Franziska…
Claro, há outras belíssimas sonatas que poderiam ter chegado ao disco, como a de César Franck, que nasceu em Liège, mas classifica para nossas ‘sonatas francesas’, para citar apenas uma. Para que olhar para a grama verde do vizinho, se já temos aqui um painel esplêndido para um recital e tanto, não acham?
Falando um pouco nos intérpretes, Franziska Pietsch é violinista nascida em Berlim Oriental de uma família de músicos, foi criança prodígio. Mudou-se para Berlim Ocidental em 1986 e estudou com Ulf Hoelscher e depois com Dorothy DeLay, na Julliard School, em Nova Iorque. Foi spalla em várias orquestras e também atou com solista e como musicista de câmera.
Josu
O pianista Josu De Solaun é um pianista espanhol que ganhou o primeiro prêmio em uma edição da Competição Internacional de Piano de Bucareste, como antes dele o fizeram Radu Lupu e Elisabeth Leonskaja. Seus principais professores foram Nina Svetlanova e Horacio Gutiérrez.
O libreto que está no pacote tem muito bom texto escrito pelo De Solaun, no qual ele explica a escolha do repertório do disco feita pela dupla de músicos: ‘Debussy e seu mundo de sonhos aforísticos; a mistura de humor sardônico com a sensualidade e gravitas sutilmente disfarçada de Poulenc; a urbanidade eclética, pastoral, melancólica de Ravel; e a nostálgica finesse e a aristocrática verve de Fauré’.
Realmente, um disco muito, muito bom. Dos adjetivos usados pelo De Solaun, sensualidade é o que transparece no som produzido pela dupla. Achei, na primeira audição, que o andamento escolhido era um pouquinho lento, mas depois, me rendi completamente. Gostei demais. Especialmente da sonata do Ravel. O movimento lento, um Blues, moderato, é especial. E a maneira como o piano e o violino provocam um ao outro, logo no início do último movimento, vale o disco. Não se faça de rogado, estes dois músicos não são ícones dos seus respectivos instrumentos, mas são espetaculares!
Espetacular CD dessa exímia e extraordinária violinista, em um repertório montado para ela mostrar a que veio. Não sobra pedra sobre pedra.
Com o perdão do exagero, este talvez seja o melhor disco que ela gravou em toda sua carreira, daqueles que servem para mostrar que ela não era apenas mais um rostinho bonito. Os destaques são, é claro, as obras de Pablo de Sarasate, que ela toca com uma perícia e uma técnica absolutamente estonteante. A “Tzigane” de Ravel, também é imperdível, mostrando como Mutter definitivamente não temia desafios, alíás, até hoje não os teme. Ela passa da loucura de Sarasate para a delicadeza de Wieniawski, para logo em seguida nos levar ao devaneio de Massenet na “Meditation de Thais”, e à descontrução da “Carmen” de Bizet que Sarasate promoveu, enfim, ela transita nesse repertório incrível com a segurança e firmeza tipica dos grandes mestres.
Para ouvir e ouvir e ouvir e ouvir sem cansar.
1. Sarasate: Zigeunerweisen, Op.20
2. Wieniawski: Legende, Op.17
3. Tartini: Sonata For Violin And Continuo In G Minor, B. g5 – “Il trillo del diavolo”
4. Ravel: Tzigane, M.76
5. Massenet: Thaïs / Acte Deux – Meditation
6. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – Introduction. Allegro Moderato
7. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 1. Moderato
8. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 2. Lento assai
9. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 3. Allegro moderato
10. Sarasate: Carmen Fantasy, Op.25 – 4. Moderato
11. Fauré: Berceuse, Op.16
Anne-Sophie Mutter – Violin
Wiener Philharmoniker
James Levine – Conductor
Monge Ranulfus, em seu retiro espiritual em alguma capital do litoral brasileiro, assim se referiu a este músico:
“Ele DIZ a música – e para mim esse o diferencial central que me faz reconhecer alguém como grande músico. Eu diria que ele enuncia frase por frase o discurso que essa música pretende ser… e com isso consegue fazer Elgar, que é um compositor apenas mediano, soar como um grande compositor. Consegue extrair profundidade de frases melódicas que seriam banais, em uma interpretação menor. “
Em se tratando do Concerto de Elgar, bem, o nível é bem elevado. Apenas para começo de conversa, lembro da recente excelente gravação de Alisa Weilerstein com o Daniel Baremboim / Staatskapelle Berlin, e claro, a gravação histórica de Jaqueline Du Pré ao lado de John Barbirolli / LSO. Isso para ficarmos em apenas duas. Ah, claro, estou esquecendo da pequena notável Sol Gabetta.
Mas o nome em questão aqui é o de Sheku Kanneh-Mason, uma revelação britânica de apenas 20 anos de idade. Assim a revista Grammophone descreve o artista: “Young artist, old soul”. Aliás, o último número desta conceituada revista dedicada algumas páginas ao jovem artista.
Ouvindo com atenção esta gravação, entendi o que o nosso Ranulfus quis dizer em seu comentário. Sheku tem uma abordagem mais sensível, não tão intensa quanto a de Du Pré, que nos dá a impressão de sangrar os dedos quando está tocando tal a força que ela imprime às notas. O jovem britânico nos dá uma outra possibilidade de leitura, e estou encantado com esta sua abordagem. Claro, a cumplidade da orquestra e do maestro também ajudam. Sir Simon Rattle e a Sinfônica de Londres já devem ter tocado este concerto tantas vezes que ele já se inseriu no DNA da orquestra e do próprio maestro. Por isso eles soam tão naturais e perfeitos. Nada a acrescentar nem para tirar.
Tenho a certeza de que ainda iremos falar muito deste jovem violoncelista.
1 Traditional: Blow The Wind Southerly (Arr. Kanneh-Mason)
2 Elgar: Variations on an Original Theme, Op. 36 “Enigma” – 9. Nimrod (Adagio) (Arr. Parkin)
3 Elgar: Cello Concerto in E Minor, Op. 85 – 1. Adagio – Moderato
4 Elgar: Cello Concerto in E Minor, Op. 85 – 2. Lento – Allegro molto
5 Elgar: Cello Concerto in E Minor, Op. 85 – 3. Adagio
6 Elgar: Cello Concerto in E Minor, Op. 85 – 4. Allegro
7 Elgar: Romance in D Minor, Op. 62 (Arr. Parkin)
8 Bridge: 4 Short Pieces, H. 104 – 2. Spring Song (Arr. Parkin)
9 Traditional: Scarborough Fair (Arr. Parkin)
10 Bloch: Prelude, B 63
11 Bloch: From Jewish Life, B 54 – 1. Prayer (Arr. B. Kanneh-Mason)
12 Fauré: Elégie in C Minor, Op. 24 (Arr. Parkin)
13 Klengel: Hymnus, Op. 57
Sheku Kanneh-Mason – Cello
London Symphony Orchestra
Sir Simon Rattle – Conductor
Eu sempre penso nisto quando imagino os grandes artistas em seus momentos, digamos assim, mais mundanos. É claro, a pergunta aplica-se a outras gentes e é possível que os hábitos domésticos, os interesses além daqueles estritamente profissionais, revelem mais sobre as pessoas do que aquilo que é público, aquilo que todos sabem sobre elas.
Pois fico imaginando como teria sido Arthur Rubinstein chegando em casa após um cansativo dia de gravações com uma enorme orquestra, um regente cheio de ideias diferentes das suas sobre o concerto que estão gravando. O produtor Max Wilcox atarefado com as faixas selecionadas para audição, o orçamento já em vias de estourar.
Então, chegar em casa, passar dos sapatos para os chinelos, um golinho de xerez, talvez, um lanchinho leve, por certo. Nada interessante na TV. Pronto, agora a noite já caiu de vez e a porta que dá para a sacada está aberta e deixa entrar uma brisa que além de balançar as cortinas esvoaçantes, traz um aroma das flores que só recendem à noite, assim como um restinho de luar. Pois não é que o clima se mostra então propício à música. O piano ali pertinho, sobre o velho tapete vermelho, sorri convidativamente com suas amareladas e amigas teclas. Música então, pensa nosso hipotético Arthur. O que tocaria para si próprio ou pequena e íntima companhia? Chopin? Nãh… muito pedido por todos. Beethoven, Schubert, Mozart? Não de novo, muito germânicos para a noite quase latina. E como era boa a convivência com os amigos franceses, colegas pianistas e queridos compositores. Jantares nas casas de uns, passeios nos arredores de Paris com adoráveis piqueniques. Assim, nosso pianista resolve tocar umas peças francesas, cheias de charme, de alegria e de muita elegância.
As Valses nobles et sentimentales do Maurice são mais conhecidas na versão para orquestra e merecidamente. Mas na falta da orquestra, Arthur vai de piano mesmo, que ele é capaz de recriar com seu instrumento a riqueza da partitura de Ravel. Mas as valsas foram originalmente escritas para piano e inspiradas pelas Valses sentimentales e as Valses nobles de Schubert. No entanto, diferentes das peças de Schubert, as de Ravel formam uma coleção de oito valsas que se emendam umas nas outras, fluindo num todo, passando por seções tempestuosas, langorosas, até a peça final onde as anteriores são recapituladas. A coleção teve sua estreia em um concerto da Sociedade Musical Independente, interpretadas por Louis Aubert, amigo de Ravel dos dias do conservatório. O concerto foi arranjado de forma que as pessoas não sabiam os nomes dos compositores das peças e eram estimuladas a adivinharem os autores. As tentativas muito divertiram Ravel. Entre elas surgiram nomes como Kodály, Satie, Chopin ou mesmo Mozart.
Poulenc ainda muito jovem e servindo durante a guerra, arranjou tempo para compor essas Mouvements perpétuels e conseguiu as enviar para Ricardo Viñes estreá-las em um concerto de fevereiro de 1919. Estes concertos misturavam diferentes artes, com poesia e exposições de pinturas além de música. Essas peças foram um sucesso imediato e mesmo muitos anos depois, sempre as ouvindo, quando perguntado como ele se sentia sobre elas, Poulenc respondeu que “ainda podia tolerá-las”.
O Intermezzo foi uma das poucas peças que Poulenc compôs em 1934 e a dedicou a uma querida amiga, a Condessa Marie-Blanche de Polignac, uma música amadora muito aplicada. Rubinstein também era amigo da Condessa e ganhou de Poulenc uma cópia do Intermezzo, com a inscrição “Para Arthur, um retrato de nossa querida Marie-Blanche”.
Ravel recuperava-se das agruras da guerra na casa de campo de Madame Fernand Dreyfus quando encontrou inspiração para compor uma suíte para piano, Le Tombeau de Couperin. Fazia assim simultaneamente um tributo à música francesa antiga e a vários amigos que perdera na guerra. Desta suíte ouvimos aqui a Forlane, lindíssima. A outra peça de Ravel no disco, La Vallée des cloches pertence a outra suíte, Miroirs.
Mais duas lindas peças seguem, um famoso noturno de Gabriel Fauré e outro intermezzo de Poulenc, este composto em 1943.
O disco termina com uma peça “pitoresca”, Scherzo-Valse, de Chabrier, o mais barulhento e histriônico dos compositores (quase amador) francês. Certamente a peça prenuncia sua famosa España. E assim também termina a nossa noite imaginada e transformada em um belíssimo disco, mais um da dupla Rubinstein – Wilcox, o artista e o artístico produtor.
Ravel colocou uma citação de Henri de Regnier no auto das Valses nobles et sentimentales: “… le plaisir delicieux et toujours nouveau d’une occupation inutile…” (… o prazer delicioso e sempre novo de uma ocupação inútil…)
Gosto muito da música de Gabriel Fauré. Ela soa como um Brahms francês, um Brahms menos denso, mas cheio de elegância e belas melodias. Fico feliz ao ouvi-lo. A música de Fauré também tem sido descrita como uma ligação entre o romantismo e o modernismo, no primeiro quarto do século XX. Quando nasceu, Chopin ainda compunha e, quando morreu, começava-se a ouvir o jazz e a música atonal da Segunda Escola de Viena. O Grove Dictionary of Music and Musicians, que o descreve como o compositor mais avançado da sua geração em França, salienta que as suas inovações harmônicas e melódicas influenciaram a música de muitas gerações. Estes quartetos são belíssimos e a interpretação do Wanderer é digna deles.
Gabriel Fauré: Quartetos para Piano Nros 1 e 2
Piano Quartet No.1 Op.15
1 Allegro Molto Moderato 9:30
2 Scherzo. Allegro Vivo 5:26
3 Adagio 7:10
4 Finale. Allegro Molto 7:43
Piano Quartet No.2 Op.55 In G Minor
5 Allegro Molto Moderato 11:05
6 Scherzo. Allegro Molto 3:29
7 Adagio Non Troppo 9:50
8 Finale. Allegro Molto 8:07
Trio Wanderer:
Cello – Raphaël Pidoux
Piano – Vincent Coq
Violin – Jean-Marc Phillips-Varjabédian
+ Viola – Antoine Tamestit
Não, você não leu errado: estas são as gravações completas dos legendários violinistas Joachim e Sarasate, feitas no começo do século XX.
Sim, Joachim: aquele que estreou sob a batuta de Felix Mendelssohn e consolidou o Concerto Op. 61 de Beethoven no repertório, que escreveu dezenas de cadenzas para concertos alheios, fundador de uma importante escola pedagógica, amigo de Schumann e de Brahms, e consultor deste último nas obras concertantes para violino.
E sim, ele mesmo: Sarasate, o mais célebre dos violinistas do século XIX depois de Paganini, receptor das dedicatórias da Sinfonia Espanhola de Lalo, do Concerto no. 2 de Wieniawski, do Concerto no. 3 e Introdução e Rondó Caprichoso de Saint-Saëns, entre outros.
De quebra, para fechar o disco, algumas das gravações que Eugène Ysaÿe, o maior violinista de seu tempo, realizou durante uma visita a Nova York em 1912.
Joseph Joachim (1831-1907)
Joachim tinha 72 anos quando realizou suas gravações – idade avançada para a época – e certamente já não estava no melhor de sua forma, tanto física quanto técnica. As técnicas primitivas de gravações, agravadas pelas dificuldades inerentes à captação do som do violino, ainda mais com as cordas de tripa que eram então a norma, exigem bastante do ouvinte que deseja apreciar a arte deste violinista legendário. As duas peças de Bach para violino solo carregam a distinção de serem as primeiras obras do Pai da Música jamais gravadas. Chamam a atenção também as ornamentações que adicionou, especialmente à bourrée, o uso muito comedido de vibrato (pois a escola fundada por Joachim assim defendia) e o que parece uma entonação distinta, que talvez estivesse em voga na distante década de 1830, quando começou a receber sua educação musical.
Joachim com o jovem Franz von Vecsey, em foto de 1903 – ano em que realizou suas únicas gravações. Aquele dedo indicador artrítico da mão esquerda dói só de olhar, e nos faz conceder um generoso desconto quando ouvimos os erros que ele deixou registrados para a posteridade.
Pablo de Sarasate (1844-1908), com seu Stradivarius que pertenceu a Paganini, o mesmo instrumento usado nestas gravações.
Comedimento era o que não existia no diminuto corpo de Sarasate, virtuose de fama mundial e compositor de diversas obras feitas sob medida para exibir sua técnica. Diferentemente de Joachim, ele abusa do vibrato e, a julgar por suas gravações, apreciava andamentos insanamente rápidos. O Prelúdio da Partita em Mi maior de Bach, por exemplo, é tocada em velocidade lúbrica, mais rápido até do que era capaz o violinista sexagenário: lá pelo segundo terço ele se perde completamente, como um estudante em pânico na prova, e só vem a se recuperar quando a obra se encaminha para o final (ele parece comentar alguma coisa no fim – talvez uma exclamação desbocada – mas não a consegui entender). O arranjo do Noturno de Chopin permite apreciar um pouco de seu afamado “cantabile”, que pelo jeito abusava do portamento. No entanto, é em suas próprias obras que o basco parece se sair melhor, principalmente no “Zapateado” e nas famosas “Zigeunerweisen” (Árias Ciganas), aparentemente abreviadas para caberem na gravação – o Adagio acaba bruscamente (em meio a instruções sem-cerimoniosamente faladas pelo intérprete) para dar lugar ao velocíssimo Finale.
Eugene Ysaÿe (1858-1931)
Já o belga Ysaÿe, aluno dos legendários Vieuxtemps e Wieniawski em Bruxelas, viveu até os anos 30. Por isso, deixou um legado maior de gravações, que nos soam mais modernas e muito mais satisfatórias que as de Sarasate e Joachim – mérito, também, da impressionante evolução das técnicas de gravação. O movimento final do Concerto de Mendelssohn, apesar dos cortes necessários para que coubesse num lado de um LP de 78 rpm, é bastante bom, e a famosa elegância do estilo de Ysaÿe fica evidente, apesar de algumas escorregadelas. Lembremo-nos de que as gravações eram feitas em uma só tomada, e o alto custo da mídia não permitia o luxo de repetir tomadas a bel-prazer.
Ysaÿe e o pianista Camille Decreus, realizando as gravações que vocês escutarão em breve, em Nova York (1912). Reparem no cone que fazia as vezes de microfone
Espero que apreciem estas gravações preciosas que permitem, pelo menos àqueles que lhe relevam os ruídos de superfície inerentes às limitações técnicas da época, uma fascinante viagem aural ao passado.
JOSEPH JOACHIM – THE COMPLETE RECORDINGS (1903) PABLO DE SARASATE – THE COMPLETE RECORDINGS (1904) EUGÈNE YSAYE – SELECTED RECORDINGS (1912)
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
01 – Partita no. 1 em Si menor para violino solo, BWV 1002 – Bourrée
02 – Sonata no. 1 em Sol menor para violino solo, BWV 1001 – Adagio
Joseph Joachim, violino
(1903)
Joseph JOACHIM (1831-1907)
03 – Romance em Dó maior para violino e piano
Johannes BRAHMS (1833-1897), arranjos para violino e piano de Joseph Joachim
04 – Dança Húngara no. 1 em Sol menor
05 – Dança Húngara no. 2 em Ré menor
Joseph Joachim, violino
Pianista desconhecido
(1903)
Pablo Martín Meliton de SARASATE y Nevascués (1844-1908)
BÔNUS: vocês sabiam que não há só uma, mas DUAS gravações de Johannes Brahms ao piano? Claro que o som é precaríssimo, pois elas são de 2 de dezembro de 1889 (imaginem, menos de um mês após a Proclamação de República no Brasil!). Brahms toca uma de suas Danças Húngaras e um trecho de uma polca de Josef Strauss. Este vídeo do pianista Jack Gibbons, que tem um dos melhores canais de YouTube para amantes do piano, guia-nos nessa experiência aural a um só tempo difícil e privilegiada:
PQP Bach tem lá suas manias. Uma delas é de considerar Fauré superior a Debussy. Ouçam este disco! Que repertório maravilhoso! Kathtyn Stott é uma intérprete internacionalmente reconhecida da música para piano de Fauré. Trata-se de uma especialista. Há muito tempo ela queria gravar os dois quartetos para piano do compositor, mas estava procurando o grupo certo. Ela descobriu o Hermitage String Trio, um conjunto com o qual ela passou a fazer turnês. Aos quartetos são acrescentados de um trabalho para piano solo de Fauré, o Noturno Nº 4. A pianista inglesa e os russos do Hermitage funcionam muito bem juntos. Os movimentos lentos, no entanto, são estranhos, parecem tensos, como se Stott quisesse um tempo e os russos outro, mas talvez seja apenas uma impressão minha. Mas ficou lindo! A leitura de Stott do Noturno Nº 4 de Fauré é sensível e bonita. Apesar de minha pequena restrição, este é um disco que desafia as grandes performances do passado.
Gabriel Fauré (1845-1924): Quartetos para Piano Nº 1 & 2 / Noturno Nº 4
Piano Quartet No. 1 in C minor, Op. 15
1 1. Allegro molto moderato 09:12
2 2. Scherzo. Allegro vivo 05:17
3 3. Adagio 06:47
4 4. Allegro molto 07:52
Piano Quartet No. 2 in G minor, Op. 45
5 1. Allegro molto moderato 10:52
6 2. Allegro molto 03:29
7 3. Adagio non troppo 11:20
8 4. Allegro molto – Più mosso 08:36
9 Nocturne No. 4 in E flat major, for solo piano, Op. 36 08:17