Myung-Whun Chung e sua trupe fazem um monumental trabalho nesta versão da segunda e última ópera de Shostakovich.
Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk é uma ópera em quatro atos de Dmitri Shostakovitch. O libreto é inspirado na novela de mesmo nome publicada em 1865 por Nikolai Leskov. Ambientada na Rússia do século XIX, conta a história de uma mulher casada e solitária, Katerina Lvovna Ismailova, que se apaixona por outro homem e termina cometendo assassinatos. O argumento é sombrio, com bastante violência e sexo. O título faz referência a Lady Macbeth, a anti-heroina da tragédia shakespeareana Macbeth (1606).
A estreia ocorreu em 1934 em Leningrado (São Petersburgo) com enorme sucesso de público e crítica. Nos anos seguintes foi encenada nos palcos de todo o mundo. A ópera, porém, tornou-se mais famosa ainda pela intervenção das autoridades soviéticas: em 1936, funcionários do governo comunista – incluindo Josef Stálin – assistiram a uma apresentação no Teatro Bolshoi. Na edição de 28 de janeiro do jornal Pravda foi publicada uma severa crítica que descrevia a ópera como “ruído ao invés de música”, entre outras coisas (Stálin teria chamado a ópera de uma pornofonia). Frente a essa denúncia, Shostakovitch passou a temer por sua liberdade artística e até por sua vida, e em 1937 escreveu sua Quinta Sinfonia em um tom muito mais convencional, descrita pelo próprio artista como “a resposta de um artista soviético a uma crítica justa”.
Esta foi a última ópera de Shostakovich. Nos anos 60, ele a revisou, suprimindo as partes mais quentes. Atualmente, porém, a composição original é a mais executada, claro.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Lady Macbeth de Mzensk (Chung)
01. Akh, Ne Spitsya Bol’se, Poprobuyu
02. Gribli Segodnya Budut?
03. Govori/ Zacem Ze Ti Uyezzayes’, Khozyain/ Vot, Papa, Posmotri/ Proscay, Katerina…
04. Interlude
05. Ay! Ay! Ay! Ay, Besstiziy, Oy, Ne Scipli/ Otpustite Babu
06. Mnogo Vi, Muziki, O Sebe Vozmectali/ Cto Eto?
07. Interlude
08. Spat’ Pora. Den’ Prosol
09. Zerebyonok K Kobilke Toropitsya
10. Kto Eto, Kto, Kto Stucit?/ Proscay/ Uydi Ti, Radi Boga, Ya Muznyaya Zena
11. Cto Znacit Starost’: Ne Spitsya
12. Proscay, Katya, Proscay!/ Stoy! Gde Bil?/ Smotri, Katerina, Zanyatnoye Zrelisce
13. Ustal – Prikazete Mne Postegat?/ Progolodalsya Ya
14. Vidno, Skoro Uz Zarya. Ekh!/ Gde Tut Umirayut?/ Batya, Ispovedat’sya/ …
15. Interlude
01. Sergey, Seryoza! Vsyo Spit
02. Opyat’ Usnul/ Katerina L’vovna, Ubiyca!/ Nu? Cego Tebe?/ Andante(Orchestra)
03. Slusay, Sergey, Sergey!/ Katerina! – Kto Tam?/ Teper’ Sabas
04. Cto Ti Tut Stois?/ U Menya Bila Kuma/ Interlude
05. Sozdan Policeyskiy Bil Vo Vremya Ono/ U Izmaylovoy Seycas Pir Goroy/ Vase Blagorodiye!/ …
06. Interlude
07. Slava Suprugam, Katerine L’vovne I Sergeyu Filippicu, Slava!/ Nikogo Net Krase Solnca V Nebe?/ …
08. Vyorsti Odna Za Drugoy Dlinnoy Polzut Verenicey
09. Stepanic! Propusti Menya
10. Ne Legko Posle pocota Da Poklonov Pered Sudom Stoyat
11. Moyo Pocten’ Ye!/ Dostanu! Katya!/ Is, Zver’!/ Adagio
12. V Lesu, V Samoy Casce, Yest’ Ozero/ Znayes Li, Sonetka, Na Kogo S Toboy Mi Pokhozi?
13. Vstavay! Po Mestam! Zivo!
Maria Ewing
Elena Zaremba
Aage Haugland
Sergei Larin
Philip Landridge
Carlos Alvarez
Philippe Duminy
Anatoly Kotcherga
Johann Tilli
Bastille Opera Orchestra
Myung-Whun Chung, regente
(Atendendo, mais de uma década depois, os desesperados pedidos).
Posto para vocês a extraordinária ópera Orfeu e Eurídice de Gluck. Como estou com reais dificuldades de tempo, vou copiar aqui dois textos: o primeiro sobre Gluck e o segundo sobre a ópera:
Christoph Willibald Ritter von Gluck (2 July 1714 Erasbach, Upper Palatinate – 15 November 1787 in Vienna) was an opera composer of the early classical period. After many years at the Habsburg court at Vienna, Gluck brought about the practical reform of opera’s dramaturgical practices that many intellectuals had been campaigning for over the years. With a series of radical new works in the 1760s, among them Orfeo ed Euridice and Alceste, he broke the stranglehold that Metastasian opera seria had enjoyed for much of the century.
The strong influence of French opera in these works encouraged Gluck to move to Paris, which he did in November 1773. Fusing the traditions of Italian opera and the French national genre into a new synthesis, Gluck wrote eight operas for the Parisian stages. One of the last of these, Iphigénie en Tauride, was a great success and is generally acknowledged to be his finest work. Though he was extremely popular and widely credited with bringing about a revolution in French opera, Gluck’s mastery of the Parisian operatic scene was never absolute, and after the poor reception of his Echo et Narcisse, he left Paris in disgust and returned to Vienna to live out the remainder of his life.
Fonte: nem deus sabe.
Orfeu e Eurídice foi a primeira de três óperas conhecidas como as óperas da reforma, onde Gluck, em parceria com Calzabigi, procurou, através da “nobreza da simplicidade” da acção e da música, substituir os complicados enredos e os floreados musicais que se tinham apoderado da Ópera Séria.
A verdade é que Gluck já tinha composto numerosas óperas na estética convencional de Metastasio. Assim, a parceria com Calzabigi, proporcionava-lhe uma oportunidade quase única para se pôr em prática uma nova concepção do teatro musical: mais sóbrio e mais dramático, e que se aproximasse da unidade da tragédia grega.
Orfeu e Eurídice estreia com enorme sucesso, no dia 5 de Outubro de 1762 e tornou-se na obra mais popular de Gluck.
Já traduzida em música por compositores como Monteverdi e Peri, esta é a história de como Orfeu traz de volta Eurídice para o mundo dos vivos. Enfrenta os infernos para recuperar a amada, com a imprescindível ajuda da música-apaziguadora de almas atormentadas.
Apesar do enorme sucesso que foi a estreia de Orfeu e Eurídice em 1762, a partir do ano seguinte até 1769, a ópera nunca mais foi interpretada.
A recuperação desta obra surge pelas mãos do próprio Gluck, quando a dirige, de novo, em Parma. Fazia parte de um tríptico – La Feste d’Apollo – onde Orfeu e Eurídice foi apresentada sem um único intervalo e com a parte destinada ao castrado contralto transposta para um castrado soprano.
Depois, em 1774, Gluck submete a partitura a mais uma revisão para ser posta em cena na Academia Real de Música de Paris: transpõe e adapta o papel de Orfeu para a voz de haute-contre – muito em voga na altura em França, sobretudo para a interpretação de papéis heróicos; altera a orquestração para a tornar mais grandiosa; inclui novas peças, vocais e instrumentais; e encomenda um novo libreto para ser cantado em francês.
Sinopse
I Acto
No primeiro acto, após um breve prelúdio, a cortina ergue-se por cima do túmulo de Eurídice. Orfeu chora a perda da amada, rodeado pelos seus amigos.
Aparece então o Cupido que traz uma mensagem: sensibilizados com a dor de Orfeu, os deuses autorizam-no a descer aos infernos para trazer Eurídice. Mas há uma condição: Orfeu não pode olhar para a amada antes estar de volta sob um céu mais clemente.
II Acto
Orfeu é acolhido nos infernos pelas Fúrias e pelo Cérbero, o cão das três cabeças de Hades. Perante o perigo, Orfeu começa a cantar, fazendo-se acompanhar pela sua lira e consegue apaziguar estes terríveis guardiães. Assim, chega à morada das sombras felizes onde encontra Eurídice. Toma-a pela mão, sem a olhar para ela directamente, e pede-lhe que volte com ele.
III Acto
Euridice não compreende porque é que Orfeu não olha para ela uma única vez. Atribui a atitude à frieza de espírito e não dá oportunidade a Orfeu para se explicar. É então, que depois de muito censurado, Orfeu perde a paciência e se volta para ela. Como consequência Eurídice cai inanimada – uma das cenas mais aguardadas de toda a ópera, à qual se segue a ária “Che farò senza Euridice?”, cantada por Orfeu desesperado. Surge de novo o Cupido. Orfeu provou merecer Eurídice, por isso é-lhe restituída a vida.
Na última cena, no templo do Cupido, Orfeu, Eurídice e Cupido unem as suas vozes às dos pastores e cantam os mistérios e a força do amor.
Christoph Willibald Gluck (1714-1787): Orfeu e Eurídice (completa) (Baltsa, Marshall, Gruberova, Philharmonia Orchestra, Muti)
01. Overtura
02. Ah ! se intorno a ques’ urna funesta
03. Basta, basta, o compagni!
04. Ballo
05. Ah! se intorno a quest’ urna funesta 2
06. Chiamo, il mio ben cosi
07. Numi! barbari Numi!
08. T’assiste Amore!
09. Gli sguardi trattieni
10. Che disse Che ascoltai
11. Ballo – Chi mai dell’Erebo
12. Deh! placatebi con me
13. Misero giovane!
14. Mille pene, ombre moleste
15. Ah quale incognito
16. Ballo 3
17. Che puro ciel!
18. Vieni a’regni del riposo
19. Ballo 4
20. Anime avventurose
21. Torna, o bella
01. ATTO III SCENA 1 Vieni, segui i miei passi
02. Vieni, appaga il tuo consorte! (Orfeo,Euridice)
03. Qual vita e questa mai
04. Che fiero momento! (Euridice)
05. Ecco un nuovo tormento! (Orfeo, Euridice)
06. Che faro senza Euridice
07. Ah finisca e per sempre (Orfeo)
08. ATTO III SCENA 2 Orfeo, che fai (Amore, Orfeo, Euridice)
09. ATTO III SCENA 3 Introduzione
10. Ballo I
11. Ballo II
12. Ballo III
13. Ballo IV (Orchestra)
14. Trionfi Amore! (Orfeo,Coro,Amore,Euridice)
Agnes Baltsa
Margaret Marshall
Edita Gruberova
Ambrosian Opera Chorus
John McCarthy
Philharmonia Orchestra
Riccardo Muti
Considerada a ópera mais perfeita de Handel, Ariodante apresenta algumas das árias mais emblemáticas do repertório barroco. Tem três atos, com libreto anônimo em italiano, baseado na obra de Antonio Salvi. A estreia foi realizada no Covent Garden, Londres, em 8 de janeiro de 1735. Apesar do sucesso inicial, caiu no esquecimento por mais de duzentos anos. Uma edição da partitura foi publicada no início dos anos 1960, a partir da Hallische Händel Ausgabe. Na década de 1970, o trabalho foi relançado e voltou ao repertório regular de óperas barrocas. Inspirado no Orlando furioso de Ariosto, o libreto nos transporta para a Escócia medieval, onde o amor entre o cavaleiro Ariodante e Ginevra é frustrado pelas intrigas sombrias de Polinesso. Mas uma reviravolta final salvará o herói do desespero e da cegueira, num inesperado final feliz…
G. F. Handel (1685-1759): Ariodante (Minkowski)
Ouverture
1-1 (Without Tempo Indication) 3:25
1-2 (Without Tempo Indication) 1:40
Atto Primo
Scena 1
1-3 Vezzi, Lusinghe, E Brio 2:21
1-4a Ami Dunque, O Signore? 0:50
Scena 2
1-4b Ginevra?/ Tanto Ardire?
1-5 Orrida Agli Occhi Miei 2:14
Scena 7
2-14 Mi Palpita Il Core 2:12
2-15a Sta’ Lieta, O Principessa! 2:24
Scena 8
2-15b Mio Re! / Lurcanio! Oh Dei!
2-16 Il Tuo Sangue, Ed Il Tuo Zelo 3:47
Scena 9
2-17 Quante Sventure Un Giorno 0:22
Scena 10
2-18 A Me Impudica? 2:08
2-19 Il Mio Crudel Martoro 9:25
2-20 Entrée Des Songes Agréables 1:55
2-21 Entrées Des Songes Funestes 1:31
2-22 Entrée Des Songes Agréables Effrayés 0:50
2-23a Combat Des Songes Funestes Et Agréables 1:42
2-23b Che Vidi? Oh Die!
Scena 2
3-4 Ingrato Polinesso! 0:15
3-5 Neghittosi, Or Voi Che Fate? 2:32
Scena 3
3-6 Sire, Deh, Non Negare 0:28
3-7 Dover, Giustizia, Amor 3:06
3-8a Or Venga A Me La Figlia 1:13
Scena 4
3-8b Ecco La Figlia / Padre: Ahi, Dolce Nome!
3-9 Io Ti Bacio, O Mano Augusta 3:20
3-10 Figlia, Da Dubbia Sorte 0:33
3-11 Al Sen Ti Stringo, E Parto 3:37
Scena 5
3-12 Così Mi Lascia Il Padre? 0:22
3-13 Si, Morrò 1:28
3-14a Sinfonia 2:40
Scena 6
3-14b Arrida Il Cielo Alla Giustizia
Scena 7
3-14c Ferma, Signor
Scena 8
3-14d E Dalinda Dov’è?
3-15 Dopo Notte, Atra E Funesta 6:45
Scena 9
3-16 Dalinda! Ecco Risorge 0:26
3-17 Dite Spera, E Son Contento 4:29
Scena 11
3-19b Sinfonia
3-20 Figlia! Innocente Figlia! 1:07
3-21 Bramo Aver Mille Vite 4:28
Scena Ultima
3-22 Ognuno Acclami Bella Virtute 2:00
3-23 (Balletto) 1:17
3-24 Rondeau 0:48
3-25 Sa Trionfar Ognor Virtute In Ogni Cor 1:36
Ariodante: Anne Sofie von Otter
Ginevra: Lynne Dawson
Polinesso: Ewa Podles
Dalinda: Verónica Cangemi
Lurcanio: Richard Croft
Il Re di Scozia: Denis Sedov
Odoardo: Luc Coadou
O que posso dizer de um Don Giovanni com a Orquestra Barroca de Freiburg sob a regência de René Jacobs? Eu achei que nem precisava ouvi-lo para entregar-me a Don Juan, mas ouvi e o resultado foi o esperado. Entreguei-me a ele desde os primeiros compassos. Olha, é tão bom que nem parece ópera, ops, melhor dizendo, este Don Giovanni pode ser ouvido como se fosse um concerto sem maiores problemas.
Anos atrás, Maria Callas — que não era exatamente uma débil mental –, criticou os artistas que costumam cantar e tocar Mozart como se estivessem nas “pontas dos pés”. René Jacobs obedece à diva: disse que seus cantores deviam usar “apenas a voz”. O resultado são 3 CDs de música onde a gente não precisa pular os recitativos. Os personagens estão plenamente desenvolvidos, com o conjunto instrumental fornecendo o suporte perfeito para a ação. É um verdadeiro drama musical: às vezes suave, às vezes bombástico, às vezes hilariante, às vezes austera e terrível, cheia daqueilo que o século XVIII chamava de “Sturm und Drang”. Ponto.
W. A. Mozart (1756-1791): Don Giovanni
Disc: 1
1. Ouvertura
2. No.1 Introuzione: Notte E Giorno Faticar
3. Recitativo: Leporello, Ove Sei?
4. Recitativo: Ah Del Padre In Periglio/No.2 Recitativo Accomp.: Ma Qual Mai S’offre, O Dei
5. Duetto: Fuggi, Crudele, Fuggi!
6. Recitativo: Orsu, Spicciati Presto
7. No.3 Aria: Ah Chi Mi Dice Mai
8. Recitativo: Chi E La?
9. No.4 Aria: Madamina, Il Catalogo E Questo
10. Recitativo: In Questa Forma Dunque
11. No.5 Coro: Giovinette Che Fate All’amore
12. Recitativo: Manco Male E Partita
13. No.6 Aria: Ho Capito, Signor Si
14. Recitativo: Alfin Siam Liberati
15. No.7 Duettino: La Ci Darem La Mano
16. Recitativo: Fermati Scellerato
17. No.8 Aria: Ah Fuggi Il Traditor
18. Recitativo: Mi Par Ch’oggi Il Demonio Si Diverta
19. Recitativo: Ah Ti Ritrovo Ancor/No.9 Quartetto: Non Ti Fidar, O Misera
20. Recitativo: Povera Sventurata!
21. No.10 Recitativo Accomp.: Don Ottavio, Son Morta!
22. Aria: Or Sai Chi L’onore
23. Recitativo: Come Mai Creder Deggio
24. No.10a Aria: Dalla Sua Pace
Disc: 2
1. Recitativo: Lo Deggio Ad Ogni Patto
2. No.11 Aria: Fin Ch’han Dal Vino
3. Recitativo: Masetto: Senti Un Po’
4. No.12 Aria: Batti, Batti, O Bel Masetto
5. Recitativo: Guarda Un Po’ Come Seppe
6. No.13 Finale: Presto Presto Pria Ch’ei Venga/Su Svegliatevi, Da Bravi
7. Tra Quest’arbori Celeta
8. Bisogna Aver Coraggio
9. Riposate, Vezzose Ragazze
10. No.14 Duetto: Eh Via Buffone
11. Recitativo: Leporello/Signore
12. No.15 Terzetto: Ah Taci, Ingiusto Core
13. Recitativo: Amico, Che Ti Par?/Recitativo: Eccomi a Voi!
14. No.16 Canzonetta: Deh Vieni Alla Finestra
15. Recitativo: V’e Gente Alla Finestra!/Recitativo: Non Ci Stanchiamo
16. No.17 Aria: Meta Di Voi Qua Vadano
17. Recitativo: Zitto! Lascia Ch’io Senta/Ahi Ahi! La Testa Mia!
18. No.18 Aria: Vedrai, Carino
19. Recitativo: Di Molte Faci Il Lume
20. No.19 Sestetto: Sola Sola In Buio Loco/Ferma, Briccone
Disc: 3
1. Recitativo: Dunque Quello Sei Tu/Recitativo: Ah Pieta…/Recitativo: Ferma, Perfido, Ferma…
2. Recitativo: Restati Qua!
3. No.21a Duetto: Per Queste Tue Manine
4. Recitativo: (Amico…) Guarda Un Po’come Stretto
5. Recitativo: Andiam, Andiam, Signora
6. No.21b Recitativo Accompagnato: In Quali Eccessi, O Numi
7. Aria: Mi Tradi Quell’alma Ingrata
8. Recitat.: Ah Ah Ah Ah, Questa E Buona
9. No.22 Duetto: O Statua Gentillissima
10. Recitativo: Calmatevi, Idol Mio
11. No.23 Recitativo Accompagnato: Crudele! Ah No, Mio Bene!
12. Rondo: Non Mi Dir, Bell’idol Mio
13. Recitativo: Ah, Si Segua Il Suo Passo
14. No.24 Finale: Gia La Mensa E Preparata
15. L’ultima Prova
16. Don Giovanni, a Cenar Teco
17. Ah Dove E Il Perfido
18. Recitativo: Dunque Quello Sei Tu
19. No.20 Aria: Ah Pieta, Signori Miei
20. Recitativo: Ferma, Perfido, Ferma
21. No.21 Aria: Il Mio Tesoro Intanto
Johannes Weisser, Don Giovanni
Lorenzo Regazzo, Leporello
Alexandrina Pendatchanska, Donna Elvira
Olga Pasichnyk, Donna Anna
Kenneth Tarver, Don Ottavio
Sunhae Im, Zerlina
Nikolay Borchev, Masetto
Alessandro Guerzoni, Il Commendatore
Freiburger Barockorchester
RIAS Kammerchor
René Jacobs
Para desespero de nossa querida Clara Schumann, que por algum motivo próprio não suporta a soprano neo-zelandesa Kiri Te Kanawa, trago uma deliciosa versão desta que é considerada por muitos a melhor ópera de Mozart, “La Nozze di Figaro” , ou “As Bodas de Fígaro”. O cast é estelar, comandados pelo grande Samuel Ramey e tendo estrelas do porte de Kiri Te Kanawa, Kurt Moll, Lucia Popp, Frederica Von Stade entre outros.
Sou fâ do maestro húngaro-britânico George Solti, que possui um extenso currículo na área, e será com ele que trarei mais a frente o ciclo do Anel dos Nibelungos.
Mas aqui temos um Mozart delicioso e divertido. Espero que gostem.
Wolfgang Amadeus Mozart – Le Nozze di Figaro, K. 492
CD 1
1. Overture
2. Act 1 – “Cinque… deci… venti…” – “Cosa stai misurando”
3. Act 1 – “Se a caso Madama” – “Or bene, ascolta, e taci”
4. Act 1 – Bravo, signor padrone…Se vuol ballare…Ed aspettaste
5. Act 1 – “La vendetta” – “Tutto ancor non ho perso”
6. Act 1 – “Via resti servita” – “Va là, vecchia pedante”
7. Act 1 – Non so più…Ah, son perduto!
8. Act 1 – Cosa sento!…Basilio, in traccia tosto…Giovani
9. Act 1 – “Non più andrai”
10.Act 2 – Porgi amor…Vieni, cara Susanna
11.Act 2 – “Voi che sapete” – “Bravo! che bella voce!”
12.Act 2 – Venite! Inginocchiatevi…Quante buffonerie!
1.Act 2 – “Che novità!”
2.Act 2 – “Susanna, or via, sortite” – “Dunque, voi non aprite”
3.Act 2 – “Aprite, presto” – “O guarda il demonietto!” – “Tutto è come io lasciai”
4.Act 2 – “Esci, ormai, garzon malnato” – “Susanna!… Signore!”
5.Act 2 – “Signore, di fuori” – “Ah! signore… signor!”
6.Act 2 – “Voi signor, che giusto siete” Jane Berbié
7.Act 3 – “Che imbarazzo è mai questo” – “Via, fatti core”
8.Act 3 – “Crudel! perché finora” – “E perché fosti meco”
9.Act 3 – Hai già vinta la causa!…Vedrò mentr’io sospiro…
10.Act 3 – “Riconosci in questo amplesso” – “Eccovi, o caro amico” – “Andiamo, andiam, bel paggio”
1. Act 3 – E Susanna non vien…Dove sono i biei momenti…Io
2. Act 3 – Cosa mi narri!…Che soave zeffiretto…Piegato è
3. Act 3 – Ecco la marcia…Eh, già, solita usanza
4. Act 4 – L’ho perduta…Barbarina, cos’hai?
5. Act 4 – Il capro e la capretta…Nel padiglione a manca
6. Act 4 – “In quegli anni in cui val poco”
7. Act 4 – “Tutto è disposto” – “Aprite un po’ quegli occhi”
8. Act 4 – Giunse alfin il momento…Deh, vieni, non tardar.
9. Act 4 – Pian pianin le andrò più presso…Tutto è tranquillo
10.Act 4 – “Gente, gente, all’armi”
Lucia Popp, Kiri Te Kanawa, Frederica von Stade, Samuel Ramey,Sir Thomas Allen e Kurt Moll – solistas
London Opera Chorus
London Philarmonic Orchestra
Sir George Solti – Director
o Penguin Guide rasga a seda: Solti opta por uma proporção justa de velocidades extremas, tanto lentas quanto rápidas, mas elas raramente, se é que alguma vez, interferem na felicidade essencial do entretenimento. Samuel Ramey, um barítono de voz firme, interpreta um Figaro viril, perfeitamente combinado com a mais encantadora das Susannas gravadas, Lucia Popp, que apresenta uma performance brilhante e radiante. Thomas Allen também está magnífico. Kurt Moll como Don Bartolo canta um La vendetta inesquecível. Frederica von Stade é uma Cherubino muito atraente, mas coroando tudo está a Condessa de Kiri TeKanawa.
Você não deve confundir Dido e Enéias com Dildo e Enéias. Dildo é outra coisa. Dido é filha de Mattan I, rei de Tiro, e irmã de Pigmalião, que mandou matar seu primeiro marido, Sicheus, de quem cobiçava a riqueza.
Dido consegue fugir com alguns amigos e partidários, levando consigo as riquezas do marido. Chegam ao local onde Dido resolve ficar e formar sua nova pátria, e pedem que os nativos cedam um pedaço de terra cercado por couro de boi. O pedido é aceito e Dido logo manda cortar o couro de um boi em estreitas tiras e cerca uma extensão onde constrói uma cidade com o nome de Birsa (couro). Em torno dessa cidade começa a se formar outra, Cartago, que logo se torna próspera.
Enéias chega a Cartago com seus troianos depois de um naufrágio. Dido recebe-os muito bem, mostra-se muito hospitaleira já que ela mesma passara por um sofrimento parecido. Dido acaba se apaixonando por Enéias, que se mostra feliz ao ter a oportunidade de parar de uma vez por todas com suas aventurosas peregrinações, recebendo um reino e uma esposa. Passam-se meses e os dois vivem apaixonados. Enéias parece esquecido da Itália e do Império que estava destinado a fundar em suas terras. Quando Júpiter vê essa situação, manda o mensageiro Mercúrio lembrá-lo de sua missão e ordenar que parta imediatamente. Dido, numa tentativa frustrada de convencê-lo a ficar, acaba se apunhalando e se jogando numa pira funerária.
A ópera de Purcell é uma pequena joia, uma das maiores — talvez a maior — músicas compostas por um inglês. O Lamento de Dido e as participações das bruxas são momentos absolutamente notáveis.
Baita disco!
Henry Purcell (1659-1695): Dido and Aeneas (MusicAeterna, Teodor Currentzis)
1. Dido & Aeneas, Ouverture 2:08
2. Dido & Aeneas, Act I: Shake The Cloud 1:08
3. Dido & Aeneas, Act I: Ah! Belinda 4:48
4. Dido & Aeneas, Act I: Grief Increases 0:38
5. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): When Monarch Unites 0:13
6. Dido & Aeneas, Act I: Whence Could So Much Virtue 2:08
7. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): Fear No Danger 2:20
8. Dido & Aeneas, Act I: See, See 0:54
9. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): Cupid Only Throws 0:35
10. Dido & Aeneas, Act I: If Not For Mine 0:24
11. Dido & Aeneas, Act I: Pursue Thy Conquest 0:45
12. Dido & Aeneas, Act I (Chorus): To The Hills 2:32
13. Dido & Aeneas, Act II: Prelude For The Witches 2:31
14. Dido & Aeneas, Act II (Chorus): Harm’s Our Delight 0:15
15. Dido & Aeneas, Act II: The Queen Of Carthage 0:30
16. Dido & Aeneas, Act II: Ho, Ho, Ho 0:10
17. Dido & Aeneas, Act II: Ruin’d Ere The Set Of Sun 0:56
18. Dido & Aeneas, Act II: Ho, Ho, Ho 0:10
19. Dido & Aeneas, Act II: But Ere We This Perform 1:06
20. Dido & Aeneas, Act II (Chorus): In Our Deep Vaulted Cell 2:03
21. Dido & Aeneas, Act II: Echo Dance Of Furies 0:57
22. Dido & Aeneas, Act II: Ritornelle 0:38
23. Dido & Aeneas, Act II: Thanks To These Lonsesome Vales 2:55
24. Dido & Aeneas, Act II: Guitar Chacone 2:32
25. Dido & Aeneas, Act II: Oft She Visits 1:54
26. Dido & Aeneas, Act II: Behold, Upon My Bending Spear 0:37
27. Dido & Aeneas, Act II: Haste, Haste To Town 0:45
28. Dido & Aeneas, Act II: Stay Prince 2:44
29. Dido & Aeneas, Act III: Prelude 1:15
30. Dido & Aeneas, Act III: The Sailor’s Dance 0:51
31. Dido & Aeneas, Act III: See, See The Flags 0:59
32. Dido & Aeneas, Act III: Our Next Motion 0:39
33. Dido & Aeneas, Act III (Chorus): Detruction’s Our Delight 0:29
34. Dido & Aeneas, Act III: The Witches’ Dance 2:09
35. Dido & Aeneas, Act III: Your Counsel 6:07
36. Dido & Aeneas, Act III (Chorus): Great Minds 1:02
37. Dido & Aeneas, Act III: Thy Hand, Belinda 1:03
38. Dido & Aeneas, Act III: Dido’s Lament 4:02
39. Dido & Aeneas, Act III (Chorus): With Drooping Wings 5:32
Recorded At – Novosibirsk Philharmonic Hall
Recorded By – Musica Numeris
Alto Vocals [Choir] – Anna Penkina, Anna Shvedova, Elena Rogoleva, Ludmilla Tukhaeva*, Marina Sokirkina, Marina Tenitilova
Baritone Vocals [Aeneas, Trojan Prince], Soloist – Dimitris Tiliakos
Bass Vocals [Choir] – Alexandre Nazemtsev, Evgeny Ikatov, Gennady Vasiliev, Pavel Palastrov, Sergey Mezentsev, Sergey Tenitilov, Vitaly Polonsky
Choir – The New Siberian Singers*
Chorus Master – Vyacheslav Podyelsky
Composed By [Opera Music] – Henry Purcell
Conductor – Teodor Currentzis
Contrabass – Dilyaver Menametov, Dmitry Rais
Ensemble, Orchestra – MusicAeterna*
Harpsichord [Fred Bettenhausen, 2000, after Rückers-Taskin] – Elena Popovskaya
Lute – Vassily Antipov
Percussion – Dauren Orynbaev, Teodor Currentzis
Soprano Vocals [Belinda, Confidant Of Dido], Soloist – Deborah York
Soprano Vocals [Choir] – Alla Lebedeva, Arina Mirsaetova, Elena Kondratova, Irina Angaskieva, Linda Yarkova, Margarita Mezentseva, Valeria Safonova, Yulia Shats, Yulia Trubina
Soprano Vocals [Dido, Queen Of Carthago], Soloist – Simone Kermes
Tenor Vocals [Choir] – Alexandre Zverev, Dmitry Veselovsky, Sergey Kovalev (3), Stanislav Lukin, Vladimir Sapozhnikov
Theorbo, Guitar [Baroque Guitar] – Arkady Burkhanov
Viola – Dmitry Parkhomenko, Evgeniya Maximova (2), Oleg Zubovich
Viola [Echo] – Nail Bakiev
Viola da Gamba, Soloist – Alexander Prozorov
Violin [1] – Alfiya Bakieva, Inna Prokopeva, Nadezhda Antipova, Natalia Zhuk
Violin [1] [Echo] – Elena Rais
Violin [2] – Elena Yaroslavtseva, Olga Galkina, Yulia Gaikolova
Violin [2] [Echo] – Yulia Gaikolova
Violoncello – Alexander Prozorov, Ekaterina Kuzminykh, Marina Sergeeva
Violoncello [Echo] – Alexander Prozorov
Violoncello [Récits = Stories] – Ekaterina Kuzminykh
Vocals [Enchantress], Soloist – Elena Kondratova, Yana Mamonova
Vocals [Sailor], Soloist – Alexandre Zverev
Vocals [Sorceress], Soloist – Oleg Ryabets
Vocals [Spirit], Soloist – Valeria Safonova
Vocals [Two Women], Soloist – Margarita Mezentseva, Sofia Fomina
Words By [Opera] – Mr. Nahum Tate*
Se temática e luminosidade se associam em dramaturgia, “Il Trovatore” pode ser considerada uma ópera noturna, pelos elementos sinistros presentes. Especialmente por uma cigana, que teve a mãe condenada à morte, por bruxaria, e criava, como seu, o filho do nobre que perpetrou a condenação…
A vingança da cigana Azucena será tema central. E a progressão do drama remeterá ao entardecer e à noite… Assim, sentimentos de profunda dor, transfigurados em ódio, estarão imersos em sombrias luminosidades… Também aflorará inesperado amor materno, a surpreender Azucena, pelo filho do algoz de sua mãe – a conflituá-la… Além do amor trágico, mas inabalável de Leonora. Tochas e fogueiras serão únicos pontos de luz no entorno dos personagens, típicos de cenário medieval, do interior de castelos e acampamentos…
A música será das mais vigorosas escritas por Verdi. E ao pontuar ambiente violento, o ritmo viril e frenético atravessa a ópera e captura o ouvinte, compensando quaisquer incompreensões do libreto… Por fim, a vigança se efetivará na brutal rivalidade por Leonora, entre irmãos que se desconheciam – na morte de Manrico, “O trovador”, que Azucena criara como filho… “Egl’era tuo fratello!”, sentenciará Azucena ao jovem conde de Luna. E finalizará: “Sei vendicata, o mi madre!”…
E da condenação arbitrária de uma cigana, drama remetia aos conflitos étnicos – às sementes do ódio e da intolerância… Pela primeira vez, Verdi compunha uma ópera sem contrato prévio. Compunha pelo simples desejo de produzir – e segue mistério, como lhe chegou, às mãos, o texto espanhol… Certamente, período de intensa leitura e motivação, após sucessos de “Luisa Miller” e “Rigoletto” – dos novos melodismos e abordagens, que sensibilizavam o público e discutiam o seu tempo…
E apesar da grande música escrita na fase patriótica e seu imenso significado no “Risorgimento”, agora, cada trabalho ganhava individualidade, variedade e encantamento; também cenas e personagens marcantes, que projetavam Verdi entre os maiores operistas!
Motivações
De volta à Roncole, após sucesso de “Rigoletto”, em Veneza, Verdi planejava nova ópera, então para Nápoles. Para isto, convidou o poeta Salvatori Cammarano, libretista de “Luísa Miller” e “La battaglia di Legnano” – última ópera da fase patriótica…
Verdi tinha carreira consolidada na próspera indústria da ópera – Europa do séc. XIX… E, há vários anos atendendo convites, experimentava processo inverso, primeiro compor e depois definir teatro e elenco adequados. Com amplo domínio da tradição, se permitia novas escolhas e sensação única: integrar a vanguarda e inventar a arte de seu tempo…
À época da composição de “Rigoletto”, pedira à Cammarano interromper esboços de “Rei Lear”, antigo projeto… E propôs novo tema, “El Trovador”, drama espanhol, de Antonio García Gutiérrez – “belo, cheio de imaginação e situações fortes… além de uma cigana com especial caráter”, dizia…
Com provável tradução de Giuseppina, o músico interessou-se pela peça. E Cammarano, por sua vez, estranhou, considerou personagens implausíveis e sugeriu mudanças. Verdi discordou. Com sua intuição teatral, percebia “bons momentos dramáticos e originalidade”…
O músico se impressionara com o ímpeto dos personagens. A cigana dividida entre o amor e a vingança; conde de Luna, propenso à atos de loucura e violência; a vitalidade de Manrico, “o trovador”; e o intransigente amor de Leonora… Para tanto, desejava um libreto com “novas e até bizarras formas”, queria evitar as tradicionais “cavatinas, duetos e finais”… E se possível, escrever algo em “contínuo e único número”… Curiosamente, próximo à concepção do “drama musical”, que Wagner desenvolvia, à época…
Verdi, no entanto, seguia desapontado com Cammarano, concluindo pela desmotivação do libretista… Insistia nas novas características, mas Cammarano resistia… Então, sugeriu outro tema, “simples e comovente”, provavelmente, o romance “Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas, filho…
Por fim, decidiram seguir com a peça espanhola… Mas, tristes fatores iriam frear o ímpeto criativo. Os falecimentos de sua mãe, Luisa Utini, e do próprio libretista Cammarano. Afora permanente incômodo: o preconceito dos habitantes de Busseto diante da relação com Giuseppina…
Tradicional comunidade de Busseto
Em meio ao falecimento de sua mãe, Verdi perturbou-se e pediu ao amigo e assistente, Emanuele Muzio, cuidar dos preparativos e funeral. Somava-se ao sofrimento de perda, a relação familiar que se deteriorara com a presença de Giuseppina. Afora as solidariedade e condolências, típicas da comunidade local…
E Verdi afastou-se, viajando à Bologna, onde regeu “Macbeth” e “Luisa Miller”, no “teatro Comunale”… De outro, Verdi e Muzio voltavam a trabalhar juntos. Durante o “Levante de Milão”, 1848, Muzio afastara-se, diante da iminente retomada da cidade pelos austríacos, exilando-se na Suiça…
Final de 1851, já instalados em “Villa Sant’Agata”, Giuseppina e Verdi viajariam à Paris, a fim de fugir do inverno e, possivelmente, dos falatórios… Em Paris, assistiram adaptação teatral de “Dama das Camélias”, no “Theatre de Vaudeville”, 1852, e Verdi receberia carta do ex-sogro e protetor, Antonio Barezzi, praticamente, “cobrando a oficialização da união com Giuseppina”…
Verdi melindrou-se e lembrou Barezzi de antigas mágoas junto à comunidade de Busseto… Mostrava-se irredutível, sobretudo, pela relação com Giuseppina, simples e rotineira; estilo reservado de ambos; e pela intromissão em assuntos pessoais, além da ofensiva exposição pública…
Mas, reiterou à figura paterna de Barezzi todo o afeto e amizade… Em resposta, Barezzi foi discreto e cordial, especialmente, pelo convívio com Giuseppina – “de um aliado que tentava atenuar sofrimentos”…
“Villa Sant’Agata”
De outro, bem sucedido compositor e atento aos gastos pessoais, Verdi adquiriu propriedade no vilarejo natal, 1844. E quando morava em Paris, decidiu construir uma casa – “Villa Sant’Agata”, 1848, onde planejava fixar residência com Giuseppina Strepponi…
Para ambos, momento delicado da vida pessoal. Giuseppina fora mãe de três crianças, cuja educação do mais velho, Camillo, encaminhara a terceiros. Outras duas, morreram… E a vida afetiva, anterior à união com Verdi, fora conturbada, entre intensa atuação como diva, em óperas de Rossini, Donizetti, Bellini e outros; entremeada por affairs amorosos, que resultaram em gravidezes inesperadas…
E os familiares de Verdi, pessoas simples e de poucos recursos, que ajudavam a cuidar da propriedade. Luisa, a mãe, era tecelã e Carlo Verdi, o pai, comerciante taberneiro. Frequentemente, Carlo mandava notícias ao filho: “quase todas as vacas deram cria e à contento… então, organizei os estábulos”… Portanto, inevitável choque cultural aguardava Verdi e Giuseppina, que chegaram à Bussetto em julho/1849. Inicialmente, moraram no “Palazzo Orlandi”, onde Verdi concluiu “Luisa Miller” e compôs “Stiffelio” e “Rigoletto”…
E Giuseppina sentiu a tradição religiosa e conservadora presente, sobretudo, diante de uma mulher do teatro, que vivia com o músico, não sendo casados… No entanto, mantinha-se discreta, sem pressionar pela oficialização da união. Talvez, a vida pregressa de Giuseppina trouxesse alguma insegurança à Verdi, se não, simples obstinação… Mas, nada era trivial. Em Busseto, inevitavelmente, tornava-se alvo de ofensas e desprezo… E, enquanto Verdi aparentava indiferença, Giuseppina sofria muito…
Assim, após estreia de “Rigoletto”, em Veneza, mudaram-se para “Villa Sant’Agata”, maio/1851. Familiares de Verdi deixaram o local e, neste ínterim, Verdi iniciava correspondência com Cammarano sobre “Il Trovatore”. Em junho, seria impactado pela morte da mãe, Luisa Verdi Utini…
Por fim, em oito anos, 1859, se casariam, permanecendo juntos até a morte da esposa, 1897 – união de 50 anos e perda muito sofrida… Giuseppina apoiou o jovem compositor, desde a estreia de “Oberto”, sua 1ª ópera. Depois, cantou o desafiante papel de “Abigail”, em “Nabucco”. E em “Villa Sant’Agata”, colaborava com suas vivência artística e de tradutora, além de ver germinarem melodias que sensibilizariam o mundo…
Música em “Il Trovatore”
Com domínio da tradição, em “Il Trovatore”, Verdi cogitou maior continuidade da música, a fim de evitar demasiadas interrupções do fluxo dramático – dos chamados números… O que discutiu com Cammarano, mas não se viabilizou de um todo… Curiosamente, algo original e contemporâneo ao “drama musical” wagneriano…
E Verdi encontrou caminho flexibilizando a forma e buscando concisão. De outro, as interrupções bruscas e mudanças de cena também pareciam adequar-se ao drama espanhol… Assim, admitiu potencial nos esboços de Cammarano: “Basta seguir ‘Il Trovatore’, tal como na introdução e estarei satisfeito”, escreveu ao libretista, junho/1851… E fez uso de leitmotivs na música de Azucena, a pontuar suas dores e reminiscências. Tais adaptações, do libreto e da ópera tradicional, permitiram combinar dramaticidade e incisiva abordagem musical – o progressismo verdiano!…
A música de “Il Trovatore” se caracterizará pela rudeza, pelos acentos e ritmos incisivos, quem sabe, certo caráter espanhol pretendido por Verdi. Também pela intensidade e concisão dos recitativos. E tanto árias e ensembles, quanto cenas e coros tornar-se-iam verdadeiros hits da música de Verdi e universal…
Entretanto, os coros, de grande colorido e vigor, seriam circunstanciais, não mais incorporariam o caráter patriótico ou cantar da liberdade, como em “Nabucco”, “I Lombardi”, “Giovanna D’Arco” e outras – predominando o lirismo, no lugar do épico…
Neste período, então exilado na Suíça, Wagner iniciava composição do ciclo “Anel do Nibelungo”, 1851, e também “Tristão e Isolda”, 1857, explorando os limites da tonalidade e propondo “sprechgesange” (canto declamado), a substituir a ópera por números… A década de 1850, portanto, ensejaria concepções musicais e dramáticas que marcariam final do séc. XIX e início do séc. XX. E ambos, Verdi e Wagner, seriam grandes referenciais…
Morte de Salvatori Cammarano
Por fim, Verdi descobriria os reais motivos da lentidão de Cammarano: a saúde do libretista. Na viagem à Paris, além da carta de Barezzi, receberia más notícias, de Nápoles. Outro fator a atrasar a elaboração de “Il Trovatore”, agora, cessando totalmente… E no retorno à “Sant’Agata”, março/1852, enquanto aguardava recuperação e notícias de Cammarano, recebia novos convites de Milão, Veneza e Bologna… E concordou em compor uma ópera para Veneza, que resultaria em “La Traviata”…
Em julho/1852, lamentavelmente, Cammarano morreu. E Verdi escreveu à Cesare de Sanctis, amigo e empresário: “Fui atingido em cheio pela triste notícia… Não tenho palavras para descrever tão profunda dor… Você o amava, tanto quanto eu, e compreenderá sentimentos, para os quais não temos expressão”…
O prestigiado poeta napolitano havia trabalhado com Verdi em “Alzira”, “La battaglia di Legnano”, “Luisa Miller” e “Il Trovatore”… Além de diversos mestres italianos, como Gaetano Donizetti (“Lucia di Lammemoor” e “Roberto Devereux”), Saverio Mercadante (“Orazi e Curiazi”) e outros…
Assim, libreto de “Il Trovatore” estava inacabado. Últimos versos de Cammarano encerravam o 3° Ato, na vibrante cabaletta “Di quella Pira”… Verdi pagou à viúva valor superior ao contratado, cerca de 600 ducados. E contratou jovem poeta napolitano, Leone Emanuele Bardare, para concluir o libreto…
Com intermediação de Cesare de Sanctis, optou por encenar “Il Trovatore” no teatro “Apollo”, de Roma. E solicitou o soprano Rosina Penco, para “Leonora”, importante papel, e outra voz plena para a cigana, além de liberação da censura romana antes de prosseguir na conclusão da ópera. Em dezembro, “Il Trovatore” estava concluída, inclusive, com versos do próprio Verdi, para a 2ª cena – 2° Ato, que Bardare, humilde e cautelosamente, não ousou modificar… Em 20/12/1852, Verdi deixava “Sant’Agata” em direção à Roma, para tratar da estreia da ópera…
“Cavaleiro da Legião de Honra”
Enquanto compunha “Il Trovatore”, agosto/1852, o músico recebeu visita de Léon Escudier, jornalista e editor musical francês, na condição de emissário de governo, que assim descreveu o encontro:
“Encontrei Verdi no momento em que sentavam-se à mesa. E na companhia de um homem de rosto franco e afável – presença magnífica, que teve, sobre mim, efeito de um patriarca! Era o sogro de Verdi, de nome Antônio. E após 15 minutos de conversa, já o tratava como ‘papá’ Antônio”…
“Na sobremesa, retirei-me e voltei com pequena caixa… E colocando-a diante de Verdi, disse: ‘Caro maestro, uma demonstração de afeto do governo francês e, devo acrescentar, do público francês’. Verdi franziu o sobrolho, abriu a caixa e deparou-se com a ‘Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra’, enviada pelo imperador Napoleão III”…
“Verdi tentou dissimular a emoção, mas percebia-se grande satisfação, apertando firmemente minha mão. Mas, foi ‘papá Antônio’, quem, de fato, ficou pasmo! Queria falar, mas não articulava as palavras. Então, agitou os braços, ergueu-se e atirou-se no pescoço de Verdi. Apertou-o contra o peito, abraçou-me em seguida e os olhos transbordaram, chorando como criança”…
A emoção fora imensa para Antônio Barezzi… E a política, por sua vez, feita de gestos. Verdi era fervoroso defensor do “Risorgimento”. E além do reconhecimento artístico, Napoleão III enviava sinais da futura política francesa. Ainda jovem, o sobrinho de Napoleão Bonaparte lutara pela causa republicana, no sul da Itália. E quando sua mãe, Hortênsia de Beauharnais, rainha da Holanda, morou em Roma, sua casa sediou a “carbonara romana”, que reunia Mazzini, a jovem Cristina di Belgiojoso e outros…
Também a “Sardenha-Piemonte” buscava aproximar-se da França, através da política externa de Vítor Emanuelle e Cavour. Além de aguerridas ativistas, como Margaret Fuller e a própria Cristina di Belgiojoso – mulher das “cinco vidas”, que visitou Luís Napoleão na prisão, por duas vezes, pedindo apoio à causa italiana, embora, sem sucesso… Mas, novos cenários se desenhavam, potencialmente, favoráveis ao “Risorgimento”…
Delineava-se longo e preparatório processo, que desencadearia a “2ª guerra de independência”, a partir de 1859… E, naturalmente, haviam interesses franceses, como a anexação dos ducados de “Saboia e Nice”, que seriam cedidos pela “Sardenha-Piemonte” em troca da libertação da “Lombardia” – na vitoriosa campanha sardo-piemontesa, comandada por Garibaldi e reforçada por tropas francesas…
A atuação de Verdi alinhava-se ao ideário de Giuseppe Mazzini: “Divulgar a causa da unificação e semear o sentimento nacional, através da cultura e, especialmente, da ópera”. E o franco engajamento do músico contribuiam para que o “Risorgimento” se popularizasse e ganhasse as ruas, sob o lema: “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuelle, Re D’Italia!”
Antonio García Gutiérrez
Nascido Antonio María de los Dolores García Gutiérrez, no mesmo ano de Verdi, 1813, após formação em medicina – Cádiz, Espanha, o jornalista e escritor se mudaria para Madrid, trabalhando como tradutor de peças francesas… Assim, traduziu obras de Eugène Scribe e Alexandre Dumas, pai. Autor de extensa obra, ganhou projeção com a peça “El Trovador”, de 1836. E, posteriormente, obteria novo sucesso com “Simon Bocanegra”, de 1843…
Verdi encantou-se com os dramas e colocou música nas duas peças… Destacam-se em Gutiérrez, entre os autores espanhóis do sec. XIX, a emoção e caráter de seus personagens femininos; além de preocupações sociais, aliadas à exaltado ideário liberal…
Escreveu também poemas e comédias – inclusive, uma versão comédia de “El Trovador”… E particularmente, nos “dramas em tese”, discutiu costumes e moralidade. Em “Caminhos Opostos”, concluiu que excessivos rigor ou brandura, produziam, igualmente, efeitos desastrosos na educação… Em “Los desposorios de Inés”, condenou o casamento por arranjo, do sec. XIX; em “Eclipse Parcial”, posicionou-se contra o divórcio; em “A Grain of Sand”, “The Millionaires” e “The Industry Knight”, reiterou: “o trapaceiro sempre acaba vítima da própria armadilha, seja nos sentimentos ou no convívio social”…
Apesar do sucesso inicial, dificuldades financeiras levaram Gutierrez atuar como jornalista, viajando à Cuba e México, retornando à Espanha em 1850… E para sua surpresa, em pouco tempo, se tornaria amplamente conhecido, por meio da ópera de Verdi, “Il Trovatore”, de 1853. E, posteriormente, Verdi adaptaria “Simón Bocanegra”, de 1857, com libreto de Francesco Piave…
Coincidência ou não, a partir de então, Gutiérrez recebeu diversas honrarias e cargos: “Comendador da Ordem de Carlos III”, 1856; “Supervisor da Dívida Espanhola em Londres”, 1855 – 1856; membro da “Real Academia Espanhola”, 1862; “Cônsul de Espanha em Bayonne e Génova”, 1870 – 1872; e “Cruz de Isabel II”…
Sem dúvida, o interesse de Verdi projetou Gutiérrez… Sendo também inegável sua extensa produção literária. Posteriormente, ainda publicaria uma zarzuela, “El grumete”, 1853; drama histórico“La Venganza catalana”, 1864; e o drama, ambientado em Valência, “Juan Lorenzo”, 1865. Por fim, dirigiu o “Museu arqueológico de Madrid”, falecendo em 1884…
Sucesso de público e de crítica
Em dezembro de 1852, Verdi viajou à Roma. Giuseppina o acompanhou até Livorno e, depois, seguiu em direção de Florença. Verdi preocupava-se, preferia que Giuseppina não ficasse sozinha em “Sant’Agata”. E a companheira escreveu-lhe:
“Estou encantada por saber que você se vê perdido sem mim. E desejo-lhe tanta chateação, que logo abandone a ideia bárbara de me deixar sozinha! Meu querido mágico, seu coração é de anjo, mas sua cabeça, quando se trata de falatórios e coisas assim, tem crânio tão espesso, que faria Franz Gall, se estivesse vivo, acrescentar estranhas observações ao seu (controverso) “Tratado de Craniologia”…
Roma agitou-se com a nova ópera de Verdi. A estreia teve lugar no teatro “Apollo”, 19/01/1853, com grande sucesso. Nos dias seguintes, milhares de pessoas percorriam as ruas, gritando: “Viva VERDI!”… E, anteriormente, 1849, Roma fora palco de “La Battaglia di Legnano”, com estupenda aclamação e espírito patriótico, durante a breve “República Romana”, proclamada pelas forças de Mazzini e Garibaldi…
As melodias de “Il Trovatore” logo foram arranjadas para diversos conjuntos, até simples realejos, e ouvidas na Itália e pelo mundo… Do ponto de vista vocal, “Il Trovatore” tornava-se apoteose do “bel canto”, com imensos desafios de agilidade, extensão e expressividade. Nas cenas, mudanças bruscas exigiam que personagens adentrassem o palco com impetuosidade. O canto alternava brutalidade e melancolia. E a orquestra, ora sombria e lúgubre, ora vigorosa, em torrencial energia!
“Gazzetta Musicale” descreveu a estreia: “Compositor mereceu esplêndido triunfo, pois escreveu música em novo estilo, imbuída de características castelhanas… O público ouviu em silêncio religioso, irrompendo em aplausos apenas nos intervalos e, especialmente, no final do 3° Ato… Por fim, o 4° Ato despertou tanto entusiasmo, que foi bisado”…
E apesar do inexcedível sucesso, Verdi mostrou-se contido, ressaltando que alguns acharam a ópera triste e com excessivas mortes. “Mas, afinal, tudo na vida é morte! O que mais existe?”, escreveu à Clara Maffei… Em meio ao evento, quem sabe, as perdas recentes, da mãe e do amigo Cammarano, o invadiram… Além de outras, quando jovem, da 1ª esposa e dois filhos… Assim, aparentemente, não se contagiara com a aclamação… E, em poucos dias, regressaria à “Sant’Agata”, para elaboração de “La Traviata”…
O sucesso de “Il Trovatore” foi tamanho, que imediatamente era encenada pelo mundo. E tal como em Paris, no Rio de Janeiro ocorreu em 1854, um ano após estreia em Roma, no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Antes mesmo, de Londres ou Nova York…
Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, 1852, “Attila” e “Luisa Miller”, 1853; “La Traviata”, 1855, “Rigoletto”, 1856, e “Giovana D’Arco”, 1860… Posteriormente, seria demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…
Libreto de “Il Trovatore”
Entre as óperas mais representadas, o libreto de “Il Trovatore” é daqueles que podem levar a certa confusão, senão incompreensão. O que não impediu o sucesso, pelo arrebatamento viril e desenfreado… O enredo, no entanto, requer conhecimento de fatos que antecedem o início da ópera, a serem entendidos pelo ouvinte – risco de confusão, sobejamente, compensado pela verve musical…
E para compreender o drama, deve-se focar, de início, no relato do capitão da guarda, do conde de Luna, “Ferrando”, abrindo a ópera em “Abbietta zingara” (“Abjeta cigana!”), com a seguinte narrativa:
“O velho conde de Luna, falecido, teve dois filhos com idades aproximadas… Certa noite, ainda pequenos, dormiam sob os cuidados de uma serviçal… Ao amanhecer, uma velha cigana foi vista debruçada no berço do mais jovem, chamado Garcia… A cigana foi afastada, mas a saúde da criança se fragilizou e concluiu-se pelo enfeitiçamento… Perseguida e capturada, a cigana foi condenada à morte, na fogueira!”
“Após execução da mulher, filho mais novo do Conde de Luna, Garcia, misteriosamente, desapareceu… E no dia seguinte, uma criança apareceu morta, atirada ao fogo que consumira a cigana…”
Este relato, espécie de prólogo, é essencial para compreensão dos acontecimentos, pois, ao início da ópera, Manrico (Garcia) já é um adulto; Azucena (filha da mulher condenada), uma cigana idosa; velho conde de Luna morrera e seu filho mais velho (irmão de Garcia) se tornara herdeiro, como novo conde de Luna…
“O jovem conde, tal como o pai, nunca acreditou na morte do irmão, mesmo quando lhes apresentaram os restos de uma criança queimada na fogueira”… Assim, começam o libreto e fluxo dos acontecimentos…
Outros relatos
“Azucena, então, jovem cigana com filho pequeno, presenciou a morte da mãe e jurou vingança! Na noite seguinte, sorrateiramente, adentrou o castelo e sequestrou o filho caçula do conde de Luna, chamado Garcia… E levou-o ao local da execução para atirá-lo ao fogo, ainda crepitando… Mas, transtornada pelo horror que presenciara, Azucena, enlouquecida, lança ao fogo o próprio filho, no lugar da criança sequestrada. E decide criá-la – chamando-a Manrico, mais tarde, conhecido como “o trovador”…
“Em sua fantasia delirante, Azucena, obcecada, pretendia vingar-se de alguma forma, quem sabe, futuramente, através do filho do conde… Mas, passou a amar a criança como um filho, ficando dividida”…
A cultura cigana é matriarcal. E questões de afeto e dignidade, entre as mulheres, são determinantes para decisões e ações… O que intensificava a obsessão, frente ao assassinato da mãe, agravada pelo sacrifício do filho. Além do contexto social, marcado pela diversidade cultural e preconceitos. No entanto, contrapunha-se novo sentimento, o amor materno, que aflorava e surpreendia Azucena…
Tais circunstâncias, por vezes bizarras, mas que ensejavam situações intensas, despertaram o interesse de Verdi. De modo que, senão por elementos de perturbação psíquica dos personagens, poderia tratar-se de melodrama mal engendrado, como indagava Cammarano, sobretudo, da presença, inexplicável, de uma cigana junto ao berço de uma criança, ou do filho de Azucena, absurdamente, lançado à fogueira… Em contraposição, eram tais emoções e acontecimentos que motivavam Verdi…
De outro, o enredo remetia à conflitos complexos, à oposição entre preconceitos e ressentimentos étnicos – “aos estigmas de subcultura e feitiçaria, capazes de comportamentos bárbaros e hediondos”; quando a brutal violência e a condenação à fogueira, por si mesmas, também configuravam barbárie, a produzir mágoas e despertar ódios; a vitimisar e alimentar sentimentos de revanche…
Ambientação e personagens
Ambientado nas guerras aragonesas, sec. XV – Aragão versus Biscaia, o drama histórico de Gutiérrez trata, sobretudo, de questões sociais, políticas e religiosas, típicas da Espanha de seu tempo – sec. XIX…
E a narrativa, em passado distante, possibilitava abordagem de impulsos elementares, tais como o amor, o ciúme, ódio ou vingança. Impulsos universais, mas evidenciados na sanguínea cultura espanhola, fascinando Verdi pela contundência e obstinação dos personagens – arquétipos, imbricados às suas paixões…
Assim, tal como em “Fedora”, de Giordano, na ária “Amor, ti vieta di non amar” (“Amor, ti é vedado não amar”), à “Leonora” restava amar ou morrer por amor; a cigana “Azucena”, atormentada pelo desejo de vingança, tornava-o motivo único de suas ações; “Manrico”, o virtuoso que recusa a liberdade barganhada por “Leonora”, mas por amá-lo; e, finalmente, Conde de Luna, ignorando parentesco, mataria o próprio irmão, objeto de ciúme e ódio implacáveis…
“Il Trovatore” expressa trágica sucessão de encontros e desencontros, de paixões e obsessões, onde todos perdem. E os espaços do prazer, da esperança e da felicidade, são negados – sucumbem aos conflitos e à violência, aos ressentimentos e ódios extremados…
Sinopse
Ação ocorre na Espanha, durante as guerras aragonesas, início do séc. XV.
Personagens:Duquesa Leonora, dama de companhia da princesa de Aragão (soprano); Inês, confidente de Leonora (soprano); Azucena, cigana de Biscaia (mezzo-soprano); Conde de Luna, jovem nobre de Aragão (barítono); Ferrando, Capitão da guarda do conde de Luna (baixo); Manrico, “o trovador”, suposto filho de Azucena e chefe de tropas sob comando do príncipe de Biscaia (tenor); Ruiz, soldado a serviço de Manrico (tenor); Velho cigano (barítono);
Coros:Integrados por ciganos, pelos séquitos do conde Luna e de Manrico, por prisioneiros e freiras.
Ballet: Para a produção francesa, Verdi adicionou cerca de 15 minutos de ballet.
A ópera inicia com breve “Introdução” orquestral.
Ato I – “O Duelo”
Cena 1 (Prólogo): “Em Biscaia, Espanha”
Toque de metais, em fanfarra militar, abre a cena. Soldados reunidos, em Biscaia, comentam estranhos acontecimentos, que envolveram uma cigana, condenada à morte na fogueira por bruxaria, injustamente acusada de adoecer um dos filhos do conde, cantado por Ferrando, capitão da guarda do conde de Luna, em “Abbietta zingara” (“Abjeta cigana!”)… E antes de morrer, a condenada teria ordenado à filha, vingar-se…
E conta Fernando, que uma jovem cigana teria sequestrado um dos filhos do conde. E que, no dia seguinte à condenação, em meio às cinzas, foram encontrados ossos de um bebê… Nesta cena, coro de soldados responde em “Ah, sceleratta! Oh donna infame!” (Ah, bandida! Oh, mulher infame!)… O conde, no entanto, nunca acreditou serem os restos do filho raptado. E, passado o tempo, antes de morrer, pediu ao primogênito e futuro conde de Luna, que procurasse uma cigana – de nome Azucena…
Cena 2: “No Palácio de Aljaferia”
Duquesa Leonora, dama de companhia da princesa de Aragão, passeia com sua camareira nos jardins do grande “Palácio de Aljaferia”. E fala de sua afeição por um jovem militar e “trovador”, que encontraria à noite. Então, canta bela ária “Tacea la notte placida” (“Plácida e silenciosa noite”), depois a vibrante cabaletta “Di tale amor, che dirse”. Antes do encontro, no entanto, surge o Conde de Luna e, fora de cena, ouve-se o “trovador”, anunciando sua chegada, na romance “Deserto sulla terra, col rio destino in guerra, è sola speme un cor” (“Tal como no deserto, um coração está solitário na esperança, diante do destino cruel da guerra”)…
Ansiosa pelo encontro, Leonora mostra seu encantamento – emoção percebida pelo Conde… Então, adentra Manrico, “o trovador”… Ao perceber o interesse de Leonora por outro, o conde, que a ama, se declara rival. Manrico se apresenta como seguidor do prícipe de Biscaia, exilado em Aragão. E a situação fica tensa. Ambos rivalizavam na guerra e, agora, no amor… Se desafiam e iniciam duelo. Cena se desenvolve no agitado terceto “Di geloso amor sprezzato, arde in me tremendo il fuoco!” (“Por amor ciumento e desprezado, arde em mim tremenda revolta!”). Em condições de desferir golpe fatal, Manrico não o faz… Assustada com a violência, Leonora desmaia…
Ato II – “A Cigana”
Cena 1: “Na comunidade de ciganos”, em Biscaia
No sopé de uma montanha, em Biscaia, vive comunidade de ciganos. Homens trabalham como ferreiros e todos cantam o célebre “Vedi! le fosche notturne spoglie” (Vejam! As noites nuas e sombrias!”), conhecido como “coro dos Ferreiros”…
Azucena, mãe de Manrico, conta-lhe do passado em dramático relato. Da morte de uma velha cigana (sua mãe), na ária “Stride la vampa, la folla indomita corre a quel foco lieta in sembianza! Urli di gioja intorno eccheggiano cinta di sgheri…” (“A chama crepitava. A multidão cercava a fogueira. E os gritos de alegria ecoavam no cerco dos bandidos…”)
Manrico lamenta, em “Soli orsiamo! Deh, narra quel la storia funesta!” (“Sozinhos suportamos! Ah, conte essa triste história!”)… Azucena canta “Essa bruciata vene, ov’arde quel foco!” (“Ardem minhas veias, como ardia aquela fogueira”). E expressa sua dor na ária “Condotta ell’era in ceppi al suo destin tremendo, col figlio in sulle braccia, io la seguia piangendo” (“Acorrentada ao terrível destino, eu acompanhava chorando, com o filho nos braços”). E enquanto as chamas ardiam, Azucena ouviu da condenada “Allor, con tronco accento: mi vendica! sclamo” (Com voz truncada, exclamou: Vinga-me!”)…
Manrico indaga “La vendicaste?…” Ao que Azucena responde: para vingar a morte da mãe, a filha raptou um dos filhos do velho conde de Luna, seu algoz, para atirá-lo às chamas, em “Il figlio giunsi a rapir del conte. Lo trascinai qui meco le fiamme ardean già pronte” (“Filho do conde sequestrei. Arrastei comigo e as chamas ainda ardiam…”). “Ei destruggeasi in pianto. Io mi sentiva in core dilaniato, infranto…” (“A criança chorava muito. Senti o coração partido, dilacerado”)…
E segue, “Quand’ecco agl’egri spirti. Come sogno, aparve. La vision ferale di spaventose larve! Gli sgherri! Ed il supplizio! La madre smorta in volto, scalza, discinta! Il grido, il grido, il noto grido ascolto! Mi vendica!” (“Como eco de espíritos, nuvem escura abateu-se sobre mim. E como sonho, a visão selvagem de larvas assustadoras! Os bandidos! A tortura! A mãe pálida, descalça, quieta! E o choro, o conhecido choro que ouvia! Vinga-me!”)…
Então, canta Azucena “La mano convulsa stendo stringo la vittima nel foco la traggo, la sospingo! Cessa el fatal delirio, l’orida scena fugge! La fiamma sol divampa, e la sua preda strugge!” (“Estendi a mão convulsiva, segurei a vítima e empurrei ao fogo! Cessou o delírio fatal, a cena horrível! Uma única chama se acendia e queimava sua presa!”)…
E conclui o relato aterrador, “Pur volgo intorno il guardo e innanzi a me vegg’io dell’empio conte il figlio! Il figlio mio, mio figlio avea bruciato! Quale orror! Ah, quale orror, mio figlio, mio figlio! Sul capo mio le chiome sento drizzarsi ancor!” (“Após, volto o olhar e vejo, diante de mim, o filho do ignóbil conde! Meu filho, meu filho queimara! Que horror! Ah, que horror, meu filho! Em minha cabeça, os cabelos eriçaram!”)…
– Ao contar terríveis fatos, Azucena insinua terceira pessoa e, gradualmente, assume protagonismo. Lembra com dificuldade extrema dos momentos dolorosos e angustiantes, entremeados de alucinações e terror – tremendas culpa e ódio… Além disto, suscita desconfiança de Manrico…
Manrico exclama: “Quale orror!”… E perturbado com a cena, indaga: “Non son tuo figlio. E chi son io? chi dunque?” (“Não sou teu filho. Quem sou eu? Quem então?”)… Se Azucena não fosse sua mãe, ainda assim o cuidou com amor… “Tu sei mio figlio”, responde Azucena: como cuidaria de teus ferimentos e com tanto cuidado, da “batalha de Petilla”, se não fosse tua mãe…
E iniciam pungente duetto “Mal reggendo all’aspro assalto”. Manrico relata ter derrotado o conde em duelo, mas fora impedido de matá-lo, misteriosamente, por estranha sensação e poder… Ao que Azucena reponde “Ma nell’alma dell’ingrato non parlò del cielo un detto. Oh! se ancor ti spinge il fato a pugnar col maledetto, compi, o figlio, qual d’un dio, compi allora il cenno mio!” (“Mas na alma do ingrato um dito não vinha do céu. Oh! Se o destino te leva a lutar contra os amaldiçoados cumpra, oh! filho, como da divindade, o meu apelo!”)…
Em “Il Trovatore” as cenas são pontuadas por intensa expressividade e comoção… Entra Ruiz, mensageiro do príncipe de Biscaia, convocando Manrico para comandar a defesa da fortaleza “Castellor”. E Azucena apela: “Mi vendica!” (“Me vingue!”)… Ruiz informa Manrico que, imaginando ter sido morto em “Petilla”, Leonora decidira tornar-se freira. E à caminho de “Castellor”, Manrico decide ir ao convento!…
Cena 2: “No convento”, próximo à fortaleza de Castellor
Também conde de Luna tomara conhecimento da decisão de Leonora e com seus soldados, comandados por Ferrando, dirige-se ao convento, para raptá-la… Conde de Luna canta seu amor na bela ária “Il balen del suo sorriso” (“Brilho de seu sorriso”) – referência do repertório de barítono, seguida da cabaletta “Per me, ora fatale” (Para mim, momento fatal”)…
Vozes femininas entoam canto religioso, enquanto Leonora, acompanhada por Inês e damas, encaminham-se para o convento… Conde de Luna interpõe-se, mas antes de arrastá-la, chegam Manrico, Ruiz e seus soldados… Conde é repelido!… E Leonora exclama: “E deggio! e posso crederlo?” (“Eu devo! Posso acreditar?”), ao ver seu amado. Iniciam arrebatado quarteto – Leonora, Manrico, conde de Luna e Ferrando, depois, com soldados e freiras, em grandioso concertato… Por fim, Manrico e seus comandados levam Leonora…
Ato III – “O filho da Cigana”
Cena 1: “No acampamento militar do conde de Luna”
Tropas do conde de Luna sitiam castelo de “Castellor”, onde se encontram Manrico e Leonora. As lutas aragonesas dão lugar ao viéz da paixão, entre dois militares rivais. Tal como no 2° Ato, cena abre com célebre coro, então, no acampamento militar, “Or co’ dadi, ma fra poco, giocherem ben altro gioco” (“Agora com dados, mas em breve, em outro e diferente jogo”). Na versão francesa, ocorre um ballet no Ato III…
Conde aparece aos soldados e lhe comunicam da captura de uma cigana, que rondava o acampamento… Tratava-se de Azucena, que se apresenta como inofensiva e pobre mulher, na ária “Giorni poveri vivea” (“Dias de miséria, vivia”). No entanto, Ferrando a reconhece, apesar das rugas e cabelos grisalhos… Azucena nega e clama por Manrico, gritando que é seu filho… Ao saber, ser mãe de Manrico, enfurecido, o conde de Luna decide mandá-la à fogueira…
Cena 2: “Salão na fortaleza de Catellor”
Em “Castellor”, prepara-se o casamento de Leonora e Manrico… Num salão próximo à Capela, Manrico expressa sua felicidade em outra belíssima ária: “Ah sì, ben mio, coll’essere io tuo, tu mia consorte” (“Ah! sim, meu bem, eu sendo seu e você minha esposa”)…
No momento das núpcias, Leonora e Manrico dão-se as mãos em direção à Capela, mas Ruiz, escudeiro de Manrico, entra apressadamente… Azucena fora capturada e será levada à fogueira… As chamas são vistas do castelo! Dado urgência e alvoroço, cerimônia é interrompida e Manrico convoca suas tropas na célebre cabaletta “Di quella pira, l’orrendo foco tutte le fibre m’arse” (“Daquela fogueira, horrendo fogo queima minhas fibras”), em vibrante final!
– Ao final da cabaletta “Di quella pira”, tenores cantam célebre “dó agudo”, não escrito por Verdi, mas incorporado à partitura. Verdi não escrevia “dó agudo” para tenores e, jocosamente, dizia: “cantores se desconcentram do enredo até execução do ‘dó agudo’… E depois de executá-lo, bem ou mal, da mesma forma”…
Ato IV – “O Suplício”
Nas masmorras do “palácio de Aljaferia”, encontravam-se presos Manrico e Azucena. A tentativa de salvar Azucena fracassara… Em noite escura, Leonora entra no castelo, acompanhada de Ruiz, que lhe aponta local da prisão e se retira… Leonora tem em mente um arriscado plano para libertar Manrico. E junto, carrega um veneno. Canta ária “D’Amor sull’ali rosee” (“De amor, em asas róseas”), expressando todo seu amor – referência do repertório de soprano…
Segue um sombrio “Miserere”. E sob fundo de um “coro de prisioneiros”, fora de cena, que entoa um “salmo”, Leonora canta “Quel suon, quelle preci soleni, funeste” (“Estes sons, orações solenes e fatais”); Manrico, também fora de cena e prisioneiro na torre, responde, ao perceber a chegada de Leonora, em “Ah, che la morte agnora” (“Ah, a morte ela ignora”) – dramático duetto, para muitos, grande momento de “Il Trovatore”. Após “Miserere”, segue intensa cabaletta, onde Leonora anuncia “Tu vedrai che amore in terra” (“Você verá que existe amor na terra”), entre o sucesso de seu plano e o veneno que trazia consigo!…
Entra o conde de Luna, em terrível ordem:”Udiste? Come albeggi, al scure al figlio, ed alla madre il rogo” (Ouçam! Ao amanhecer, o machado para o filho e para a mãe, a estaca!”)… Conde procurava por Leonora e surpreende-se ao vê-la no castelo, em “A che venisti?” (“A que ponto você chegou?”). Leonora responde em “Egli è già presso all’ora estrema; e tu lo chiedi? Ah sì, per esso pietà dimando” (“Se aproxima a hora final e você pergunta? Por isto, peço piedade…”). Conde “Che!… tu deliri! Io del rival sentir pietà?” (“O que? Você está delirando. Sentir pena de um rival?”) e Leonora “Clemente nume a te l’ispiri” (“Clemente deus te inspira”)… Conde responde “È sol vendetta mio nume… Va’!” (“Apenas a vingança é meu Deus… Vá!”)
Cena se desenvolve em intenso duetto. Leonora inicia “Mira, di acerbe lagrime spargo al tuo piede un rio… Non basta il pianto? Svenami, ti bevi il sangue mio… Calpesta il mio cadavere… ma salva il trovator!” (“Veja, derramei torrente de lágrimas aos seus pés… Chorar não é suficiente? Beba meu sangue. Pise em meu cadáver. Mas salve o trovador!”).
E o conde responde “Più l’ami, e più terribile divampa il mio furor!” (“Quanto maior o seu amor, maior a minha fúria!”). Conde ameaça se retirar e Leonora o agarra. Leonora canta “Uno ve n’ha! sol uno!… Ed io… te l’offro” (“Existe um preço! Apenas um!… E eu… eu ofereço a você”). Conde indaga “Spiegati, qual prezzo? di’!” (Explique-se, que preço? diga!”). Leonora responde “Me stessa” (“Eu mesma”), “Che la vittima fugga, e son tua” (“Deixe a vítima fugir e serei tua”)…
Enquanto o Conde se dirige a um guarda, na torre, Leonora ingere veneno, de um anel, e sussurra “M’avrai, ma fredda, esanime spoglia!” (“Você terá a mim, mas fria, sem vida e nua!”). E o conde confirma “Colui vivrà…” (Ele viverá…). Leonora, entre lágrimas e alegria, canta “Vivrà!… contende il giubilo i detti a me, signore… ma coi frequenti palpiti mercé ti rende il core!” (Viverá!… Contenho o júbilo das palavras que ouço, senhor… Intenso palpitar, pela misericórdia do teu coração!)…
E segue, “Ora il mio fine impavida, piena di gioia attendo… Potrò dirgli morendo: salvo tu sei per me!” (Agora meu destemido fim, cheio de alegria, espero… Poderei dizer a ele, morrendo: você está seguro para mim!”)… Conde responde em “Fra te che parli? Volgimi, mi volgi il detto ancora, o mi parrà delirio quanto ascoltai finora… tu mia!… ripetilo. Il dubbio cor serena…” (“O que, você fala consigo mesma? Volte-se para mim, repita, ou parecerá delirante… tu és minha!… Repita e a dúvida em meu coração se dissipará…”). E Leonora canta, “Andiam” (“Vamos”). Conde responde “Giurasti… pensaci!” (“Você jurou, pense nisso!”). Leonora dissimula em “È sacra la mia fé!” (“Sagrada é minha fé!”)… Ao final deste monumental duetto, Leonora entra na torre, ao encontro de Manrico e Azucena…
Na prisão, entre janelas gradeados e pouca iluminação, estão Manrico e Azucena… Na solidão e perspectiva de condenação, a velha cigana canta “Sì, la stanchezza m’opprime, o figlio… alla quïete io chiudo il ciglio! Ma se del rogo arder si veda l’orrida fiamma, destami allor!” (“Sim, o cansaço me oprime, meu filho… Fechei as pálpebras, no silêncio! Mas, horrível chama ardia, então despertei!”)… “Difendi la tua madre!”…
Após atormentado recitativo, canto se dilui em belo e esperançoso duetto “Ai nostri monti… ritorneremo!… l’antica pace… ivi godremo!… Tu canterai… sul tuo liuto… in sonno placido… io dormirò!” (“Às nossas montanhas… voltaremos!… à antiga paz… ali desfrutaremos!… Cantarás… no teu alaúde… no tranquilo sono… vou dormir!”). Manrico responde em “Riposa, o madre: io prono e muto la mente al cielo rivolgerò” (“Descanse, minha mãe. Prostrado e mudo, elevo minha mente ao céu”). Azucena adormece e Manrico fica ao seu lado…
Porta se abre e entra Leonora, para avisar Manrico e Azucena que fujam. Manrico surpreende-se ao perceber que Leonora ficaria. Leonora trocara a liberdade deles, aceitando casar-se com o conde. No entanto, já estava sob efeito do veneno…
Manrico indigna-se, sente-se humilhado por tal barganha, desconhecendo o efeito do veneno… Amaldiçoa Leonora! Que liberdade seria esta?… O tempo, no entanto, corria… Precisavam fugir e o veneno fazia seu efeito. Cena desenvolve-se no duetto “Che!… non m’inganna quel fioco lume?” (“O que? Esta luz fraca não me engana”)…
Azucena, que dormia, balbucia algo sobre “Ai nostri monti… ritorneremo!… l’antica pace… ivi godremo!” (“Às nossas montanhas… voltaremos… à antiga paz… então desfrutaremos!”)… Cena transforma-se em terceto, com Leonora e Manrico. Leonora começa a desfalecer e suplica pela fuga… Manrico resiste!…
Adentra o conde e se depara com Leonora morrendo. Percebe a barganha de Leonora, que trocava a liberdade de Manrico pela própria vida! Quanto amor sentia ela!… E Manrico percebe o trágico sacrifício de sua amada. Não havia mais tempo, nem desejava fugir…
Desenvolve-se o tercetto final, “Prima che d’altri vivere… io… volli tua morir!…” (“Antes que viver para outros… eu… por ti, morrerei!…”). Leonora morre nos braços de Manrico… E o Conde, em extrema revolta e ciúme, ordena execução de Manrico!…
Manrico dirige-se à Azucena, “Madre… oh, madre, addio!”… Azucena, acordando, “Manrico! Ov’è mio figlio?” (“Manrico! Onde estás, meu filho?”). Conde interpela, “A morte ei corre!” (“Para a morte e rápido!”) e arrasta a cigana até uma janela… Azucena resiste, “Ah ferma! m’odi…” (“Pare! Você me odeia…”)
Azucena presencia a morte de Manrico e, em desespero, grita: “Cielo!… Egli era tuo fratello!”… Mataste teu irmão!… Surpreso e horrorizado, Conde exclama: “Ei!… quale orror!!… Azucena sentencia: “Sei vendicata, o madre!!” (“Estás vingada, minha mãe!!”) e a velha cigana cai prostrada… Com o suicídio de Leonora, o trágico e brutal reencontro com Garcia (Manrico) e mais dolorosa solidão, conde de Luna lamenta: “E vivo ancor!” (“E permaneço vivo…”)
– Cai o pano –
“Il Trovatore” é drama intenso e contundente, onde a música transborda, poderosa e vulcânica – grande momento da produção de Verdi e do romantismo!…
Após estreia, foi apresentada no “Théâtre Italien”, Paris, 1854; “Teatro Lyrico Fluminense”, Rio de Janeiro, 1854; “Academy of Music”, Nova York, 1855; “Covent Garden”, Londres, 1855; “Theatre Royal Drury Lane”, Londres, 1856; “Opéra”, de Paris, 1857; “Metropolitan Opera”, Nova York, 1883; e muitas se seguiram…
Gravações de “Il Trovatore”
Grande sucesso desde a estreia em Roma, 1853, “Il Trovatore” tem sido montada, ininterruptamente, em todo o mundo, tornando-se impossível elencar tantas produções. De modo que apresentaremos lista sucinta de gravações e DVDs:
Gravação em áudio, 1947 – CD MYTO
“Orchestra and Chorus of the Metropolitan Opera”, direção Emil Cooper Solistas: Stella Roman (Leonora) – Margaret Harshaw (Azucena) – Jussi Björling (Manrico) – Leonard Warren (conde de Luna) – Giacomo Vaghi (Ferrando) “Metropolitan Opera”, Nova York, USA
Obs: Elenco excepcional, onde destacamos as belas vozes e interpretações de Margaret Harshaw (mezzo) e Leonard Warren (barítono).
Gravação em áudio, 1962 – CD Melodram
“Orquestra do Teatro alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni Solistas: Antonietta Stella (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Franco Corelli (Manrico) – Ettore Bastianini (conde de Luna) – Ivo Vinco (Ferrando) “Coro do Teatro alla Scala”, direção Norberto Mola Milão, Itália
Gravação em áudio CD – “Bella Voce”, 1975
“Orquestra and chorus of the Royal Opera House”, direção Anton Guadagno Solistas: Montserrat Caballé (Leonora) – Irina Arkhipova (Azucena) – Carlo Cossutta (Manrico) – Sherill Milnes (conde de Luna) – Richard Van Allan (Ferrando) “Covent Garden”, Londres
Gravação em áudio CD – EMI, 1977
“Berliner Philharmoniker”, direção Herbert Von Karajan Solistas: Leontyne Price (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Franco Bonisolli (Manrico) – Piero Capucilli (conde de Luna) – Jose Van Dam (Ferrando) “Chor der Deutschen Oper Berlin”, Alemanha.
Gravação em vídeo – DVD TDK, 1978
“Orchester der Wiener Staatoper”, direção Herbert Von Karajan Solistas: Raina Kabaivanska (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Plácido Domingo (Manrico) – Piero Cappuccilli (conde de Luna) – José van Dam (Ferrando) “Chor der Wiener Staatoper”, direção Helmuth Frochauer Viena, Áustria
Gravação em vídeo DVD “Deutsche Grammophon“, 1988
“The Metropolitan Opera Chorus and Orchestra”, direção James Levine Solistas: Eva Marton (Leonora) – Dolora Zajick (Azucena) – Luciano Pavarotti (Manrico) – Sherrill Milnes (conde de Luna) – Jeffrey Wells (Ferrando) New York, USA
Gravação em áudio – CD EMI, 2001
“London Symphony Orchestra”, direção Sir Antonio Pappano Solistas: Angela Gheorghiu (Leonora) – Larissa Diadkova (Azucena) – Roberto Alagna (Manrico) – Thomas Hampson (conde de Luna) – Ildebrando D’Arcangelo (Ferrando) “London Voices Chorus Master”, direção Terry Edwards, London, Inglaterra
Gravação em vídeo, 2017
“Orquestra Clásica del Maule”, direção Francisco Rettig Solistas: Paulina González (Leonora) – Evelyn Ramírez (Azucena) – Giancarlo Monsalve (Manrico) – Omar Carrión (conde de Luna) – David Gaez (Ferrando) “Coro del Teatro Regional del Maule”, direção Pablo Ortiz Talca, Chile
Obs: Excelente produção sul-americana, realizada com dedicação, entusiasmo e belas vozes.
Gravação em vídeo – DVD “Fondazione Arena di Verona” – C major, 2020
“Orchestra and Ballet of the Arena di Verona”, direção Pier Giorgio Morandi Solistas: Anna Netrebko (Leonora) – Dolora Zajick (Azucena) – Yusif Eyvazov (Manrico) – Luca Salsi (conde de Luna) – Riccardo Fassi (Ferrando) “Chorus of the Arena di Verona”, direção Vito Lombardi Verona, Itália
Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Il Trovatore”, sugerimos gravação em áudio da “Bella Voce”, 1975, ”Orchestra and chorus of the Royal Opera House”, de Londres, direção Anton Guadagno e grandes solistas:
Os solistas desta gravação são de primeira grandeza. E no personagem “Leonora”, a magnífica María de Montserrat Bibiana Concepción Caballé i Folch – Montserrat Caballé, soprano catalão, entre as maiores cantoras líricas de todos os tempos… Formada no “Conservatório Superior de Música”, de Barcelona, sua carreira teve início na Suíça, “Ópera de Basiléia”, com repertório que abrangia Mozart e Johann Strauss…
Após, Caballé tornou-se cantora permanente da “Ópera de Bremen”, Alemanha. E o destaque mundial ocorreu nos USA, no “Carnegie Hall”, 1965, quando substituiu, imprevisivelmente, o mezzo-soprano Marilyn Horne, em “Lucrezia Borgia”, de Donizetti, sendo aplaudida por 25 min. – uma revelação acontecia!… Críticos novaiorquinos, entusiasmados, sintetizaram Caballé na equação “Callas+Tebaldi”…
Em cerca de 130 gravações, o repertório de Caballé é vastíssimo, desde Rossini, Donizetti, Bellini, Verdi e Puccini; até Wagner e Richard Strauss… Por fim, ocasionalmente, incursionou pelo “rock” e “heavy metal”… Morreu em Barcelona, aos 85 anos…
Impecável no papel da cigana “Azucena”, o mezzo-soprano russo, Irina Konstantinovna Arkhipova – Irina Arkhipova. “Técnica irresistível e grande poder expressivo” são características atribuídas à célebre cantora, nascida em Moscou, Rússia…
Inicialmente formada em arquitetura e, mais tarde, no “Conservatório de Moscou”, Arkhipova destacou-se no repertório russo e italiano. E brilhou em “Khovanschina” e “Boris Gudonov”, de Mussorgsky; também em “Eugene Onegin”, de Tchaikovski, atuando nos principais teatros do mundo. Na ex-URSS, recebeu distinções como “Artista do povo”, 1966, e “Herói do trabalho”, 1984…
Interpretando “Manrico”, o tenor dramático italiano, de ascendência eslovena, Carlo Cossutta. Nascido em Santa Croce del Carso, perto de Trieste, Itália, Cossuta emigrou para Argentina, onde iniciou e terminou sua carreira – no “Teatro Colón”…
Em Buenos Aires, destacou-se em “Don Rodrigo”, de Ginastera, depois na “Royal Opera”, de Londres. As décadas de 70 e 80 marcaram seu apogeu, atuando nos grandes teatros europeus e americanos. Nesta produção, percebe-se a voz poderosa e sólida técnica, típicas de tenores dramáticos. (prudentemente, canta “Di quella Pira” 1/2 tom abaixo, mas em vigorosa performance e bela cor vocal)…
Interpretando “conde de Luna”, o carismático Sherrill Milnes, excelente barítono estadunidense, nascido em Downers Grove, Illinois. Filho de produtores de leite, desde jovem, alternava as lidas da fazenda com os estudos musicais. Posteriormente, entre medicina e música, optou pela carreira musical, na expectativa de tornar-se professor. Assim, de início modesto e poucas pretensões, a voz robusta e presença de palco possibilitaram à Milnes brilhar entre os grandes barítonos de sua geração…
Milnes atuou em festejadas casas de ópera e suas qualidades de ator o levaram ao cinema, em “Tosca”, de Puccini… Junto com as poderosas vozes de Caballé, Arkhipova e Cossutta, além dos solos, integra os belíssimos ensembles, de perfeito equilíbrio e eufonia – qualidades desta excepcional produção…
No papel de “Ferrando”, incisivo personagem do prólogo de “Il Trovatore”, o britânico Richard van Allan. Versátil voz de baixo, destacou-se no “Covent Garden”, na “English National Opera” e, após, realizou extensa carreira internacional. Com elegante presença de palco, suas interpretações sensibilizavam, tanto em pesado repertório de Verdi e Wagner, quanto na leveza de Gilbert e Sullivan. Artigos do “The Times” o elogiaram pelas “virtudes de um grande artista – estilo e dramaticidade, técnica e beleza vocal”…
Em primorosa direção, Anton Guadagno revela sua capacidade de atuar em meio a diversidade sonora – alternando solos, ensembles, coros e orquestra. Mas, sobretudo, nos pequenos conjuntos, entre tercetos e quartetos, atinge níveis de sutileza notáveis, explorando a versatilidade e potencial dos solistas. Equilíbrio, por vezes, comparável a madrigais renascentistas, apesar da robustez vocal dos solistas – final do 4° Ato, Leonora e Manrico em terceto com Azucena, que balbucia “Ai nostri monti… ritorneremo!… l’antica pace… ivi godremo!”…
Assim, depreende-se que Guadagno coordena de modo a estimular a liberdade, mas semeando coesão; por onde obtém maior concentração e primorosas performances. Sobretudo, no que se revela em qualidade de uma gravação “ao vivo”, sempre sujeita ao inesperado. Assim, percebem-se direções musicalmente sensíveis e proativas…
Nascido em Castellammare del Golfo, Itália, Anton Guadagno formou-se no “Conservatório Vincenzo Bellini”, de Palermo. E após, na “Accademia di Santa Cecilia”, de Roma. Ainda estudante, foi assistente de Herbert von Karajan, no “Mozarteum”, de Salzburgo, Áustria…
Guadagno iniciou carreira na Cidade do México; após, estreou no “Carnegie Hall”, de New York, 1952, e tornou-se diretor assistente da “Metropolitan Opera”, entre 1958-59. Também atuou na “Filadélfia Lyric Opera Company” e, sobretudo, a partir de 1970, maestro residente para o repertório italiano, na “Wiener Staatsoper”, por 30 anos. Em 1984, em paralelo às atividades de Viena, retornou aos USA, como titular da “Palm Beach Opera”, permanecendo até sua morte – Viena, 2002…
Por fim, agradecemos e aplaudimos os coros, ensembles e orquestra desta excelente produção. “Il trovatore” é drama intenso, onde a música de Verdi segue a nos sensibilizar e manter viva a arte da ópera!
Sugerimos também:
Áudio CD Myto – produção do “Orchestra and Chorus of the Metropolitan Opera”, direção Emil Cooper, com Stella Roman (Leonora) – Margaret Harshaw (Azucena) – Jussi Björling (Manrico) – Leonard Warren (conde de Luna) – Giacomo Vaghi (Ferrando), Nova York, USA, 1947.
DVD TDK – produção em vídeo da “Orchester und Chor der Wiener Staatoper”, direção Herbert Von Karajan, com Raina Kabaivanska (Leonora) – Fiorenza Cossotto (Azucena) – Plácido Domingo (Manrico) – Piero Cappuccilli (conde de Luna) – José van Dam (Ferrando), Viena, Áustria, 1978.
Se você, como eu, gosta de música antiga, vai adorar isso. Chamada às vezes La Favola d’Orfeo (A Fábula de Orfeu), L`Orfeo é uma Fabula em Música, ou uma ópera de Claudio Monteverdi, que data do período de transição entre a Renascença e o Barroco. Baseada na lenda grega de Orfeu que desce ao reino dos mortos, de Hades, na tentativa de trazer sua bem amada Eurídice de volta à vida, foi escrita em 1607 para uma encenação no carnaval da corte de Mântua. Embora não tenha sido a primeira ópera a ser composta, esta honra é de Jacopo Petri, Orfeo tem a distinção de ser a mais antiga ópera ainda regularmente executada hoje em dia. Esta obra teve um papel pioneiro no desenvolvimento do gênero visto que é a que mais se aproxima do modelo que se consagraria depois. É justamente considerada a primeira obra-prima do gênero operático. Tecnicamente, é uma ópera, mas não é o estereótipo criado depois e, creio, esta é a melhor versão disponível.
Prólogo
O “Espírito da Música” explica o poder da música, e especificamente o poder de Orfeu, cuja música é tão poderosa que é capaz de mudar a atitude dos próprios deuses.
Ato I
Orfeu e Euridice comemoram a chegada do dia do casamento.
Ato II
Orfeu recebe a terrível notícia de que Euridice havia morrido com a picada de uma serpente, decidindo ir até o Tártaro, de Hades, para poder resgatar a sua amada. Ele fala como a felicidade humana é passageira. O coro final termina com um lamento fúnebre.
Ato III
Esperança acompanha Orfeu à entrada do Tártaro. Orfeu encontra Caronte, o guardião do Tártaro e barqueiro do rio Estige, que o atravessa após ouvir uma canção pungente e emocionada de sua lira. A canção da lira também adormece Cérbero, o cão de três cabeças guardião dos portões do Tártaro permitindo que Orfeu passe por ele.
Ato IV
Prosérpina, a rainha do Tártaro e esposa de Plutão, é comovida pela música de Orfeu e, com isso, Plutão, rei do Tártaro, deixa Eurídice ir. Mas Plutão só a libera com uma condição: que Orfeu não olhe para trás onde segue Eurídice. Plutão libera a amada de Orfeu. Assim Orfeu e sua amada Eurídice se retiram do Tártaro, para irem para a Terra, mas num momento de fraqueza humana, Orfeu olha para trás e vê o ombro de Eurídice. Então, sem tempo para começar a olhar o rosto de Eurídice, ela é fulminada e volta como fantasma para o Tártaro.
Ato V
Orfeu é consumido pela dor, e Apollo, o seu pai, vem do céu para levar seu filho, onde lá ele poderá ver para sempre a imagem de Euridice no céu, formada pelas estrelas.
Atto Primo
1-3 In Questo Lieto E Fortunato Giorno (Pastore I) / Vieni, Imeneo (Coro Di Ninfe E Pastori) / Muse, Onor Di Parnaso (Ninfa) 3:28
1-4 Balletto: Lasciate I Monti (Coro Di Ninfe E Pastori) / Ma Tu, Gentil Cantor (Pastore III) 2:34
1-5 Rosa Del Ciel (Orfeo / Io Non Dirò Qual Sia (Euridice) / Balletto: Lasciate I Monti / Vieni, Imeneo (Coro Di Ninfe E Pastori) 4:27
1-6 Ma Se Il Nostro Gioir (Pastore II, Pastore I, Pastore III, Pastore IV, Ninfa) / Ecco Orfeo, Cui Pur (Coro Di Ninfe E Pastori) 5:09
Atto Secondo
1-7 Sinfonia / Ecco Pur Ch’a Voi Ritorno (Orfeo) 0:49
1-8 Mira Che Sé N’alletta (Pastore I, Pastore II) / Dunque Fa Degni, Orfeo (Coro Di Ninfe E Pastori) 2:16
1-9 Vi Ricorda, O Bosch’ombrosi (Orfeo, Pastore I) 2:51
1-10 Ahi, Caso Acerbo / In Un Fiorito Prato (Messaggiera, Pastore I, Pastore II, Pastore III, Orfeo) 9:28
1-11 Ahi, Caso Acerbo (Coro Di Ninfe E Pastori) / Ma Io, Che In Questa Lingua (Messaggiera) 2:49
1-12 Sinfonia / Chi Ne Consola, Ahi Lassi / Ahi, Caso Acerbo / Ma Dove, Ah Dove / Ahi, Caso Acerbo (Pastore I, Pastore II, Coro Di Ninfe E Pastori) 7:09
Atto Terzo
2-1 Sinfonia / Scorto Da Te, Mio Nume (Orfeo) / Ecco L’atra Palude (Speranza) / Dove, Ah Dove Ten Vai (Orfeo) 6:29
2-2 O Tu, Ch’inanzi Morte (Caronte) 2:13
2-3 Possente Spirto (Orfeo) 8:23
2-4 Be Mi Lusinga (Caronte / Ahi, Sventurato Amante (Orfeo) / Ei Dorme, E La Mia Cetra (Orfeo) 5:21
2-5 Nulla Impresa Per Uom (Coro Di Spiriti) 2:48
Atto Quarto
2-6 Signor, Quel Infelice (Proserpina) / Benché Severo (Plutone) / O Degli Abitator (Spirito I, Spirito II) / Quali Grazie Ti Rendo (Proserpina) / Tue Soavi Parole (Plutone) 6:54
2-7 Pietade, Oggi, E Amore (Coro Di Spiriti) / Ecco Il Gentil Cantor (Spirito I) 0:40
2-8 Qual Onor Di Te (Orfeo) / O Dolcissimi Lumi (Orfeo / Rotto Hai La Legge (Spirito III) 3:15
2-9 Ahi, Vista Troppo Dolce (Euridice) / Torn’a L’ombra (Spirito I) / Dove Ten Vai (Orfeo) 2:34
2-10 È La Virtute Un Raggio (Coro Di Spiriti) 2:27
Atto Quinto
2-11 Questi I Campi Di Tracia (Orfeo, Eco) 8:09
2-12 Sinfonia / Perché A Lo Sdegno (Apollo, Orfeo) 5:47
2-13 Vanne Orfeo (Coro Di Ninfe E Pastori) 0:59
2-14 Moresca 1:18
Alto Vocals – Ashley Stafford, Brian Gordon (2), Christopher Royall, Julian Clarkson, Patrick Collin
Bass Vocals – Charles Pott, Richard Savage, Simon Birchall, Stephen Charlesworth (2)
Cello, Viola da Gamba – Angela East, Richard Campbell
Chitarrone – Timothy Crawford*
Chitarrone, Cittern, Cittern [Ceterone] – Robin Jeffrey
Chorus [Coro Di Ninfe E Pastori, Coro Di Spiriti] – The Monteverdi Choir
Composed By – Claudio Monteverdi
Conductor – John Eliot Gardiner
Cornett – Jeremy West
Double Bass – Amanda MacNamara*, Valerie Botwright
Ensemble – His Majesties Sagbutts & Cornetts*, The English Baroque Soloists
Guitar [Baroque Guitar], Chitarrone – Jakob Lindberg
Harp [Double Harp] – Frances Kelly
Libretto By – Alessandro Striggio, Jr.*
Organ [Chamber Organ, Chest Organ, Regal], Harpsichord, Virginal – Alastair Ross, Linnhe Robertson, Paul Nicholson
Percussion – David Corkhill
Recorder – David Pugsley, Rachel Beckett
Sackbut [Baroque Sackbut] – Paul Nieman, Peter Goodwin, Richard Cheetham, Stephen Saunders, Susan Addison
Soprano Vocals – Carol Hall (2), Jane Fairfield, Mary Seers, Nicola Jenkin, Rachel Platt, Suzanne Flowers
Tenor Vocals – Angus Smith, Clifford Armstrong, David Roy, Howard Milner, Leigh Nixon
Trumpet – Crispian Steele-Perkins
Trumpet, Cornett – David Staff
Viola – Annette Isserlis, Jan Schlapp, Nicholas Logie, Rosemary Nalden
Violin – Elizabeth Wilcock, Hildburg Williams, Julie Miller (2), Susan Carpenter Jacobs*
Violin, Violino Piccolo – Graham Cracknell
Violin, Violino Piccolo, Concertmaster – Roy Goodman
Vocals [Caronte, Spirito III] – John Tomlinson (2)
Vocals [Euridice] – Julianne Baird
Vocals [La Musica] – Lynne Dawson
Vocals [Messaggiera] – Anne Sofie von Otter
Vocals [Ninfa] – Nancy Argenta
Vocals [Orfeo] – Anthony Rolfe Johnson
Vocals [Pastore I, Eco] – Mark Tucker (5)
Vocals [Pastore II, Apollo] – Nigel Robson
Vocals [Pastore III] – Michael Chance
Vocals [Pastore IV] – Simon Birchall
Vocals [Plutone] – Willard White
Vocals [Proserpina] – Diana Montague
Vocals [Speranza] – Mary Nichols
Vocals [Spirito I] – Howard Milner
Vocals [Spirito II, Chorus] – Nicolas Robertson
A condição de Rigoletto não era simples. Com sagacidade, no entanto, o corcunda combinava sua miséria física com especial talento para o humor – meio de salvação existencial… Assim, tornou-se bobo de uma pequena corte, simplória e decadente, onde explorava o riso da própria deformidade, entremeando os truques de ator…
E, se pessoas são capazes de generosidade e compaixão; também são da mais escrachada insensibilidade… Sobretudo, quando ostentam e riem, auto confiantes, da miséria alheia, tocadas por certa identidade – estúpida cumplicidade dos iguais… E em tal condição, o corcunda carregava e semeava ressentimentos…
Apesar de odiar a corte, Rigoletto almejava certa empatia, quem sabe, cínica troca de favores e proteger a filha dos assédios do patrão, a quem colaborava na aproximação de outras mulheres – direito dos proprietários, dispor da criadagem, retirando-lhes qualquer senso de escolha e dignidade…
Assim, o duque, dissoluto e incorrigível, ciente dos ditos direitos, mostraria à Rigoletto o devido lugar, negando-lhe qualquer atenção especial e assediando também a filha, definindo natureza e distanciamento de ambos… E à Rigoletto caberia resignar-se, como insignificante distração, numa corte que vivia a esmo e aos prazeres…
Do caráter inicial, jocoso e cínico, da relação com o duque, a trajetória de Rigoletto ganharia contornos dolorosos, quando o ambiente dissoluto, inexoravelmente, invadiria sua casa e sua família, agredindo-lhe os sentimentos paternos… Vassalo corrompido e amargurado, cujas dor e existência eram irrelevantes, Rigoletto extravasaria: “Cortigiani, vil razza, dannata!”…
E assombrado por medos, ao desafiar gente poderosa, mas acossado por vingança, Rigoletto, por engano e trágica ironia, se depararia, no lugar do duque, com a morte da própria filha, Gilda: “La maledizione!”…
Motivações
A leitura de “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”), de Victor Hugo, fascinou Verdi. E o músico, de imediato, solicitou libreto a Francesco Piave, que trabalhava em “Stiffelio”, as duas novas óperas, após estreia, em Nápoles, de “Luisa Miller”…
Desde o final do sec. XVIII, a literatura alemã anunciava o romantismo, debruçava-se sobre o contexto social europeu e adentrava à França. “Le roi s’amuse” trazia realidade pungente, dos direitos distintos para cada classe social, formalmente, abolidos na “Revolução Francesa”… E desde “Luisa Miller”, Verdi aprofundava-se na trajetória dos personagens, nos afetos e conflitos, abandonando os temas épicos, fruto do intenso engajamento, que antecedeu a “1ª guerra de independência italiana”…
Apesar dos esforços heroicos, o fracasso daqueles levantes revolucionários levariam a Itália permanecer, por mais dez anos, fragmentada e sob domínio austríaco… Período em que Verdi retornou à terra natal, após dois anos em Paris, e iniciava nova vida conjugal, com o soprano Giuseppina Strepponi, que estreara suas primeiras óperas…
Para tanto, adquiriu propriedade na comuna de Busseto, ducado de Parma – “Vila Sant’Agata”… E debruçava-se em novas leituras, fossem de autores alemães, como Schüller e o “Sturm und Drang”, precursores do romantismo; ou de autores franceses, como Victor Hugo e a “mélange des genres”. Para o autor francês, a dramaturgia englobava o épico e a poesia, o belo e o feio, o sublime e o grotesco; elogiando o cristianismo por admitir tais dualidades…
Através desta literatura, Verdi discutiria o seu tempo, marcando seus personagens pelos contrastes sociais, costumes e multiplicidade de sentimentos… E a mudança para “Villa Sant’Agatta” traria mágoas e frustrações, dado ambiente conservador e religioso… Juntos, Giuseppina e Verdi, suportariam o preconceito local, apesar de artistas consagrados, mas que não eram casados – Giuseppina sofria muito e evitava sair…
Embates com a censura
Desde o intenso engajamento pela unificação italiana – fase patriótica, e mesmo após, com as temáticas burguesas, recorrentemente, Verdi provocou desconfiança. E a cada nova ópera, surgiam conflitos, fossem com as monarquias italianas, ou com autoridades austríacas e religiosas… Fatores inevitáveis, que atrasavam estreias e suscitavam escarnio da imprensa, que acompanhava querelas e desgaste de compositores e libretistas. Tal como em “Stiffelio”, com as autoridades religiosas, em Trieste…
Na Europa, a ópera era atividade relevante e popular. E as estreias, precedidas de farta divulgação e preparativos, o que também englobava certa imprensa, folhetinesca e difamatória, intrínseca à rica e efervescente indústria cultural… E em “Rigoletto” não seria diferente, com os censores venezianos…
Assim, o disforme corcunda era figura provocativa, a mover-se no palco e gracejar, fosse para deleite dos cortesãos ou para ironizá-los; também a ressentir-se, dolorosamente, por ter a filha violada e denunciar sociedade decadente e abjeta, levando o drama para terrível desenlace, que evoluía da farsa e do cinismo, para o ódio implacável e tragédia…
Verdi fascinou-se com as possibilidades do tema – das cenas e imagens que chocavam e constrangiam. Do feio e deformado protagonista; do ambiente dissoluto e do arrastar uma jovem morta dentro de misterioso saco, que, por fim, descobriria ser a própria filha. Tudo, deliberadamente, apresentado em dose de exagero, quem sabe, de vulgaridade frente aos limites do decoro – o realismo verdiano…
O drama culminaria, por fim, com a maldição e derrota do vassalo. Daquele que, também corrompido, ao indignar-se e tentar reerguer-se, ao seu modo, buscando vingança ou justiça, revelava sua própria impotência, seus medo e inferioridade internalizados, quando planejava atabalhoadamente e fracassava, voltando seu ódio contra si mesmo e sua descendência…
Assim, após regozijar-se com suposta morte do duque, Rigoletto encerra o drama, em intensa catarse e lamento, ao descobrir que sua própria filha morrera no lugar daquele a quem odiava: “Maledizione!”, grita Rigoletto – título inicial da ópera – frente ao tremendo e incorrigível erro; da maldição do inferior, incerto dos próprios direitos, que sucumbe à indelével condição – marcando na deformidade física, metáfora da deformidade social e psíquica…
Música de “Rigoletto”
Verdi trabalhou intensamente na música de Rigoletto. O drama decorre do profundo amor entre o pai e a filha, Gilda, a quem pretendia preservar de um mundo sombrio e violento, do qual participava e bem conhecia… Do desejo de preservá-la, em pureza e dignidade, para um mundo diferente, contrário à perversidade, à qual habituara-se no convívio da corte e do duque… E em seu amor, puramente egoísta, Rigoletto, com as demais mulheres, agia como lhe era esperado – cúmplice debochado e fiel servidor do duque…
De outro, em seu devaneio afetivo, Gilda, ao deixar-se seduzir, acreditava no amor do duque e também o amava. Assim, manteve ilusão e pureza, quem sabe, certa alienação, que a alimentou e protegeu, sem que nunca compreendesse a angústia e ódio paterno, ou mesmo, as motivações que levaram o duque a seduzi-la, permanecendo em seu universo particular – de sonho e idealismo, quem sabe, de dignidade e liberdade interior…
Nesta fase, Verdi despertara para simplicidade de meios. E da robustez vocal e orquestral da fase patriótica, evoluiu para maior variedade harmônica e fluente melodismo, produzindo árias e ensembles que tornar-se-iam famosos – “viralizariam”… A música de Rigoletto é marcada por ininterrupta invenção, agregando originalidade, expressão e dramaticidade. E mesmo em “Stiffelio”, composta simultaneamente, a crítica percebia cativante melodismo, a ampliar-se nas óperas seguintes…
Lirismo verdiano e “Risorgimento” – década de 50
Dado a longevidade, falecido no alvorecer do século XX, Verdi testemunhou e participou de inúmeros eventos. Embora residindo em Paris, acompanhou e empenhou-se na “1ª guerra de independência”, quando vibrou com as façanhas do “Levante de Milão”, 1848; e estreou “La battaglia di Legnano” em plena Roma ocupada, 1849, durante a efêmera república, proclamada pelas forças de Garibaldi e Mazzini, depois repelidas por austríacos, franceses e espanhóis, a pedido do Papa. E, mais tarde, celebraria a monarquia italiana, 1861, sendo nomeado senador, por Vitor Emanuelle, 1874…
Figura simbólica da unificação, junto com Garibaldi e Mazzini – “os três Giuseppes”, a partir de “Luisa Miller”, Verdi seguiria espécie de produção “entre guerras”, abandonando os temas épicos. A década de 50 marcaria reorganização, econômica e militar, do “Risorgimento”, sob liderança da Sardenha-Piemonte, de Vitor Emanuelle e Cavour. E certo apaziguamento revolucionário, que, no caso de Verdi, resultou em sucessão de obras-primas, do mais profundo lirismo. Após “Rigoletto”, viriam “La Traviatta” e “Il Trovatore”, formando célebre trilogia, além de “I Vespri Siciliani”, “Aroldo” – nova revisão de “Siffelio”, “Simon Boccanegra” e “Ballo Maschera”…
Apenas em 1859, com apoio da França, o “Risorgimento” empreenderia nova e bem sucedida campanha – “2ª guerra de independência”… Lombardia, Sicilia e Nápoles seriam libertadas. E a cada conquista, massiva adesão popular, consolidando ideia de nação. Em 1861, Vítor Emanuelle proclamaria a “Monarquia Italiana”, com capital em Turim, depois Florença, 1865… E a unificação se estenderia até a libertação do Vêneto, 1868, com apoio da Prússia; e depois, Roma, 1870… Cerca de dez anos de lutas!
E Verdi, apesar da expressiva contribuição até “Stiffelio”, só a partir de “Rigoletto”, teria o reconhecimento de Rossini, como músico diferenciado, quem sabe, genial… Aos 38 anos, iniciava nova etapa. E muito ainda viria, até “Aída”, “Requiem”, “Otello” e “Falstaff”… Maior compositor italiano de seu tempo, até idade avançada, surpreendeu em vitalidade e criatividade, marcando o teatro lírico do sec. XIX…
Sucesso de público e controversas na crítica
“Rigoletto” foi grande sucesso na estreia, 11/03/1851, no teatro “La Fenice”, de Veneza. O público reagiu calorosamente, tocado pelo ritmo, pelas cenas e melodismo fluente. Dois números foram bisados e Verdi chamado ao palco diversas vezes… Sucesso que foi crescente e, até hoje, referência das grandes plateias…
No Brasil, foi encenada no Rio de Janeiro, 1856, cinco anos após estreia europeia, no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, “Attila” e “Luisa Miller”; “Il Trovatore”, “La Traviata” e “Giovana D’Arco”… Posteriormente, o teatro foi demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…
A critica, como esperado, dividiu-se entre aqueles mais susceptíveis à reação emotiva; e outros, mais distanciados, reagindo parcimoniosamente, senão com indiferença ou preconceito… Assim, a “Gazzetta Privilegiatta di Venezia” descreveu o impacto da estreia e reação do público:
“Ópera que não pode ser julgada numa única noite. Ontem, fomos quase que subjugados pela originalidade… ou antes, pelas estranhezas do tema, da música e ausência de números… No entanto, o sucesso de público foi absoluto. A habilidade na instrumentação é autêntica, admirável e estupenda. A orquestra fala, chora e transmite paixão. Nunca, a eloquência dos sons foi mais poderosa”…
E, curiosamente, segue a crítica: “Parece-nos, numa primeira audição, que a parte vocal foi menos esplêndida, uma vez que faltaram grandes conjuntos e mal se percebem um quarteto e um trio no último ato”… O quarteto, a que se referia o crítico, era, nada mais, nada menos, que “Bella figlia dell’amore”, que impressionou Victor Hugo e entre os mais famosos de Verdi…
Outros acharam a ópera, simplesmente, confusa; que Verdi tentava apropriar-se do estilo de Mozart; ou, faltavam invenção e originalidade. Enfim, uma gama de opiniões de ocasião… Finalmente, Chorley, em Londres, 1853, que havia descrito “I Masnadieri” como a pior ópera já composta, escreveu: “A mais fraca das óperas de Verdi”… O público, no entanto, já havia adotado “Rigoletto”, entre as maiores já escritas!…
Acontecimentos na Europa
Passavam-se cinco décadas da Revolução e, na França, após queda de Napoleão, permanecia a instabilidade política… Após o Congresso de Viena, 1815, estabeleceu-se nova ordem europeia, dado a consolidação e sobrevivência dos regimes monárquicos. Um mundo em transformação, que cedia à construção de modelos híbridos, entre monarquias e aristocracias remanescentes; e a emergente burguesia, que passava a compartilhar poder político e econômico…
Além disto, novas demandas pressionavam a sociedade europeia, representadas pelas organizações de trabalhadores – proletariado, impulsionado pelos pensamentos socialista e anarquista…Verdi estava em Paris, quando eclodiu a revolução de 1848 e esteve presente no grande funeral – no largo da Bastille…
Em Paris, acompanhou a constituinte de 48, pós abdicação de Louis Philippe e eleição de Luís Napoleão, que, posteriormente, empreenderia auto golpe, restabelecendo o Império, 1851 – Napoleão III seria determinante na “unificação italiana”…
Chamado “Primavera dos Povos”, além do levante de Paris, ano de 48 marcaria a política europeia com o “manifesto comunista”, de Marx e Engels; também com movimentos liberais e anarquistas na Alemanha; e na Itália, eclosão da “1ª guerra de independência”, proclamação de diversas repúblicas e simbólicos “cinco dias de Milão”, quando os exércitos austríacos foram, temporariamente, expulsos…
Dado as dificuldades no enfrentamento dos austríacos, Verdi juntou-se a diversos intelectuais, que encaminharam pedido de apoio ao governo francês, na “1ª guerra de independência”, que não veio… Apoio da França ocorreria 10 anos após, com o então imperador Napoleão III…
Curiosamente, neste contexto, Richard Wagner amargaria exílio de 11 anos dos estados alemães, após derrota do levante de Dresden, 1849, fruto de sua adesão ao ideário anarquista, de Bakunin… O que lhe custou o cargo de “Kapellmeister” da ópera de Dresden, para imensa frustração da esposa, Minna Planer…
Victor Hugo
“Podemos resistir à invasão de exércitos; não resistimos à invasão das ideias”…
Filho de um dos generais de Napoleão e mãe monarquista, a infância de Hugo foi marcada pela divergência política de seus pais… Um espelho, em família, da crise que se abatia na França, pós Revolução. Autor de múltiplos gêneros literários e nas artes visuais, mais de 4 mil desenhos, Victor Hugo foi poeta, dramaturgo e romancista, além de escrever para jornais e revistas, em geral, denunciando a desigualdade social…
Na política, inicialmente monarquista, foi eleito senador, 1845. E após a revolução de 1848, aderiu aos liberalismo e republicanismo… Constituinte em 48, fez campanha para Luis Napoleão, que tornou-se presidente da 2ª república francesa. E quando este, através de auto golpe, reinstaurou o império, 1851, Hugo rompeu com o então Napoleão III e amargou exílio de 18 anos… Ao retornar à França, 1870, foi eleito deputado e depois, novamente, senador, tornando-se líder da esquerda, na Assembleia Nacional… Falecido aos 83 anos, 1885, recebeu honras nacionais…
Com a peça “Cromwell”, 1827, identificou-se com o romantismo francês. E obteve maior notoriedade em “Notre-Dame du Paris”, 1831, sobre uma Paris medieval, cruel e desumana… Sobretudo, Hugo preocupava-se com o crescimento e a miséria dos trabalhadores, no sec. XIX…
Em “Le roi s’amuse”, Triboulet diz: “Je suis l’homme qui rit, il est l’homme qui tue” (“eu sou o homem que ri, aquele é o homem que mata”); ou, diria,”o homem que ri, também é aquele que mata”… Condenado pela desigualdade, Triboulet “odiava o rei, porque era rei; odiava os nobres, porque eram nobres; odiava os homens, porque poucos, ou nem todos, tinham corcunda”… Era um condenado pela natureza, pelo sistema e pelo despotismo. E quando decide vingar-se, salvar sua descendência, seus afetos, se depara com a filha morta. O corcunda, simplesmente, não tinha direitos: “J’ai tué mon enfant!” (“Eu matei minha filha!”)…
A peça foi proibida por 50 anos, na França, por supostas críticas à monarquia e ofensas ao então rei Louis-Philippe… Victor Hugo moveu célebre processo pela liberdade de expressão, contra o estado francês. Por fim, derrotado, teve que arcar com as custas processuais… E a 2ª apresentação, simbolicamente, ocorreria na comemoração dos 50 anos da peça, na “Comédie-Française”, 1882, com música incidental de Leo Delibes, pouco antes de sua morte…
Sobre texto de Victor Hugo e também para Veneza, Verdi compôs “Ernani”, 1844, quando popularizou o “chapéu com pena”, adereço associado à liberdade e à unificação italiana. E quando interessou-se por “Le roi s’amuse”, a peça estava proibida na França, desde 1832… Mas, ironicamente, “Rigoletto” seria encenada em Paris…
Mais tarde, críticos de “Les Annales” observaram que a ópera de Verdi fora encenada em dois teatros de Paris, a partir de 1857, inclusive com a presença de Victor Hugo, aparentemente exilado, e sem quaisquer objeções da censura, enquanto “Le roi s’amuse” permanecia proibida…
Libreto de “Rigoletto”
Sobre “Le roi s’amuse”, Verdi escreveu à Piave: “tenho novo tema que, se for liberado pela polícia, seria dos maiores do teatro moderno. Se aprovaram ‘Ernani’, porque não este, sem conspirações e política… O personagem chama-se Triboulet”…
E ao ler sinopse de “Stiffelio”, achou interessante, embora, motivação maior recaía em “Le roi s’amuse”. Assim, estavam decididos os temas para duas novas óperas: “Stiffelio”, para “Casa Ricordi”, com estreia em Trieste; e “Rigoletto”, para o teatro “La Fenice”, em Veneza; ambas com libretos de Francesco Piave…
Inicialmente, “La Maledizione” – título original de “Rigoletto” – foi totalmente preterida pela censura veneziana. Verdi supunha que Piave tinha controle da situação e ficou decepcionado. Então, escreveu ao “La Fenice” relatando ser impossível trabalhar novo libreto, quando a música estava bastante avançada – intenso trabalho de 45 dias e, praticamente, duas horas de música concluída… E ofereceu “Stiffelio”, mas na concepção original, pois também se frustrara em Trieste, com a censura religiosa…
Finalmente, após reunião de ambos, Piave e Guglielmo Brenna, secretário do “La Fenice”, com o diretor da “Ordem Pública” de Veneza, obtiveram algumas concessões. Da reunião com Verdi, seis pontos foram elencados, de modo a atender exigências e adaptar outras, sem prejuízo da trama… Assim, transferia-se ação da corte francesa, para um ducado de menor importância, na França ou Itália; se alterariam nomes dos personagens de Victor Hugo; e outras, que fossem ofensivas aos “bons costumes”. E a nova proposta foi aceita, permitindo à Verdi concluir a ópera, embora, com adiamento da estreia…
O drama era pautado pela maldição de Monterone, um nobre cuja filha fora seduzida pelo Duque de Mântua. Após insultos e gracejos de Rigoletto, Monterone amaldiçoa ambos… Fiel ao duque, mas sarcástico com os demais cortesãos, Rigoletto semeava ressentimentos. E embora mantivesse a filha, Gilda, escondida, desconhecia os assédios que o próprio duque lhe fazia, disfarçado de estudante…
Naquele ambiente abjeto, a ira à língua afiada do bufão se revelaria no rapto de Gilda, pelos cortesãos, para o interior do palácio, com ajuda do próprio bufão, que desconhecia tratar-se da filha. E quando Rigoletto descobre Gilda no palácio, ela já havia sido seduzida pelo duque…
Tomado de ódio, Rigoletto contrata um matador, de nome Sparafucile, dono de uma hospedaria, para eliminar o duque. A filha de Sparafulice, Maddalena, no entanto, é afeiçoada ao duque e convence o pai a não matar o duque. E sim, o primeiro estranho que adentrasse a hospedaria, a fim de ter um corpo a apresentar a Rigoletto… Ouvindo tal conversa, Gilda decide sacrificar-se e acaba morta por Sparafucile… Gilda amava o duque e imaginava ser amada por ele…
Quando Rigoletto recebe um saco, acreditando conter o corpo do duque, regozija-se. Mas, em seguida, ouve ao longe “La donna è mobile”, na voz do próprio duque… Apreensivo, ao abrir o saco, se depara com a filha, desfalecendo… Gilda morre nos braços do pai… Em desespero, Rigoletto lembra da maldição de Monterone e tomba sobre o corpo de Gilda…
Sinopse
Ação ocorre na região de Mântua, Itália, sec. XVI.
Personagens:Duque de Mântua (tenor); Rigoletto, bufão corcunda (barítono); Gilda, filha de Rigoletto (soprano); Sparafucile (baixo); Maddalena, filha de Sparafucile (contralto); Monterone, um nobre (barítono); Borsa, cortesão (tenor);
Coros:Damas e nobres da corte; pajens e serviçais.
A ópera inicia com breve e sombrio “Prelude” orquestral.
Ato 1
Cena 1: Salão do palácio ducal
Cena abre com um baile no palácio do Duque de Mântua. Duque canta suas conquistas amorosas à Borsa, um cortesão. E de uma recente aventura, com jovem encantadora, que até aquele momento só avistara na Igreja… Obsessivo nas conquistas, o Duque descobrira a residência da jovem, numa vila, onde um desconhecido a visitava diariamente… Tratava-se de Gilda, filha de Rigoletto, que vivia escondida pelo pai… Em meio à festa, Duque canta a balada “Questa o quella, per me pari sono” (“Esta ou aquela, para mim são o mesmo”). E tal como Don Giovani, passava de uma aventura à outra, sem qualquer hesitação, não importando as condições sociais…
Chegam também à festa, conde e condessa de Ceprano. O Duque se encanta com a condessa, a convida para dançarem e passa a elogiar a bela figura feminina – dançam o “minuetto e o peregodino”. E Rigoletto, conhecendo a índole do duque, passa a ridicularizar o conde… Entra Marullo, outro cortesão, a mexericar, mas agora, sobre suposta amante do corcunda, apesar da deformidade física… E os presentes irrompem em gargalhadas!…
Ainda na presença do conde Ceprano, Rigoletto insiste nas provocações, insinuando as inevitáveis incursões que o Duque faria para seduzir sua esposa. Rigoletto galhofa a ponto de sugerir risco de morte, ao conde, se a vontade do duque não se realizasse… Com tais insinuações, Ceprano desafia Rigoletto para um duelo. E demais cortesãos condenam Rigoletto, pela atitude repugnante e debochada… Ceprano propõe reunião à noite, com demais cortesãos, para vingarem-se do corcunda… E o Duque repreende a todos, protegendo Rigoletto…
Neste momento, a música alegre é interrompida pela chegada de Monterone. Outro nobre ofendido, que acusa o Duque de desonrar sua filha. Rigoletto, cúmplice das aventuras do Duque, parte para desmoralizar Monterone, ao gracejar e imitar gestos e atitudes… O nobre amaldiçoa ambos e promete vingança, por tamanha baixeza ao ignorarem a dor de um pai – “Ah! Siati entrambi voi maledeti!”…
Por fim, tais apelos, à dor e aos sentimentos paternos, perturbam Rigoletto, que treme ao lembrar que também tem uma filha. E, desta feita, os cortesãos alinham-se ao duque e à Rigoletto, indignados com Monterone, mas por perturbar o ambiente festivo, com suas dores e ressentimentos…
Cena 2: Num beco, entre as casas de Ceprano e Rigoletto, à noite
A maldição de Monterone trouxe maus pressentimentos à Rigoletto. E ao encontrar Sparafucile, dono de uma hospedaria, que se apresenta como assassino profissional, Rigoletto canta “Pari siamo” (“Como nos parecemos. A língua é minha arma, o punhal a sua. Fazer rir é meu destino, fazer chorar o seu. As lágrimas, consolo de todo homem, me são negadas. Divertir é minha sina e só me resta obedecer…”). De início, Rigoletto desconsidera os serviços de Sparafucile, mas reflete sobre a vida e as humilhações que sofreu, por ser aleijado e bufão…
Desprezado por muitos, apenas o amor pela filha, Gilda, o tornava capaz de alguma ternura e humanidade. E com Rigoletto mergulhado em suas memórias, entra Gilda e pergunta, ao pai, sobre o passado, em particular, sobre sua mãe… Rigoletto conta de muitas desgraças e de um amor perdido… E dirige-se à Gilda como sua única alegria e afeto, quando cantam o belo duetto “Figlia!… Mio padre!”…
Movido por medo, mas com energia, ordena à Gilda nunca se ausentar de casa sem companhia, o que reforça à governanta, Giovanna. Rigoletto se retira… E em seguida, entra o Duque, que já subornava Giovanna, para abrir-lhe a casa… E Gilda, por sua vez, já estava apaixonada, encantada pela fleuma, beleza e jovialidade do duque, a quem acreditava, ingenuamente, ser um estudante… Duque canta com arrebatamento, em “E il sol dell’anima, la vita è amore” (“Luz da alma, vida é amor”)…
E seduzida, escondia, do pai, os encontros com o duque. Gilda estava enamorada e indefesa, suscetível às frases e juras de amor… De repente, no entorno da casa, ouvem-se movimento e cochichos. Receoso, o Duque despede-se de Gilda, no duetto “Addio! speranza ed anima!” (“Adeus! Esperança e ânimo!”) e afasta-se do local… E Gilda, sozinha, canta “Caro nome che el mio cor” (“Querido nome em meu coração”), referindo-se ao duque ainda pelo falso nome, “Gualtier Maldè”…
Na escuridão, conde Ceprano, Marullo e outros aproximavam-se da casa de Rigoletto. Em conluio, haviam decidido punir Rigoletto, ao raptarem Gilda, que pensavam ser sua amante. Rigoletto retorna e, por sua vez, é enganado, acreditando ser a condessa Ceprano, que estavam levando. E com os olhos vendados, colabora na ação… Mas, quando todos partem e retira a venda, percebe que Gilda sumira… Rigoletto desespera-se e lembra da maldição de Monterone: “Ah! La maledizione!”
Ato 2 – No Palácio do Duque
Com Gilda desaparecida, também o duque estava intrigado. Nada sabia, apesar de ter retornado à casa de Rigoletto, em “Ella mi fu rapita” (“Ela me foi raptada”). Ansioso para revê-la e confortá-la, queria notícias, em “Parmi veder le lagrime” (“Pareço ver as lágrimas”). E em revanche, pelos cinismos e sarcasmos do corcunda, os cortesãos comemoravam o rapto da suposta amante – sua “inamorata”…
Surge, então, Rigoletto aparentando indiferença, mas extremamente angustiado. Em contido desespero para reencontrar Gilda, cantarola irônica e disfarçada melodia, “La rá, la rá, la rá…” E percebe, na atitude de um pajem, que a filha encontrava-se no palácio e na companhia do próprio Duque. Transtornado, tenta ir ao encontro do Duque, mas é impedido. Então, implora que Gilda fosse libertada. Mostra sua indignação, em “Cortigiani, vil razza, dannata!” (“Cortesãos, raça vil e maldita!”) e, depois, sua fragilidade, em “Signori, perdon, pietà. Ridate a me la figlia…” (“Senhores, perdão, piedade. Devolvam minha filha”)…
Chorosa, Gilda é trazida e confessa ao pai, da sua relação e amor pelo Duque. E que este, agora, havia lhe tirado a honra… Neste momento, ouvem-se os gritos de Monterone, que amaldiçoara o duque e Rigoletto, sendo levado à prisão… E, diante da tremenda humilhação de Monterone, Rigoletto jura vingança ao duque, não importando o amor ou as súplicas de Gilda… A cena, entre pai e filha, desenvolve-se em magnífico duetto, “Tutte le feste al tempio… Sì, vendetta!” (“Todas as festas no templo” … “Sim, vingança!”)
Ato 3 – Numa hospedaria afastada, à noite
E os serviços de Sparafucile, por fim, seriam contratados por Rigoletto – a morte do Duque! Juntos, Rigoletto e Gilda vão à casa de Sparafucile… Próximo ao local, Gilda percebe a presença do Duque, disfarçado e em mais uma aventura amorosa. O duque cantava sua impressão e desprezo pelas mulheres, em “La donna è mobile” (“As mulheres são volúveis”)…
Rigoletto e Sparafucile tratam do assassinato. Então, Maddalena vai ao encontro do duque… Ao que Gilda observa, sem reagir… Duque diverte-se e corteja Maddalena. Amargurada, Gilda assiste e pensa nas sombrias ameaças de Rigoletto… A cena desenvolve-se no célebre quarteto “Bella figlia dell’amore”, entre duque e Maddalena, de um lado, e Gilda e Rigoletto, de outro. Cada personagem a cantar seus desejos, intenções e sentimentos… E sendo afeto do duque, Maddalena, alegando pena da jovem, que amava o duque, convence Sparafucile, a matar outra pessoa e apresentar um corpo qualquer à Rigoletto…
Finalizado o trato, Rigoletto se retira e pede à Gilda que deixe a cidade. Mas Gilda, que tomara conhecimento do plano de Maddalena e Sparafucile, de assassinar o primeiro que adentrasse a hospedaria, decide sacrificar-se. E vai ao encontro de Sparafucile, que espreitava atrás de uma porta, armado com punhal, para executar o crime…
Mais tarde, Rigoletto retorna… E na escuridão, adentra a hospedaria. A vítima fora colocada num saco e, satisfeito com andamento do plano, precisava desfazer-se do corpo, jogando o saco num rio. Mas, para sua surpresa e horror, ouve, ao longe, o Duque cantarolando “La donna è mobile”… Então, Rigoletto abre o saco e vê Gilda agonizando – “ameio-o demais, agora, morro por ele!”… E com Rigoletto, canta derradeiro duetto, “Lassu in cielo!” (“Nas alturas do céu!”)… Gilda implora perdão ao pai e morre… Rigoletto grita: “Maledizione!”… e, transtornado, cai sobre o corpo da filha…
– Cai o pano –
“Rigoletto” trata de corrupção, assédio e estupro, além de homicídio… Retrata barbárie e decadência, nas ausências de lei e valores, onde os personagens virtuosos são presos, como Monterone, ou preferem a morte, caso de Gilda… Nos costumes, denuncia o machismo e a condição feminina. E, de forma rapsódica, o ambiente dissoluto evolui, sem perspectivas e esperança… A música, no entanto, é potente ao expressar tais energias, tamanhas turbulência e loucura; também em doçura e resignação; ou, ainda, paixão e revolta, sentimentos que moviam Rigoletto e do que lhe restava de vida e dignidade!
Por fim, triunfam os costumes vigentes, onde cada qual permanece no seu papel, em inarredável condição, corrompida e adversa, sem nada almejar, além do que resignar-se à sua própria “Maledizione!”…
Em “Rigoletto”, depois em “La Traviata” e “Il Trovatore”, a música de Verdi se expandiria. E os personagens ganhariam densidade e intimismo – explorando, em sutileza e variedade, conflitos e sentimentos. Neste sentido, Verdi percebeu o potencial da ópera, como forma estabelecida, mas passível de enriquecimento e aprofundamento – o progressismo verdiano! E, no lugar de reformista, concentrou-se no amplo potencial, ainda por explorar, da forma tradicional…
Gravações de “Rigoletto”
Desde a estreia em Veneza, 1851, “Rigoletto” vem obtendo ininterrupto sucesso. De forma que os registros e produções são inúmeros. Aqui, faremos referências pontuais, homenageando grandes barítonos que interpretaram o papel:
Gravações
Produção cinematográfica, 1946 – Video VHS, “Bel canto Society”, New York, 1995
“Orchestra del Teatro dell’Opera”, direção Tulio Serafin Solistas: Mario Filippeschi(duque de Mântua) – Lina Pagliughi(Gilda) – Tito Gobbi(Rigoletto) – Anna Maria Canali (Maddalena) – Giulio Neri (Sparafucile) – Marcello Giorda (Monterone) “Direção de produção”, Carmine Gallone, Itália
Gravação em áudio LP Columbia, 1955 – CD EMI
“Orquestra del Teatro alla Scala”, direção Tulio Serafin Solistas: Giuseppe di Steffano(duque de Mântua) – Maria Callas(Gilda) – Tito Gobbi(Rigoletto) – Adriana Lazzarini (Maddalena) – Nicola Zaccaria (Sparafucile) – Plinio Clabassi (Monterone) “Coro do Teatro alla Scala”, Milão, Itália
Gravação em áudio LP Columbia, 1959 – CD Walhall/Philips
“Orquestra do Teatro di San Carlo di Napoli”, direção Francesco Molinari-Pradelli Solistas: Richard Tucker (duque de Mântua) – Gianna D’Angelo (Gilda) – Renato Capecchi (Rigoletto) “Chorus of teatro di San Carlo di Napoli”, Itália
Gravação em Vinil Ricordi/Mercury, 1960 – CD BMG
“Orchestra del Maggio Musicale Fiorentino”, direção Gianandrea Gavazzeni Solistas: Alfredo Kraus (duque de Mântua) – Renata Scotto(Gilda) – Ettore Bastianini(Rigoletto) – Fiorenza Cossotto(Maddalena) – Ivo Vinco(Sparafucile) – Silvio Maionica (Monterone) “Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção Andrea Morosini Florença, Itália
Gravação em áudio “CD GOP” – Teatro Colón, Buenos Aires – 1961
“Orchestra – Teatro Colón”, direção Argeo Quadri Solistas: Gianni Raimondi (duque de Mântua) – Leyla Gencer (Gilda) – Cornell MacNeil (Rigoletto) – Carmen Burello (Maddalena) – Jorge (Giorgio) Algorta (Sparafucile) – Juan Zanin (Monterone) “Chorus Teatro Colón”, Buenos Aires, Argentina
Gravação em áudio “RCA Victor”, 1963
“Orquestra della RCA Italiana”, direção Georg Solti Solistas: Alfredo Kraus (duque de Mântua) – Anna Moffo (Gilda) – Robert Merrill (Rigoletto) – Rosalind Elias (Maddalena) – Ezio Flagello (Sparafucile) – David Ward (Monterone) “Coro della RCA Italiana”, direção Nino Antonellini Roma, Itália
Gravação em áudio – CD/Video “Deutsche Grammophon/Decca”, 1982
“Vienna Philharmonic Orchestra”, direção Riccardo Chailly Solistas: Luciano Pavarotti (duque de Mântua) – Edita Gruberova (Gilda) – Ingvar Wixell (Rigoletto) – Victoria Vergara (Maddalena) – Ferruccio Furlanetto (Sparafucile) – Ingvar Wixell (Monterone) “Vienna State Opera Chorus”, direção Norbert Balatsch “Direção de Palco e Filmagem”, Jean-Pierre Ponnelle
Gravação em áudio – CD “Philips/Decca”, 1984
“Coro e Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia”, direção Giuseppe Sinopoli
Solistas: Neil Schikoff (duque de Mântua) – Edita Gruberova (Gilda) – Renato Bruson (Rigoletto) – Brigitte Fassbaender (Maddalena) – Robert Lloyd (Sparafucile) – Kurt Rydl (Monterone) Roma, Itália
Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi, em “Rigoletto”, sugerimos gravação em áudio da “Orquestra e coro do Teatro San Carlo”, de Nápoles, Itália, na direção Francesco Molinari-Pradelli e grandes solistas:
Com reconhecida atuação nas décadas de 50 e 60, os solistas desta gravação são de primeira grandeza. De modo que os ouvintes poderão encantar-se com grandes interpretações e amplo domínio vocal. Gianna D’Angelo, soprano “leggero” coloratura, norte-americano, tornou-se referência no personagem “Gilda”. Aluna de Giuseppe de Luca, formou-se na “Julliard School”, de New York…
D’Angelo iniciou carreira com “Gilda”, de “Rigoletto”, em “Termas de Caracalla”, Roma, quando notabilizou-se no papel. Com extensa carreira na Europa e nos USA, brilhou no “Metropolitan Opera”, de New York, e na “Ópera de San Francisco”. Quando retirou-se, lecionou na “Jacobus School of Music”, em Bloomington, USA, falecendo em 2013, aos 84anos…
Interpretando “Rigoletto”, o notável barítono italiano, Renato Capecchi. Nascido no Cairo, foi também ator e diretor de ópera. Estreou as óperas “O Nariz”, de Shostakovich, e “Guerra e Paz”, de Prokofiev, atuando com sucesso na Europa e no “Metroplotitan Ópera”, de New York…
Como diretor, atuou em produções da “Ópera de San Francisco”, “New York City Opera” e da “Merola Opera Program”, de Saratoga, USA… E, por vários anos, lecionou na “Manhattan School of Music”…
No personagem “Duque de Mântua”, o grande tenor Richard Tucker. Cantor lírico norte-americano, filho de imigrantes judaicos, iniciou sua formação musical colaborando em cultos religiosos… E por trinta anos, Tucker brilhou como principal tenor do período pós-guerra, do “Metropolitan Opera”, de New York…
Também atuante em teatros europeus, após sua morte, esposa e filhos criaram a “Richard Tucker Music Foundation”, para “cultivar a memória do ‘maior tenor da América’ e desenvolver projetos de apoio à jovens cantores”…
Por fim, na direção desta magnífica produção, Francesco Molinari-Pradelli, maestro italiano formado em Bolonha e, depois, na “Academia Nacional de Santa Cecília”, Roma. Pradelli iniciou carreira com “L’Elisir d’Amore”, de Donizetti. Depois, nos teatros de Bergamo e Brescia. Por fim, dirigiu o “Alla Scala”, de Milão, na reabertura do teatro, após 2ª Guerra Mundial…
Internacionalmente, seguiram “Covent Garden”, Londres, com o soprano Renata Tebaldi, em “Tosca”, de Puccini; e nos USA, “Ópera de São Francisco”… Com sucesso, Pradelli atuou nas grandes casas de ópera, como “Viena Sataatoper”, “Metropolitan Opera”, de New York, “Ópera de Roma”, “Teatro Regio di Parma” e “La Fenice”, de Veneza…
Muitas de suas gravações permanecem referência, além do trabalho com renomados solistas, como Luciano Pavarotti, Birgit Nilsson, Nicolai Gedda, Joan Sutherland, Renata Scotto e outros… Por fim, destacou-se, também, como colecionador de arte…
Em vídeo, sugerimos também:
produção do “Sataatoper Dresden”, com Franco Bonisolli, Margherita Rinaldi, Rolando Panerai, direção de Francesco Molinari-Pradelli, 1977:
produção da “Vienna Philharmonic Orchestra”, Luciano Pavarotti, Edita Gruberova, Ingvar Wixell, direção Riccardo Chailly, 1982:
Estes dois discos têm me acompanhado no caótico trânsito de minha cidade nas últimas semanas e me dado tanto prazer que decidi fazer a postagem. Se o carro para no sinal, na geleia geral do trânsito ou no posto de gasolina, abro os vidros e deixo que essa exuberante arte do excesso se espalhe e impressione as pessoas, que me olham com alguma curiosidade.
As óperas têm estado presentes no blog, especialmente nas edições completas (e vastamente comentadas), mas aqui temos uma proposta diferente – coleção de árias – o crème de la crème. Veja o título: 40 Most Beautiful Arias – 40 Mais Belas Árias !
Há uma certa simplificação, pois que nem todas as faixas são árias, há alguns duetos também.
Eu confesso que costumava olhar com um certo desdém para este tipo de edição, por parecer um pouco populista, mas rendi-me à efetividade do produto, adorei ouvir essas belezuras, uma depois da outra… Realmente, é fácil criticar este tipo de lançamento, inclusive por deixar esta ou aquela outra ária de fora, pois que há muitas tantas tão bonitas, mas no fim dos discos chegamos ao entendimento de porque tantas pessoas se apaixonam por ópera. Além disso, a alternância tanto dos tipos de vozes quanto de estilos funcionou bem para mim.
No pacote há 18 compositores representados e o campeão é Puccini, com 11 árias, seguido de Mozart e Verdi, cada um com 5 números. Bizet tem 4 faixas, Handel 2 e o resto, uma cada.
Na escolha dos intérpretes os produtores devem ter tido um olho nos contratos, de forma que se poderia dizer que este ou aquele intérprete teria sido uma melhor opção. Mas não nos prendamos a essas coisas e se deixe levar pela onda da ópera, no que ela tem de melhor.
Há uma certa aura em torno de música clássica, ópera em especial, deixando uma impressão de inacessibilidade, que é necessário ter um gosto adquirido para de fato apreciar, mas isso é falso. As pessoas gostam (sempre gostaram) de ópera. Eu gosto do filme ‘O Feitiço da Lua’ (Moonstruck) pela história, mas também pela cena da ópera. O mocinho do filme (Nicholas Cage, quando jovem) é um padeiro que ama ópera e consegue levar a mocinha (Cher, a noiva de seu irmão mais velho) para uma noite na ópera. Mas não é um teatro qualquer, é o Metropolitan! A cena transmite toda a excitação e expectativa que antecede o espetáculo e mostra como as pessoas se envolvem com a apresentação. Pois bem, nem precisa vestir sua roupa de domingo, apenas ouça e deixe-se encantar pela magia dessas peças.
Moonstruck – Loretta e Ronny vão à Opera
As estrelas do disco:
Disco 1
Nessun dorma (Ninguém durma) – ária do Ato III de Turandot (1926), de Giacomo Puccini. A princesa Turandot decretara que ninguém poderia dormir na cidade de Pequim até o nome do príncipe (Calaf) lhe ser revelado. Calaf havia concordado que morreria caso seu nome fosse descoberto antes do amanhecer. Ele canta certo de que o esforço será em vão e que ao amanhecer ele mesmo dirá seu nome à princesa ganhando assim a sua mão em casamento. O papel é de um tenor. Neste disco, a ária é cantada por Placido Domingo que teve uma voz maravilhosa…
L’amour est un oiseau rebelle (O amor é um pássaro rebelde) – Habanera – Ária do Ato I de Carmen (1875), de Georges Bizet. A ária é cantada pela própria protagonista, ao sair do trabalho, na fábrica de charutos. Carmen é a própria sedução, falando sobre o amor e as loucuras de amar. O papel é escrito para um mezzo-soprano, e a intérprete é Julia Migenes. Carmen é uma ópera especial entre todas, não só pela música maravilhosa, mas pela audácia dos temas e, é claro, termina em tragédia.
Una furtiva lacrima – ária de L’elisir d’amore (1832), ópera de Gaetano Donizetti, cantada por Nemorino, um jovem camponês. Ele está cheio de confiança por ter tomado a segunda dose da Poção do Amor (na verdade, apenas vinho) e esnoba todas as belas da vila, reunidas e interessadas nele devido à fortuna que acabara de herdar. Entre elas está Adina, que fica magoada com sua indiferença e sai. Nemorino assim descobre que ela está interessada nele e canta sua alegria por descobrir que ela o ama. Aqui o tenor é Roberto Alagna.
Je dis que rien ne m’épouvante (Posso dizer que nada me assusta…) – ària de Carmen, cantada por Micaëla, uma jovem da vila de Don José e que está apaixonada por ele. Carmen mete Don José em tantas confusões que a ele só resta unir-se aos contrabandistas (Dancaïre e Remendado, ótimos nomes…) que vivem escondidos nas montanhas. A pobrezinha Micaëla vai a sua procura e para afugentar seu próprio medo, canta essa canção.
Au fond du temple saint também é de Bizet, mas da ópera Les pêcheurs de perles (1863) e não é uma ária, é um dueto. Os personagens são Nadir e Zurga, dois vértices de um (surpresa) triângulo amoroso. Os cantores aqui são Jerry Hadley e Thomas Hampson.
Ombra mai fu (também conhecida como Largo de Handel) – é uma ária da ópera Xérxes (1739), de Georg Frideric Handel. Muito conhecida, a ária é cantada por Xérxes para uma árvore, um plátano, louvando suas maravilhas… Aqui Xérxes é a cantora Jennifer Larmore.
When I am laid in earth – é um lamento cantado por Dido, na ópera Dido and Aeneas (década de 1680) de Henry Purcell. O sem-coração do Aeneas se apaixona por Dido, uma rainha, mas deve retornar à sua pátria e a abandona. É claro que ela vai se matar por isso, mas não sem antes nos cantar este maravilhoso lamento… Remember me, remember me, but ah! forget my fate! Aqui o lamento é da maravilhosa Véronique Gens.
Voi che sapete che cosa è amor – ária da ópera Le Nozze di Figaro (1786) do cara que sabia de tudo sobre ópera, Wolfgang Amadeus Mozart. A ária é cantada por Cherubino, um jovem pajem que vive apaixonado por todas as mulheres da ópera e canta para elas essa linda canção sobre o amor de dentro de seu uniforme militar… É claro que o papel é sempre de uma cantora (contralto) e aqui é a spettacolare Cecilia Bartoli.
Soave sia il vento – duetto de Così fan tutte (1790), outra do grande Mozart. Esta ópera é sobre (in)fidelidade no amor – rola uma aposta e dois casais serão submetidos a uma série de provas. Os mocinhos partem em um barco (de mentirinha, é claro) e as mocinhas, Dorabella e Fiordiligi, junto ao cético Don Alfonso, dão adeusinhos a eles, desejando que bons ventos os levem… As cantoras aqui são as famosas Kiri Te Kanawa e Frederica von Stade, que leva nobreza até no nome.
Mon coeur s’ouvre à ta voix – ária da ópera Samson and Delilah (1877) de Camille Saint-Saëns. Não consigo pensar nessa ópera sem lembrar dos filmes de Cecil B. DeMille, com Victor Mature e a deslumbrante Hedy Lamarr (deve ser um lance de numerologia, esse nome). Mas, voltando ao assunto, temas bíblicos como esse eram usados para um bom libreto, e essa ária é o momento no qual Dalila encanta e seduz o povero Sansão. A cantora aqui é o mezzo-soprano Olga Borodina e no finalzinho da ária o tenor José Cura da a voz a um balbuciante Sansão.
Pourquoi me réveiller, ária da ópera Werther (1887), de Jules Massenet. Você provavelmente sabe, Os Sofrimentos do Jovem Werther é um livrinho escrito por Goethe contando a história do mísero Werther, que está apaixonado pela Charlotte, que o ama de volta, mas está casada com outro homem. Sofrência no úrtimo com o terrível desfecho, suicídio do pobrezinho. O livro é um clássico, dizem autobiográfico (menos a parte do suicídio…) e gerou uma onda de suicídios nos dias de seu lançamento. Nesta ária, Werther lembra-se, ao lado de Charlotte, das suas leituras de poesias… O cantor é o tenor Jerry Hadley.
La donna è mobile, canzone do ato III, de Rigoletto (1851) ópera de Giuseppe Verdi. Essa é uma dessas óperas que você precisa ouvir pelo menos uma vez. Aqui o Duque de Mantua, um grande mulherengo, a là Don Giovanni, canta disfarçado de soldado está linda ária com palavras nada altaneiras sobre o caráter mundano das mulheres… O tenor aqui é Richard Leech.
Canção da Lua é uma ária da ópera Rusalka (1901), de Antonín Dvořák, mais conhecido pelo seu belíssimo Concerto para Violoncelo e pela Sinfonia ‘do Novo Mundo’. Rusalka conta a história de uma ninfa aquática que se apaixona por um humano. Aqui ela implora à Lua que revele ao príncipe (claro que o humano seria um príncipe…) o seu amor. A popularidade da ária sobrepujou a ópera e faz parte do repertório de grandes sopranos. Aqui está a cargo de Eva Urbanová.
Un bel di é uma ária de nosso campeão Puccini, da ópera Madama Butterfly (1904). Cio-Cio-San, a Madame Butterfly, espera já há três anos a volta de seu marido americano. Sua empregada Suzuki tenta convence-la que ele não retornará, mas ela crê na volta dele – Un bel di, vedreno o barco chegando e tal… Aqui a cantora é Cristina Gallardo-Domâs.
Donna non vidi mai é uma ária da ópera Monon Lescaut (1893), de (ta dã…) Puccini. O jovem cavaleiro Renato des Grieux acaba de conhecer e se apaixonar por Manon Lescaut. Desafortunadamente ela deve atender ao chamado de seu irmão, mas promete retornar. Ficando sozinho des Grieux canta nesta ária todo o seu amor por Manon. Quem empresta a voz a des Grieux aqui é José Cura.
Brindisi, de outra maravilhosa ópera de Verdi. Mais uma que precisa ser ouvida – La Traviata (1853). Alfredo, o mocinho da ópera, é convencido por Gastone e Violetta, a mocinha, a exibir sua voz. Ele então canta esta Canção de Brindar. Na gravação Alfredo é Neil Shicoff.
Vissi d’arte é a ária! Como todas as próximas neste disco, é de Puccini, da ópera Tosca (1900), talvez a ópera das óperas. A mocinha é ela mesma uma cantora de ópera (o cara era bom). Amor e música – as razões de viver de Tosca (Vissi d’arte = Eu vivo para a arte). A primeira cantora a cantar no papel de Tosca foi Giuditta Pasta, a mais famosa cantora lírica do século XIX. Foi Desdemona em Otello e teve três grandes óperas escritas para ela – Anna Bolena, La Sonnambula e Norma, na qual está a ária Casta Diva, que faz parte do segundo CD. Foi a partir daí que se passou a chamar essas mega artistas de Diva. Giuditta Pasta foi a primeira Diva! Aqui a Diva é Kiri Te Kanawa.
Che gelida manina (Que mãozinha gelada!) ária cantada por Rodolfo para Mimi, quando eles se encontram pela primeira vez. Eles são os protagonistas de mais uma ópera emblemática, La Bohème (1896), de (adivinhe) Giacomino Puccini. Ele aproveita para dizer que está apaixonado por ela. Aqui, o Rodolfo é o ótimo José Carreras.
Si, mi chiamano Mimi é da mesma ópera, mesmo momento. Rodolfo acabou de se declarar a Mimi e pede que lhe fale algo sobre ela. Bom, ela então lhe diz (cantando lindamente) que a chamam Mimi, apesar de seu nome ser Lucia. Ah, o amor! Mimi aqui é interpretada pela espetacular Barbara Hendricks.
O soave fanciulla– Depois dessas duas árias, os enamorados se reúnem nesse dueto que encerra o Primeiro Ato da ópera La Bohème. De novo, José Carreras e Barbara Hendricks são Rodolfo e Mimi.
Disco 2
O mio babbino caro (cuidado, não é ‘bambino’!) é uma ária famosa de uma (não tão famosa) ópera de um ato de Puccini, chamada Gianni Schicchi (1918). A ária é cantada por Lauretta, que implora a seu pai (babbino) – Ganni Sichicchi – que a ajude casar-se com o amor de sua vida, Rinuccio. Bom, nem os nomes ajudam muito, mas a ária é daquelas que está no repertório de todas as grandes cantoras. Aqui, Lauretta é interpretada por Cristina Gallardo-Domâs.
Ebben? Ne Andrò Lontana é uma ária da ópera La Wally (1892), escrita por Alfredo Catalani. Essa ária é cantada pela heroína, quando ela decide sair de casa para sempre. Bom, ela é uma garota tirolesa que morre jogando-se em uma avalanche de neve… Pois é, vá entender libretos de óperas. A cantora aqui também é Cristina Gallardo-Domâs.
Barcarolle é um dueto para soprano e mezzo-soprano de Les Contes d’Hoffmann (1881), a última ópera de Jacques Offenbach. Offenbach foi ótimo violoncelista e compôs inúmeras operetas de enorme sucesso. Essa Barcarolle tem uma das melodias mais populares do mundo e aposto como você vai se lembrar de já tê-la ouvido antes. Aqui as intérpretes são Jennifer Larmore e Hei-Kyung Hong.
La fleur que tu m’avais jetéeé outra pérola de Carmen, de Bizet. A canção da flor é um dos momentos mais líricos da ópera e traz o motivo do destino. Don José aqui é interpretado por Placido Domingo.
Signore, ascolta! É uma ária de Turandot, que como você já sabe, é de Puccini. A ária é cantada por Liu, uma escrava, para o príncipe Calaf, por quem está secretamente apaixonada! Ela o alerta para não arriscar sua vida pela fria princesa Turandot… Liu aqui é interpretada por Kiri Te Kanawa.
Un di felice é um dueto do primeiro ato da espetacular La Traviata (1853) de Giuseppe Verdi. Alfredo e Violetta cantam o tema mais famoso da ópera, que aqui são interpretados por Neil Shicoff e Edita Gruberova.
Dôme épais le jasmin– dueto da ópera Lakmé (1883), de Léo Delibes, cantado por Lakmé e sua serva Mallika, enquanto vão colher flores às margens de um rio. Um destes temas que são maiores do que a própria ópera, assim como a Barcarolle, de Offenbach. Aliás, cantados aqui pelas mesmas intérpretes, Jennifer Larmore e Hei-Kyung Hong.
Porgi amor– Cavatina do Segundo Ato de Le Nozze di Figaro (1786), de Mozart. A condessa, Rosina, só em seu quarto, lamenta a infidelidade de seu marido, o Conde de Almaviva. Ária curta, sem repetições, na qual a quase impossível simplicidade de Mozart transborda numa pequena joia. Aqui a condessa é Lella Cuberli.
Dalla sua pace – Ária da ópera Don Giovanni (1787), composta pelo divino Mozart, e é cantada por Don Otavio, noivo de Donna Anna. Eu tinha um amigo que o chamava Don Otário, pois o personagem é assim, um dois de paus, nada faz de interessante, mas é o tenor da ópera, onde o Don, Leporello e Masetto são todos baixo-barítonos. Isso sem contar o Comendador, que é um baixo à la Ghiaurov. Dalla sua pace foi composta para a apresentação da ópera em Viena, depois do sucesso em Praga, pois o tenor do dia não conseguia cantar a segunda ária de Don Otavio – Il mio tesoro – cuja parte …cercate…, é de matar de difícil. Aqui a bela Della sua pace está aos encargos de Hans Peter Blochwitz.
Casta Diva, assim como Vissi d’arte, é uma das mais famosas árias do repertório de soprano. A ópera é Norma (1831), de Bellini. Não é o capitão da Seleção Brasileira de Futebol de 1958, cuja estátua se encontra em frente ao Maracanã, mas Vincenzo Bellini, que escreveu o papel para Giuditta Pasta, a primeira das Divas. Aqui, a intérprete é Maria Callas, a Diva do século XX. O que realmente torna uma cantora uma Diva é a paixão que coloca em suas interpretações, assim como seu senso teatral.
Lascia ch’io pianga – Retornando no tempo, essa é uma ária da ópera Rinaldo (1705), de Handel. Como você pode imaginar, este é um lamento, construído sobre uma sarabanda. Logo após se casar com Rinaldo, Almirena é raptada por Armida. Ela está só no jardim de Armida e canta este seu lamento. A cantora na gravação é Marilyn Horne.
J’ai perdu mon Eurydice – essa memorável ária é da versão em francês de Orpheé et Eurydice (adaptada em 1774 da versão em italiano). Em italiano é Che faro senza Euridice (1762). Uma das mais lindas melodias colocadas em uma ária. Inesquecível mesmo após a primeira audição. A cantora aqui é Susan Graham.
Bein Männern, welche Liebe fuhlen – é um dueto da ópera Die Zauberflöte (1791), de Mozart. Pamina e Papageno cantam juntos um dueto sobre o amor em geral, mas não cantam um para outro, pois que não são parte de um par amoroso. Nesta gravação os cantores são Rosa Mannion e Anton Scharinger
Celeste Aidaé a ária na qual Radamés, escolhido para comandar os invasores etíopes, canta sua esperança de ser o grande vencedor para assim ganhar também o amor de Aida. A ópera Aida (1871), de Giuseppe Verdi, é uma daquelas obras que é reconhecida por todos e as suas montagens podem envolver quase um universo. Aqui Radamés está ao encargo de Placido Domingo.
Chi il bel sogno di Doretta, da ópera La Rondine (A Andorinha) (1917) de Puccini. Nesta ária a protagonista Magda conta como Doretta se apaixonou por um estudante. Na ópera, por sua performace, Magda ganha um colar de pérolas, que aqui vai para Kiri Te Kanawa.
Quizz do PQP Bach: Qual é a série de cuja trilha sonora esta ária faz parte?
Amor ti vieta é uma ária da ópera Fedora, de Umberto Giordano. Como parte de seu plano de vingança, Fedora (1898) seduz o Conde Loris Ipanov. Nesta ária eles se encontram em uma festa e ele diz a ela que realmente a ama. O conde aqui é Placido Domingo.
Es lebt eine Vilja (Vilja-Lied) é da ópera Die Lustige Witwe (1905), de Franz Lehár. Em sua festa Hanna conta a história de um espírito da montanha, uma Vilja, que vaga por lá e seduz os caçadores com sua beleza. A cantora aqui é Karita Mattila.
E lucevan le stelle é do Terceiro Ato de Tosca, de Puccini. Mario Cavaradossi é o mocinho (literalmente) da ópera, um jovem e liberal pintor, amante de Tosca. Nesta belíssima ária Cavaradossi troca sua última posse, um anel, para que um guarda leve uma carta para sua amada Tosca. Enquanto ele escreve a carta, canta seu amor por Tosca e pela vida. Mais uma vez, a voz linda de Placido Domingo.
Ave Maria é uma ária da ópera de maturidade de Verdi, Otello (1887). Desdemona reza à Virgem Maria um pouco antes de Otello entrar e cego de ciúmes, matá-la. Pois é, feminicídio é comum nas óperas… A Desdemona da vez é Cristina Gallardo-Domâs.
Non più mesta accanto al fuoco é da ópera La Cenerentola (1817), de Gioacchino Rossini. Ele mão poderia faltar , este genial compositor. Essa ópera é baseada no conto de fadas Cinderela, e foi composta em apenas 24 dias. Este é um dos momentos finais da ópera, onde a Cinderela canta que já não fica mais triste perto do fogo. Muito virtuosismo, mas a melodia aqui é a mesma de uma ária cantada pelo Conde Almaviva no final de O Barbeiro de Sevilha. Não por pouco que Rossini tinha fama de preguiçoso. Compunha deitado em sua cama. Se a folha em que estava escrevendo caísse, em vez de pegá-la do chão, ele começava tudo novamente em uma outra mais à mão. A cantora aqui é Jennifer Larmore.
Este não é apenas um oratório ou ópera que tem o mais belo título que conheço, é boa música. Handel era jovem, tinha 22 anos, estava com todo o leite e não perdeu a viagem. No texto do oratório as personagens Beleza, Prazer, Desengano e Tempo levam um papo. O tempo e o desengano triunfam sobre a beleza e o prazer, mas, mesmo assim, você pode ouvir o CD duplo.
Agora, deem uma olhada abaixo no nome de quem regeu a estreia da obra… Olhem, olhem!
IL TRIONFO DEL TEMPO E DEL DISINGANNO Oratorio in 2 parti
Libretto di Benedetto Pamphili Musica di Georg Friedrich Händel Roma, Collegio Clementino , giugno 1707 PERSONAGGI VOCI BELLEZZA Soprano (Beauty)
PIACERE Soprano (Pleasure)
DISINGANNO Alto (Disillusion)
TEMPO Tenor (Time)
Direttore: Arcangelo Corelli
G. F. Handel (1685-1759): O Triunfo do Tempo e do Desengano (Il Trionfo del Tempo a del Disinganno) (Haim / Le Concert d’Astree)
Disc 1:
1. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707): Overture 4:54
2. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria : “Fido specchio” (Bellezza) 4:59
3. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Io che sono il Piacere” (Bellezza/Piacere) 0:25
4. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Fosco genio, e nero duolo” (Piacere) 3:08
5. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Ed io, che’l Tempo sono” (Disinganno/Tempo) 0:21
6. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Se la Bellezza perde vaghezza” (Disinganno) 4:03
7. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.:”Dunque si predan l’armi” (Bellezza/Piacere) 0:15
8. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Una schiera de piaceri” (Bellezza) 3:28
9. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “I colossi del sol” (Tempo) 0:15
10. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Urne voi, che racchiudete” (Tempo) 7:04
11. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Sono troppo crudeli” (Piacere) 0:10
12. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Duo: “Il voler nel fior degl’anni” (Bellezza/Piacere) 5:01
13. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Della vita mortale” (Bellezza/Disinganno) 0:29
14. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Un pensiero nemico di pace” (Bellezza) 3:54
15. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recti.: “Folle, tu niegh’l tempo” (Bellezza/Piacere/Disinganno) 0:56
16. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Nasce l’uomo” (Tempo) 2:14
17. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “L’uomo sempre se spesso” (Disinganno) 2:35
18. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Questa è la reggia mia” (Piacere) 1:30
19. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Sonata: “Taci, qual suono ascolto!” (Bellezza) 2:35
20. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Un leggiadro giovinetto” (Piacere) 3:43
21. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Fra nella destra l’ali” (Bellezza) 0:13
22. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria “Venga il Tempo” (Bellezza) 3:18
23. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Crede l’uom ch’egli riposi” (Disinganno 7:53
24. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “Tu credi che sia lungi” (Bellezza/Disinganno/Tempo) 0:50
25. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Aria: “Folle, dunque tu sola presumi” (Tempo) 3:28
26. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Recit.: “La reggia del Piacer vedesti” (Disinganno/Tempo) 0:18
27. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part One: Quartetto: “Se non sei più ministro” (Bellezza/Piacere/Disinganno/Tempo) 4:09
Disc 2:
1. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Se del faso Piacere” (Tempo) 0:59
2. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Chiudi, chiudi vaghi rai” (Piacere) 3:21
3. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “In tre parti divise” (Tempo) 0:46
4. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Io sperai trovar nel vero” (Bellezza) 6:57
5. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Tu vivi invan dolente” (Piacere) 0:13
6. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Tu giurasti di mai non lasciarmi” (Piacere) 3:58
7. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Sguardo, che inferno ai rai” (Tempo) 0:21
8. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Io vorrei due cori in seno” (Bellezza) 3:45
9. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Io giurerei, che tu chiudesti” (Bellezza) 0:39
10. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Più non cura” (Disinganno) 4:51
11. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “E un’ ostinato errore” (Tempo) 0:12
12. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “E ben folle quel nocchier”(Tempo) 2:15
13. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Dicesti il vero” (Bellezza) 0:18
14. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Quartetto: “Voglio Tempo” (Bellezza/Piacere/Disinganno/Tempo) /Ann Hallenberg/Sonia Prina/Pavol Breslik 3:53
15. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Presso la reggia ove’l Piacer” (Bellezza/Disinganno) 1:14
16. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Lasci la spina” (Piacere) 6:25
17. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Con troppo chiare note” (Bellezza/Disunganno) 0:28
18. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Voglio cangiar desio” (Bellezza) 5:17
19. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Or che tiene la destra” (Bellezza) 0:16
20. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Chi già fu del bondo crine” (Disinganno) 2:12
21. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Mà che beggio? Che miro?” (Bellezza) 0:39
22. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Rico pino, nel cammino” (Bellezza) 4:03
23. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Si bella penutenza” (Bellezza) 0:45
24. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Duetto: “Il bel pianto dell’Aurora” (Disinganno/Tempo) 6:24
25. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Piacer, che meco già vivesti” (Bellezza) 0:28
26. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Come membo que fugge” (Piacere) 5:29
27. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Recit.: “Pure del cielo intelligenze” (Bellezza) 0:47
28. Il Trionfo del Tempo a del Disinganno, Oratorio in two parts HWV 46 a (1707), Part Two: Aria: “Tu del ciel ministro eletto” (Bellezza) 6:05
Natalie Dessay
Sonia Prina
Ann Hallenberg
Pavol Breslik
Patrick Beaugiraud
Astushi Sakai
Apollo et Hyacinthus é uma ópera em latim, composta por Wolfgang Amadeus Mozart entre 1766 e 1767 com base no texto de R. Widl. Isto é, ele começou a escrevê-la aos 10 anos de idade e finalizou-a aos 11… Leva o número K. 38. É uma música escrita por um gênio, mas também por uma criança. Ou seja, é apenas bonitinha e sem grandes voos. Ouvi com a atenção e é uma ópera toda perfeitinha e sem graça, certamente retocada por papai — e explorador do filho? — Leopold. Surgiu a pedido da Universidade de Salzburgo, como complemento musical a uma tragédia que seria representada ao final de um curso. Sua estreia foi em 13 de maio de 1767 na Aula Magna da mesma Universidade. É um intermezzo musical dentro do estilo do barroco italiano. É a primeira ópera de Mozart. Tem três atos. Como sugere o nome, é baseada no mito grego de Jacinto e Apolo, contado pelo poeta romano Ovídio em suas Metamorfoses. Rufinus Widl escreveu o libreto em latim.
W. A. Mozart (1756-1791): Apollo et Hyacinthus, K. 38 (Pommer) — Ein Lateinisches Intermedium In Drei Akten Zu Dem Schuldrama “Clementia Croesi”
Actus 1
1 Intrada 2:56
2 Recitativo: Amice! Iam Parata Sunt Omnia 3:20
3 No. 1 Chorus: Numen O Latonium/O Apollo 5:38
4 Recitativo: Heu Me! Periimus 1:45
5 No. 2 Aria: Saepe Terrent Numina 9:02
6 Recitativo: Ah Nate! Vera Poqueris 3:27
7 No. 3 Aria: Iam Pastor Apollo 3:28
Actus 3
2-3 Recitativo. Non Est – Quis Ergo 2:56
2-4 Aria. Ut Navis In Aequore Luxuriante 7:49
2-5 Recitativo. Quocumque Me Converto 3:07
2-6 No. 8. Duetto. Natus Cadit, Atque Deus 6:07
2-7 Recitativo. Rex! Me Redire Cogit 5:43
2-8 Terzetto. Tandem Post Purbida Fulmina 2:52
Alto Vocals [Apollo, Friend Staying With Oebalus] – Ralf Popken
Alto Vocals [Zephyrus, Confidant Of Hyacinthus] – Axel Köhler
Chorus – Rundfunkchor Leipzig
Conductor – Max Pommer
Lyrics By [Text] – P. Rufinus Widl
Orchestra – Rundfunk-Sinfonieorchester Leipzig*
Soprano Vocals [Melia, His Daughter] – Venceslava Hruba-Freiberger*
Tenor Vocals [Oebalus, King Of Lacedemonia] – John Dickie
Vocals [Discantus] [Hyacinthus, His Son] – Arno Raunig
Como reagirá um ministro de Deus frente a uma crise conjugal, sobretudo, à traição da esposa… Tal questão está colocada ao pastor Stiffelio, na 16ª ópera de Verdi. Tema que, além de gerar preconceitos, fatalmente, causaria problemas com a censura. Verdi, frequentemente, era cerceado por questões políticas, mas neste caso, provocou outra polêmica, ao confrontar valores religiosos…
Nesta fase, o compositor fez estranhas escolhas. Outro tema emblemático seria mostrar a figura disforme de Rigoletto, um corcunda que provaria do próprio veneno, ao facilitar aproximação de um duque por jovens mulheres – duque que, por fim, lhe seduziria a própria filha… Verdi entusiasmou-se com o tema e, novamente, trazer algo provocador – do bôbo de uma pequena corte, entre o zelo de um pai, a corrupção moral e o escárnio da deformidade física… Ironia grotesca, quem sabe, sua percepção de mundo…
Em Stiffelio, cenários e luz ganhariam novo tratamento, somando-se ao desenlace dramático. E, se “Luisa Miller” ainda ocorreu num ambiente pastoral e luminoso, Stiffelio será na escuridão e na sobriedade dos templos – na profunda dor, solidão e conflito! Um tema a desafiar a autoridade religiosa, mais que a censura de estado…
E para frustração de Verdi, a ópera sofreria cortes, sarcasmo da crítica e clichê do atentado ao pudor: “dilema de um pastor, entre o amor e o sofrimento, a desonra e o perdão!” E apesar dos cortes, obteve sucesso, no “Teatro Grande”, de Trieste… Além disto, Stiffelio trazia religiosidade estranha à cultura italiana – o protestantismo, onde representantes de Deus casavam e constituiam famìlia. Questão delicada ao catolicismo…
Por fim, o dilema religioso seria contraposto ao atávico orgulho machista, numa época em que se matava por ciúme e, muito mais, por infidelidade… Além da desonra familiar e rejeição à mulher adúltera. Mas, o austero e conflituado personagem resgataria suas crenças, se reconciliaria consigo mesmo e com a esposa, sem cometer violência maior… Ainda assim, descaracterizado pela censura, de ministro à sectário e fanático, perderia força dramática – do orador que prega a palavra sagrada…
Aspectos iniciais
A estreia de “Luisa Miller” – drama urbano e burguês, em Nápoles, deixou Verdi satisfeito e confiante em suas habilidades, pois iniciava nova etapa criativa, centrada na subjetividade e lirismo, no lugar dos temas épicos e patrióticos…
De outro, passado por inúmeros problemas com o teatro “San Carlo”, retornou exausto e muito contrariado, jurando nunca mais voltar à Nápoles. Atritos por descumprimentos contratuais, quando ameaçou suspender “Luisa Miller” e quase foi preso; ou pela estreia, quando cenário do 1° ato desabou, quase atingindo o músico... Apesar dos incidentes, “Luisa Miller” foi grande sucesso!
E o músico, imediatamente, recebeu novos convites: uma ópera para a “Casa Ricordi”, com direito de escolha da cidade e teatro de estreia, exceto o “Alla Scala”, de Milão – condição de Verdi; e outra para o teatro “La Fenice”, de Veneza. Assim, compostas simultaneamente, “Stiffelio” seria destinada ao “Teatro Grande”, de Trieste; e “Rigoletto” ao teatro veneziano…
Em “Stiffelio”, Verdi e Francesco Piave trariam adaptação de “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, escritor e ficcionista francês. Drama contemporâneo, que refletia crise conjugal num ambiente religioso, dado que pastores casavam e constituíam família – dilema entre o amor, o sofrimento e o perdão, daquele que prega a palavra sagrada…
E o romantismo francês, após perseguições políticas e religiosas do período revolucionário, temendo desagregação e lutas pelo poder, à pretexto do lema “Liberté, égalité, fraternité”, defenderia resgate do cristianismo, além de novas demandas sociais – da desigualdade e do abandono… E a burguesia, ascendente e transformadora, seria alvo de oposição em novas conjunturas políticas, ao longo do séc. XIX – dos socialistas e anarquistas emergentes!…
Na Itália, os temas épicos e patrióticos de Verdi, como “Nabucco”, “Ernani” e outros – associados às lutas pela unificação italiana, seguiriam encenados com sucesso… Neste interim, Verdi retornou à terra natal, vilarejo de Roncole, onde teria problemas de adaptação, dado ambiente conservador, frente à nova relação conjugal – Giuseppina e Verdi não eram casados…
Impressionantes, o ímpeto criativo e presença da ópera, à época, como grande espetáculo musical, popular e burguês… Sobretudo, o repertório italiano, após estreias europeias, rapidamente era solicitado em outras nações e continentes. Algo surpreendente, inclusive no Brasil, desde a condição de “Vice-reino de Portugal” e ao longo do “Império”, século XIX…
Pré-romantismo: a valorização dos afetos
Após imensa contribuição iluminista, do ser humano colocado no centro do pensamento, do advento do método científico, da ascensão burguesa e contestação do absolutismo, nova ordem substituiria o decadente “Acient régime”. Assim, o pré-romantismo viria questionar e sobrepor os sentimentos à racionalidade, ao considerar o comportamento resultante de imensa complexidade interior…
E, no lugar de resignação aos valores, daria lugar a intensa, até violenta reação, no sentido de reconhecer a afetividade, diante de profunda e contraditória condição humana. Sobretudo, quando costumes se contrapunham ao prazer e à felicidade. Uma veemente exaltação destes universos interiores, intensos e contidos…
Assim, na Alemanha, surgiria a dramaturgia “Sturm und drang” (“Tempestade e Ímpeto”), final do sec. XVIII, de Goethe e Schiller, que, politicamente, alinhava-se ao iluminismo, ao reconhecer a ascensão burguesa e decadência do aristocratismo; e, de outro, ia além, na projeção deste universo subjetivo e na valoração dos sentimentos…
E do impacto na Alemanha, a literatura “Sturm und Drang” se propagaria pela Europa, com imensa receptividade e polêmica, fomentando o romantismo. Na França, além da ênfase nos afetos, o romantismo incorporaria o nacionalismo, resgate da religiosidade e demandas sociais, fruto das experiências na “Revolução Francesa” e no “período Napoleônico”…
A nova arte musical
Protagonista e sensível às mudanças, final do sec. XVIII, a nova arte debruçava-se sobre o individuo, lembrando dos afetos, como referências essenciais da existência – da congruência com as ações e interações humanas, da indispensável associação entre emoções e vida interior…
E enfatizaria o amor – algo essencial para a felicidade… E também o trágico, dados os conflitos e o sofrimento humanos. Em Viena, em sintonia com “Sturm und Drang”,Beethoven seria referência essencial, seguido por Schubert e projetando-se no sec. XIX. Nascia dialética poético musical – das aspirações e desejos frente às resistências e desafios da existência; do absoluto e universal diante da finitude; e das liberdades de fantasia e imaginação frente o possível…
E para pontuar tais dualidades, intensificaram-se os contrastes, como elementos a induzirem o conflito e o trágico – “a sonata forma”, através de fragmentos musicais antagônicos. E a vida cultural seria sacudida por obras marcantes, como a 5ª sinfonia de Beethoven e o impacto orquestral do “Allegro con brio”, inicial – “do destino que bate à porta”…
Tais experimentos, portanto, reportavam às vivências possíveis diante dos desejos, da infinita fantasia e da criatividade – da nostalgia do inatingível frente à finitude e possibilidades do “vir a ser”,busca inexorável e dialética…
Sobretudo, estética do conflito e da esperança, da crença na superação e, quem sabe, do “amor fati beethoveniano” – impulso vital que subexistia na dor e permitia a sublimação, amor imanente e heroico… Onde tais confrontos melódicos evoluíam para novas sínteses estéticas e metafóricas da existência – do resistir e do superar-se!
Em geral, finalizados por entusiásticos cantos de júbilo, de celebração da vida e crença na vitória sobre o si mesmo – “agarrar o destino pela garganta e não deixá-lo dominar”,dizia Beethoven; além do cantar a liberdade e a comunhão coletiva… E quanto à surdez, severa limitação, seria sublimada pela compulsão criativa e mente incançável, que não lhe permitiam sucumbir ao desalento e à prostração…
Assim, nascia uma arte que se opunha à amargura, ao jogo das aparências e das formalidades sociais, que alimentavam ressentimentos e recalques individuais, decorrentes de valores obsoletos, identificados como corruptores da natureza humana…
Uma arte que reagisse à estética vigente e, politicamente, denunciasse a sociedade decadente, final do sec. XVIII, e todo conjunto de valores, ilegítimos e obsoletos por distanciarem-se da natureza humana – manifestos no “Sturm und Drang” e reportados às ideias de Rousseau, do “ser humano que nasce bom, mas torna-se mau pela cultura e pela formação”…
E, se o vibrante pensamento iluminista contestava o absolutismo, lançava as bases da ciência e do estado moderno, representativo e democrático, o pré-romantismo alemão denunciaria sociedade que submergia moralmente, incapaz de perceber o seu tempo e a si mesma… Apegada a comportamentos contraditórios, que colidiam com a espontaneidade dos afetos e reprimiam natureza essencial, levando ao conflito, às frustrações e ao cultivo do cinismo, consigo mesmo e com o outro – assim, uma nova estética proporia um novo indivíduo, aliado ao incipiente conceito de cidadão e influindo as novas gerações…
Estéticas que interagiam com a ópera e, na Itália, evoluíam do bel canto rossiniano e seu “Barbeiro de Sevilha” –de conteúdo neo-clássico e iluminista,para o romantismo musical, através do lirismo de Donizetti, Bellini e, posteriormente, de Verdi, incorporando o nacionalismo, literaturas de vanguarda e Shakespeare…
Intimismo romântico
“O coração tem razões que a própria razão desconhece”… (Blaise Pascal)
Singelo e definitivo pensamento, do iluminista Pascal, profetiza o romantismo… E, após centrar-se, a filosofia, no ser humano – não mais em Deus, seria essencial valorizar a subjetividade e reconhecer a importância dos sentimentos sobre a racionalidade, para refletir sobre a natureza humana…
E produzir arte vigorosa, que expressasse tamanha variedade de sensações, onde viver seria usufruir desta intensa, até turbulenta emotividade. Arte capaz de despertar e instigar o interior humano; contemplar ampla memória afetiva; e misturar tudo quanto fosse capaz de sentir, taiscomosugeriam o “Carnaval” ou as “Kreisleriana”, conjuntos de miniaturas musicais, do romântico Robert Schumann…
“Kreisleriana” formam turbulento encadeamento de mudanças de humor, em breves episódios musicais. Schumann as considerava obra definitiva. Escritas em incríveis quatro dias e inspiradas no personagem, de E.T.A. Hoffmann, Johannes Kreisler, um violinista excêntrico e maníaco-depressivo, que representava os alter ego, poéticos e antagônicos, do compositor – “Florestan”, impulsivo; e “Eusebius”, sonhador…
Eis o romantismo! Uma arte que projetasse energia vital, que conectasse e reconectasse o indivíduo a si mesmo, a fim de preservar e restabelecer-lhe o fio existencial; suscitando comoção, empatia e compaixão; também o amor e o prazeroso, inclusive, nos mais simples entretenimentos…
E o pré-romantismo alemão adentraria à França, através de Madame de Staël, entusiasta do “Sturm und Drang”, apontando para Idade Média e cristianismo; e na Itália, literaturas alemã e francesa alimentariam o teatro e a ópera – caso de “Stiffelius!”, conflito conjugal e religioso, adaptação de “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, e posterior ópera de Verdi…
–Romantismo na França
Ideais iluministas e ascensão burguesa desencadearam a“Revolução Francesa” – processo extremamente violento. A monarquia fora derrubada e as sociedades francesa e europeia impactadas. E ao mesmo tempo em que se propunham novas concepções de estado e políticas liberais; a aristocracia e a Igreja resistiram e se organizaram, na França e em outras nações, na defesa do “Acient régime”…
Tamanha violência e radicalização levaram às disputas de poder e à turbulência, dividindo a sociedade francesa. Como resultados, muita instabilidade, incerteza e desalento, frente à permanência da crise e aparente falta de perspectivas – a era do terror!… Disputas entre jacobinos e girondinos por maior ou menor avanço da revolução… E, se o imenso derramamento de sangue rompeu e libertou a sociedade do “Ancient régime”, significou também angústia e desespero… O indivíduo ficara perdido numa sociedade desagregada; e o “Ancient régime” e a religiosidade, fortemente abalados…
Além disso, em meio à instabilidade interna, a França se ocuparia de guerras externas – ameaças estrangeiras, que temiam alastramento das ideias revolucionárias pela Europa. Guerras que, por fim, projetariam a liderança militar e política de Napoleão Bonaparte. E, após dez anos, sucessivos governos e autofagia política, franceses apoiariam “golpe de 18 brumário”, 1799,iniciando a “era Napoleônica!”…
E no alvorecer do século XIX, nova geração intelectual exigiria renovação, quando as possibilidades de desenvolvimento artístico e literário no regime Napoleônico eram limitados. O líder francês percebia a influência das artes e das ideias iluministasno fomento da revolução… Assim, desejava uma estética conservadora para o Império, passando a orientar e supervisionar a cultura, a suprimir opiniões e estilos contrários – determinando um neoclassicismo, grandiloquente e militarizado!
Germaine de Staël
Os tempos, no entanto, eram outros… E, à semelhança da Alemanha, houve reação à imitação da antiguidade, especialmente, no final do sec. XVIII. Discussões que haviam se iniciado, anteriormente, com a “Querelle des Anciens et des Modernes”, e intensificadas pelos dramas de Denis Diderot. E dois autores marcariam o advento do sec. XIX, ambos apoiadores de Napoleão Bonaparte e, posteriormente, seus contestadores: Anne Louise Germain de Staël, de índole liberal; e François-René Chateaubriand, conservador e aristocrata…
Curiosamente, autores que projetaram o romantismo, mas refletiam a polarização política francesa… E Staël reconhecia, na Alemanha, moderna e pujante literatura, o “Sturm und Drang”, de Goethe e Schiller, apesar de certa estagnação política. Enquanto a França permanecia na imitação do clássico. O próprio Napoleão era admirador do “Werther”, de Goethe, a quem conheceu pessoalmente, embora intransigente quanto à arte neoclássica – imagem oficial do Império!
Em “De la littérature”, 1800, Staël definiu literatura como relato de amplos contextos sociais e morais: desde processos históricos e instituições políticas, valores e costumes, religiosidade e códigos legais, até geografia e clima – elementos determinantes na criação literária…
E frente à público profundamente franco-cêntrico, passou à crítica incisiva. Afirmava que literatura francesa era apenas uma, entre várias… E admirava as literaturas inglesa e alemã, por serem melancólicas e sonhadoras, filosóficas e liberais. Além disto, apelava aos franceses pelo abandono do neoclassicismo, pagão e mediterrâneo, e ênfase na Idade Média, germânico-cristã. Tais provocações resultaram em banimento, 1803, por resistência e conspiração ao regime Napoleônico…
Assim, Staël exilou-se na Alemanha e após, 1805, viajou à Itália. Retornou à França, 1810, e publica “De L’Allemagne”, onde reitera profundidade e seriedade da literatura alemã – obra influente e imediatamente banida, levando à novo exílio… Por fim, inspirou escritores e leitores, através de imagens de contos de fadas e atmosferas bucólicas e idílicas do país germânico…
François-René de Chateaubriand
Durante a revolução, imensa angústia e pessimismo foram vivenciados pelos franceses. O mundo desabava, desconstruia-se, sem que nova e alentadora ordem lhe substituísse – “era do terror!”… E Chateaubriand, inicialmente, entusiasta da revolução, passou a recear desagregação e extinção da tradição cristã. Sentiu-se desenraizado e mergulhou em profunda melancolia… Assim, passados dez anos, 1798/99, renovou a fé cristã…
Em 1802, publica “Le génie du Christianisme”, onde reflete sobre a beleza, os fenômenos naturais e intui pela existência de Deus… E ressalta a importância do cristianismo, mais pela prática do ensino, do que por questões teológicas. Aceitava a religião como cultivo do equilíbrio interior, pacificação individual e preservação da ordem; também como inspiração para as artes, através das imagens e dos ensinamentos… Assim, Chateaubriand concebeu o romantismo, amalgamando-o ao cristianismo – espécie de contra-revolução cultural e conservadora, frente ao neo-classicismo e às ideias anticlericais vigentes…
A nova geração
Sob impacto da revolução e era Napoleônica, o romantismo francês, tardiamente, enfatizaria os sentimentos e a fantasia; além da natureza, o passado medieval e a religiosidade… E grande confusão, intelectual e política, se estabeleceria na França, após queda de Napoleão – “Le deux Frances”, entre o que deveria mudar e o que permanecer. Ora mesclando-se neoclassicismo e liberalismo, ora romantismo e conservadorismo, e ambas distanciando-se da concepção pré-romântica e liberal, do sec. XVIII…
Assim, de um lado, os “ultras” – monarquistas ou “legitimistas” – desejavam restabelecer o “Ancient régime”, formado por jovens autores, como Victor Hugo, Alphomnse de Lamartine e Alfred de Vigny, que mais tarde, iriam aderir ao liberalismo; de outro, os liberais, como Stendhal e Prosper Mérimé, que preferiam uma monarquia constitucional – intenso e complexo debate, enriquecido por abundante literatura…
E Victor Hugo defenderia “mélange des genres”, que combinasse o épico, o drama e a poesia, a contemplar todos os aspectos da natureza humana – “entre o belo e o feio, o sublime e o grotesco”, reconhecendo, nocristianismo, tais dualidades; e abordando temas da desigualdade social e dos direitos civis – referência da literatura francesa e universal…
Verdi encantou-se com a leitura de “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”), de Victor Hugo, e de pronto, solicitou libreto à Piave, que resultaria em “Rigoletto”, sua 17a ópera, composta simultaneamente à música de “Stiffelio”…
– “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre
Adaptado do drama de Charles-Émile Souvestre, o libreto de Stiffelio mesclaria afetos e religiosidade num intenso e apaixonado pastor, que beirava o fanatismo. Com tamanha veemência, Stiffelio atraía multidão de fiéis, pelas capacidades de persuasão e oratória. Mas, surpreendido pela traição da esposa, seria contraposto aos valores que pregava – aceitação do outro e perdão…
E tal impacto desafiava o personagem também nos instintos e temperamento – uma explosão de dor e energia, de decepção e revolta… E, se alguma reflexão e comedimento fossem possíveis, quem sabe, até o perdão, teriam que aguardar o arrefecimento de fúria atávica e descontrolada – a personalidade de Stiffelio!…
Embora, para mulher adúltera, a traição fosse motivo de grande rejeição, além de desonra familiar, tradicionalmente, levava o homem à extremo sofrimento. Espécie de dor em dose dupla… Onde somavam-se às dores do abandono, da perda do ser amado e desejado; as dores da humilhação pública, do ser traído, objeto de escárnio e desmoralização entre os iguais – desonra e chacota social, ainda hoje, vigentes…
E ao longo dos tempos, tais decepções tem sido motivo de violentos desafios, ameaças de morte e sentimentos de ódio – não raro, em ritos de reparação da honra… Conta-se, o poeta Puschkin duelou 4 vezes, embora desafiado em 7 e desafiante em outras 20… Em sua maioria, amigos conseguiram acalmar situações e embates foram evitados… Duelos eram proibidos na Rússia, mas ocorriam clandestinamente… No caso do grande poeta, ciúme da esposa foi motivo recorrente. E derradeiro duelo o levou à morte…
Assim, Verdi e Piave apresentariam Stiffelio, surpreendendo o público com personagem religioso, em crise conjugal, contrapondo sentimentos e valores masculinos aos ensinamentos cristãos… E em determinado momento, Stiffelio jogará a Bíblia no chão, acossado pela dor e pelo conflito. A música será intensa e o final, apaziguador, quando se reconciliará consigo próprio, com a esposa e a religião… O sogro, no entanto, será implacável na reparação da honra e nos moldes do sec. XIX – não perdoará o amante da filha e o matará!…
Arte entre o sublime e o grotesco: “os gratos terrores”
Nestes contextos, Verdi aprofundou-se no comportamento humano. E reagia como artista, visualizando a realidade como objeto estético. Apresentando o feio, sob a beleza da arte; sublimando e qualificando o grotesco; e procurando obter prazer no bizarro – quem sabe, transformando-o em sublime. Assim, tanto a vulgaridade mais execrável, quanto o trágico, transformavam-se em gratificantes terrores – objetos estéticos, paradoxalmente, prazerosos…
Tal como Iago, em “Credo in un Dio crudel che m’ha creato”, quando canta o ressentimento, em surpreendente beleza dramática e musical… Assim, a arte musical obtinha da dissonância, a consonância; da tensão e do instável, a harmonia; e do grosseiro e do bizarro, sublimação e satisfação estética – agregando beleza à existência…
E, não menos que o disforme corcunda, Rigoletto; a figura do homem traído, pareceria tão ou mais disforme ao olhar do outro, quanto de si mesmo. E, se a deformidade de Rigoletto, resultava de fator congênito e individual; em “Stiffelio”, a traição conjugal era fruto do comportamento do outro. Ainda assim, objeto do mais cruel e alheio desprezos, do qual padeciam e ainda padecem, sobretudo, os homens…
E a dor e humilhação da figura masculina associavam-se à imagem do religioso, em profunda solidão, desilusão e revolta, daquele que leva o evangelho e difunde a virtude e o perdão… Momentos em que desabam a confiança em si mesmo e nos outros; desabam as crenças e os ideais…
Além disto, Stiffelio apresentava religiosidade estranha à cultura italiana, onde pastores protestantes casavam e constituíam família – tema delicado ao catolicismo. Assim, acossados pela censura católica, Verdi e Piave acabariam por mutilar o libreto. E, de ministro, “Stiffelio” seria caracterizado como um sectário, um pregador pagão e fanático, perdendo força dramática – do orador que leva a palavra sagrada…
Até os 36 anos, Verdi vivera em grandes centros culturais, entre Milão e Paris, e surpreendentemente, decidiu retornar à Itália e fixar residência no solo natal, vilarejo de Roncole, comuna de Busseto – provinciano, conservador, extremamente religioso e maledicente… E a música em Stiffelio, junto com Rigoletto, seria pontuada por energia reativa, mesmo que vibrante…
Apesar do sucesso na estreia, Verdi ficou incomodado, até decepcionado com as modificações. E, por fim, retiraria a ópera e esconderia o original. “Stiffelio” seria revista mais tarde, resultando em Aroldo, sua 22ª ópera… A música, no entanto, é poderosa. E, nos anos de 1960, mais de um século após estreia, localizou-se manuscrito de um copista do sec. XIX e, novamente, a ópera foi apresentada, aproximando-se da concepção original e com renovado sucesso!
Retorno à Itália – “Villa Sant’Agata”
Em Paris, após oito anos de viuvez, 1848, Verdi assumiu nova relação conjugal, com Giuseppina Strepponi, diva italiana que estreara “Oberto”, sua primeira ópera e, depois, o sucesso de “Nabucco”… União que duraria por toda a vida, cerca de 50 anos, até a morte da esposa…
E ambos decidiram retornar à Itália, para terra natal de Verdi, Roncole, um vilarejo da comuna de Busseto. Para tanto, Verdi adquirira propriedade, inicialmente, cuidada pelos parentes – “Villa Sant’Agata”, hoje denominada “Villa Verdi”. Apesar do entusiasmo inicial, na vida pessoal, a mudança lhes traria incômodos. Não sendo casados e Giuseppina, “mulher do teatro”, rapidamente, tornaram-se alvos de mexericos, rejeição e grosserias…
Giuseppina sofria muito, saia pouco e evitava a Igreja… Embora artistas consagrados, naqueles rincões da província de Parma, não importava a fama… A relação deles era inaceitável! E Verdi, à época, era o mais prestigiado compositor italiano; Giuseppina, celebridade que brilhara em papéis de Rossini, Donizetti, Bellini e outros. Mas, sua voz decaíra precocemente, dedicando-se ao ensino do canto lírico, em Paris…
Entusiasta e diva nos primeiros trabalhos do músico italiano, Giuseppina e Verdi guardavam imensa admiração e amizade… E, à época da estreia de “I Masnadieri”, em Londres, Verdi passara por Paris, onde alugou imóvel próximo à residência de Giuseppina…
E enviou, antecipadamente, à Londres, seu assessor e amigo, Emanuele Muzio, para organizar estreia. Mais tarde, Verdi seria aclamado, encantando-se com a cidade e público londrinos… E retornou à França, para atender outro convite: do “Opera de Paris”, que resultaria em “Jerusalém”, revisão de “I Lombardi alla prima Crociata”…
Assim, na companhia de Giuseppina, a permanência na capital francesa prolongou-se por dois anos, onde Verdi concluiu “Il Corsaro”, compôs “La battaglia di Legnano”, além de leituras e planos para duas novas óperas, “Rei Lear” e “L’assedio di Firenzi”, que nunca concretizou…
De volta à Itália, 1850, Verdi arrojava-se em novas temáticas, abordando dramas urbanos e intimistas, da vida amorosa, familiar e burguesa, abandonando os temas épicos e patrióticos… E concluiu “Luisa Miller”, sobre drama de Schiller, “Kabale und Liebe” – sucesso em Nápoles. De outro, aos 36 anos, músico experiente e bem sucedido, deparava-se com ambiente grosseiro e preconceituoso de sua cidade natal, que havia esquecido ou desconsiderado…
E, se a união com Giuseppina era simples e rotineira, ainda assim, alvo de falatórios – do que parecia indigno ou digno de desprezo… E quando mudaram-se para “Villa Sant’Agata”, parentes deixaram o local. Verdi, possivelmente, preferia maior privacidade com Giuseppina, com quem se casaria, mais tarde, 1859… E, apesar das rusgas, mostraria afeto e gratidão, mantendo suporte financeiro à família…
Curiosamente, neste período, Verdi aguçou sua atenção no bizarro e no que evidenciasse, até exagerasse, o feio e escatológico. Quem sabe, motivado a expressar a grosseria de sua terra natal ou do mundo, fosse por questões estéticas ou por desforra pessoal... E aproximou-se do romantismo francês, das teorias e teatro de Victor Hugo – “integrar o belo e o feio, o sublime e o grotesco”, novo realismo verdiano!
E tanto o disforme “Rigoletto”, quanto “Stiffelio”, seriam personagens alvo de maledicência, bobos de uma corteou de uma sociedade, cujos prazeres limitavam-se ao que resta aos ressentidos – suposta moralidade, como ideia de valor, afirmação e autoestima… E, por efeito contrário, agregando mais ressentimento… Nestas trajetórias, Rigoletto mergulharia em profunda dor pela morte da filha; mas, Stiffelio se reconstruiria como pessoa, pacificando-se e resgatando suas crenças!
Libreto e Sinopse de “Stiffelio”
Adaptação de “Le pasteur d’hommes”
Até chegar à Francesco Piave e tornar-se libreto de nova ópera, Stiffelio resultou da tradução italiana, de nome “Stiffelius!”, realizada por Gaetano Vestri, da peça teatral “Le Pasteur” ou “L’évangile et le foyer”, de Émile Souvestre e Eugène Bourgeois – peça que, por sua vez, era adaptação do romance “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre…
A tradução italiana foi apresentada à Verdi por Piave, após estreia de “Luisa Miller”, em Nápoles. Verdi tinha dois novos convites: uma ópera para Casa Ricordi e outra para o teatro “La Fenice” – que resultariam em “Stiffelio” e “Rigoletto”. O tema de “Rigoletto” estava definido por Verdi, que encantou-se com leitura de Victor Hugo, “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”). Mas, “Sitiffelio” necessitou leitura e convencimento do músico, que não conhecia a tradução italiana, nem o romance de Émile Souvestre…
Libreto de Piave trataria do carismático, até fanático pastor Stiffelio, cujos sermões eram apaixonadas leituras das escrituras, que atraíam centenas de fiéis. Em geral, Stiffelio exortava a justiça, ainda que ao custo de renúncias e auto-sacrfícios… Mas, ao experimentar, ele próprio, a amargura da traição, teria abalada a crença em si e nos outros; na infinita misericórdia divina e no perdão…
Assim, ao deparar-se com a infidelidade de Lina, sua esposa; os subterfugios do sogro, conde Stankar, para proteger a filha e a família; e a farsa de Raffaele, amante de Lina, Stiffelio se revelaria em sua humanidade e fragilidade. E, do ardoroso e virtuoso pregador, afloraria o individuo machucado, diante das dores da existência e da chama das paixões… Conseguiria Stiffelio atenuar o sofrimento, compreender as escolhas alheias, entre os caminhos e descaminhos humanos, quando a decepção, revolta e ódio afloravam?…
Sobretudo, resistiriam o casamento e o amor conjugal, diante de tamanho e doloroso episódio… Resistiriam o amor de Stiffelio ou os sentimentos de Lina, entre o marido e o amante… Contrapostos à decepção e ódio paternos, que almejava a morte do amante da filha… E, quem sabe, uma conciliação que, socialmente, contornasse maior difamação familiar e que recairia também sobre Lina –por adultério e anulação do casamento…
Por fim e para salvação interior, o sanguínio pastor se reconciliaria consigo próprio e com a esposa. E resgataria suas crenças, certamente, não mais por virtudes retóricas e idealizadas, por leituras fantásticas e oníricas dos textos sagrados; mas marcado pelas surpresas e impactos da existência, pela vulnerabilidade e imprevisibilidade das experiências humanas…
E, se a ópera fora liberada pela censura de estado, a censura católica criaria objeções. Proibiu a cena final, num templo protestante, por assemelhar-se a uma Igreja; não tolerou o “paganismo” do argumento, onde misturavam-se o pregador fanático, casado e traído pela mulher adúltera, redefinindo Stiffelio com um sectário. Verdi e Piave cediam e adaptavam música e libreto – para deleite e galhofa da crítica, que acompanhava e ironizava a polêmica!…
Embates com a censura e modificações exigidas frustraram tanto, que Verdi retirou a ópera e escondeu o manuscrito, 1856. Em 1857, reaproveitaria parte da música em novo libreto de Piave, que resultou em “Aroldo”, sua 22a ópera…
Por escolha da Casa Ricordi, conforme contrato, a estreia de “Stiffelio” ocorreu em 16/11/1850, no “Teatro Grande”, de Trieste, que sediou, anteriormente, a estreia de “Il Corsaro”, também com libreto dePiave. E, se “Il Corsaro” fora um fracasso de público, “Stiffelio” seria bem recebida em Trieste!
Sinopse
Ação ocorre na Alemanha, início do século XIX
Personagens:Stiffelio, pastor evangélico (tenor); Lina, esposa de Stiffelio (soprano); Conde Stankar, pai de Lina (barítono); Raffaele de Leuthold, jovem nobre e amante de Lina (tenor); Jorg, velho pastor (baixo); Dorotea, prima de Lina (mezzo-soprano); Federico di Frengel, primo de Lina (tenor);
Coros:Paroquianos asaverianos, discípulos evangélicos de Stiffelio e amigos do conde Stankar.
A ópera inicia com “Sinfonia” (abertura orquestral)
Ato 1
Cena 1: Salão do castelo de Stankar
Num salão do castelo do conde Stankar, familiares esperam pela chegada do pastor Stiffélio. Entre eles, sua esposa, Lina; o sogro, conde Stankar; e os primos, Dorotea e Federico. Também entre os presentes, encontra-se Raffaele, um desconhecido, mas amante de Lina... Ao chegar de uma missão religiosa, Stiffelio conta estranha história de um barqueiro, que notou homem e mulher fugirem por uma janela do castelo, em “Di qua varcando sul primo albore” (“Daqui, cruzando o primeiro amanhecer”). Ao relatar, Stiffelio deixa cair um pacote de cartas, que trazia consigo. E, recusando-se em saber do conteúdo, joga as cartas ao fogo, para alívio de Lina e Raffaele, receosos da leitura, no septeto “Colla cenere disperso sia quel nome e quel delitto” (“Com as cinzas, disperso tanto o nome, quanto o delito”)…
Em meio à recepção, no concertato “Viva Stiffelio! Viva!” e planejando novo encontro, discretamente, Raffaele avisa Lina sobre um livro da biblioteca, que usam para se comunicar. Demais presentes se retiram. E, sozinhos, Lina e Stiffelio cantam o duetto “Non ha per me un acento” (“Ela não tem nenhuma palavra para mim, nem um olhar”)… Então, Stiffelio conta da missão e dos pecados que testemunhou, em “Vidi dovunque gemere” (“Em todos os lugares vi a virtude gemer sob o jugo do opressor”), e percebe que Lina está sem aliança de casamento…
Surpreso, Stiffelio irrita-se, quer saber a razão, em “Ah v’appare in fronte scritto” (“Ah, claramente escrita em sua testa é a vergonha que faz guerra em seu coração”). Mas, situação acalma-se com a chegada do conde Stankar, que retorna para acompanhar Stiffelio a um encontro preparado por amigos. E ambos deixam o local…
Cena 2: no castelo do conde Stankar
Sozinha e conflituada, Lina expressa sentimentos de culpa e arrependimento, na ária “A te ascenda, O Dio clemente” (“Que meus suspiros e lágrimas subam a ti, ó Deus misericordioso”). Então, decide escrever uma carta, confessando à Stiffelio, sua relação com Raffaele. Mas, quando começa a redigir, conde Stankar adentra o local, toma a carta e lê em voz alta…
Inicialmente, irritado e decepcionado com Lina, a repreende “Dite che il fallo a tergere”(“Diga a ele que seu coração não tem forças para lavar seus pecados”), mas preocupado e defensivo, opta por preservar a honra da família, encobrindo o comportamento da filha, em “Ed io pure in faccia agli uomini” (“Então, diante da face da humanidade, devo abafar minha raiva”). E em duetto, tomam a decisão, em “O meco venite” (“Venha agora comigo; as lágrimas não têm importância”) e afastam-se do local…
Raffaele adentra, conforme avisara Lina, para colocar bilhete no livro da biblioteca, marcando próximo encontro. Federico, primo de Lina, é cúmplice dos amantes e aguarda para levar o livro até Lina. Jorg, o pregador idoso, está no local e observa a movimentação. Suspeitando das ações de Federico, Jorg leva o assunto à Stiffelio…
O livro, no entanto, possuia chave e em poder de Lina. Stiffelio a chama, mas Lina se recusa a abri-lo. Com violência, Stiffelio toma a chave e o abre. A carta incriminadora cai, mas rapidamente é retomada pelo conde Stankar, que chega, repentinamente, e a rasga, para fúria de Stiffelio!…
Ato 2 – Um cemitério próximo ao castelo
No cemitério, Lina, solitária, reza no túmulo da mãe, em “Ah dagli scanni eterei” (“Ah, de entre os tronos etéreos, onde, abençoado, você se senta”), e Raffaele se aproxima. Lina, imediatamente, pede que se afaste. Raffaele resiste, em “Lina, Lina! Perder dunque voi volete” (“Lina, então você deseja destruir esse infeliz e traído miserável”), recusando-se a sair, em “Io resto” (“Eu fico”)…
Stankar chega ao local, ordena que Lina vá embora e desafia Raffaele para um duelo. Neste ínterim, Stiffélio também chega e determina que nenhum embate acontecerá no cemitério – local sagrado… E desconhecendo os fatos, propõe conciliação, unindo as mãos de Stankar e Raffaele… No limite de tensão, Stankar, então, revela que Stiffélio tocou a mão de quem o traiu!…
Ainda confuso, Stiffélio exige que o mistério lhe seja revelado… E Lina retorna pedindo perdão ao marido… Stiffelio, então, percebe a situação (“Ah, não! Não pode ser! Diga-me, pelo menos, que é mentira”). E num impulso, desafia Raffaele a lutar. Mas Jorg,o velho pastor, se aproxima e avisa Stiffelio que a congregação o esperava, na Igreja… Emocionado e conflituado, Stiffelio abandona a espada e pede a Deus que inspire sua palavra aos paroquianos, ao mesmo tempo em que esbraveja e amaldiçoa a esposa!…
Ato 3
Cena 1: Um quarto no castelo de Stankar
Num aposento do castelo, Stankar,pai entristecido, através de carta, toma conhecimento que Raffaele refugiou-se e está na expectativa que Lina vá ao seu encontro. Angustiado e decepcionado, Stankar desespera-se com o comportamento da filha, em “Lina, pensai che un angelo in te mi des se il cielo”(“Lina, pensei em você como anjo que me trazia felicidade celestial”)…
Por momentos, Stankar pensa em suicídio e tenta escrever carta à Stiffélio. Mas, à chegada de Jorg, vem notícia que Raffaele retornara ao castelo. Revoltado, Stankar se regozija, em “O gioia inesprimibile, che questo core inondi!” (“Oh, a alegria inexprimível que inunda este meu coração!”), por vislumbrar possibilidade de vingança… E afasta-se do local…
Ao retorno de Raffaele, Stiffelio o encontra e confronta. Stiffelio questiona sobre o que faria se Lina fosse livre – entre uma “liberdade culpada” e “futuro destruído”…Raffaele fica em silêncio, pois vive uma ilusão ou, de fato, uma paixão por Lina. Então, Stiffelio pede-lhe que ouça sua conversa com a esposa, do aposento ao lado. Raffaele concorda…
E, ao encontrar Lina, Stiffelio expõe motivos que levariam à anulação do casamento, em “Opposto è il calle che in avvenire”(“Opostos são os caminhos que no futuro nossas vidas seguirão”). E Lina, diante de sentença de divórcio, revela que morreria, mas pelo amor que sentia pelo marido, em (“Morrerei, mas por amor a você”) – quase uma confissão ao pastor, mais do que ao homem, do qual era esposa… Mas, reafirmando seu amor por Stiffelio…
No aposento ao lado, Raffale acompanhava conversa do casal. Mas, à chegada de Stankar – atormentado por vingança, Raffaele é confrontado e morto. Após, Stankar adentra aposento do casal e revela que matara Raffaele. Em meio à tragedia, entre a reconciliação do casal, revolta de um pai e um corpo estendido, aproxima-se Jorg, velho pastor, que pede à Stiffelio que vá à Igreja e ministre o culto, ao que Stiffelio atende, em “Ah sì, voliamo al tempio” (“Ah, sim, vamos ao templo”)…
Cena 2: No templo protestante
No templo, reunindo forças e circunspecto, Stiffelio sobe ao púlpito e profere o sermão. Abre a Bíbliano evangelho de João (7:53 – 8:11) – parábola da mulher adúltera. Com a comunidade reunida, o momento é solene e intenso. E ao ler o texto sagrado, interiorizado e comovido, Stiffelio enfatiza a palavra “perdonata!” e dirige olhar à Lina, presente entre os paroquianos – assinalando que “venceram, o amor e a reconciliação!”…
– Cai o pano –
A música de “Stiffelio” revelaria novas e não convencionais direções. Verdi experimentava novo mergulho no drama e na psicologia dos personagens, na afetividade e no intimismo, que iniciou em “Luisa Miller” e seguiriam em “Rigoletto” e “La traviata”… E, tal como “Luisa Miller”, “Stiffelio” apresentava nova linguagem e melodismo, surpreendendo e dividindo público e crítica…
Na “Gazzetta Musicale”, publicou-se: “ao mesmo tempo religiosa e filosófica, a ópera oferece melodias doces e ternas, que se sucedem de maneira atraente, além de comoventes efeitos dramáticos, sem recorrer às bandas no palco, grandes coros ou exigências sobre-humanas, das cordas vocais ou dos pulmões” – economia de meios, sem perder expressividade e efeito de palco, possibilitando maior concentração, comoção e reflexão…
Verdi foi um progressista, no lugar de reformista. De modo que sua escrita enriquecia, mas seguia tradicional forma de números – solos, ensembles, coros e concertatos, além de trechos orquestrais. Nesta fase, as linhas melódicas e ensembles ganham sutileza e delicadeza, buscando maior intimismo; e seus recitativos, mais expressivos, passionais e emotivos – novo tratamento musical para os temas urbanos e burgueses…
– Trajetória de “Stiffelio”: manuscrito perdido
“Stiffelio” teve trajetória peculiar, dados os problemas com a censura. Após estreia em Trieste, 1850, e partir de 1851, Verdi percebeu a grande dificuldade que Casa Ricordi, editora e proprietária dos direitos de produção, teria em levar a ópera a outros teatros, antes de cuidadosa revisão e sem os assodamentos da estreia…
Outra versão, evitando o dilema religioso, foi intitulada “Guglielmo Wellingrode”, ministro de um principado germânico, sec. XV, produzida em 1851, mas sem consentimento de Verdi ou Piave. E, quando solicitado a modificar novamente, pelo empresário AlessandroLinari, 1852, Verdi, irritado, recusou-se. Registram-se, ainda, algumas produções na Península Ibérica, nas décadas de 1850/60…
Atender a censura, portanto, foi algo extenuante. Inúmeras exigências, que requeriam alterar cenas, texto e música. Piave tinha temperamento paciente e submisso à Verdi, portanto, abituado às mudanças de texto. Mas Verdi, embora, particularmente, solícito pelo compromisso com Ricordi, era de natureza impaciente… Assim, o destino da ópera era incerto…
Por fim, em 1856, Verdi retirou a ópera de circulação, escondeu o original e aproveitou parte da música em outro libreto, elaborado por Piave, que resultaria em Aroldo, sua 22ª ópera, 1857 – tema ambientado na Inglaterra e Escócia, sec. XIII.E, desde 1856, o manuscrito orquestral fora dado como perdido…
Com tal desaparecimento, restaram as partes vocais. E, final da década de 1960, descobriu-se manuscrito orquestral de um copista, no conservatório de Nápoles, que motivou nova produção, no Teatro Regio, de Parma, 1968. E tornou-se base para outras produções, em Nápoles e Colônia, mas acrescidas de trechos de “Aroldo” – edição “Bärenreiter”…
Edição “Bärenreiter” possibilitou, posteriormente, produção em inglês da University College Opera (“Music Society”), Londres, 1973. Dado que na estreia, em Trieste, original foi cortado pelos censores, a produção moderna, possivelmente, se aproximava mais da autêntica… Nos USA, Stiffelio foi produzida por Vincent La Selva e New York Grand Opera, 1976, na Brooklyn Academy of Music. E também por Sarah Caldwell e a Opera Company of Boston, 1978… E no teatro “La Fenice”, Veneza, 1985/86, conjuntamente com “Aroldo”, em encontro acadêmico internacional…
Em 1992, Philip Gossett teve acesso à manuscritos originais, autorizado pela família Carrara Verdi, conforme relata em “Divas and Scholars” – cerca de 60 páginas… E, sendo coordenador das edições de Verdi, da Universidade de Chicago,USA, compartilhou as fontes com diretor Edward Downes, para nova produção do Covent Garden, Londres, 1993. Tais originais, no entanto, também eram parciais e incluíam apenas partes vocais, mantendo-se a base de orquestração do “copista de Nápoles”, sec. XIX – manuscrito original e completo de Verdi, portanto, permanece desconhecido…
Finalmente, realizaram-se primeira produção e uma série de apresentações no “Metropolitan Opera House” – MET, Nova York, entre 1993/98, dirigidas por James Levine, que engajou-se no projeto. E, das produções no MET, seguiram-se em Sarasota, USA; Londres, Reino Unido; Berlim, Alemanha, e outras…
Gravações de “Stiffelio”
Após resgate no “Teatro Regio di Parma”, 1968, seguiram-se esforços de recuperação de originais, sendo revisitada com sucesso:
– Gravação em áudio – CD, 1968
“Orquestra e coro do Teatro Regio di Parma”, direção Peter Maag Solistas: Gastone Limarilli (Stiffelio) – Angeles Gulin (Lina) – Walter Alberti (Stankar) – Benjamino Prior (Jorg)
“Royal Opera House orchestra and chorus”, Londres, direção Edward Downes Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Catherine Malfitano (Lina) – Gregory Yurisich (Stankar) – Gwynne Howell (Jorg)
– Gravação em DVD Deutsche Grammophon, 1993
“Metropolitan Opera House”, Nova York, direção James Levine Solistas: Placido Domingo (Stiffelio) – Sharon Sweet (Lina) – Vladimir Chernov (Stankar) – Paul Plischka (Jorg)
– Gravação em áudio, 1996
“Chor und Orchester der Wiener Staatoper”, direção Fabio Luisi Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Eliane Coelho (Lina) – Renato Bruson (Stankar) – Goran Simic (Jorg) – Ruben Broitman (Raffaele) – Wilfried Gahmlich (Federico di Frengel) – Marjorie Vance (Dorotea)
– Gravação em áudio CD Dynamic, 2001 – DVD, 2007
“Orchestra and Chorus of Teatro Lirico Giuseppe Verdi di Trieste”, direção Nicola Luisotti Solistas: Mario Malagnini (Stiffelio) – Dimitra Theodossiou (Lina) – Marco Vratogna (Stankar) – Enzo Capuano (Jorg) Obs: Local de estreia da ópera, 1850, antigo “Teatro Grande”, de Trieste.
– Gravação em DVD C Major, 2012
“Teatro Regio di Parma, orchestra and chorus”, direção Andrea Battistoni Solistas: Roberto Aronica (Stiffelio) – Guanqun Yu (Lina) – Roberto Frontali (Stankar) – George Andguladze (Jorg)
– Gravação em DVD, 2016
“Teatro La Fenice di Veneza, orchestra and chorus”, direção Daniele Rustioni Solistas: Stefano Secco (Stiffelio) – Julianna di Giacomo (Lina) – Dimitri Platanias (Stankar) – Simon Lim (Jorg) – Francesco Marsiglia (Raffaele) – Cristiano Olivieri (Federico di Frengel) – Sofia Koberidze (Dorotea)
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Stiffelio”, sugerimos vídeo em DVD de 2012, do “Teatro Regio di Parma, orchestra and chorus”, direção Andrea Battistoni e grandes solistas. O vídeo pode ser obtido no link abaixo:
Entre os solistas, nova geração com ampla projeção vocal, bela interpretação e domínio técnico, como o soprano chinês Guanqun Yu, no personagem “Lina”…
No personagem “Stiffelio”, o grande tenor italiano Roberto Aronica, discípulo de Carlo Bergonzi, com extenso repertório e convidado regular dos mais prestigiados teatros de ópera…
E com brilhante carreira em palcos como “Wiener Staatoper” e “Metropolitan Opera de New York”, no personagem “Stankar”, o barítono italiano Roberto Frontali…
Na direção da orquestra e coro do “Teatro Regio di Parma”, o entusiasmo e musicalidade de Andrea Battistoni…
Por fim, agradecemos e aplaudimos a orquestra, os coros e ensembles desta excelente produção. Stiffelio é drama intenso e a vigorosa música de Verdi segue a sensibilizar e manter viva a arte da ópera!
– Sugerimos também:
Áudio – produção do “Chor und Orchester der Wiener Staatoper”, direção de Fabio Luisi
Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – a brasileira Eliane Coelho (Lina) – Renato Bruson (Stankar)
2. DVD Kultur – produção do “Royal Opera House orchestra and chorus”, direção Edward Downes Solistas: Jose Carreras (Stiffelio) – Catherine Malfitano (Lina) – Gregory Yurisich (Stankar)
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“Andrea Battistone, na regência da PQP Bach Philharmonic”…
“Cada qual ama a seu modo; o modo, pouco importa; essencial é que saiba amar” (Machado de Assis)
Relacionamentos entre pais e filhos estão presentes em toda a dramaturgia verdiana. Sabe-se, ainda jovem, entre os 25 e 27 anos, Verdi perdera a família – dois filhos e a primeira esposa, Margheritta. Sobretudo, a perda da filha, com pouco mais de um ano, foi memória que o acompanhou pelo resto da vida, sempre levando-o às lágrimas…
Na obra do músico italiano, tais vínculos familiares sempre receberam especial atenção, desde “Oberto”, sua primeira ópera, passando por “Luisa Miller”, “I Vespri Siciliani”, até “Aída”… Assim, a relação entre Luisa e o pai era tema delicado, que evocava também afetos pessoais de Verdi…
Embora imbuído a escrever nova ópera patriótica, por circunstâncias diversas, Verdi desistiu para retomar o tema de “Luisa Miller”, adaptação do drama de Schiller – “Intriga e Amor”, que vinha esboçando há algum tempo. Assim, atendia o libretista Cammarano e o teatro “San Carlo”, desta feita, livrando-se da censura que, em Nápoles, seria rigorosa, dado o alinhamento com a Áustria e perspectiva de derrota da 1ª guerra de independência…
Um longo caminho seria percorrido até a unificação, cerca de dez anos, e nestas circunstâncias, certo arrefecimento das tensões políticas e confrontos bélicos. Assim, aconselhado e prudentemente, Verdi abordaria temas de maior lirismo, iniciando nova etapa criativa, onde “Luisa Miller” e “Stiffelio” formam prelúdio para “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata” – obras que marcariam o sec. XIX e o consagraram como compositor!
Aspectos iniciais
Após estreia de “La battaglia di Legnano”, em Roma – 1849, Verdi retornou à Paris e, rapidamente, passou a tratar de nova ópera. Este ano marcaria também retorno à Italia, fixando residência em Busseto, sua terra natal. Na Itália, havia grande tensão política, com possível derrota da 1ª guerra de independência. Mas, Verdi mantinha-se confiante na causa do Resurgimento. Assim, pretendia colocar música em novo tema patriótico, particularmente, “L’assedio di Firenze”, texto de Guerrazzi, com libreto de Francesco Piave… Outros fatores, no entanto, o levaram a abandonar o projeto…
SalvattoreCammarano, libretista que o estimulou compor “La battaglia di Legnano”, estava comprometido com o teatro “San Carlo”, de Nápoles. E Verdi solidarizou-se, embora estivesse rompido com o teatro napolitano. Mas, diante de circunstâncias políticas e revolucionárias adversas, Cammarano dissuadiria Verdi do tema patriótico…
A 1ª guerra de independência não lograria êxito e o reino de Nápoles manteria sua aliança com a Áustria… Portanto, a censura retornaria e mais rigorosa. Um longo período de reorganização seria necessário até novo enfrentamento da Áustria – cerca de dez anos… Assim, enquanto Verdi planejava “L’assedio di Firenze”,Cammarano resistia, trabalhava lentamente e não enviava o libreto, sem revelar as razões…
Verdi não tinha interesse pelo teatro “San Carlo”, fruto de divergências anteriores, à época de “Alzira”, sua 8ª ópera. Mas, estranhava a demora e insistia: “Lembre-se que componho esta ópera para atendê-lo. Se não tiver interesse, avise-me e não continuarei”… Por fim, Cammarano abriu-se e informou que a censura de Nápoles não liberaria “L’assedio di Firenze”… E propôs retomada de “Luisa Miller”, sobre texto de Schiller, “Intriga e Amor” (“Kabale und Liebe”), que Verdi trabalhava há algum tempo…
Verdi concordou, pelas circunstâncias e pelo autor, particularmente, dileto. De suas vinte e oito óperas, quatro abordaram temas de Friedrich Schiller, poeta e dramaturgo alemão. Assim, ganharam os palcos “Giovanna D’arco”, “I Masnadieri”, “Don Carlos” e “Luisa Miller”…
Dado o temperamento e sensibilidade de Verdi, sua música exigia intensidade dramática. E dois autores marcaram o final do sec. VXIII e sec. XIX: Friedrich Schiller e Wolfgang Goethe, ambos identificados com o movimento “Sturm und Drang”(“Tempestade e Ímpeto”), na Alemanha…
“Sturm und Drang” ocorreu num período de grandes transformações na sociedade europeia. Do advento da modernidade e projeções das sociedades urbanas e burguesas, que impulsionaram mudanças políticas e econômicas, fomentadas pelos ideais iluministas. Sobretudo, a desigualdade de classes e rejeições à aristocracia e ao absolutismo foram ideais compartilhados pelo “Sturm und Drang” – causas da Revolução Francesa e outros movimentos de independência e unificação, ao longo do século XIX…
Além disto, firmava-se a crença de que a opinião pública tinha que preponderar, no lugar de tribunais de estado, que decidiam sobre atividades culturais. Portanto, avanços na liberdade de expressão e da chamada “esfera pública”,em Paris, formada por jornais, lojas maçônicas, cafés e clubes de leitura. Surgia também o consumidor pagante, que conquistava o direito de escolher suas leituras, teatro e ópera... E com o tempo, a “esfera pública” evoluiria para discussão política…
E, se o Iluminismo descortinava as possibilidades da razão e do método científico, abrindo novas perspectivas ao avanço do conhecimento, uma desconfiança levantava-se diante da complexidade humana: a capacidade intelectiva, embora recurso, por óbvio, humano e formidável, possuía limites…
Daí a ênfase, no “Sturm und Drang”, dos sentimentos sobre a razão, na valorização da individualidade, das emoções e dos afetos – elementos subjetivos incompreensíveis e inalcançáveis pela razão, e que as artes, por seus meios, desde sempre, expressaram…
– Iluminismo e ascensão burguesa
O Iluminismo ocorreu na França, Inglaterra e moveu a independência americana. E a expressão “penso, logo existo”, de René Descartes, trazia o ser humano para o centro, como nova referência da filosofia, no lugar de Deus no pensamento medieval…
O ser humano capaz de reconhecer a própria existência, observar e diferenciar-se do seu entorno; capaz de identificar eventos e classificá-los; de descobrir leis e relações; e finalmente, manipular a natureza, criando artefatos e amplos benefícios…
Neste período, cunhou-se também a expressão “conhecimento é, em si, um poder”, de Francis Bacon, que continha outro e imenso potencial: de um lado, um poder virtuoso, fruto do prazer intelectual egerador de benefícios; e de outro, poder ambíguo, onde as sociedades, capazes de criar e produzir artefatos, projetariam sobre outras culturas e nações, poder econômico e militar,sobrepondo-se àquelas que não detivessem tais modelos de desenvolvimento…
Francis Bacon refletiu sobre política e ética no uso do conhecimento. E, fatalmente, era o advento do colonialismo e, depois, do imperialismo; do advento da burguesia e da nova sociedade de classes, da busca por matérias primas e da industrialização, por mercados e pela prática da concorrência; quando conectavam-se lugares, até então, desconhecidos e distantes, através de novas rotas comerciais – adventosdo capitalismo, das supremacias e projeções geopolíticas…
O Iluminismo avançou também pelas áreas do direito e da política… Exerceu a crítica do absolutismo e propôs as bases do estado moderno. O estado democrático, plural e representativo, organizado em poderes independentes e complementares – ditos legislativo, executivo e judiciário, no lugar da centralidade absolutista…E novos embates ocorreriam após a queda da monarquia francesa!…
Durante a Revolução Francesa, os aristocratas sentaram à direita, no parlamento, na defesa de interesses econômicos, daIgreja e sistema de classes do “Acient régime”; e os comuns sentaram à esquerda, integrados pela burguesia, na defesa do republicanismo, secularismo e do livre mercado. Assim, deram origem às atuais denominações de orientação política – esquerda e direita…
Naquele contexto, entretanto, camponeses, trabalhadores e os mais pobres, embora partícipes da revolução, não tiveram lugar… Sendo curioso observar que a esquerda, à época, era representada pela burguesia ascendente, propondo o capitalismo e a economia de mercado – portanto, liberal progressista!…
Neste período, defendeu-se as liberdades de pensamento, de imprensa e religiosa. Promulgou-se a “Declaração dos direitos do homem e do Cidadão”, inspirada na “Declaração de IndependênciaAmericana”, e propôs-se o estado laico, com separação entre estado e religião. E, sob o lema “Liberté, égalité, fraternité”, síntese do pensamento iluminista, liberal e burguês, defendeu-se a igualdade jurídica, mas não a igualdade social e econômica… Ainda assim, avanço substancial, dado que no absolutismo haviam diferentes códigos para cada classe social…
Propôs-se o novo e incipiente estado democrático, onde a liberdade de pensamento e o direito à divergência estavam sintetizados na célebre frase de Voltaire: “mesmo discordando de alguém, defenderei até a morte o direito de dizê-lo”… E assim, organizavam-se a pluralidade e a representatividade das diversas demandas da sociedade, além de um novo conceito de indivíduo e cidadão…
Evidentemente, tais mudanças não ocorreram de forma linear, imediata ou pacífica. As classes aristocráticas organizaram-se e resistiram, na Françae em outras nações. E, ao longo do sec. XIX, ocorreriam inúmeras revoluções e manifestos violentos… A desigualdade social e econômica permaneceria e a sociedade burguesa estabeleceu-se no poder, no controle da economia e influência no estado, contraposta pelos ideais socialistas e anarquistas, que passariam a organizar as classes trabalhadoras – o proletariado – e denunciar formas de exploração e dominação econômica…
O Iluminismo trouxe contribuições que marcaram o advento da “Era moderna”. Processos que ainda permeiam as sociedades atuais, em suas contradições e complexidades!…
– Pré-romantismo alemão: “Sturm und Drang”(Tempestade e Ímpeto)
No contexto do Iluminismo e do Esclarecimento(“Aufklärung”) alemão, portanto, às vésperas da Revolução Francesa, as peças teatrais do “Sturm und Drang” emergiram na Alemanha. A proposta era totalmente oposta ao absolutismo e ao aristocratismo, a que chamavam “Société d’Ancien Régime” e, neste aspecto, identificada com os ideais políticos iluministas…
Mas, “Sturm und Drang” ia além. Se, de um lado, refletia um mundo sufocado por desigualdades, prestes a explodir, fomentado por aspirações burguesas… De outro, afirmava a prevalência dos sentimentos sobre a racionalidade; e a presença de energias, espontâneas e incontroláveis, na natureza humana, que interferiam no comportamento. Assim, preconizava limites à razão, neste sentido, questionando o racionalismo…
O movimento defendia uma literatura intensa e contundente, através de cenas e textos explosivos: um gesto, um soco; um movimento, um salto; uma reação, fúria desmedida. Além de novas perspectivas para o amor e para a vida, diante de sociedade e costumes rígidos… Onde, não havendo saídas, restavam as reações últimas – impulsivas, violentas e autodestrutivas…
Ao explicitar a violência, “Sturm und Drang” apontava para a relevância dos sentimentos e para readequação dos valores… E o fazia através de uma literatura crua e rebelde, afirmativa de uma sociedade conflituada, mas em transformação; que demandava arte e cultura, mas era colocada no espelho – a nova sociedade burguesa…
Assim, os personagens eram movidos por ambição, vingança, ressentimento e reações extremas, por experiências sufocantes e dolorosas, por solidão e abandono, decepções e medo; sendo levados ao desespero, às explosões de fúria e instintos mórbidos…
Mas, “Sturm und Drang” foi, sobretudo, uma dramaturgia que buscou o sublime; que através da violência e do trágico, exaltou o amor, discutiu o stablishment e propunha reflexão – urgência no reconhecimento dos sentimentos e dos afetos…
“Gottfried von Berlichingen da mão de Ferro”, 1773, de Goethe, foi obra inaugural do movimento. Através de estética transgressora, Goethe rompeu modelo neoclássico e apresentou um teatro livre e espontâneo, não subordinado às “três unidades aristotélicas”– de tempo, lugar e ação, sistematizadas por Nicolas Boileaux. No lugar, elaborou enredo duplo, cerca de 50 cenários móveis e cenas vagamente encadeadas. E incluiu falas de baixo calão, desafiando as normas de decoro…
A designação “Sturm und Drang” foi posterior, de 1776, e originou-se da peça, de mesmo nome, de Friedrich Maximilian von Klinger. Assim, tempestade e ímpeto – conflitos e impulsos – passaram a caracterizar um estilo dramatúrgico… À semelhança de Shakespeare e do teatro grego, Klinger procurava personagens intensos e evitava a rigidez formal do neoclassicismo, a que se opunha, estética e politicamente. Além disso, propôs retorno às raízes, à germanidade– certo nacionalismo incipiente…
Com influências de Herder, Lessing e Hamann, abria-se novo campo literário, centrado no sublime e na subjetividade, na percepção de uma natureza humana inconstante e imprevisível. Também Rousseau, inicialmente, integrante do Iluminismo, incitou o romantismo, ao emitir conceitos como: “o homem nasce bom, mas torna-se mau pela cultura e pela formação”… Assim, “Sturm und Drang” questionaria, na dramaturgia, os costumes e os valores, apelando a uma ética que compatibilizasse sentimentos e prazer…
“Sturm und drang” exerceu intensa influencia no “Romantismo”. Uma estética capaz de estimular a criação de personagens exaltados ou sombrios; onde a razão e os sentimentos subexistiam, turvados ou suplantados pela dor, distorcidos pelo ressentimento e pelo ódio, por sensações amargas e impulsos agressivos, pelas desilusão e descrença no outro e no mundo… Mas, uma literatura pela afirmação dos afetos, do amor e das paixões…
Portanto, temáticas especiais para a concepção e descortino de personagens e dramas intensos, além de grande efeito teatral… Para a ópera e, em especial, para Verdi, uma temática rica e exploratória, pelo realismo e amplitude emotiva!
– “Sturm und Drang” na música
Na música, “Sturm und Drang” tem sido associado, sobretudo, aos tons menores e sombrios, também aos acentos e contrastes rítmicos e melódicos, que possibilitam surpreender e apelar ao dramático – expressando ansiedade, conflito, angústia e desespero…
Assim, no “rococó-classicismo”, do sec. XVIII, algumas obras de Carl Phillip Emmanuel Bach, Haydn e Mozart, tem sido consideradas “Sturm und Drang”. No entanto, neste período, predominava outro estilo – “Empfindsamkeit”, o sentimentalismo ou estilo sensível, sucedâneo da “Affektenlehre” – teoria barroca dos afetos, que buscava variedade de sentimentos e mudanças bruscas de humor, no decorrer de um trecho ou obra musical. Contemporâneo do iluminismo e do racionalismo, o estilo sensível foi explorado por músicos de transição, como C.P.E. Bach; ou inovadores, como Johann Stamitz…
Para tanto, gradualmente, abandonou-se o baixo continuo e centrou-se a base orquestral nas cordas, com maior leveza rítmica e dinâmica – comocrescendos e diminuendos, ausentes no barroco. E também propôs-se o conceito de “paleta orquestral” – variedade de timbres instrumentais associados às mudanças afetivas…
Através da “paleta orquestral”,típica do “rococó-classicismo”, instrumentos não mais executariam de forma permanente e contínua. Mas, apareceriam alternada e ocasionalmente, de acordo com as características melódicas, rítmicas e expressivas… Recursos que ressaltavam a individualidade e beleza dos timbres; do ataque de pequenos grupos ou do tutti orquestral, criando nova variedade de cores e sensações no transcorrer de uma peça. Nascia a orquestra clássica, típica da escola de Mannhein, da ópera neo-clássica e das sinfonias de Haydn e Mozart – base da moderna orquestra sinfônica…
E vários recursos dinâmicos seriam inventados: “foguete de Mannheim”, linha melódica arpejada em rápida ascensão; “suspiro”, enfatizando a primeira, de duas notas descendentes; “gorgeio”, imitação de pássaros; ou “grande pausa”, quando o conjunto instrumental cala, subitamente, para retomar em seguida e com vigor…
Neste período empreendeu-se também reforma da ópera, com influência iluminista e associada aos novos estilos neo-clássico e pré-romântico, inaugurada por “La Serva Padrona”, de Pergolesi, 1750 – inclusão de personagens humanos, no lugar da mitologia. Christoph Willibald Gluck defenderia que música e texto deveriam complementar-se com maior simplicidade na expressão dramática, além de abandonar-se a pompa e complexidade da ópera barroca – “Orfeo e Euridice”, 1762…E, finalmente, Mozart, assimilando inovações de época, criaria síntese notável, tornando-se grande expressão da ópera do sec. XVIII…
Estilo sensível – “Empfindsamkeit”, portanto, antecedeu o exacerbado e eloquente “Sturm und Drang” – mais literário e centrado na individualidade. De outro, “Sturm und Drang”, que durou cerca de 15 anos, refletia também aspirações políticas do final do sec. XVIII. De uma Europa pré-revolucionária, onde regimes vigentes seriam contestados… Assim, uma nova estética, necessariamente, romperia normas e se oporia ao equilíbrio e ao racionalismo vigentes, para expressar, com maior crueza, sentimentos violentos e destrutivos, de certa forma, latentes naquelas sociedades e prestes a explodirem…
Compositor contemporâneo, cujas características, notavelmente, poderiam estar associadas ao “Sturm und Drang”, foiLudwig van Beethoven, pelo experimentalismo, ruptura permanente e amplitude expressiva. Sua música, exuberante em ímpeto e dramaticidade, parece refletir aquele mundo em convulsão, transformações e liberação de energias… E sua música deu lugar também à alegria, ao entusiasmo e à exaltação da liberdade…
Atento ao seu tempo, Beethoven apoiou aqueles ideais revolucionários, democráticos e republicanos, opondo-se ao “Ancien régime”… Além disto, conviveu com Goethe e foi leitor de Schiller: “a dificuldade de musicar-se um grande poema está em elevar-se ao nível do poeta”… “E quem pode fazê-lo no caso de Schiller?”, dizia… Por afinidade ou não, admitia Goethe mais simples… E, de certa forma, justificava-se, pois musicou várias obras de Goethe e poucas de Schiller, mesmo quando o eternizou em “Ode an die Freud!”…
A música de Beethovennão ganhava forma nas primeiras ideias e inspirações. Necessitava renovar-se, permanentemente, buscar identidade poética e individualidade… Assim, cada obra era escrita e reescrita – riscada, suprimida e acrescida de elementos musicais, até adquirir clareza e unidade… Sobretudo, os contrastes temáticos sugeriam turbulência e conflito, bases da dinâmica e do drama beethoveniano: a sonata forma. Junto com a dramaturgia“Sturm und Drang”, Beethoven projetou-se no séc. XIX – referências do romantismo…
Goethe e Schiller
Nascia uma literatura que refletia a sociedade de seu tempo e colocava os jovens em nova perspectiva. Quando aspirações individuais e afetivas se contrapunham à rigidez educacional e costumes estabelecidos, tais como escolhas profissionais e casamentos… Assim, transcorre “Os sofrimentos do jovem Werther”, apaixonado por Charlotte, e esta, destinada a Albert. A obra de Goethe instigou e sensibilizou sua época. Causou imenso impacto, dado o final trágico de Werther, que preferiu a morte, a renunciar os ideais afetivos… E, ironicamente, o romance não deixa claro se havia reciprocidade de Charlotte; ou estrita fantasia, afetiva e pessoal, do jovem Werther…
“Sturm und Drang” apontava para o reconhecimento e legitimação deste universo subjetivo, para a congruência entre sentimentos, concepções de família e amor conjugal; e ocorria, paralelamente, ao novo e incipiente estado representativo e democrático, que trazia nova noção de cidadão e indivíduo… Assim, as paixões e o estar enamorado passariam a integrar os sonhos das novas gerações, por vezes, transformando-se em experiências frustrantes, trágicas e até suicídios…
Friedrich Schiller
Inicialmente, destinado a ser pastor, Schiller optou pela academia militar de Karlshue, onde realizou estudos de direito e, após, concluiu curso de medicina… Neste período, aprofundou leituras, passando por Plutarco, Shakespeare, Goethe, Lessing e Kant,além dos iluministas franceses e Rousseau. Finalmente, identificou-se com Sturm und Drang, movimento literário e teatral alemão…
Sturm und Drang anunciava a decadência do aristocratismo e projetava a ascendente sociedade burguesa – novo foco cultural e político. E, neste contexto, denunciava valores, costumes, hipocrisia e dissolução de relações familiares… Assim, o abastado personagem conde Moor, em “Die Rauber”, sobreviveria para testemunhar os filhos se matarem e a família extinguir-se… Drama que causou profundo impacto na sociedade alemã e motivou reflexão sobre valores e afetos familiares... Tal como em “Luisa Miller”, a obra de Schiller teve música de Verdi – na ópera “I Masnadieri”…
E à semelhança de “Werther”, em “Kabale und Liebe”,Schiller tratou do tema do amor, que, para eternizar-se, também terminaria em tragédia… Assim, Ferdinand, pertencente à aristocracia, diante do pai, reafirmaria seu amor por Luisa– um amor inegociável… E, se o casamento era impossível, restava realizá-lo na morte dos amantes. Ferdinand, em desespero, envenena a jovem, filha de um músico pobre, por quem se apaixonara, e suicida-se…
Uma nova sociedade requeria uma nova arte. Assim, à medida que a burguesia afirmava-se política e economicamente, ganhando protagonismo social; de um lado, passava a demandar arte e cultura; e de outro, costumes e valores vigentes seriam discutidos na literatura e no teatro, além de novas concepções de felicidade e prazer – objetos da filosofia e das artes, ao longo do sec. XIX…
Neste contexto, jovens músicos, como Clara e Robert Schumann, se apaixonaram e fariam valer sua união, desafiando o pai de Clara, inclusive em demandas judiciais, quando obtiveram autorização legal para casarem – o amor romântico...
E, até o trágico final, Robert enviaria cartas à Clara, reafirmando seu amor:“Oh! se eu pudesse te rever, falar-te mais uma vez”. E, chamada às pressas, Clara presenciaria os últimos momentos de consciência de Robert: “Ele sorriu e, com grande esforço, me abraçou. Não trocaria esse abraço por todos os tesouros do mundo”… Depois da morte de Robert, Clara empenhou-se em preservar e divulgar a obra do marido…
– Literatura pré-romântica e 15ª ópera: “Luisa Miller”
Tal literatura e dramaturgia adentraram o sec. XIX, caracterizando o romantismo. A subjetividade, a individualidade e a vida burguesa seriam objeto da música e da ópera. E a temática histórica, da fase inicial de Verdi, associada à política e ao Risorgimento, de um jovem idealista, seria acrescida desta literatura, romântica e pré-romântica, em parte escrita no sec. XVIII e muito relevante no XIX, tratando da vida burguesa, seus costumes e valores…
Assim, dos ambientes e personagens históricos, dos temas épicos e patrióticos, Verdi migrava para o microcosmo da vida familiar, do ambiente da casa, dos afetos e dramas individuais, da vida em sociedade… “Sturm und Drang” oferecia ampla literatura e dramaturgia a respeito. E Verdi leu estes autores, precursores do romantismo, além de Byron, Shakespeare e outros…
Uma extensa literatura e poesia, capaz de inspirar compositores, fosse para os lied e canções, para os oratórios e cantatas, fosse para ópera… E a contundência dos sentimentos e dos conflitos, tributárias de desejos intensos e reações limites, do teatro de Schiller e Shakespeare, seriam abordadas por Verdi – o realismo verdiano!…
Assim, se a decadência e extinção de uma família, frutos da competição e ambição, do ciúme e do ódio exacerbados entre irmãos, seriam retratadas em “I Masnadieri”; em “Luisa Miller” e “La Traviata”, a vida burguesa ganhava os palcos, levando a plateia enxergar a si mesma, através de seus desejos, paixões e frustrações – dos sentimentos, que, por vezes, colidiam com os costumes e valores… E, à medida que Verdi adentrava estas leituras, universo de possibilidades expressivas e teatrais invadia sua imaginação – intenso mergulho no comportamento e nas relações humanas…
Tanto em “Luisa Miller” e, posteriormente, em “La Traviata”, existe um tratamento especial de Verdi, de delicadeza e consternação diante da figura feminina, seja pela juventude e inexperiência de Luisa, frente à sordidez e intransigência social; ou na pureza dos sentimentos de Violetta, diferenciados da vida mundana de cortesã, que resignificavam sua existência… Personagens femininos trágicos, que se revelavam na sinceridade dos afetos, mas sucumbiam resignados ou vítimas das contingências… Alguns autores definem estas óperas, dado o intimismo e singularidade, como “pequenas joias” na dramaturgia verdiana…
A temática de “Luisa Miller” trará novo colorido à obra verdiana, que se repetirá em “Stiffelio” e culminará em “La traviata”… Onde tudo que motiva a existência está encoberto e inacessível à razão, não raro, surpreendendo e desafiando o aparente “bom senso”… Está no interior humano, em processos subjetivos, que sabotam e confundem a consciência e o convívio social… Assim, Rodolfo, sob máxima tensão e frustração, envena Luisa e suicida-se… Uma dramaturgia que apontava para campos misteriosos, tão íntimos que nem a consciência os alcançava…
Quem sabe, aproximando-se das reflexões de Imannuel Kant, ao final do sec. XVIII: “a humanidade marcha sem descanso para questões que não poderão ser resolvidas pelo uso empírico da razão, nem por princípios dela emanados”…
Convencido Verdi da nova temática, de forma rápida e surpreendente, SalvattoreCammarano enviou uma sinopse de “Luisa Miller”, ao contrário da demora e relutância com “L’assedio di Firenzi”. E, nesta época, dois temas fascinavam Verdi, para os quais esboçou planos que nunca concretizou: “L’assedio di Firenzi” e “Rei Lear”…
– Retorno à Itália e estreia de “Luisa Miller”
Verdi morou em Paris por dois anos, 1847 a 1849, onde estreou “Jerusalém”, concluiu “Il Corsaro” e compôs “La Battaglia di Legnano”. E, em 1848, havia adquirido propriedade no vilarejo natal, arredores de Busseto, chamada “Vila Sant’Agata”. Assim, com a nova companheira e futura esposa, Giuseppina Strepponi, planejava retornar e fixar residência na Itália…
Para ambos, era momento delicado na vida pessoal e familiar. Para tanto, Giuseppina precisava resolver assuntos em Firenze e Verdi foi à Roncole fazer preparativos. Antes do relacionamento com Verdi, Giuseppina foi mãe de três crianças e necessitava encaminhar a educação do filho mais velho, Camillo. A vida de Sttrepponi, anterior à união com Verdi, alternou intensa atividade como diva, que brilhou em papéis principais de Rossini, Donizetti, Bellini, Mercadante e outros; entremeada por diversos affairs amorosos, que resultaram em gravidezes… Assim, a educação de Camillo foi entregue ao escultor Lorenzo Bartolini, que aceitou o menino e solidarizou-se com Giuseppina… Ainda hoje, biógrafos são controversos neste período da vida de Giuseppina…
De outro, familiares de Verdi eram pessoas simples, campesinos do interior de Roncole, que na ausência de Verdi cuidavam de “Villa Sant’Agata”. Tanto que o pai, Carlo, frequentemente, mandava notícias: “quase todas as vacas deram cria e à contento… então, organizei os estábulos”... Mas, Giuseppina estava apreensiva, pois seria apresentada à família e aos amigos de Verdi – sobretudo, Antonio Barezzi, protetor e pai da primeira esposa, Margheritta, a quem Verdi, pelo resto da vida, trataria como sogro…
Verdi e Giuseppina chegaram à Busseto em julho/1849 e, inicialmente, moraram no Palazzo Orlandi. Giuseppina sentiu as tradições religiosa e coservadora muito presentes, sobretudo, diante de uma mulher do teatro, que vivia com um homem, não sendo casados… E Verdi, diante da falta de receptividade e preconceitos locais, aparentava indiferença, mas preocupava-se por Giuseppina, que sofria muito, evitava passear pela cidade ou frequentar a Igreja…
Ao instalarem-se no Palazzo Orlandi, Verdi passou à composição de “Luisa Miller” e concluiu as partes vocais. Em outubro, partiu para Nápoles, com Barezzi. E, passando por Roma, depararam-se com epidemia de cólera, permanecendo em quarentena. Após três semanas de coche, chegaram à Nápoles. E Verdi deparou-se com descumprimento financeiro, pelo teatro “San Carlo”, lançando ultimato: dissolução imediata do contrato! Estabeleceu-se uma querela, entre ameaças de prisão e fuga de Verdi, com pedido de asilo à França – através de navios franceses, fundeados em Nápoles…
Finalmente, situação resolveu-se e iniciaram os ensaios… Como de costume, Verdi deixava a orquestração para o final e, dado os entreveros e atrasos, Barezzi retornou à Busseto, sem assistir a estreia. E perdeu outra querela, então, de Verdi com compositores locais – conta-se, um tal Vicenzo Capecelatro, dito de “mau olhado”, desejava derrubar Verdi e teria sido responsável, anteriormente, pelo fracasso de Alzira, sua 8a ópera…. E na estreia de “Luisa Miller”,o cenário do 1° Ato desabou, quase atingindo Verdi. Segundo desconfiança local, pela presença de Capecelatro, nas coxias… Outra suspeita, de Verdi, era que tais sabotagens tinham relação com política e sua adesão ao Risorgimento… Apesar disso, a estreia foi um grande sucesso, em 8/12/1849. Mas, Verdi sentia-se esgotado e deixou Nápoles jurando nunca mais retornar!
Com o sucesso de “Luisa Miller”, Verdi ganhou confiança e sentiu-se capaz de colocar música tanto em temas épicos e patrióticos, quanto urbanos e domésticos… E, no periodo que segue, dois novos convites: uma ópera para Casa Ricordi e outra para o teatro “La Fenice”, de Veneza. De início, Verdi interessou-se pelo tema de Stifellius, tradução italiana do romance “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, que Francesco Piave enviara; de outro, empolgou-se com a leitura de Victor Hugo,“Le Roi s’amuse”, que resultaria em “Rigoletto”… Afora a dramaturgia de Schakespeare, que o encantava e perseguia…
Dois anos se passariam até a mudança para “Villa Sant’Agata”, nos arredores de Busseto, maio/1851, hoje chamada “Villa Verdi”… Os familiares de Verdi deixariam o local e, em oito anos, 1859, Giuseppina e Verdi se casaram e seguiram juntos até a morte da esposa, em 1897 – perda que muito o entristeceu…Giuseppina, desde o início, o apoiou na carreira, cantou nas estreias de Oberto e, depois, Nabucco, além de acompanhar o processo criativo e colaborar de várias maneiras, graças ao senso dramático e musical; e à fluência em inglês e francês…
A ópera se consolidara na Europa, através de prestigiada indústria cultural e imenso público pagante – expetáculo popular e burguês, por excelência… E Verdi tornara-se músico bem sucedido, artística e financeiramente… À época, tal como se diz hoje, desejava-se muita sorte – ou muita “merde!”… Uma alusão à quantidade de carruagens que chegavam aos teatros e, quanto mais cavalos a defecar no entorno, maior sucesso na bilheteria…
Libreto e Sinopse de “Luisa Miller”
Adaptação de “Kabale und Liebe”
Na ópera “Luisa Miller”, Cammarano fixou libreto em três atos, no lugar dos cinco atos da peça de Schiller. E, para maior compreensão do drama, deu títulos: 1º ato –“Amor”; 2º ato – “Intriga” ; 3º ato – “Veneno”. O texto de Schiller contrapõe a expontaneidade e reciprocidade do amor entre dois jovens, Luisa e Rodolfo, aos interesses do pai de Rodolfo, de casá-lo com a duquesa Federica, em busca de conveniências sociais e financeiras, através da união de bens e projeção política – aspirações aristocráticas, onde o pai de Rodolfo caracteriza personagem oportunista e até criminoso, que conquistara títulos de forma suspeita…
Assim, em tom amargo, mas sensível, o idealismo romântico, frente ao oportunismo social, não triunfará. E o amor sucumbirá diante de emaranhado de intrigas e manipulações; restando perpetuar-se na morte dos jovens amantes, dado as naturezas de Rodolfo e Luisa… O drama também contrasta a relação afetiva, amorosa e protetora, entre pai e filha – Miller e Luisa; com a relação contaminada pelo poder e pela fortuna, entre pai e filho – Walter e Rodolfo…
Considerando a censura e situação conturbada, na Itália, Cammarano evitou demasiada ênfase na crítica política e direcionou o drama para a dimensão privada, com certo caráter pastoral… Assim, mudou nomes e transferiu personagens e ação, de uma corte principesca, na Alemanha, no sec. XVIII, para uma recôndita aldeia, no Tirol, no sec. XVII…
“Kabale und Liebe” seria a última peça de Schiller no estilo “Sturm und Drang”… Ambientada no sec. XVIII, os distanciamentos sociais eram imensos e códigos legais diversos para cada classe social – abolidos na Revolução Francesa, quando igualdade jurídica foi avanço notável, mesmo que formal...
Sobretudo, o personagem Luisa, em Schiller, é jovem altiva e determinada, que defende sentimentos como direitos legítimos: “quando a barreira da desigualdade cair, quando esta odiosa diferença de condição se descolar de nós como uma casca, e os homens forem apenas homens”… Enquanto no drama verdiano, adquire caráter sensível e dócil, inclinada à submissão e aos valores de “classe inferior”...
Assim, na ópera de Verdi, pelas circunstâncias sociais e culturais,Luisa é personagem inclinado à renúncia e à resignação, à solidão e ao abandono, remetendo ao patético e ao sentimental; no lugar da altivez e coragem do personagem de Schiller, que remete à resistência e ao heroico. De outro, com certa ironia e alternando caráter e personalidades, Schiller apresenta, na mãe de Luisa,o personagem oportunista que vem “de baixo”, cuja ambição é, de fato, ascender socialmente através da filha…
Finalmente, a duquesa Federica – Lady Milford no texto original – apaixonada por Rodolfo, ao perceber não ter o afeto do rapaz e ser alvo de trama sinistra, torna-se personagem veemente e crucial na crítica política, e percepção da decadência do aristocratismo. No entanto, perde protagonismo na ópera, assim como a mãe de Luiza… Mesmo com o drama de Schiller desvirtuado, o libreto de Cammarano é convincente e a ópera comovente, ao manter o intimismo; a afirmação trágica, mas intransigente do amor; e as hipocrisia e cinismo da sociedade aristocrática e burguesa – captando várias intensões do texto de Schiller…
Para os apreciadores de Verdi, todas as óperas são de profundo interesse, integrando fabulosa trajetória criativa. No entanto, alguns autores destacam Luisa Miller – 15a ópera, entre as quatro grandes óperas que Verdi compôs, até então, junto com Nabucco, Ernani e Macbeth…
Sinopse de “Luisa Miller”
Ação ocorre numa aldeia do Tirol, primeira metade do século XVII.
Personagens:Conde Walter (baixo); Rodolfo, filho de Walter (tenor); Miller, velho soldado (barítono); Luisa, sua filha (soprano); Federica, duquesa, sobrinha de Walter (mezzo); Laura, camponesa, amiga de Luisa (contralto); Wurm, serviçal de Walter (baixo); um camponês (tenor);
Coros:Damas de honra de Federica, pajens, membros da família, arqueiros e aldeões.
A ópera inicia com “Ouverture” (abertura orquestral)
Ato 1 – “Amor”
Cena 1: Numa aldeia do Tirol
Numa aldeia do Tirol, vizinhos comemoram aniversário de Luisa, filha de Miller, um velho e reformado soldado. Em coro, os aldeões fazem uma serenata “Ti desta, Luisa!” (“Desperta, Luisa!”). Luisa vive as primeiras fantasias e está apaixonada por Carlo, um rapaz que conheceu na aldeia. Entretanto, Miller, pai austero e protetor, está incerto diante deste amor misterioso…
Mas, Luisa despertara para o amor e se expressa na ária “Lo vidi e’l primo palpito” (“Eu o vi e primeiro amor palpitou meu coração”), onde fala da afeição e esperança de reencontrar Carlo entre os aldeões… Em seguida, Carlo entra e Luisa mostra seu encantamento. Então, os jovens enamorados cantam o brilhante duetto “T’amo d’amor ch’esprimere” (“Te amo com um amor além do que as palavras possam expressar”)… Cena concluiu-se em concertato…
Os aldeões afastam-se e entra Wurm, um serviçal da corte, também apaixonado por Luisa. Wurm aproxima-se de Miller e reitera sua intenção de casar-se com Luisa. Miller dera certa abertura à aproximação, mas responde não ter intenção de impor casamento contrário aos desejos da filha, na ária “Sacra la scelta è d’un consorte”(“A escolha de um marido é sagrada”)…
Casualmente, Wurm é serviçal do conde Walter, pai de Carlo. E, frustrado com a resposta de Miller, revela ser Carlo um falso nome… O verdadeiro nome do apaixonado de Luisa é Rodolfo, filho de seu patrão. Então, Wurm deixa o local e Miller, surpreso e apreensivo, confirma sua desconfiança, mostrando-se ora desapontado, ora irritado com a situação, na cabaletta “Ah fu giusto il mio sospetto” (“Ah! Minha suspeita estava correta”)…
Cena 2: no castelo do conde Walter
De volta ao castelo, o ressentido Wurm informa conde Walter da afeição de Rodolfo por uma jovem aldeã. Walter chama o filho a sua presença. E, se Miller, pai de Luisa, ficou desapontado com os fatos, muito indignado ficará o conde, expressando toda contrariedade na ária “Il mio sangue la vita darei” (“Daria o sangue da minha vida”). Além de traição, Walter considerava a conduta de Rodolfo um castigo pessoal, fruto de irregularidades cometidas no passado… Luisa era uma aldeã sem perspectivas, filha de um velho e pobre soldado, enquanto Rodolfo pertencia à aristocracia…
E, à chegada de Rodolfo, Walter lhe apresenta um plano. Revela sua intenção de casá-lo com a duquesa Federica von Ostheim – jovem, rica, viúva e influente na corte… E recomenda que Rodolfo aproveite à vinda da duquesa ao castelo, vá ao seu encontro e peça em casamento, no duettino“Taci, È la duchesa! Incontro adessa moviam” (“Quieto, é a duquesa! Ao encontro.”)…
Rodolfo atende determinação do pai e, à chegada de Federica, aproxima-se. Ambos cantam o duetto “Dall’aure raggianti di vano splendor” (“Com aura radiante de vão esplendor”). Com sinceridade e na esperança de compreensão, Rodolfo confessa amar outra mulher. As palavras de Rodolfo surpreendem Federica, que estava apaixonada e aguardava pedido de casamento. A reação foi de dor, ciúme e revolta, sobretudo, ao sentir-se trocada por uma simples aldeã, sem posição, nem fortuna… E ambos, Federica e Rodolfo, revelam os sentimentos e indignação no duetto “Deh! La parola amara perdona al labbro mio” (“Por favor, perdoe meus lábios pelas palavras amargas”)…
Cena 3: arredores da casa de Miller
A cena abre com coro de caçadores “Sciogliete i levrieri!…” (“Dispersem os cães!…”). Luisa está em casa, à espera de Rodolfo. E Miller, que havia ido ao castelo, retorna furioso e com novas informações. Além do verdadeiro nome e posição social, agora sabia, através do intrigante Wurm, do iminente casamento de Rodolfo com a duquesa. Miller revela à Luisa, mostrando quanto estava sendo enganada e por um nobre aventureiro…
Neste ínterim, Rodolfo chega e admite suas insegurança e fraqueza, ao esconder o verdadeiro nome. Mas jura que seu amor é sincero. E adverte, se o conde se opusesse ao casamento, saberia como demovê-lo. Finalmente, ajoelhando-se diante de Miller, pede Luisa em casamento…
Lúgubre sonoridade na orquestra anuncia chegada, inesperada, do conde, que havia saído para caçar… Conde Walter entra ofendendo Luisa. Indignado, diante da humilhação da filha, Miller ameaça vingança. E o conde ordena as prisões do velho soldado e sua filha… Rodolfo intercede, mas o conde está inflexível. Então, Rodolfo ameaça o pai com uma revelação secreta: “de como conquistara o título de nobreza”… Surpreso e temeroso, o conde ordena solturas de Miller e Luisa…
A cena é pontuada por intenso e magnífico quartetto, onde Rodolfo, à chegada do conde, canta “Tu, tu, signor fraqueste soglie! Ache vieni?” (“Tu, senhor, nestas redondezas! A que vens?). Então, conde Walter agride Luisa em “Puro amor… L’amore abbietto di venduta sedutrice” (“Amor puro… Amor abjeto de vendas sedutoras”). Em defesa da filha, Miller responde: “A me portasti grave insulto! Io fui soldato!” e ameaça vingança. Conde manda prender Miller e Luisa. Mas, Rodolfo ameaça:“Trema! Svelato agl’uomini sara dal labro mio come giungeste essere conte Walter!” (“Trema! Pois, aos homens será revelado, dos meus lábios, como você tornou-se Conde Walter!”). Conde Walter liberta Miller e Luisa, e a cena cresce em tensão e comoção, finalizando no grande concertato “Fra mortalli ancora opressa”(“Entre mortais oprimidos…”). E conde Walter saí ao encontro de Rodolfo, que, furtivamente, deixara o local…
Ato 2 – “Intriga”
Cena 1: num quarto na casa de Miller
Na aldeia, Luisa está em casa e sua amiga, Laura, e outros vizinhos trazem más notícias, na cena e coro “Ah! Luisa, Luisa ove sei?” (Ah! Luisa, onde você está?”). Conde Walter decidira ignorar as ameaças de Rodolfo, e seu pai fora preso e arrastado por correntes. Luisa se desespera e decide ir ao castelo, mas chega Wurm, confirmando que Miller fora preso e terá pena de morte, por afrontar o conde…
Ardiloso, Wurm tenta convencer Luisa, no intuito de salvar seu pai, a escrever uma carta endereçada ao próprio Wurm, em “Eppure tu puoi salvarlo” (“No entanto, você pode salvá-lo”)… Onde Luisa confessaria que fora levada pela ambição, ao aceitar as insinuações de Rodolfo, mas que nunca o amara. Além disto, revelaria que seu verdadeiro amor era Wurm, em “Wurm, Io giammai Rodolfo amai…” (“Wurm, eu jamais amei Rodolfo…”) e que, diante do plano fracassado, propunha fuga da aldeia com o próprio Wurm – um conjunto de falsas alegações, que a prenderiam ao lado de Wurm, mas, quem sabe, libertariam seu pai, o velho Miller… Intercalados às falas e proposta de Wurm, ouvem-se curtos lamentos melódicos, em solos da orquestra…
Luisa, inicialmente, resiste à proposta, na grande ária “Tu puniscimi, O Signore” (“Castiga-me, Senhor”). Mas, Wurm insiste, inclusive, ditando as frases, em “Sulcapo del padre, spontaneo lo escrito” (“Pela cabeça de meu pai, espontaneamente escrevo…”). E, finalmente, temendo pela vida do pai, Luisa decide escrever a carta, na cabaletta “A brani, a brani, o pérfido” (“Oh! Desgraçado! Oh! Pérfido”), onde amaldiçoa Wurm, que servia-se da fragilidade e imbroglio, para chantagea-la e obter compromisso matrimonial. Assim, Luisa via-se obrigada a renunciar ao amor por Rodolfo. E, em desespero, canta “Di morte io fero brivido tutta” (“Diante da morte, tremo toda”) e “Speranza nutro ancor” (“Esperança, ainda alimento”)…
Cena 2: numa sala do castelo de Walter
No castelo, conde seguia articulando o futuro de Rodolfo. À chegada de Wurm, este informa que o plano seguia à contento. Luisa escrevera, de próprio punho, a almejada carta, renuciando à Rodolfo e humilhando-se… Conde Walter, no entanto, ainda temia que Rodolfo revelasse seu segredo – que “não foram assaltantes que assassinaram o antigo conde, seu primo, mas ele próprio, em cumplicidade com Wurm”, para pleitear herança, entre títulos e patrimônio… Assim, ambos percebem que deveriam continuar cúmplices, pois ainda corriam risco de desmascaramento, no sórdido duetto “L’alto retaggio non ho bramato” (“A nobre herança de meu primo”) e, depois, em “O meco incolume sarai, lo giuro!” (“Comigo você ficará ileso, eu juro!”)…
Entram a duquesaFederica e, depois, Luisa, acompanhada por Wurm. E, dando sequencia ao plano, Walter revela à duquesa que a relação de Rodolfo com Luisa era um golpe, um jogo de sedução a fim de envolver os sentimentos do filho e obter vantagens. A presença de Luisa, diante de Federica, portanto, era para obrigá-la a jurar que seu verdadeiro amor era Wurm… E, assim, Walter recuperaria a confiança de Federica, que também estava sendo manipulada… Sem alternativas, Luisa confirmou o conteúdo da carta…
A cena desenvolve-se em novo quartetto, com Walter, Federica, Luisa e Wurm, iniciando em recitativo… Conde Walter dirigi-se à Federica, em “di Luisa il cuore mai Rodolfo non ebbe” (“Rodolfo nunca teve o coração de Luisa”), ao que Federica pergunta: “Fia vero? I chi potrebbe attestarlo?” (“É verdade? E quem poderia atestar isso?”), e Walter responde: “Ella stessa” (“Ela própria”)…
Luisa entra e Federica dirige-se: “Luisa m’odi… Non mentir. Ma no l’aspetto tu non hai di mentritice”(“Luísa, me odeia… Mas não minta. Você não parece uma mentirosa”)… Ami tu? (Você ama alguem?), Luisa responde: “Amo”; Federica indaga: “E chi” (“E quem?”), e Luisa responde: “Wurm”… Conflituada e em dor extrema, Luisa renunciava ao amor por Rodolfo, para salvar o pai…
A cena encerra em quartetto à capela, quando Luisa canta “Come celar le smanie del mio geloso amore” (“Como esconder os desejos de meu amor ciumento”) e depois, “Ahimè, l’infranto core piu reggere non puo” (“Infeliz, um coração partido não pode mais aguentar”)…
Cena 3: no castelo, no quarto de Rodolfo
De outro, Wurm seguia outra face do plano. Num quarto no castelo, cena abre com allegro agitato, na orquestra. E, através de um camponês (contadino),Wurm faz chegar carta de Luisa ao conhecimento de Rodolfo, que não acreditou que aquele fosse o caráter de sua amada e que, de fato, ela o tivesse traído, em “Tutto è menzogna, tradimento, ingano…” (“Tudo é mentira, traição, engano…”) e canta a terna ária “Quando le sere, al plácido chiaror d’un ciel stelatto” (“Ao entardecer, no brilho tranquilo do céu estrelado”)… Mas, indignado, ao que parecia sórdida manipulação e calúnia, Rodolfo reage e desafia Wurm para um duelo, em “Ad entrambi è questa ora di morte!” (“Para nós, é a hora da morte!”), do qual o serviçal escapa, desferindo um tiro para o alto, avisando o conde e a criadagem …
Entra Walter, em “Rodolfo! Oh, Dio! Calmati…” (“Rodolfo! Oh, Deus! Acalme-se…”). E, tal como agiu Luisa diante de Wurm, em desespero, Rodolfo cede, em “Ah! Padre mio…”, e implora pela vida de Miller e por toda aquela situação… Conde Walter, maliciosa e hipocritamente, consola o filho, em “Deh! sorgi… m’odi… abbomino il mio rigor crudele” (“Ah! levante… me odeie… abomino meu rigor cruel”), mas aconselha o filho vingar-se daquelas ofensas, casando-se com a duquesa Federica – avançando no ardil do casamento… Sem alternativa, Rodolfo concorda, na dramática cabaletta “L’ara o l’avello apprestami! Al fato, io m’abbandono!” (“Altar ou sepultura preparam para mim! Ao destino, me abandono!”)…
Ato 3 – “Veneno” – num quarto na Casa de Miller
Tema orquestral sombrio da Ouverture reaparece, em contraponto ao solo de Laura, amiga de Luisa, e coro, em “Come un giorno di sole, come ha potuto il duolo stampar su quela fronte cosi funeste impronte” (“Como um dia ensolarado poderia imprimir dor e marcas tão fatais naquela face”)… Na aldeia, camponeses tentam consolar Luisa. E Laura canta “Dolce amica, ristorar non vuoi di qualche cibo le affralite membra…” (“Oh, doce amiga, restaure suas forças com algum alimento…”), “Cedi all’amistà, cedi…” (“Ceda, pelos amigos…”), ao que Luisa responde “La ripugnanza mia rispettate. Lo imploro” (“Respeitem minha repugnância, eu imploro”)…
Ao longe e festivamente, anunciam casamento de Federica e Rodolfo, enquanto camponeses seguem a consolar Luisa. Afinal, Miller fora libertado e regressou. Então, Luisa suplica ao pai que entregue uma carta de despedida à Rodolfo. Em grande duetto com Miller, deprimida e inconsolável, Luisa pensa em suicidio, expressando-se na resignada e delicada ária “La tomba è un letto sparso di fiori” (“O túmulo é uma cama cheia de flores”)…Miller, em desepero, canta em “Figlia! Compreso d’orror, d’orror iosono. Figlia, potresti contro te stessa”(“Filha! Que horror! Você poderia ir contra si mesma…”) eLuisa responde: “È colpa d’amore!”…
Miller suplica à Luisa, em “Di rughe il volto, mira…” (“Olha as rugas em meu rosto…”), que desista de soluções extremas. Tenta convencê-la a deixarem a aldeia e reconstruirem suas vidas noutro lugar, em “La figlia, vedi, pentita” (“A filha, vejo arrependida”)… Cedendo às súplicas de Miller,Luisa responde em “Ah in quest’amplesso l’anima oblia quanti martiri provo finor. Pero fuggiam!” (“Ah, neste abraço a alma esquece os martírios, que ora sinto. Vamos fugir!”). E com alguma esperança, Miller e Luisa cantam “Come s’apressi la nuova aurora, noi parti!”(“Quando romper novo amanhecer, partiremos!”). Miller deixa o recinto, concluindo a cena…
Da Igreja, ouve-se toque solene do órgão. Luisa, sozinha, canta “Ah! l’ultima preghiera in questo caro suolo” (“Ah! última oração neste querido solo”). Prestes a se casar, furtivamente, entra Rodolfo e despeja veneno numa jarra sobre a mesa. E pergunta à Luisa se, de fato, ela escrevera aquela carta: “Hai tu vergato questo foglio?” (“Você escreveu esta carta?”). Luisa confirma. Então, Rodolfo canta “M’arde le vene” (“Minhas veias queimam!”), bebe um copo de água e, em seguida, oferece à Luisa… Segue um apaixonado duetto! E Rodolfo, angustiado, pergunta se ela realmente amava Wurm. Luisabebe da água, mas hesita responder…
Então, Luisa canta “Piangi, piangi il tuo dolore” (“Chora, chora tua dor”)… Para obter resposta, Rodolfo insiste e canta intensamente, em “Allo strazio ch’io soporto, Dio mi lascia!” (“No tormento que sofro, Deus me abandona!”) e revela que, em breve, ambos estarão diante de Deus, em “Con me, bevesti la morte… Al ciel rivolgiti, Luisa…” (“Comigo, bebeste a morte… Para o céu você irá, Luísa…”). E Luisa, sentido-se livre, revela que tudo não passou de chantagem e manipulação de Wurm, para que seu pai fosse libertado, em: “Muoro inocente”…“Avean mi padre i barbari avinto fra ritorte” (“Morro inocente”… “Os bárbaros haviam preso meu pai!”)…
Indignado, Rodolfo abomina sua origem, em “Maledetto, maledetto il di ch’io nacqui, il mio sangue, il mio padre” (“Maldito aquele do qual nasci, meu sangue, meu pai”), e Luisa responde: “Per l’istanti in cui ti piacqui, per la morte che s’appressa” (“Instante em que você mostra afeição, a morte se aproxima…”), desfalecendo sob efeito do veneno… Miller retorna, em “Quai grida intensi? Chi veggo? Oh, cielo!” (“Que gritos intensos? Quem eu vejo? Oh céus!)… Rodolfo assume a culpa em “Chi? L’assassino, misero, vedi del sangue tuo” (“Quem? Assassino miserável, do seu sangue, você vê”) e Luisa interpela “Rodolfo, arresta!” (“Rodolfo, pare!”)… “Gia… mi… ser peggia la morte insen” (“Sim… eu… a morte me espera”) e Miller, transtornado, canta: “La morte! Ah, dite!” (“A morte! Ah, que dizes!”)…
Inicia-se grande tercetto, onde Luisa, Rodolfoe Miller rezam e se despedem. Luisa inicia em “Padre, ricevi l’estremo addio” (“Pai, receba meu último adeus”); Miller responde em “O figlia, o vita del cor paterno” (“Oh, filha, vida do coração paterno”)… E Rodolfo canta “Ambo congiunge, un sol destino” (“Ambos se unem, num único destino”)… Por fim, Luisa chama por Rodolfo em “Ah! viene meco… non lasciarmi” (“Ah! vem comigo… não me deixe”) e morre nos braços do pai…
Com a morte de Luisa, aldeões se aproximam e entram Walter, seguido de Wurm, para levarem Rodolfo ao altar. A duquesa o esperava… Mas, ao encontrar Wurm,Rodolfo toma uma espada e o trespassa. E, ainda desfalecendo, acusa o pai: “La pena tua mira!!” (“Olha o teu castigo!!”).A ópera conclui-se com ambos, Miller e conde Walter, atordoados diante dos cadáveres dos filhos…
– Cai o pano –
A dramaturgia “Sturm und Drang” foi de grande interesse para Verdi. Em “Luisa Miller”, aos 36 anos, realizava primeira incursão, retratando algo do intimismo e da vida burguesa. “Luisa Miller” se tornaria antecessora direta de “La Traviata”... E Verdi ainda abordaria temas de Friedrich Schiller em “Don Carlos”, sua 25a ópera. Uma profícua trajetória, que passaria por “Rigoletto”, “Ballo in Maschera” e “Aída”… E suas óperas patrióticas continuariam encenadas, fomentando os ideais do Resurgimento…
Após estreia, “Luisa Miller” foi apresentada em Roma, 1850, Veneza, Florença e Milão, até 1852. Nos USA, por “Caroline Richings Company”, no “Walnut Street Theatre”, Filadélfia, 1852; no “Teatro Provisório”,Rio de Janeiro, 1853; no Reino Unido, no “Her Majesty’s Theatre”, de Londres, 1858. E retomada em Berlim, 1927; seis apresentações no “Metropolitan Opera”, de Nova York, em 1929/30; no “Maio Musical Fiorentino”,1937; em Roma, 1949; e, novamente, no “Maio Musical Fiorentino”,1966. Finalmente, a partir de 1968, no “Metropolitan Opera”, de Nova York, retornou às temporadas, pelo mundo, sendo apresentada frequentemente…
No Brasil, apresentação de “Luisa Miller” ocorreu no Rio de Janeiro, 1853, quatro anos após sucesso em Nápoles, encenada no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Neste período, foram encenadas também “Macbeth”, 1852, “Attila”, 1853, “Giovana D’Arco”, 1860, e outras, como “Il Trovatore”, 1854, “La Traviata”, 1855, e “Rigoletto”, 1856… Posteriormente, foi demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…
Por fim, ressaltamos que Verdi foi um progressista, no lugar de reformista. Assim, aprimorou as formas da ópera, mas seguindo o tradicional encadeamento de solos, ensembles, coros e concertatos, além dos ballets e trechos orquestrais. Em Luisa Miller, a parte orquestral ganhou maior autonomia, através de contrapontos e solos instrumentais, que enriqueceram a textura musical – Verdi adentrava nova etapa criativa…
Gravações de “Luisa Miller”
Após temporada no “Metropolitan Opera”, de Nova York, 1968, “Luisa Miller” tem sido revisitada com sucesso:
Gravação em áudio da Opera d’Oro, 1951
“Coro e Orquestra da RAI”, direção Mario Rossi Solistas: Lucy Kelston (Luisa) – Giacomo Lauri-Volpi (Rodolfo) – Scipio Colombo (Miller) – Miti Truccato Pace (Federica) – Giacomo Vaghi (Walter) – Duilio Baronti (Wurm)
Gravação em áudio da RCA Victor, 1964
“RCA Italiana Opera and Chorus”, direção Fausto Cleva Solistas: Anna Moffo (Luisa) – Carlo Bergonzi (Rodolfo) – Cornell MacNeil (Miller) – Shirley Verrett (Federica) – Giorgio Tozzi (Walter) – Ezio Flagello (Wurm)
Gravação em áudio, 1975
“Nacional Philharmonic”, direção Peter Maag Solistas: Monserrat Caballe (Luisa) – Luciano Pavarotti (Rodolfo) – Sherrill Milnes (Miller) – Anna Reynolds (Federica) – Bonaldo Giaiotti (Walter) – Richard van Allan (Wurm) “London Opera Chorus”, Londres BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Gravação em áudio, 1976
“Coro e Orquestra do teatro Alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni Solistas: Monserrat Caballe (Luisa) – Luciano Pavarotti (Rodolfo) – Piero Cappuccilli (Miller) – Bruna Baglione (Federica) – Carlo Zardo (Walter) – Carlo Del Bosco (Wurm) “Teatro Alla Scala”, Milão, Itália BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Video em DVD da “Deutsche Grammophon”, 1979
“Metropolitan Opera and Chorus”, direção James Levine Solistas: Renata Scotto (Luisa) – Plácido Domingo (Rodolfo) – Sherrill Milnes (Miller) – Jean Kraft (Federica) – Bonaldo Giaiotti (Walter) – James Morris (Wurm) Nova York, USA.
Gravação em DVD e áudio da “Deutsche Grammophon”, 1979
Gravação VHS da “Polygram” – DVD “Kultur Video”, 1988
“Orquestra e Coro da Opera de Lyon”, direção Maurizio Arena Solistas: June Anderson (Luisa) – Taro Ichihara (Rodolfo) – Edward Toumajian (Miller) – Susanna Anselmi (Federica) – Paul Plishka (Walter) – Romuald Tesarowicz (Wurm) “Coro da Opera de Montpellier” – Lyon, França
Gravação em DVD – 1990
“Orquestra da Opera de Roma”, direção de Roberto Abbado Solistas: Aprile Millo (Luisa) – Alberto Cupido (Rodolfo) – Luciana d’Intino (Federica) Roma, Itália
Gravação em áudio CD da “Sony Classical” – 1991
“Metropolitan Opera and Chorus”, direção James Levine Solistas: Aprile Millo (Luisa) – Placido Domingo (Rodolfo) – Vladimir Chernov (Miller) – Florence Quivar (Federica) – Paul Plishka (Walter) – Jan-Hendrik Rootering (Wurm) Nova York, USA
Gravação em DVD da “Naxos” – 2006
“Orquestra e coro do Teatro La Fenice”, direção Maurizio Benini Solistas: Darina Takova (Luisa) – Giuseppe Sabbatini (Rodolfo) – Damiano Salerno (Miller) – Ursula Ferri (Federica) – Arutjun Kotchinian (Walter) – Alexander Vinogradov (Wurm) Veneza, Itália
Gravação em DVD “C maior” – 2007
“Orquestra e coro do Teatro Regio di Parma”, direção Donato Renzetti Solistas: Fiorenza Cedolins (Luisa) – Marcelo Alvarez (Rodolfo) – Leo Nucci (Miller) – Katarina Nikolic (Federica) – Giorgio Surian (Walter) – Rafal Siwek (Wurm) Parma, Itália
Gravação em DVD – 2008
“Paris National Opera Chorus and Orchestra”, direção Massimo Zanetti Solistas: Ana Maria Martinez (Luisa) – Ramon Vargas Federica (Rodolfo) – Andrzej Dobber (Miller) – Maria Jose Montiel (Federica) – Alexander Vinogradov (Walter) – Kwangchul Youn (Wurm) Paris, França
Gravação em DVD – 2010
“Coro e Orchestra dell’Opera di Zurich”, direção Damiano Michieletto Solistas: Barbara Frittoli (Luisa) – Fabio Armiliato (Rodolfo) – Leo Nucci (Miller) – Liliana Nikiteanu (Federica) – Laszlo Polgar (Walter) – Ruben Drole (Wurm) “Opernhaus di Zurich”, Suiça
Gravação em DVD “Arthaus Musik” – 2012
“Coro e Orquestra da òpera de Malmö”, direção Michael Güttler Solistas: Olesya Golovneva (Luisa) – Luc Robert (Rodolfo) – Vladislav Sulimsky (Miller) – Ivonne Fuchs (Federica) – Taras Shtonda (Walter) – Lars Arvidson (Wurm) Malmö, Suécia
Gravação em áudio CD da “BR Klassik” – 2018
“Münchner Rundfunorchester”, direção Ivan Repusic Solistas: Marina Rebeka (Luisa) – Ivan Magri (Rodolfo) – George Petean (Miller) – Judit Kutasi (Federica) – Marko Mimica (Walter) – Ante Jerkunica (Wurm) “Chor des Bayerischen Rundfunks”, Munique, Alemanha
Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Luisa Miller”, sugerimos video em DVD da “Deutsche Grammophon”, 1979, e do ”Metropolitan Opera and Chorus”, sob direção James Levine e grandes solistas…
– Vozes solistas e direção
Os solistas são de primeira grandeza, de modo que pode-se apreciar e encantar-se com a beleza, interpretação e amplo domínio técnico de Renata Scotto, na ária “Lo vidi e’l primo palpito”, na cabaletta “A brani, a brani, o pérfido”, no quartetto, depois concertato, “Fra mortalli ancora opressa” ou no duetto final “Piangi, piangi il tuo dolore”. As exigências vocais em “Luisa” são imensas…
Na interpretação da “Duquesa Federica”, o mezzo-soprano norte-americano Jean Kraft, muito expressiva no duetto “Dall’aure raggianti di vano splendor” e “Deh! La parola amara perdona al labbro mio”. Jean Kraft integrou “New York City Opera” (NYCO) e “The Santa Fé Opera”. Após, juntou-se ao elenco do “Metropolitan Opera”, Nova York. Sua carreira no palco engloba cerca de 800 performances…
E reunindo talentos de ator e cantor, o grande tenor Plácido Domingo, em “Rodolfo”, destaca-se nas árias e ensembles, como no quartetto e concertato “Fra mortalli ancora opressa”, na ária “Quando le sere al plácido”, ou no duetto final “Piangi, piangi il tuo dolore”. Plácido Domingo notabilizou-se em temporadas na Europa e USA, além de atuar em produções para o cinema, música popular e regência de orquestra…
Verdi privilegiava os barítonos e, em “Luisa Miller”, são três, as vozes médias e graves. No personagem ”Miller – pai de Luisa”, o grande barítono norte-americano Sherril Milnes, brilhante em “Ah! fu giusto il mio sospetto”, onde surpreende com um lá bemol agudo, ao final; ou no duetto “La figlia, vedi, pentita” e no tercetto final “Padre, ricevi l’estremo addio”. Também atuou em produções para o cinema, na ópera “Tosca”, de Puccini… .
No personagem ”conde Walter – pai de Rodolfo”, o baixo italiano Bonaldo Giaiotti, atuante nas grandes casas de ópera do mundo e ao lado de grandes solistas. Nesta gravação brilha em “Il mio sangue la vita darei”, ou nos duettos “L’alto retaggio non ho bramato” e “O meco incolume sarai, lo giuro!”…
E no perverso ”Wurm – auxiliar do conde Walter”, o baixo-barítono norte-americano James Morris, que estudou com o famoso soprano Rosa Ponselle e estreou na “Ópera de Baltimore”. Mais tarde, incorporou-se ao elenco do “Metropolitan Opera”, em Nova York. Além do repertório italiano, destacou-se em papéis de Wagner, como “Wotan”, do ciclo “Anel do Nibelungo”. Nesta gravação brilha nos duettos “L’alto retaggio non ho bramato” e “O meco incolume sarai, lo giuro!”…
E as atuações de James Levine, à frente da “Orquestra Sinfônica de Boston” e, sobretudo, do “Metropolitan Opera House”, de New York, são amplamente reconhecidas. O grande regente faleceu em 2021…
Por fim, aplaudimos a orquestra, os coros e concertatos desta magnífica produção do MET – “Metropolitan Opera House”, de Nova York. “Luisa Miller” retornou aos palcos com grande vigor e receptividade. A obra flui com imensa variedade e riquesa musical, inaugurando aqueles novos caminhos, de intenso lirismo e dramaticidade, que consagraram Verdi!
Em vídeo e audio, sugerimos também:
produção do “Roayal Opera House” – “Covent garden”, Londres, 1979, com Katia Ricciarelli, Placido Domingo, Renato Bruson, direção de Lorin Maazel:
2. produçãoem áudio da “London Opera Chorus and Nacional Philharmonic”, 1975, com Monserrat Caballe, Luciano Pavarotti, Sherrill Milnes, Bonaldo Giaiotti, direção Peter Maag. (Clique aqui)
3. produção da “Paris Opera Chorus and Orchestra”, 2008, com Ana Maria Martinez, Ramon Vargas, Andrzej Dobber e Maria Jose Montiel, direção de Massimo Zanetti.
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“De Nova York, ‘Metropolitan Opera Chorus’ saúda leitores e equipe PQP Bach…”
“Todos somos culpados pelo bem que deixamos de fazer…” (Voltaire)
Este recentíssimo CD traz de volta a Akademie für Alte Musik Berlin (AKAMUS), desta vez em uma ópera de Haydn. Como eu ouço meus CDs caminhando na rua, sem libreto, a impressão que me ficou foi a de “muito recitativo para poucas árias”, mas deve ser uma limitação causada por minhas condições. Bem, a ópera L’isola disabitata, de Joseph Haydn, traz um excelente quarteto de cantores. Oficialmente chamada de azione teatrale, L’isola é uma ópera séria sobre amor, perda e mal-entendidos com um final feliz, ambientada em uma exótica ilha deserta. O especial nesta ópera é que Haydn escolheu escrever acompanhamentos orquestrais para toda a obra, com recitativos fartamente orquestrados. Na partitura impressa de Haydn, muitas das elaboradas seções instrumentais foram deliberadamente cortadas, porque ele temia que exigissem muito dos músicos e que algumas audiências não fossem cultas o suficiente para apreciá-las plenamente. A Akademie für Alte Musik Berlin, liderada por Bernhard Forck, tocam esplendidamente, enquanto Anett Fritsch (Costanza), Sunhae Im (Silvia), Krystian Adam (Gernando) e André Morsch (Enrico) oferecem uma bela e virtuosística entrega vocal. A Akademie für Alte Musik Berlin é um dos melhores conjuntos de instrumentos de época da atualidade, sem dúvida, e este CD é mais uma comprovação do fato.
F. J. Haydn (1732-1809): L’isola disabitata (Bernhard Forck, André Morsch, Anett Fritsch, Sunhae Im, Krystian Adam & Akademie für Alte Musik Berlin)
01. Overture
02. Recitative : Qual contrasto non vince
03. Recitative : Ah germana! Ah Costanza!
04. Aria : Se non piange un’infelice
05. Recitative : Che ostinato dolor!
06. Recitative : Ma sarà poi, Gernando
07. Aria : Chi nel cammin d’onoro
08. Recitative : Che fu mai quel ch’io vidi!
09. Aria : Fra un dolce deliro
10. Recitative : Ah presaga fu l’alma
11. Aria : Non turbar quand’io mi lagno
12. Recitative : Non s’irriti fra’ primi
13. Aria : Come il vapor s’ascende
14. Aria : Ah, che invan per me pietoso
15. Recitative : Giacché da me lontana
16. Arietta & Recitative : Giacché il pietoso amico
17. Recitative : Ignora il caro amico le sue felicità
18. Recitative : Costanza, Costanza?
19. Quartet : Sono contenta appieno
Bernhard Forck
André Morsch
Anett Fritsch
Krystian Adam
Sunhae Im
Akademie für Alte Musik Berlin
NOVOS LINKS, HOSPEDADOS NO ONEDRIVE. E TAMBÉM PARA NOS LEMBRARMOS DO COLEGA AMIRATTORE, QUE PARTIU TÃO PRECOCEMENTE. LEMBRO COMO ELE ESTAVA NERVOSO ENQUANTO PREPARAVA O TEXTO.
Por um incrível capricho do destino, hoje comemoram-se os 136 anos da morte de Richard Wagner. Confesso que só fui me aperceber disso depois da postagem concluída e agendada.
Este projeto de postar as óperas wagnerianas do ciclo do ‘Anel dos Nibelungos’ está sendo feito a quatro mãos: eu, FDPBach, e Ammiratore, uma grata aquisição para o blog, um apaixonado por ópera e dono de um acervo considerável. E digo grata aquisição tanto no sentido de conhecimento e paixão pela música, quanto pela amizade que já desenvolvemos, mesmo estando a 800 quilômetros de distância um do outro e conversando apenas por email e Whattsapp.
Sempre temi postar Wagner, não apenas pela complexidade de botar no ar quatorze CDs, mas também pela paixão que o compositor suscita entre seus admiradores. Eu fazia parte de uma comunidade no antigo Orkut formada por estes wagnerianos. E os caras eram peso pesado, alguns inclusive já tinham ido a Bayreuth algumas vezes para assistir a apresentações destas óperas, e eram profundos conhecedores da obra. Devo muito a alguns destes participantes, aprendi muito com eles, infelizmente com o fim daquela rede social, perdi contato com eles.
A escolha da versão que Herbert von Karajan gravou entre 1967 e 1968 foi mais por uma questão de praticidade de minha parte, pois estes arquivos estavam mais facilmente ao alcance. Na verdade, desde o começo a opção foi por ele. Cogitamos George Solti e Karl Böhm, até mesmo uma ‘obscura’ versão do Giuseppe Sinopoli foi cogitada, gravada ao vivo em Bayreuth, mas no final das contas, o nome do velho Kaiser falou mais alto.
O texto de apresentação é do nosso especialista em Ópera, Ammiratore.
“Adoro Wagner, achei importante antes de comentar as obras da tetralogia citar algumas nuances para compreender a excelência do trabalho do compositor. Então vamos lá: “O Anel do Nibelungo”, drama musical que Richard Wagner (1813 – 1883) escreveu durante 26 anos (1848 a 1874), constitui um ciclo de quatro óperas épicas, com cerca de 15 horas de duração. A primeira apresentação de todo o ciclo aconteceu em Bayreuth em 13 de agosto de 1876. Das Rheingold já havia estreado em Munique em 1869, a contragosto do autor. Wagner criou a história do anel ao fundir elementos de diversas histórias e mitos das mitologias germânica e escandinávia. Em 1851 Wagner escrevia aos amigos: “os meus estudos levaram-me através da Idade-Média até aos antigos Mitos Germânicos fundadores…Aí descobri o Homem Verdadeiro (der wahre Mensch)”. Os Eddas (nome dado a duas coletâneas distintas de textos do séc. XIII, encontradas na Islândia, e que permitiram iniciar o estudo e a compilação das histórias referentes aos deuses e heróis da mitologia nórdica e germânica) forneceram material para Das Rheingold, enquanto Die Walküre é amplamente baseada na Saga dos Volsungos (saga islandesa, escrita por volta de 1300, com base na tradição germânica, os eventos reais que inspiraram a narração fantasiosa da saga ocorreram na Europa Central nos séculos V e VI dC). Siegfried contém elementos dos Eddas, da Saga dos Volsungos e da Saga Thidreks (saga nórdica.) A ópera final, Götterdämmerung, é baseada no poema do século XII Nibelungenlied (poema épico escrito na Idade Média por volta de 1200, baseada em motivos heróicos germânicos pré-cristãos) que foi a inspiração original para o Anel. O ciclo é modelado assim como os dramas do teatro grego em que eram apresentadas três tragédias e uma peça satírica. A história do Anel propriamente dita começa com Die Walküre e termina com Götterdämmerung, de forma que Das Rheingold serve como um prólogo. Ao agregar tais fontes numa história concisa, Wagner também acrescentou diversos conceitos modernos. Um dos principais temas do ciclo é a luta do amor, associada à natureza, e liberdade, contra o poder, que está associada à civilização e à lei.
Para realizar a montagem desta saga épica, seria também necessário inovar, Wagner concebeu um arrojado projeto: a construção de um teatro dotado de características imprescindíveis para a apresentação das suas óperas; o teatro da ópera de Bayreuth, na Alemanha. Favoreceu as circunstâncias e os fatores que facultassem ao público uma completa submersão ao tema do espetáculo. Utilizou efeitos sonoros, escureceu a sala de espetáculo, tornou a orquestra invisível ao espectador e realinhou a plateia para que o espectador melhor se envolvesse na performance. Vale lembrar que até meados do séc. XIX, o comportamento do espectador durante um espetáculo de ópera era completamente distinto do dos dias de hoje: entrava-se e saía-se da sala arbitrariamente para comer, ler jornais ou revistas, conversar, jogar às cartas ou falar de política. Só as famosas árias cantadas por artistas de renome eram escutadas com atenção. Wagner pretendia que a arte passasse por um processo de reeducação do público através dos modelos da Grécia antiga. Isto não seria feito através de uma transposição da tragédia grega para o século XIX, mas sim, através de uma releitura do passado. Consciente desta realidade, inspirado na estrutura da tragédia grega e defendendo valores intrinsecamente românticos, o compositor propunha a junção entre diferentes formas ou linguagens artísticas, pretendendo produzir um espetáculo abrangente, pleno e absoluto. A ópera de Wagner requer uma atitude específica por parte do espectador que terá que mergulhar na obra para que a mágica se complete e tenha efeito. Foram transformações invulgares para a época. Atualmente, porém, são lugar comum nos espetáculos de ópera e de bailado contemporâneos, possibilitando uma unificação entre o público, a orquestra e a cena propriamente dita. O impacto das ideias de Wagner ainda pode ser sentido em muitas manifestações artísticas ao longo de todo o século XX (sobretudo no cinema com “leitmotiv” caracterizando personagens na telona). Vamos tentar deixar a política e as tretas envolvidas de lado e focar na arte; na noite de 13 de agosto de 1876 inaugurava-se em Bayreuth, na Baviera, um teatro sem similar no mundo. Havia, além do imenso auditório, cercado de colunas em estilo grego, um extraordinário conjunto de recursos técnicos que permitiam encenações muito mais ricas e complexas. Para alicerçar a grandiosidade do Anel, Wagner empregou uma orquestra gigantesca. E porque pretendia obter certos efeitos especiais, abriu lugar, na orquestração, a instrumentos que ele próprio inventou: as tubas wagnerianas ou tubas de Bayreuth – como são hoje conhecidos esses produtos híbridos da trompa tradicional e do trombone. Wagner julgava seu timbre ideal para certos momentos bem específicos, como os temas principais do Walhalla e o tema dos Walsungos. Então ali, entre monarcas e demais convidados ilustres, Wilhelm Richard Wagner, realiza o velho sonho: finalmente,
seria levado à cena, por completo, o ciclo de quatro dramas musicais que formava a sua maior obra – O Anel do Nibelungo. A 17 de agosto, encerrava-se com êxito a primeira apresentação integral, sob a regência de Hans Richter; e o espetáculo iria repetir-se por mais duas vezes consecutivas. Diversas são as opiniões sobre a monumental tetralogia, a que gostei mais foi dada pelo compositor e viajante inveterado o francês Saint – Saens: “Mil críticos, escrevendo cada qual mil linhas, durante dez anos, danificaram esta obra tanto quanto a respiração de uma criança poria em risco a estabilidade das pirâmides do Egito”.
Resumo: O ouro do Reno (Das Rheingold) Nas águas serenas do Reno, três moças nadam com movimentos ágeis. As ondinas, filhas do velho rio, parecem apenas divertir-se – seu canto alegre assim faz crer – mas ali estão com tarefa bem precisa: são as guardiãs do ouro oculto e protegido no fundo da corrente. Woglinde, Wellgunde e Flosshilde surpreendem-se com o aparecimento de Alberich, o anão que vive com seus iguais em Nibelheim, lugar de escuras cavernas. Chegam a assustar-se, ao se verem perseguidas pelo anão, cujos olhos as cobiçam e desejam. Mas a apreensão dos primeiros momentos logo acalma e passam a rir-se, entre acenos de estímulo e rápidas esquivas, enquanto Alherich vocifera por não realizar seus intentos. Exasperado, êle as maldiz, e as ondinas tornam a afastar-se por entre as rochas. E quando intensa, fulgurante luminosidade se insinua por entre as águas, fazendo o anão deter-se em tensa expectativa. Que significaria aquele clarão? Respondem-lhe as jovens que é o ouro do Reno a refulgir. “E para que serve esse ouro?” pergunta ainda Alberich. Fica sabendo, então, que o valioso metal é fonte de todo poder: será senhor do mundo quem com ele fundir um anel, adorno que imediatamente concentrará incomensurável força de sortilégio. Há um pormenor, porém: somente será capaz de moldar o anel aquele que renunciar ao amor. E isso tranquiliza as ondinas, que fazem a sedutora revelação sem recear pela segurança do tesouro. Afinal, parece-lhes evidente que Alberich não optaria jamais por aquela hipótese. Enganavam-se: ele, agora, deseja ardentemente o poder sem medida. E, com um grito, expressa a escolha inesperada – “Eu maldigo o amor!” -, enquanto se lança em direção ao ouro, do qual se apossa, para desaparecer em seguida nas profundezas que o levariam de volta a Nibelheim. Em vão as filhas do Reno clamam por socorro. Esvai-se a luz. Desce uma névoa cinzenta, que se transforma depois em nuvens sempre mais claras. Ao dissolver-se, permite ver uma região montanhosa. Ao fundo, domina majestosa construção, de contornos cintilantes, a cujos pés corre o Reno, num vale profundo. Há pouco despertados, Wotan, pai dos deuses, e sua mulher, Fricka, deusa da virtude e da fecundidade, extasiam-se com a visão da morada divina, levantada pelos gigantes Fasolt e Fafner. Dura pouco, no entanto, este despreocupado embevecimento. Fricka lembra a Wotan o preço que devem pagar aos construtores: a virgem Freia. Que farão os deuses quando,sem ela, que é a deusa do amor e da eterna juventude, começarem a envelhecer e se forem aproximando irremediavelmente da hora extrema? Wotan responde-lhe com palavras de otimismo: que não se aflija, pois, na verdade nunca pensou realmente em entregar Fréia e está certo de poder convencer os gigantes a aceitarem outra recompensa qualquer. Para tanto, conta sobretudo com a astuciosa inventividade de Loge, deus do fogo. Mas Fasolt e Fafner já cuidam de apossar-se da virgem. Perseguida por ambos, ela corre espavorida junto: de Wotan. Este tenta ganhar tempo,mas apenas enfurece os gigantes quando diz, a princípio, não se lembrar da promessa, argumentando depois que nela consentira apenas por brincadeira. Providencialmente, aparecem Donner, deus da tempestade e do trovão, e Froh, deus do sol, que arremetem contra os irados gigantes. É o próprio Wotan, todavia, quem se empenha em apartar os contendores, curvando-se, finalmente, à evidência de que, sendo também o deus dos tratados, não lhe resta alternativa senão cumprir o acordo. Eis então que chega o astuto Loge; mas sua presença, para desencanto de Wotan, em nada contribui para tirá-lo da difícil situação. Bem pelo contrário: o deus do fogo admite que os giganta realmente merecem Fréia, tão portentosa é a obra que concluíram. Procurou muito – diz – nada encontrou que, em substituição a virgem, pudesse servir de recompensa à altura do empreendimento. E, aparentando indiferença relata a Wotan o roubo do ouro pelo anão Alberich, agora dotado de infinitos poderes, já que deve ter moldado o anel mágico. Fasolt e Fafner mostram-se interessados, pedem detalhes, principalmente porque sempre temeram os homenzinhos de Nibelheim. Wotan, por sua vez ouve, imerso em sonhos de grandeza inspirados pela possibilidade de ficar de posse do anel fabuloso. Não concorda, por isso, quando os gigantes exigem que o anel lhes seja entregue, para desistirem de Fréia. Além do mais, como pode dispor de algo que não possui? Ante a relutância de Wotan, Fasolt agarra a virgem e declara-se disposto a aguardar somente até a noite por uma decisão. Wotan que escolha:
conseguir o anel e entregá-lo, ou perder para sempre a juventude. Os gigantes se afastam, arrastando Fréia. A medida que se distanciam, os deuses vão-se transfigurando, para ganharem aparencia de velhos cansados. Wotan não pode perder sequer outro minuto: descerá com Loge ao reino de Nibelheim.
Dono do ouro, Alberich é agora senhor de todos os anões que vivem em Nibelheim, servos que devem entregar-lhe os objetos preciosos que fabricam. Nas profundezas da Terra, o reino dos anões vive em terror, sob o jugo daquele que se apossou do ouro do Reno e moldou o anel mágico. É Mime, irmão de Alberich, quem retrata a Wotan e Loge a desdita de seu povo. E mais: usando um elmo (o Tarnhelm), que lhe ordenara fabricar com o mesmo ouro, Alberich ganhou ainda o poder de tornar-se invisível ou transformar-se no que bem entender, para mais facilmente exercer seu domínio. Nesse momento surge Alberich. Pergunta aos deuses o que fazem ali. Tem uma resposta que mexe com sua vaidade: diz Wotan que vieram apreciar de perto as maravilhas que, ouviram falar, vêm-se processando em Nibelheim sob seu comando. O anão desfia seguidas bravatas, escarnece mesmo da condição inferior dos interlocutores ante seus poderes. Loge prossegue no jogo: e como faz Alberich para se precaver contra possíveis tentativas de lhe tomarem o anel, quando está dormindo? O anão explica que, graças ao elmo, pode tornar-se invisível. Por isso, adormece tranquilo. Loge pede-lhe uma prova concreta dessa capacidade. Alberich o atende de imediato, transformando-se em dragão. E seria ele capaz de transmudar-se num ser de tamanho bem pequeno para, se fosse o caso, mais facilmente escapar numa emergência? Ainda uma vez Alberich se deixa ludibriar e comprova a versatilidade do poder mágico: em segundos, é apenas um sapo. Imediatamente, Wotan o prende sob o pé, enquanto Loge lhe arrebata o elmo. Voltando à sua forma natural, Alberich procura resistir, mas é amarrado e levado para a superfície. Ali, os deuses obrigam-no a entregar todo o tesouro, se quiser reaver a liberdade. Sem alternativa, Alberich lhes faz a vontade e, sob ameaças, abre mão também do anel, que Wotan coloca no próprio dedo. Lança, no entanto, tanto, feroz maldição:” Assim como o anel deu a mim poder ilimitado, do mesmo modo vitime pela sua magia aqueles que o possuírem!”
Chegam os gigantes, que renovam a oferta de acordo. Exigem, porém – é Fasolt quem fala -, tanto ouro quanto seja necessário para ocultar de suas vistas toda a formosura da virgem. Os deuses atendem, vendo-se por fim privados do próprio anel e até do elmo, apesar dos protestos de Wotan. Os gigantes libertam Fréia, que, jubilosa, se reúne a seus pares, de novo jovens e imortais. Agora, porém, os dois discutem, Fafner querendo a parte maior do tesouro. Termina por matar Fasolt. Ouvem-se trovoadas ensurdecedoras, relâmpagos cortam o céu. Não demora a surgir esplêndido arco-íris, verdadeira ponte que se estende do altiplano, onde se encontram os deuses, ao rochedo, no qual se ergue o castelo deslumbrante. Guiados por Wotan, todos se dirigem para o Walhalla, magnífica morada.”
Após esta breve descrição da ópera, Ammiratore faz uma análise mais detalhadas dos solistas envolvidos:
Como poderíamos esperar, Karajan interpreta “ O ouro do Reno “ como música de um cosmos lírico, com uma clareza radiante, virtuosidade de som, contrastes altamente eficazes, beleza vocal e instrumental. O que se destaca especialmente é o cuidado que Karajan leva para ser sempre mais atencioso com seus cantores, e isso ele certamente é. Para assegurar a beleza vocal e instrumental da tetralogia é necessário invocar as forças dos deuses da música e Karajan as possui. Karajan sempre em sinergia com a Orquestra Filarmônica de Berlim e seu admirável elenco de cantores. Um ótimo exemplo da unidade orquestral está no início do Preludio, o som que Karajan tira dos contrabaixos é envolvente, imergimos imediatamente na atmosfera do drama musical. Os “efeitos” usados na gravação como o som dos martelos e dos gritos dos Nibelungos estão na medida certa, sem exageros. Fischer-Dieskau, um barítono leve é um Wotan que nos leva a sua origem divina, voz muito bonita e Karajan dá um tratamento em que podemos apreciar plenamente sua performance verdadeiramente distinta. Gerhard Stolze interpreta Loge e da um relato malicioso e astucioso do desprezo pelos outros deuses. Como Martin Cooper diz no livreto desta gravação, Loge é “o único ser claro e racional em todas as personagens do Anel, os outros são os escravos de suas paixões, suas ambições ou emoções”. Stolze usa uma extraordinária variedade de tom de um mero sussurro – às vezes quase inaudível – para a denúncia, e gerencia as frases líricas que lhe são dadas muito bem. Este é um desempenho virtuoso. Zoltan Kelemen é um Alberich que preenche os seus momentos de ódio e indignação muito bem. Erwin Wohlfahrt é um Mime bem cantado. O baixo enorme de Martti Talvela como Fasolt é vocalmente extraordinário e sua abordagem romântica sugere um jovem gigante romântico mais interessado em Freia do que no ouro. Karl Ridderbusch como Fafner, também uma bela voz, demosntra frieza convincente. Entre as cantoras Josephine Veasey se destaca como Fricka e dá outro excelente desempenho nesta gravação.
Em suma, esta série do Anel que postaremos com o Karajan e sua turma é soberbo, interpretação extraordinariamente fiel, nunca excêntrica, nunca intrusiva, lírica, sem nunca tornar-se frouxa ou lenta, dramática sem nunca ser arrogante, uma abordagem sutil, sem ser agressiva – elegante. Gravações esplêndidas.
Dietrich Fischer-Dieskau barítono – Wotan
Zoltán Kelemen baixo – Alberich
Josephine Veasey mezzo – Fricka
Gerhard Stolze tenor – Loge
Erwin Wohlfahrt tenor – Mime
Martti Talvela baixo – Fasolt
Karl Ridderbusch baixo – Fafner
Donald Grobe tenor Froh
Simone Mangelsdorff soprano – Freia
Helen Donath soprano – Woglinde
Edda Moser soprano – Wellgunde
Anna Reynolds mezzo – Flosshilde
Berlin Philharmonic Orchestra / Herbert von Karajan
CD 1
1 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A – Vorspiel
2 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “Weia! Waga! Woge du Welle!”
3 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “He he! Ihr Nicker!”
4 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “Garstig glatter glitschriger Glimmer!”
5 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “Lugt, Schwestern! Die Weckerin lacht in den Grund”
6 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “Nur wer der Minne Macht entsagt”
7 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “Der Welt Erbe gewänn’ ich zu eigen durch dich?”
8 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Erste Szene – “Haltet den Räuber!”
9 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – Einleitung
10 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Wotan! Gemahl! Erwache!”
11 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “So schirme sie jetzt”
12 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Sanft schloss Schlaf dein Aug'”
13 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Was sagst du? Ha, sinnst du Verrat?”
14 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Du da, folge uns!”
15 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Endlich, Loge! Eiltest du so”
16 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Immer ist Undank Loges Lohn!”
17 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Ein Runenzauber zwingt das Gold zum Reif”
18 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Hör’, Wotan, der Harrenden Wort!”
19 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Schwester! Brüder! Rettet! Helft!”
20 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – “Wotan, Gemahl, unsel’ger Mann!”
21 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Zweite Szene – Verwandlungsmusik
22 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Dritte Szene – “Hehe! hehe! hieher! hieher! Tückischer Zwerg!”
23 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Dritte Szene – “Nibelheim hier”
24 Wagner: Das Rheingold, WWV 86A / Dritte Szene – “Nehmt euch in acht! Alberich naht!”
Uma anedota: “Certa feita, os jovens músicos, Muzio e Verdi, notaram um incêndio no centro de Milão e para lá se tocaram. Ao chegarem, perceberam que bombeiros solicitavam voluntários para ajudar no combate ao fogo. Verdi não quis permanecer e pulou um muro, enquanto Muzio acabou convocado para ajudar. Verdi, no entanto, ao transpor o muro, caiu num terreno baixo, dos jardins públicos e ficou a espera que as pessoas se dispersassem, pelo lado de fora, para sair…
No dia seguinte, ambos se encontraram. Muzio, extenuado pela noite passada, ouviu de Verdi alguns gracejos. Mas sabia que a escapada de Verdi não tinha sido das melhores… Os portões dos jardins estavam fechados e Verdi não conseguiu escalar de volta. Aprisionado no local, teve de juntar pedras e outros objetos, por hora e meia, até construir um trampolim que desse acesso ao topo do muro”…
Aspectos iniciais e vida familiar
“Il Corsaro” e “La battaglia de Legnano” encerram o período que Verdi, mais tarde, chamaria de ”os anos nas galés”… Intensa produção relacionada à sua afirmação como compositor e ideais pela unificação italiana e libertação da Lombardia – sob domínio austríaco. Nesta época, os grandes coros, como “Va’ pensiero, sull’ali dorate”, tornavam-se vigorosos apelos libertários e patrióticos…
Em Paris, palco da estreia de “Jerusalém”, 1847, Verdi iniciava, com Giuseppina Strepponi, uma nova relação conjugal, após sete anos de viuvez. Além de tratar dos libretos de duas novas óperas, “Luisa Miller” e “Stiffelio” – uma transição para a linguagem que viria com “Rigoletto”, “Il trovatore” e “La traviata”…
A perda da família no primeiro casamento – dois filhos e depois a esposa – num curto espaço de tempo, entre os 25 e 27 anos, foi muito dolorosa, sobretudo porque a primeira esposa, Margheritta, era filha do dileto amigo e incentivador, Antonio Barezzi, uma figura paternal… Mais tarde, Verdi lembraria: “Um terceiro caixão saía da minha casa. Eu estava sozinho! Sozinho!”…
Mas, passado o tempo, tanto os amigos, quanto seus protetores estranhavam o isolamento e desejavam vê-lo reconstruir a vida pessoal e familiar. Verdi tinha apenas 34 anos e um futuro… Assim, a relação com Giuseppina foi bem vista, um achado e uma inspiração… Giuseppina era uma artista sensível e consciente do talento e da contribuição que Verdi daria à música e ao mundo…
A admiração mútua vinha desde os tempos da estreia, em Milão, de “Oberto, conde di san Bonifácio” – sua primeira ópera. E ela havia cantado o desafiante papel de “Abigaille”, em Nabucco, numa fase em que sua voz, precocemente, declinava. Ao reencontraram-se, Giuseppina era uma artista prestigiada e lecionava canto em Paris, embora não mais atuasse. E Verdi alcançava sucesso internacional, com estreias inéditas em Londres e Paris…
Durante a passagem por Paris, ocorreria a estreia de “Il Corsaro”, em Trieste, Itália, no “Teatro Grande”, 25/10/1848. E o momento político na Europa era explosivo. No alvorecer de 1848, logo após a estreia de “Jerusalém”, iniciava-se um levante na Lombardia, que terminaria nos “Cinco dias de Milão” e no simbólico “22 de março” – episódio heroico na luta pela libertação da Lombardia e da unificação italiana. E outros levantes e revoluções explodiriam na França e na Alemanha…
Insurreições na Europa, 1848 – “A primavera dos povos”
Período conhecido como “Primavera dos povos”, em 1848 eclodiram diversas revoluções e manifestos pela Europa, marcando um conjunto de reivindicações liberais e trabalhistas. Simultaneamente ao “Levante de Milão”, ocorreu a “Revolução de 1848”,em Paris, com a abdicação do rei Luis Felipe, aos brados de “liberté, l’égalité ou la mort”, levando à “segunda república” francesa…
Em Colônia, Alemanha, intelectuais e operários, 3 de março, saíram às ruas em protesto; e em Berlim, uma insurreição, 18 de março – com apoio da burguesia pela unificação dos estados alemães, exigia que Frederico Guilherme adotasse políticas liberais e convocasse uma “Assembleia Nacional“, eleita por sufrágio universal. De outro, enquanto a revolução expandia-se, os conservadores no parlamento – entre príncipes e latifundiários – debatiam a contra revolução…
Em abril, Marx e Engels chegaram à Alemanha e lançam a “Nova Gazeta Renana“, custeada também por industriais liberais – a revista propunha uma aliança entre socialistas e liberais pela democracia… E em 1849, ocorreria o “Levante de Dresden”, liderado pelo anarquista russo Mikhail Bakunin e por Stephan Born, da classe operária, com apoio de Richard Wagner, então militante no “Vaterlandsverein”, que defendia a democracia e uma sociedade aberta a novas formas de arte… A adesão ao levante custou-lhe o cargo vitalício de “Kapellmeister em Dresden”, além de 11 anos de exílio dos estados alemães…
Aos 36 anos, Wagner fugiria pela França, fixando-se na Suiça, com passagem por Veneza. Neste período, avançou na tetralogia “Anel do Nibelungo”, iniciou os “Mestres Cantores” e compôs “Tristão e Isolda”. Por fim, obteve a anistia e, aos 51 anos, uma oferta decisiva: o apoio de Ludwig II, da Baviera…
Era o advento de ideias políticas e filosóficas: Marx e Engels com o “manifesto comunista”, denunciavam o sistema de dominação e exploração do trabalho, em defesa do socialismo e da luta de classes; o anarquismo e o liberalismo pregavam democracia; e os processos de unificação avançavam nos estados europeus…
Na França, após a “Assembleia Constituinte”, de 1848, a maioria moderada elegeu Luís Napoleão, presidente na “Segunda República”, que, durante o mandato, liderou um autogolpe, restaurando o Império e tornando-se Napoleão III, com importante papel na unificação italiana, além do Reino Unido e Prússia…
Na Itália, o processo realizou-se através de uma complexa articulação diplomática conduzida pelo conde Cavour e o rei Vitor Emanuele II, da Sardenha-Piemonte, apoiados por lideranças como Giuseppe Mazzini, do “Jovem Itália”; por republicanos, como Giuseppe Garibaldi e outros… Todos convergindo, por consenso, a uma monarquia parlamentarista e liberal, o que permitia adesão da maioria dos estados italianos…
O “Risorgimento”, 1815 – 1870
Após a derrota de Napoleão, emergiram vários e complexos movimentos contrapondo-se ao “Congresso de Viena”, que manteve o sistema de monarquias na península itálica, sob controle da Áustria. Os ideais nacionalistas, no entanto, mantiveram-se, estimulados pelo progresso econômico; pelo idioma – único e aglutinador; e pelo romantismo italiano, que se identificava com o “Risorgimento letterario” e politizava-se. Assim, temas aparentemente literários ou históricos alertavam para a escravidão e tirania – condições a que se submetiam os italianos…
O movimento originou-se em sociedades secretas e pensamentos diversos, entre liberais e socialistas, monarquistas e republicanos, depois intensificados pelo “Jovem Itália” de Giuseppe Mazzini, que defendia a mobilização popular como essencial para a integração e a unificação. A denominação veio do jornal “Il Risorgimento”, 1847, do conde Cavour, que estimulou o rei Carlos Alberto, da Sardenha-Piemonte, a aderir à causa da unificação, depois sucedido pelo filho, Vitor Emanuele II…
Verdi era liberal e anticlerical. Participou da mobilização, que durou cerca de 22 anos, desde o “Levante de Milão”, 1848; à declaração do “reino da Itália”, 1861; até a unificação, 1870, tornando Roma, a capital. A questão do estado do “Vaticano” ainda adentraria no sec. XX, finalizando o processo… Sua música identificou-se com aqueles ideais políticos e anseios populares, permitiu cantar-se a liberdade e semear a autodeterminação, tornando-se símbolo do “Risorgimento”. E, em 1874, seria nomeado senador por Vitor Emanuele II – entãomonarca da Itália unificada…
13ª Ópera – “Il Corsaro”, 1848
Verdi desejava estrear “Il Corsaro” em Londres, mas foi convencido a não fazê-lo, por tratar-se de literatura inglesa e do famoso poema de lord Byron, que tanto apreciava, mas que seria, fatalmente, avaliado pelo público e pela crítica inglesa – Byron era um autor extremamente polêmico… No lugar, decidiu por “Il Masnadieri”, para Londres, e “Il Corsaro”, para Trieste. De suas 28 óperas, “Il Corsaro” revelou-se entre as menos encenadas, embora trechos sejam executados frequentemente…
Destinada à Trieste, o contrato vinha de Francesco Lucca, segundo Verdi, “um cavalheiro extremamente odioso e indelicado”, do qual desejava livrar-se. E Verdi trabalhou apressadamente, inclusive sem polemizar o libreto – como era seu costume – com Francesco Piave… E não compareceu à estreia, abdicando de ajustar a música durante os ensaios – outro costume… O trabalho foi concluído em fevereiro, 1848, cedendo todos os direitos de publicação e representação – como, de fato, a livrar-se de Lucca…
Finalmente, enviou a partitura à Emanuele Muzio, seu amigo e assistente, que regeria a estreia. No entanto, Muzio não pode fazê-lo, pois havia fugido para Suiça durante o “Levante de Milão” – situação extremamente instável no norte da Itália… Muzio e Verdi ficariam alguns anos sem reencontrar-se… A ópera, por fim, estreou dirigida por Luigi Ricci e com o soprano Marianna Barbieri-Nini, que havia cantado “Lady Macbeth”, a qual Verdi assessorou, por correspondência… Na terceira récita, no entanto, a ópera foi retirada e, aparentemente, Verdi não se importou…
Neste ano, 1848, exceto em breve período, na primavera, em que Giuseppina esteve em Florença e depois encontraria Verdi em “villaLe Roncole” – cidade natal do músico, o casal manteve-se em Paris. Eventos revolucionários ocorriam, simultaneamente, na Itália, Alemanha e França e, possivelmente, Giuseppina preferia que permanecessem em Paris, na residência em Passy…
E Verdi acompanhava os acontecimentos na França, onde Luis Felipe abdicou para evitar agravamento da violência e iniciar negociações para instaurar a “Segunda República”. Para Verdi, politicamente nada acontecia, a não ser o grande funeral dos que tombaram, junto ao monumento à “Bastille”, que acompanhou pessoalmente… Mas lhe interessava a “Assembleia Constituinte”, que legitimaria a “Segunda República”, com eleição de Luís Napoleão… Para a Itália, só iria se acontecimentos o demandassem…
E quando recebeu notícias do “Levante de Milão”, para lá se dirigiu. Os “Cinco dias de Milão”, embora não sendo vitória duradoura, marcariam o início da expulsão dos austríacos e da unificação italiana – um longo e complexo processo… E Verdi escreveria à Piave, então em Veneza: …“Honra à toda a Itália que, neste momento, está sendo grande! Fique certo que a hora da libertação chegou!… É o povo que o exige e não há poder absoluto que possa resistir à vontade popular”…
E, de fato, o “Risorgimento” só ganhou força quando foi às ruas e mobilizou a gente italiana pela ideia de nação – “um idioma, um povo e um território”, conforme defendia o movimento “Jovem Itália”, de Giuseppe Mazzini… Além da hábil condução diplomática, militar e política de Cavour e Vitor Emanuele, unindo os italianos sob o slogan: “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuele, Re D’Italia”!…
Com entusiasmo, Verdi admitiu: …neste momento “não escreveria uma nota musical, nem por todo o ouro do mundo… Sentiria imensa culpa em usar para a música, o papel que serve para fazer cartuchos. Bravo, Piave! Bravo, a todos os venezianos! Abaixo os pensamentos paroquiais, vamos estender uma mão fraterna e a Itália se tornará a melhor nação do mundo”… Assim, eclodia a primeira guerra de independência italiana…
No entanto, Verdi faria novo esforço criativo em mais um tema patriótico, na ópera “La Battaglia di Legnano”, por sugestão do libretista Salvatori Camaranno e apelo do poeta Giuseppe Giusti:“o acorde de tristeza sempre encontra eco em nosso peito… e assume diferentes aspectos, dependendo da época, da natureza e do lugar… neste momento, a tristeza que toma conta de nós, italianos, é de uma raça que sente necessidade de um destino melhor”…
Assim, ao contrário de óperas anteriores, “Il Corsaro” desconectou-se do que acontecia na Itália e na Europa. Sua motivação e primeiros esboços precediam “Macbeth”. Portanto, antes mesmo de “I Masnadieri” e da revisão que resultou em “Jerusalém”. De outro, musicólogos percebem inovações na concepção das árias, que apontam de forma incipiente, para uma transição e novos contornos melódicos, cujos sinais apareceriam mais claramente em “Luisa Miller” e “Stiffelio”. Onde a subjetividade ganharia relevância sobre os temas e contextos históricos, aliando lirismo e renovação temática…
O libreto de “Il Corsaro” foi elaborado por Francesco Maria Piave, que havia trabalhado com Verdi em “Ernani”, “I due Foscari” e “Macbeth”. E o poema épico de lord Byron enfocava “maisos humores dos personagens, do que os eventos que os provocavam”, aliado a um conteúdo histórico pouco representativo em simbolismo político. Assim, a ópera resultou num drama de ação e romance, cujo libreto manteve a forma de narrativa, quem sabe, reduzindo a tensão dramática, mas enfatizando a psicologia dos personagens – os acontecimentos são interiores, subjetivos… O amor entre Medora e Corrado, o desejo de liberdade da escrava Gulnara e o amor de Seid. Algo novo e promissor na dramaturgia verdiana!…
Entusiasta do poema de Byron, Verdi planejou a ópera com grande interesse e, mesmo em meio aos contratempos e problemas de saúde, demonstrava à Piave o desejo de concluí-la… Mas, se boa parte da música estava pronta, com o tempo, Verdi mudou. E, tendo direcionado sua energia a outros trabalhos, argumentou a Lumley, empresário britânico, que “Il Corsaro” era inadequada para Londres, por ser “enfadonha e teatralmente ineficaz”…
Por fim, a ópera foi mal recebida, deixando o sentimento de que “Trieste merecia uma ópera melhor”, apesar da qualidade do elenco… Sobretudo, se comparada às anteriores, “Macbeth”, “I Masnadieri” e “Jerusalém”, pareceu, à época, um trabalho menor… Mas o estilo e domínio do gênero estão presentes, com momentos de grande beleza e expressão – a assinatura lírica e orquestral de Verdi! Atualmente, todas as óperas de Verdi, com maior ou menor frequência, são encenadas…
2. Sinopse de “Il Corsaro”
Personagens:Corrado, chefe dos corsários (tenor); Medora, amante de Corrado (soprano); Seid, Pasha de Corona (barítono); Gulnara, favorita de Seid (soprano);Giovanni, um pirata (baixo); Selimo, guerreiro de Seid (tenor); um eunoco (tenor); um escravo (tenor)
Coros:Corsários, mulheres, soldados, líderes e povo muçulmano.
Ato 1 – Numa ilha grega do mar Egeu, início dos anos 1800
A ópera inicia com breve e agitado “Prelúdio” orquestral.
Cena 1: O navio de Corrado
Numa ilha montanhosa, abrigo de corsários, um coro masculino anuncia a presença do chefe Corrado, que se encontra refugiado. Nostálgico, Corrado recorda sua infância e reflete sobre a existência, na ária “Tutto parea sorridere” (“Tudo parecia sorrir”). Mas, ao ter notícia de ações hostis do Pasha turco, Seid, decide reunir os comparsas e agir, atacando as forças turcas, na cabaletta “Sì, de Corsari il fulmine”.
Cena 2: casa de Medora
Medora, sozinha e ansiosa, aguarda o retorno de Corrado, seu amante, pois pressente acontecimentos terríveis, na bela e vagamente sinistra romanza “Non so le tetre immagini” (“Maus pressentimentos não consigo afastar de meus pensamentos”). Com a chegada de Corrado, Medora tenta dissuadi-lo de partir, mas o corsário está decidido a enfrentar Pasha Seid, no belo duetto“No, tu non sai”, onde exaltam o amor e certa desconfiança no futuro…
Ato 2 – No porto de Corone, Turquia
Cena 1: No harém do Pasha Seid
No harém, cercada de cuidados, encontra-se Gulnara, a favorita do Pasha Seid. Gulnara, no entanto, sente-se triste e frustrada – é uma escrava, apesar das regalias e atenções do Pasha... Solitária, almeja a liberdade e um amor verdadeiro, na cavatina“Vola talor dal cárcere” (“Às vezes meu pensamento voa livre de sua prisão”)…
Obrigada a compartilhar a vida social, Gulnara é convidada pelo Pasha Seid para uma festa, onde celebrarão, antecipadamente, a vitória sobre os corsários – um confronto naval. Imersa em angústias, Gulnara volta-se para si mesma, novamente a sonhar com a liberdade, na cabaletta“Ah conforto è sol la speme” (“As almas perdidas encontram conforto na esperança”). Ao que as mulheres do harém respondem “ser ela, Gulnara,a esperança de todas”…
Cena 2: No banquete
No banquete, Pasha Seid e seus liderados evocam a proteção de “Allah”, para fortalecerem sua confiança e crença na vitória, na grande cena com solista e coro “Salve, Allah! tutta quanta”(“Salve Allah! Toda a terra ressoa com seu nome poderoso”). Em meio à comemoração, aproxima-se um servo e indaga ao Pasha se um “dervixe” – espécie de monge mendicante islâmico – pode adentrar a reunião. Pasha Seid permite e ambos cantam o duettino“Di que ribaldi tremano”… Mas, de imediato, todos percebem grandes chamas na orla marítima, no concertato“Ma qual luce diffondeci” – a frota do Pasha fora incendiada!…
Neste ínterim, o “dervixe” revela-se: não passava de Corrado disfarçado… E, de pronto, os corsários invadem o local, antes mesmo da mobilização das forças do Pasha. Uma batalha é travada. Inicialmente, Corrado e seus comparsas levam vantagem, mas vendo que o “harém” pegava fogo, Corrado decide salvar Gulnara e as outras mulheres, permitindo que os soldados do Pasha reorganizem-se… Ao agir pela segurança e proteção das mulheres, Corrado comete um erro estratégico, ficando em desvantagem no intenso combate…
Corrado é preso e Seid o desafia, no concertato, com solistas e coro,“Audace cotanto, mostrarti pur sai?” onde reconhece a coragem e ousadia de Corrado, mas que o destino lhe foi generoso, permitindo vencer, aprisionar o líder e os demais corsários – foram dominados e serão condenados à terrível morte, mesmo aos inúteis apelos de Gulnara e do “harém”, implorando por suas vidas…
Ato 3
Cena 1: Nos aposentos de Seid
Mesmo regozijando sua vitória, Seid desconfia dos sentimentos de Gulnara, na ária “Cento leggiadre vergini”, onde exclama que cem virgens poderiam amá-lo, mas “seu coração batia apenas por Gulnara”…Seid receava que o arrojo de Corrado tivesse despertado o amor de Gulnara, que sonhava uma nova vida…
Enraivecido, enquanto aguarda a chegada de Gulnara, o Pasha planeja sua vingança, na cabaleta “S’avvicina il tuo momento”(“Seu momento se aproxima, sinto terrível sede de vingança”).Gulnara adentra e Pasha Seid, enciumado, questiona-lhe os sentimentos… Impulsiva, Gulnara declara que ama Corrado, confirmando as desconfianças de Seid, que lhe faz ameaças. Mas, Gulnara mostra-se resistente e decidida a enfrentar “o destino e as tempestades que virão”, no duetto “Sia l’istante maledetto”… E o Pasha a expulsa do recinto…
Cena 2: Na prisão
Corrado está preso e aceita resignado sua condenação, na pungente ária “Eccomi prigionero!” (“Aqui estou, um prisioneiro”).Gulnara surge, após subornar um carcereiro, com intuito de retribuir a bondade e coragem de Corrado. E entrega-lhe uma faca, para proteger-se e usá-la contra Seid. Mas Corrado recusa o plano de Gulnara, alegando que existem princípios e honra entre combatentes, mesmo entre corsários…
De outro, Corrado percebe os sentimentos de Gulnara, quem sabe, a projetar nele suas esperanças de liberdade. E revela seu amor por Medora, no duetto “Al mio stanco cadavere”…Gulnara, frustrada, afasta-se dali e decide, ela própria, matar o Pasha…
Ouve-se um breve interlúdio com a música tempestuosa do prelúdio da ópera, que ambienta e sugere um assassinato… Gulnara mata Seid e confessa a autoria, no solo “Già l’opra è finita”. Com Seid morto, Gulnara e Corrado conseguem fugir da cidade de “Corone”…
Cena 3: Na ilha grega do mar Egeu
Na ilha dos corsários, desiludida e fragilizada, Medora ingere um veneno, ao imaginar que nunca mais encontraria Corrado. Mas, um veleiro aponta no horizonte trazendo Corrado e Gulnara, que fugiam de “Corone”…Medora e Corrado reencontram-se num intenso e afetuoso abraço… E ouve-se o magnífico terceto final “Voi tacete io non oso interrogarvi”, onde os personagens cantam seus sentimentos. Corrado relata como libertaram-se dos turcos, no solo “Per me infelice vedi costei”(“Infeliz por mim, você vê essa mulher… ela arriscou a vida, para salvar a minha”), ao que Gulnara responde em “Grazie non curo”…
Em meio à imensa alegria e amoroso reencontro, Corrado percebe que Medora desvanece e está morrendo. Corrado cai em lágrimas e desespero… Medora lamenta em “O mio Corrado”… E as poucas alegrias, reminiscências da infância – evocadas na sua ária inicial, que lhe consolavam na solidão, desaparecem… Um sentimento amargo e profundamente triste o invade. A morte de Medora tirava o significado de sua própria existência… Resoluto e incontrolável, mesmo com seus companheiros tentando contê-lo, Corrado abandona a si mesmo e salta de um penhasco para morrer…
– Cai o pano –
Densidade, extensão e variedade marcam a obra de Verdi. Uma energia criativa que o alimentou em diversas etapas e até o final da vida, revelada em “La traviata”,“Aída”, no apocalíptico “Réquiem” ou nas derradeiras “Otello” e “Falsttaf” – “musicando a liberdade e a autodeterminação, o amor e o trágico, o espirituoso e o escárnio, a ambição e a vendeta, os acertos e desacertos humanos”…
Sempre a surpreender seus contemporâneos, quando o consideravam obsoleto e acabado, Verdi tornou-se o autor de óperas mais executado no mundo. Inclusive na Alemanha, de Beethoven e Wagner, suas récitas perdem apenas para uma única ópera: “A flauta Mágica”, de Mozart…
Após a estreia, “Il Corsaro” foi encenada em Milão e Turim, 1852, e em Modena, Novara, Veneza e Vercelli, 1853, sendo esquecida por mais de um século. Retornou às temporadas em 1963, em Veneza, e em 1966, fora da Itália, período em que teatros europeus resgataram inúmeras obras abandonadas pelo público…
Escrita na forma tradicional de números – solos, ensembles, coros e concertatos, além de prelúdios e intermezzos orquestrais,“Il Corsaro” inclui, de forma sucinta, apenas hora e meia de música, também “leitmotivs” – reminiscências temáticas no decorrer da ópera – que intensificam a expressão e dramaticidade…
3. Gravações de “Il Corsaro”
Após resgate no teatro “La Fenice”, “Il Corsaro” tem sido revisitada com sucesso:
3.1 Videos e Gravações
Gravação em áudio, 1971
“Orquesta y Coros del Teatro La Fenice di Venezia”, direção de Jesús López Cobos Solistas: Giorgio Casellato Lamberti (Corrado) – Katia Ricciarelli (Medora) – Angeles Gulin (Gulnara) – Renato Bruson (Seid) “Coros del Teatro La Fenice di Venezia”, Frankfurt, Alemanha
Gravação em áudio da Phillips, 1975 – relançado pela Decca, 2013
“New Philarmonia Orchestra”, direção de Lamberto Gardelli Solistas: Jose Carreras (Corrado) – Jessye Norman (Medora) – Montserrat Caballe (Gulnara) – Gian-Piero Mastromei (Seid) “Coro Ambrosian Singers”, Londres, Inglaterra
Video, 1996
“Orquestra do Teatro Regio di Torino”, direção Mauro Avogadro Solistas: José Cura (Corrado) – Barbara Frittoli (Medora) – Maria Dragoni (Gulnara) – Roberto Frontali (Seid, il Pascià) Coro do “Teatro Regio di Torino”, Itália
Video – 2004
“Orquestra do Teatro di Parma”, direção de Renato Palumbo Solistas: Zvetan Michailov (Corrado) – Michela Sburlati (Medora) – Adriana Damato (Gulnara) – Renato Bruson (Seid) “Coro do Teatro Regio”, Parma, Itália
Gravação de áudio – 2005
“Orquestra do Teatro Carlo Felice”, direção de Bruno Bartoletti Solistas: Giuseppe Gipali (Corrado) – Serena Farnocchia (Medora) – Doina Dimitriu (Gulnara) – Roberto Servile (Seid) “Coro do Teatro Carlo Felice”, Gênova, Itália
Video – 2008
“Orquestra do Teatro Regio di Parma”, direção de Carlo Montanaro Solistas: Bruno Ribeiro (Corrado) – Irina Lungu (Medora) – Silvia Dalla Benetta (Gulnara) – Luca Salsi (Seid) “Coro do Teatro Regio”, Parma, Itália
3.2 Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Il Corsaro”, sugerimos a gravação em áudio da Phillips, 1975, relançada pela decca, 2013, com a “New Philarmonia Orchestra” e coro “Ambrosian singers”, direção de Lamberto Gardelli e grandes solistas:
Vozes solistas e direção
Neste trabalho, os solistas são celebridades, de modo que o ouvinte poderá apreciar a beleza e versatilidade de Jessye Norman, em “Medora”, na romanza “Non so le tetre immagini” e no duetto “No, tu non sai”…
Comover-se e encantar-se com a cor, domínio técnico e incríveis pianíssimos de Montserrat Caballe, soprano catalã, como “Gulnara”, em “Vola talor dal cárcere”, no duetto “Sia l’istante maledetto”, ou no terceto final, “Voi tacete io non oso interrogarvi”…
Ou o notável “Corrado”, do tenor catalão Jose Carreras, no auge da carreira, na cabaletta “Sì, de Corsari il fulmine” e em “Eccomi prigionero!”…
E no personagem do ”Pasha Seid”, o grande barítono italiano Gianpiero Mastromei, interpretando “Cento leggiadre vergini” e a cabaletta “S’avvicina il tuo momento”. Mastromei formou-se na “Escola de arte Lírica” do “Teatro Colón”, Buenos Aires. Cidade que o acolheu e manteve contato ao longo da carreira…
Além do trabalho de Lamberto Gardelli, sensível e credenciado regente à frente da “New Philarmonia Orchestra” e dos “Ambrosiam Singers”…
Por fim, cumprimentamos e aplaudimos a orquestra, os grandes coros e concertatos. Ressaltamos que “Il Corsaro”, embora pouco encenada, trata-se de grande música, que vale a pena ouvir e conhecer… Não por acaso, tem retornado às temporadas e com impecáveis elencos!
Gravação em áudio: “Orquestra y Coros del Teatro La Fenice di Venezia”,1971, com as brilhantes atuações de Katia Ricciarelli, Angeles Gulin e Renato Bruson, direção de Jesús López Cobos:
2. Video: “Orquestra do Teatro Regio di Torino”, 1996, com belas atuações de Barbara Frittoli, Maria Dragoni, José Cura e Roberto Frontali, direção de Mauro Avogadro:
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“Va’ pensiero, sull’ali dorate” pelo “Grande Coro PQP Bach”…
“Música é a arte mais perfeita: nunca revela o seu segredo” (Oscar Wilde)
Maior compositor italiano de seu tempo, Verdi seguiu tradição de quase três séculos — desde Monteverdi e Vivaldi, até Rossini e Donizetti. E aos 34 anos, projetava-se na Europa, recebendo convites para novas óperas. “I Masnadieri”, primeiro contrato internacional, veio de Londres e estreou no “Her Majesty’s Theater”, onde o músico foi aclamado pelo público e recebido com honras…
Verdi encantou-se com Londres, a pujança econômica, as docas e os arredores, os campos e o povo, apesar do clima… Mas, se a fumaça e o “fog” londrinos o afetavam, impressionavam-lhe a limpeza das casas e educação das pessoas…
De Paris, o convite veio da “Académie Royale” ou “Opéra de Paris”, que ocupou a “Salle Peletier” até o incêndio de 1873, que a destruiu – o atual “Opéra” ou “Opéra Garnier” sucedeu aquele espaço, sendo inaugurado em 1875. À época, o diretor Leon Pillet propôs uma nova ópera à Verdi, que já havia encenado “Nabucco” e “Ernani” no “Théâtre-Italien”…
Porém, no lugar de trabalho inédito, Verdi propôs revisão de “I Lombardi alla prima Crociata”– sua 4ª ópera, que não havia estreado em Paris e entender o texto mais apropriado à tradução francesa… A que denominou “Jerusalém”, atualmente sua 12ª ópera…
Aconselhado pelo escritor Eugène Scribe, Verdi concordou que o libreto francês ficasse com Alphonse Royer e Gustave Vaez, que haviam trabalhado com Donizetti… Em Paris, a tradição italiana vinha do século XVII. E na Itália, os experimentos em Florença, no final do séc. XVI, do teatro “Comunale” e “Camerata di Bardi”, deram origem ao “melodrama” e depois à “ópera”. Assim, desde a “Dafne”, de Peri, 1597, primeiro drama musicado; até o magnífico “Orfeu”, de Monteverdi, o gênero firmava-se como típica invenção italiana, ganhando a Europa e o mundo.
– “Théâtre-Italien” em Paris
Assim, as primeiras óperas apresentadas na França foram italianas. E por Iniciativa da regente Anne d’Autriche e do primeiro ministro, cardeal Mazarin, organizou-se o “Théâtre-Italien” em Paris, sec. XVII. Tratava-se, portanto, de uma companhia que, ao longo do tempo, ocuparia diversos espaços na capital francesa. São exemplos, “La finta pazza”, de Sacrati, encenada na “Salle du Petit-Bourbon”,1645; ou“Egisto”,de Cavalli, e “Orfeo”,de Rossi, ambas no “Palais-Royal”, 1646-47…
Estética e tradição francesa iniciariam a partir de 1669, pelo trabalho do poeta Pierre Perrin, quando fundou a “Académie d’Opéra”, no reinado de Louis XIV… Na “Salle du Jeu de Paume de La Boutelle” foi apresentada a primeira ópera francesa – “Pomone”, de Cambert, com grande sucesso. Desde o início, o modelo implicava na associação do canto à dança e, sendo uma concessão de estado, dependia da cobrança de ingressos. Em 1672, perseguido por credores, Perrin vendeu os direitos à Jean-Baptiste Lully, italiano naturalizado francês, que tornou-se detentor do projeto na França, encenando sua “opéra-ballet” e depois a “tragédie lyrique”…
Assim, a presença de estilos diversos estimulou rivalidades. E, no séc. XVIII, “La Serva Padrona”, de Pergolesi, 1752, surpreenderia o público francês. A apresentação ocorreu na “Académie Royale”, sede da ópera francesa, o que desencadeou, além de ressentimentos, uma revolução estética – o despojamento e personagens humanos, no lugar da complexidade dos temas mitológicos, marcariam a transição do barroco para o classicismo. E Paris sediaria a famosa “Querelle des Bouffons”, um aguerrido debate entre os partidários de Rameau – da “tragédie lyrique”francesa; e os de Rousseau – da leveza italiana…
E a vitalidade do “Théâtre-Italien” adentraria o sec. XIX, então denominado “Opéra Buffa” ou “Buffons”, sob liderança da atriz Mademoiselle Montansier. A companhia instalou-se na “Salle Favart” – atual “l’Opéra-Comique”, entre 1802-04; ocupou a “Salle Louvois” até 1808; e, finalmente, o “Théâtre de l’Odéon” até 1815. Óperas de Cimarosa e Paisiello, além de Mozart em italiano, com “Mariage de Figaro”, “Cosi fan Tutte” e “Don Giovanni”, foram encenadas nestas salas…
Em Paris, Rossini estreou com “L’Italiana em Algeri”, 1817, na “Salle Favart”, seguida de “Il barbiere di Siviglia” e outras, na “Salle Louvois”, tornando-se, mais tarde, seu diretor. Suas óperas eram tão populares, que lotavam também a “Salle Le Peletier”, sede da ópera francesa, com “La gazza Ladra” e “La donna del Lago”. Dominando a cena parisiense, Rossini apresentou a 1ª ópera de Meyerbeer em Paris,“Il crociato in Egitto”. E, nesta época, com habilidade e generosidade, o mestre do “bel canto” tanto dialogava com a grande ópera francesa, quanto colaborava com “Théâtre-Italien”, onde apresentou Bellini, Donizetti e Mercadante – magistral programação que tornaria Paris referência europeia…
De 1841 a 1878, o “Théâtre-Italien” instalou-se na “Salle Ventadour”, palco de quase todas as óperas de Verdi na França, como “Rigoletto”, “Il trovatore” e “La traviata”. Assim, o jovem Verdi incorporava-se à longa tradição, com grande apreço pelos antecessores. A apresentação de “Jerusalém”, no entanto, foi convite da “Académie Royale” e, portanto, ocorreu na “Salle Le Peletier”. Além disto, Verdi tinha motivos pessoais para estar em Paris: encontrar Giuseppina Strepponi – a “Abigaille” na estreia de “Nabucco”, que se tornaria segunda esposa e companheira por 50 anos…
– “Verdi em Paris”
Nesta ocasião, Verdi havia concluído duas óperas, “Macbeth” e “I Masnadieri”, trabalhava em “Il Corsaro” e iniciava “La battaglia di Legnano”. Além do libreto de “Luisa Miller” e do recorrente tema de “Rei Lear”, que nunca concretizou em música…
Ao propor revisão de “I Lombardi”, possivelmente, Verdi sentia-se extenuado para iniciar novo trabalho. Até então, um jovem compositor, que produzia incessantemente – ao que chamaria, mais tarde, os “anos nas galés”… E, se a ópera tornara-se uma indústria musical que lhe trazia bons rendimentos, havia o estresse das produções e trato com empresários e libretistas – o texto importava, sobretudo, ao que Verdi chamava de “parola scenica”, expressões que sintetizavam e intensificavam determinados momentos do drama, tais como “fatalità!”, “maledizione!”, “schiava!” e outras…
Para este nível de expressão, a escolha do elenco era primordial. O sucesso não dependia exclusivamente da música, mas de ensaios e compreensão do drama – Verdi rompera com o teatro “alla Scala” de Milão, pelo que entendia descuido nas produções. Assim, necessitava conciliar datas e locais com agenda dos solistas – artistas afinados aos personagens e características vocais… Contratempos e desconfianças, em geral, o assolavam, embora contando com a dedicação de Emanuele Muzio, amigo e assistente…
Amigo de toda a vida e único aluno, Emanuele Muzio, compositor e regente, foi contratado como “amanuense”, colaborando no intrincado trabalho de copiar e organizar as partes musicais, além de dirigir óperas de Verdi em Bruxelas, Londres e Nova York. Do mestre italiano, Muzio diria: “Verdi tem espírito amplo, generosidade e sabedoria”… “se pudesse nos ver, mais pareço um amigo, do que seu aluno”…
Neste período, vencido o desafio da estreia londrina de “I Masnadieri”, permanecer em Paris, trabalhar em “Jerusalém” e outros projetos, ao lado de Giuseppina, parecia o melhor dos mundos… Verdi alugou um imóvel a poucos metros da residência de Giuseppina e comentários chegavam à Milão… E, de fato, em seguida Verdi alugaria uma casa em Passy, onde moraram juntos e, de volta à Itália, aproximaram as famílias na cidade natal de Verdi, vila “Le Roncole”…
Com “Jerusalém”, Verdi iniciou profícuo diálogo comos palcos franceses, com desdobramentos nas décadas seguintes. E sua música ganhou maior amplitude harmônica e instrumental. Mais tarde, “Jerusalém” seria traduzida para o italiano, mas a preferência do público por “I Lombardi” permaneceu. E, mesmo considerada superior, “Jerusalém” teve poucas récitas, tanto na França, quanto na Itália…
As óperas de Verdi seguiam padrões de época, mas elevaram o gênero – Verdi era um progressista, não um reformista… Assim, utilizou-se da tradicional sequencia de números, onde os personagens exprimiam-se individualmente, em recitativos, árias e cabaletas; dialogavam em pequenos ensembles – duetos, tercetos, etc; ou formavam grandes conjuntos – coros e concertatos; além dos ballets e trechos orquestrais. Tais possibilidades permitiam tanto um mega espetáculo visual e musical, quanto cenas de absoluta introspecção e recolhimento. Sobretudo, o desafio dramático exigia máxima expressão e virtuosismo vocal…
– 12ª Ópera – “Jerusalém”
“Jerusalém” estreou na “Salle Peletier”, 26/11/1847, com libreto de Alphonse Royer e Gustave Vaez; figurinos de Paul Lormier; e para os cenarios, duas equipes: uma com Charles Sechan, Jules Dieterle e Edouard Desplechin; e outra com Charles-Antoine Cambon e Joseph Thierry…
O drama foi ambientado na “Idade média – 1ª cruzada”, 1095-99, envolvendo amor e ressentimento, crime e resgate da honra – temas inseridos na saga cristã de libertação da palestina. O libreto foi adaptado para ressaltar a presença francesa na “1ª Cruzada”. Assim, os personagens, de italianos passaram a franceses; foram alteradas as tessituras vocais; ou simplesmente excluídos no novo libreto…
Com maior ênfase no romance central, o desenlace amoroso tornou-se mais presente e auspicioso. E Verdi acrescentou um “ballet”, típico da grande ópera francesa, escrevendo música nova ou reformulando e removendo partes originais. Uma ampla revisão, onde “poucos números permaneceram como no original”. E Verdi descreveu o trabalho como uma “transformação de ‘I Lombardi’ distante do reconhecimento”…
O libreto baseou-se no poema épico “I Lombardi alla prima Crociata”, do escritor e ativista italiano Tommaso Grossi, do grupo de Carlo Porta e Alessandro Manzoni – os três poetas lombardos.Grossi era “persona non grata” às autoridades austríacas e Verdi, um nacionalista que também almejava a libertação do domínio austríaco e unificação da Itália. Assim, para driblar a censura, os personagens do poema de Grossi tiveram nomes substituídos, já na versão italiana…
Além disto, o libretista de “I Lombardi”, Temistocle Solera, realizou mudanças significativas, retirando personagens históricos do poema de Grossi e criando, praticamente, uma ficção ambientada nas cruzadas. À época, qualquer alusão às lutas italianas seria rejeitada pelas autoridades austríacas – por incitar o levante. A censura, no entanto, acabou exercida pela Igreja, mas os cortes foram poucos e a ópera liberada. A música de Verdi era vigorosa – por si, um sonoro estímulo à autodeterminação…
Em meio às tensões políticas, os coros ganhavam importância, por representarem anseios coletivos e vibrantes apelos patrióticos, secundados pelos desenlaces individuais e amorosos. E, embora Verdi cultivasse um estilo despojado e incisivo – o realismo do “camponês de Roncole”, como dizia; para a crítica, “I Lombardi” revelou-se um encadeamento desigual, alternando grande música dramática e incríveis banalidades, muitas eliminadas ou revistas em “Jerusalém” – produções atuais, por vezes, suprimem trechos… Ainda assim, uma narrativa de amor e superação, em grande estilo épico e romântico!
2. Sinopse de “Jerusalém”
– Personagens: Hélène (soprano), Gaston, visconde de Béarrn (tenor); Roger, irmão do Comte (barítono); L’Emir, chefe em Ramia (baixo-barítono); Le Comte de Toulouse (baixo-barítono); Adhemar de Monteil, “Legado Papal” (baixo-barítono); Isaura, assistente de Hélène (soprano) – Coros: Nobres, religiosos, mulheres, soldados, peregrinos e povo de Ramla
– Ato 1
A ópera inicia com breve prelúdio orquestral – “Introduction”
Cena 1: No interior do palácio de Toulouse
No palácio, os amantes Hélène e Gaston encontram-se e planejam o casamento. Mas dependem da reconciliação de suas famílias, um obstáculo que será superado. Cantam o dueto “Adieu, jê pars” e Gaston deixa o recinto. Hélène, acompanhada de Isaura, sua assistente, ora pela segurança de Gaston, que se prepara para seguir na “1ª cruzada”, na preghiera “Ave Maria”…
Cena 2: Nas proximidades da capela do palácio
Ao amanhecer, reúnem-se nobres, soldados e religiosos e entoam o coro “Enfin voici le jour propice”… O conde de Toulouse proclama a reconciliação das famílias e autoriza o casamento do filho, Gaston, com Hélène. Todos celebram no concertato, com solistas e coro, “Je tremble encore”. Segue um ato religioso e um coro feminino canta “Viens ô pécheur rebelle”...
O anúncio do casamento, no entanto, desperta o inconformismo de Roger, irmão do conde, que desejava casar-se com Hélène, expresso na ária “Oh dans l’ombre, dans la mystère”. Os eventos antecedem a partida da “1ª cruzada”, quando Gaston será nomeado comandante pelo Legado – representante papal…
Roger, ressentido pela perda de Hélène, articula a morte de Gaston. Mas, ao orientar um subordinado a cometer o crime, na cabaleta “Ah! Viens, demônio, esprit du mal”, confunde um manto branco a ser usado por Gaston – prêmio por sua lealdade ao conde – e, sem o perceber, indica ataque ao próprio conde de Toulouse, que sofre ferimentos, sem morrer…
Quando Roger, confiante em seu plano, regozija-se do feito, é surpreendido pelo ataque equivocado ao conde e, diante da presença de Gaston, instiga o subordinado a acusar Gaston como mandante do crime. Gaston é amaldiçoado por todos, perde honrarias, a mão de Hélène, a missão papal e é condenado ao exílio, no dramático concertato, com solistas e coro, “Non, tu n’est pas homicide”…
– Ato 2
Cena 1: Numa caverna perto de Ramia, Palestina
Solitário e atormentado por culpas, Roger vagueia pelo deserto, onde canta a ária “A ce front Pâle”. Surge Raymond, seu escudeiro, que o confunde a um homem santo e pede ajuda para seus cavaleiros, que estão perdidos… Hélène e Isaura também andam nas cercanias, em busca de um eremita e do paradeiro de Gaston. Mas encontram Raymond, que lhes conta estar Gaston vivo e em cativeiro num castelo, em Ramia. Em grande alegria, Hélène canta a ária “Quell’ivresse, bonheur suprême” e, acompanhada por Isaura, seguem para Ramia, conduzidas por Raymond…
Um grupo de peregrinos aproxima-se da caverna e entoam o magnífico coro “O mon dieu, ta parole est done vaine”. E, ao ouvirem uma “Marcha orquestral”, percebem a aproximação dos cruzados, liderados pelo próprio conde de Toulouse, que sobrevivera ao atentado no palácio – pelo que agradece a Deus e ao Legado Papal. Aos cruzados junta-se Roger, que pede permissão para ir à batalha, concluindo a cena em concertato, com terceto e coro masculinos “Le Seigneur nous promet la victoire! O bonheur!”…
Cena 2: No palácio do Emir de Ramia
Em cativeiro, Gaston lamenta sua sorte e, movido pelo desejo de estar junto à Hélène, planeja uma fuga, no recitativo e ária “Je veux encore entendre”. O Emir, no entanto, o adverte que será morto se tentar escapar. Hélène e Isaura são capturadas e levadas ao Emir. Hélène e Gaston, diante um do outro, fingem não se conhecerem, mas o Emir desconfia de ambos…
Finalmente, ficam sozinhos e expressam seu amor e alegria no reencontro. Mas, se Gaston lamenta sua desonra, que não mais lhe permitirá reconstruir a vida, Hélène mantém-se firme em permanecer ao seu lado, no grande dueto “Dans la honte et l’épouvante”. Por fim, do castelo de Ramia, ambos observam a mobilização dos cruzados e tentam fugir, mas são impedidos por soldados…
– Ato 3
Cena 1: Nos jardins do Harém, no castelo de Ramia
Hélène encontra-se no harém, cercada pelas esposas do Emir e dançarinas, na cena com coro feminino e ballet “O belle captive”.Hélène é advertida pelo Emir: se os cruzados atacarem com sucesso, ela será decapitada e sua cabeça entregue ao conde. Em desespero, ela abomina sua existência na ária “Que m’importe la vie”…
Durante o ataque à fortaleza, Gaston foge e tenta encontrar Hélène, mas é preso pelos cruzados, que exigem sua morte, ainda acreditando ser ele o mandante do atentado ao conde. Hélène, tomada de revolta e indignação, acusa a todos como criminosos, na ária “Non, non votre rage”. A cena conclui-se em grande concertato, onde o conde de Toulouse ordena que ela afaste-se do local…
Cena 2: No cadafalso, em praça pública de Ramia
Um intermezzo em “Marcha fúnebre” anuncia a condenação à morte de Gaston, que é trazido para desonra pública e execução no dia seguinte, por decisão do Legado Papal. Gaston implora por sua honra, na grande cena e ária “O mes amis, mes frères d’armes”, mas é submetido à humilhação pública, onde seu capacete, espada e escudo são destruídos, e a cena conclui-se com coro e solista…
– Ato 4
Cena 1: Nas proximidades do acampamento dos cruzados
Roger vagueia como um eremita, encontrando-se próximo ao acampamento militar, onde uma procissão, entre mulheres e cruzados, canta “Choeur de la procession”.Hélène distancia-se e observa o Legado pedir ao eremita Roger que conceda algum conforto ao condenado Gaston. Hélène, Gaston e Roger cantam o belíssimo terceto “Dieu nous sépare, Hélène! Roger nega-lhe a benção, mas instiga Gaston a lutar pelo “senhor Deus” na tomada de Jerusalém, entregando-lhe sua espada…
Cena 2: Na tenda do conde de Toulouse
Breve interlúdio orquestral – “La Bataille” – abre a cena. Hélène e Isaura aguardam notícias. Finalmente, ouvem-se gritos e comemorações. Jerusalém fora libertada. Conde e Legado, seguidos pelos cruzados, adentram o acampamento e Gaston permanece incógnito. Mas, ao ter sua bravura reconhecida, é exigido revelar-se. Gaston revela-se e agradece pela honra de lutar, sentindo-se pronto para morrer…
Partícipe da batalha, mas mortalmente ferido, Roger é trazido e revela-se irmão do conde. Assolado por culpas, confessa ter planejado a morte de Gaston, vitimizando, por engano, o conde e caluniado Gaston, para quem pede misericórdia, no solo “Un instant me rest encore”. Todos regozijam o restabelecimento da honra de Gaston, no grande concertato final, com solistas e coro, “A toi gloire, O Dieu”.Hélène e Gaston unem-se e Roger morre olhando para as muralhas de Jerusalém…
– Cai o pano –
Aos 34 anos e autor de 13 óperas, entre elas, “Nabucco”, “Ernani” e outros trabalhos notáveis, Verdi, na companhia de Giuseppina, aproximava-se de surpreender o mundo musical com “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata” – referências definitivas de sua dramaturgia e do romantismo. E muito ainda viria…
Além disto, Verdi assistiria o término da dominação austríaca e a unificação italiana. Ideais que compartilhou, exaltando o amor e a liberdade, em versos como “Voa, pensamento, em asas douradas!” ou “Oh! minha pátria, tão bela e perdida!”, cantados nas ruas de Milão…
Após a estreia em Paris, “Jerusalém” foi apresentada no “Théâtre d’Orleans”, Nova Orleans, USA, 1850. E a versão italiana, de Calisto Bassi, “Gerusalemme”, ocorreria no teatro “alla Scala” de Milão, depois em Turim, Veneza, Verona e Roma, até 1865. Esquecida por quase 100 anos, retornou aos palcos em 1963, na direção de Gianandrea Gavazzeni, no teatro “La Fenice”, em Veneza.
3. Gravações de “Jerusalém”
Após resgate no teatro “La Fenice”, “Jerusalém” tem sido revisitada com sucesso:
3.1 Registros iniciais
– Em 1975, produção em forma de concerto e gravação em áudio da RAI, com Katia Ricciarelli (soprano) e José Carreras (tenor);
– Em 1986, produção do “Teatro Regio” de Parma, em francês, com Katia Ricciarelli (soprano) e Cesare Siepi (baixo);
– Em 1986, transmissão em forma de concerto da “BBC Philharmonic Orchestra”, em francês, direção de Edward Downes e o soprano June Anderson como “Hélène”;
– Em 1990, passados mais de 140 anos da estreia em Paris, “Jerusalém” foi encenada no Reino Unido, no “Grand Theatre” em Leeds, pela “Opera North”;
– Em 1998, produção em forma de concerto da “Orquestra de Ópera de Nova York”.
3.2 Outros registros
– Vídeo – 1984
Orquestra do Opéra de Paris – “Opéra Garnier”, direção de Donato Renzetti Solistas: Veriano Luchetti (Gaston) – Cecilia Gasdia (Hélène) Alain Fondary (conde de Toulouse) – Silvano Carroli (Roger) Coro do “Opéra de Paris”, França
– Vídeo – 1995
Orquestra “Ópera Estatal de Viena”, direção de Zubin Mehta Solistas: Jose Carreras (Gaston) – Eliane Coelho (Hélène) Davide Damiani (conde de Toulouse) – Samuel Ramey (Roger) Coro da “Ópera Estatal de Viena”, Austria
– CD de áudio da Phillips – 1998
“Orchestre de la Suisse Romande”, com direção de Fabio Luisi Solistas: Marcello Giordani (Gaston) – Marina Mescheriakova (Hélène) Philippe Rouillon (conde de Toulouse) – Roberto Scandiuzzi (Roger) Coro do “Grand Théatre de Genève”, Suiça
– CD de áudio e Vídeo – 2002
Orquestra “Teatro Carlo Felice”, com direção de Michel Plasson Solistas: Ivan Momirov (Gaston) – Veronica Villarroel (Hélène) Alain Fondary (conde de Toulouse) – Carlo Colombara (Roger) Coro do “Teatro Carlo Felice”, de Gênova, Itália
– Vídeo – 2017
Orquestra “Filarmonica Arturo Toscanini”, direção de Daniele Callegari Solistas: Ramon Vargas (Gaston) – Annick Massis (Hélène) Pablo Gálvez (conde de Toulouse) – Michele Pertusi (Roger) Coro do “Teatro Regio di Parma”, Itália
3.3 Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Jerusalém”, sugerimos a excelente gravação em áudio da Phillips, 1998, com a “Orchestre de la Suisse Romande” e coro do “Grand Théatre de Genève”, direção de Fabio Luisi e solistas de imensa qualidade. Além disto, a gravação oferece a ópera integral, sem cortes…
– Vozes solistas e direção
Neste grande trabalho, os solistas respondem com sensibilidade e elevada técnica. “Quell’ivresse, bonheur suprême” mostra a leveza, agilidade e belos pianíssimos de Marina Mesheriakova – notável soprano russo, formada no Conservatório Tschaikovsky, Moscou, e com as renomadas Renata Scotto e Licia Albanese…
Para buscar maior expressão, o canto deve fluir com liberdade. Assim percebe-se a performance de “Je veux encore entendre” ou “O mes amis, mes frères d’armes”, de Marcello Giordani, grande tenor italiano, lamentavelmente, falecido em 2019…
Interpretar é agregar significados e Verdi sempre reservou grandes papéis aos barítonos. Notável em “Oh dans l’ombre, dans la mystère” ou “A ce front Pâle”, o italiano Roberto Scandiuzzi é considerado um “baixo nobre” ou “baixo cantante”, facilmente interpretando papéis de barítono, pela extensão vocal e timbre harmonioso…
E o trabalho de Fabio Luisi revela um músico refinado à frente da conceituada “Orchestre de la Suisse Romande”, onde trata com imenso cuidado cada solo, conjunto ou trecho musical. Sua atenção aos detalhes, ao equilíbrio sonoro e às nuances do canto tem assinatura – um sujeito meticuloso…
Por fim, aplaudimos e agradecemos os grandes coros e concertatos, além da excepcional orquestra. Num gênero fascinante, embora longo e desafiante, como a ópera, tem-se aqui música, permanentemente, viva, pulsando e exprimindo-se. Música que mantém o ouvinte, naturalmente, envolvido. Nestes tempos de prevalência das imagens, somos aqui cativados apenas pelo som e sua diversidade – um belíssimo trabalho!…
1. produção do “Opéra Garnier”, 1984, com Cecilia Gasdia e direção de Donato Renzetti;
2. produção da “Ópera Estatal de Viena”, 1985, com a brasileira Eliane Coelho e direção de Zubin Mehta – nestes dois vídeos, alguns trechos são suprimidos, tais com “ballets”, partes orquestrais e outros…
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“Fabio Luisi à frente da PQP Bach Philarmonic”…
“Nossa homenagem ao colega Ammiratore,
de grata lembrança e grande contribuição ao PQP Bach.”
Esta foi a última postagem que nosso querido Ammiratore deixou agendada antes de falecer, no último 6 de abril. Hemos de completar, oportunamente, sua série da obra completa de Verdi, projeto a que se dedicava duma forma muito apaixonada. Por ora, rendemos nossa homenagem ao amigo, que também deixou imensas saudades cá conosco.
ooOoo
TREDICI – REGINA VITTORIA E “I MASNADIERI”; “BIETIFOL”
Após as primeiras representações de Macbeth, Giuseppe no auge dos seus 33 anos, volta-se ao compromisso assumido com Benjamin Lumley (aqueeele empresário inglês do Her Majesty’s Theatre, o London Theatre). Uma vez em Milão, Verdi começa a trabalhar com seu fiel aluno Emanuele Muzio, o mestre mostrava-se impaciente, havia muito o que fazer. Os dois, a esta altura, moravam no mesmo endereço. Verdi elaborava a nova ópera e Muzio começou a reduzir Macbeth para canto e piano, cada um estava ocupado em seu escritório. “I masnadieri” foi a ópera escolhida, baseado em “Die Räuber” (os ladrões) de Friedrich von Schiller com libreto do grande amigo de Verdi: Andrea Maffei (na verdade ele foi um escritor bem mais reputado que Piave ou Solera mas que não possuía praticamente qualquer experiência de Teatro), seria esta a sua décima primeira ópera. O contrato com Londres havia expirado no período em que ficou doente, então agora ele estava recuperado e pronto para propor um novo contrato, Verdi dera a boa notícia a Lumley já em dezembro de 1846. “I masnadieri “ na verdade já estava com a composição adiantada quando retomou as negociações com Lumley.
Nas trocas de cartas com o empresário ele ficou muito animado ao saber que a principal atração prevista para o espetáculo de Londres seria a sueca Jenny Lind, uma soprano leve “soprano leggero” de um virtuosismo quase lendário, desde sua infância ela era conhecida como “o rouxinol” ou “la stella del nord”. Sobre a mítica “estrela do norte” o bom contador Muzio a descreve para Barezzone e demonstra um senso crítico desenvolvido nos deixando um valioso testemunho, no qual as qualidades do canto parecem chocar-se com as físicas. A voz, áspera por natureza, curvou-se admiravelmente a todos os truques da agilidade, gorjeando e vibrando sem rival, o corpo, por outro lado, foi descrito como “o rosto um pouco feio e duro, o nariz enorme e igualmente as mãos e os pés, cor pálida”.
Depois de acertar os detalhes do contrato com Lumley , Verdi e Muzio partiram para Londres no final de maio de 1847. O mestre estava ótimo de saúde e não se furtou do compromisso em terras longínquas. Em Londres a notoriedade do maestro havia se consolidado. Suas obras estavam sendo montadas com muito sucesso nos palcos ingleses (“Lombardi“, “Nabucco” e “Ernani” estavam sendo representados). O colunista William Weaver escreveu, em 1846, no semanário “Illustrated London News” esta descrição a respeito do mestre italiano: “Neste número, oferecemos aos nossos leitores um perfil da grande estrela da música contemporânea – Guiseppe Verdi – de cujas criações o destino da ópera agora parece depender, desde que os grandes mestres, cujas obras dominaram a cena da ópera italiana nos últimos trinta anos, Rossini, Bellini, Donizetti, deixaram de compor suas magníficas criações; um pela idade avançada e esgotamento, outro para morte prematura e o terceiro, infelizmente, para um destino ainda mais terrível: a perda da razão. Foi preciso muito zelo para explicar isso a Verdi que ele, agora, era o único representante ativo da ópera italiana, mesmo aos trinta e dois anos…. embora pareça ser bem mais maduro. As marcas de preocupação e doença, e de uma profunda reflexão, são visíveis em seu rosto. Ele vive quieto e retraído; sua mente ativa, por outro lado, está sempre ocupada. Verdi dedica muito de seu tempo aos estudos literários e musicais.”
No dia 3 de junho, Muzio chegou a Londres, “só e sem o Maestro que ficou em Paris”, Muzio levou o trabalho concluído, exceto a parte da orquestração (era uma prática padrão na época que a orquestração fosse concluída durante os ensaios para melhor se adequar). Outra razão para a conclusão da orquestração em Londres foi descrita por Gabiele Baldini em “A História de Giuseppe Verdi” que o compositor queria primeiro ouvir “la Lind” e modificar seu papel para se adequar exatamente ao belo canto da “la stella del nord”. No entanto, uma “fofocaiada” tinha caído nos ouvidos de Verdi: dizia-se que Lind não poderia estar presente nem estava disposta a aprender novos papéis e, portanto, Muzio foi enviado através do Canal da Mancha à frente do compositor, que esperava por uma garantia de que a soprano estava em Londres e disposta a prosseguir. De Londres, Muzio foi capaz de dar essa garantia Verdi, informando-o que Lind estava pronta e ansiosa para ir fazer o trabalho. Tudo não passava de notícias maldosas. Em Paris o músico queria ficar um pouco na privacidade e não se pode deixar de pensar que um dos motivos por ter ficado na capital francesa era também a vontade de rever e matar saudades da sua querida Strepponi, que já estava na cidade há algum tempo, faziam meses que não se viam. Afinal, namorar é muito bão né? Após a confirmação do fiel assistente Verdi continuou sua viagem, cruzando o Canal em 5 de junho.
Nosso Emanuele escreve notícias à Barezzone deslumbrado que estava com a cidade grande, do estranho e do imenso, que se justifica já que ele estava em sua primeira grande viagem no exterior. Londres é a descoberta de uma aglomeração “tão vasta como o mar”, a descoberta da multidão, da vida mecanizada que começa a pressionar as massas do Ocidente. “Que caos Londres é! Que confusão! Paris não é nada em comparação. Gente chorando, muitos mendigos, uma espessa névoa cinza flutuando em todo céu, homens a cavalo, em carruagens, a pé, e todos gritam como se estivessem condenados. Meu caro Sr. Antonio , Milão não é nada; talvez Paris é algo comparada a Londres; mas Londres é uma cidade única no mundo !”
O público que frequenta teatros e salas de concerto parece-lhe muito competente e preciso nos seus julgamentos. “Os franceses dizem que os ingleses não entendem nada de arte; isso é um erro que os franceses espalharam … Os ingleses nunca, jamais, receberam com indiferença um “Barbeiro de Sevilha” como em Roma ou um “Guilherme Tell” como em Paris … Seu entusiasmo não é entusiasmo de convenção, eles o manifestam, como o provam, razoavelmente as atuações dos dois teatros da cidade (Covent Garden e Her Majesty’s Theatre), a um grande número de concertos, e em todo o lado encontrei um público atento e inteligente.
Verdi já estava em Londres qundo o baixo Lablache lhe trouxe um convite da jovem Rainha Vitória, que queria conhecê-lo pessoalmente, a soberana havia marcado uma data para ser encenada a nova ópera de Verdi, seria o dia do fechamento do parlamento, “uma das maiores solenidades diplomáticas da Inglaterra”. Numa apresentação de “Norma” naquela temporada, com Lind, deu no “Times”: “A Rainha e o Príncipe Albert compareceram; mas houve um personagem de importância muito diferente, Giuseppe Verdi, que veio montar sua nova ópera “I masnadieri” para o “Her Majesty’s Theatre”. Temos todos os motivos para acreditar que o compositor mais popular da Itália também terá um sucesso em nosso palco que será um presente para ele e uma dupla glória para a Inglaterra. A chegada de Verdi causou grande sensação em Londres; na noite passada, ele compareceu à apresentação em uma “loggia” (uma espécie de balcão reservado) do teatro bem em frente à rainha. A notícia se espalhou imediatamente por todo o teatro de que Verdi tinha vindo, e imediatamente todos os olhos, desde o mais baixo do povo até os Lordes e a própria Rainha, devoraram o pobre Verdi com seus binóculos.” Na verdade, Lumley, como estrategista muito habilidoso, conseguiu obter alguma publicidade da chegada do maestro pelo menos enquanto ele estava no salão. E Verdi freqüentemente ia aos concertos do Teatro de Sua Majestade para aprender sobre as possibilidades dos cantores, do coral, músicos e a funcionalidade do palco.
O Covent Garden, concorrente teatro de Lumley, no dia 19 de junho apresentou “I due Foscari“, entre o público estava o exilado Giuseppe Mazzini, para aplaudir essa peça tão humana do exílio, “o apóstolo da liberdade” da Itália, um dos mais temidos e ao mesmo tempo o mais procurado pela polícia austríaca. A Inglaterra vitoriana, apesar de seus contrastes sociais, havia recebido com liberalidade exilados políticos de várias origens (Karl Marx chegaria em agosto). Mazzini, escrevendo para sua mãe após o “Foscari”, informou-a de que tinha “visto o compositor Verdi”.
O jovem maestro, no fundo, gostava da cidade: “não é uma cidade, é um mundo” (escreveu a Emília Morosini), “e ficamos maravilhados e desanimados quando, entre tantas coisas magníficas, se conhece as Docas. Quem resiste a essa nação!” Ele se surpreendeu com a beleza das ruas, as riquezas acumuladas, os arredores e as vilas próximas à metrópole. Não muito, porém, os diversos costumes dos habitantes, e muito menos o clima, que ele definiu como “horrendo”, fumaça, nevoeiro, o cheiro de carvão que o deprimia e o impedia de apreciar as belezas de um lugar que de outra forma seria magnífico (“Oh, se houvesse o céu de Nápoles aqui, acho que seria inútil desejar o paraíso”, disse ele a Appiani). Até mesmo o alojamento, “Liliputian”, pequeno, embora confortável:”Emanuele encontrou para mim um alojamento tão pequeno que não posso mover: apesar disso é muito limpo, assim como todas as casas de Londres.”
A descrição de Muzio, prolixo, avesso a poluição, o frio e o vento, tem a precisão de um relatório barométrico. “De manhã na hora certa, isto é, antes das 7 horas, o ar está melhor; mas entre as 7 e as 8 todas as fogueiras e todas as chaminés das grandes fábricas que lá estão são acesas; e andam à volta do Tamisa uns cinquenta barcos a vapor, e depois todas as chaminés das casas soltam uma fumaça que deixa o ar muito pesado. Ontem quis observar todas as mudanças que o clima fez ao longo do dia; Observei que pela manhã, assim que o sol nasceu, um grande nevoeiro se ergueu do Tamisa; então choveu oito vezes ao longo do dia (sempre com vento) e oito vezes o sol foi visto; o Mestre ficou com dor de garganta e resfriado, como eu também paguei, e como todos os estranhos que vêm aqui o pagam, mas agora ele está bem … mas este ar úmido e pesado reage muito em seu sistema nervoso e isso o torna mais mal-humorado e melancólico do que o normal.”
Talvez para Muzio e para o Maestro o verdadeiro sol só tenha saído depois de 22 de julho, data em que a ópera subiu ao palco e causou “furor”, segundo Muzio, o fiel correspondente do … “giornale il Barezzone”, “Do preludio até o final não houve nada além de aplausos, gritos, chamados e repetições. O próprio Maestro conduzia a orquestra sentado em um banco mais alto do que todos os outros e com a batuta na mão. Ainda vazio o teatro só nós e os músicos da orquestra, ouvíamos um aplauso contínuo do lado de fora do Teatro que durou um quarto de hora. Eles ainda não haviam terminado de aplaudir quando em seus locais chegaram a comitiva da Rainha e do Príncipe Albert, sua consorte, a Rainha Mãe, e o Duque de Cambrige, tio da Rainha, o Príncipe de Gales, filho da Rainha, e todos os da família real e uma infinidade de senhores e duques, que não acabavam mais de entrar, muitos nobres. Às quatro e meia a porta do povo se abriu e as pessoas irromperam no teatro com uma fúria que eu nunca vi. Era um espetáculo novo para Londres, e Lumley soube cobrar muito bem, a entrada do teatro custou 6000 liras … após o término festejou-se muito o Maestro, foi chamado ao palco, sozinho e depois com os cantores, atiraram-se flores a ele e só se ouvia: viva Verdi, “bietifol”.
Mais cauteloso e realista, Lumley, dirá que “correu bem, e sem ter causado furor, convidei um compositor italiano, de boa fama para escrever uma ópera especificamente para o meu teatro e para supervisionar pessoalmente a encenação. Eu não poderia ter feito mais para agradar os amantes da música italiana, ansiosos por ouvir novos trabalhos. Infelizmente o libreto do Sr. Andrea Maffei foi construído da forma como costuma acontecer no caso de adaptações de dramas estrangeiros para fins da ópera italiana, ruim.” Mais definiu, inexorável o julgamento de Sua Majestade, que anotou em seu próprio diário ao retornar do Teatro: “Nesta nova ópera de Verdi, inspirada em “Die Rauber”de Schiller, achei a música muito comum, nada de novo. Apreciamos os cantores, a requintada Jenny Lind, o barítono Filippo Coletti, o tenor Ítalo Gardoni, o baixo Luigi Lablache está gordo demais….”
Interessante como eram contraditórias as opiniões, sobretudo dos jornais “especializados”, os amigos do blog podem dar uma bela conferida: o libreto de Maffei recebeu elogios do “Times”, enquanto o “Morning Post” e o “Illustrated London News” trataram Verdi com expressões que o colocaram acima de Meyerbeer “e de outros compositores da escola romântica alemã”. Ao contrário da opinião de “Ateneu”, que rebaixou o mérito da ópera a ponto de julgá-la “a pior que já foi executada em nosso tempo pelo Her Majesty’s Theatre. Verdi é definitivamente rejeitado. O campo para um compositor italiano permanece aberto”.
Em todo caso, o público não teve nada além de reações positivas, até mesmo para a confissão do próprio Lumley: “O teatro estava incrivelmente cheio na noite da primeira apresentação. A ópera recebeu, apesar do fraco libreto, em todas as aparições um sucesso triunfal para o compositor e cantores, foram dirigidos as maiores homenagens do povo.” Na verdade, Lumley honra o mérito profissional de Verdi; que, aliás, trabalhou em ensaios “exaustivos”.
O Enredo
Melodramma tragico “in quattro atti”, de Giuseppe Verdi para um libreto de Andrea Maffei, baseado em “Die Räuber” de Schiller.
Estreia: Londres no Teatro Her Majesty em 22 de julho de 1847, com a condução de Verdi nas duas primeiras performances.
Um solo bonito e triste de violoncelo, escrito expressamente para o violoncelista principal, Piatti, no Her Majesty’s Theatre, constitui um breve mas eficaz prelúdio em que o tema do canto da saudade é resumido.
Local: Alemanha
Época: entre 1755 e 1757
Ato 1 Cena 01: Uma taverna na fronteira da Saxônia
A ópera começa numa taberna onde Carlo está absorvido com a leitura de Plutarco que fala dos grandes homens da Antiguidade. Durante um intervalo de seus estudos na Universidade de Dresden, Carlo, o filho mais velho e favorito do Conde Massimiliano Moor caiu entre ladrões, literalmente. Ele tornou-se um membro de uma gangue notória de salteadores que aterrorizam a comunidade local por roubo, extorsão. Em uma ária dupla formalmente convencional cuidadosamente elaborada com coro, Carlo medita sobre sua terra natal distante e sua amada Amalia (o belo andante “O mio castel paterno” da faixa 03) Carlo saiu de casa para estudar em Dresden. Ele está aguardando a resposta de uma carta que enviou a seu pai pedindo perdão pelos seus delitos recentes. O jovem é nobre de espírito, não apenas por nascimento, lamenta não ter ainda recebido o perdão do conde. Rolla e os outros ladrões chegam com a esperada resposta do Conde. Em vez de perdão, chega uma carta de seu irmão Francesco, que reafirma sua proibição de retorno à pátria paterna. A alegria de Carlo logo se transforma em tristeza, e, em seguida, em raiva, como ele descobre que a carta não é de seu pai, mas de seu irmão mais novo, Francesco, que avisa para ele não voltar para casa porque, longe de Carlo ser perdoado, o velho conde tem a intenção de puni-lo e deixá-lo longe. Os ladrões confortam Carlo e o elegem como chefe. Ele e seus amigos decidem se tornar bandidos e fazem um juramento de irmandade de sangue, na cabaleta “Nell’argilla maledetta” (faixa 05). . Assim, quando os seus companheiros o procuram para formar um bando de ladrões, ele aceita assumir o comando.
Cena 02: Uma sala no castelo de Massimiliano
Uma rápida mudança de local é efetuada para uma segunda ária dupla, a partir desse momento, a obra desmascara as maquinações de Francesco, um Caim que deseja a ruína de seu irmão e quer se apoderar do título hereditário, de quebra também quer a namorada de Carlo, Amalia. O quadro passa-se no castelo do Conde onde Francesco revoltado por ter um lugar secundário nas intenções do seu pai. Pretendendo que o irmão se mantenha afastado destruíra a carta que ele escrevera para o pai substituindo-a por uma carta falsa de sua autoria. Francesco está felicitando-se por ter interceptado a carta do seu irmão direcionada a seu pai, sabendo que Massimiliano certamente teria perdoado Carlo se ele tivesse recebido. Agora, apenas o idoso enfermo Conde fica entre Francesco e o título familiar e propriedades. Ele desenvolveu um plano para acelerar a morte de seu pai, no anguloso sostenuto Andante, “La sua lampada vitale” (faixa 07), Francesco ameaça apressar o fim da vida do pai. Ele então ordena que Massimiliano seja informado da morte de Carlo na batalha, na esperança de que o choque e a dor acabem com o velho. É assim que chama Arminio, o intendente, a quem ordena que se disfarce e que vá anunciar ao Conde a morte do filho mais velho. Em uma cabaleta vigorosa “Tremate, o miseri!” (faixa 09), ele espera ansiosamente assumir o poder.
Cena 03: Um quarto no castelo
Depois de um prelúdio em que solos dos sopros são proeminentes, Amalia olha para o adormecido Massimiliano e pensa nas alegrias do passado em “Lo sguardo avea degli angeli” (faixa 11). A jovem lamenta a esperança perdida com a condenação de Carlo pelo pai, mas não guarda qualquer rancor do Conde, por respeito para com a sua idade e autoridade. Mas Carlo não sai dos seus pensamentos. A ária foi claramente escrita para a “prima donna” Jenny Lind é muito mais ornamentada do que o modelo verdiano usual e para acomodar os floreios e improvisos da “estrela do norte”, uma ária formalmente muito mais discursiva e linda.
Massimiliano acorda e, em um curto movimento de dueto com Amalia, “Carlo! io muoio” (faixa 13), lamenta morrer sem ver seu filho predileto. Amalia e Massimiliano choram a ausência de Carlo e bem-dizem a morte
que os libertará das desgraças terrestres. Armínio e Francesco entram para dar a falsa notícia da morte de Carlo. Francesco apresenta Arminio, que vem sob um disfarce, e narra ao Conde a morte do filho ausente – uma mentira contada com todos os pormenores convenientes às pretensões de Francesco: antes de morrer, Carlo teria deixada escrita uma mensagem (com o seu próprio sangue) na lâmina da sua espada, libertando Amalia de todos os compromissos para com ele e aconselhando-a a casar com Francesco. Essa revelação precipita o quarteto “Sul capo mio colpevole” (faixa 15): Massimiliano está ao mesmo tempo arrependido e furioso; Amalia (acompanhada por Armínio) oferece consolo religioso, Francesco espera ansiosamente seu triunfo. É um choque de emoções poderosamente eficaz e termina quando Massimiliano, aparentemente sem vida, cai no chão, sendo dado como morto – o que deixa Francesco exultante por poder assumir finalmente a sucessão.
Ato 2 Cena 01: Um cemitério adjacente à capela do castelo Vários meses se passaram desde a cena anterior, rapidamente Francesco toma o controle e o poder no castelo. Amalia visita o túmulo de Massimiliano procurando refúgio durante o banquete dado por Francesco para celebrar a sua subida ao poder e em um simples Adagio, “Tu del mio Carlo al seno” (faixa 17), imagina Massimiliano e Carlo juntos no céu. À distância, podem ser ouvidos os sons do festivo banquete. Arminio seguiu Amalia, porque ele está atormentado pela culpa de sua parte na conspiração perversa de Francesco. Ele só tem tempo para revelar que tanto Carlo e o velho conde ainda estão vivos, Amalia se regozija com uma cabaleta jubilosa e distintamente antiquada, “Carlo vive?” (faixa 19), que mais uma vez deu ampla oportunidade para Jenny Lind demonstrar sua famosa agilidade.
Francesco entra para declarar seu amor por Amalia e eles se lançam em um dueto de confronto soprano-barítono em quatro movimentos, um tipo de situação dramática na qual Verdi quase sempre teve um sucesso magnífico. Chega então Francesco que a pede em casamento, o que ela recusa, acusando-o de ser o instigador da morte do irmão. Sua recusa desdenhosa provoca-o um ataque de fúria e ele se torna violento, Francesco revela-se tal como realmente é, dizendo que ela será sua, quer queira quer não, como escrava ou como amante.
Amalia finge uma mudança de coração e abraça-o para que ela possa aproveitar sua adaga e afastá-lo antes de fazer a sua fuga para a floresta nas proximidades. Mas nesta situação, pela primeira e única vez em minha desprezível opinião, o mestre erra um pouco a mão no dueto e o formato se mostra um pouco frio, rápido e disperso. O andantino “Io t’amo, Amalia” (faixa 21) se dissolve muito rapidamente em um uníssono rítmico rotineiro, e a cabaleta “Ti scosta, o malnato” (faixa 23), trata de maneira dispersa o confronto de tessituras em comparação aos muitos dos melhores trabalhos de Verdi que exploram esta situação com muito mais criatividade. Como diz nosso matemático René Denon “jogou as variantes numa fórmula padrão e deixou rolar” sei lá “…não dá para inventar muito não conheço bem o público, temos que cumprir o prazo…” algo assim. Um pena.
Cena 02: Uma clareira na floresta da Boêmia perto de Praga
Nos bosques próximos de Praga onde os bandidos estão reunidos o “Scene e Coro” (faixa 24) oferece uma amostra típica da vida dos bandidos, embora a escrita coral seja mais complexa do que Verdi normalmente havia se aventurado até então. É aí que se espalha a notícia de que Rolla, o braço direito de Carlo, fora preso e condenado à forca. Como forma de vingança, Carlo decidira saquear a cidade, Rolla, então, é resgatado por Carlo e seus seguidores, que se alegram com sua vida despreocupada. Eles deixam Carlo sozinho para lamentar seu estado de proscrito em uma bela romanza, “Di ladroni attorniato” (faixa 26). Seus companheiros voltam para relatar que estão sob ataque e todos se juntam em um coro guerreiro, todos se preparam para o combate. Carlo conseguiu incendiar grande parte da cidade, resultando em cidadãos armados que o perseguem. A cena termina com Carlo exortando sua turma de ladrões para lutar como lobos para salvar-se (o lindo fechamento da faixa 27).
Ato 3 Cena 01: Um lugar na floresta perto do castelo
Os ladrões cantam dos prazeres de suas atividades criminosas. Amalia que conseguiu escapar de Francesco, está na mesma floresta em que estão os bandidos, mas agora está sozinha e apavorada ao ouvir o som de bandidos nas proximidades. Ela implora misericórdia do primeiro homem que vê: milagrosamente, ele acaba sendo Carlo, e os amantes são alegremente unidos em um dueto. O primeiro movimento lírico, “Qual mare, qual terra” (faixa 29), é talvez um pouco simples, embora os efeitos vocais compensem em parte a falta da tensão de confronto usual. Amalia conta a Carlo sobre a morte de seu pai e sobre as tentativas de Francesco por sua virtude. Carlo fica horrorizado. Mas, quando Amalia o interroga, Carlo não lhe revela ter-se tornado um bandido. Eles se juntam em uma cabaleta final, “Lassu risplendere” (faixa 31), na qual Amalia tem ainda mais oportunidade de exibir seus trinados e agilidade.
Cena 02: Outra clareira na floresta da Francônia
Um refrão ainda mais alegre dos bandidos apresenta o “Finale Terzo”. Carlo luta com sua alma byroniana e até pensa em suicídio, mas decide que deve aceitar seu destino terrível e viver na solidão e miséria, vilipendiado por todas as pessoas decentes contemplando seu futuro sombrio na ária “Ben Giunto” (faixa 33) mas é interrompido por Armínio, que entra furtivamente e se aproxima de algumas ruínas de torres próximas. Ao ouvir uma voz dentro das ruínas, Carlo vai investigar, então entra na torre e, para sua surpresa, encontra, num dos calabouços, um velho esquelético que ele reconhece ser o seu pai, Massimiliano. Em uma impressionante narrativa “Un ignoto, tre lune ou saranno” (faixa 35), Massimiliano (que não reconheceu seu filho) descreve aquilo que se passou: ao receber a notícia da morte do seu filho mais velho, perdera os sentidos; quando acordara, vira-se fechado num caixão; depois, Francesco, o seu filho mais novo, que ficara furioso ao compreender que ele não morrera, mandara-o aprisionar naquela torre onde deveria acabar por morrer de fome. Felizmente Arminio o salvou e manteve escondido nas ruínas onde Carlo o encontrou. Surpreendido e indignado, Carlo dispara para o ar para chamar os seus homens, a quem faz jurar vingança contra Francesco.
Ato 4 Cena 01: Uma suíte de quartos no castelo de Massimiliano
Francesco acorda após terríveis pesadelos, com remorso. “Pareami che sorto da lauto convicto” (faixa 38) Francesco descreve uma visão assustadora da retribuição divina em um movimento que prefigura os grandes solilóquios das óperas do período intermediário de Verdi. Ele convoca o padre Moser e pede perdão por seus pecados, mas este se recusa a absolvição por seus crimes hediondos: só Deus pode conceder o perdão, responde o pastor. Impelido por sinais de que o castelo está sob ataque, Francesco corre para encontrar seu destino, jurando que vai desafiar o próprio fogo do inferno.
Cena 02: Uma clareira na floresta da Francônia
Massimiliano lamenta a morte de Carlo, embora ele ainda não reconheça que o homem de pé na frente dele é seu filho favorito, Carlo não revelará sua identidade a Massimiliano, mas mesmo assim pede uma “bênção paterna”, então ele abençoa o “estranho desconhecido” por salvar sua vida. Em um dueto gentil “Come il bacio d’un padre amoroso” (faixa 41), pai e filho estão vocalmente unidos. Os bandidos regressam do assalto ao castelo. Não encontraram Francesco, e, em seu lugar, decidiram trazer Amalia, que encontraram perdida nas matas. Isso agrada Carlo que tem a intenção de mudar os seus caminhos. Carlo é forçado a admitir para Amalia, e para o seu pai, o seu papel como líder dos ladrões. Massimiliano expressa seu horror e desespero, mas Amalia declara que, apesar de tudo, ela ainda ama Carlo e quer ficar com ele no trio final “Caduto e il reprobo!” (faixa 43). Mas os companheiros ladrões de Carlo estão por perto, ele também deu o seu juramento de fidelidade ao longo da vida para seu bando de ladrões, e é impossível ignorar: em uma passagem declamatória final, ele não pode permitir que a mulher que ele ama seja arrastada para o seu mundo de degradação e vergonha, e ele não pode escapar de seu próprio mau destino está convencido de que não pode apagar a mancha do passado, nem de se redimir do clã, então resolve esse paradoxo esfaqueando e matando Amalia. Carlo abandona os bandidos e corre para a forca que o espera.
Cai o pano —————————
“I masnadieri” é um dos trabalhos mais intrigantes de Verdi. Quatro furiosos e violentos atos de tragédia. O retrato de Schiller sobre a rivalidade ciumenta de dois irmãos, o mais novo ressentido pelo fato de que o mais velho herdará a propriedade ducal do pai, e o dilema do pai cujo herdeiro legal se rebelou contra a sociedade e se juntou a uma gangue de bandidos de vida irresponsável, é forte material, cheio de ideias pré-revolucionárias (foi escrito em 1781). A figura de Francesco, o homem do crime premeditado, é terrível ele despreza seu pai como um fardo inútil que passa por sua vida e sente categoricamente a necessidade de ir contra a natureza. A inesperada vítima expiatória é a infeliz Amalia. Ela, que resistiu ao sadismo do namoro de Francesco – em uma cena cheia de contrastes – e demonstrou a mais firme coragem, assim como a mais terna feminilidade. O drama caminha desde o início com uma presunção devoradora e selvagem. Com um libreto nada superficial, ainda que desajeitado na linguagem, o músico lançou um ataque anárquico, de natureza explosiva.
Com estes ingredientes deveria ter sido um grande sucesso, fora isso tinha uma companhia estrangeira de grande prestígio dirigida por Lumley, uma elevada base romântica em Schiller (uma das fontes favoritas do compositor), um ilustre homem de letras como o libretista, um elenco de renome internacional. Além disso, Verdi e seu libretista tentaram conscientemente romper com certas tradições de longa data para tornar sua criação mais romanticamente intensa. Mas todos esses ingredientes se mostraram problemáticos. Verdi sentiu-se fora de sintonia e sem empatia com o ambiente inglês e pode não ter certeza do gosto e das exigências do público, o drama se mostrou um tanto pesado, particularmente por sua falta de oportunidades para o confronto dos personagens; Maffei, apesar de suas habilidades poéticas e disposição para experimentar, não tinha experiência de adaptações para o teatro. Acabou ficando um trabalho, no velho e bom português, como “feijão com arroz”.
Porém o lucrativo contrato para compor uma ópera para o Her Majesty’s Theatre em Londres foi um importante sinal da crescente reputação internacional de Verdi, e a ocasião permitiu que ele escrevesse para alguns dos cantores mais famosos da época. A recepção entusiástica de Londres durou pouco e a ópera se saiu muito mal na Itália. Este trabalho se juntou a Alzira no limbo das óperas de Verdi menos executadas. Não que a ópera toda seja feia, tem bons momentos (aliás o solo do prelúdio é lindo) mas o desfecho…putz, o absurdo no final aonde nosso herói esfaqueia sua amada para poupar-lhe a agonia de perdê-la para os bandidos (a quem ele jurou fidelidade eterna) é muito para engolir até no século XIX, em minha desprezível opinião, diga-se de passagem.
Giuseppe Verdi – I masnadieri Personagens e intérpretes
Esta gravação que vamos compartilhar com os amigos do blog é formada por um dos grandes elencos da década de 70. Para começar a diva Monserrat Caballé é sublime no único papel feminino. Como vimos (para quem teve a paciência de ler o textão) Amalia foi escrita para a sueca, Jenny Lind, e como tal o papel tem um monte de trinados e outros tantos momentos de coloratura delicada que Verdi normalmente não escrevia. Caballé tem uma voz muito leve e ágil, que parece estar de acordo com a escrita para Lind – o papel mantém os registros médios e superiores da voz soprano. Ela é particularmente surpreendente na ária de abertura, “Lo sguardo avea degli angeli” (faixa 11). Carlo Bergonzi é o tenor clássico de Verdi, sua aria de abertura, a cabaletta marcial “Nell’Agila maledetta” (faixa 05), é excelente. É muito bonito também o dueto com Raimondi no quarto ato, “Come d’un bacio d’un padre amoroso” (faixa 41).
Piero Cappuccilli também é o clássico barítono Verdi, trazendo muito calor italiano para o papel. Parece estranho dizer que leva “calor a um vilão”, mas Francesco Moor tem muitas músicas realmente ótimas, e a voz de Cappuccilli é muito bonita! Em minha modesta opinião ele é particularmente magnífico no dueto com Caballé no ato dois, “Io t’amo, Amalia” (faixa 21), que apesar das deficiências dramáticas, os dois fazem deste dueto um dos pontos altos. Sua ária de abertura, “La sua lampada vitale” (faixa 07) tem muita ameaça, tornando Francesco assustador. Ruggero Raimondi é um magnífico baixo, seu Massimiliano ficou nesta gravação com muita profundidade. Realmete é uma pena que não ter muitas participações do personagem dele para nos deleitar com seu canto. Há dois belos duetos, no primeiro ato com Caballé (faixas 11 e 13) e no ato quatro com Bergonzi (faixa 41), e uma curta romanza no ato três, “Un’ignoto, tre lune” (faixa 35). Esta gravação de estúdio é de alta qualidade e o maestro Gardelli conduz o pessoal da New Philharmonia com muita delicadeza. Uma gravação excelente, e os amantes da boa ópera não devem ter receio de ouvir mesmo que esta ópera seja considerada um trabalho menor, pouco conhecido, mas estamos falando da música de VERDI !!! Que subam as cortinas e se inicie o espetáculo ! Bom divertimento !!!!!
Massimiliano, Conde Moor – Ruggero Raimondi, baixo Carlo, filho mais velho de Massimiliano – Carlo Bergonzi, tenor Francesco, filho mais novo de Massimiliano – Piero Cappuccilli, barítono Amalia, sobrinha órfã de Massimiliano – Montserrat Caballé, soprano Arminio, criado do Conde – John Sandor, tenor Rolla, membro de quadrilha – William Elvin, barítono Moser, um padre – Maurizio Mazzieri, baixo
Ambrosian SIngers
New Philharmonia Orchestra
Conductor: Lamberto Gardelli
Registrazione: London, Ago 1974
Após a estreia de Attila, seguindo os conselhos dos médicos Verdi deu uma ligeira relaxada nos compromissos, passou dias quietinho, dessa vez ficou apreensivo com sua saúde. O relatório destes dias sempre nos chega através das cartas que o fiel Muzio enviava ao “papa” Barezzi: “Continua a sentir-se bem e está se recuperando. Não faz nada, não escreve, não assume compromissos; agora só gosta de caminhar ou passear de carruagem, tendo cinco ou seis à sua disposição; todos estes cavalheiros que o cortejam competem pela sua diversão. Às vezes, por volta do meio-dia, vai para o campo ou para Monza ou Cassano ou Treviglio; e volta para casa às cinco para almoçar. À noite retira-se a tempo e descansa. Conduzir-se assim logo ficará recuperado novamente”. E dando-nos os relatos de seu progresso na saúde parece que a torcida se cumpriu. Em maio diz Muzio, escrevendo a Barezzi com aquele tom de quem participa tanto da vida de seu professor que até bebe com ele as águas curativas: ‘O mestre está bem, fazemos grandes caminhadas pela manhã, tomamos muita água e jogamos boliche para digerir essa água, e às cinco saímos para almoçar com uma companhia seleta. “O apetite volta” e ele toma café da manhã com gosto, feliz … Se o visse!!!! Está engordando, adquiriu uma bela cor na pele, está melhor do que nunca”, sempre.
Um fato vale destacar desse período “ocioso”: Muzio elogia a eleição do novo papa Mastai Ferretti, Pio XI. O mestre é convidado, por seu amigo romano Masi, a escrever um hino para a posse oficial do pontífice em novembro. Verdi recusa, mas com pesar, porque “gostaria muito de compor numa música para homenagear um homem tão merecedor da sociedade”. Muzio enumera esses méritos, a coragem de Sua Santidade em impor uma vida sóbria como tribunal do Vaticano, mais caridade e, acima de tudo, o início de reformas políticas e sociais, como a anistia para crimes políticos e maior liberdade de opinião. Veremos os efeitos disso nas próximas postagens.
O trabalho está a espera; consegue adiar o compromisso em Londres junto ao empresário Lumley, reitera que não irá a Londres por nenhum motivo, até os “doutores” certificarem sua cura. Assume outros compromissos: considera ir para Florença, algo está para nascer, negociações com o empresário Alessandro Lanari avançam para uma nova ópera a ser estreada no Teatro della Pergola em Florença. Em 17 de maio de 1946, Verdi escreveu a Lanari. “Agora que estamos perfeitamente de acordo quanto ao gênero de trabalho que tenho de escrever … Tenho temas fantásticos e lindos em vista que vou escolher o que mais se adequa à disponibilidade do Teatro della Pergola”. Os tópicos “fantásticos” foram certamente “L’avola” de Franz Grillparzer, “Macbeth” de Shakespeare e “I masnadieri” de Schiller. A escolha final teria dependido da disponibilidade do protagonista masculino: se havia um bom tenor, a melhor escolha seria “l’Avola” ou “i Masnadieri”, se um barítono, a escolha cairia em “Macbeth”. Ao ser indicado o nome de Felice Varesi, um dos melhores barítonos ator-cantor da época, a escolha acabou por recair em Macbeth. Essa iria ser a primeira ópera de Verdi baseada num texto de Shakespeare.
Na segunda quinzena de setembro ainda havia alguma incerteza sobre a obra planejada, mas o mestre já havia deixado Piave de sobreaviso e em 2 de setembro (entre outras coisas Piave estava “muito desolado” porque sua namorada havia amputado uma mão depois de um acidente de viagem): “Tente se animar e procure todas as distrações possíveis! … Eu lhe enviarei 100 florins. Amanhã ou mais tarde enviarei o esboço do “Macbeth “. Recomendo para você com alma!” Piave já estava trabalhando no “Corsaro” de Byron. Verdi escreveu ao libretista dois dias depois, em 4 de setembro, e ao enviar-lhe o esboço de “Macbeth”, acrescentou um conselho esclarecedor e admirável: “Esta tragédia é uma das maiores criações humanas … Nos versos, lembre bem, não deverá haver nenhuma palavra inútil: tudo deve dizer algo, e uma linguagem sublime deve ser usada com exceção das bruxas: estas devem ser triviais, mas extravagantes e originais … Oh, eu recomendo que você não negligencie este “Macbeth”, por favor venere esta obra, senão outra coisa, confio que cuidará destes versos. Minha saúde que agora está excelente, mas que imediatamente se deteriora por causa do calor que faz esta temporada em Milão, isso me preocupa … Brevidade e sublimidade.” Quando começou a trabalhar nesta sua nova ópera, Verdi compreendeu de imediato que toda a tensão da Tragédia se centrava, não entre diversas personagens em luta pelo Poder, mas sim entre os dois Protagonistas, Lord e Lady MacBeth. É a tensão existente entre ambos que está na origem da Tragédia: a tensão entre a Ambição Medrosa, latente na figura masculina, e a Ambição Cega, de certa forma camuflada, que guia o comportamento da figura feminina. Foi essa tensão que Verdi tentou transmitir ao transpor para música a obra de Shakespeare.
Durante a composição, não satisfeito completamente com os versos de Piave, invocou “S. Andrea” Maffei para retocar e refazer alguns versos que estavam crus e sem emoção. Mesmo na forma de poesia, ele desejava aparecer em ordem diante de um ambiente, uma tradição, onde a linguagem tinha uma importância preeminente, especialmente em comparação com as outras regiões da Itália.
Algumas cartas descrevem de forma clara como Verdi gostava de manipular a parte cênica da preparação das suas montagens orientando os cantores. Nunca antes Verdi foi tão detalhista na preparação de uma ópera, tendo cuidado até com os elementos da encenação, já que fazia muita questão de uma reprodução convincente do século XI escocês. Chegou mesmo a fazer a exigência de que os cantores fossem bons atores – e isso no século XIX era uma grande exigência. Vou reproduzir o que o maestro orientou neste trecho que descreve o momento em que Macbeth se propõe a assassinar o Rei Duncan, e o dueto que se segue ao crime, entre ele e a sua mulher, a sua malvada inspiradora, Verdi recomenda: “Cuidado que é noite: todos dormem : tudo neste dueto terá que ser dito em voz baixa, mas em voz sombria para causar terror … Para que compreendam bem as minhas ideias, digo-vos também que … a parte orquestral consiste nos instrumentos de arco, em quatro sopros e um tímpano. Vocês veem que a orquestra vai tocar baixinho e vocês vão ter que cantar muito baixo também.”…. “Em suma, preste atenção nas palavras e no assunto: não procuro mais nada: o assunto é lindo, as palavras também …”
Ele também enviou considerações semelhantes a Barbieri-Nini, intérprete de Lady Macbeth. Quanto ao tipo de voz desejada e à expressão vale o que escreveu em 1848, quando no San Carlo de Nápoles quiseram confiar a mesma parte a Tadolini: “Tadolini tem qualidade muito grande para desempenhar este papel! Pode parecer absurdo, mas não é … Tadolini canta perfeitamente, e eu gostaria que Lady Macbeth não cantasse. Tadolini tem uma voz clara, límpida e poderosa, e eu gostaria de uma voz áspera e sufocada, sombria. A voz de Tadolini tem algo angelical, a voz de Lady deveria ter algo diabólico.”
Preocupado com o ambiente das cenas, escreveu a Lanari para fazer a curadoria. O cenário que, depois da palavra, era seu segundo problema. A principal dificuldade parecia-lhe estar no desenvolvimento de mecanismos e truques para as aparições fantasmas. A do Banquo que, assassinado por ordem de Macbeth, volta em forma de fantasma para atormentá-lo: “Olha, a sombra do Banquo deve ir para a clandestinidade: deve ser o mesmo ator que representou o Banquo no primeiro ato e deve ter um véu cinza, mas muito discreto e até que seja visto, e Banquo terá que ter cabelo penteado e várias feridas visíveis no pescoço. Todas essas noções eu tenho dos palcos de Londres, onde esta tragédia tem sido continuamente representada por mais de 200 anos. E aquelas múltiplas aparições que ocorrem pelas bruxas no terceiro ato, para as quais ele argumentou a necessidade de explorar a fantasmagoria produzida pela lanterna mágica.” Lanari se empenhou e em uma carta feliz de janeiro de 1847 relata a Verdi: “..tinha falado sobre a “fatasmagoria” com o cenógrafo Sanquirico, ele me garantiu que seria extremamente bonito e muito adequado: por Deus, se ficar bem como Sanquirico descreveu, será um negócio espantoso, e um mundo de gente virá correndo ao teatro só para ver isso. Quanto às despesas, ele me garante que será pouco mais que o valor de uma carruagem nova… O que você acha? ” Achei muito legal o parâmetro: hoje mesmo sendo um “Goleta 1.0” basicão já ia ser bem caro…..
A ópera demorou mais que o comum para ser apresentada, Verdi queria uma execução perfeita, pretendendo atender a todos os pormenores. Assistir a todos os longos ensaios, constantes e cuidadosos. Para se ter um exemplo, a admirável primeira intérprete da Lady Macbeth, Mariana Barbieri-Nini, foi compelida a ensaiar mais de cinquenta vezes o seu dueto com o barítono. Os ensaios duraram mais de três meses. Não contente ainda com a famosa cena do sonambulismo, procurava orientar a cantora: “…. deveis ser a imagem real, viva, duma sonâmbula, dessas que falam dormindo, articulando palavras sem movimentar os lábios. Deveis manter o corpo imóvel, até os olhos….” (na nossa postagem a faixa 22).
Depois desta demostração de como o maestro era detalhista os amigos do blog não precisam de mais nada para entender que Verdi queria se apresentar da melhor maneira possível em Florença.
Verdi dedicou a partitura de “Macbeth” ao sogro Barezzi como testemunho de memória eterna, gratidão e afeto. “Há muito tempo a intenção de dedicar uma ópera para você, que têm sido pai, benfeitor e amigo para mim. Era um dever que eu deveria ter cumprido mais cedo se circunstâncias imperiosas não tivessem me impedido. Agora, eu vos envio Macbeth como prêmio acima de todas as minhas outras óperas, e, portanto, considerando digna de apresentar a você.”
A ópera havia sido encenada no Teatro da Via della Pergola em 14 de março de 1847: segundo o relato do Sr. Antonio, o genro apareceu para agradecer ao proscênio cerca de quarenta vezes e foi acompanhado ao hotel por uma grande multidão. Artistas, homens de cultura, nobres o homenagearam. A primeira apresentação foi um triunfo! Os proprietários do teatro lhe ofereceram, como demonstração do maior conceito de Florença, uma coroa de louros, preciosa porque as folhas eram de ouro, tendo cada uma das folhas o nome das dez óperas que até esta data haviam sido compostas. No entanto, os críticos não abraçaram os elogios, até mesmo nivelando o mérito da música, “que foi apenas parcialmente apreciada”.
O maior reconhecimento recebido pelo mestre do meio cultural da cidade foi uma carta memorável do poeta satírico Giuseppe Giusti: “Gostaria que todos os gênios italianos procurassem uma união forte e plena com a arte italiana e se abstivessem da veneração vaga de conexões estrangeiras.” Comovido com os cumprimentos de um literato, Verdi responderá prontamente: “Sim, você diz muito bem … Oh, se tivéssemos um poeta que soubesse traçar um drama como você o entende! Mas desgraçadamente, se quisermos algo que pelo menos tenha um efeito, devemos, para nossa vergonha, recorrer a coisas que não são nossas ”. Além de Giusti, “Macbeth” atraiu outras simpatias florentinas: o dramaturgo Giovanni Battista Niccolini, os escultores Lorenzo Bartolini e Giovanni Dupré, o historiador Gino Capponi e o barão político Bettino Ricasoli, estes dois últimos profundamente engajados na luta por uma nova ideologia liberal. Dupré deixou-nos nas suas memórias autobiográficas uma boa descrição da permanência de Verdi entre eles: “Se não me engano, foi a primeira vez que veio entre nós; a sua fama o precedeu; os inimigos, como é natural, diziam que, como artista, ele era muito vulgar e corrompia o bel canto italiano, e como um homem, eles até disseram que era um urso, cheio de altivez e orgulho, e que desdenhava se aproximar de qualquer pessoa. “Alguns até hoje argumentam que tal reserva obscura resultou da tentativa de esconder o máximo possível sua relação com Giuseppina Strepponi, que teria estado em Florença com ele (há também um retrato dela na época dos ensaios de “Macbeth”) .
O então jovem escultor queria se convencer de como era na realidade o homem e escreveu-lhe uma nota nos seguintes termos: “Giovanni Dupré solicita ao mestre G. Verdi que se dignasse a sua conveniência a ir ao seu estúdio, onde está completando Caim em mármore, e gostaria de mostrá-lo a ele antes de enviá-lo ao imperador da Rússia.” E para saber até que ponto ele era um “urso”, ele mesmo foi com a carta visitar o músico da Pensão Suíça, apresentando-se como “um jovem aluno do estúdio do professor”. O maestro o acolheu com muita “civilidade”, leu a carta e depois com uma cara “nem rindo nem sério” falou: “Diga ao Sr. Dupré que eu agradeço muito a ele, e assim que possível irei e vê-lo, já que tinha em mente conhecer pessoalmente o jovem escultor.” Então Dupré se revelou e Verdi apertou sua mão, divertido, dizendo que era realmente um “pensamento de artista”. Depois, virou amizade: Dupré continua: “Na sua estadia em Florença, encontramo-nos quase todos os dias; fizemos alguns passeios. Éramos uma brigada de quatro ou cinco: Andrea Maffei, o Manara que mais tarde morreu em Roma, Giulio Piatti, Verdi e eu; à noite, ele nos deixava ir a um ou outro ensaio de Macbeth; de manhã, ele e Maffei vinham com frequência ao meu estúdio. “Eles conversavam sobre pintura e escultura; Verdi preferia Michelangelo e falava dele com perspicácia. Ele também parecia gostar do Caim…..” Dupré conseguiu esculpir a sua mão, que ainda hoje é admirada.
O Enredo
Ópera em quatro atos, libreto de Francesco Maria Piave (com material adicional de Andrea Maffei) baseado na peça Macbeth de William Shakespeare.
Estreia: Florença, Teatro della Pergola, 14 de março de 1847.
Local: Escócia e as fronteiras anglo-escocesas durante o Reinado de Duncan, século 11.
O prelúdio é composto por temas da ópera. Primeiro vem um tema de sopro em uníssono da cena das bruxas no início do ato três, depois uma passagem da música da aparição no mesmo ato. A segunda metade é tirada quase inteiramente da cena do ‘sonambulismo’ de Lady Macbeth do quarto ato.
Ato 1.
Cena 01: Um bosque
Ao regressarem duma batalha vitoriosa contra grupos rebeldes, MacBeth e Banquo encontram numa clareira da floresta um grupo de Feiticeiras que os saúdam, o coro das bruxas que abre o ato divide-se em duas partes, a primeira “Che faceste?” , a segunda “Le sorelle vagabonde” (faixa 02). Ambos compartilham da cor musical associada às bruxas, entre as quais se destacam as sonoridades de sopro (tanto escuras quanto estridentes), figuras de cordas mercuriais e uma tendência para o deslocamento rítmico. Macbeth e Banquo entram e são saudados pelas bruxas com suas três profecias, sombriamente marcadas. MacBeth é saudado como “Senhor de Clamis e de Caudore” e como “Rei dos Escoceses”. Quanto a Banquo é saudado como “a semente duma longa Linhagem de Reis”. Uma rápida marcha militar então apresenta mensageiros que chegam com a notícia da morte do Senhor de Caudore, de cujo título MacBeth é o herdeiro, cumpre-se uma das Profecias. Como Verdi admitiu ao seu barítono principal, Varesi, esta sequência teria tradicionalmente chamado uma ária dupla para Macbeth, mas em vez disso o compositor forneceu um duettino de um movimento para Macbeth e Banquo, “Due vaticini” (faixa 04), cheio de linhas interrompidas e exclamações suprimidas enquanto os dois homens examinam suas consciências. A estrita final das bruxas, “S’allontanarono” (faixa 05), é muito mais convencional, embora encontre espaço para uma cor ainda mais característica.
Cena 02: Uma sala no castelo de Macbeth
A cavatina de Lady Macbeth, gera grande poder dramático a partir de uma forma externa convencional. Depois de uma tempestuosa introdução orquestral, Lady MacBeth entra e lê uma carta do marido em que ele fala no encontro que teve com as Feiticeiras e na estranha forma como elas se lhe dirigiram. A primeira parte de sua ária dupla, “Vieni! t’affretta!” (faixa 06), Lady MacBeth vê nisso um sinal e acha ter chegado o momento de ajudar o Destino fazendo cumprir a última das predições das Feiticeiras canta ordenando que Macbeth volte para casa o mais breve para que ela possa derramar nele seus pensamentos sangrentos; esta ária é linda e notável por evitar a repetição formal e por suas excursões harmônicas estritamente controladas. Um mensageiro anuncia que Macbeth e Duncan são esperados naquela noite, e Lady Macbeth exulta na cabaleta “Or tutti sorgete” (faixa 07). Macbeth entra, em um breve recitativo, Lady Macbeth revela seus planos para Duncan. O casal é interrompido pela chegada do próprio rei, cujo desfile pelo palco é acompanhado por uma marcha ‘rústica’ da banda.
O ‘Gran Scena e Duetto’ que se segue começa com o extenso arioso de Macbeth “Mi si affaccia un pugnal ?!” (faixa 09), durante o qual ele tem a visão de uma adaga e se prepara para matar Duncan. A passagem é extremamente rica em invenção musical, à medida que figuras cromáticas deslizantes se chocam com harmonias “religiosas” distorcidas e reminiscências fugitivas da música das bruxas; ele definirá o padrão para os grandes recitativos da carreira posterior de Verdi. Macbeth entra na sala do rei, e Lady Macbeth aparece, logo se reencontrando com seu marido. O motivo da nota do vizinho de Macbeth em “Tutto e finito!” (Tudo está terminado!) Fornece o material de acompanhamento para o primeiro movimento do dueto dividido em quatro partes, o Allegro “Fatal mia donna! un murmure”. Este primeiro movimento envolve uma troca rápida entre os personagens, com continuidade musical fornecida principalmente pela orquestra. Enquanto Macbeth descreve a voz interior que sempre lhe negou o sono, o segundo movimento mais lírico, “Allor questa você”, começa: os cantores novamente têm material musical diferente. Um curto movimento de transição, “Il pugnal la riportate”, mostra Lady Macbeth devolver a adaga ao quarto do rei e emergir com sangue nas mãos. O dueto termina com uma cabaleta muito reduzida, “Vieni altrove! ogni sospetto”. Consumado o ato, MacBeth é perseguido pelos remorsos e o medo, sentimentos que, acredita, irão passar a ser uma constante de todos os seus dias futuros.
O final do primeiro ato começa com a chegada de Macduff e Banquo, este último cantando uma apóstrofe solene da noite. Macduff chama todos para o palco e anuncia o assassinato de Duncan. A notícia lança o Adagio concertato, “Schiudi, inferno” (faixa 10): uma explosão tutti de angústia, uma passagem tranquila e desacompanhada em que todos oram pela orientação de Deus e uma melodia final elevada na qual a vingança divina é invocada sobre o culpado. O crime é atribuído ao próprio filho do Rei e seu herdeiro, Malcolm, que, ao fugir, não faz senão aumentar as suspeitas que recaem sobre ele. Seguindo o padrão do dueto anterior, a estreta final é extremamente curta, funcionando mais como uma coda do que como um movimento por si só.
Ato 2
Cena 01: Uma sala no castelo dos MacBeth
Uma reprise orquestral de parte do grande dueto do primeiro ato leva a um recitativo entre Macbeth e sua esposa. Ele agora é Rei dos Escoceses, as Profecias cumpriram-se, que perigos podem ainda ameaçá-lo? Malcolm fugiu e é suspeito do assassinato de Duncan, mas Macbeth fala da outra Profecia que ainda não se cumpriu, aquela que anuncia Banquo como semente duma longa Linhagem de Reis. Mas Lady MacBeth diz que esse perigo pode ser afastado: basta mandar assassinar Banquo.Lady Macbeth fecha a cena com a cabaleta “Trionfai! securi alfine” (faixa 11), uma ária convencional de dois versos à maneira da música de Elvira em Ernani.
Cena 02: Um parque
O silencioso e staccato coro de assassinos, “Sparve il sol” (faixa 12), na maneira tradicional de Verdi de representar grupos sinistros, leva a um romanza para Banquo (faixa 13), em cuja coda Banquo é assassinado num recanto distante dos Jardins do Castelo e o seu filho, Malcolm, foge.
Cena 03: Um salão magnífico no castelo dos MacBeth
Música festiva animada sustenta a reunião de nobres convidados, após o que Macbeth chama sua esposa para cantar um brindisi (canção para beber). Ela obedece com “Si colmi il cálice” (faixa 14)
e (como acontecerá também no primeiro ato da Traviata) é respondida pelo coro em uníssono. Os acordes finais da música ainda ecoam na orquestra enquanto Macbeth vai ao encontro de um dos assassinos de Banquo que aparece em uma das portas, sendo informado de que tudo se cumprira como ordenado porém Malcolm, filho de Banquo, havia fugido. MacBeth regressa à mesa do banquete lamentando a inexplicável ausência de Banquo.
A música festiva recomeça, mas Macbeth tem uma visão horrível de Banquo, no lugar na mesa que estava reservado, MacBeth vê o Espectro do companheiro de armas, com ele estabelecendo um diálogo incoerente. Lady Macbeth tenta acalmar seu marido, mas a visão retorna. O terror do rei precipita o concertato finale, “Sangue a me” (faixa 15), que é conduzido e dominado por Macbeth, embora com frequentes interjeições de sua esposa que tenta acalmá-lo. Não há stretta formal, o ato termina com a sensação geral de surpresa, mas as suspeitas já surgiram e Macduff decide abandonar de imediato o Castelo e procurar refúgio do outro lado da fronteira.
Ato 3
Uma caverna escura na floresta no antro das Feiticeiras
Depois de uma introdução orquestral tempestuosa, o coro das bruxas lideradas por Hécata, a Deusa da Noite cantam “Tre volte miagola”(faixa 16), traz de volta a ideia inicial do prelúdio como o primeiro de uma série de melodias cada vez mais animadas e ritmicamente acidentadas, aquelas claramente intencionadas para representar o elemento ‘bizarro’ do sobrenatural. Instantes depois chega MacBeth, o novo Rei dos Escoceses, que vem pedir que lhe leiam o Futuro. As aparições, que fazem suas previsões sobre o destino de Macbeth, a resposta das Feiticeiras é breve, mas difícil de decifrar: elas dizem para não confiar em Macduff, acrescentando que “nenhum Homem nascido duma Mulher o poderá derrotar, desde que a Floresta de Birman não interfira entregando o Poder à Linhagem de Banquo”, desencadeia o arioso “Fuggi, fantasima régio” de Macbeth na faixa 17, vêm os oito reis, o último dos quais está na forma de Banquo e precipita o “Oh! mio terror! dell’ultimo”, ao final do qual ele desmaia. Um suave coro e dança dos espíritos aéreos, ‘Ondine e silfidi’, precede o finale. O ato termina com uma cabaleta Allegro risoluto de Macbeth, “Vada in fiamme” (faixa 18).
Ato 4
Cena 01: Um lugar deserto nas fronteiras da Inglaterra e da Escócia e é dominada pela grande batalha decisiva que irá terminar o curto reinado de MacBeth.
O coro de abertura, “Patria opressa” (faixa 19), principalmente em seu lamento pela pátria perdida, lembra um pouco os coros patrióticos que tornou-se tão famoso nas primeiras óperas de Verdi, embora o modo menor lhe dê uma cor diferente. “Ah, la paterna mano” de Macduff, que se segue, é uma romanza menor convencional – maior romanza, e a cena é encerrada por um coro semelhante a uma cabaleta, “La patria tradita”, enquanto as tropas de Malcolm se preparam para descer em Macbeth.
Cena 2: Uma sala no castelo de Macbeth
A famosa ária de “sonambulismo de Lady Macbeth, “Una macchia” (faixa 22), é justamente considerada uma das maiores criações solo do jovem Verdi. Precedida por uma representação instrumental atmosférica sombria de Lady Macbeth que revela os sintomas dum sonambulismo preocupante que é, de fato, prenúncio da sua morte, a ária em si se distingue por sua estrutura formal e harmônica expandida e – mais importante – por uma contribuição orquestral maravilhosamente inventiva.
Cena 03: Uma sala no Castelo de Dunsiname
Uma ruidosa introdução orquestral leva ao confessional Andante sostenuto “Pieta, rispetto, amore” (faixa 23) de Macbeth, uma ária lenta eficaz com algumas modulações internas surpreendentes. MacBeth recebe a notícia da morte da mulher com aparente indiferença, limitando-se a dizer “que a vida não faz sentido, que é apenas uma história confusa imaginada por um louco”. A ária terminou, os soldados correram para anunciar a aparente aproximação do Bosque de Birnam, uma notícia que o deixa gelado, já que indicia o cumprimento de uma das Profecias das Feiticeiras; uma batalha orquestral pseudo-fugal se segue durante a qual Malcolm vence Macbeth em um combate individual. A ópera termina com uma cena curta e melodramática para Macbeth, “Mel per me” (faixa 25) repleta de gestos declamatórios que remetem aos temas do início do drama, MacBeth ferido grita dizendo que, segundo as Profecias, nenhum Homem nascido duma Mulher o poderá derrubar, Macduff responde que o filho de Banquo nasceu de cesariana. MacBeth morre e Malcolm é proclamado Rei.
Cai o pano ————————————————
Não há dúvida, na minha nula opinião, que esta ópera é um ponto de excelência fora da curva deste período, enobrecida por seu tema shakespeariano, foi aquela que Verdi conseguiu extrair, com sucesso, a substância dramática. Grande parte da ópera mostra uma atenção aos detalhes e uma certeza de efeito sem precedentes em obras anteriores. Isso vale tanto para os números “convencionais”, como a ária de abertura de Lady Macbeth ou o dueto subsequente com Macbeth, a curiosidade é que esta é a única ópera de toda a carreira do Mestre que não há romance (senza
amore) ele dá especial foco aos três elementos principais do drama: Lady Macbeth cuja ambição leva constantemente a manipular seu marido; Macbeth o valoroso soldado que a sede de poder o transforma em assassino e finalmente o coro das bruxas visto por Verdi como o elemento central do drama da ópera, pois suas profecias despertam o desejo de poder nas personagens. Além disso, o novo padrão estabelecido por Macbeth foi o “norte” do qual Verdi raramente se desviou em trabalhos subsequentes.
Afastado das lutas artísticas, Rossini aposentado; Donizzetti doente com grande enfermidade mental; morto Bellini; Verdi ficara, por assim dizer, nesta época de 1847, só, sendo ainda muito jovem. Em Florença não se deteve a aproveitar as maravilhas da linda capital toscana, mas a refletir sobre os novos trabalhos a serem realizados….
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Em 1864, o editor e empresário francês Leon Escudier pediu a Verdi que adicionasse uma música de balé para uma nova encenação da ópera no Theatre Lyrique, em Paris. O compositor concordou, mas também aproveitou a ocasião para aprimorar a ópera fazendo alterações substanciais em alguns números que considerava mais “fracos”, ele acabou realizando retoques maiores ou menores em vários números ao longo da ópera, por fim a revisou significativamente.
A intenção deste que vos escreve é a de seguir a ordem cronológica da vida e obra do mestre, mostrando a evolução de suas óperas, então nesta postagem vamos compartilhar a primeira versão tal qual foi encenada em Florença no Teatro da Via della Pergola em 14 de março de 1847. A versão de Paris que foi encenada no Theatre Lyrique a 21 de abril de 1865 (que é a mais representada e gravada) fica para o post depois da “La Forza del Destino” de 1862.
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Esta gravação que vamos disponibilizar aos amigos do blog de 1997 é excelente, que subam as cortinas e inicie o espetáculo !!!! Divirtam-se!
Giuseppe Verdi: Macbeth, na versão original de 1847 (Florença)
Personagens e intérpretes
Esta é uma linda gravação ao vivo da versão original do Macbeth de Verdi, composta em 1847. Não tenho certeza, mas acredito que seja a ÚNICA gravação ao vivo, com qualidade, disponível da versão florentina, o que a torna ainda mais valiosa. É uma gravação ao vivo, e devo enfatizar que é uma performance ao vivo muito profissional e cuidadosamente gravada. Há muito pouco barulho de palco e menos ainda de público, apenas aplausos nos momentos apropriados….. (não é daquelas transmissões de rádio mono ao vivo descuidadas com chiados, tosse, avisos sonoros…).
Como Macbeth, Evgenij Demerdijiev teve um início ótimo e firme, mas em sua cena final, ele está cansado, sua voz soa um pouco áspera. A introdução às notas do encarte nos diz que ele estava gripado no dia da apresentação, mas que o desempenho foi importante o suficiente para ser registrado de qualquer maneira. O tom redondo e luxuoso de Iano Tamar como a malévola Lady Macbeth é bonito, sua interpretação da Cena do Sonambulismo é boa o suficiente para compensar o fato da voz dela ser “suave” demais papel. Andrea Papi e Andrea La Rosa, como Banquo e Macduff respectivamente, são ambos firmes. Sob a direção de Marco Guidarini, a Orquestra Internazionale d’Italia vive alguns momentos sublimes. Esta é uma gravação que vale a pena ter !
Macbeth: Evgenij Demerdjiev Lady Macbeth: Iano Tamar; Banquo: Andrea Papi; Macduff: Andrea Ia Rosa; Malcolm: Emil Alekperov Gentlewoman: Sonia Lee; Servant: Jae-Jun Lee Doctor / Herald / Murderer: Han-Gweong Jang,;
Orchestra Internazionale d’Italia
Bratislawa Chamber Choir Condutor: Marco Guidarini
Gravação: Martina Franca, Pallazzo Ducale, Italy 25/27 july 1997
O Castelo do Barba Azul (Húngaro: A kékszakállú herceg vára) é uma ópera em um ato, a única de autoria de Béla Bartók, composta em 1911. O libreto foi escrito pelo poeta Béla Balázs, também húngaro, amigo de Bartók, inspirado pelo conto O Barba Azul, de Charles Perrault. Forte em aspectos simbolistas, a obra utiliza-se de apenas dois cantores acompanhados por uma grande orquestra, de mais de noventa músicos. Balázs escreveu o libreto de O Castelo do Barba-Azul entre 1908 e 1910. Em seguida, Bartók compôs a ópera a fim de disputar um concurso de música para teatro, sem conseguir o prêmio. Acrescentou algumas alterações em 1912, para um novo concurso, e deu forma final à composição em 1917. Após a revolução de 1919, Bartók foi obrigado pelo governo húngaro a retirar da ópera o nome de Balázs, que havia fugido do país e se exilado em Viena. O Castelo do Barba Azul só voltaria a ser encenada na Hungria em 1936. A história se passa no interior de um castelo, com apenas dois personagens: os recém-casados Barba Azul (baixo ou baixo-barítono) e Judite (soprano ou mezzo). As três primeiras mulheres de Barba Azul aparecem em cena, porém em papeis mudos, e há ainda um prólogo narrado por um Bardo. A ópera começa com a chegada do casal ao castelo. Pesa sobre o nobre a suspeita de haver matado suas três primeiras mulheres, e por isso Judite, diante da escuridão do ambiente, pede que as portas sejam abertas. Barba Azul resiste, mas, diante da insistência da mulher, vai abrindo uma a uma as portas de sete aposentos, revelando uma câmara de torturas, um jardim e um lago de lágrimas.
A história de Barba Azul é muito antiga. Aparece pela primeira vez nos “Contos da Mamãe Gansa” de Perrault, no século 17. A trama gira em torno do duque Barba Azul, homem rico e brutal.
A Cantata Profana (com o subtítulo A kilenc csodaszarvas [Os Nove Veados Encantados]) é uma obra para coro duplo misto e orquestra do compositor húngaro Béla Bartók. Concluída em 8 de setembro de 1930, estreou em Londres em 25 de maio de 1934, com a BBC Symphony Orchestra e Wireless Chorus regidos por Aylmer Buesst. O tenor Trefor Jones e o barítono Frank Phillips foram os solistas. O trabalho foi apresentado em uma tradução em inglês. Os textos que Bartók usou para criar o libreto foram duas canções natalinas que ele coletou da Transilvânia em abril de 1914. Estas canções são baladas cantadas durante a época do Natal que não possuem nenhuma conexão com a Natividade Cristã. Acredita-se que tenham suas origens em tempos pré-cristãos. A história é de um pai que ensinou seus nove filhos apenas a caçar, então eles não sabem nada de trabalho e passam todo o tempo na floresta. Um dia, enquanto caçavam um grande e belo veado, eles cruzaram uma ponte mal-assombrada e foram transformados em veados. O resto você descobre.
Hertha Töpper e Dietrich Fischer-Dieskau, sob regência de Ferenc Fricsay, dão um verdadeiro show No Barba Azul deste CD de 1958. Ferenc Fricsay foi um especialista em Bartók. Os ritmos e inflexões da ópera de Bartók estão tão intimamente ligados à língua húngara que acho estranho que um maestro húngaro como Fricsay tenha preferido interpretá-la em uma tradução alemã, mas… Bem, embora o falecido e excepcionalmente talentoso maestro Fricsay fosse húngaro e campeão musical em Bartók, essas duas obras não gozavam de popularidade fora de seu país natal na época em que ele as gravou. Portanto, ele estava obviamente tentando fazer o melhor para atingir o público maior na Alemanha nas décadas de 50 e 60. Estranhamente, não me incomoda tanto que a Cantata Profana seja também cantada em alemão. O poder orquestral da leitura de Fricsay é simplesmente avassalador, e Helmut Krebs é o melhor tenor que já ouvi nesse papel.
Béla Bartók (1881-1945): O Castelo do Barba Azul e Cantata Profana
Herzog Blaubarts Burg Sz 48 (Op. 11) 54:07
1 1 Wir Sind Am Ziele 4:32
2 2 Dies Ist Also Blaubarts Feste! 6:17
3 3 Große Schweigende Türen 4:00
4 4 Weh! – Was Siehst Du? 3:30
5 5 Was Siehst Du? – Tausend Schaurig Scharfe Waffen 2:53
6 6 Sieh Nur Den Schatz! 1:39
7 7 Ach! Blumenpracht! 4:17
8 8 Ah! – Sieh, So Weit Die Blicke Reichen 6:19
9 9 Weißes Stilles Wasser Seh Ich 11:19
10 10 Schau, Die Früher’n Frauen Alle 2:38
11 11 Früh Am Morgen Kam Die Erste 6:44
Cantata Profana Sz 94 18:42
12 1 Wunder Hört Ihr Sagen 7:26
13 2 Lange Harrt Der Alte 8:13
14 3 Wunder Ward Euch Kund Heut 3:03
Alto Vocals, Contralto Vocals – Hertha Töpper (tracks: 1 to 11)
Baritone Vocals – Dietrich Fischer-Dieskau
Chorus – Chor Der St. Hedwigs-Kathedrale Berlin (tracks: 12 to 14), RIAS-Kammerchor (tracks: 12 to 14)
Radio-Symphonie-Orchester Berlin
Tenor Vocals – Helmut Krebs (tracks: 12 to 14)
Ferenc Fricsay
Ainda lamentando a falta de nosso grande amigo Ammiratore, a partir de hoje o PQP Bach retoma sua programação. Como habitualmente deixamos nossos posts previamente agendados — às vezes com antecedência de semanas –, temos ainda três óperas de Verdi que foram preparadas por Ammiratore. Esta é a 11ª. Teremos a 12º e a 13ª com ele e depois seguiremos. Sim, estamos indignados com o descaso com que esta terrível doença vem sido tratada em nosso país e com a perda de nosso amigo. Somos mais de dez pessoas fazendo este blog e a impressão que tenho é a de que hoje somos um pequeno formigueiro que foi pisoteado. Mas fazer o quê? Vamos seguir, porque Ammiratore jamais admitiria o fim de seu querido PQP Bach. Aqui está Attila.
PQP
UNDICI – SOLERA LICENZIATO – “ATTILA” A VENEZIA
Saindo do Peru, com seus contrastes de pele e religião, os selvagens e a cruz (talvez um triste exemplo de história que representa a visão míope de Voltaire (e dos europeus em geral) à época sobre os povos originários das Américas), Verdi escolheu uma peça que havia lido em 1844 do poeta e dramaturgo alemão Friedrich Ludwig Zacharias Werner (1768 – 1823) (que no teatro alemão reviveu o fatalismo, o gosto pelo fantástico e pelo horrendo) “König der Hunnen ( Attila, rei dos hunos )” de 1809, que carrega o cheiro dos cavalos dos bosques da Ístria, enquanto as cruzes brilhantes das igrejas bizantinas relembram o medo que os invadiu à beira da civilização. Inicialmente discutiu o assunto com Piave. No entanto, para sua segunda ópera no La Fenice, o compositor acabou optando por Solera. Não há razão clara para essa mudança ter surgido, especula-se que, ao optar por Solera, ele estava mais confortável trabalhando com um libretista que era mais adequado para “desenhar sagas épicas e afrescos histórico-religiosos.” A abordagem da Solera para o projeto foi a de enfatizar um apelo ao patriotismo italiano, especificamente veneziano, ignorando muitos dos elementos da peça original. Estes incluíram invertendo a ordem das cenas-chave e, no caso da cena de abertura que mostra a fundação de Veneza, totalmente inventada. O enredo parecia excelente para Verdi, e também a poesia que Solera havia preparado até aquele momento, com versos bem musicáveis.
Conquistara a fama, mas um novo insucesso comprometê-lo-ia pelo menos aos olhos superficiais. Era necessário vencer e o libreto de Solera dispunha de elementos que o auxiliavam, facilitando-lhe o acesso à realização do seu intento. Verdi em agosto de 1845, de Nápoles, começou a pressionar Solera para começar a produzir os atos. Muzio, o seu fiel aluno e acompanhante, escreveu a Barezzi: “O senhor Maestro escreveu a Solera que está chegando a Milão especificamente para levar o libreto de “Attila”, do qual deseja realizar seu melhor trabalho; mas aquele poeta fez muito pouco; o Sr. Maestro reclamou com Maffei e Toccagni, acredito que eles o farão trabalhar, pelo menos Solera prometeu que terminará antes que o Maestro chegue.
E os problemas com Solera estavam apenas começando….. na manhã de 21 de setembro, Verdi tomou a diligência de Nápoles com destino a Milão. Muzio se apressou em contar tudo a Barezzi: “No sábado ao toque da Ave Maria à noite chegamos a Milão depois de uma péssima viagem e sempre acompanhados por uma chuva constante e muito forte. O Maestro está de cama há dois dias com uma dor reumática; mas agora está um pouco melhor; estamos cuidando bem dele um grande alento veio das animadoras notícias que chegaram do leste: os soberanos da Rússia aplaudiram o “Due Foscari”, e no San Benedetto de Veneza, “Un giorno di Regno”, com o título de “Il festo Stanislao”, divertiu o público. O maestro comentou que “o teatro é certamente uma coisa muito engraçada”.
Este obscuro admirador acha que cabe nesta série, para ilustrar e termos uma ideia do ânimo do mestre nesta época de “galera”, uma carta que escreveu a um certo L. Masi de Roma que conhecera em Nápoles para lhe agradecer a notícia (não muito reconfortante) do desfecho de “Alzira” e para lhe dizer, como já relatamos, que o mal dessa obra estava nas entranhas: “Meu caro Masi, obrigado pelas notícias da Alzira, mas agradeço ainda mais pela memória que guarda do teu pobre amigo que está continuamente aprisionado em notas rabiscadas… Malditas notas! … Como estou de corpo e alma? … Estou bem de corpo, mas a alma é negra, sempre negra, e será sempre assim até que eu termine esta carreira que abomino … E depois? … É inútil se enganar! … sempre será tão negro! … A felicidade não existe para mim! … Você se lembra dos longos discursos que fizemos na minha sala de Nápoles? … Que filosofia! … Mas quantas verdades! .. Ah se eu tivesse cabeça e ombros de carregador! … Comeria bem e dormiria em paz os meus sonhos! … Não fique zangado, meu caro Masi, mas sempre me ame e me escreva com frequência que sempre serei grato. ” Apontado como exemplo irrefutável de seu pessimismo, o discurso traz as consequências de um período estafante em que, embora admitindo as “imagens sombrias” de sua concepção atormentada do mundo, o compositor não encontrou um momento de verdadeira paz, longe dos estímulos de uma vida fantasiosa. Obrigado a viajar constantemente, correndo para cima e para baixo para verificar se as montagens estavam indo se não para o melhor, para o menos ruim e tinha ainda , o cumprimento dos contratos. A expectativa com Attila, no entanto, lhe traz um sopro de satisfação, e maliciosamente escreveu que cogitava “deixar os críticos e jornalistas gritando e fugiria para Londres que estava de portas abertas”. O exílio é um dos seus propósitos, mas só na aparência, como se procurasse o canto do descanso, um conforto imaginário porque a ambição era bem diferente e mais forte do que a vontade de se aposentar, que também surge de vez em quando com o cansaço do corpo e alma.
Voltemos ao “…e os problemas com Solera estavam apenas começando….” Solera havia feito as malas, deixou o projeto por completo e seguiu com sua esposa para Madrid de mala e cúia, onde se tornou diretor do Teatro Real. Má não foi beeeem assim: reza a lenda que o real motivo para esta súbita mudança foi que sua esposa, a cantora Teresa Rosmira, tendo sido vaiada pelo público milanês em “Gabriela di Vergy” de Donizetti, rompeu seu contrato com o La Scala e em climão zarpou para Madrid, levando na bagagem o marido. Por certo não houve tempo nem espírito para concluir o trabalho, deixou o libreto incompleto com o último ato a terminar e sem as várias alterações solicitadas por Verdi nos outros atos. “Ma cosa resta da succedere adesso?” Verdi, após diversas tentativas vãs de despertá-lo para concluir a tarefa acabou convocando o fiel Piave para o poema e Maffei para a elaboração do final da ópera. Piave concorda em intervir no trabalho de outro artista, porque a oportunidade de trabalhar com Verdi não será discutida. Maffei faz o rascunho, Piave assumiu a poesia. Verdi instrui Piave a ignorar os planos originais de Solera para um final grandioso com coral e se concentrar nos personagens, uma mudança significativa no libreto. Uma vez em Veneza, em 25 de dezembro, ele informou Solera, embora com relutância, das novas decisões sobre o libreto e outras alterações no enredo… “Não sei se lhe escrevi outra vez que antes de sair de Milão paguei ao senhor Verati aquela sua conta. Não tens mais dívida com ninguém em Milão….. esperei até a metade do mês para receber o 4º ato seu, como te implorei em minha última carta, visto que você nunca me mandou, fiz as alterações ao lado de Piave como você me autorizou em sua última carta… a ópera acabou com um Prólogo e três atos…”, e anexou as alterações e propostas em uma carta e envia para Solera. Este ao ler as alterações desaprovava veementemente.
Temistocle Solera respondeu aborrecido, desanimado e tarde demais para reparar a falha, entristeceu-se: “Meu Verdi, a tua carta foi um raio para mim: não te posso negar a minha dor indefinível em ver um trabalho, que ousou agradar-me, encerrado como uma vil “paródia”. O cálice que você me faz beber é muito doloroso; só você poderia muito bem me fazer entender que ser libretista não é mais uma profissão para mim … Por enquanto peço que pelo menos mude um pouco as linhas que não são minhas, para que a pílula seja menos amarga.” Mas o final da carta a Verdi parecia muito mais conciliador: a crise econômica de Solera na Espanha foi tão grave que ele não hesitou em pedir: “Já que você pensa que ainda tem algo para me dar ficarei muito grato se quiser enviar este dinheiro o mais depressa possível em Barcelona, através de letras de câmbio.” Verdi jamais perdoou estes “insulto” ao seu juízo. Assim foi feita a rescisão com Solera. Depois, magoado, com as manipulações de Piave em Attila atacou, sem ética nenhuma, seu colega que alterara a ideia original do fim da ópera. Ele não era do tipo que se rebaixava a considerar seus colegas como pessoas de seu nível. Em confidências, feitas posteriormente ao biógrafo de Verdi, Eugenio Checchi, ele não dispensa a faca afiada apontada aos demais colaboradores do venerável mestre, “…são fracos como um maricas: não entendo como ele chegou a aceitar os libretos daquele burro do Piave … burro, sim senhor, e não mudo a opinião; e aquele vigarista do Salvatore Cammarano, que por ter escrito o libreto do “Trovatore” merece prisão, para dizer o mínimo.” Quando, anos depois, Solera dele se aproximou, já então em declinio de sua sorte, sua atitude foi a de Henrique V ante seu antigo companheiro de bebida: ” Não te conheço, velho; faze tuas orações….” Havia, definitivamente, algo “falstaffiano” em Solera.
Fofocas a parte, o tempo não espera e às vésperas de partir para Veneza, o mestre não havia terminado seu trabalho o poema estava demorando muito. O Tempo, que foi diminuindo visivelmente, nos leva ao dia 26 de dezembro e “Giovanna d’Arco” abriu a temporada no Fenice em Veneza, o compositor teve que estar presente. Verdi havia conseguido adiar a estreia de Attila para março. Ele ainda tinha muito a escrever. Revê com Piave os problemas que ainda estão por aparecer, problemas de estilo, libreto, verso, figurino… era demais, acabou ficando novamente de cama por dois dias: “Eu ficou dois dias na cama por causa de um maldito reumatismo! Este ano, de tempos em tempos, sou atacado por esses sinais incômodos da velhice(tinha 32 anos!) … Mas o que ficou velho? … Mas! … Mundo … Olha meu querido Piave que não façamos bagunça”, e pede um final “alla Foscari”, mas acrescenta: “Dane-se isso… gostaria que fosse como o trio de “Ernani”.
Dezembro… Attila e seus homens avançaram sacudindo as peles e espadas em grande cavalgada. Eles são pessoas queridas, fantasmas inofensivos comparados àqueles em carne e osso que depositam suas condições em cartas na caixa de correio. O editor Francesco Lucca e sua esposa Giovannina, mulher com quem é difícil discutir, perguntam quando começa a obra prometida “Masnadieri”. As editoras concorrentes da Ricordi já tinham os direitos de impressão de Attila, aguardavam o “Corsaro” já combinado com o empresário Benjamin Lumley (empresário inglês do Teatro de Sua Majestade) retirado de um poema de Byron sobre versos de Manfredo Maggioni. A viagem à Inglaterra já está sendo discutida… “quanto per me risolvere”. Os hunos se aproximam … Imagine, eles gostariam de cantar! Verdi ficou muito fraco, ganhou mais vinte dias de cama, “parecia vinte séculos”, o médico olha para ele sério: “Que coisa linda se você pudesse descansar por pelo menos seis meses!”. O “Allgemeine musikalische Zeitung”, não muito generoso com votos de melhora para o maestro, anunciou em 25 de fevereiro: “Giuseppe Verdi, o compositor de ópera que alcançou repentina fama nos últimos tempos, morreu em Veneza.”
A triste expectativa era, felizmente, um bom presságio. As forças voltaram pelo menos o suficiente para terminar o trabalho. É claro que, após as crises reumáticas, uma infecção no sistema digestivo pode ser fatal. Em 22 de março em Milão estava “muito magro”, escreve Muzio, mas seus olhos eram muito vivos e sua tez era morena. Attila por fim mereceu a palma da vitória junto com o tenaz compositor.
A estreia em Veneza no Teatro La Fenice em 17 de março de 1846 incluía o estelar elnco com Ignazio Marini (Attila), Natale Costantini (Ezio), Sophie Loewe (Odabella) e Carlo Guasco (Foresto), foi friamente recebida pelos críticos, mas Attila se tornou uma das óperas mais populares de Verdi na década de 1850. O empresário Benjamin Lumley, em sua autobiografia observa que “talvez nenhuma das obras de Verdi foi recebida com mais entusiasmo na Itália ou coroando o compositor com louros mais abundantes do que Attila. O libreto de Solera/Piave despertaria o patriotismo que, ainda em segredo, dominava todos os corações italianos. O contraste das cenas, as mutações frequentes, os efeitos assegurou o sucesso à expressão de patriotismo que vibra em toda ópera, em certas estrofes excitaria vivamente o sentimento popular. Havia no libreto frases que a música, longe de encobrir, acentuava para entusiasmar a multidão, para incitá-la a repeti-las com intenção reservada de exaltar o amor pela pátria oprimida.
Assim pensava Verdi, e não se equivocou. Falar de pátria, naquela época, equivalia a articular as mais completas aspirações de um povo. Bastava o nome “Itália” para que pulassem os corações mais apressadamente. Na noite de estreia, escutando as primeiras alusões políticas que se multiplicavam na peça, o público demonstrou o seu assentimento e seguiu com mais apreço, com maior ansiedade, o desenrolar da trama.Ainda que o autêntico mérito da música, bem apropriada, e em perfeita sintonia, fizesse prever o triunfo sem o fator patriótico, é inegável que este sentimento lhe angariou a simpatia geral, conquistando a assistência. Quando Ezio cantou a sua frase: “…Avrai tu l’universo, resta l’Italia a me !” (terás tu o universo, fique a Itália para mim !) (faixa 10 / 04)*… todo o público aplaudiu freneticamente; o grito “”Itália para nós” foi dito por milhares de gargantas simultaneamente, como se fora o ardente desejo de um povo inteiro. Dias depois, repetia-se nas ruas o grito de Ezio vibrante de oculto pensamento. Assim como as mulheres venezianas, abrasadas de amor pátrio, cantavam o trecho de Odabela: “… nós mulheres italianas, cingindo de ferro o seio, pelo ardoroso anseio sempre vereis pugnar…” Neste trecho o auditório erguia-se como um só, aclamando o maestro e a cantora que, naquele momento, parecia anunciar no palco o santo desejo de todas as italianas.
A alusão à futura glória da Itália unida, aos destinos da pátria, patenteava-se claramente na romança e Foresto, com que a plateia delirava”… querida pátria, nossa mãe e rainha de poderosos, magnânimos filhos, que descalabro, deserto, ruína; mora o silêncio da tristeza! Mas das algas desta maresia, nova Phoenix virás ressurgida, tão soberba, de galas vestida que serás o assombro do mundo!…” (faixa 19 / 06)*. Pode-se dizer que a animação derivava dos próprios sentimentos da população expressos nos cantores e não do mérito da música. A música, com suas notas maravilhosas, exprimia o desejo de batalha, de reconquista que animava os espíritos….
O Enredo
Attila é a nona ópera de Verdi com libretto de Tomistocle Solera e Francesco Maria Piave sobre “König der Hunnen “ – Attila, Rei dos Hunos – de Zacharias Werner .
*Observação: quando as faixas forem mostradas colocaremos em primeiro a versão do maestro Muti com o Samuel Ramey (1989) e a segunda opção de faixa é a versão do maestro Muti com o Ruggero Raimondi (1970). (faixa x / y)
Estreia: (Veneza) Teatro La Fenice em 17 Março de 1846.
Cenário Aquileia, as lagoas do Adriático e perto de Roma, em meados do século V
O prelúdio segue um padrão que mais tarde se tornou comum na obra de Verdi: uma abertura contida leva a um grande clímax, depois ao início da continuidade melódica que se fragmenta rapidamente.
Prologo
Cena 01 A praça de Aquileia
A ação situa-se no ano 452 da Era Cristã, e a ópera inicia-se quando Attila, o flagelo divino, invadiu a Itália e saqueou Aquileia. Entre as ruínas fumegantes da cidade, os hunos, os hérulos, os ostrogodos e outros seguidores de Attila festejam seu grande líder, a quem exaltam com palavras dignas de uma divindade nórdica, mitológica, quase wagneriana da guerra. O líder bárbaro, porém, não está inteiramente satisfeito: o triunfo que sua confiança lhe confere é obscurecido pela desobediência de seu escravo bretão Uldino, que salvou uma multidão de mulheres venezianas, em vez de matá-las segundo as ordens recebidas. Uldino declara que queria dar a Attila um presente digno dele, pois essas mulheres lutaram ferozmente no campo e, portanto, merecem a honra das armas. Um grupo de mulheres guerreiras é trazido, e sua líder Odabella, filha do governador morto de Aquileia, proclama o valor e o zelo patriótico das mulheres italianas. A ária dupla de Odabella é uma exibição vigorosa do poder do soprano, seu primeiro movimento, “Allor che i forti corrono” (faixa 06 / 03), mostrando uma forma extraordinariamente extensa que permite a Attila inserir comentários de admiração. Impressionado Attila dispõe-se a conceder-lhe o que ela pedir. E Odabella pede-lhe uma espada. Attila entrega-lhe então a sua própria arma que a mulher aceita com entusiasmo, fazendo sobre ela de imediato um voto: o de usá-la na sua vingança. Tamanha é a força desse movimento que a cabaleta, “Da te questo” (faixa 08 / 03), apenas dá continuidade ao tom musical, embora com ornamentação mais elaborada.
Quando Odabella sai, o general romano Ezio aparece para um dueto formal com Attila. Ezio pede que a audiência seja privada. Diz que o Imperador de Constantinopla está velho e enfraquecido. Valentiniano, que reina a Ocidente, é ainda um adolescente. É por isso que propõe um acordo secreto para dividir o Império Romano do Oriente e do Ocidente: Attila poderá conquistar o mundo inteiro desde que ele, Ezio, possa conservar a Itália no Andante “Tardo per gli anni, e tremulo” (faixa 10 / 04). Attila recusa furiosamente essa proposta desleal: um povo tão covarde precisa ser castigado pelo representante de Votan. Ezio ainda tenta recuar para o seu papel de mensageiro de Roma, mas Attila diz que a cidade será arrasada, ao que Ezio responde desafiando-o “Vanitosi! che abbietti e dormenti” (faixa 12 / 04).
Cena 02: O Rio-Alto nas lagoas do Adriático
A cena muda, saímos do acampamento bárbaro, vamos para Rio Alto, “nas lagoas do Adriático”, na prática no lugar onde Veneza vai nascer. Algumas cabanas sobre palafitas conectadas por pontes improvisadas; a escuridão está prestes a dar lugar à luz do amanhecer em um céu ainda desordenado com nuvens tempestuosas. Primeiro vem uma violenta tempestade orquestral, depois o amanhecer gradual é retratado com uma passagem de cores e sons orquestrais cada vez maiores. O sino da manhã toca; alguns eremitas saem das cabanas para celebrar o rito em um altar rústico de pedras. Uma novidade é trazida pelo mar nos raios da luz em expansão. Chegam barcos cheios de fugitivos, de gente que fugiu de Aquiléia: procuram fuga e refúgio; a cena em torno da sua chegada é muito descritiva, parece realmente ver os canais vindos do mar, empurrados pela brisa da manhã. Grande tensão humana e fraterna, imediatamente perceptível no coro polifônico de fugitivos que ecoa o coro monódico dos eremitas. Foresto lidera um grupo de sobreviventes do ataque de Attila em Aquileia. Entre os refugiados, Foresto, a quem essas pessoas consideram um guia e salvador. Foresto, namorado de Odabella, teme muito pelo destino da mulher, que sabe estar nas mãos do Rei Átila. Num Andantino que novamente mostra uma extensão formal incomum, “Ella in poter del bárbaro” (faixa 16 / 06), seus pensamentos se voltam para sua amada Odabella, capturada por Attila. O brilho do sol é um bom presságio, e o jovem sente que a esperança renasceu; a mesma que ele infunde nos seus companheiros de desgraça, instados por ele a construir no lugar onde eles vieram para a segurança, uma bela cidade, que não os faça lamentar a Aquileia que eles abandonaram à força. Na cabaleta subsequente, “Cara patria, gia madre” (faixa 19 / 06), o solista é acompanhado pelo coro para uma conclusão empolgante da cena Foresto pede aos seus companheiros de infortúnio que construam uma nova cidade naquele preciso local, uma cidade renascida das cinzas, como phoenix: “Sim, das algas destas ondas, / Que phoenix nova, / viverás de novo, nossa pátria mais bela, / da terra e do espanto das ondas!”: Homenagem declarada a Veneza e seu teatro.
Ato 1
Cena 01: Um bosque próximo ao acampamento de Attila
O episódio esperançoso e marcial, dá lugar à primeira cena do primeiro ato, um bosque enluarado no acampamento de Attila, que desta vez está bem mais abaixo, perto de Roma, onde o grande e terrível líder chegou. Um solo melancólico de cordas apresenta Odabella triste, que permaneceu no acampamento de Attila para encontrar uma oportunidade de assassiná-lo. Em um Andantino delicadamente marcado, “Oh! nel fuggente nuvolo” (faixa 21 / 07), Odabella vê nas nuvens as imagens do pai morto e de Foresto . O próprio Foresto aparece diante dela, ele passou por muitos perigos para alcançá-la, e agora que a encontrou naquele lugar, ele a acusa de traição: ele a viu com Attila. O dueto assume o padrão multi-movimento usual: as acusações de Foresto permanecem através do Andante menor-maior, “Si, quello io son, ravvisami” (faixa 23 / 08), mas Odabella o convence de seu desejo de matar Attila, e eles amorosamente se unem em uma cabaleta uníssono , “Oh t’innebria nell’amplesso” (faixa 25 / 08).
Cena 02: A tenda de Attila
Attila conta a seu escravo Uldino sobre um sonho terrível em que um velho um velho enorme que lhe barrava o caminho de acesso a Roma em nome de Deus gritando: “Até agora a tua missão era castigar os mortais. Retira-te! Este solo é Reino dos Deuses!” “Mentre gonfiarsi l’anima” (faixa 27 / 09). Mas ele descarta a visão com uma cabaleta guerreira, “Oltre quel limite” (faixa 29 / 09), recuperando sua frieza, Attila reúne as tropas e ordena que marchem contra Roma. Uma explosão vocal belicosa dos seguidores de Attila é interrompida por uma procissão de mulheres e crianças liderada pelo velho do sonho de Attila, eles entram no meio da cena onde estão as tropas de Attila; entre os integrantes da procissão estão também Foresto e Odabella. O Bispo Leão repete a Attila as mesmas palavras do sonho e o líder dos Hunos finalmente entende o significado de sua visão. Attila está apavorado, ele parece ver São Pedro e São Paulo apontando espadas flamejantes para ele (aqui, nas faixas 31 / 10, entra uma daquelas semelhanças musicais: em sua composição Verdi utiliza notas que se assemelham, e muito, ao Commendatore quando fala com Don Giovanni no último ato do obra prima de Mozart). Ele se ajoelha e os hunos o observam maravilhados, enquanto os anfitriões cristãos se regozijam. Sua liminar precipita o Largo do concertato finale, “No! non e sogno” (faixa 32 / 11), que é liderado por um aterrorizado Attila, cuja declamação gaguejante é respondida por uma passagem de lirismo sustentado de Foresto e Odabella. O concertato assume proporções tão impressionantes que Verdi achou por bem encerrar o ato ali, sem a tradicional estreta.
Ato 2
Cena 01: O acampamento de Ezio
Muito mais confuso, apressado e pouco leve para ser onírico, o resto da obra, ainda que a popular técnica de fabulação evite a reconstrução histórica permanece sempre no nível da fantástica inventividade.
Ezio recebe a ordem de retornar a Roma porque uma trégua foi concluída entre o rei dos hunos e o imperador Valentiniano. No Andante, “Dagl’immortali vertici” (faixa 35 / 12), ele reflete sobre a queda de Roma. Foresto aparece e sugere um plano para destruir Attila surpreendendo-o em seu acampamento. Em uma cabaleta impetuosa, “E gettata la mia sorte” (faixa 37 / 12), Ezio espera ansiosamente por seu momento de glória.
Cena 02: O acampamento de Attila
Segue-se a cena do banquete no acampamento de Attila onde os Hunos aclamam o seu rei em mais um coro bélico. Ouvem-se as trompas que anunciam a chegada dos convidados, e Attila levanta-se para os receber. Attila cumprimenta Ezio , é então que os druidas lhe segredam que Wotan os advertiu para que não se sente à mesma mesa com os seus antigos inimigos, as sacerdotisas dançam e cantam. Uma súbita rajada de vento apaga todas as velas, evento que precipita mais um concertato finale, “Lo spirto de’ monti” (faixa 41 / 14), um movimento complexo na confusão que se segue Ezio volta a apresentar a Attila a sua proposta que é novamente recusada pelo Huno com desprezo. Foresto revela a Odabella que Uldino irá em breve oferecer a Attila uma taça de vinho envenenado. Isso roubará a Odabella a sua vingança (que deseja uma vingança mais pessoal), furioso Attila quer saber o nome do responsável. Foresto aproxima-se rindo das ameaças de morte, e Odabella pede como recompensa de ter salvo a vida ao rei, que lhe seja entregue a ela o poder sobre a vida de Foresto. Attila aceita, e, como testemunho da sua gratidão, compromete-se a tornar Odabella a sua rainha e lança a estreta final, “Oh miei prodi! un solo giorno” (faixa 44 / 14). Odabella diz a Foresto que fuja, e Foresto jura vingar-se daquele gesto da jovem que interpretou como traição O ato termina com os Hunos pedindo a Attila que retome o combate contra os pérfidos romanos.
Ato 3: Um bosque
Foresto aguarda notícias do casamento de Odabella com Átila, e em uma romanza menor – maior, “Che non avrebbe il misero” (faixa 46 / 16), é informado de que o cortejo está já muito próximo, e revolta-se com a ideia de que uma jovem tão bela e tão pura o tenha traído daquela forma. Ezio chega, incitando Foresto para uma batalha rápida dizendo que os seus homens esperam apenas um sinal para atacar os Hunos. Um coro distante anuncia a procissão nupcial, mas de repente a própria Odabella aparece, incapaz de prosseguir com a cerimônia, lavada em lágrimas, implorando ao pai que lhe perdoe por ir casar-se com o seu assassino. Foresto diz-lhe que é tarde de mais para se arrepender, ao que Odabella responde dizendo que foi sempre a ele que ela amou.
Agora entra Attila, em busca da noiva, que encontra com Ezio e Foresto. O palco está armado para um quartetto finale. No Allegro, “Tu, rea donna” (faixa 50 / 18), Attila acusa os três conspiradores por sua vez, mas eles respondem, cada um com uma linha melódica diferente. No clímax do número, enquanto se ouve o clamor dos romanos no seu ataque aos Hunos, Odabella apunhala Attila. “Até tu, Odabella?” – diz ele. Mas estas últimas palavras do rei são apagadas pelos gritos de triunfo dos romanos que encontraram finalmente a vingança.
Cai o pano ——————————
O ato final é, como vários apontaram, um pouco fraco em sua ação teatral, e as partes do enredo que Verdi e Piave criaram um tanto superficiais; talvez o plano original de Solera para um grande final coral fosse mais adequado. Tal como acontece com todas as primeiras óperas de Verdi, há momentos individuais impressionantes, particularmente nos movimentos de grandes conjuntos que inspiraram constantemente o compositor a redefinir e aprimorar sua linguagem dramática. Attila tinha um ambiente propício e foi a ópera predileta naquele tempo em que a alma da nação principiava a florescer a esperança.
A inflamação gástrica havia deixado no Maestro sequelas. O convalescente tinha que observar o descanso do trabalho, fazer exercícios, beber águas curativas e se distrair. Fulgia novamente o sol. Trabalhar era seu lema e sua distração. Quando Verdi se sentava ao piano e cobria o áspero papel com os sinais mágicos das notas, sentia a plenitude da vida e alegria de existir….
Gosto muito desta ópera de Verdi… A música é fascinante, começando pelo prelúdio impossível de resistir, e o prólogo é uma obra-prima absoluta, no geral é uma bela ópera com grandes árias e cenas que são particularmente memoráveis. Aos amigos do blog estamos compartilhando duas belíssimas versões desta ópera com o maestro Ricardo Muti (Nápoles, 1941) todos os cantores são excelentes em gravações incríveis, uma em estúdio e outra ao vivo. Verdi estava em seus anos de “galé” e a ópera termina de uma forma que sugere que ele só queria terminar tudo. Musicalmente, porém, é um banquete.
Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Bom divertimento !
Personagens e intérprtes
Esta primeira gravação eu considero a mais recomendada, o principal fator é a qualidade da turma do Scala de Milão. Muti apresenta uma direção musical com um esplêndido discurso orquestral e com magníficas atuações de coro e orquestra, dentro de um espírito teatral, interpretadas de forma soberba. Outro ponto importante a se destacar é a presença do contrabaixo Samuel Ramey (1942) , esplêndido no papel-título, proporcionando uma vocalidade excepcional a partir de sua experiência de bel canto e a beleza do peculiar timbre de sua voz, o canto é irresistível. Samuel Ramey que ao longo da década de 80 inquestionavelmente acumulou mais performances no papel de Attila do que qualquer outro baixo desde a estréia no “La Fenice”… Attila “é ele”. A americana Cheryl Studer (1955) logo no Prólogo na área “Allor che i forti corrono” mostra todo seu vigor, e na faixa 21 em “Oh! nel fuggente nuvolo “ uma delicadeza nobre, um lindo canto uma ótima Odabella. O barítono Giorgio Zancanaro nas faixas “Tardo per gli anni, e tremulo”(10) e ““Vanitosi! che abbietti e dormenti”(12) canta os duetos com Ramey de forma
magnífica, são faixas incríveis, no minha nula opinião! Já o nova-iorquino Neil Schicoff (1949) é um Foresto honesto faz muito bem seu papel, junto com o coro nas grandes passagens das faixas 17, 18 e sobretudo na faixa 19 mostra bem a intensidade patriótica que Solera e Verdi queriam chegar, são lindas ! Sempre vou gostar e respeitar muito o Coro e Orchestra do “Teatro alla Scala di Milano”, sempre em grande sintonia com a orquestra e o gigante Maestro Muti ! Esta gravação eu recomendo. Tenho a absoluta certeza de que vocês vão adorar, eu prometo.
Giuseppe Verdi – Attila
Attila, rei dos hunos – Samuel Ramey, baixo Uldino, um Breton escravo de Átila – Ernesto Gavazzi, tenor Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Cheryl Studer, soprano Ezio , um general romano – Giorgio Zancanaro, barítono Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Neil Schicoff, tenor Leone ( Papa Leão I ) – Giorgio Zurian, baixo
Coro e Orchestra del Teatro alla Scala di Milano
Conductor: Ricardo Muti
Recording: 1989
Esta segunda gravação achei interessante postar porque foi feita ao vivo em 21 de novembro de 1970 com o mesmo Ricardo Muti mais novinho mostrando sua incrível habilidade em uma das suas primeiras incursões no repertório de Verdi. Esta também é uma gravação ótima com som excelente e ao vivo! Gosto muito da regência do Muti em “Attila” é muito boa e as sutilezas da música são bem evidenciadas, o que, a meu ver, auxilia os cantores em suas interpretações dos personagens. No papel de Attila está o incrível Ruggiero Raimondi (1941) o que torna esta audição bastante atraente, também era muito jovem em 1970 nos oferece um canto viril com bastante cor e profundidade, muito boa interpretação com seu baixo-barítono característico. Guelfi se iguala a Ruggiero em seus duetos e é completamente crível como um guerreiro rude, o general romano egoísta. O canto da Antonietta Stella (1929) é maravilhoso, muito lírico ela é muito expressiva tinha 40 anos quando essa apresentação foi feita.
Ela não demonstra nenhuma dificuldade com a personagem, sua Odabella encontra belos momentos para brilhar sobretudo no início do primeiro ato em “Oh! nel fuggente nuvolo” (7). Gianfranco Cecchele (1938), um dos melhores tenores de sua época, é um Foresto também em alto nível, uma gravação muito equilibrada mostra bastante entusiasmo na interpretação, Cecchele foi, em minha opinião, voluntariamente esquecido pelas gravadoras, sempre me lembrou Mario Del Monaco…. canto “grande” e marcante. Esta é uma gravação que recomendo também, nos oferece um Verdi de primeira classe, em um nível artístico muito alto da RAI Symphony Orchestra & Chorus, com um elenco absolutamente fantástico dando uma performance apaixonada e emocionante, o som ao vivo é muito bom para transmissão mono da RAI.
Giuseppe Verdi – Attila
Attila, rei dos hunos – Ruggero Raimondi, baixo Uldino, um Breton escravo de Átila – Ferrando Ferrari, tenor Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Antonietta Stella, soprano Ezio , um general romano – Giangiacomo Guelfi, barítono Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Gianfranco Cecchele, tenor Leone ( Papa Leão I ) – Leonardo Monreale, baixo
RAI Symphony Orchestra & Chorus, Rome
Conductor: Ricardo Muti
Live Recording, november 21, 1970
Semanas após a estreia de “Giovanna d’Arco” Verdi, ultra solicitado, já se comprometia com mais um contrato; em março de 1845 assinou com a editora Lucca uma segunda coleção de seis romances: “Il Tramonto”, “La zingara”, “Ad una stella”, “Lo Varredura”, “O mistério”, “Brindisi”, com textos poéticos de Andrea Maffei e Manfredo Maggioni. Dedicado pela editora a Don José de Salamanca, cavalheiro da câmara da Rainha de Espanha, e imediatamente transcrito para piano pelo genovês Carlo Andrea Gambini, os romances foram apresentados em um aspecto luxuoso, com ilustrações originais de Gandolfi e Focosi. Além dos romances Verdi já havia se comprometido, por contrato, a escrever mais seis óperas. Está a pleno vapor em seus “anos na galera”, quando era obrigado a produzir óperas e pequenas peças por encomenda.
A conta de novas obras já havia subido, primeiro quatro, depois seis. Depois de alguns passeios na região de Como, a composição de “Alzira”, sua oitava ópera, prosseguiu na primavera de 1845 mesmo com a crônica gastrite que tanto o atrapalhava e fazia sofrer. Havia duas razões pelas quais Alzira era um acontecimento especial. Foi a primeira que escreveu especialmente para o famoso Teatro San Carlo de Nápoles, e assim lhe ofereceu a oportunidade de se confrontar com um público muito significativo e um teatro com o qual ele tinha tido pouco sucesso até então. A segunda razão era a chance de colaborar com Salvadore Cammarano(1801-1852), poeta residente no San Carlo, certamente o mais famoso libretista ainda em atividade na Itália, conhecido por sua sequência de sucessos na década anterior sobretudo com Gaetano Donizetti. Por causa da fama de Cammarano, Verdi parece ter participado pouco ativamente da criação do libreto (ao contrário das obras que preparou com seus principais libretistas, Piave e Solera), estando na maior parte satisfeito em aceitar os ditames e os instintos altamente profissionais de Cammarano desta vez o Maestro pouco ou quase nada interferiu.
Verdi tinha recebido uma sinopse da ópera de Cammarano, e o maestro adotou uma atitude um tanto passiva, talvez encantado em poder trabalhar com este libretista que era tão famoso. Em uma carta de 23 de fevereiro 1845, Verdi tinha expressado seu otimismo de que “a tragédia de Voltaire vai tornar-se um excelente melodrama, com a certeza de que o autor do libreto fosse “colocar alguma paixão” e que ele iria escrever a música para corresponder a esta emoção. Em sua correspondência, parece que Cammarano já tinha enviado alguns versos de exemplo, porque na data desta carta de Verdi também continha o seu entusiasmo para receber mais.: “Peço-lhe que me envie prontamente mais alguns versos. Não é necessário que eu lhe diga para manter o diálogo curto. Você conhece o teatro melhor que eu.”
Talvez a gastrite do Maestro esteja relacionada ao grande acúmulo de responsabilidades ainda aos trinta e um anos de idade, além das composições e montagens ele tinha que ser hábil na venda dos direitos das óperas pelos teatros europeus, e em maio deste ano conheceu os editores franceses León Escudier (1821-1881) e Marie Escudier (1819-1880). O interessante relato dos Escudier mostram claramente o caráter do mestre: “Me deram uma falsa ideia de seu caráter, retratando-o como um homem frio, pouco comunicativo e sempre absorto em sua arte. Verdi me deu as boas-vindas cheias de afabilidade, e recebeu com graça francesa vários amigos que vieram visitá-lo enquanto eu estava com ele…. falamos muito da música francesa e dos compositores que agora escrevem para o cenário parisiense; ele conhece todas as nossas produções musicais que merecem ser conhecidas, e expressa profunda simpatia por tudo o que vem da França.” Nesta época o mestre falava sinceramente com Escudier, já que a França ainda representava, aos olhos de um italiano daqueles anos, uma esperança mais livre de vida intelectual e política, sem falar que Escudier viera a Milão para adquirir todos os direitos de Óperas de Verdi na França e, portanto, seu testemunho foi uma publicidade valiosa para os leitores daquele país. As precisas descrições de Escudier continuaram ilustrando (e ampliando) a atraente figura física do mestre italiano, sua sala de trabalho mobiliada com simplicidade, modéstia e entusiasmo, seus gostos
artísticos e o discernimento com que ele adivinhava os mecanismos da música. “Ele queria ver a grande partitura de “Le Désert” do jovem compositor francês Félicien David … Depois de lê-la de uma ponta a outra exclamou: “Oh! Os franceses são realmente bons juízes! Eu esperava ler música densa, carregada de notas; mas vejo, em vez disso, a instrumentação clara e fácil da escola francesa, combinada com a melodia simples e poética da escola italiana. Diga a David que um dia eu terei a sorte de poder pessoalmente expressar minha admiração por seu gênio.”…. Marie Escudier ainda descreve: “Verdi é um belo rapaz de cerca de vinte e oito – vinte e nove… (na verdade estava com trinta e um), tem cabelos castanhos, olhos azuis (na verdade verde acinzentado), com uma expressão doce e viva ao mesmo tempo. Quando ela fala, sua fisionomia ganha vida; a mobilidade incessante de seu olhar reflete a variedade de suas sensações ; tudo nele revela um coração sincero e uma alma sensível. Pedi a Verdi que me deixasse ouvir uma peça do “Lombardi” que sempre me pareceu o melhor trecho desta obra, a Ave Maria. Ele imediatamente foi ao piano e cantou com expressão tocante esta página musical que ele próprio considera uma das suas boas inspirações. As obras do jovem e já famoso compositor são muito procuradas na Itália e pagas em peso de ouro. Tem uma boa fortuna, mas os seus gostos materiais são modestos. Em seu escritório não há nenhum móvel ou mobília que se destaque, mas apenas quatro ou cinco cadeiras, um piano de cauda, sua estatueta e, acima do piso, um quadro e adivinhe? … caricatura Francesa: “Grand chemin de la postérité (O Caminho da Posteridade).” Marie se despede com duas comparações que o leitor de seu país deve ter feito para formar uma opinião muito lisonjeira sobre o homem “que brilhará”, como escreveu Donizetti. “Em poucas palavras, posso traçar o retrato físico e moral do jovem mestre: … em feições e estatura ele se assemelha a Donizetti, e na suavidade da fala com Bellini.” Comparações que vão além de um elogio externo e dizem respeito ao estilo do músico.
Por estes relatos podemos imaginar que Verdi não era tão severo, ele era flexível e acolhedor, é muito diferente do que por carta, onde ele bate com uma indiferença muitas vezes cruel. Ele não admitia ser criticado sobretudo por motivos de saúde, o empresário napolitano Flauto, que depois de algumas considerações sobre o atraso da conclusão da ópera “Alzira” fizeram Verdi dar pulos de indignação, Cammarano já havia alertado que Flauto havia escrito “em certo tom desagradável” que “não gostou nada do atraso”. Verdi desabafa “Nós, artistas, nunca podemos ficar doentes. Precisamos sempre ser homens honestos e cumprir os prazos! … Os empresários acreditam, ou não acreditam, dependendo de seus interesses. Não posso ficar feliz com a maneira como o Sr. Flauto … sempre duvida da minha doença e dos meus atestados ”. A ópera só poderia ser encenada em julho. Por mais indisposto e abatido que estava.
Na verdade, o mestre estava trabalhando muito naquele momento para encontrar uma saída para suas obras na praça de Paris, e ele vai se aconselhar com Rossini, que responderá a frequente preocupação do jovem colega, especificando os termos em que deverá atuar, acrescenta uma afabilidade que é toda uma programação: “Na Opéra os royalties são 250 francos pelas primeiras 40 apresentações, após as quais diminuem e em seguida vem a venda aos editores da propriedade da música, que pode ser calculada para o bom Verdi de 20 a 30 milhões de francos. Devido à incerteza do sucesso, o amigo poderia pedir um prêmio de alguns milhares de liras, para cobrir despesas de viagem e estadia. ” A sutileza administrativa de Rossini estava neste caso em perfeita sintonia com a parcimônia de Verdi, também porque se tem a impressão de que este procurava um caminho para Paris para viver em paz. Talvez a ideia de se estabelecer ali com, a ainda “crush”, Giuseppina Strepponi, longe de olhares indiscretos. Strepponi estava em Milão. A grande estrela dos palcos estava em declínio vocal. Naquela época o excesso de trabalho e a falta de cuidados abreviavam a saúde vocal dos cantores principais: as críticas dos jornais milaneses eram implacáveis: “No passado, era rodeada por um halo de glória. Mas a estrela brilhante que presidia seus destinos teatrais parece perto do crepúsculo, portanto, apenas envia uma luz débil… sobre os louros conquistados, ela nunca será esquecida por ninguém foi um dos belos orgulhos da Itália.” Os caras gostavam de queimar os artistas.
Apesar destas crises, Verdi partiu para Nápoles em 20 de junho com a composição quase encerrada; faltava o final, porque Cammarano ainda não lhe tinha escrito os versos correspondentes, mas na prática “Alzira”, com ou sem gastrite, iria estrear em Nápoles. Antes de partir o mestre teve uma conversa epistolar com Barezzi acho que vale a pena escrever porque é uma história deliciosa: “Barezzone” e sua família cultivaram a ideia de um teatro a ser construído em Busseto, inaugurado com uma obra do grande Giuseppe. A questão do teatro de Busseto terá alguns desdobramentos, vai merecer respostas mais ásperas do maestro, mas mesmo assim a iniciativa completamente ingênua dos seus concidadãos deu-lhe o ponto de partida para uma briga “a là italiana”. Um tanto exagerado, para falar francamente, um pouco histérico, como sempre acontecia com Verdi quando discutia com a família, é claro que pertence à categoria das brigas domésticas, fruto de tensões viscerais, noturnas, eu diria envolto na escuridão do tempo, que vão muito além dos eventos visíveis. “Estudei o projeto teatral e direi com a minha habitual franqueza que estou muito insatisfeito com ele. Na verdade não é muito delicado julgar e comprometer o meu nome perante as Autoridades, por uma palavra a amigos e uma carta de confiança “, começa. Os precedentes não nos são conhecidos, mas Verdi aí permite-nos compreender muito bem: “Todos os países do mundo fizeram teatro sem ter quem escrevesse e cantasse a ópera” Parece que o povo de Busseto já tivesse marcado o tempo para a inauguração do edifício, quando as obras ainda nem tinham começado. Deduzimos que eles mencionaram uma possibilidade para 1847. “Não retiro a minha palavra, mas sabes que em 47 tenho que escrever duas obras para Nápoles e para o editor Lucca; nem tenho estômago de bronze que possa suportar”. Na verdade, ele disse a Finola, “em três anos … seis obras”, e assim foi: em 1847 ele tinha “Alzira”, “Luisa Miller”, “Il corsaro”, “Attila”, “Macbeth” e “I masnadieri” representados.
Aqui está o verdadeiro motivo de seu alarme. O final é muito elevado em sua aparente modéstia: “Repito que não foi necessário me citar em sua decisão, muito mais do que meu nome me parece ambicioso para ter um teatro intitulado e um busto. Parte dos italianos sabem por prova de como me oponho, quando posso, a esta publicidade.” Porém o pessoal do Busseto inchou o peito e o teatro foi construído, não imediatamente, mas eles fizeram. E hoje, apesar de Verdi que não o queria, está lá para sua reverente honra. O Teatro Giuseppe Verdi hoje é uma pequena casa de ópera localizado numa ala da Rocca dei Marchesi Pallavicino na Piazza Giuseppe Verdi em Busseto, o teatro foi inaugurado em 15 de agosto de 1868 e tem capacidade para 300 pessoas. Apesar de Verdi se opor à sua construção (seria “muito caro e inútil no futuro”, disse ele) e ter a reputação de nunca ter colocado os pés nele, ele contribuiu com 10.000 liras para a construção. Na noite de abertura, todos os funcionários se vestiram de verde, os homens todos usando gravatas verdes, as mulheres usando vestidos verdes. Duas óperas de Verdi foram apresentadas: “Rigoletto” e “Un ballo in maschera” . Verdi não compareceu, embora vivesse a apenas 3 km de distância em sua casa, a Villa Verdi, na aldeia de Sant’Agata, em Villanova sull’Arda. Italianada brava, rapaiz….
Vamos voltar a Nápoles: “os napolitanos são curiosos: uma parte é tão rude, tão incivilizada, que é preciso vencê-la para ser respeitado, a outra o cerca com um calor de bondade que o sufoca. Para falar a verdade, só posso ficar feliz, porque até os empresários (o que é dizer muito) são gentis comigo.” Estando em território napolitano mais de um mês, Verdi escreveu sobre a Andrea Maffei (seu orientador na escolha dos temas ou no retoque dos versos). Mostrou-se seguro, mesmo que o ambiente não fosse o mais favorável ao moral de um compositor em voga, portanto, alvo da inveja de seus colegas e da imprensa local, que fomentava rivalidades para a diversão do pequeno público, ou daqueles que bocejavam em torno das apresentações. “Não tenho inimigos em Nápoles. Qualquer que seja o resultado da minha música, não se assuste ao ler os jornais. Eles dirão todo o mal imaginável: tenho certeza disso…. se Alzira vier a falhar, não irá me perturbar.” Na verdade, o libreto estava sendo aceito por Verdi porque ele estava ainda “altamente encantado” com a figura do libretista. No entanto, como o conteúdo do livro de Voltaire foi reduzido a um mínimo do envolvimento da religião e da política, as duas razões de ser do drama, que ficaram pouco mencionados, e do confronto de diferentes credos, diferentes civilizações e mundos diferentes, a obra tornava-se apenas mais uma variante do eterno triângulo. No entanto Verdi se lembrará dos murmúrios, mesmo um pouco tolos, provincianos, levantados pela imprensa napolitana sobre sua pessoa e a protagonista da ópera, Eugenia Tadolini. “…. escrevo continuamente há seis anos, viajando de cidade em cidade e nunca disse uma palavra a um jornalista, nunca implorei a um amigo, nunca utilizei influência de um homem rico para obter um resultado. Nunca, nunca: sempre desprezarei esses meios. Faço o meu melhor com as obras: deixo as coisas correrem sem nunca influenciar a opinião do público em nada.”
Mas Verdi, digamos, ficou realmente ofendido com as picadas dos jornalistas ou melhor, com o desfecho de “Alzira”, que não teve sucesso e além disso lançou críticas maliciosas. Quando chegou a Nápoles, não tinha do que reclamar e as suas cartas refletem muito bem o estado de quem gozava da confiança da maioria. Por ocasião de uma apresentação do Due Foscari, na noite de sua chegada, a notícia de que ele estaria no teatro atraiu um grande público. Os intérpretes, “animados pela presença de Verdi, como se por uma faísca elétrica, se superaram”, e o público “amontoado” nas poltronas, “entusiasmados quiseram testemunhar ao autor sua admiração, chamando-o repetidamente ao palco.” A crítica mais meticulosa e implacável foi a de Vicenzo Torelli (1807–1882), que deve ter sido um verdadeiro mastim (cão gigante) nas notícias. Ele registrou cada sinal de desaprovação, cada silêncio, cada aplauso perdido. Mas, com igual escrúpulo, aprovou as passagens da ópera que tocaram a sensibilidade do público, nada preconceituoso, aliás, muito disposto a saudar aquele que tão bem se apresentara no “Due Foscari”. Como disse: “A história da música italiana não oferece um exemplo de compositor mais afortunado que Verdi, tem o grande segredo de ser popular, e este é o triunfo mais invejável do que qualquer outro, já que a música dos teatros é feita para as multidões. Este amor, junto com a imparcialidade judiciosa de quem aplaude a beleza onde quer que esteja, dominou a mente dos espectadores no San Carlo, daí os vários juízes, as discrepâncias, as decepções perdidas e as grandes esperanças para o futuro… Tenho certeza que esta amarga lição que o nosso público lhe deu, servirá para torná-lo mais consciente, mais certo no futuro, para que mais trabalhe e aproveite de forma mais adequada o seu valor musical que hoje é universalmente reconhecido; especialmente por escrever menos, isto é com maior maturidade do tempo, não podendo fazer como engenhosidade humana duas ou três grandes obras por ano. E embora esteja convicto de que a severidade com que foi julgada era demais, e aquele silêncio bastava, mas mesmo assim acredito que jovens talentos precisam desses contratempos, para se sacudirem, se aperfeiçoarem cada vez mais”.
São quase as mesmas reclamações, que ele vai dirigir ao empresário Flauto, ele já as havia expressado, e tanto que chegaram aos ouvidos dos jornalistas. Seu julgamento sobre o trabalho e o resultado é, em vez disso, coletado em observações por correspondência que se contradizem. A princípio, ele esperava que Alzira fosse bem-vindo. Depois da primeira apresentação, ele ainda mostrou um certo otimismo: “Graças a Deus isso também está feito. O Alzira está no palco. Esses napolitanos são ferozes, mas aplaudiram.” Verdi admitiu que o mal estava “nas entranhas”, que por mais que tivesse estudado ali não encontraria maneira de curá-lo e que no entanto a Sinfonia e o último final deveria ter salvado a reputação afinal “evidente que o trabalho lhe era caro nem mais nem menos do que os outros, e que não se sentia tão indiferente ao futuro da “Alzira”. Muito se ocuparam críticos e biógrafos desta ópera, mas parece que não conheciam suficientemente porque lendo os artigos publicados, deparam-se contradições flagrantes, dizendo uns precisamente o contrário do que outros afirmam.
Como dissemos Cammarano foi inspirado por uma tragédia de Voltaire, “Alzire ou les Américains” de 1736, então considerada uma mensagem a favor do Cristianismo, enquanto Voltaire a havia escrito para condenar todas as formas de fanatismo religioso, não apenas o do antigo Peru. “Quem são esses peruanos na tragédia de Voltaire? Eles, olhando mais de perto, não são senão franceses disfarçados de selvagens. Cammarano não levava esses peruanos a sério, sem perceber que, por seus dizeres e fatos, pareciam ter vivido muito bem na Europa. Verdi foi mais circunspecto, que, para sair da armadilha, tratou-os todos igualmente como filhos do velho mundo com a sua música. E também estava certo quanto aos méritos da música de Verdi que, uma vez que rejeitou o exotismo no prefácio (a Sinfonia), colocou notas europeias na boca dos personagens, não tanto francesas, mas notas puramente ítalo-nortenhas. O libreto, então, não se concentrava no significado moral, mas nos elementos espetaculares, de confronto e paixão.
A Sinfonia é uma música de sucesso e até sugestiva, além disso é um passo em frente em relação a outras páginas iniciais escritas anteriormente: e isto mesmo que não contenha ideias muito distintas. Modelado em materiais que recentemente se assemelham a “Giovanna d’Arco” e “Oberto”, ele revela inteligência e medida. Os efeitos das madeiras no primeiro movimento conduzem às florestas exóticas aos longos trinados que se perdem no meio das árvores, onde vagueiam pássaros raros com penas coloridas e flautistas experientes, com arabescos móveis: todos portanto digno de arte plumaria e instrumental Inca, o povo sul-americano onde o assunto se passa. Essa leveza quase pétala é abalada por uma tempestade furiosa bastante breve, que termina em uma melodia romântica patética exposta pelo clarinete, uma lembrança do tema de Jacopo Foscari. A alegre dança de encerramento é semelhante à conclusão de Giovanna, exceto que ela era marcial ali e pulava aqui, com um crescendo rossiniano e uma elegante sucessão de tons. A performance de abertura recebeu uma nota de aprovação da ‘Gazzetta Musicale’ de Nápoles: “Belezas tão delicadamente inventadas”… No entanto, a reação geral dos napolitanos não foi positiva, ainda pior quando “Alzira” foi encenada em Roma, em novembro de 1845 e, pior ainda, em 1846 nas apresentações no La Scala, resultando na pior matéria da imprensa que o compositor tinha visto desde o fracasso da “Un giorno di Regno” em 1840. Foi encenada em Ferrara, como parte da temporada da Primavera de 1847 após o que desapareceu do repertório. Antes de 1940, a ópera não foi realizada com muita frequência. A partir de 2000 “Alzira” vem se apresentando com regularidade, na maioria das vezes representada em forma de concerto (como a gravação que hoje vamos compartilhar com os amigos do blog).
O Enredo
Tragedia lirica em um prólogo e dois atos de Giuseppe Verdi para libreto de Salvadore Cammarano baseada na peça de Voltaire “Alzire”, ou Les Americains”; Nápoles, Teatro San Carlo, 12 de agosto de 1845.
Local: Peru
Época: século XVI
Estamos no Peru na época dos “conquistadores”. As tribos locais lideradas por Otumbo e rebeldes ao jugo da Espanha estão prestes a executar o velho Álvaro, o governador espanhol.
Prólogo: Il prigioniero (O prisioneiro)
A ação decorre no Peru em meados do século XVI, e o Prólogo, com o título de “O Prisioneiro”, passa-se numa grande planície atravessada pelo rio Rima onde Alvaro, o velho governador espanhol, está amarrado a um tronco à espera da morte. Ele foi feito prisioneiro por uma tribo Inca que vai executá-lo pela tortura e ao som de cânticos duma alegria selvagem e diabólica “Muoia , muoia coverto d’insulti” (faixa 02). A sua morte, sob grande sofrimento, deverá pagar a morte de muitos membros da tribo que combatiam o invasor, e que morreram de forma igualmente cruel. Enquanto os selvagens guerreiros incas o torturam num ritmo cada vez mais frenético, o espanhol reza ao seu Deus pedindo-lhe que perdoe os seus algozes. Eles estão prestes a despachá-lo horrivelmente quando um barco é avistado carregando Zamoro, seu jovem líder que eles acreditavam estar morto. Ele é recebido com gritos de alegria pelos outros índios que se jogam aos seus pés. Zamoro, estranhamente comovido com a visão de Álvaro, o liberta e ordena que ele retorne ao seu povo, justificando este seu gesto com o fato de ter sido salvo por um espanhol generoso. Com a partida de Alvaro, o andante incomumente estendido de Zamoro, “Un Inca … eccesso orribile!” (faixa 04), conta à tribo sobre seu tratamento brutal nas mãos do perverso espanhol Gusmano, filho do velho governador. Ele, um príncipe Inca, foi entregue ao carrasco por esse bárbaro cristão de quem agora jura vingar-se. Então Zamoro é informado por Otumbo, um dos seus guerreiros, que os espanhóis raptaram e encarceraram Alzira em Lima, a sua noiva, bem como o pai dela, Ataliba, o velho chefe. Esta notícia terrível não faz se não aumentar a ira de Zamoro contra os invasores. É assim que anuncia que mil guerreiros de outras tribos se vêm juntar a eles para derrotar os espanhóis. Zamoro jura resgatá-los e se junta a seus guerreiros em uma cabala belicosa, “Dio della guerra” (faixa 05) a quem os selvagens pedem para que torne a sua crueldade ainda maior que a dos espanhóis encerrando o prólogo.
Ato 01: Vita per vita (Vida por vida ) Cena 01: A praça principal de Lima
No mercado de Lima os soldados espanhóis juram fidelidade ao rei, declarando-se prontos a conquistar para ele novos reino. Um robusto movimento coral, reforçado pela banda, apresenta Alvaro, que anuncia que está cedendo, em nome do rei, a sua demissão como governador do Peru e passando o poder a seu filho Gusmano. Este imediatamente declara uma paz geral, entre o povo Inca e os espanhóis, com o chefe Inca Ataliba, lembrando-lhe que a filha de Ataliba, Alzira, foi aceita como recompensa de Gusmano. Depois de jurar submissão, Ataliba é pressionado por Gusmano para cumprir a promessa dando-lhe a mão da filha Alzira em casamento. Mas no andante de sua ária, “Eterna la memoria” (faixa 08), Gusmano admite que os sentimentos de Alzira por Zamoro, seu amado, continuam fortes demais para ele superar. Ataliba exorta Gusmano a ser paciente; mas o novo governador não pode tolerar atrasos e, na cabaleta “Quanto un mortal puo chiedere” (faixa 09), lamenta o espírito maligno do seu rival, bem como o poder que ele ainda exerce sobre o coração de Alzira. Mesmo morto, Zamoro atemoriza-o, e torna-o a ele, vencedor de tantas batalhas, incapaz de conseguir conquistar o amor duma mulher. Ataliba volta a pedir mais algum tempo, mas Gusmano, louco de desejo, não quer esperar. Venceu, o mundo está aos seus pés, falta-lhe apenas apaziguar a alma. Sem Alzira nada tem qualquer significado.
Cena 02: Os aposentos de Ataliba
No palácio do governador Tremolando, numa sala reservada aos príncipes Incas que estão prisioneiros, encontramos enfraquecida pelo muito que chorou pelo seu amado Zamoro, Alzira que está adormecida, e é cuidada carinhosamente pela sua irmã Zuma e por algumas outras mulheres, ela acorda para pronunciar o nome de Zamoro e insiste em contar a todos um sonho estranho: “Da Gusman, su fragil barca” (faixa 11) narra como ela sonhava em fugir de Gusmano em um barco, sendo pega em uma tempestade e resgatada por um nobre espírito; ela reconhecera nesse espírito o seu amado Zamoro, a ária segue corajosamente o padrão do conto, em vez de duplicar a forma de um andante italiano convencional. Apesar das advertências de sua comitiva, ela orgulhosamente declara seu amor por Zamoro na cabaleta “Nell’astro che piu fulgido” (faixa 12).
Ataliba chega, dispensa Zuma e o coro e, num recitativo simples, implora a Alzira que se case com Gusmano, mas ela odeia o opressor cruel, e recorda ao pai que ele usurpou o trono, e, sobretudo, mandou matar Zamoro, o seu prometido. Ataliba insiste. Ele acredita que o consentimento de Alzira irá trazer a Paz ao seu povo. Mas Alzira mantém-se irredutível.
Enquanto Ataliba sai, Zuma anuncia um “membro da tribo” e Alzira fica em êxtase ao ver ninguém menos que Zamoro. O primeiro movimento do dueto, “Anima mia!” (faixa 14), é uma troca rápida de palavras amorosas, unidas da maneira tradicional por uma melodia orquestral impulsionadora. Passadas as primeiras emoções, Zamoro fala das suas suspeitas levantadas por um rumor que diz que Alzira está prometida em casamento ao odiável espanhol. Alzira dissipa de imediato os ciúmes do seu amado, e jura-lhe fidelidade eterna. Cammarano e Verdi passaram imediatamente para a animada cabaleta, “Risorge ne’ tuoi lumi” (faixa 15).
Aparece então Gusmano acompanhado de Ataliba, e depara, estupefato, com o seu pior inimigo: Zamoro está vivo… e nos braços da sua amada. O jovem chefe dos Incas dá-se orgulhosamente a conhecer, e reivindica o eterno amor de Alzira. Furioso, Gusmano manda-o prender, e ordena a sua imediata execução e, em um Allegro impetuoso, Zamoro responde chamando-lhe carniceiro e carrasco. Entra então Álvaro que revela a Gusmano a atitude humana daquele selvagem que lhe salvara a vida numa situação semelhante. Apesar de surpreendido por aquele revelação, Gusmano não revoga a sua decisão. Desesperados, Alzira e Zamoro repetem juras de amor. O palco está armado para um concertato extraordinariamente grandioso e lento, “Nella polve, genuflesso”(faixa 18), que começa com uma estrutura de diálogo mais livre do que o normal e, talvez por esse motivo, leva a um clímax final incomumente impressionante. O concertato acabou, uma música selvagem e exótica ouve-se ao longe: um mensageiro informa que um exército hostil está fora, exigindo a volta de Zamoro. Os guerreiros Incas já atravessaram o rio Rima em direção a Lima, exigindo a libertação do seu chefe Zamoro. Só então Gusmano cede ao pedido do pai dando a liberdade a Zamoro para poder cortar-lhe a cabeça no campo de batalha. Ao que Zamoro responde dizendo que será ele próprio quem o irá escalpar ao iniciar a stretta final, “Trema, trema … a ritorti fra l’armi” (faixa 20), ele avisa Zamoro de que eles se encontrarão novamente no campo de batalha. Alzira junta-se a Zamoro, enquanto Álvaro, Ataliba e as mulheres anteveem uma carnificina terrível.
Ato 02: La vendetta di’un selvaggio (A vingança de um selvagem) Cena 01: Dentro das fortificações de Lima
Os incas perderam novamente a batalha; soldados espanhóis vitoriosos se entregam a um tumultuoso brindisi “Mesci, mesci” (faixa 21) brindam pela Espanha e por mais um triunfo sobre os bárbaros, interrompido apenas brevemente pela visão triste de Zamoro e seus seguidores marchando pelo palco. Gusmano promete dividir com os seus homens o ouro da rapina. Ovando, um oficial, traz a sentença do tribunal militar sobre o destino de Zamoro: a pena capital. É com um prazer evidente que Gusmano assina a sentença, que lê em voz alta para que Alzira a escute. Diante disso, Alzira corre para implorar clemência e Gusmano oferece a ela uma barganha: a vida de Zamoro pela mão de Alzira em casamento. O impasse é explorado em um Andante, “Il pianto … l’angoscia” (faixa 23), os soluços sem fôlego de Alzira contrastando com o suave (talvez muito suave) cantabile de Gusmano. Eventualmente, ela concorda, o governador não cabe em si de contente, e anuncia grandes festejos. Depois declara à jovem o seu amor, que nada significa para Alzira que lamenta a sua sorte e o pacto é selado por um animado dueto na cabaleta, “Colma di gioia ho l’anima”.
Cena 02: Uma caverna sombria
Uma sombria introdução orquestral, apropriada à cena desolada, apresenta Otumbo, que diz a seus amigos que garantiu a libertação de Zamoro subornando seus guardas espanhóis. Zamoro aparece e no Andante “Irne lungi ancor dovrei” (faixa 26) se declara desolado sem sua amada Alzira. Otumbo piora as coisas ao lhe dizer que Alzira está prestes a se casar com Gusmano. Nada pode conter a fúria de Zamoro, e na cabaleta “Non di codarde lagrime” (faixa 27) desesperado ele decide aparecer no casamento como um convidado inoportuno para executar uma vingança terrível.
Cena 03: Um grande salão na residência do governador
O coro nupcial, “Tergi del pianto América” (faixa 28), canta a esperança das prisioneiras Incas duma forma positiva dizendo que aquele casamento irá trazer a reconciliação dos dois mundos. Gusmano aparece com o uniforme de gala, anuncia aos soldados a sua vitória sobre os selvagens, e apresenta-lhes oficialmente Alzira como a sua futura mulher, dizendo que a alegria que sente em casar-se com ela é maior do que a que sentiria se vencesse uma centena de batalhas. Alzira mantém-se em silêncio ao seu lado. Tem o coração despedaçado, e espera apenas a morte. Ele está prestes a pegar a mão de Alzira quando Zamoro (disfarçado de soldado espanhol) irrompe em cena, crava uma adaga no coração de Gusmano e aguarda uma retribuição sangrenta. Mas Gusmano guarda uma surpresa: aprendeu com Alzira as alegrias da paz e da misericórdia e, numa ária final acompanhada de coro “I numi tuoi” (faixa 30), dá aos dois amantes a sua bênção. Por caridade cristã perdoa ao seu assassino, e diz a Alzira que quer que ela seja feliz ao lado de Zamoro. Depois morre nos braços do pai. É um final impressionante, aqui pela primeira vez está um final aberto com a oportunidade real de felicidade para os amantes. Uma mudança marcante da prática aceita.
Cai o pano —————————-
O próprio Verdi anos depois pronunciou Alzira como “proprio brutta” (francamente feia), e a ópera é, sem dúvida, uma das menos prováveis de suas obras a serem representadas, mesmo na atmosfera consciente do avivamento de hoje. Talvez, como aconteceu em outras ocasiões, a estima que Verdi tinha por seu libretista fosse uma desvantagem, inibindo-o de seguir livremente seus instintos dramáticos. No entanto, como todas as óperas menores de Verdi, Alzira tem muitas passagens bonitas, os grandes conjuntos em particular. Vimos que a composição de Alzira foi turbulenta, sobretudo por problemas de saúde. O elenco para a estréia era excepcionalmente forte, incluindo Filippo Coletti (Gusmano), Gaetano Fraschini (Zamoro) e Eugenia Tadolini (Alzira), mas a primeira apresentação foi, na melhor das hipóteses, apenas um sucesso parcial e em poucos anos a ópera logo desapareceu inteiramente do repertório. Ocasionalmente, foi revivido nos tempos modernos, mas continua sendo uma das duas ou três óperas menos executadas do compositor. A maior crítica que se pode fazer a esta ópera é, de fato, o libreto. Não apenas o libreto mas a fonte a que Cammarano recorreu – ou seja: a peça “Alzira” de Voltaire. Na verdade, ao escutarmos a forma como esta história nos é contada, ficamos, no mínimo, estarrecidos. Como é possível que alguém como Voltaire tenha esta visão sobre a conquista das Américas ? Fica esta interrogação. Quanto à música… é Verdi bello!!!
Giuseppe Verdi – Alzira Personagens e inérpretes
A verdade é que gostei muito desta versão de Alzira em concerto, tem seus bons momentos, o elenco é muito equilibrado e apesar de ser uma versão de concerto, os cantores são bastante expressivos é muito bem executada, nota-se o empenho em expressar a verdade dramática que o compositor buscou alcançar, esta versão do “projeto Tutto Verdi” gravado em 2012 e lançado no início de 2013 pode, e com sobras, demonstrar a genialidade de Verdi mesmo na ópera que o próprio maestro confessou ser a menor. Alzira, porém, para este obtuso admirador foi um gosto mais recente, adquirido. Depois de experimentar essa produção concertante, me perguntei o que me levou tanto tempo para descobrir os encantos escondidos nesta “má” ópera de Verdi. Quem aprecia Verdi deve levar em conta ouvir esta produção. Existem realidades atemporais de racismo, ciúme, coragem e amor abnegado a serem descobertos nesta ópera. Se ao menos pudéssemos deixar de lado nossos preconceitos e deixar que o compositor ainda jovem os revele para nós, enquanto desenvolve sua habilidade. A música do maestro é bonita sim, é uma cascata interminável de melodias, muitas delas muito enérgicas, e uma apresentação de concerto pode muito bem ser seu melhor local, para evitar a negatividade do preconceito racial de dramas defeituosos.
Todos os cantores se saem bem, com especial “Braaavissimiii !!” para o soprano Junko Saito (Alzira), o tenor Ferdinand Von Bothmer (Zamoro) e o barítono Thomas Gazheli (Gusmano). Von Bothmer foi particularmente notável com um tom vibrante e alcance estendido. A orquestra e o coro sob a batuta do austríaco Gustav Kuhn (1947) fizeram um excelente trabalho com a partitura. As apresentações de concertos colocam peso adicional sobre os artistas, pois o público tem uma oportunidade maior de ouvir o canto sem a adição de atuação.
Para este admirador há muito o que gostar em Alzira seja ou não válido o comentário “proprio brutta” do Maestro de olhos verdes acinzentados de Roncole. Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Háaa também tem um link “bônus” das obras que Verdi fez nas temporadas de 1844-1845.
Boa diversão !!!!!
Alvaro, pai de Gusmano, inicialmente Governador do Peru – Francesco Facini, baixo
Gusmano, Governador do Peru – Thomas Gazheli, barítono
Ovando, a duque Espanhol – Joshua Lindsay, tenor
Zamoro, líder de uma tribo peruana – Ferdinand von Bothmer, tenor
Ataliba, líder de uma tribo peruana – Yasushi Hirano, baixo
Alzira, filha de Ataliba – Junko Saito, soprano
Zuma, sua irmã – Anna Lucia Nardi, meio-soprano
Otumbo, um guerreiro – Joe Tsuchizaki, tenor
Orchestra Haydn de Bolzano e Trento Instituto corale ed Orchestrale di Dobbiacc
Conductor: Gustav Kuhn
Pode ser que algumas obras de Verdi não originem hoje as emoções, não provoquem o delírio que despertavam naquela época atribulada na Itália; nem por isso deixaram de prosseguir seus caminhos. Compostas, orquestradas para o público contemporâneo, por estes foram escutadas, preferidas, festejadas. Naquela temporada de 1844-45 Roma era um barril de pólvora, os Estados Papais e os Estados de Bourbon foram testemunhas de ações revolucionárias promovidas por partidários de Giuseppe Mazzini (os Mazzinianos extremistas, organizaram um movimento político chamado Jovem Itália. O lema era “Deus e o povo” e o seu objetivo era a união dos estados italianos numa única república). Tinham começado em Savigno Bolognese e Imola, com resultados muito graves para os insurgentes, detenções e muitas mortes.
Verdi aparentemente não participou de nada além do trabalho para o teatro. Após as positivas apresentações de “Idue Foscari”, em Roma, o maestro voltou a Milão. Lá ele era aguardado com alegria pelos amigos Toccagni, Tito Ricordi, Pedroni (também amigo de Donizetti) e pelo irreprimível “Calimero” Pasetti. No dia seguinte a sua chegada, almoçaram juntos e brindaram com vinhos franceses. Foram eles os únicos a lhe fazer companhia, além de Muzio, naquele outono e inverno milaneses que, generosamente, distribuía frio e neve em grandes quantidades.
Em dezembro, a composição da então “Joana d’Arc” começou, quase imediatamente interrompida pelos ensaios e preparação de “I Lombardi” que ocorreria em 26 de dezembro no La Scala. Os ensaios (I Lombardi ) deram muito trabalho ao compositor e, mesmo que trabalhasse com determinação e fúria, não ficou satisfeito; na verdade, ele nem mesmo compareceu às primeiras apresentações no teatro tal o desapontamento com a falta de recursos disponibilizados pela gerência na montagem. Conta-se que o maestro durante os ensaios dos lombardos tivesse decidido não mais compor para o Scala.
O biógrafo milanês Carlo Gatti (1876-1965) nos conta que “A tendência das apresentações musicais no La Scala tornaram-se insuportáveis. A festa de vaidades e arrogância que imperava entre as “estrelas” dominavam: são duas ou três, pagas com abundância pelo empresário, que gasta até o que não tem, contando com este poder das “estrelas” para atrair o público, e é obrigado a economizar em todo o restante. A orquestra insuficiente em termos de instrumentistas e mal distribuída. Os coros são desajeitados na movimentação e na organização. Os cenários e as roupas muitas vezes antigos e remendados. Contra este mau hábito surge o vigor de Verdi, chama para si a responsabilidade de melhorar as apresentações do La Scala. Ele se prepara para reconstruir a orquestra, para equilibrá-la, para completá-la nas várias famílias de instrumentos. Em seguida, ele se volta para melhorar o desenho dos cenários, as luzes, a disposição das salas; ele espera dos cantores uma participação mais próxima e calorosa na representação das histórias dramáticas. O compositor pula no palco, estala os dedos, marca o tempo com os pés como se quisesse tirar dele um lampejo de chama. Em muitas outras montagens pelos palcos que atuou ele se entregará com a mesma energia. Essa energia, esbanjada em cada momento de sua atividade e em cada problema, fez com que superasse com excelentes resultados, muitas vezes extraordinários, o altíssimo número de produções teatrais montadas depois de 1842: “De Nabucco em diante não tive, pode se dizer, uma hora de calmaria. Foram dezesseis anos de trabalho ininterrupto! “, ele escreveu a Maffei em maio de 1858.”
As cartas que Muzio escrevia a Barezzi (ou Barezzone, como os amigos o chamavam) deste tumultuado dezembro de 1844 são interessantes: “Vou aos ensaios com o Maestro e lamento vê-lo cansado; grita que parece desesperado; bate o pé tanto que parece tocar órgão com pedaleira; transpira tanto que cai na partitura. O Maestro não assistiu às primeiras apresentações do “I Lombardi”… se ele estivesse lá teriam corrido bem, pois nos ensaios a música estava melhor do que nas apresentações. Falei isso para o Maestro, de que quando ele está lá um simples olhar, um sinal dele e os cantores, os coros e a orquestra parecem ser tocados por uma faísca elétrica, e então vão muito bem… ”
Após alterações dos censores a ópera muda de nome para “Giovanna d’Arco” que é um “dramma” lirico dividido em um prólogo e três atos, o maestro havia sugerido ao empresário Merelli que Temistocle Solera fosse contratado como o libretista. Solera foi devidamente contratado e – com típico exagero – destacou o fato de que seu libreto sobre a vida de Joana d’Arc era “original”, não devendo nada a Shakespeare ou a Schiller. Podemos afirmar então que o libreto de Solera foi inspirado apenas “vagamente” na peça “Die Jungfrau von Orleans” de Friedrich von Schiller (1759-1805). Ela é a sétima ópera de Verdi. Verdade seja dita que a obra reflete, apenas em parte, a história de Joana d’Arc. Verdi retoma, assim, a veia épica religioso-popular e faz da famosa história uma lenda, uma carta sagrada que deriva não só do libreto, mas da música.
A Sinfonia, dividida em três partes, coloca na primeira uma atmosfera de tragedia tempestuosa, em que o motivo pastoral que se segue evoca a vida pacífica dos suíços, como em “Guilherme Tell” de Rossini, retratando a feliz menina do campo Giovanna. Mas o final “Allegro”, que assume o clima de uma grande tragédia, acolhe o tema do triunfo militar, o coro do povo, na abertura do prólogo, sente a força esmagadora do opressor. Embora inspirado nos grandes coros patrióticos de obras anteriores, tem a angústia, a força dobrada da “pátria oprimida”. As injúrias contra os estrangeiros são sensacionais, os gritos das mulheres são igualmente comoventes.
A partitura foi escrita durante o outono e inverno de 1844-45. Sua primeira apresentação no La Scala em 15 de fevereiro de 1845 foi um grande sucesso de público, apesar de que os críticos foram bastante desdenhosos com a ópera. Porém naquela temporada foi um “êxtase recebido” pelo público e foram dadas respeitáveis 17 performances. Porém ao final, pelo fato do envolvimento exaustivo do maestro em todas as fases da montagem, como dissemos, os padrões de produção estavam muito abaixo das suas expectativas e causaram uma rixa entre ele e Merelli que resultou em anos sem estreias das obras de Verdi no La Scala: a Giovanna original era Erminia Frezzolini, que já havia estreado “I Lombardi alla prima crociata”, dois anos antes. O próprio Verdi estimava seu trabalho, mas estava descontente com a forma como ela havia sido imposta para o papel pelo teatro, caracterizando as normas da deterioração das produções de Merelli. Além disso, devido a subterfúgios nas negociações de Merelli para adquirir os direitos de pontuação junto a editora Ricordi, o compositor jurou nunca mais lidar com o empresário, e nem a pisar no palco do La Scala. Na verdade, o teatro teria que esperar por 36 anos para outra estréia da obra de Verdi, que seria a versão revisada do “Simon Boccanegra”.
Giovanna, uma sagrada guerreira, incomodou os apáticos habitantes do teatro milanês durante os ensaios da ópera a ela dedicada. Na verdade, também parecia contrastar outras produções em andamento, como se o arcanjo da confusão tivesse entrado nas “dependências” do La Scala. As fieis descrições que Muzio fazia para Barezzi contava a vida no teatro: “Giovanna está sempre sendo representada às quartas, quintas, sábados e domingos; e estes dias o teatro fica lotado como nas primeiras noites … se não fosse essa ópera o negócio da companhia ia mal. Merelli ainda queria contratar o Sr. Maestro para mais algumas temporadas por qualquer valor po ele estipulado, mas o Maestro não quer mais escrever para o La Scala; nem encenar ou dirigir nenhuma de suas obras; e ele diz que não vai pisar naquele palco novamente.” E como que para reforçar a ameaça dessas nuvens negras e raios, ele conta sobre um infortúnio acontecido naqueles dias nas dependências do grande teatro: “No La Scala também temos um grande baile, do qual gostamos muito, é decorado com um luxo de surpreender, em dado momento o palco se transforma no Grande Teatro Fenice iluminado para festa; com um surpreendente e variado número de máscaras, uma delícia. Ontem à noite despencou um dos cenários enquanto se fazia o baile, a madeira que a sustenta estava rachada há muito tempo e ontem ela quebrou e caiu em cima de quatro pessoas nos ombros, foi uma confusão; a vida era temida; a cortina caiu; as senhoras que estavam no baile ficaram com muito medo; e dizem que uma chegou a dar à luz (uma menina). Foi muito assustador.”
Mas além do “mau-olhado”, como Giovanna se saiu ? Muzio sugeriu um resultado muito bom; basicamente a música de Giovanna deu certo e em abril já se ouviam na rua: “Já temos a música da Giovanna nos órgãos que funcionam e as bandas sempre tocam”, confirma Muzio. A ópera não foi um triunfo. As falhas de Giovanna recaíam principalmente no libreto, e Donizetti também defendeu isso ao escrever ao cunhado Antonio Vasselli: “Você viu que a música de Verdi foi muito bem em Milão. Dizem que ele escreveu boa música para um libreto infame”. Solera guardou as inexatidões históricas esquecendo a visão poética, e procurando antes o sensacionalismo teatral reduzindo a três as personagens principais: Giovanna e o Delfim de França (Carlo VII) protagonistas de um amor amaldiçoado e Giacomo, o pai de Giovanna, que surge como denunciante da própria filha a qual, além de práticas de bruxaria, acredita ter uma ligação amorosa com o Delfim, os críticos não perdoaram. Mas, enfatizamos, Verdi estava na crista da onda e dificilmente teria caido dela; uma recepção fria não era suficiente para mortificá-lo: em suas obras o público agora reconhecia uma grande parte de si mesmo, de suas esperanças, afetos e sofrimentos. Até os grandes da ópera o reconheciam com mérito, e o próprio
Rossini, ao enviar-lhe votos de felicidades para Giovanna a partir do final de janeiro, escrevera-lhe de maneira familiar, com estima, o aposentado maestro o agradece por ter gentilmente escrito para seu amigo, o tenor Nicola Ivanoff, um novo Finale da segunda parte de Ernani. O tenor a cantou em Parma com grande satisfação, e deve-se acrescentar que Verdi também gostou. Além disso, Rossini pagou generosamente a Verdi pela inserção da área, e informou que tinha ouvido falar da “fúria” causada em Florença pelo “Due Foscari” e pediu desculpas por não ter respondido antes devido a uma espinha que tinha “pernas e braços comprometidos e sem falar da dor que sentia”. Reza a lenda quando um Rossini vem falar com você sobre seus furúnculos, significa que você está “dentro” de sua estima sincera. E isso significa que é hora de ir em frente sem desacelerar. “Tampe seus ouvidos à crítica (nenhum crítico jamais foi capaz de determinar as escolhas de um músico), cerrar os dentes e pronto”. Verdi então se declarou satisfeito com o trabalho realizado, amou Giovanna com amor convicto.
Para a primeira produção da ópera em Roma, três meses após a estréia de Milão, a trama teve de ser alterada sem qualquer conotação religiosa por ordem do censor papal. O título foi alterado para “Orietta di Lesbo”, a ação foi deslocada para a ilha grega da heroína, agora de origem genovesa, que tornou-se uma líder contra os turcos. Performances deste título foram também dada em Palermo, em 1848. Para os próximos 20 anos, Giovanna d’Arco teve sucesso contínuo na Itália, aparecendo em Florença, Lucca, e Senigallia, em 1845, Turim e Veneza, em 1846, Mantua, em 1848, o Milão novamente mais três vezes em 1851, 1858 e 1865.
O Enredo
Dramma lirico em um prólogo e três atos de giuseppe Verdi para um libreto de Temistocle Solera, baseado “só de leve” na peça “Die Jungfrau von Orleans” de Friedrich von Schiller; Milão, Teatro alla Scala, 15 de fevereiro de 1845.
Local: Dom-Rémy, Reims e perto de Rouen em 1429
Como dissemos a bela abertura está dividida em três movimentos. O primeiro é tempestuoso e incerto; o segundo é um Andante pastorale com flauta solo, oboé e clarinete (com os tons da abertura “Guillaume Tell” de Rossini); o último retorna ao tempestuoso menor, mas termina em um triunfante e belicoso maior. Não chega a ser uma obra-prima, mas ocasionalmente é apresentado nas salas de concertos.
O prólogo, dividido em duas seções, é repleto de eventos.
Prólogo. Cena 1 – Um grande salão em Dom-Rémy
O Prólogo passa-se em Dom-Rémy, terra natal de Giovanna d’Arco, onde os habitantes se inquietam com as notícias da guerra trazidas pelos oficiais do exército francês que dizem que o país está a ser destruído por bárbaros ingleses, e que Orleans está sitiada devendo sucumbir a qualquer momento. A cena de abertura é uma cavatina convencional para o tenor, embora com intervenções corais invulgarmente importantes (Verdi e Solera sem dúvida desejavam manter sua imagem com os milaneses depois de Nabucco e eu Lombardi). Mesmo antes de o tenor entrar, o coro uníssono condena o triste destino da França em “Maledetti cui spinge rea voglia”, e as forças corais são novamente proeminentes nos movimentos líricos do solista, particularmente em um tempo di mezzo excepcionalmente longo. O rei Carlo VII, após admitir a derrota, narra um sonho (“Sotto una quercia”, faixa 04). Ele diz que uma imagem da Virgem que encontrara num altar na floresta lhe dera ordem para entregar as armas. Pela descrição que faz do local, os aldeões dizem tratar-se duma região assombrada habitada por espíritos malignos. Mas o Delfim ri-se dessa superstição popular, e dirige-se para o local da floresta onde está o altar com a imagem da Virgem para aí depor a sua espada e o seu elmo dizendo ser seu desejo de libertar-se do peso da coroa.
Cena 2 – Uma floresta
Giacomo aparece para uma breve cena, expressando temores de que sua filha Giovanna possa estar aliada ao diabo. Em um andante beliniano altamente ornamentado (“Sempre all’alba ed alla sera”, faixa 09), ela ora por armas na batalha que se aproxima. No interior da floresta, junto do altar, Giovanna reza revelando à Virgem o estranho pressentimento que a persegue e que lhe diz ter sido incumbida duma missão. Faz então um pedido: “uma espada e um elmo para ir combater o invasor”. E continua a repetir “uma espada e um elmo” até adormecer. Quando ela adormece, um coro de demônios (recomendando alegremente os pecados da carne) e de anjos (prometendo sua glória como salvadora de seu país) brigam por sua atenção. Chega então o Delfim que vem cumprir o prometido, e coloca aos pés da imagem da Virgem as suas armas. Enquanto isso acontece Giovanna continua a sonhar: espíritos malignos dizem-lhe para reparar no jovem que a observa com olhar apaixonado, enquanto visões celestiais a aconselham a abdicar do amor carnal, e a entregar-se à missão de libertar a França em nome de Deus. A esta exortação Giovanna responde estar pronta. O Delfim ouve o grito da jovem e aproxima-se. Giovanna reconhece-o, e devolve-lhe a espada e o elmo que encontrara junto do altar, suplicando-lhe que não abandone o combate, e dizendo que irá estar ao seu lado comandando os seus exércitos. Impressionado com o tom profético do apelo da jovem o Delfim cede. Eles se unem em uma cabaleta animada e sincopada, durante a qual Giacomo os vê juntos e conclui que sua filha enfeitiçou de alguma forma o rei originada pela influência dos espíritos malignos. Profere então uma maldição contra a filha. (a belíssima faixa 12, o Placidão, Milnes e Caballé estão excelentes! ).
Ato 1 Cena 1 – Um lugar remoto espalhado por pedras no acampamento inglês perto de Reims
A música gloriosa que inicia o ato é a peça coral “Ai, lari … Alla pátria” (faixa 13 – ela foi posteriormente “reciclada” no “Requiem”).Os soldados ingleses foram derrotados e lamentam os seus mortos dizendo que a derrota se deveu a poderes sobrenaturais que protegem os franceses desde o aparecimento do novo comandante dos exércitos, uma camponesa de Dom-rémy. Mas o comandante Talbot discorda, diz que é tudo imaginação originada pelo medo. . Giacomo chega para anunciar que a mulher que inspira as forças francesas pode ser sua prisioneira naquela noite. Num sostenuto Andante, “Franco son io” (faixa 15), ele vem oferecer-se para lhe entregar a filha que acredita ter desonrado o seu nome ao ligar-se a Carlos VII; a cabaleta seguinte, “So che per via di triboli” (faixa 16), explora os sentimentos ternos de um pai. A progressão usual do lacrimoso Andante para a cabaleta energética é então revertida, o que permite uma cabaleta Donizettiana de ritmo moderado e incomumente comovente, totalmente carente do impulso rítmico Verdiano característico.
Cena 2 – Nos jardins da corte em Reims
Giovanna diz sentir-se feliz por se ver livre do elmo e da espada, e por poder descansar em trajes de mulher sem ser importunada pelos clamores da multidão Mas não está disposta a deixar Carlos e a corte: as vozes demoníacas ainda a atormentam. Ela canta sobre sua casa na floresta simples em “O fatidica foresta” (faixa 18) outro exemplo delicioso de pastoral Verdiana. Particularmente notável e lindíssimo é o adagio “T’arretri e palpiti!” (faixa 20), Carlos VII oscila entre o desconforto com o comportamento dela e as tentativas de acalmá-la com expressões de amor. Num instante de fraqueza Giovanna responde que também o ama. Mas as vozes celestiais voltam a manifestar-se dizendo-lhe que deve resistir a todos os desejos terrenos. O Delfim não ouve as vozes, e não entende a reação da jovem que inexplicavelmente recusa o seu amor. Chega então um oficial que diz que o povo está junto da catedral para assistir à cerimônia da coroação. O Delfim diz a Giovanna que será ela quem o irá coroar e que só aceitará a coroa se for posta pelas suas mãos. Enquanto os dois seguem juntos para a catedral ouvem-se as vozes dos espíritos malignos que rejubilam por aquela que julgam ser a sua vitória sobre a inocência de Giovanna. “Vieni al tempio” (faixa 22).
Ato 2 Uma praça em Reims junto da catedral
Uma “grande marcha triunfal” em louvor de Giovanna e Carlo VII e da sua vitória sobre o invasor. A procissão entra na catedral. Giacomo entra também: ele pretende denunciar a filha publicamente. É assim que, depois da coroação, quando o Delfim proclama Giovanna padroeira da França, Giacomo observa, dando vazão ao seu zelo religioso em uma romanza menor-maior, “Speme al vecchio era una figlia” (faixa 24), denuncia sua filha sai de entre a multidão acusando-a de blasfêmia, e dizendo que a filha foi buscar os seus poderes nas práticas de bruxaria. O movimento mais interessante é o Andante, “No! forme d’angelo” (faixa 27): fragmentos de duetos desacompanhados de Carlos VII e Giacomo são justapostos com um cantabile estendido para Giovanna; ai Verdi encontra espaço para dar asas à sua sensívell personalidade musical. O Delfim não acredita, defende Giovanna com veemência, mas a jovem fizera um voto de silêncio e nada declara em sua defesa se recusa três vezes a negar as acusações de sacrilégio de Giacomo. Esse silêncio é interpretado por todos como uma confissão de culpa, e o Delfim vê-se obrigado a entregá-la aos ingleses que lhe reservam o destino da fogueira, o dramático e grandioso fim do ato, “Ti descolpa” (faixa 28).
Ato 3 Dentro de uma fortaleza inglesa junto do campo de batalha
Giovanna está presa por correntes a um banco, observa enquanto os ingleses e franceses lutam, notando com consternação que Carlos VII foi cercado e ao ouvir as sentinelas falar da batalha implora que a soltem para poder ir combater. Chega Giacomo, seu pai. Ele acredita que Giovanna continua a pensar no amante, mas acaba por compreender que ela reza e que as suas orações se dirigem a Deus, portanto ela é inocente daquilo que ele a acusara. As fervorosas orações de Giovanna alertam Giacomo para o erro da acusação, e eles se unem em um dueto de explicação e reconciliação, cuja seção mais impressionante é o lento movimento lírico, “Amai, ma un solo istante” (faixa 30), no qual uma sucessão comovente de as ideias melódicas sustentam a aceitação gradual do pai da pureza da filha. Decide então libertá-la, e abençoa-a.
Depois de aceitar a benção do pai, Giovanna corre para ajudar os franceses, pega a sua espada e parte para o campo de batalha. É pela voz de Giacomo que ouvimos a descrição da batalha, que com a ajuda de sua filha a balança pendeu decisivamente contra os ingleses. Carlos VII sai vitorioso, perdoa Giacomo, mas fica sabendo que Giovanna foi gravemente ferida. Na romanza “Quale più fido amico” (faixa 35), delicadamente composta para trompa inglesa solo e violoncelo, ele lamenta sua perda. Giovanna é levada ao ritmo de uma marcha fúnebre e tem força suficiente para saudar o pai e o rei e aguardar as boas-vindas no céu. Ela lidera o conjunto final com um solo elaboradamente ornamentado acompanhado por violoncelo de obbligato antes de um longo tema, a donzela, cujo rosto parece iluminado por uma aura misteriosa, ouve uma última vez as vozes celestiais antes de morrer.
Cai o pano ——————————
O libretto de Solera é bem distante dos fatos históricos e pode deixar a desejar, mas a música é de Verdi, o jovem gênio de 31 anos que mostra muitas dicas emocionantes do que está por vir. Uma das coisas mais interessantes que este obscuro admirador percebeu ao elaborar os textos e performances destas primeiras óperas de seus “anos de galera” é ouvir os pré-ecos das obras-primas do futuro. Verdade que não há uma única melodia famosa na bela Giovanna d’Arco, mas eu adorei cada momento. É como ir ao “Cirque du Soleil” e voltar para casa com imagens vagas das maravilhas da vida na Terra. Os fãs de Verdi, assim como os que não o conhecem, vão se deliciar com esta ópera! É mais uma bela jóia Verdiana negligenciada. Então aí está, vale a pena sim a audição. Que subam as cortinas e se inicie o estpetáculo !!!!!
Giuseppe Verdi – Giovanna d’Arco Personagens e Intérpretes
Vamos compartilhar com os amigos do blog esta clássica gravação feita em 1972 que dificilmente acusa sua idade. Esta gravação da ópera merece ser ouvida por seus ritmos enérgicos, instrumentação de metal, melodias folclóricas e lirismo, além de ser bem curtinha (quase duas horas). É uma bela obra de Vedi mas com ecos de Donizetti, cada personagem recebe uma parte justa de árias solo, assim como eram as ópera sérias dos tempos passados, as cabalettas voam, permitindo amplo espaço para interpolação e exibição de notas altas. A Giovanna de Caballe tem a maior parte da glória da interpolação, e aqui está ela, flutuando sua marca registrada o pianissimi
em peças como “O fatidica foresta” (faixa 18), a peça mais lírica da obra, e último trio “Che mia fu” (faixa 37). Caballe lida facilmente com a coloratura do papel-título. A voz da Montserrat nesta gravação, para este admirador, é um pote de ouro puro 18k, e seu envolvimento e entrega por si só valeria o download, eu posso entender claramente porque ela tem tantos fãs. O jovem Plácido Domingo em seu auge vocal inicial, estava com 31 anos nesta gravação, no qual a voz está em seu estado mais doce e totalmente impassível. A nota alta no final da cabaleta de “Pondo e latal, martiro” (faixa 06) raramente é ouvida nas produções de Domingo em seus anos mais maduros me lembra “di quella pira”. Esses foram os primeiros anos de sua carreira e o estímulo da crítica ainda não havia impulsionado o cantor a expandir os centros para emular a sensualidade carusiana. Domingo mostra-se totalmente à vontade e também sempre foi um excelente intérprete, capaz de explorar da melhor forma a beleza do timbre para fins amorosos, com um sotaque nobre e eloquente . A excelente dicção faz o resto. Faço um discurso semelhante para Milnes. A voz extensa era usada com frequência em papéis dramáticos de barítono, seus melhores momentos foram os líricos, e de fato no papel deste Giacomo consegue encontrar-se perfeitamente à vontade tanto no erro como na dor do pai. Robert Lloyd também em ótima forma oferece um belo canto em seu poderoso baixo.
A qualidade do som é excelente e o então promissor maestro de 29 anos, James Levine, faz um trabalho maravilhoso, começando com a abertura deliciosa, até os refrões finais. Levine tem uma afinidade especial por esse repertório. Sua energia irresistível, até atrevida, mantém as atenções presas, uma explêndida execução. O coro ambrosiano e a The London Symphony Orchestra são excelentes como sempre. Esta gravação eu recomento fortemente, muito bem feita.
Giovanna – Montserrat Caballé Carlo VII – Placido Domingo Giacomo – Sherrill Milnes Delil – Keith Erwen Talbot – Robert Lloyd
The Ambrosian Opera Chorus – Chorus Master – John McCarthy The London Symphony Orchestra James Levine
Recorded: 01 sep 1972
A aceitação de Ernani foi positiva, o público enaltecia Verdi com os mais quentes louvores, ele se firmava como um dos grandes símbolos do patriotismo italiano. Muitas vezes o público demonstrou sua afeição com aplausos frenéticos. Claro que seu estilo despertou o interesse dos empresários em novas obras. Entre 1844 e 1849 foram nada menos do que oito novas óperas, algumas com composições simultâneas ! Os teatros queriam obras originais do jovem mestre. Verdade que ele ainda não havia terminado a partitura de Ernani, quando fechou contrato com o Teatro Argentina de Roma para uma produção original a ser feita no outono de 1844, que seria, a composição de “I due Foscari” com libreto de Piave, baseado na tragédia de Byron. Ainda poucos dias depois da estreia de Ernani, ele fechou outro contrato e a encomenda para o Teatro di San Carlo em Nápoles, em um libreto de Salvatore Cammarano (o poeta de “Lucia” de Donizetti) esta ópera será “Alzira”, a ser apresentada no verão de 1845. Não é tudo. Com La Fenice, ele tem a palavra para um segundo drama, sobre o qual, um mês após a estreia de Ernani, ele iniciou correspondências com Piave, seria a ópera “Átila”, da tragédia de Zacharias Werner (o poeta romântico que iniciou o fatalismo na literatura alemã), esta obra entrará no teatro veneziano em 1846. Verdi, em sus memórias sobre este agitado período disse: “…mal tive tempo de respirar. Quatro obras em andamento, estreia ao longo de dois anos, superação de equívocos, atrasos, sucessão de projetos…..”.
Como dissemos, logo após a estreia de Ernani em Veneza, Verdi concordou em escrever uma nova ópera com Piave para o Teatro Argentina em Roma. A primeira escolha foi “Lorenzino de Medici”, mas isso se mostrou inaceitável para os censores romanos, e o libreto de “I due Foscari “ de Byron foi apresentado e aceito. É claro a partir das primeiras correspondências entre Verdi e Pive fica claro que o compositor orientou para que a ópera trilhasse o estilo de Ernani (concentrando-se em confrontos pessoais em vez de grandes efeitos cênicos). Estas correspondências revelam até que ponto Verdi interveio na confecção do libreto, uma boa parte da estrutura em grande escala da ópera sendo ditada por seus instintos teatrais cada vez mais exigentes.
Verdi deixando por algum tempo a populosa e dinâmica cidade de Veneza, voltou à sua terra, a pacata Busseto. Para rever seus pais e Barezzi, ao qual ligava sempre profunda afeição. Não revira a região de Parma desde a sua triste visita seguida pela morte de Margherita. “….Eu tremo ao me aproximar de casa !! Grande destino é meu !! Nunca é uma alegria sem dor !! Minha viagem foi feliz: estou muito bem de saúde, mas exausto de forças. Agora que passou o nervosismo da estreia em Veneza, parece-me que estou sem sangue. O silêncio vai recuperar minhas forças !”
A quietude de Busseto, foi quebrada diversas vezes pelas celebrações espontâneas do povo que podem tê-lo incomodado mais do que agradá-lo, enfim ele era uma celebridade agora. As notícias que Giovannino (filho de Baresi), enviado especial de Veneza, trouxe para casa relata as exclamações de todos que ouviam sua obra; frases triunfantes como: “Esta será uma noite de triunfos e coroação para Verdi como o primeiro maestro do mundo.” …”Ontem ouvi os ensaios e para mim o Ernani é melhor do que Nabucco, Lombardi e todas as óperas do mundo”… “Que barulho esta noite, que prazer ver gente vindo de todos os lados. Ah! Aqui estão as gôndolas chegando que trazem mais de 100 jovens Padovani.” … “Muito bem, a Ernani; venha também para aumentar o triunfo de Verdi!” Piave também não hesita na fé, chama o mestre de “divino Beppo”, e continua: “Lembra-me a teu excelente pai, a quem muito amo, a Itália lhe agradece por ter gerado este gênio da música ! Agora estou escrevendo o novo libreto para a ópera de Roma que se intitula “I due Foscari”.”
Pressionado o máximo que pôde pelo compositor, o libretista enviou um primeiro rascunho do Foscari para Milão em meados de maio. A composição começou alguns dias depois e desta vez quem nos fornece o material é um pequenino conterrâneo de Verdi, ele relata e examina o mestre de perto fazendo observações diretas em cartas a Barezzi. O jovem redator foi o único aluno de Verdi, além de seu colaborador na época, teve que pagar pelas aulas que o compositor lhe dava regularmente, trata-se de Emanuele Muzio, nascido a 24 de agosto de 1821. Na última visita a Busseto o senhor Barezzi, com sua generosidade de sempre, ofereceu o rapaz para auxiliar Verdi e deixando claro que iria se responsabilizar financeiramente para garantir sua permanência em Milão. Ele se comunicara com Antonio Barezzi em longos e numerosos relatos, ora divertidos, ora ingênuos, mas sempre úteis do ponto de vista biográficos, espionando o mestre enquanto ele é implacável em suas “tarefas” (le opere!) “… Agora vou para a escola, ele acabou de se levantar e começa a escrever “I due Foscari”. Sr. Antonio tenho que lhe dizer o coro introdutório, que é o congresso dos Dez, é magnífico e terrível, e na música você pode ouvir aquele mistério que reinou naquelas reuniões tensas que decidiam sobre a morte ou a vida; e então você pode imaginar como o “pai dos corais”, como os milaneses o chamam, pode ter musicado bem !!! ” Muzio morava perto do alojamento do mestre, em Contrada del Monte Napoleone, Verdi ficava no começo da rua, em uma casa com estábulo para cavalos e galpão para o transporte. Se precisava do menino, chamava-o de “assobio”, tão perto que moravam.
Mas vamos voltar a 1844.
Verdi trabalhava dia e noite para completar o “I due Foscari”. Ele não saia de casa, exceto para a refeição da noite; logo cedo, Muzio trazia o café da manhã e ia buscar as correspondências no correio. O drama veneziano (baseado em Byron) parecia-lhe muito belo tendo como tema dominante o exílio. Verdi havia estudado o cenário, talvez ainda em Veneza, visitando o Museu Correr, e uma vez em Milão teria renovado o interesse na casa de Andrea Maffei; lá estava a pintura de Francesco Hayez “Último adeus do filho do Doge Foscari à família” tratada várias vezes pelo artista desde 1827. Verdi fez acordos substanciais com Piave para fortalecer o plano de trabalho. Entre maio e setembro, há pelo menos quatro cartas de Verdi que fornecem elementos muito significativos. Em primeiro lugar, está a observação sobre a fonte, que é o drama em versos “The Two Foscari” de George Gordon Byron, publicado em 1821: “torture sua inteligência e encontre algo que faça um pouco de barulho, especialmente no primeiro ato…. No último ato, porém, faça com que a cena se passe ao anoitecer e elabore um pôr-do-sol, que é tão bonito”. Verdi acha o poema “estupendo”, mas não diz mais nada, enquanto em sua mente vai se formando a caricatura musical dos tons tristes e fortes que dominam a obra. Em suas cartas ele evita referências de situações políticas que poderiam ter levantado suspeitas e encheção de saco por parte da censura, é justo acrescentar que habilmente Verdi, em suas cartas, não atribui muita importância ao próprio doge, simplesmente se declarando satisfeito com a abordagem que Pive lhe deu. Na verdade, tanto no personagem do doge quanto no coro dos vereadores, o compositor esconde uma denúncia irada que tem suas raízes em Ernani: em Francesco Foscari encontramos analogias muito fortes com o velho Silva. Ambos os velhos se queixam da solidão e do abandono a que os outros os obrigam, mas que deveriam estar ligados pelo afeto. Portanto, as melodias de Silva e de Francesco se assemelham vagamente, é claro, pois para Silva se trata de um amor senil por uma mulher, ao contrário o velho Francesco que ama paternalmente o filho, que talvez (só talvez) manchou a honra da família.
Abandonemos agora a figura do personagem solitário e vejamos o coro. Aqui também notamos mudanças substanciais no que diz respeito à técnica composicional usada para a massa vocal em Nabucco ou Lombardi. Também para o coro, Verdi encontrou um novo rosto em Ernani, um rosto coletivo de extraordinário interesse. Ele encontrou uma forma de completar e até melhorar, com crueza incisiva, o perfil psicológico da massa. Ele começou em Nabucco levantando uma evocação nostálgica avassaladora com “Va, Pensiero” e continuou em Ernani com uma guinada para uma caracterização “vulgar”. O núcleo coral do “Concílio dos Dez” de Foscari, sobre o qual Verdi pisou com uma intenção precisa: a de iluminar sua intransigência sinistra e até grotesca, que acaba condenando um inocente.
Para acalmar os censores, Verdi adotou pela primeira vez um método que até então ele não usara, mas tinha sido utilizado e aprovado por outros mestres, e que consistia em distinguir cada um dos personagens principais com um motivo melodioso, assinalando sempre a sua entrada em cena. Assim todas as figuras principais eram envoltas em aura musical. A composição de “I due Foscari” ocupou Verdi por cerca de quatro meses (muito tempo para os padrões da maioria de seus predecessores). Por fim a ópera subiu ao palco do Teatro Argentina de Roma, precisamente em 3 de novembro de 1844.
Que em Roma, à época, tivessem enlouquecido pelo drama dos Foscari não é verdade, possivelmente porque as expectativas do público haviam sido elevadas demais pelo enorme e generalizado sucesso de “Ernani”. O elenco de estreia incluiu Achille De Bassini (Francesco Foscari), Giacomo Roppa (Jacopo) e Marianna Barbieri-Nini (Lucrezia) os artistas foram muito celebrados, mas a obra não deixou uma marca inesquecível. A crítica foi impiedosa. Nítido se definia o contraste entre a atitude do público e a dos jornais; enquanto o povão, longe de lhe levantar objeções, o incitava a progredir e fazer mais, já os jornais publicavam artigos pouco animadores, acusando-o de cobrir as vozes dos artistas com a sonoridade da instrumentação. Este nulo admirador tem uma opinião de que talvez estas censuras lhe fossem mais úteis que os louvores, porque, se um homem, deslumbrado pelo inebriante perfume dos elogios, não vigia suas faculdades acaba perdendo o incentivo. As advertências, pelo contrário, incentivam a produzir sempre melhor, afinal Verdi, calejado, aos 31 anos sabia bem disso.
Para nós hoje, o interesse é diferente e talvez o valorizemos mais do que então, é uma p… ópera, cheia de áreas bonitas por exemplo a faixa 5, as faixas 7-8, o intenso encerramento do primeiro ato (faixas 13 e 14) ou o breve e “carrancudo” prelúdio que inicia a ópera e cria o clima na primeira faixa. Verdi se esforçou muito para caracterizar situações, ambientes e personagens, porém, contudo e no entanto três anos depois da estreia ele julgava, talvez até, com excessivo rigor: “Em temas naturalmente tristes, se você for sem muito cuidado você acaba com um humor mortal, como por exemplo em “I due Foscari”, que têm uma tonalidade, uma cor, escura e muito uniforme do começo ao fim.” Ainda assim, as recomendações feitas para Piave mostraram que o compositor tinha uma consciência precisa do assunto. Na verdade, a música “sisuda” tinha sido o tempero adequado para esse “caminho das lágrimas”, como o chama Marzio Pieri. E ainda há outra coisa. Em abril de 1845, Donizetti ouviu a ópera em Viena. Assim como anteriormente ele fez uma bela descrição de Verdi, mas também circunscreveu os valores do Foscari: “… Eu tinha razão em dizer que Verdi era talentoso! Este é o homem que vai brilhar !”
O Enredo
Tragédia lírica em três atos de Giuseppe Verdi, libreto de Francesco maria Piave baseado na peça de George Byron “The Two Foscari”; Roma, Teatro Argentina, 3 de novembro de 1844.
A obra se passa em Veneza. Período: ano 1457
Esta é a ópera mais curta de Verdi, seu prelúdio descreve uma atmosfera de conflito tempestuoso antes de introduzir dois temas da ópera, o primeiro uma melodia de clarinete triste a ser associada a Jacopo, o segundo uma flauta etérea e passagem de cordas da cavatina de Lucrécia.
Ato 1.
Cena 1- Um salão no Palácio do Doge em Veneza
A cortina se levanta vemos os membros do Conselho dos Dez reunidos. O refrão de abertura (‘Silenzio … Mistero’, faixa 02) imediatamente lança sobre a ópera uma atmosfera ameaçadora, sugerida musicalmente por sombrias sonoridades instrumentais, vocais e por tortuosas progressões cromáticas. A melodia do clarinete do prelúdio é ouvida quando Jacopo sai das prisões para aguardar uma audiência com o Conselho. Em um arioso delicadamente marcado, ele saúda sua amada Veneza e começa a primeira seção de uma cavatina de duas partes. O primeiro movimento, ‘Dal piu remoto esilio’ (faixa 04), evoca a cor local em seu ritmo, sonoridades de sopro proeminentes e excursões cromáticas incomuns. A cabaleta, ‘Odio solo, ed odio atroce’ (faixa 05), é rotineiramente enérgica, embora desafie as convenções ao permitir que o tenor estenda um agudo enquanto a orquestra realiza uma reprise do tema principal.
Cena 2 – Um salão no Palácio Foscari
Lucrécia, a esposa de Jacopo, entra em um tema de cordas crescente, associado a ela em intervalos durante a ópera. Ela está determinada a enfrentar o Doge na tentativa de salvar seu marido, mas primeiro oferece uma prece, ‘Tu al cui sguardo onnipossente’ (faixa 07). Esta area exibe um estilo vocal mais altamente ornamental do que o usual encontrado nas primeiras obras de Verdi, embora o colorido seja – tipicamente para o compositor – estritamente controlada dentro de frases fixas. A cabaleta que se segue, ‘O patrizi, tremate l’Eterno’, é nova no design formal, começando com uma passagem semelhante a um arioso e dissolvendo-se em uma escrita ornamental de estrutura aberta no final.
Cena 3 – Um salão no Palácio do Doge
O Conselho concluiu sua reunião e, em parte com um retorno à música do coro de abertura, nos informa que o ‘crime’ de Jacopo, assassinato, deve ser punido com o exílio.
Cena 4 – As salas privadas do Doge
A Scena e Romanza do Doge abre com outro tema que se repetirá ao longo da ópera, desta vez uma melodia ricamente harmonizada para viola e violoncelos divididos. A romanza ‘O vecchio cor, che batti’ faixa 11, na qual o Doge descreve sua angustia por seu filho, é claramente uma peça complementar ao anterior ‘Dal piu remoto esilio’ de Jacopo (observe, por exemplo, as figuras de acompanhamento de abertura idênticas), embora o pai barítono canta com um apelo emocional muito mais direto do que seu filho tenor. O final do Ato 1 é uma longa cena entre Lucrécia e o Doge, na qual a esposa de Jacopo implora ao Doge que mostre misericórdia. Um dos melhores duetos de soprano-barítono de Verdi, o número cai no padrão convencional de quatro movimentos, mas as seções individuais apresentam considerável contraste interno, respondendo de perto às diferentes atitudes emocionais dos principais, as excelentes faixas 13 e 14.
Ato 2
Cena 1 – As prisões estaduais
Um prelúdio fragmentário e altamente