De volta para o futuro…
Imagine que você foi acometido de uma amnésia musical, teve todas as lembranças de discos e audições de intérpretes preferidos varridas de sua memória. Suponha também que tudo o que você dispõe para reconstruir (ou construir, uma vez que não ficaram lembranças) seu gosto musical, suas preferências por repertório e intérpretes, são discos recentes, recém lançados ou lançados a não mais do que dois anos… Só as novidades!
Lembram? Pois então, em outra postagem nesta linha – De volta para o futuro – visitamos outra coleção de obras de Bach que consegue alcançar níveis altíssimos, mesmo para os padrões do padroeiro do blog: a coleção dos motetos.
Essas obras maravilhosas são o ápice de um gênero que já era arcaico nos dias de Bach e vinha sendo praticada inclusive por membros de sua família de gerações anteriores.
Mesmo que eu não houvesse ouvido interpretações dessas obras que eu adoro, se ouvisse apenas essa gravação dos motetos de Bach, garanto-vos, apaixonar-me-ia completamente por eles. O disco é espetacular. Há essencialmente duas maneiras de interpretar essas obras – a capela ou coro acompanhado por um grupo de instrumentos do tipo baixo contínuo. Nesta gravação adota-se a segunda opção, com um grupo é de seis instrumentos, incluindo alaúde e teorba.
Além dos seis motetos (atribuídos) a Bach, esta gravação inclui outras quatro peças de compositores bem anteriores a Bach, intercaladas entre os motetos. Dessa forma, os intérpretes seguem uma tradição dos dias de Bach, que intercalava com peças antigas, conhecidas das congregações, as peças mais recentemente compostas. Veja que os motetos têm suas letras em alemão e as outras peças são em latim.

Os motetos de Bach são bastante diferentes uns dos outros, assim como os Concertos de Brandemburgo. O disco começa e termina com dois dos mais festivos. Lobet den Herrn, alle Heiden começa exortando-nos a louvar o Senhor e Singet dem Herrn ein neus Lied é exatamente o que Bach fez, cantou muitas novas canções para o Senhor. Entre essas duas lindas peças, outros três motetos relativamente curtos: o contrito Komm, Jesu, Komm; aquele que trata do Espírito elevando nossas faltas (Der Geist hilft unser Schwachheit auf); o que eu acho especialmente reconfortante, Fürchte dich nicht, ich bin bei dir – Não tenhas medo, eu estou com você. Além destes três, temos o moteto que afirma: Jesu, meine Freude, o mais longo e possivelmente o mais conhecido.
O coro e orquestra Pygmalion com seu regente Raphaël Pichon já andou aqui pelo blog gravações que poderiam ser consideradas da mesma série: De volta para o futuro! Veja a seguir, se você não percebeu ou se já esqueceu…
Bach (1685 – 1750): Matthäus Passion – Ensemble Pygmalion & Raphaël Pichon ֎
J. S. Bach (1685-1750): Missae Breves, BWV 234 & 235 (Pygmalion)
Neste lançamento, a abertura do disco, a primeira faixa, Lobet den Herrn, alle Heiden, inicia com um tuti: cantores e instrumentistas abrem os trabalhos num acorde felicíssimo. Esse primeiro moteto tem uma parte central mais lenta e termina em grandes aleluias…
A peça que segue é de Vincenzo Bertolusi, uma cantilena em latim, que estabelece o tom do próximo moteto de Bach, o Komm, Jesu, Komm, com as diferentes vozes se alternando, cheio de pausas e mudanças de andamento. E depois o moteto do Espírito, Der Geist hilft unser Schwachheit auf. A obra de Bertolusi é intitulada Osculetur me osculo oris sui (Ele me beijou com o beijo da boca), que certamente vem do Cântico dos Cânticos.
Esses dois lindos motetos são seguidos de uma obra de Hieronimus Praetorius, um canticum sacrum, que os cantores devem ter adorado cantar, pois termina em outra linda série de aleluias, ressoando de uma voz para a outra.
Então temos o moteto que eu particularmente gosto, o Não tenhas medo, seguido de uma peça de Jacobus Gallus, em latim, dizendo: Veja como morrem os justus, ao qual seguirá o enorme Jesu, meine Freude. A propósito, quatro dos motetos foram escritos especialmente para funerais.
Depois do motetão, uma peça da ensolarada Itália, de Veneza, composta por Giovanni Gabrieli, Jubilate Deo, que nos prepara para a última peça do disco, Cante ao Senhor um canto novo! Um programa musical sem defeitos. Mas, se você é mais purista, pode facilmente arranjar para ouvir os seis motetos de Bach sem as outras peças. De qualquer forma, achei o disco altamente viciante.
Essas peças são religiosas, mas mesmo que você não seja assim, tão carola, ou desconfie mais do que crê, não hesite em ouvir o disco, pois a música é boa, ótima mesmo, e o coro vai te colocar para dançar em diversas partes.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Lobet den Herrn, alle Heiden, BWV 230
- Lobet den Herrn, alle Heiden
Vincenzo Bertolusi (1550 – 1608)
Promptuarium musicum, Pars Tertia
- Osculetur me osculo oris sui
Johann Sebastian Bach
Komm, Jesu, komm, BWV 229
- Komm, Jesu, komm
Der Geist hilft unser Schwachheit auf, BWV 226
- Der Geist hilft unser Schwachheit auf
Hieronimus Praetorius (1560 – 1629)
Cantiones sacrae de praecipuis festis totius anni
- Tulerunt Dominum meum
Johann Sebastian Bach
Fürchte dich nicht, ich bin bei dir, BWV 228
- Fürchte dich nicht, ich bin bei dir
Jacobus Gallus (1550 – 1591)
Opus musicum
- Ecce quomodo moritur justus
Johann Sebastian Bach
Jesu, meine Freude, BWV 227
- Jesu, meine Freude
- Unter deinen Schirmen
- Denn das Gesetz des Geistes
- Trotz dem alten Drachen
- Ihr aber seid nicht fleischlich
- Weg mit allen Schätzen
- So aber Christus in euch ist
- Gute Nacht, o Wesen
- So nun der Geist
- Weicht, ihr Trauergeister
Giovanni Gabrieli (1554/57 – 1612)
Symphoniae sacrae I
- Jubilate Deo
Johann Sebastian Bach
Singet dem Herrn ein neues Lied, BWV 225
- Singet dem Herrn ein neues Lied
- Wie sich sein Vater erbarmet
- Lobet den Herrn in seinen Taten
Pygmalion
Raphaël Pichon
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MP3 | 320 KBPS | 190 MB
J.S. Bach’s six authenticated motets are perfectly crafted, audacious, and mesmerizingly inventive, fully conveying the emotional and theological import of their text. They also demand extraordinary virtuosity from the singers, a requirement fully met in this new recording.
The recording is first-rate, clear with just enough room ambiance to warm the choral sound and with a well-balanced continuo group. Pichon’s thoughtful introductory notes clearly show his love of this music
A revista inglesa BBC Music Magazine disse: Pichon favours brisk tempos and draws lively and crisply articulated singing from his vocal ensemble. Textures are luminous and transparent, though just occasionally I found phrases a shade too clipped. But these are performances that are fullblooded and generously endowed with illustrative vocal gestures which enhance the text. Indeed, the attention afforded the texts is one of the great virtues of this singing.
Além disso, deu apenas quatro em cinco estrelas para o lançamento. Eu acho que é bairrismo ou mesmo dor-de-cotovelo.
Aproveite!
René Denon