A música de câmara de Francis Poulenc é uma joia do repertório modernista, combinando elegância francesa, humor irreverente e profundidade emocional. Poulenc, membro do grupo Les Six (*), tinha um estilo único que misturava leveza neoclássica com toques de ironia e lirismo tocante. Sua música de câmara é acessível, mas nunca superficial. Se você gosta de Debussy ou Stravinsky, vai encontrar em Poulenc um meio-termo delicioso. Poulenc explora contrastes, consegue passar da graça à melancolia em poucas notas, vai do music-hall parisiense ao canto gregoriano. Eu adoro! E o Sexteto é uma obra-prima!
(*) O Grupo Les Six (“Os Seis”) foi um coletivo de compositores franceses que se uniu na década de 1920, influenciado por Erik Satie e Jean Cocteau, em oposição ao romantismo pesado e ao impressionismo excessivo. Eles buscavam uma música mais leve, clara e, por vezes, irreverente, incorporando elementos do jazz, do music-hall e do neoclassicismo. Eram eles: Poulenc, Honegger, Milhaud, Tailleferre, Auric e Durey.
Francis Poulenc (1899-1963): Complete Chamber Music Vol. 1 (Tharaud e outros)
Sextet for piano, flute, oboe, clarinet, basson and horn, FP 100
1 I. Allegro vivace: Tres vite et emporte 07:46
2 II. Divertissement: Andantino 04:15
3 III. Finale: Prestissimo 05:30
Oboe Sonata, FP 185
4 I. Élégie: Paisiblement 05:05
5 II. Scherzo: Très animé 04:01
6 III. Déploration: Très calme 04:43
Trio for Oboe, Bassoon and Piano
7 I. Presto: Lent-presto 05:28
8 II. Andante: Andante con moto 03:49
9 III. Rondo: Tres vif 03:21
Podem trazer Bernstein, Maazel e quem mais vocês acharem adequado, não adianta. Esta gravação meio descontrolada e ao vivo é a melhor versão que ouvi da Sinfonia do Órgão de Saint-Saëns. Tudo começa pela verdadeiramente festiva Toccata de Barber. Ela é assim assim, tá? Mas é festiva, tem solos interessantes de órgão com timpanos, aquela coisa. O CD melhora de forma espetacular com Poulenc — EU AMO POULENC, OK?, só que hoje ele não é o protagonista –, apesar de que o filé é a Sinfonia de nosso amigo SS. SS viveu muito (1835-1921), gostava de viajar e deu até concertos no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1899. Tem obra imensa — muitas coisas legais, outras nem tanto — , mas sua principal composição, a citada sinfonia, é complicada de tocar. Uma sinfônica, um órgão, piano, é muita coisa. Mas quando se consegue tocar é uma puta celebração. Como nesta gravação ao vivo, a plateia urra enlouquecida no final. URRA. É como um gol, um golaço de Eschenbach, Latry e da orquestra de Filadélfia.
Saint-Saëns: Sinfonia Nº 3, do Órgão / Poulenc: Concerto para Órgão / Barber: Toccata Festiva (Latry, Eschenbach)
Samuel Barber
1. Toccata festiva, Op. 36 15:49
Francis Poulenc
2. Organ Concerto in G minor: I. Andante – 3:35
3. Organ Concerto in G minor: II. Allegro giocoso – 2:04
4. Organ Concerto in G minor: III. Subito andante moderato – 8:24
5. Organ Concerto in G minor: IV. Tempo allegro, molto agitato – 2:36
6. Organ Concerto in G minor: V. Tres calme: Lent – 3:08
7. Organ Concerto in G minor: VI. Tempo de l’allegro initial – 1:47
8. Organ Concerto in G minor: VII. Tempo introduction: Largo 3:39
Camille Saint-Saëns
9. Symphony No. 3 in C minor, Op. 78, “Organ”: I. Adagio – Allegro moderato – 10:38
10. Symphony No. 3 in C minor, Op. 78, “Organ”: I. Poco adagio 11:32
11. Symphony No. 3 in C minor, Op. 78, “Organ”: II. Allegro moderato – Presto – Allegro moderato 6:55
12. Symphony No. 3 in C minor, Op. 78, “Organ”: II. Maestoso – Allegro – Piu allegro – Molto allegro – Pesante 8:56
Olivier Latry, órgão
Philadelphia Orchestra
Christoph Eschenbach
“There is in Poulenc a bit of monk and a bit of hooligan.” Claude Rostand
Este disco ganhou quatro em cinco estrelas da coluna Lebrecht Weekly e basta ouvi-lo para entender o porquê. O programa é formado principalmente pelas sonatas para violino e piano e para violoncelo e piano. O resto são lindas peças para essas mesmas combinações, mas também algumas surpresas, como você poderá perceber ao ouvir o disco ou reparar na lista dos créditos, logo a seguir.
Eu me encanto sempre com a canção Les chemins de l’amour e aqui você poderá ouvir dois arranjos dela: para violino e piano e para violoncelo e piano.
Para fechar o disco um número do balé Les Mariés de la tour Eiffel, chamado Le discours du Général. Os diversos números musicais do balé foram compostos pelos compositores do Grupo do Seis.
Veja trechos dos comentários da coluna do Lebrecht: The music performed here is from the 1940s, not the happiest of decades, but Poulenc was adept at shutting out headline news. […] Here he engages in confidential conversation between violin and piano, cello and piano, and something called a ‘pipeau’, which calls to mind a medical laboratory. Nowhere does Poulenc harbour dark thoughts. The players – violinist Tatiana Samuil, cellist Justus Grimm and pianist David Lively – keep it light and wistful.
A música tocada aqui é da década de 1940, não a mais feliz das décadas, mas Poulenc era adepto de bloquear as manchetes. […] Aqui ele se envolve em uma conversa confidencial entre violino e piano, violoncelo e piano, e algo chamado de “pipeau”, que lembra um laboratório médico. Em nenhum lugar Poulenc abriga pensamentos sombrios. Os músicos — a violinista Tatiana Samuil, o violoncelista Justus Grimm e o pianista David Lively — mantêm o ambiente leve e melancólico.
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Sonate pour violon et piano, FP 119:
Allegro con fuoco
Intermezzo
Presto Tragico
Léocadia
Les chemins de l’amour (Arr. for violin & piano by Francis Poulenc)
Sonate pour Violoncelle et Piano, FP 143:
Allegro – Tempo di Marcia
Cavatine
Ballabile
Finale
Souvenir pour violoncelle et piano
Souvenir
Villanelle pour pipeau et piano
Villanelle
Léocadia
Les chemins de l’amour (Arr. for Cello & Piano by Francis Poulenc)
The titular ‘Chemins de l’Amour’ is a song Poulenc wrote for an Yvonne Printemps show in December. Who would know Paris was under German occupation? Poulenc kept his window shut.
As descrições das semelhanças entre Claude-Achille Debussy (1862-1918) e Maurice Ravel (1875-1937) às vezes são pertinentes e às vezes são exageradas. É claro que os dois viveram na mesma cidade, se viram frequentemente e, até onde se sabe, admiravam-se mutuamente. Talvez seja nas obras para piano solo que as semelhanças entre os dois são mais profundas. Já nas obras vocais, tanto essas para cantora com piano, seja em peças mais amplas com acompanhamento orquestral, as diferenças ficam mais claras. Debussy era um admirador da poesia refinada de Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé e Pierre Louÿs, sendo amigo próximo deste último. Ele escreveu chansons sobre versos desses quatro poetas e, inspirado em Mallarmé, ainda fez o famoso Prélude à l’après-midi d’un faune. Obras cheias de sutilezas e de dissonâncias sedutoras, com uma certa tendência às imagens noturnas (o luar, as estrelas…), o que também aparece na sua única ópera. Nos três poemas de Louÿs extraídos do livro “As canções de Bilitis”, Debussy faz um arco dramático de referências pagãs e termina em tom de luto com versos como “os sátiros estão mortos e as ninfas também”. Louÿs, na época do lançamento do livro (1894), afirmava que os poemas foram encontrados nas paredes de uma tumba em Chipre, escritos por uma mulher da Grécia Antiga chamada Bilitis, uma contemporânea de Safo (a famosa poetisa lésbica). Após enganar o público e mesmo especialistas em antiguidades helênicas, anos depois Louÿs admitiu a pegadinha.
Já Ravel habita um mundo mais simples, menos melancólico, embora o piano de acompanhamento tenha semelhanças com o de Debussy e também com o de Gabriel Fauré (1845-1924), que aliás foi seu professor. As cinco melodias aqui gravadas são canções populares gregas. Assim como em outras de suas obras inspiradas pela Espanha e em seus dois concertos tardios inspirados no jazz, nas canções gregas mesmo os momentos mais lentos e pensativos são mais solares do que quase tudo de Debussy. O pianista aqui é Marc-André Hamelin, que mais recentemente tem gravado muitos discos pela Hyperion, incluindo obras de Debussy (aqui) e de Fauré.
Fête Galante
1-4. Gabriel Fauré: Mandoline, Clair de Lune, Aurore, En sourdine
5-9. Maurice Ravel: Cinq mélodies populaires grecques
10-12. Claude Debussy: Fêtes galantes (En sourdine, Fantoches, Clair de lune)
13-15. Claude Debussy: Trois chansons de Bilitis (La flûte de Pan, La chevelure, Le tombeau des Naïades)
16-23. Francis Poulenc: Métamorphoses, Deux poèmes de Louis Aragon, Trois poèmes de Louis Lalanne
24-29. Arthur Honegger: Saluste du Bartas
30-32. Emile Vuillermoz: Chansons populaires françaises et candiennes
Karin Gauvin (soprano), Marc-André Hamelin (piano)
Recorded circa 1999
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, … Você seria capaz de adivinhar qual seria o próximo número? E o outro?
Essa que parece uma charada de Facebook ou pergunta típica de matemático amador é o início da famosa Sequência de Fibonacci.
Fibonacci, o filho de Bonacci, foi um matemático italiano que viveu entre 1170 e 1250, era chamado Leonardo e exatamente por ser filho de Bonacci foi educado no Norte da África, na cidade hoje conhecida como Bugia, na Argélia, onde seu pai era representante comercial da então República de Pisa.
Leonardo desde muito jovem aprendeu a matemática praticada no mundo árabe, especialmente o sistema numérico hindu-arábico e divulgou esses conhecimentos pela Europa Medieval.
Quando meu pai, que havia sido nomeado por seu país como notário público na alfândega de Bugia, atuando em nome dos mercadores de Pisa, me convocou quando eu ainda era uma criança, e pensando na utilidade e conveniência futura, desejou que eu ficasse lá e recebesse instrução na escola de contabilidade. Lá, quando fui apresentado à arte dos nove símbolos hindu através de ensinamentos notáveis, o conhecimento da arte logo me agradou acima de tudo […]
Ele escreveu vários livros, entre eles o Liber abaci, que contém uma coleção de problemas, entre eles o dos coelhos, que se refere à sequência famosa:
Um certo homem colocou um par de coelhos em um lugar cercado por um muro por todos os lados. Quantos pares de coelhos podem ser produzidos a partir desse par num ano se for suposto que todos os meses cada par gera um novo par que a partir do segundo mês se torna produtivo?
Apesar da inicial resistência, típica dos retrógados, as boas novas matemáticas divulgadas por Fibonacci se estabeleceram como a prática. A enorme vantagem do sistema numérico hindu-arábico sobre o sistema numérico greco-romano, então usado, é o fato de ser um sistema posicional. Tente multiplicar, usando algarismos romanos, 17.347 por 23.781…
Mas por que estou falando disso tudo? Bem, porque eu gosto dessas coisas e o nome do conjunto musical que gravou esse belíssimo disco é justamente The Fibonacci Sequence. Há algum tempo postei uma série de cinco discos gravados por eles, três deles destacando um certo instrumento musical, um disco com música de Messiaen e um com o Octeto de Schubert. Esse deve ser um disco deles que eu perdi na pilha que se amontoa aqui, na mesa de trabalho do PQP Bach Co.
As peças são maravilhosas, começando com o famoso poema sinfônico As Aventuras de Till Eulenspiegel, numa redução para cinco instrumentos feita por Franz Hasenöhrl, passando pelo conhecido Quinteto com Trompa, de Mozart e seguido por outros compositores bem diversos. Cada peça tem uma diferente distribuição de instrumentos tornando a audição bastante interessante. Mais um disco para a coleção do conjunto como nome de objeto matemático…
Composto por músicos de renome internacional, o conjunto musical Sequência Fibonancci distingue-se pela variedade e imaginação da sua programação. Aqui, eles exploram o repertório de trompa com o membro fundador e renomado trompista Stephen Stirling como músico de câmara.
Ricahrd Strauss (1864 – 1949)
Till Eulenspiegel einmal anders!
(arranjo de Franz Hasenöhrl, para violino, contrabaixo, clarinete, fagote e trompa)
Till Eulenspiegels lustige Streiche
Alexander Glazunov (1865 – 1936)
Idyll, para trompa e quarteto de cordas
Idílio
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Quinteto para trompa e cordas em mi bemol maior, K407
Allegro
Andante
Allegro
Charles Koechlin (1867 – 1950)
Quatre Petites Pièces
Andante
Très modere
Allegretto
Scherzando
Carl Nielsen (1865 – 1931)
Serenata in Vano, para violoncelo, contrabaixo, clarineta, fagote e trompa
Além de compositor, Francis Poulenc era pianista. Assim, não é surpreendente que o piano tenha papel importante em grande parte de sua obra.
Nesta coleção de peças curtas, agrupadas em conjuntos de três ou mais, temos um painel bastante representativo e um programa ótimo para uma tarde.
O intérprete é Eric Le Sage, que atraiu minha atenção primeiro pelo nome, e depois se tornou uma constante nas minhas escolhas entre os pianistas devido a sua técnica, sensibilidade e também pela escolha de repertório. Tenho ouvido esta seleção ao longo de uma tarde bastante mais cinzenta do que o habitual aqui, na qual meu coração esteve bem atribulado. Que a música de Poulenc, pela interpretação cuidadosa e sensível de Eric Le Sage, lhe chegue ao coração.
Francis Poulenc (1899 – 1963)
CD1
[1] Presto in B flat major
[2-4] Trois Mouvements perpétuels
[5] Mélancolie
[6-16] Les Soirées de Nazelles
[17] Humoresque, FP 72: “Prestissimo molto staccato”
[18] Française d’après Claude Gervaise, FP 103 Modéré
[19-25] Suite Française pour piano d’après Claude Gervaise, FP 80
“Le Sage’s ample arsenal of touch and release strategies and his infinitely calibrated dynamic spectrum reveal nuances of textural richness inherent in this intimate repertory” [“O amplo arsenal de estratégias de toque e liberação de Le Sage e seu espectro dinâmico infinitamente calibrado revelam nuances de riqueza textural inerentes a este repertório íntimo”]
Born in Aix en Provence, Eric Le Sage was the winner of major international competitions such as Porto in 1985 and the Robert Schumann competition in Zwickau, in 1989. He was also a prize-winner at Leeds International competition the same year, which allowed him to perform under the baton of Sir Simon Rattle. [Natural de Aix en Provence, Eric Le Sage foi vencedor de grandes competições internacionais como o Porto em 1985 e o concurso Robert Schumann em Zwickau, em 1989. Foi também premiado no concurso internacional de Leeds no mesmo ano, o que lhe permitiu para se apresentar sob a batuta de Sir Simon Rattle.]
A flauta é um instrumento perigoso! Costuma ser melíflua… até de mais e aí é onde dorme o perigo. Deduz-se de uma carta escrita nos idos 1778 que Mozart não gostava de flauta, mas não devemos ser tão categóricos, uma vez que ele teve muito tempo para mudar de ideia e as flautas com as quais ele lidava não eram exatamente o tipo de instrumento que podemos ouvir numa gravação como a do disco aqui.
Eu certamente aprecio as flautas com moderação, mas esse disco repleto de obras de câmara compostas por franceses entrou logo no meu radar e aqui está ele, repleto de ótimas peças.
A sonata de Poulenc abre o disco e já apresenta a maestria e musicalidade da flautista Juliette Hurel. Segue uma coleção de peças para flauta e piano compostas por Gabriel Fauré, com algumas de suas melodias mais conhecidas.
Das peças de Debussy, a sonata para flauta, viola e harpa é a que tem as sonoridades mais bonitas, e ela é ladeada por duas versões de Syrinx, para solo de flauta, a primeira delas com uma recitante. Há também uma transcrição para flauta e piano do Prélude à l’après-midi d’un faune.
Para completar, uma peça pequenina de Poulenc, para flauta solo.
Hélène et Juliette
Juliette Hurel est sans doute déjà une légende vivante et elle est française. Comme il se doit, son talent a donc été ignoré par les plus grands orchestres français! ça, on le savait déjà. Chez Hurel, chaque son est un monde, choyé, aimé. Son phrasé est d’une élégance à couper le souffle. Dans ces instants de présent vécu jusqu’à la moelle, elle nous fait toucher à l’éternité. […] Ici, rien qui brille en une inélégante apparence, mais une lumière qui vient du fond du coeur. D’ailleurs, J. Hurel sait aussi bien faire chanter la flûte en bois que la flûte en métal. Une anticommerciale au talent infini. [de uma crítica feita no site de uma loja de discos…]
Juliette Hurel é, sem dúvida, uma lenda viva e é francesa. Como não poderia deixar de ser, o seu talento foi, portanto, ignorado pelas maiores orquestras francesas! Já sabíamos disso. Com Hurel, cada som é um mundo, mimado, amado. Seu fraseado é incrivelmente elegante. Nestes momentos do presente vividos até ao âmago, aproxima-nos da eternidade. […] Aqui nada brilha numa aparência deselegante, mas sim uma luz que vem do fundo do coração. Além disso, J. Hurel sabe fazer a flauta de madeira cantar tão bem quanto a flauta de metal. Um anticomercial com talento infinito.
Hurel is an award-winning musician who has collaborated with similarly decorated musicians such as Pierre Boulez, Martha Argerich, Shlomo Mintz, Gidon Kremer and Claire Désert, among many others. As a soloist Hurel has appeared with Les Siècles, Tokyo Metropolitan Symphony Orchestra, and the Montreal Orchestre Métropolitain.
Hurel é uma artista premiada que colaborou com músicos com condecorações semelhantes, como Pierre Boulez, Martha Argerich, Shlomo Mintz, Gidon Kremer e Claire Désert, entre muitos outros. Como solista, Hurel se apresentou com Les Siècles, Tokyo Metropolitan Symphony Orchestra e Montreal Orchester Métropolitain.
O compositor francês Francis Poulenc (1899-1963) é injustamente uma presença pouco frequente pelos programas de concerto mundo afora, apesar de ser um compositor de primeiríssima linha, com obras de diversos estilos e formações. Este disco joga luz sobre uma faceta cintilante da música de Poulenc, suas obras sacras, com dois verdadeiros tesouros: o Gloria (1960), uma de suas peças mais festejadas, e o Stabat Mater (1950).
O mestre PQP Bach já declarou sua admiração por esse repertório neste belíssimo disco de Richard Hickox, Catherine Dubosc, Westminster Singers e a City of London Sinfonia. Já o discaço de hoje vem do outro lado do Atlântico, com um time de muito respeito: a soprano Kathleen Battle, o coro do Festival de Tanglewood e Seiji Ozawa à frente da Orquestra Sinfônica de Boston. Tem coisas que só a Deutsche Grammophon faz por você, não é mesmo?
Estreia de Seiji Ozawa com a Sinfônica de Boston, Tanglewood, 1964
Gloria, para soprano, coro e grande orquestra, é baseado no texto de mesmo nome do Ordinário da Missa segundo o rito romano. Foi uma encomenda da Fundação Koussevitsky em homenagem ao regente Sergei Koussevitsky — que foi diretor da Sinfônica de Boston por um quarto de século — e sua esposa Natalia. A orquestra, aliás, foi responsável pela estreia da obra, em 1961, sob regência de Charles Munch. Uma obra interessantíssima, de cores stravinskyanas.
Já o Stabat Mater coloca em cena a prece (ou sequentia, para ser mais exato) católica de mesmo nome que narra as dores de Maria durante a crucificação de Cristo. Também para soprano, coro e orquestra, é dividido em doze partes e joga muito com as estruturas e formações (o coro chega a soar a capella mais de uma vez), com texturas que se desdobram umas dentro das outras. Deve ser uma experiência e tanto escutá-la ao vivo…
Enfim, um disco muito bom, de sonoridade brilhante e muita beleza. Pessoal de Boston na ponta dos cascos, um coro inspirado e Ozawa — um gigante da batuta que nos deixou no último dia 6 de fevereiro, aos 88 anos — at his finest. Meu destaque pessoal fica por conta do arraso que é a interpretação de Kathleen Battle, com sua linda voz de timbre quente, como se fosse um anjo divino anunciando palavras sagradas de algum lugar fora do tempo.
1 – Gloria in excelsis Deo
2 – Laudamus te
3 – Domine Deus, Rex coelestis
4 – Domine Fili, Domine Deus
5 – Domine Deus, Agnus Dei
6 – Qui sedes ad dexteram Patris
Stabat Mater
7 – Stabat Mater dolorosa
8 – Culus animam gementem
9 – O quam tristis
10 – Quae moerebat
11 – Quis est homo
12 – Vidit suum
13 – Eia, Mater
14 – Fac ut ardeat
15 – Sancta Mater
16 – Fac ut portem
17 – Inflammatus et accensus
18 – Quando corpus morietur
Kathleen Battle, soprano
Tanglewood Festival Chorus
Boston Symphony Orchestra
Seiji Ozawa, regência
Kathleen Battle: que voz!
PS: Você sabia que o simpático teatro do Festival de Tanglewood, em Lenox, Massachussets, se chama Seiji Ozawa Hall?
Nada como tomar um mate e comer Pastelinas ao cair da tarde em Massachusets ouvindo um Poulenc dos bons
Aposto que vocês pensavam que Poulenc fosse propriedade privada de René Denon, né? Mas não é! E este é um estupendo CD gravado por uns franceses que demonstram conhecer DEMAES um de seus mais importantes compositores NACIONAES. O Concerto para Órgão (1938) é uma joia, o para Cravo (Campestre, de 1928) nem se fala, a Suíte, de 1935, também é ótima. A música de Poulenc — viva, eclética e ao mesmo tempo muito pessoal — é melodiosa e embelezada por dissonâncias do século XX. O cara tem talento, elegância, profundidade de sentimento e um doce-amargo derivado da sua personalidade ao mesmo tempo alegre e melancólica. Poulenc repleto de sons novos e aqui está transbordante de bom humor. Aproveitem!
Francis Poulenc (1899-1963): Concerto para Órgão / Concerto Campestre / Suíte Francesa (Lefebvre, Chojnacka, Orch. Lille, Casadesus)
Concerto para Órgão em Sol Menor, FP 93
1 Andante- 03:10
2 Allegro giocoso – 02:14
3 Subito andante moderado – 07:19
4 Tempo allegro, muito agitado – 02:49
5 Très calme: Lent – 02:20
6 Tempo de allegro initial – 02:09
7 Introdução do tempo: Largo 03:03
Concerto Campestre, FP 49
8 I. Allegro molto. Adágio. Allegro muito 10:16
9 II. Andante: Movimento da Sicília 05:27
10 III. Finale: Presto 07:59
Suite Francesa de Apres Claude Gervaise
11 I. Bransle de Borgonha 01:24
12 II. Pavane 02:34
13 III. Pequena marcha militar 01:09
14 IV. Complainte 01:40
15 V. Bransle de Champagne 01:55
16 VI. Siciliana 01:48
17 VII. Carrilhão 01:36
Tempo total: 58:52
Órgão: Lefebvre, Philippe
Cravo: Chojnacka, Elisabeth
Orquestra(s): Orquestra Nacional de Lille
Regente: Casadesus, Jean-Claude
Dei com o nome Arabella Steibacher em um artigo da BBC Music Magazine sobre a famosa violinista Anne-Sophie Mutter. Ela criou em 1997 uma fundação para apoiar jovens talentos do naipe de cordas e Arabella estava entre os beneficiados, assim como Daniel Muller-Schott (violoncelo), Roman Patkoló (contrabaixo) e Sergey Kachatryan (violinista). Os benefícios culturais de iniciativas como essa são muitos e enriquecem nossas vidas.
Arabella adorou as acomodações do Salão de Entrevistas do PQP Bach headquarters…
O disco me atraiu imediatamente pelo repertório: sonatas para violino e piano compostas por franceses cujas existências coincidiram em parte, mas que também representam diferentes gerações.
Gabriel Fauré é o mais velho, mas foi bem longevo. Ele compôs duas sonatas para violino, mas essa do disco, é a primeira delas, ainda no século XIX, por volta de 1875. A première oficial foi na Société Nationale de Musique, na Sala Pleyel, que promovia música ‘francesa’ em contraste com a música ‘germânica’. Essa composição foi importante para estabelecer a reputação de Fauré como compositor.
Maurice Ravel é possivelmente o mais conhecido destes compositores e também compôs duas sonatas para violino. Como a primeira delas só veio a público depois da morte do compositor, esta segunda sonata é geralmente tratada apenas como Sonata para Violino de Ravel. Composta nos anos da década de 1920, teve o jazz e o blues, que eram muito populares em Paris desde o início do século XX, como fonte de inspiração. O terceiro movimento é intitulado ‘blues’.
A peça mais recente é a que abre o disco, uma belezura composta por Francis Poulenc. No entanto, a composição de uma sonata para violino foi um projeto que demorou a ser realizado. Várias tentativas ocorreram, desde a juventude do compositor, mas só em 1942 se completou. A sonata foi dedicada à memória do poeta Garcia Lorca, mas teve como madrinha a violinista Ginette Neveu, que deu vários pitacos para a parte de violino e estreou a peça ao lado do compositor como o pianista. Para entender a relutância e dificuldade que Francis Poulenc enfrentou na composição da peça, basta ler essas linhas que ele deixou ao completar o rascunho da peça: Le monstre est au point. Je vais commencer la réalisation. Ce n’est pas mal, je crois, et en tout cas fort différent de la sempiternelle ligne de violon-mélodie des sonates françaises du XIXe siècle…. Le violon prima donna sur piano arpège, me fait vomir. (O monstro está no ponto. Vou começar a realização. Não está mal, eu acho, e de qualquer forma é muito diferente da eterna linha violino-melodia das sonatas francesas do século XIX. O violino prima donna sobre os arpejos do piano me dá engulhos). Eu diria que o resultado ficou excelente.
Para fechar o cortejo, assim como um ‘encore’, temos mais uma peça de Ravel, Tzigane, cuja inspiração está evidente no próprio nome.
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Sonata para Violino, FP 119
Allegro con fuoco
Intermezzo. Très lent et calme
Presto tragico
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
Sonata para Violino No. 1 em lá maior, Op. 13
Allegro molto
Andante
Allegro vivo
Allegro quasi presto
Maurice Ravel (1875 – 1937)
Sonata para Violino em sol maior
Allegretto
Blues. Moderato
Perpetuum mobile. Allegretto
Tzigane
Tzigane
Arabella Steinbacher, violino
Robert Kulek, piano
O duo dando uma palhinha para o pessoal do PQP Bach depois do encontro para a entrevista…
Un album entièrement français… Claude Debussy e Francis Poulenc contribuíram imensamente para estabelecer a identidade musical francesa, compondo música que é a um só tempo refinada, emotiva, mas também com espaço para gaiatice, ironia. E foram inovadores, verdadeiramente criativos.
A primeira vez que ouvi a sonata para violoncelo e piano de Debussy foi no disco de Rostropovich e Britten. Depois, a ouvi novamente, ao lado das suas outras sonatas, no disco da Philips, com Gendron, Grumiaux e o resto da gang. Eu gosto muito dessas obras, em particular da sonata para flauta, viola e harpa.
Francis indicando com seu chapéu para onde o pessoal do PQP Bach deveria ir para pegar o uber de volta, após a entrevista
A música de Poulenc eu descobri um pouco mais tarde, mas agora está sempre presente em minhas playslists. A sua sonata para violino, assim como a sonata para violoncelo, está entre as minhas preferidas, mas Poulenc também compôs lindas sonatas com instrumentos de sopro que vale a pena explorar.
JG Queyras
Esse disco todo francês, tem por intérpretes dois expoentes de uma nova geração de músicos franceses que assegura uma continuidade de excelência musical. Jean-Guihen Queyras é violoncelista de primeira e Alexandre Tharaud pianista que tem no repertório bem mais do que só música francesa. Os dois músicos já andaram por aqui, visitando a terrinha, e se você tiver a oportunidade, vá vê-los.
A Tharaud
Não deixe de se deliciar com as duas sonatas e também com as outras peças que completam o disco. A valsa ‘La plus que lente’, uma versão para violoncelo e piano da conhecida peça para piano. Do lado mais exótico temos a bagatela de Poulenc, que é seguida pela linda serenata. Um álbum para ser saboreado…
Conheci a sonata de Poulenc graças ao Alexandre, que acredito (embora ainda não tenha conseguido fazê-lo admitir) deve ter aprendido a tocar essa música antes de começar a andar; ela parece fluir de seus dedos como se fosse uma segunda natureza. JG Queyras
Admiradores do canto coral, o post de hoje é para vocês. Nada mais, nada menos que uma caixa com 6 cds trazendo o crème de la crème do trabalho que o regente Eric Ericson desenvolveu ao longo de décadas à frente de dois coros na capital sueca: o Coro da Rádio de Estocolmo (hoje Coro da Rádio Sueca) e o Coro de Câmara de Estocolmo, fundado por ele.
Correndo o risco de soar exagerado, essa caixinha é o tipo de coisa que eu botaria na sonda Voyager para que os habitantes extraterrestres do cosmos soubessem que, apesar de ter dado um tanto errado como espécie, a humanidade teve seus momentos de extrema beleza, de uma verdade essencial. Um troço assim como aquele gol do Maradona contra os ingleses em 86, a Annunziata de Antonello da Messina ou o filé à francesa do Degrau.
Não sei bem explicar o porquê, tem alguma coisa na música coral que me pega fundo na alma. Talvez seja algo verdadeiramente animal, instintivo – nos sentimos tocados quando ouvimos nossos semelhantes emitindo sons em conjunto. As Paixões de Bach, a Nona de Beethoven, o Réquiem de Mozart, para ficar só em algumas das mais consagradas páginas do repertório de concerto, todas têm aquele(s) momento(s) em que o coro descortina sua avalanche sonora e a gente se agarra na cadeira, como que soterrado por tamanha beleza, tamanho feito humano. A voz humana tem esse poder, mexe com a gente, sei lá, em nível celular…
Pois esta caixinha de seis discos faz um voo panorâmico amplo, percorrendo mais de cinco séculos de música coral europeia: de Thomas Tallis (1505?-1585) a Krzystof Penderecki (1933-2020). Os seis discos são divididos em dois trios: os três primeiros levam o nome de Cinco Séculos de Música Coral Europeia e trazem obras de: Badings, Bartók, Brahms, Britten, Byrd, Castiglioni, Debussy, Dowland, Edlund, Gastoldi, Gesualdo, Ligeti, Martin, Monteverdi, Morley, Petrassi, Pizzetti, Poulenc, Ravel, Reger, Rossini, Schönberg, R. Strauss e Tallis. Os três restantes, por sua vez, são agrupados como Música Coral Virtuosa e o repertório consiste em Jolivet, Martin, Messiaen, Monteverdi, Dallapiccola, Penderecki, Pizzeti, Poulenc, Reger, R. Strauss e Werle.
Eric Ericson e György Ligeti
O texto de Michael Struck-Schloen sobre o repertório que integra o encarte é bem bom e vale a extensa transcrição, em livre tradução deste blogueiro:
“Cinco séculos de música coral europeia (cds 1 – 3) A seleção estritamente pessoal de Ericson do vasto repertório de música coral europeia dos séculos XVI a XX para a lendária produção de 1978 da Electrola pode surpreender, a princípio, pelas muitas lacunas que contém. Não há nada da audaciosamente complexa música coral do Barroco Protestante, de Schütz a Bach, nem obras do início do período Romântico, quando grandes mestres como Schubert e Mendelssohn contribuíram para a era dourada da tradição coral burguesa. As obras desses discos não foram selecionadas tendo em mente uma completude enciclopédica, mas por sua flexibilidade e brilhantismo, por sua mistura de cores e suas características tonais gerais.
A riqueza e o desenvolvimento da tradição coral europeia são melhor iluminadas quando agrupamos as obras de acordo com sua procedência ao invés de seu período de composição. A música coral europeia foi profundamente influenciada desde o início pelo som e expressão específicos do idioma utilizado; e, no século XIX, as harmonias e ritmos típicos da música tradicional folclórica também começaram a desempenhar um papel importante. As Quatro Canções Folclóricas Eslovacas (1917) e as Canções Folclóricas Húngaras (1930), de Béla Bartók, demonstram bem essa tendência rumo a uma identificação nacional, bem como os primeiros coros Manhã e Noite, de György Ligeti, escritos em 1955, um ano antes de ele escapar do regime comunista de sua Hungria natal.
Os quatro exemplos de música sacra a capella alemã incluídos aqui merecem o título dado por Brahms de Quatro Canções Séries já somente pela escolha do texto. Em uma de inflação tanto da intensidade expressiva como dos recursos musicais utilizados – como demonstrado por Paz na Terra (1907) de Schönberg e o Moteto Alemão (1913) de Richard Strauss para quatro solistas e coral de 16 vozes –, havia também um claro renascimento no interesse por antigos ideais composicionais e estilísticos. Assim, a esparsa ttécnica coral praticada por Schütz e seus contemporâneos foi a principal fonte de inspiração para os Motetos, op. 110 de Max Reger, trabalhando com textos biblicos (1909), ou para Fest- e Gedenksprüche com que um Brahms de 56 anos de idade reconheceu a liberdade que a sua Hamburgo natal o concedeu.
A mais importante revolução na história da música vocal entre a Renascença e Schönberg foi a introdução na Itália, por volta de 1600, do canto solo dramático. Esse novo estilo, que atendia pelo despretensioso nome de “monodia”, pavimentou o caminho para o gênero inteiramente novo da ópera, e também diminuiu gradativamente a importância do coral de múltiplas vozes ao norte dos Alpes. Dessa forma, os madrigais de Gesualdo e Monteverdi, com suas harmonias distintas, são na verdade música solo em conjunto, fazendo deles terreno fértil para grupos vocais ágeis e esguios como o Coro de Câmara de Estocolmo. Enquanto as extravagantes Péchés de ma vieillesse de Rossini foram escritas para quarteto e octeto vocais, o quarteto desacompanhado teve que esperar até o século XX para ser redescoberto como um meio expressivo em si mesmo. Ildebrando Pizzeti faz uma referência deliberada ao contraponto renascentista em suas duas canções Sappho, de 1964, enquanto seu conterrâneo Goffredo Petrassi explora uma ampla gama de técnicas corais modernas, de glissandi ilustrativos ao caos dissonante, em seus corais Nonsense (publicados em 1952) baseados em versos de Edward Lear.
Em uma época em que uma carga expansiva e sobrecarregada de som era a ordem do dia no trabalho coral alemão, compositores franceses ofereceram narrativas caprichosas e a poesia colorida da natureza. As Trois Chansons (1915) de Maurice Ravel, com textos dele mesmo, são uma mistura cativante de atrevida sabedoria popular e engenhosa simplicidade, enquanto Debussy incorpora antigos textos franceses em uma linearidade arcaica em suas Trois Chansons de Charles d´Orléans (1904). As Chansons bretonnes do compositor holandês Henk Badings são brilhantes estudos vocais no idioma francês, enquanto os coros Ariel do grande compositor suíço Frank Martin são importantes estudos preliminares para sua ópera A Tempestade. Não bastassem esses belos trabalhos, é a cantata para 12 vozes A Figura Humana (1943), de Francis Poulenc, a obra-prima do grupo francês: oito complexos movimentos corais a partir de textos do poeta comunista francês Paul Eluards que são o grito pessoal de protesto do compositor contra a ocupação nazista na França.
A Itália não foi o único reduto da música vocal no limiar do Barroco: a Inglaterra também manteve um alto nível em seus diversos esplendorosos corais de catedrais e na exclusiva Capela Real em Londres. O grande Thomas Tallis e seu pupilo William Byrd foram ambos membros da Capela Real, e Tallis serviu sob nada menos que quatro monarcas: Henrique VIII, Eduardo VI, Maria I e Elizabeth I. Enquanto a fama de Tallis reside em sua música coral de ingenuidade contrapuntística e grande destreza técnica, Byrd e seu pupilo Thomas Morley possuíam um alcance mais amplo, escrevendo refinadas séries de madrigais em estilo italiano. Esses, ao lado das canções usualmente melancólicas de John Dowland (“Semper Dowland, semper dolens“), representam o florescer supremo da música vocal elizabetana. Após a música vocal inglesa atingir seu pico barroco com as obras de Henry Purcell, o “sceptrd` Isle” teve que esperar até o século XX com o compositor Benjamin Britten para renovar a bela tradição coral do país com peças como seu Hino para Santa Cecília (1942).
As obras do pós-guerra incluídas nessa seleção não se prestam a serem rotuladas em nenhum escaninho nacional. Elegi, do compositor e professor sueco Lars Edlund, a intrincada Lux aeterna (1966) para 16 vozes de György Ligeti e Gyro de Niccolò Castiglione representam a vanguarda internacional no período posterior à Segunda Guerra Mundial, em que estilos individuais contavam mais que escolas locais.
Música coral virtuosa (cds 4 – 6) Música coral virtuosa: o título da lendária produção da Electrola lançada em 1978 não foi escolhido apenas para ressaltar a perfeição técnica de tirar o fôlego do Coro da Rádio de Estocolmo e de seu irmão, o Coro de Câmara de Estocolmo. O termo “virtuoso” também se aplica ao repertório gravado: as peças corais italianas do cd 4 são ampla evidência dos tesouros aguardando descoberta por alguém com ouvidos tão sensíveis como Eric Ericson.
A abertura aqui fica por conta de Claudio Monteverdi, cuja Sestina, de 1614, sobre a morte de uma soprano da corte de Mantua ergue o sarrafo no que se refere ao estilo vocal italiano e à riqueza harmônica. Como muitos compositores italianos do século XX, de Gian Francesco Malipiero a Luca Lombardi, Luigi Dallapiccola sentiu-se em dívida para com o novo e expressivo estilo vocal introduzido por Monteverdi. Os dois primeiros corais de seus Sei cori di Michelangelo il Giovane (1933-36) apresentam, em sagaz antítese, os coros das esposas infelizes (malmaritate) e o dos maridos infelizes (malammogliati). Mais heterogêneos em estilo são os três coros que Ildebrando Pizzetti dedicaram ao Papa Pio DII em 1943, para marcar seu 25º jubileu como sumo pontífice. O noturno no poema Cade la sera de D´Annunzio se desdobra em largos arcos que preenchem o espaço tonal, enquanto os textos bíblicos inspiram Pizzetti a um estilo mais arcaico e austero.
Lars Johan Werle, que chefiou por muitos anos o departamento de música de câmara da Rádio Sueca, apresentou um cartão de visitas em nome da música coral sueca contemporânea – que somente desenvolveu uma tradição autônoma sob a influência de Ericson e seus corais – com seus Prelúdios Náuticos de 1970. O compositor adorna a combinação do tratamento experimental das vozes com idéias precisas sobre articulação e a transformação do texto em música com expressões marítimas. Em contraste com este virtuoso estudo, Krzystof Penderecki escreveu seu Stabat Mater em 1962, no antigo estilo de música sacra funeral. O gênio altamente individual com que Penderecki procede da abertura com sinos em uníssono, atravessando uma intrincada polifonia tecida por três corais de 16 vozes, até o casto, luminoso acorde em puro ré maior do Gloria lhe renderam o status de um dos principais compositores jovens da Polônia na estreia de sua Paixão de São Lucas, em 1966, da qual o Stabat Mater faz parte.
Um dos focos das atividades dos dois corais, ao lado da música italiana de Gabrieli a Dallapiccola, sempre foi o repertório alemão a capella do Romantismo tardio, cujos antípodas característicos foram Max Reger e Richard Srauss. Enquanto Reger trabalhou para promover uma renovação da música litúrgica protestante no espírito de Bach, como fica evidente em seus Acht Gesänge (“Oito hinos”) de 1914, Strauss enxergava no coral de múltiplas vozes um equivalente vocal do grandioso entrelaçamento de seu estilo instrumental. Essa tendência da música coral de Strauss está documentada nessas duas peças, separadas por quase quatro décadas: sua adaptação para o poema Der Abend (“A noite”, de 1897), de Friedrich Schiller, e a caprichosamente ocasional Die Göttin im Putzzimmer (“A deusa no quarto de limpeza”), de 1935, com seus ecos da bucólica ópera Daphne, de Strauss.
Nessa jornada de descoberta ao longo da música coral europeia do século XX, é sobre as obras-primas francesas de Poulanc e Jolivet, e particularmente de Messiaen e Martin, que os dois corais de Estocolmo lançaram uma nova luz. O espectro expressivo dos ciclos apresentados aqui é inegavelmente impressionante. Enquanto em 1936 – muito após o Grupo dos Seis ter rompido – Poulenc voltou mais uma vez à poesia de Apollinaire e Eluard em suas Sept chansons, André Jolivet combinou textos sacros egípcios, indianos, chineses, hebreus e gregos em seu Epithalame, escrito em 1953 para celebrar seu vigésimo aniversário de casamento de uma forma mística. Naquele mesmo 1936, Olivier Messiaen, então com 28 anos, juntou-se a Jolivet e Daniel Lesur para criar o grupo Jeune France (“França jovem”), mas logo partiria novamente em seu idiossincrático caminho, alternando entre catolicismo, técnicas avant-garde e uma filosofia totalizante da natureza. Em termos de conteúdo, os Cinq Rechants de Messiaen, ligados entre si por refrões (rechants), representam um homólogo vocal de sua Sinfonia Turangalîla, que parte da história de Tristão e Isolda para criar uma mitologia de amor, natureza e morte. Frank Martin, nascido em Genebra, por sua vez, considerou sua Missa (1922-6) como algo “que diz respeito apenas a mim e Deus”. É música de pureza espiritual e arcaica, cuja estreia Martin autorizou apenas quarenta anos depois de sua composição.”
Ericson em ação
Obs.: para não deixar esse post ainda mais comprido, a lista completa de movimentos, intérpretes e afins está fotografada, dentro do arquivo de download.
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Five centuries of European choral music
Disco 1 Johannes Brahms (1833-1897) Fest. und Gedenksprüche, op. 109
Max Reger (1873-1916) O Tod, wie bitter bist du, op 110/3
Arnold Schönberg (1874-1951) Friede auf Erden, op. 13
Richard Strauss (1864-1949) Deutsche Motette, op. 62
Lars Edlund (1922-2013) Elegi
Béla Bartók (1881-1945) Vier slowakische Volkslieder
Disco 2 Béla Bartók (1881-1945) Ungarische Volkslieder
György Ligeti (1923-2006) Morgen Nacht Lux aeterna
Poulenc junto com Villa-Lobos e Britten talvez tenham sido os melhores compositores off-road do século XX. O compositor francês foi o principal membro do “grupo dos seis”, grupo antirromântico fortemente influenciado pela leveza de Eric Satie e o neoclassicismo de Stravinsky. No Concerto para dois pianos ouvimos Mozart, mas não do século XVIII e sim um Mozart com maneirismos modernos. Não podemos negar que há inevitavelmente um modernismo nessa volta ao passado. Basta lembrar também dos Kammermusik de Hindemith que são os Concertos de Brandenburgo do século XX. Essa transposição da leveza e humor do classicismo, de certa forma perdidos no romantismo, para o período moderno, foi um marco para a história da música. Mas ao contrário de Hindemith, que deixou inúmeros discípulos, Poulenc não criou escola.
Como ocorria no período clássico, Poulenc escreveu inúmeras sonatas para quase todo tipo de instrumento. Aqui vamos ouvir uma das suas melhores obras – a Sonata para dois pianos. É uma obra difícil e dramática, com toques sutis daquela religiosidade que já conhecemos, com absurdos contrastes entre explosões e calmarias. Paradoxalmente, a mais romântica de suas peças.
Depois ouvimos muito da influência de Eric Satie em peças despretensiosas, mas inesquecíveis (o Capriccio para dois pianos é lindo).
Francis Poulenc (1899 – 1963): Complete Works for 2 Pianos (Derwinger / Pöntinen / Vanska / Malmö)
1. Concerto for 2 pianos & orchestra, FP 61 – Allegro ma non troppo
2. Larghetto
3. Finale: Allegro molto
4. Sonata for 2 pianos, FP 156 No. 1, Prologue (Extremement lent et calme)
5. No. 2, Allegro molto (Tres rythme)
6. No. 3, Andante Lyrico (Lentement)
7. No. 4, Epilogue (Allegro giocoso)
8. Sonata for piano, 4 hands, FP 8 No. 1, Prelude (Modere)
9. No. 2, Rustique (Naif et lent)
10. No. 3, Final (Tres vite)
11. Capriccio for 2 pianos (after Le bal Masqué), FP 155
12. L’embarquement pour Cythère
13. Élégie (en accords alternés), for 2 pianos, FP 175
Performed by Love Derwinger and Roland Pöntinen
Malmö Symphony Orchestra
Conducted by Osmo Vanska
Por favor, não deixem este CD passar em brancas nuvens. É espetacular. Encontrei-o perdido na estepe russa, numa caçada aos mp3. Obra-prima absoluta do grande compositor francês (estranho, não?) Francis Poulenc. Creio que devo ter em casa alguma outra versão do Stabat mater, pois era coisa bem conhecida minha, que não mais o relacionava a Poulenc. Ou então sua presença em minha mente deve-se à Rádio da Universidade, sabe-se lá. Richard Hickox é um mestre da música vocal e confesso que o fato de ter captutado o CD deveu-se mais a ele do que a Poulenc. Gosto muito da série de música de câmara de Poulenc que a Naxos publicou há cerca de 10 anos. É compositor de primeira linha.
Minha contribuíção às missas, réquiens, orátórios e outras coisas diabólicas que estão sendo postadas por FDP Bach, vem com este extraordinário CD, com o Réquiem de Verdi e com obras de Pärt. Isto, é claro, se FDP não tiver tais obras em seus planos.
Mas, olha, recomendo fortemente este CD. Disco de beleza arrepiante, coisa de primeira. Quem não gostar dos 128 Kb, que o compre!
Poulenc – Gloria, Stabat Mater, Litanies à la Vierge noire (Hickox)
Gloria, for soprano, chorus & orchestra, FP 177
1. Gloria: Gloria in excelsis Deo 2:56
2. Gloria: Laudamus te 3:08
3. Gloria: Domine Deus 4:48
4. Gloria: Domine Fili unigenite 1:19
5. Gloria: Domine Deus, Agnus Dei 7:08
6. Gloria: Qui sedes ad dexteram Patris 6:31
Stabat Mater, for soprano, chorus & orchestra, FP 148
7. Stabat Mater: Stabat mater dolorosa 4:11
8. Stabat Mater: Cujus animam gementem 1:00
9. Stabat Mater: O quam tristis 2:52
10. Stabat Mater: Quae moerebat 1:25
11. Stabat Mater: Quis est homo 1:22
12. Stabat Mater: Vidit suum 3:37
13. Stabat Mater: Eja mater 1:01
14. Stabat Mater: Fac ut ardeat 2:20
15. Stabat Mater: Sancta mater 3:00
16. Stabat Mater: Fac ut portem 3:40
17. Stabat Mater: Inflammatus et accensus 2:05
18. Stabat Mater: Quando corpus 4:44
Litanies à la Vierge Noire, for women’s chorus & organ (or strings & timpani), FP 82
19. Litanies à la vierge noire: Notre-Dame de Roc-Amadour 9:59
Catherine Dubosc, soprano
Westminster Singers
The City of London Sinfonia
Richard Hickox
Eis Le bal masqué, de Poulenc, compositor que parte de vocês conhece e cuja obra é de uma alegria toda pessoal e invulgar, como poucos lograram na História da Música (Poulenc foi quem melhor herdou a veia satírica de Erik Satie, por mais que tentem encher a bola de Milhaud).
Tem outras peças bacanas no CD, mas a principal é esse “baile de máscaras” doideca, cuja letra de Jean Cocteau é deveras engraçada.
(Atualização do post: o visitante Egberto Gustavo Carmo nos escreveu para corrigir que a letra não é de Cocteau e sim de Max Jacob, além de fazer uma ótima descrição da obra, que transcrevemos abaixo)
Olá, gostaria de retificar o informado.
Baile de máscaras resulta numa cantata secular que aproveita textos originais de poemas de M. Jacob (1876-1944), e não de Jean Cocteau como citado, e foi escrita no início de 1932 sendo estreada em Abril desse ano. Foi composta para um spectacle-concert organizado por Marie-Laure e Charles Noailles na sua mansão em Hyères. Trata-se de uma obra que deixou o compositor particularmente orgulhoso, sobretudo por ter conseguido “…encontrar os meios para glorificar a atmosfera suburbana que tanto gosto. Tudo isto graças ao texto de Jacob […] e ao material instrumental utilizado”. O “Préambule et Air de bravoure” é pleno de dinâmica e ironia, aliás, traços característicos de Poulenc. O “Intermède”, instrumental, de carácter mais lírico, apresenta uma continuidade rítmica que torna melíflua a sucessão de eventos que vão tomando lugar na partitura. Depois da toada cigana da valsa “Malvina”, segue a “Bagatelle” que, à guisa de um capricho virtuosístico, faz lembrar o estilo de N. Paganini (1782-1840), ainda que numa linguagem do século XX. Ao escrever La Dame aveugle, Poulenc teve como inspiração uma mulher muito rica que costumava observar durante a sua adolescência em Nogent-sur-Marne. O seu aspecto espalhafatoso terá impressionado de tal forma o compositor que esta foi a forma que encontrou para a retratar. O Finale pretende ser “estupendo e terrifico”, segundo suas proprias palavras, trata-se da chave da obra reunindo os diferentes estilos ouvidos até o mesmo.” O autorretrato perfeito de Max Jacob conforme o conheci pessoalmente em Montmartre em 1920″.
Este post é para o CDF, o cultuador da música do séc. XX neste blog.
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Poulenc, d`Indy, Roussel, Koechlin: Le bal masqué e outras obras (Viotta Ensemble)
01. Suite dans le style ancien, Op. 24: I. Prélude. Lent 1:40
compositeur(s) Vincent d’Indy artiste(s)Viotta Ensemble
02. Suite dans le style ancien, Op. 24: II. Entrée. Gai et modéré 2:40
compositeur(s)Vincent d’Indyartiste(s)Viotta Ensemble
03. Suite dans le style ancien, Op. 24: III. Sarabande. Lent 3:34
compositeur(s)Vincent d’Indyartiste(s)Viotta Ensemble
04. Suite dans le style ancien, Op. 24: IV. Menuet. Animé 3:19
compositeur(s)Vincent d’Indyartiste(s)Viotta Ensemble
05. Suite dans le style ancien, Op. 24: V. Ronde française. Assez animé 2:58
compositeur(s)Vincent d’Indyartiste(s)Viotta Ensemble
06. String Trio, Op. 58: I. Allegro moderato 3:52
compositeur(s) Albert Roussel artiste(s)Viotta Ensemble
07. String Trio, Op. 58: II. Adagio 6:13
compositeur(s)Albert Rousselartiste(s)Viotta Ensemble
08. String Trio, Op. 58: III. Allegro con spirito 2:47
compositeur(s)Albert Rousselartiste(s)Viotta Ensemble
09. Sonatine No. 2, Op. 194 No. 2: I. Andante, très calme, presque adagio 3:54
compositeur(s) Charles Koechlin artiste(s)Viotta Ensemble
10. Sonatine No. 2, Op. 194 No. 2: II. Andante con moto 1:19
compositeur(s)Charles Koechlinartiste(s)Viotta Ensemble
11. Sonatine No. 2, Op. 194 No. 2: III. Presque adagio 3:12
compositeur(s)Charles Koechlinartiste(s)Viotta Ensemble
12. Sonatine No. 2, Op. 194 No. 2: IV. Finale. Allegro 3:03
compositeur(s)Charles Koechlinartiste(s)Viotta Ensemble
13. Le Bal masqué, FP 60: I. Préambule et Air de bravoure, “Madame la Dauphine ne verra pas le beau film” 4:23
compositeur(s) Francis Poulenc artiste(s)Viotta Ensemble, Maarten Koningsberger
14. Le Bal masqué, FP 60: II. Intermède 2:19
compositeur(s)Francis Poulencartiste(s)Viotta Ensemble
15. Le Bal masqué, FP 60: III. Malvina, “Voilà qui j’espère effraie” 2:17
compositeur(s)Francis Poulencartiste(s)Viotta Ensemble, Maarten Koningsberger
16. Le Bal masqué, FP 60: IV. Bagatelle 2:13
compositeur(s)Francis Poulencartiste(s)Viotta Ensemble
17. Le Bal masqué, FP 60: V. La dame aveugle, “La dame aveugle dont les yeux saignent choisit ses mots” 2:15
compositeur(s)Francis Poulencartiste(s)Viotta Ensemble, Maarten Koningsberger
18. Le Bal masqué, FP 60: VI. Finale, “Réparateur perclus de vieux automobiles” 4:43
compositeur(s)Francis Poulencartiste(s)Viotta Ensemble, Maarten Koningsberger
Neste mês dedicado a Sergei Rachmaninoff, compositor romântico tardio e também grande virtuose do piano, recordaremos alguns outros pianistas do século passado que, de uma maneira ou de outra, cruzaram suas trajetórias com as do homenageado. O pianista de hoje é Shura Cherkassky (1909 – 1995): embora mais de 30 anos mais jovem que Sergei, eles têm em comum o fato de terem saído da Rússia na década de 1910 em meio às turbulências da 1ª Guerra e da Revolução. O corpo dos dois saiu da Rússia, mas a alma continuou profundamente russa, fazendo um tipo de música característica das expressões do romantismo tardio na Europa Oriental, como veremos a seguir.
A mãe de Shura, Lydia Cherkassky, era uma pianista conhecida em São Petersburgo, tendo tocado para Tchaikovsky, que aliás era um compositor importante no repertório de Shura, não só com seu famoso concertos mas também com peças para piano solo pouco tocadas por outros pianistas. Cherkassky foi, portanto, o continuador de uma certa tradição pianística da Europa Oriental, não só por suas origens russas mas também como aluno do polonês Josef Hofmann (1876-1957). Hofmann foi um dos pianistas mais célebres do mundo na virada do século XIX para o XX, embora por volta de 1930 sua prodigiosa técnica já não fosse a mesma devido ao alcoolismo, o que significa que poucas gravações fazem jus ao seu talento. Em 1909, Rachmaninoff dedicou seu 3º Concerto – o mais difícil dos quatro – para Hofmann. Anos depois, constatando o declínio do polonês, Rach afirmou: “Hofmann ainda é um grande … o maior pianista vivo se ele estiver sóbrio e em forma. Se não for o caso, é impossível reconhecer o antigo Hofmann.” O polonês, por sua vez, foi aluno de Anton Grigoryevich Rubinstein (1829-1894), pianista russo que foi frequentemente considerado o maior do mundo em sua época, além de compor cinco concertos para piano quase esquecidos hoje em dia. Anton Rubinstein, aliás, não era parente de Arthur Rubinstein, embora ambos tivessem origens judaicas. (Para um comentário sobre a “escola” dos alunos de Anton Rubinstein, confira o interessantíssima postagem do colega Alex aqui).
A partir de várias resenhas em jornais e outros textos do século XIX, o crítico Harold C. Schonberg, no livro The Great Pianists (1963), resume que Anton Rubinstein tocava com “extraordinária amplitude, vitalidade e virilidade, imensa sonoridade e grandiosidade”. Características também do romantismo tardio de Rachmaninoff, e que tinham como tradição mais ou menos rival o pianismo francês de compositores como Debussy, Fauré, Saint-Saëns e Ravel. Estes últimos evitavam as sonoridades exageradamente barulhentas – notem a quantidade de expressões masculinas na descrição de Harold Schonberg, muitas delas caberiam em um anúncio daquele remédio que os Generais brasileiros adoram – e se associaram a grandes intérpretes do início do século como Alfred Cortot, Ricardo Viñes, o próprio Saint-Saëns e muitas mulheres, incluindo Guiomar Novaes, Marguerite Long e Clara Haskil.
Mas o pianista do dia, de certa forma herdeiro daquela tradição romântica russa/polonesa, é Cherkassky, que foi um grande intérprete das obras de Rach (aqui) e também de uma pequena fantasia chamada Caleidoscópio, composta por Hofmann:
O que mais me interessa neste disco de hoje, registro de um recital de Cherkassky em Lugano (Suíça), é a sua reinvenção da sonata de um outro compositor romântico, Robert Schumann. Embora Shura também seja impecável em seu Debussy, Berg e Stravinsky – ou seja, ele não se limita como apenas um pianista romântico – o que me impressiona mesmo é a diversidade de emoções que ele extrai da 1ª Sonata de Schumann, já iniciando pelo sarcasmo das primeiras notas, seguido por alternâncias típicas de Schumann entre seriedade, melancolia e humor.
Robert Schumann foi um grande estudioso das obras de Bach e Beethoven mas, ao contrário deste último, ele não compôs sonatas para piano de grande invenção contrapontística em um estilo “maduro” no fim de sua vida. Se quisermos ouvir o Schumann maduro é melhor buscarmos outras obras como o o muito original concerto para violoncelo.
Talvez por isso, as três sonatas para piano de Schumann raramente (pra não dizer: nunca) são tocadas em bloco em um único recital ao vivo: ao contrário das sonatas de Beethoven, que mostram as mudanças no percurso do compositor, as de Schumann ficam nessa alternância de humores e sabores tipicamente românticos, sem apontar para uma evolução estilística. Se isso pode ser considerado um defeito, por outro lado é uma qualidade, sobretudo em nossos tempos já calejados quanto a essas ideias sobre evolução e progresso como o objetivo da humanidade, não é mesmo? Quando o progresso se mostra violento e sujo, sentimentos românticos parecem reaparecer com toda a força hipnotizante do som do piano de Cherkassky. Uma última observação: assim como Sviatoslav Richter (1915-1997), Cherkassky parecia detestar as gravações em estúdio, talvez porque sua arte – como a dos pianistas mais velhos Anton Rubinstein, Hofmann e Rach – tivesse esse aspecto tão importante da atração hipnótica sobre uma plateia presente.
Shura Cherkassky – Lugano, 1963 Felix Mendelssohn: Rondo Capriccioso in E major op. 14 Robert Schumann: Sonata no. 1 in F-sharp minor op. 11
I. Introduzione (Un poco adagio) – Allegro vivace; II. Andante cantabile; III. Scherzo e Intermezzo (Allegrissimo); IV. Finale (Allegro un poco maestoso) Alban Berg: Sonata op. 1 Claude Debussy: L’Isle joyeuse Igor Stravinsky: Trois mouvements de Petrouchka
I. Danses russes; II. Chez Petrouchka; III. La Semaine grasse Francis Poulenc: Toccata
Shura Cherkassky – piano
Recorded at Auditorio Radiotelevisione della Svizzera italiana, Lugano, 5/12/1963
No mesmo período em que o jovem Milhaud vivia no Rio de Janeiro (1917-1919), servindo de secretário para o embaixador da França e aproveitando para escapar da terrível guerra, a primeira sociedade voltada para a proteção de direitos autorais de compositores era fundada na mesma cidade, muito por iniciativa da compositora homenageada aqui no último dia 8 de março:
“Chiquinha Gonzaga sofreu exploração abusiva de seu trabalho, o que fez com que tomasse a iniciativa de fundar, em 1917, a primeira sociedade protetora e arrecadadora de direitos autorais do país, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.” (Edinha Diniz)
Milhaud e muitos outros espertos – a julgar pela citação acima – roubaram melodias de Gonzaga, de Nazareth e de outros brasileiros sem citar os autores, o que realmente depõe contra seu caráter. Fica parecendo que ele colheu suas flores num campo de melodias populares e folclóricas, mas o fato é que a maioria das obras tinha autor conhecido e estava publicada em casas de edição de partituras.
Será que é assim que os povos indígenas se sentem ao verem fotos de Sebastião Salgado mostrando indivíduos genéricos e sem nome? Em ouvintes acostumados com uma certa sonoridade brasileira – e sobretudo carioca, pois não estamos falando de sanfonas do sertão nordestino nem de viola caipira – a música “brasileira” de Milhaud causa um verdadeiro estranhamento antropológico. A orquestração inclui um animado reco-reco, um pandeiro, mas tudo tocado de forma excessivamente parisiense, fica faltando uma pitada de malandragem.
Se faltava a Milhaud a humildade para citar suas fontes, se falta aos músicos de orquestra a síncope perfeita no reco-reco, isso não significa que não valha a pena ouvir a música. Não sei vocês, mas eu não faço questão de ouvir música só de gente sem defeitos e pecados. As contradições que abundam na música de Milhaud, presentes em outros aspectos também no ballet de Poulenc e na música futurista de Honegger, são contradições da mesma ordem daquelas que encontra qualquer um que pisar nas ruas.
Milhaud (1892-1974), Poulenc (1899-1963), Honegger (1892-1955):
1-9. Francis Poulenc – Les Biches (1923-24)
10. Darius Milhaud – Le boeuf sur le toit (1919-1920)
11. Arthur Honegger – Pacific 231 (1923-24)
Orchestre de Paris & Choeur de l’Orchestre de Paris
Semyon Bychkov
Philips 432 993-2 (1993)
Edição ricamente ornamentada de algumas obras curtas de Scriabin em Leipzig, 1925
“A arte é um vinho maravilhoso.”
Alexander Scriabin, citado por Boris de Schloezer
Hoje em dia a música de Scriabin faz parte do repertório de pianistas de várias origens e estilos: aqui no blog já tivemos a obra do russo por Marc-André Hamelin, Stephen Coombs, Valentina Lisitsa, Yuja Wang, Martha Argerich, Nelson Freire… Mas em meados do século passado, aquele compositor era uma especialidade dos soviéticos e russos emigrados, com bem poucos pianistas de outros países se aventurando em suas obras: uma das raras exceções era o alemão Walter Gieseking.
Hoje, então, vamos trazer dois dos grandes russos que se tornaram referência na interpretação de Scriabin. Além da relevância pela arte pianística, selecionei esses dois discos ao vivo por estarem entre as gravações com melhor qualidade e menos ruído.
Vladimir Sofronitsky (São Petersburgo, 1901 – Moscou 1961) foi colega de classe de Dmitri Shostakovitch, e de Elena Scriabina, a filha mais velha de Scriabin, com quem ele se casaria em 1920. Aliás Elena, já viúva, aparece no documentárioHorowitz in Moscow, de 1986
Por sua vez, Emil Gilels (Odessa, 1916 – Moscou, 1985) foi um dos maiores intérpretes de Beethoven de sua geração, mas também tinha algumas obras de Scriabin – estudos e sonatas do jovem Scriabin e os últimos prelúdios, op.74, compostos em 1914 – sempre reaparecendo nos seus recitais, como esse de 1980 diante de um público inglês que provavelmente conhecia pouco sobre aquele compositor.
Sviatoslav Richter e Emil Gilels viam Sofronitsky como um importante mentor. Uma vez, em estado alcoolizado, Sofronitsky teria dito que Richter era um gênio. Em troca, Richter brindou e disse que Sofronitsky era um deus.
Abaixo, a tradução de dois textos sobre Scriabin, um de um escritor francês e o outro de uma pianista russa:
Além de três sinfonias, dois poemas sinfônicos, um concerto e das Sonatas nº 1 e nº 3, todas as outras obras de Scriabin não chegam a quinze minutos de duração… Além disso, a maior parte das suas cerca de duzentas peças para piano – como Chopin, Scriabin escreverá abundantemente para piano – não duram mais do que dois ou três minutos. Se a música de muitos de seus contemporâneos é prolixa, Scriabin age ao contrário, obcecado pela economia de meios e pela densidade máxima a ser dada ao material musical. Uma lição também aprendida com Chopin.
Assim como para o músico polonês, o piano de Scriabin é um mundo fechado e autossuficiente, onde ele respira livremente. Chopin e sua profunda influência – Scriabin retomará grande parte de seus gêneros, prelúdios, estudos, impromptus, mazurkas, noturnos – muitas vezes nos fazem esquecer sua verdadeira personalidade, essa espécie de graça lânguida e sonhadora que se afirma no famoso Estudo em dó sustenido menor op. 2, composto na adolescência. Scriabin, de fato, prolonga Chopin mais do que o segue. É surpreendente que um gênio tão precoce siga por um tempo os passos de outro? O contrário seria impensável quando conhecemos o alcance infinito do universo harmônico de Chopin, para não falar de sua inigualável arte pianística.
Os retratos fotográficos que temos de Scriabin dão uma imagem dele semelhante à sua música: orgulhoso, altivo, encantador, elegante, fino, misterioso, assertivo, nobre, distinto, estranho, singular, luminoso, surpreendente, exaltado…
(Texto de Jean-Yves Clément)
Como é o estilo de Scriabin? É uma pergunta difícil de se responder. Há alguns exemplos. Por exemplo, Vladimir Sofronitsky era um magnífico pianista. Ele era um amigo da família de Scriabin e tocava com frequência na sua casa. Mas Scriabin em suas interpretações é o seu próprio Scriabin, e o mesmo vale para outros pianistas como Horowitz e Neuhaus…
Leonid Sabaneyev conta que uma vez, quando ele assistia a um concerto com Tatiana Schloezes, esposa de Scriabin, eles descobriram um jovem pisnista cujo estilo lembrava o do compositor. Impressionados, eles falaram a respeito com Scriabin. Mas este não compartilhou do entusiasmo, ele não buscava formar uma escola. Ele era único.
O rubato de Scriabin é incomparável. É necessário sentir o ritmo metronômico, mas dentro de um rubato que é impossível de capturar porque ele foge e nunca chega a uma vitória lógica, mas sempre se curva inesperadamente.
(Texto de Ludmila Berlinskaya)
Vladimir Sofronitsky: Scriabin Recital
1-1 Étude in F sharp minor, Op. 8 No. 2
1-2 Étude in B major, Op. 8 No. 4
1-3 Étude in E major, Op. 8 No. 5
1-4 Étude in A flat major, Op. 8 No. 8
1-5 Étude in G sharp minor, Op. 8 No. 9
1-6 Étude in B flat minor, Op. 8 No. 11
1-7 Étude in F sharp major, Op. 42 No. 3
1-8 Fantaisie in B minor, Op. 28
1-9 Prélude in C major, Op. 13 No. 1
1-10 Prélude in A minor, Op. 11 No. 2
1-11 Prélude in G major, Op. 13 No. 3
1-12 Prélude in E minor, Op. 11 No. 4
1-13 Prélude in D major, Op. 11 No. 5
1-14 Prélude in B minor, Op. 13 No. 6
1-15 Prélude in A major, Op. 15 No. 1
1-16 Prélude in C sharp minor, Op. 9 No. 1 (for left hand)
1-17 Prélude in E major, Op. 11 No. 9
1-18 Prélude in C sharp minor, Op. 11 No. 10
1-19 Prélude in C sharp minor, Op. 22 No. 2
1-20 Prélude in B major, Op. 22 No. 3
1-21 Prélude in G sharp minor, Op. 16 No. 2
1-22 Prélude in G flat major, Op. 16 No. 3
1-23 Prélude in E flat minor, Op. 16 No. 4
1-24 Prélude in F sharp major, Op. 16 No. 5
1-25 Prélude in D flat major, Op. 11 No. 15
1-26 rélude in B flat minor, Op. 11 No. 16
1-27 Prélude in A flat major, Op. 11 No. 17
1-28 Prélude in E flat major, Op. 11 No. 19
1-29 Prélude in C minor, Op. 11 No. 20
1-30 Prélude in B flat major, Op. 11 No. 21
1-31 Prélude in B flat major, Op. 17 No. 6
1-32 Prélude in G minor, Op. 11 No. 22
1-33 Prélude in F major, Op. 11 No. 23
1-34 Prélude in D minor, Op. 11 No. 24
2-1 Poème, Op. 52 No. 1
2-2 Poème, Op. 59 No. 1
2-3 Poème ailé, Op. 51 No. 3
2-4 Poème languide, Op. 52 No. 3
2-5 Masque, Op. 63 No. 1 (Poème)
2-6 Poème satanique, Op. 36
2-7 Poème in D major, Op. 32 No. 2
2-8 Poème in F sharp major, Op. 32 No. 1
2-9 Poème, Op. 69 No. 1
2-10 Poème, Op. 69 No. 2
2-11 Piano Sonata No. 9, Op. 68
2-12 Flammes sombres, Op. 73 No. 2 (Danse)
2-13 Guirlandes, Op. 73 No. 1 (Danse)
2-14 Poème, Op. 71 No. 1
2-15 Poème, Op. 71 No. 2
2-16 Piano Sonata No. 10, Op. 70
2-17 Fragilité, Op. 51 No. 1
2-18 Feuillet d’Album, Op. 45 No. 1
2-19 Mazurka in E minor, Op. 25 No. 3
2-20 Étude in C sharp minor, Op. 42 No. 5
2-21 Mazurka in F sharp major, Op. 40 No. 2
2-22 Étude in D sharp minor, Op. 8 No. 12
Vladimir Sofronitsky, piano (Recorded live, 1959-1960, Moscow)
The Russian composer Scriabin, whose piano pieces I knew well, arrived in Paris for a concert of his own compositions. (…) “Come have a cup of tea with me,” he said amiably, and we went to the nearby Café de la Paix and ordered some tea and cakes. Scriabin was short and slender, with wavy dark blond hair, a carefully trimmed pointed beard not unlike Nikisch’s, and cold brown eyes which seemed to ignore everything around him. “Who is your favourite composer?” he asked with the condescending smile of the great master who knows the answer. When I answered without hesitation, “Brahms“, he banged his fist on the table. “What, what?” he screamed. “How can you like this terrible composer and me at the same time? When I was your age I was a Chopinist, later I became a Wagnerite, but now I can only be a Scriabinist!” And, quite enraged, he took his hat and ran out of the café, leaving me stunned by this scene and with the bill to pay.
– Arthur Rubinstein, My Young Years (1973, p.164-165)
Retrato que Scriabin autografou em uma visita a Paris em 1907, talvez a mesma ocasião em que conheceu Rubinstein
Nascido na França e filho de pais suíços, Arthur Honegger estudou no Conservatório de Zurich (1910-11), imerso na tradição alemã do contraponto e na música mais moderna de Wagner, R. Strauss e Reger. Após se mudar para Paris (onde foi aluno de Widor e seguiu estudando contraponto), ele escreveria em 1915 em uma carta para seus pais: minhas simpatias pela nova música francesa crescem a cada dia. Conheci e apreciei Reger e Strauss na Suíça, e continuo a gostar deles, mas percebi que compositores como Debussy, Dukas, d’Indy, Florent Schmitt e outros são mais novos e mais originais, e sobretudo têm mais sentimentos do que os alemães modernos.
A influência de Debussy e de Fauré é evidente na linguagem harmônica de Honegger, mas sua música costuma ter muito mais passagens em contraponto e imitação do que a da maioria dos franceses, provavelente por influência de Beethoven e Bach. Em 1925, Honegger escreveu: Pode-se facilmente encontrar Bach na origem de todas as minhas obras.
Entre essas obras, se destacam os três Movimentos Sinfônicos da década de 1920, incluindo Pacific 231, que imita o movimento de um trem (obra que estreou no Rio de Janeiro ainda em 1929 e que Villa-Lobos certamente ouviu, no Rio ou em Paris, antes de compor o seu Trenzinho do Caipira das Bachanias nº 2, de 1930-34). Nos anos 1930, não conseguindo emplacar muitos sucessos nas salas de concerto, Honegger compôs música incidental para rádio, música de cabaré, música de partido de esquerda e 24 trilhas sonoras de filmes. Finalmente em 1938 ele voltou a fazer sucesso como compositor sério, com a estreia do oratório Joana d’Arc na fogueira, a partir do libreto do poeta Paul Claudel. No fim da década de 30 e sobretudo na de 40, Honegger compôs suas Sinfonias nº 2, 3, consideradas por muitos como suas obras-primas. Na 3ª e na 4ª, para orquestra sinfônica, passagens em contraponto alternam com uma orquestração que às vezes soa como música de filme, e lembra nesse sentido Shostakovich, por usar alguns efeitos orquestrais simples, às vezes apelando para clichês, mas com efeitos que sempre chamam a atenção e fazem as passagens atonais soarem palatáveis. Honegger, como Shostakovich, mistura a tradição com a inovação (aliás, além de ambos terem composto música de filme, ambos se destacam como compositores de sinfonias, forma musical que revolucionários como Debussy, Schoenberg e Boulez julgavam antiquada). Mais uma citação de Honegger: “Minha inclinação e meu esforço sempre foram no sentido de escrever música que fosse compreensível para o grande público e ao mesmo tempo suficientemente livre de banalidade para interessar aos genuínos amantes da música… Quis impressionar a esses dois públicos: os especialistas e a multidão.” (Citado por Keith Waters)
Na 2ª Sinfonia, para cordas com uma pequena participação de um trompete, a orquestração com menos instrumentos faz com que o desenvolvimento temático apareça de forma mais explícita, como também é o caso da Música para cordas, percussão e celesta de Bartók. Ambas as obras, assim como a 4ª de Honegger, foram encomendadas e estreadas pelo bilionário Paul Sacher e sua orquestra de câmara da Basileia (Basler Kammerorchester). Vamos nos concentrar aqui em algumas grandes gravações das sinfonias nº 2 e 3.
Para a 2ª Sinfonia, composta durante a 2ª Guerra, veremos logo abaixo que as interpretações se dividem em dois grupos: as que enfatizam a tensão e nervosismo e as que soam menos nervosas e mais pendendo para o luto e a reflexão. Em todo caso, embora seja famosa como uma das “sinfonias de guerra” do repertório do século XX, não é uma obra programática: o autor afirmou que, se a sinfonia gera certas emoções, é simplesmente porque essas emoções estavam presentes naquele momento histórico. O fim da sinfonia é mais alegre e um tanto wagneriano, mas não daremos spoilers para quem ainda não conhece…
Na 3ª, composta poucos meses após o fim da 2ª Guerra e estreada por Charles Munch em 1946, já há um programa mais explícito: o autor deu a cada movimento um subtítulo em latim proveniente da liturgia cristã, daí o nome “Sinfonia Litúrgica”, embora não haja outra conotação especialmente religiosa ou melodias cristãs emprestadas. O 1º movimento é um allegro (Dies iræ), o 2º um adagio (De profundis) e o 3º um andante (Dona nobis pacem), que se abre com uma espécie de Marcha Fúnebre, especialidade dos franceses desde a Symphonie fantastique de Berlioz e a 2ª Sonata de Chopin. Sobre essa marcha, Honneger escreveu que queria retratar “justamente a ascensão da estupidez coletiva… A vingança da besta contra o espírito…” Lembrando que se tratava de um pós-guerra no qual a estupidez tinha realmente atingido níveis supremos. Mas, assim como na 2ª sinfonia, também aqui o final é alegre, só que em vez do clímax wagneriano da sinfonia anterior, aqui temos um clima bucólico que lembra Debussy: as nuvens pesadas vão embora e os pássaros cantam de forma nada mecânica. Vamos às comparações:
Ansermet e o Honegger intelectual
Espero que vocês tenham gostado das homenagens aos 160 anos de Debussy. Para mim, foi a oportunidade de ouvir novamente alguns grandes intérpretes de Debussy, como Toscanini, Martinon, e alguns nomes menos óbvios como Svetlanov, Baudo e Hewitt. Hoje seguimos com outro grande mensageiro da música de Debussy, Ernest Alexandre Ansermet (1883-1969), que esteve aqui no blog há algumas semanas na (re)postagem de FDP Bach.
Ansermet também foi um grande intérprete de Stravinsky e Honegger, estreando obras dos dois e tendo em comum com este último o fato de ter passado a vida entre a França e a Suíça. Nesse disco com as duas “sinfonias de guerra” além da 4ª sinfonia, Ansermet e seus músicos suíços parecem enfatizar menos as emoções das “sinfonias de guerra” e mais a genialidade de Honneger em seus desenvolvimentos de temas, contrapontos e orquestração cuidadosa. Com uma gravação de alta qualidade, podemos ouvir com clareza alguns detalhes sutis, por exemplo os baixos no início do 2º mov. da 2ª sinfonia ou o solo de cello no momento mais calmo do 3º mov. da 3ª sinfonia (p.ex. aos 8m20s). São interpretações calmas, intelectuais, podemos até lembrar que os mais velhos entre aqueles músicos suíços devem ter passado a 2ª Guerra em segurança naquele país neutro, sem o nervosismo que vivia, por exemplo, o francês Charles Munch como veremos logo abaixo.
Arthur Honegger (1892-1955):
1-3. Symphony no.2 For Trumpet And Strings: I. Molto moderato – allegro; II. Adagio mesto; III. Vivace, non troppo
4-6. Symphony no.3, “Liturgique”: I. “Dies Irae” Allegro marcato; II. “De Profundis Clamavi” Adagio; III. “Dona Nobis Pacem” Andante
7-9. Symphony no.4, “Deliciæ Basilienses”: I. Lento e misterioso – Allegro; II. Larghetto; III. Allegro
Orchestre de la Suisse Romande
Ernest Ansermet
Recorded at Victoria Hall, Geneva: 1961 (Symphony No. 2), 1968 (Symphonies No. 3-4)
Provavelmente esse é o disco com mais notas levemente desafinadas ou pizicatti desencontrados postado neste blog nos últimos meses. Mas nesses tempos em que cantores da moda exageram no autotune e tudo tem que soar perfeitinho, é importante conhecermos algumas gravações ao vivo como essas feitas por Charles Munch (1891-1968) em turnê pela Europa (França, Suíça, Espanha e Finlândia) em 1962 e 64. Os eventuais desencontros entre as cordas são compensados pela tensão fortíssima da orquestra tocando em andamentos bem mais rápidos do que os de Ansermet. Mais rápidos também do que a Orchestre de Paris na gravação posterior da 2ª Sinfonia que Munch faria no seu último ano de vida. Aqui nessa apresentação ao vivo em 1964, a Orchestre National de France corre em todos os movimentos e sobretudo no último, com um Presto final loucamente acelerado que dura apenas 4m51s (a faixa é mais longa por causa dos aplausos). É um tipo de tensão que também combina com uma sinfonia conhecida como “de guerra”, e lembremos ainda que Charles Munch regeu a segunda apresentação dessa sinfonia em 1942 em Paris ainda sob ocupação nazista. E nessas gravações ao vivo temos uma amostra daquele tipo de nervosismo: a sensação de que o campo é minado, com um passo em falso, tudo pode dar errado, a orquestra corre muitos riscos e viver é desenhar sem borracha.
Em 1969, Karajan/Berlin P.O. fariam um último movimento igualmente acelerado, mas as gravações seguintes – Plasson/O.C. Toulouse (1979), Rozhdestvensky/USSR M.C.S.O. (1986) e Leducq-Barôme/Baltic C.O. (2018) – seriam um pouco mais lentas e bem comportadas, menos incisivas.
Arthur Honegger (1892-1955):
1. Le Chant de Nigamon
2. Pastorale d’été
3-5. Symphony no.2 For Trumpet And Strings: I. Molto moderato – allegro; II. Adagio mesto; III. Vivace, non troppo
6-8. Symphony no.5: I. Grave; II. Allegretto; III. Allegro marcato
Orchestre National de France
Charles Munch
Recorded live: Paris, 1962 (Chant), Basel, 1962 (Pastorale d’été), San Sebastian, 1964 (Symphony no. 2), Helsinki, 1964 (Symphony no. 5)
Jean Fournet e a lenta marcha da estupidez coletiva
Jean Fournet (1913-2008) foi um regente francês mais associado a ópera, mas que também regeu muita música instrumental de seus contemporâneos como Messiaen, de Falla e Ibert. Sua única gravação de Honegger foi esta, aos 80 anos – ao contrário de Ansermet e Munch, íntimos do compositor e dessas obras desde a estreia – mas ele mostra uma boa familiaridade com Honegger e o disco é talvez a melhor introdução para quem não conhece o compositor, por trazer obras de diferentes períodos, como a Pastorale d’été (1920), obra com climas debussystas, feita por um jovem em busca de sua voz, e Pacific 231 (1923), primeiro grande sucesso de Honegger e já com suas características típicas. Como descreveu o compositor: “A obra inicia com uma contemplação subjetiva, o respirar quieto de uma máquina em descanso, [a seguir] seu esforço para começar, a velocidade que aumenta gradativamente […] Musicalmente, eu compus uma espécie de um grande e diversificado coral, repleto de contraponto à maneira de J. S. Bach”
E na 3ª Sinfonia, Jean Fournet e seus músicos holandeses fazem a marcha do 3º movimento de forma muito lenta, grandiosa, uma marcha da estupidez coletiva com toda a pompa e sem perder nenhum detalhe. E o primeiro flautista brilha no final, com um som fluido, irregular, em tudo o oposto da marcha que tinha a precisão de uma máquina.
Arthur Honegger (1892-1955):
1. Rugby, mouvement symphonique
2. Pacific 231, mouvement symphonique
3. Concerto da Camera
4. Pastorale d’eté
5. Symphonie no. 3, “Liturgique” (I. “Dies Irae” 0:00-7:02; II. “De Profundis” 7:03-21:19; III. “Dona Nobis Pacem” 21:20-35:15)
Netherlands Radio Philharmonic Orchestra
Jean Fournet
Recorded: 1993
Mariss Jansons (1943-2019), quando jovem, foi assistente grande maestro soviético Y. Mravinsky, e parece ter herdado dele as chaves interpretativas de uma 3ª sinfonia de Honegger extremamente emotiva, também soando como uma sinfonia “de guerra”, mas sob o ponto de vista do front oriental. A marcha do 3º movimento é rápida como a de Mravinsky (em Moscou, 1965, infelizmente com qualidade de som não tão boa), e com um clima de grande tensão, colocando os ouvintes em uma atmosfera de quem perdeu amigos e parentes por causa da estupidez coletiva que Honegger mencionou no programa da sinfonia. Ao mesmo tempo, as cordas do Concertgebouw brilham no 2º movimento, como era de se esperar. O disco tem como complemento o Gloria composto por Poulenc em 1959-1961, já bem depois da guerra. Poulenc, como Honegger, fez parte do chamado “grupo dos seis” na Paris do entreguerras, embora Honegger tivesse como principal amigo no mesmo grupo o compositor Darius Milhaud.
Nesta gravação ao vivo temos uma mistura eclética de tradições: um regente de origem judaica, formado na escola soviética, com uma orquestra holandesa fazendo a sinfonia “litúrgica” de Honegger (de família protestante) junto com a liturgia católica repensada por Poulenc. O clima geral mistura por um lado o nervosismo “in tempore belli” (para lembrarmos a grandiosa missa de Haydn) e por outro lado a busca perfeccionista pelos timbres raros e detalhes como os momentos em que o piano se sobressai na orquestração: os músicos nos envolvem na encruzilhada entre a tensão interior e o brilho exterior. A encruzilhada, símbolo da ambivalência e da imprevisibilidade, traz possibilidades de vida brotando nas frestas da estupidez coletiva.
Francis Poulenc (1899-1963):
1-6. Gloria: I. Gloria in excelsis Deo – II. Laudamus te – III. Domine Deus, Rex coelestis – IV. Domine Fili, Domine Deus – V. Domine Deus, Agnus Dei – VI. Qui sedes ad dexteram Patris Arthur Honegger (1892-1955):
7-9. Symphonie no. 3, “Liturgique”: I. “Dies Irae” Allegro marcato – II. “De Profundis” Adagio – III. “Dona Nobis Pacem” Andante)
Royal Concertgebouw Orchestra, Amsterdam
Mariss Jansons
Luba Orgonasova, soprano; Netherlands Radio Choir
Recorded live: Amsterdam, 2004 (Honegger), 2005 (Poulenc)
Imagine você como um jovem pianista dando um recital no qual comparece o compositor de algumas das peças a serem tocadas e, naquele trecho que você ensaiou trocentas vezes, tropeça? Bem, na verdade, a única pessoa no auditório que poderia notar sua escorregadela seria o próprio compositor. Mais tarde, logo depois do concerto, você tem a oportunidade de conversar com o compositor: E aí, o que achou? Gostou de minhas interpretações, a despeito da escorregada na Pastorella? Isso é tudo o que consegue tartamudear diante do autor, mas é surpreendido por uma sonora gargalhada… Mais surpreso por ouvir que ele gostou é por descobrir que ele mesmo havia, certa vez, tropeçado no mesmo trecho.
Foi assim que nasceu uma forte colaboração artística entre o compositor Francis Poulenc e o então jovem pianista Gabriel Tacchino, colaboração esta que durou por alguns anos.
Gabriel Tacchino tornou-se uma referência para a obra para piano de Poulenc. Na entrevista que você poderá ler no livreto ele afirma que a música para piano de Poulenc busca a simplicidade e é sensível e perspicaz, assim como o próprio compositor. Sua música tem um caráter lírico, uma elegância despretensiosa e uma distinta linguagem harmônica, que a torna imediatamente reconhecível.
Estas características todas podem ser vistas ao longo das faixas deste disco, uma coletânea feita por Gabriel Tacchino dentre a obra toda gravada por ele, acrescida de uma ou outra faixa gravada para a ocasião. Como ele mencionou na entrevista, com este lançamento pretendia popularizar esta obra, buscando um equilíbrio entre a frivolidade e seriedade que fazem parte dela.
Os três movimentos perpétuos, que aparecem um pouco no início do disco, não foram as primeiras peças para piano de Poulenc que eu ouvi, mas foram as primeiras nas quais eu identifiquei como sendo dele, com as características que tornam suas peças tão distintas e especiais. Não deixe de ouvi-las também neste recital de música francesa de Rubinstein.
Eu já postei dois discos só com música para piano de Poulenc, mas este, devido ao arranjo do programa, é bem especial.
Yvonne Printemps
Há dois aspectos da música para piano de Poulenc que gostaria de realçar com a ajuda do disco. Sua música reflete seu amor pelas canções populares de seu tempo, criando uma maior proximidade entre a música popular e a música (digamos) erudita. Isso fica evidente nas duas primeiras faixas: Les chemins de l’amour (título que dispensa tradução) e uma Hommage à Edith Piaf. Esta última peça traz a mistura de sentimentos e sensualidade que ele admirava nela. Quanto a valsa cantada, Les chemins de l’amour é uma canção que ele compôs para Yvonne Printemps em 1940. Como disse Gabriel Tacchino, Poulenc dobrou a melodia vocal no piano, para dar à voz ainda mais apoio e, por isso, este pequeno milagre pode ser apresentado como uma peça para piano solo, sem nenhuma perda. Esta é uma das faixas gravadas especialmente para a coleção.
Volodia adorou a anedota…
Outra coisa que era fundamental para Poulenc com respeito à interpretação de suas músicas diz respeito ao tempo. Eu prefiro um punhado de notas erradas, mas nunca acelerar ou retardar o tempo! A propósito disso, Tacchino uma vez questionou as marcas do metrônomo dadas por Poulenc para sua Toccata, que era terrivelmente difícil manter-se estritamente naquele tempo, muito rápido, como indicado na partitura. Poulenc então perguntou-lhe: “Você ouviu a gravação feita por Horowitz? Não? Bem, você deve ouvi-la e posso lhe dizer que ELE toca no tempo que eu determinei”. Depois disso, Poulenc teria pedido a Gabriel que lhe trouxesse sua partitura da peça e nela escreveu: “Para meu querido Tacchino, que tocará a Toccata alla Volodia…”
A propósito, a Toccata é a última faixa do disco!
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Léocadia, FP 106 I. Les chemins de l’amour
15 Improvisations, No. 15 em dó menor ‘Hommage à Edith Piaf’
Mélancolie
Trois Mouvements perpétuels
Assez modéré
Très modéré
Alerte
Novelette No. 3 em mi menor, sur un thème de Manuel de Falla
15 Improvisations, No. 12 em mi bemol maior ‘hommage à Schubert’
Les Soirées de Nazelles – Variação II. Le coeur sur la main
Suite française (d’après Claude Gervaise), FP80
Pastourelle em si bemol maior, de “L’Éventail de Jeanne”, FP 45b
Presto em si bemol maior
8 Nocturnes
Sans traîner
Assez allant
Improvisations, No. 13 em lá menor
Suite française (d’après Claude Gervaise), FP80
Bransle de Champagne. Modéré mais sans lenteur
Sicilienne. Très doucement
Valsa em dó maior
2 Novelettes, FP 47: I. Modéré sans lenteur
Suite française d’après Claude Gervaise, FP 80b: I. Bransle de Bourgogne. Gai mais sans hâte
Villageoises
Valse tyrolienne. Gai
Staccato. Pas vite
Polka. Sans hâte
8 Nocturnes, FP 56: IV. Bal fantôme. Lent, très las et piano
10 Improvisations, FP 63
7 em dó maior (Modéré sans lenteur)
2 em lá bemol maior (Assez animé)
Bourrée, au Pavillon d’Auvergne
Thème varié
Variation III – Pastorale
Variation VI – Ironique
Suíte para Piano em dó maior, FP 19: I. Presto
5 Impromptus, FP 21: III. Très modéré
Novelettes, FP 47: II. Très rapide et rythmé
Sonata para piano a quatro mãos, FP 8: II. Rustique
Críticas da Amazon podem ser tendenciosas, mas achei esta aqui bastante razoável: If you discovered the music of Francis Poulenc during the 60s or 70s, it is most likely that you had an LP of Maestro Tacchino playing. After decades, I still remember those EMI/Angel records, the discovery and the pleasure of listening to such melodic richness, without an ounce of sugary excess. No wonder, Gabriel Tacchino was the only pupil Poulenc had, studying also under the tutelage of the great Jacques Fevrier. More authentic it cannot be! […] By the end of this disc I was literally elated. As if I was sitting at a beautiful parisian Café, enjoying patisserie with coffee, and watching people go by. A listening ride worth having.
Aproveite!
René Denon
Gabriel Tacchino experimentando um dos grandes pianos do PQP Bach…
Nascido em Riga durante a Segunda Guerra mundial, Mariss Jansons passou a primeira infância escondido dos nazistas com sua mãe, uma cantora de ópera judia. Na década de 1950, mudou-se com seu pai para Leningrado (hoje São Petersburgo), onde aos 30 anos foi nomeado maestro substituto do grande Yevgeny Mravinsky.
Estudaria também com Hans Swarowsky em Viena e com Karajan em Salzburg. Aprendeu muito, é claro, com esses maestros do período jurássico, trazendo parte dessa sonoridade grandiosa das orquestras soviéticas e austro-germânicas de meados do século XX, mas atualizando tudo como um homem do seu tempo. Raramente se ouve uma de suas interpretações e se pensa “nossa, que surpresa!” Ao mesmo tempo, raras são as decepções e raras as escolhas excêntricas.
Após seu sucesso com a Filarmônica de Oslo (Noruega) entre 1979 e 2002, Jansons torna-se em 2004 o Maestro Principal da Real Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam (Países Baixos), sucedendo Riccardo Chailly e Bernard Haitink. Seu contrato inicial era de três anos, se estendendo depois até 2015. Ele faleceu em 2019, em casa, após algus anos com problemas no coração. Seu pai, que também era maestro, já havia morrido do coração, mas à maneira de Molière, no palco, enquanto regia a Hallé Orchestra de Manchester.
Prokofiev e Strauss estão entre as especialidades de Jansons. Além disso, nesses álbuns ao vivo, ele aborda muitos outros compositores que merecem um lugar ao sol, como o italiano Berio, o francês Poulenc e o tcheco Martinů. Em postagem de CVL neste blog há alguns anos, aprendi que há “duas principais fases de Martinu: a fase da guerra, com a Missa de campo e o Concerto para duas orquestras de cordas, piano e tímpano; e a fase impressionista, do final da vida, com os Afrescos de Piero della Francesca. A fase da guerra é impressionante. Quem gosta da Música para cordas, percussão e celesta de Bartók vai se identificar prontamente…”
Zimmerman, o solista no concerto de Martinů
O 2º Concerto para Violino de Martinů, assim como a 5ª Sinfonia de Prokofiev, são dessa fase da guerra, época em que o bebê Jansons vivia na clandestinidade. Martinů, que detestava os nazistas ao menos desde a invasão da Checoslováquia pela Alemanha em 1938, vivia em exílio em Nova York, enquanto Prokofiev respirava o ar pesado da Moscou stalinista. O último disco da caixa de Jansons/Concertgebouw, portanto, fecha com chave de ouro: já falei que Prokofiev é uma especialidade desse maestro?
CD 10:
Gioachino ROSSINI
Overture – La gazza ladra (1817)
Luciano BERIO
4 Dédicaces (1978-1989)
Francis POULENC
Organ Concerto (1938)
Leo van Doeselaar – organ
Nestes dias de notícias tão alarmantes, de tantas preocupações, verdadeiras atribulações, encontrar uns pedacinhos de alegria ao se reunir com amigos, em receber notícias pessoais que podem ao mesmo tempo alarmar e alegrar, servem como um refrigério.
Nesta lista de coisas que têm me ajudado a sorrir estão a visita da neta, uma ou outra reunião com amigos e familiares e, é claro, a música.
Este disco poderia muito bem ter me escapado entre as muitas tentações que abarrotam minha pasta de música. O selo e o pianista são ingleses e a música, mais francesa impossível. Mas foi amor à primeira audição e quando isso acontece, a postagem acaba acontecendo.
Um disco inteiramente dedicado a peças de Francis Poulenc. E vejam que ele mesmo não as tinha em alta estima. No entanto, esta coleção de peças curtas revela aspectos típicos de sua música, como um que de nostalgia, bastante leveza e muita elegância. Para que essa magia possa ser totalmente revelada é preciso um intérprete sensível, além de competente. Veja que beleza são as Trois Novelettes, passando por diferentes tipos de humor. Outra preciosidade é a suíte Napoli, com uma barcarolle, um noturno e um capricho italiano. Segundo o próprio Charles Owen: “Uma das grandes alegrias ao tocar este repertório é a necessidade de recapturar a joie de vivre inerente nestas composições”.
Charles Owen owns a piano…
Em uma pequena entrevista na BBC Music Magazine, ele revelou algumas peças musicais de que gosta por razões especiais. A Sonata para Piano em lá menor, D 845, de Schubert, o Concerto para Violino de Elgar, o ciclo de Lieder Frauenliebe und -leben, de Schumann, além da ode pastoral L’Allegro, il Peseroso ed il Moderato, de Handel, finalizando com a ópera A Raposinha Esperta, de Janáček.
Estas escolhas se devem a momentos especiais em sua vida, como foi o caso da sonata de Schubert. Aos 13 anos, quando era aluno da Menuhin School, assistiu a um concerto da pianista Imogen Cooper que interpretou esta sonata, deixando-o muito impressionado. Posteriormente Charles tornou-se aluno de Imogen. Você pode já imaginar que a conexão com o Concerto de Elgar se deu através do violinista Yehudi Menuhin. Mas, chega de spoilers, vá em busca da entrevista para descobrir o resto. Além disso, não quero tomar mais de seu tempo, ande, vá logo em busca do download. Tenho certeza que, mesmo ao ouvir este disco uma só vez, vai lembra-se dele com um sorriso.
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Les Soirées de Nazelles
Preambule
Cadence
Variation 1: Le comble de la distinction
Variation 2: Le coer sur la main
Variation 3: La desinvoltue et la discretion
Variation 4: La suite dans les idees
Variation 5: Le charme enjoleur
Variation 6: Le contentement de soi
Variation 7: Le gout du malheur
Variation 8: L’alerte vieillesse
Cadence
Finale
Napoli – suite for piano
Barcarolle
Nocturne
Caprice Italien
Mélancolie
Mélancolie
Novelettes
Novelette No. 1 em dó maior: Modere sans lenteur
Novelette No. 2 em si bemol menor: Tres rapide et rythme
Novelette No. 3 em mi menor: Andantino tranquillo
Improvisations
Improvisation No. 1 em si menor
Improvisation No. 2 em lá bemol maior
Improvisation No. 3 em si menor
Improvisation No. 4 em lá bemol maior
Improvisation No. 5 em lá menor
Improvisation No. 6 em si bemol maior
Improvisation No. 7 em dó maior
Improvisation No. 8 em lá menor
Improvisation No. 9 em ré maior
Improvisation No. 10 em fá mior, “Eloge des gammes”
Improvisation No. 11 em sol menor
Improvisation No. 12 em mi bemol maior, “Hommage a Schubert”
Improvisation No. 13 em lá menor
Improvisation No. 14 em ré bemol maior
Improvisation No. 15 em dó menor, “Hommage a Edith Piaf”
Charles Owen esperando o pessoal do PQP Bach para uma entrevista,certo de que terá a última palavra…
A magical album. Charles Owen empathises closely with Poulenc’s elusive idiom catching its delicacy and insouciance brilliantly. An album to cherish and one that will undoubtedly figure highly in my recital discs of 2005. [MusicWeb International]
Owen’s playing is marvellously alive. Where there are nuances, he finds them; where Poulenc plays the vulgarian (oh so aristocratically!), there too Owen is on the mark. Add to that a lovely ear for balance and fingers that are more than capable of these twisting exercises, and you have enjoyment at a high level. [Gramophone 2004]
Mais um destes discos que poderia passar por baixo do radar, especialmente se você está em busca de discos com selos de renome, música sinfônica ou intérpretes com nomes arrasa-quarteirão, os blockbusters!
Este aqui foi produzido pelo selo DUX e gravado no Krzysztof Penderecki European Music Center, em Lusławice, sob o apadrinhamento do diretor do Centro, Adam Balas.
O pessoal do Gruppo di Tempera dando uma palhinha no Festival PQP Bach de Música de Vento, em Pelotas
O Gruppo di Tempera é formado por músicos poloneses com o propósito de interpretar as lindas peças para conjuntos de sopros, eventualmente acrescido de um piano. Você pode saber mais sobre eles acessando a página do conjunto no facebook ou aqui.
Pois nada mais adequado do que um programa com música francesa – com muita tradição neste gênero. Os quatro compositores são praticamente contemporâneos e o disco todo é muito bom. Eu ouvi diversas vezes, mas esta manhã de domingo combinou especialmente bem com essa música. Não está muito quente e a preguiça permitiu ouvir sem pressa cada pedacinho, uma boa surpresa depois da outra.
Um gigante, o Francis…
O Sexteto do Poulenc é bem conhecido, mas os outros compositores são menos divulgados. As três peças de Jacques Ibert são deliciosas e eu adorei o nome da suíte do Darius Milhaud: Le cheminée du Roi René. Estas duas peças são típicas do que se chama neoclassicismo. Da música de Ibert o libreto menciona que reúne uma mistura de racionalismo, humor, perspicácia, extravagância e refinamento! A suíte de Milhaud é um arranjo de música escrita para um filme de Raymond Bernard, Cavalcade d’amour, para o qual também contribuíram outros compositores. Os nomes dos movimentos são uma alusão à um período antigo. Para completar o disco, a peça de Françaix, L’heure du berger é um pouco programática – com muito humor descreve personagens típicos de um café parisiense. Começando com Les vieux beaux, envelhecidos dândis presos ao passado, passando para as Pin-up girls, mulheres de posters dos anos 1940, com largos sorrisos e poucas roupas, sedutoras. Termina com Les petits nerveux, um rondó que acaba abruptamente.
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Sexteto para flauta, oboé, clarinete, trompa, fagote e piano, Op. 100
Allegro vivace: Tres vite et emporte
Divertissement: Andantino
Finale: Prestissimo
Jacques Ibert (1890 – 1962)
Três peças breves para flauta, oboé, clarinete, trompa e fagote
Como ficou o pessoal do GT quando soube o número de acessos ao blog desde que a postagem foi ao ar…Darius explicando calmamente para a banda formada pelo pessoal do PQP Bach que eles precisam ensaiar um pouco mais…
Véronique Gens (1966) é uma linda e extraordinária soprano francesa. Ela passou grande parte de sua carreira gravando e executando música barroca. Sua estreia em 1986 foi com William Christie e seu Les Arts Florissants. Desde então, ela trabalhou com Marc Minkowski, René Jacobs, Christophe Rousset, Philippe Herreweghe, Jean-Claude Malgoire, ou seja, só com gente nada desprezível. Embora tenha começado como especialista em barroco, Gens também se tornou requisitada para papéis em óperas de Mozart e como intérprete de canções de Berlioz, Debussy, Fauré e outros. Suas numerosas gravações incluem muito Mozart e Purcel.
O repertório deste CD é desta época não barroca, trata-se de autores franceses, exclusivamente da virada da primeira metade do século XX. O disco é muito bom. O grande destaque são as canções de Poulenc, mais alegres e melodiosas que as de seus colegas Fauré e Debussy.
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
1. Après un rêve Op. 7 No. 1
2. Sylvie Op. 6 No. 3
3. Au bord de l’eau Op. 8 No. 1
4. Lydia Op. 4 No. 2
5. Le papillon et la fleur Op. 1 No. 1
6. Mandoline Op. 58 No. 1
7. Clair de lune Op. 46 No. 2
8. Les berceaux Op. 23 No. 1
Claude Debussy (1862 – 1918)
Trois Chansons de Bilitis
9) I. La flûte de Pan
10) II. La chevelure
11) III. Le tombeau des Naïades
Fêtes galantes, Set 1
12) I. En sourdine
13) II. Fantoches
14) III. Clair de lune
15) Nuit d’étoiles
16) Beau soir
17) Fleur des blés
18) La Belle au bois dormant
19) Noël des enfants qui n’ont plus de maison
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Banalités FP 107 (Guillaume Apollinaire)
20) I. Chanson d’Orkenise
21) II. Hôtel
22) III. Fâgnes de Wallonie
23) IV. Voyage à Paris
24) V. Sanglots
Deux Mélodies de Guillaume Apollinaire FP 127
25) Montparnasse
26) Hyde Park
Este é um excelente disco. A música de Poulenc é interessante e alegre sem ser superficial. O compositor teve uma vida de constante luta interna. Alguém disse, com razão, que ele era “meio monge, meio mau rapaz”. Tendo nascido e educado na religião católica, Poulenc debatia-se com uma homossexualidade inaceitável à luz de suas convicções religiosas. “Sabes que sou sincero na minha fé, tanto como sou sincero na minha sexualidade parisiense”. Alex Ross escreveu que ele foi o primeiro compositor abertamente gay, embora, quando jovem, o compositor tenha tentado manter relações físicas com mulheres e tenha sido pai de uma menina, Marie-Ange. Depois foi uma sucessão de casos com homens que morriam tragicamente o que sempre o levava de volta à religião. Sua música, eclética e ao mesmo tempo pessoal, é melodiosa e embelezada pelas dissonâncias do século XX. Poulenc foi extremamente talentoso, elegante, tinha profundidade de sentimentos e um doce-amargo que são derivados da sua personalidade alegre e melancólica.
Francis Poulenc (1899-1963): Concerto para Piano / Concerto para 2 Pianos / Concerto para Órgão
Piano Concerto
1 I. Allegretto 10:03
2 II. Andante Con Moto 5:38
3 III. Rondeau À La Française 3:40
Piano – Pascal Rogé
Concerto For Two Pianos
4 I. Allegro Non Troppo 8:15
5 II. Larghetto 4:52
6 III. Finale: Allegro Molto 5:14
Piano [Piano I] – Sylviane Deferne
Piano [Piano II] – Pascal Rogé
Organ Concerto
7 Andante — 3:03
8 Allegro Giocoso — 1:54
9 Subito Andante Moderato — 7:00
10 Tempo Allegro, Molto Agitato — 2:48
11 Très Calme. Lent — 2:26
12 Tempo De L’Allegro Initial — 1:56
13 Tempo Introduction. Largo 2:57
Organ – Peter Hurford