O título deste disco – Forza Azurri! – soa um pouco estranho, uma vez que há uma Copa do Mundo acontecendo (pelo menos nos dias em que escrevo estas mal traçadas linhas) e a seleção da Itália não está participando. Não que já tenha sido eliminada, como a seleção da Alemanha, Holanda, Uruguai e Brasil, mas não chegou a passar da fase de eliminatórias.
Isto pode parecer insignificante para nossos leitores de gerações mais recentes, mas uma Copa do Mundo sem a Squadra Azzurra é um pouco estranha para mim. A Itália é tetra campeã e foi vice em 1970 (!) e 1994, quando Roberto Baggio chutou o último pênalti lá nas alturas.Talvez o título seja um incentivo visando as próximas competições vindo deste grupo de ótimos músicos (ingleses) – La Serenissima – que sob a liderança de Adrian Chandler toca maravilhosamente o repertório barroco italiano.
Durante o período que chamamos barroco havia uma grande demanda por música nos estilo ‘italiano’, não só nas cidades da Itália, mas também nas outras cidades europeias. Sempre havia emprego nas cortes e igrejas para um compositor ou músicos de origem italiana, especialmente violinistas e violoncelistas. Essa demanda determinou o destino de vários dos compositores representados neste disco.
Giuseppe Sammartini nasceu em Milão, filho do oboísta francês Alexis Saint-Martin e irmão do também compositor e oboísta Giovanni Battista Sammartini. Após sua formação em Milão, Giuseppe mudou-se para Bruxelas e depois para Londres, onde ficou pelo resto de seus dias. Atuou como compositor e músico, inclusive fazendo parte da orquestra das produções de Handel. Neste disco você ouvirá um concerto para flauta composto por ele.
Evaristo Felice Dall’Abaco nasceu em Verona e estudou violino e violoncelo com Torelli. Dall’Abaco foi músico e compositor da corte do eleitor Maximiliano Emmanuel, em Munique. Como este sofreu alguns revezes, Dall’Abaco seguiu com a corte para o exílio na Bélgica e depois para a França. Isso lhe deu a oportunidade de conhecer outros estilos musicais. No programa um dos seus concertos para cordas.
Outro compositor que cruzou os Alpes para viver mais ao norte foi Giuseppe Antonio Brescianello, que também estudou com Torelli. Brescianello teve uma passagem por Munique, mas firmou-se em Stuttgart, na Corte de Württemberg. Sua música está no disco na forma de uma suíte para orquestra de cordas.
A primeira peça do disco, que deve ter sido composta para abrir alguma apresentação teatral, é de Lorenzo Gaetano Zavareti, que nasceu e formou-se em Bolonha (outro aluno de Torelli). Diferente dos outros compositores apresentados, Zavareti permaneceu na Itália, atuando principalmente como violinista.
As outras três peças são de um compositor veneziano que dispensa apresentações, três lindos concertos do padre Antonio Vivaldi.
La Serenissima e Adrian Chandler nas escadarias do Castelo do PQP Bach em Novo Hamburgo
Lorenzo Gaetano Zavateri (1690 – 1764)
Introducione em sol maior para cordas e contínuo, Op. 1
Largo e spicco – Allegro assai – Largo e spicco – Allegro assai – Largo e spicco – Adagio
Allegro
Giuseppe Sammartini (1695 – 1750)
Concerto para flauta doce, cordas e contínuo em fá maior
Allegro
Largo
Allegro assai
Evaristo Felice Dall’Abaco (1675 – 1742)
Concerto No. 12 para cordas e contínuo em ré maior, Op. 6
Allegro
Grave
Allegro mà non troppo
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto para violino, cordas e contínuo em lá maior, RV 353
Allegro
Andante
Allegro
Concerto para flauta doce sopranino, cordas e contínuo em dó maior, RV 433
Allegro
Largo
Allegro molto
Concerto para violino, cordas e contínuo em mi menor, RV 281
São ingleses nascidos na virada do século XIX para o XX… A piada — ou a realidade — diz que não houve nenhum grande compositor nascido nas ilhas britânicas de Purcell até Britten, isto é, do final de século XVII até o início do XX. Mesmo Handel é emprestado… Apesar disso, este CD é leve, agradável e despretensioso, basta ver os títulos de Concertinos, Suítes Miniaturas e outras delicadezas. Há bons momentos como naquele Vivace de Gibbs (faixa 6) e outros. Quase todas essas obras foram escritas para orquestras escolares, instituições muito numerosas na Grã-Bretanha. Embora alguns desses compositores tenham trabalhado em formas mais extensas, aqui eles se tornam miniaturistas. Algumas pessoas ridicularizam o miniaturista como inferior ao sinfonista, mas na verdade os dois gêneros requerem habilidades diferentes. O sinfonista precisa manter o interesse a longo prazo. O miniaturista precisa manter o interesse o tempo todo, e é raro o compositor conseguir fazer as duas coisas. O sinfonista lida com maior complexidade; o miniaturista com a inspiração. Sei lá! Confiram aí!
Jacob (1895-1984): Concertino para piano e orquestra de cordas / Gibbs (1889-1960): Concertino para Piano e Orquestra de Cordas / Rootham (1875-1938): Suite Miniatura para Orquestra de Cordas e Piano / Milford (1903-1959): Concertino para piano e orquestra de cordas / Gibbs : Suíte “Peacock Pie” para Orquestra de Cordas e Piano / Dring (1923-1977): Festival Scherzo para Piano e Cordas (Guildhall Strings, Roscoe)
Concertino para piano e orquestra de cordas
Composição de – Gordon Jacob
1 Allegro Con Spirito 3:14
2 Andante 4:42
3 Allegro Scherzando 2:59
Concertino para Piano e Orquestra de Cordas Op 103
Composição de – Armstrong Gibbs
4 Con Moto Moderado 6:49
5 Lento Cantabile 3:25
6 Vivace 3:04
Suite em miniatura para orquestra de cordas e piano
Composição : Cyril Rootham
7 Allegretto 3:25
8 Lento Açaí 4:13
9 Allegro Moderato E Leggiero 1:56
10 Molto Vivace 2:10
Concertino em mi maior para piano e orquestra de cordas
Composição de – Robin Milford
11 Allegro Moderado 2:50
12 Romanza: Poco Adagio 3:52
13 Rondo: vivace 2:42
Peacock Pie – Suíte para Orquestra de Cordas e Piano
Composição de – Armstrong Gibbs
14 Os Caçadores (Allegro) 2:20
15 The Sunken Garden (Tranquillo Ma Non Troppo Lento) 4:34
16 The Ride-By-Nights (Con Brio) 2:51
17 Festival Scherzo para piano e cordas
Composição : Madeleine Dring
Direção, violino – Robert Salter
Ensemble – Guildhall Strings *
Piano – Martin Roscoe
O que você quer de um grande disco de jazz? Uma boa banda? Tem. Arranjos espetaculares e surpreendentes? Tem. Um monte de gente ouvindo um ao outro e criando belos contrapontos? Tem. Mingus revisitado? Tem. Um Monk cheio de novidades? Tem. Ainda pouco conhecido, Jean Philippe Scali oferece-nos aqui um lindíssimo álbum. O saxofonista faz-se acompanhar por excelentes músicos, majoritariamente do sul de França. Este é o primeiro álbum dele. É de 2012. Ouvi uma vez e tive que repetir e repetir. A cada vez, ouço novos sons, antes ocultos, óbvio. Um álbum muito bonito e divertido!
.: interlúdio :. Jean-Philippe Scali: Evidence
01. Brother James – 5:48
02. Autoportrait d’Un Chat Sauvage – 10:32
03. Fables Of Faubus – 9:19
04. Eternel Present – 5:37
05. Five Minutes’ Walk – 4:33
06. Come Sunday – 3:46
07. Evidence – 9:04
08. When The Saints Go Marching In… Suite (Part 1) – 4:53
09. When The Saints Go Marching In… Suite (Part 2) – 4:42
10. Hope – 4:54
11. Dragui’s Mood – 6:01
Personnel:
Jean-Philippe Scali, saxophone & compositions
Julien Alour, trumpet & flugelhorn
Jerry Edwards, trombone
Adrien Chicot, piano & Fender Rhodes
Simon Tailleu, bass
Manu Franchi, drums
Stephan Carracci, vibraphone
Bastien Ballaz, trombone
François Théberge, tenor saxophone
Thomas Savy, bass clarinet
Vai aqui um CD luminoso, presentinho de Natal! Nesta gravação a orquestra conta com 18 músicos, o mesmo número com que contava a orquestra a disposição de Haydn quando este compôs estas sinfonias, em 1761. Isso aconteceu logo que ele chegou a Esterhazy, para a alegria do príncipe que o contratara e que encomendou algumas peças programáticas, a là Quatro Estações.
Os nossos seguidores que moram próximos ao Rio de Janeiro e ouvem a Rádio MEC, certamente vão reconhecer trechos da Sinfonia No. 6, usados pela Rádio como vinhetas em alguns momentos.
Além de terem este aspecto programático, as três sinfonias apresentam momentos em que este ou aquele instrumento se apresenta como solista. Desde a flauta até o contrabaixo, passando pelas trompas, os músicos têm suas oportunidades de brilhar. Especialmente os operáticos violino e violoncelo.
A Solomon
Certamente os mais saudosistas vão suspirar pela ótima gravação da Academy of St. Martin-in-the-Fields, sob a regência de Neville Marriner, mas quem se aventurar a navegar por estas novas águas e ouvir esta gravação feita em Londres, em março deste ano (2022), será recompensado pela habilidade dos músicos em realizar tudo o que Haydn preparou para impressionar o príncipe e sua corte. Sem esquecer também a espetacular produção do selo Channel Classics.
Ashley Solomon é flautista e regente da orquestra Florilegium que atua há muitos anos e grava para o selo Channel Classics desde 1995. Com bastante flexibilidade, o grupo conta com excelentes músicos, como Bojan Čičič (violino), Jennifer Morsches (violoncelo), Reiko Ichise (viola da gamba) e Terence Charlston (cravo/órgão).
Solomon’s luminous tone and unfussy command of the complicated melodies conflate into something utterly beautiful. Slow movements are soulful in their infinite variety, fast ones are clever and with a wealth of invention behind them.
Solomon coaxes lively performances out of the members of Florilegium, with the depictions of rain, lightning and thunder conjured up by Haydn in the concluding storm movement of ‘Le Soir’ sounding particularly vivid.
O ano que chega ao seu último mês viu o aniversário de 160 anos de Claude Debussy e tivemos nossa série de postagens dedicadas às suas obras. Você poderia até imaginar que depois de um fartum como aquele ficaríamos sem muita vontade de ouvir ou postar qualquer outra coisa dele… Mas, quando um disco deste calibre surge, toda lógica vai por água abaixo. O disco do selo Hyperion com o ótimo pianista Steven Osborne apresenta uma coleção de peças (quase) avulsas, que como o título do disco – Early and Late Piano Pieces – sugere, foram compostas no início de sua carreira ou nos seus últimos anos. Na verdade, essas últimas são uma minoria, mas isso não importa.
Entre as peças do início da carreira, temos algumas pequenas gemas, como os dois Arabescos, de 1890. Numa coleção como esta não poderia faltar Clair de lune, que aí está assim como suas peças irmãs, compondo a Suite bergamasque.
Você também vai encontrar uma coleção intitulada Images, que ao ser bem posteriormente publicada passou a ser conhecida como Images oubliées, para diferencia-la das outras duas coleções que levam este nome e foram publicadas durante a vida do compositor. Assim como as outras, esta coleção é um tríptico e a peça central, a Sarabande, aparece de maneira revisada em mais outra coleção, Pour le piano. Com tantas interpretações postadas recentemente, vale a pena buscar uma delas e comparar as duas versões.
Entre as peças compostas nos últimos anos da vida do compositor, há uma pequena valsa escrita em 1909 para homenagear Haydn, nos 200 anos de sua morte, assim como a Élégie e Les soirs illuminés par l’ardeur du charbon, todas com mais ou menos dois minutos de duração. Esta última foi composta para homenagear seu fornecedor de carvão, que foi providencial no especialmente difícil inverno de 1916-17.
Steven adorou conhecer a Lagoa de Piratininga, onde fica uma das sedes sociais do PQP Bach Corp.
O pianista Steven Osborne é figurinha constante nas postagens aqui e você poderá dar uma busca, caso ainda não tenha ouvido seus discos. Em particular, seus outros dois discos com música de Debussy para o selo Hyperion você poderá encontrar aqui e aqui.
Claude Debussy (1862 – 1918)
[1] – Danse bohemienne (1880)
[2] – Mazurka (1890)
[3-4] – Deux arabesques, L. 66 (1890)
Andantino
Allegretto scherzando
[5] – Rêverie (1890)
[6] – Valse romantique (L. 71) (1890)
[7] – Ballade slave (1890)
[8-11] – Suite Bergamasque (1890)
Prélude
Menuet
Clair de lune
Passepied
[12] – Danse (Tarentelle styrienne) (1890)
[13] – Nocturne (1892)
[14-16] – Images oubliées (1894)
Lent: Mélancolique et doux
Sarabande
Quelques aspects de ‘Nous n’irons plus au bois’ parce qu’il fait un temps insupportable (1917)
[17] – Morceau de concours (1904)
[18] – Hommage à Haydn (1909)
[19] – Le petit nègre (1909)
[20] – Pièce pour l’oeuvre du ‘Vêtement du blessé’ (1915)
[21] – Élégie, L138 (1915)
[22] – Les soirs illuminés par l’ardeur du charbon (1917)
A programme which bridges Debussy’s first work for piano (the Danse bohémienne, from 1880) and his last (Les soirs illuminés par l’ardeur du charbon, from 1917). Steven Osborne is equally responsive to the very different musical moods of both.
Então é Natal !! E para não perder o costume, trago uma obra que comemora o nascimento de Cristo, mas uma obra que ainda não havia aparecido por aqui. Trata-se de um compositor alemão, que, apesar de professar a fé luterana, não deixou de compor obras dentro da tradição do Cânone Católico, Heinrich Schütz, compositor que pouco apareceu por aqui.
Assim como Bach, que viveu e produziu boa parte de sua obra em Leipzig, Schütz se estabeleceu em Dresden, como Kapellmeister do Eleitor Johann Georg I. Estudou em Veneza com Giovanni Gabrieli entre os anos de 1609 – 1612 e alguns anos mais tarde, com Monteverdi. Viveu em Dresden praticamente durante o resto de sua longa vida, veio a falecer em 1672, e é considerado o grande compositor alemão do século XVII.
Trago para os senhores algumas belíssimas obras composta por Schütz. que tem o espírito do Natal. A interpretação está a cargo da Yale Schola Cantorum e tem a direção de David Hill.
Então Feliz Natal e um ótimo 2023 !!!
P.S. Em anexo ao arquivo de áudio segue o livreto, com informações relevantes sobre o compositor, contexto da obra e solistas. Vale a leitura.
01 – Hodie Christus Natus Est, SWV 456
02 – Das Wort Ward Fleisch, SWV 385
03 – Der Engel Sprach Zu Den Hirten, SWV 395
04 – Ave Maria, SWV 334
05 – Ein Kind Ist Uns Geboren, SWV 384
06 – Magnificat, SWV 468
07 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #01 Introduction
08 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #02 Es Begab Sich Aber (Evangelist)
09 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #03 Der Engel Zu Den Hirten
10 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #04 Und Alsbald War Da Bei Dem Engel (Evangelist)
11 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #05 Die Menge Der Engel
12 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #06 Und Da Die Engel Von Ihnen (Evangelist)
13 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #07 Die Hirten Auf Dem Felde
14 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #08 Und Sie Kamen Eilend (Evangelist)
15 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #09 Die Weisen Aus Morgenlande
16 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #10 Da Das Der König Herodes Hörete
17 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #11 Die Hohenpriester & Schriftgelehrten
18 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #12 Da Berief Herodes (Evangelist)
19 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #13 Herodes
20 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #14 Als Sie Nun Den König Gehöret Hatten
21 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #15 Der Engel Zu Joseph
22 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #16 Und Er Stund Auf (Evangelist)
23 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #17 Der Engel Zu Joseph In Ägypten
24 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #18 Und Er Stund Auf (Evangelist)
25 – Historia Der Geburt Christi, SWV 435 – #19 Beschluss
Um lindo disco! As pessoas tendem a pensar em Johann Mattheson apenas como teórico. Mas ele foi também um excelente compositor. Em Hamburgo, competiu em um mundo que contava com Telemann e Handel. Não era fácil. Na verdade, todos eram amigos, às vezes rivais, e em um caso, ele e Handel até travaram um duelo… Mattheson teria vencido, mas um botão de casaco de metal de Handel impediu que a espada lhe penetrasse no peito… Melhor assim, imaginem a perda! A música de Mattheson foi lentamente revivida ao longo da última década. As três gravações lançadas pela cpo, da Köln Academy sob Michael Willens, são um esforço concentrado para tornar sua música mais conhecida. As árias são lindas, cheias de harmonias incomuns. Michael Willens mantém seu conjunto em tempos nítidos e excelente fraseado. Os cantores são perfeitos e a parte de Maria no oratório é habilmente cantada pela soprano sueca Susanne Rydén. Esse disco dá certamente uma nova visão sobre o compositor Mattheson.
Johann Mattheson (1681-1764): Das größte Kind / Christmas Oratorio / Oratório de Natal (Willens)
01. Part I. Corale: Gelobet seyst du Jesu Christ
02. Aria a 2 con Coro: Sey willkommen tausendmahl (Maria, Joseph, Coro)
03. Recitativo: So ist durch mich das Heil der Welt (Maria, Joseph)
04. Aria con Coro: Israel! freue dich (Maria, Coro)
05. Recitativo: Erstarre doch verfinsterte Natur (Joseph, Maria)
06. Aria: Heller Glanz von’s Vaters Licht (Joseph)
07. Corale: Das ewge Licht geht da herein
08. Aria a 2: Wer kann dieses recht erwegen? (Die Menschenkinder)
09. Corale: Er kommt aus seines Vaters Schooß
10. Part II. Corale: Er äußert sich all sein’ Gewalt
11. Recitativo: O allerliebstes Kind (Das Nachdenken)
12. Aria: Weg, du Kostbarkeit der Erden (Das Nachdenken)
13. Recitativo: Ist dis der Ort? (Die Hirten und Hirtinnen, Maria, Joseph)
14. Aria a 3: Es klopft noch unsre volle Brust (Ein Hirten)
15. Recitativo: Ja, was noch mehr (Ein Hirte)
16. Corale: In dulci jubilo
17. Aria con Coro: Großer Gott der du deine Allmacht neigest (Die Andacht, Coro)
18. Accompagnato: Gott hat mein Fleisch an sich genommen (Die Braut Christi)
19. Corale: O Jesu parvule
20. Accompagnato: Und will der Tod mir meine Augen brechen (Die Braut Christi)
21. Aria: Was schad’t mir der Tod (Die Braut Christi)
22. Corale: Ubi sunt gaudia
23. Recitativo: O frohe Nacht (Die Hirten)
24. Aria: Komme dann erwehlte Seele (Maria)
25. Recitativo: So laßet uns des Herren Güte (Joseph, Ein Hirte)
26. Corale: Das hat er alles uns getan
Maria/Eine Hirtin – Susanne Rydén, soprano
Die Braut Christi/Ein Menschenkind/Eine Hirtin – Nele Gramß, soprano
Ein Menschenkinde/Eine Hirte – Anne Schmid, alto
Melissa Hegney, alto
Die Andacht/Ein Hirte – Gerd Türk, tenor
Ulrich Cordes, tenor
Joseph/Ein Hirte – Wolf Matthias Friedrich, bass
Das Nachdenken – Thilo Dahlmann, bass
Kölner Akademie
Michael Alexander Willens, conductor
Não, não é preciso tirar as crianças da sala. Tio Zorn fez um disco de natal, sim, mas que é verdadeiramente cândido como um… disco de natal. Não, nada de torrentes agressivas de saxofone; na verdade nem há um saxofone nesse álbum. Mas, estranhamente, há uma guitarra havaiana, que reforça o clima de algumas canções: algo lounge, lembrando um tantinho o Beach Boys Christmas Album. Uma faixa puxa para o blues, e outras ainda são verdadeiramente peças de jazz onde se pode facilmente ignorar a temática. Apesar da mistura de estilos, o talento de Zorn se destaca exatamente na composição da banda e na sofisticação dos arranjos, que dão a uniformidade necessária. E ele ainda se sai (bem) com duas composições em meio aos standards: “Santa’s Workshop” and “Magical Sleigh Ride”.
O resultado é francamente agradável, e pra mim, uma surpresa; que quer o Zorn, judeu de quatro costados, Radical Jewish Culture series etc, tocando música de natal? Pesquisei, e deu o óbvio: lembranças de infância. A família dele celebrava o natal e esse disco é uma homenagem àqueles tempos, e uma tentativa de renovar as opções do catálogo disponível. Óbvio, justo, e possivelmente o melhor disco de natal já feito, junto com aquele do Charlie Brown.
John Zorn – A Dreamers Christmas /2011 [320] John Zorn, producer, arranger;
Cyro Baptista, percussion;
Joey Baron, drums;
Trevor Dunn, bass;
Mike Patton, vocal;
Marc Ribot, guitars;
Jamie Saft, keyboards;
Kenny Wollesen, vibes, chimes, glockenspiel
01 Winter Wonderland
02 Snowfall
03 Christmas Time is Here
04 Santa’s Workshop
05 Have Yourself a Merry Little Christmas
06 Let it Snow! Let it Snow! Let it Snow!
07 Santa Claus is Coming to Town
08 Magical Sleigh Ride
09 The Christmas Song
Na era romântica, os compositores frequentemente expressavam a si mesmos e a seus sentimentos pessoais em suas composições. Antigamente, a música também expressava emoção, mas esta era de natureza mais impessoal. Se há algum compositor dos tempos pré-românticos que responde à imagem romântica de um compositor é Wilhelm Friedemann Bach, o filho mais velho de Johann Sebastian. Segundo todos os relatos, ele era um personagem difícil, em parte por ter sido mimado por seu pai superprotetor. Foi somente depois que Johann Sebastian morreu que ele ganhou a independência. Mas parece que ele achou difícil se posicionar em um mundo em que muitas coisas mudavam. Uma das coisas que estava aberta a mudanças era o gosto musical. A obra de Friedemann reflete os vários gostos de sua época. Certamente não há falta de interesse nas obras de teclado de Friedemann para os intérpretes modernos. Ao longo dos anos, ouvi várias gravações, mas elas se concentram principalmente em um número relativamente pequeno de peças. as 12 polonesas — reconhecidamente, estas são obras-primas — estão entre suas obras mais executadas, além de algumas sonatas, fantasias e fugas. Como neste CD. A mente independente e o estilo individualista de Friedemann vêm particularmente à tona nas duas sonatas. Elas estão cheios de reviravoltas melódicas e pausas repentinas, e contêm algumas surpreendentes progressões harmônicas.
A condição de Rigoletto não era simples. Com sagacidade, no entanto, o corcunda combinava sua miséria física com especial talento para o humor – meio de salvação existencial… Assim, tornou-se bobo de uma pequena corte, simplória e decadente, onde explorava o riso da própria deformidade, entremeando os truques de ator…
E, se pessoas são capazes de generosidade e compaixão; também são da mais escrachada insensibilidade… Sobretudo, quando ostentam e riem, auto confiantes, da miséria alheia, tocadas por certa identidade – estúpida cumplicidade dos iguais… E em tal condição, o corcunda carregava e semeava ressentimentos…
Apesar de odiar a corte, Rigoletto almejava certa empatia, quem sabe, cínica troca de favores e proteger a filha dos assédios do patrão, a quem colaborava na aproximação de outras mulheres – direito dos proprietários, dispor da criadagem, retirando-lhes qualquer senso de escolha e dignidade…
Assim, o duque, dissoluto e incorrigível, ciente dos ditos direitos, mostraria à Rigoletto o devido lugar, negando-lhe qualquer atenção especial e assediando também a filha, definindo natureza e distanciamento de ambos… E à Rigoletto caberia resignar-se, como insignificante distração, numa corte que vivia a esmo e aos prazeres…
Do caráter inicial, jocoso e cínico, da relação com o duque, a trajetória de Rigoletto ganharia contornos dolorosos, quando o ambiente dissoluto, inexoravelmente, invadiria sua casa e sua família, agredindo-lhe os sentimentos paternos… Vassalo corrompido e amargurado, cujas dor e existência eram irrelevantes, Rigoletto extravasaria: “Cortigiani, vil razza, dannata!”…
E assombrado por medos, ao desafiar gente poderosa, mas acossado por vingança, Rigoletto, por engano e trágica ironia, se depararia, no lugar do duque, com a morte da própria filha, Gilda: “La maledizione!”…
Motivações
Giuseppe Verdi, músico e entusiasta da unificação italiana.
A leitura de “Le roi s’amuse” (“O rei se diverte”), de Victor Hugo, fascinou Verdi. E o músico, de imediato, solicitou libreto a Francesco Piave, que trabalhava em “Stiffelio”, as duas novas óperas, após estreia, em Nápoles, de “Luisa Miller”…
Desde o final do sec. XVIII, a literatura alemã anunciava o romantismo, debruçava-se sobre o contexto social europeu e adentrava à França. “Le roi s’amuse” trazia realidade pungente, dos direitos distintos para cada classe social, formalmente, abolidos na “Revolução Francesa”… E desde “Luisa Miller”, Verdi aprofundava-se na trajetória dos personagens, nos afetos e conflitos, abandonando os temas épicos, fruto do intenso engajamento, que antecedeu a “1ª guerra de independência italiana”…
Apesar dos esforços heroicos, o fracasso daqueles levantes revolucionários levariam a Itália permanecer, por mais dez anos, fragmentada e sob domínio austríaco… Período em que Verdi retornou à terra natal, após dois anos em Paris, e iniciava nova vida conjugal, com o soprano Giuseppina Strepponi, que estreara suas primeiras óperas…
“Villa Sant’Agata”, adquirida por Verdi, 1848, na cidade natal, Bussetto, ducado de Parma, onde fixa residência, com Giuseppina Verdi Strepponi, 1849.
Para tanto, adquiriu propriedade na comuna de Busseto, ducado de Parma – “Vila Sant’Agata”… E debruçava-se em novas leituras, fossem de autores alemães, como Schüller e o “Sturm und Drang”, precursores do romantismo; ou de autores franceses, como Victor Hugo e a “mélange des genres”. Para o autor francês, a dramaturgia englobava o épico e a poesia, o belo e o feio, o sublime e o grotesco; elogiando o cristianismo por admitir tais dualidades…
Clelia Maria Josepha Strepponi, conhecida como Giuseppina Verdi Strepponni, soprano e esposa de Verdi, por cerca de 50 anos.
Através desta literatura, Verdi discutiria o seu tempo, marcando seus personagens pelos contrastes sociais, costumes e multiplicidade de sentimentos… E a mudança para “Villa Sant’Agatta” traria mágoas e frustrações, dado ambiente conservador e religioso… Juntos, Giuseppina e Verdi, suportariam o preconceito local, apesar de artistas consagrados, mas que não eram casados – Giuseppina sofria muito e evitava sair…
Embates com a censura
Desde o intenso engajamento pela unificação italiana – fase patriótica, e mesmo após, com as temáticas burguesas, recorrentemente, Verdi provocou desconfiança. E a cada nova ópera, surgiam conflitos, fossem com as monarquias italianas, ou com autoridades austríacas e religiosas… Fatores inevitáveis, que atrasavam estreias e suscitavam escarnio da imprensa, que acompanhava querelas e desgaste de compositores e libretistas. Tal como em “Stiffelio”, com as autoridades religiosas, em Trieste…
Na Europa, a ópera era atividade relevante e popular. E as estreias, precedidas de farta divulgação e preparativos, o que também englobava certa imprensa, folhetinesca e difamatória, intrínseca à rica e efervescente indústria cultural… E em “Rigoletto” não seria diferente, com os censores venezianos…
Assim, o disforme corcunda era figura provocativa, a mover-se no palco e gracejar, fosse para deleite dos cortesãos ou para ironizá-los; também a ressentir-se, dolorosamente, por ter a filha violada e denunciar sociedade decadente e abjeta, levando o drama para terrível desenlace, que evoluía da farsa e do cinismo, para o ódio implacável e tragédia…
“Rigoletto”, pelo barítono Tood Thomas, na Ópera de Atlanta, USA, 2015.
Verdi fascinou-se com as possibilidades do tema – das cenas e imagens que chocavam e constrangiam. Do feio e deformado protagonista; do ambiente dissoluto e do arrastar uma jovem morta dentro de misterioso saco, que, por fim, descobriria ser a própria filha. Tudo, deliberadamente, apresentado em dose de exagero, quem sabe, de vulgaridade frente aos limites do decoro – o realismo verdiano…
O drama culminaria, por fim, com a maldição e derrota do vassalo. Daquele que, também corrompido, ao indignar-se e tentar reerguer-se, ao seu modo, buscando vingança ou justiça, revelava sua própria impotência, seus medo e inferioridade internalizados, quando planejava atabalhoadamente e fracassava, voltando seu ódio contra si mesmo e sua descendência…
Assim, após regozijar-se com suposta morte do duque, Rigoletto encerra o drama, em intensa catarse e lamento, ao descobrir que sua própria filha morrera no lugar daquele a quem odiava: “Maledizione!”, grita Rigoletto – título inicial da ópera – frente ao tremendo e incorrigível erro; da maldição do inferior, incerto dos próprios direitos, que sucumbe à indelével condição – marcando na deformidade física, metáfora da deformidade social e psíquica…
Música de “Rigoletto”
Verdi trabalhou intensamente na música de Rigoletto. O drama decorre do profundo amor entre o pai e a filha, Gilda, a quem pretendia preservar de um mundo sombrio e violento, do qual participava e bem conhecia… Do desejo de preservá-la, em pureza e dignidade, para um mundo diferente, contrário à perversidade, à qual habituara-se no convívio da corte e do duque… E em seu amor, puramente egoísta, Rigoletto, com as demais mulheres, agia como lhe era esperado – cúmplice debochado e fiel servidor do duque…
De outro, em seu devaneio afetivo, Gilda, ao deixar-se seduzir, acreditava no amor do duque e também o amava. Assim, manteve ilusão e pureza, quem sabe, certa alienação, que a alimentou e protegeu, sem que nunca compreendesse a angústia e ódio paterno, ou mesmo, as motivações que levaram o duque a seduzi-la, permanecendo em seu universo particular – de sonho e idealismo, quem sabe, de dignidade e liberdade interior…
Rigoletto”, cenário para Cena 2, Ato 1, por Giuseppe Bertoja.
Nesta fase, Verdi despertara para simplicidade de meios. E da robustez vocal e orquestral da fase patriótica, evoluiu para maior variedade harmônica e fluente melodismo, produzindo árias e ensembles que tornar-se-iam famosos – “viralizariam”… A música de Rigoletto é marcada por ininterrupta invenção, agregando originalidade, expressão e dramaticidade. E mesmo em “Stiffelio”, composta simultaneamente, a crítica percebia cativante melodismo, a ampliar-se nas óperas seguintes…
Lirismo verdiano e “Risorgimento” – década de 50
Dado a longevidade, falecido no alvorecer do século XX, Verdi testemunhou e participou de inúmeros eventos. Embora residindo em Paris, acompanhou e empenhou-se na “1ª guerra de independência”, quando vibrou com as façanhas do “Levante de Milão”, 1848; e estreou “La battaglia di Legnano” em plena Roma ocupada, 1849, durante a efêmera república, proclamada pelas forças de Garibaldi e Mazzini, depois repelidas por austríacos, franceses e espanhóis, a pedido do Papa. E, mais tarde, celebraria a monarquia italiana, 1861, sendo nomeado senador, por Vitor Emanuelle, 1874…
Episódio dos “Cinco Dias de Milão”, por Baldassare Verazzi.
Figura simbólica da unificação, junto com Garibaldi e Mazzini – “os três Giuseppes”, a partir de “Luisa Miller”, Verdi seguiria espécie de produção “entre guerras”, abandonando os temas épicos. A década de 50 marcaria reorganização, econômica e militar, do “Risorgimento”, sob liderança da Sardenha-Piemonte, de Vitor Emanuelle e Cavour. E certo apaziguamento revolucionário, que, no caso de Verdi, resultou em sucessão de obras-primas, do mais profundo lirismo. Após “Rigoletto”, viriam “La Traviatta” e “Il Trovatore”, formando célebre trilogia, além de “I Vespri Siciliani”, “Aroldo” – nova revisão de “Siffelio”, “Simon Boccanegra” e “Ballo Maschera”…
Apenas em 1859, com apoio da França, o “Risorgimento” empreenderia nova e bem sucedida campanha – “2ª guerra de independência”… Lombardia, Sicilia e Nápoles seriam libertadas. E a cada conquista, massiva adesão popular, consolidando ideia de nação. Em 1861, Vítor Emanuelle proclamaria a “Monarquia Italiana”, com capital em Turim, depois Florença, 1865… E a unificação se estenderia até a libertação do Vêneto, 1868, com apoio da Prússia; e depois, Roma, 1870… Cerca de dez anos de lutas!
Giuseppe Verdi e Gioachino Rossini.
E Verdi, apesar da expressiva contribuição até “Stiffelio”, só a partir de “Rigoletto”, teria o reconhecimento de Rossini, como músico diferenciado, quem sabe, genial… Aos 38 anos, iniciava nova etapa. E muito ainda viria, até “Aída”, “Requiem”, “Otello” e “Falstaff”… Maior compositor italiano de seu tempo, até idade avançada, surpreendeu em vitalidade e criatividade, marcando o teatro lírico do sec. XIX…
Sucesso de público e controversas na crítica
“Rigoletto” foi grande sucesso na estreia, 11/03/1851, no teatro “La Fenice”, de Veneza. O público reagiu calorosamente, tocado pelo ritmo, pelas cenas e melodismo fluente. Dois números foram bisados e Verdi chamado ao palco diversas vezes… Sucesso que foi crescente e, até hoje, referência das grandes plateias…
No Brasil, foi encenada no Rio de Janeiro, 1856, cinco anos após estreia europeia, no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Período em que o público carioca assistiu “Macbeth”, “Attila” e “Luisa Miller”; “Il Trovatore”, “La Traviata” e “Giovana D’Arco”… Posteriormente, o teatro foi demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…
“Teatro Provisório”, depois “Teatro Lyrico Fluminense”, No “Campo de Santana”, em atividade entre 1852 à 1875, Rio de Janeiro – Estreia de “Rigoletto”, 1856.
A critica, como esperado, dividiu-se entre aqueles mais susceptíveis à reação emotiva; e outros, mais distanciados, reagindo parcimoniosamente, senão com indiferença ou preconceito… Assim, a “Gazzetta Privilegiatta di Venezia” descreveu o impacto da estreia e reação do público:
“Ópera que não pode ser julgada numa única noite. Ontem, fomos quase que subjugados pela originalidade… ou antes, pelas estranhezas do tema, da música e ausência de números… No entanto, o sucesso de público foi absoluto. A habilidade na instrumentação é autêntica, admirável e estupenda. A orquestra fala, chora e transmite paixão. Nunca, a eloquência dos sons foi mais poderosa”…
E, curiosamente, segue a crítica: “Parece-nos, numa primeira audição, que a parte vocal foi menos esplêndida, uma vez que faltaram grandes conjuntos e mal se percebem um quarteto e um trio no último ato”… O quarteto, a que se referia o crítico, era, nada mais, nada menos, que “Bella figlia dell’amore”, que impressionou Victor Hugo e entre os mais famosos de Verdi…
Interior do Teatro “La Fenice”, Veneza, Itália. Estreia de “Rigoletto”, em 11/03/1851.
Outros acharam a ópera, simplesmente, confusa; que Verdi tentava apropriar-se do estilo de Mozart; ou, faltavam invenção e originalidade. Enfim, uma gama de opiniões de ocasião… Finalmente, Chorley, em Londres, 1853, que havia descrito “I Masnadieri” como a pior ópera já composta, escreveu: “A mais fraca das óperas de Verdi”… O público, no entanto, já havia adotado “Rigoletto”, entre as maiores já escritas!…
Acontecimentos na Europa
Passavam-se cinco décadas da Revolução e, na França, após queda de Napoleão, permanecia a instabilidade política… Após o Congresso de Viena, 1815, estabeleceu-se nova ordem europeia, dado a consolidação e sobrevivência dos regimes monárquicos. Um mundo em transformação, que cedia à construção de modelos híbridos, entre monarquias e aristocracias remanescentes; e a emergente burguesia, que passava a compartilhar poder político e econômico…
“Grande funeral”, pelas vitimas da Revolução de 1848, no largo da Bastille, Paris.
Além disto, novas demandas pressionavam a sociedade europeia, representadas pelas organizações de trabalhadores – proletariado, impulsionado pelos pensamentos socialista e anarquista…Verdi estava em Paris, quando eclodiu a revolução de 1848 e esteve presente no grande funeral – no largo da Bastille…
Em Paris, acompanhou a constituinte de 48, pós abdicação de Louis Philippe e eleição de Luís Napoleão, que, posteriormente, empreenderia auto golpe, restabelecendo o Império, 1851 – Napoleão III seria determinante na “unificação italiana”…
Karl Marx e Friedrich Engels, autores do “Manifesto Comunista”, 1848.
Chamado “Primavera dos Povos”, além do levante de Paris, ano de 48 marcaria a política europeia com o “manifesto comunista”, de Marx e Engels; também com movimentos liberais e anarquistas na Alemanha; e na Itália, eclosão da “1ª guerra de independência”, proclamação de diversas repúblicas e simbólicos “cinco dias de Milão”, quando os exércitos austríacos foram, temporariamente, expulsos…
Dado as dificuldades no enfrentamento dos austríacos, Verdi juntou-se a diversos intelectuais, que encaminharam pedido de apoio ao governo francês, na “1ª guerra de independência”, que não veio… Apoio da França ocorreria 10 anos após, com o então imperador Napoleão III…
“Napoleão III” – 1° presidente da França, 1848-52. Depois, Imperador, entre 1852-70.
Curiosamente, neste contexto, Richard Wagner amargaria exílio de 11 anos dos estados alemães, após derrota do levante de Dresden, 1849, fruto de sua adesão ao ideário anarquista, de Bakunin… O que lhe custou o cargo de “Kapellmeister” da ópera de Dresden, para imensa frustração da esposa, Minna Planer…
Victor Hugo
“Podemos resistir à invasão de exércitos; não resistimos à invasão das ideias”…
Filho de um dos generais de Napoleão e mãe monarquista, a infância de Hugo foi marcada pela divergência política de seus pais… Um espelho, em família, da crise que se abatia na França, pós Revolução. Autor de múltiplos gêneros literários e nas artes visuais, mais de 4 mil desenhos, Victor Hugo foi poeta, dramaturgo e romancista, além de escrever para jornais e revistas, em geral, denunciando a desigualdade social…
Victor Hugo, poeta, dramaturgo e político francês, autor de “Le roi s’amuse”, “Cromwell”, “Notre-Dame du Paris”, “Les Miserables” e outros.
Na política, inicialmente monarquista, foi eleito senador, 1845. E após a revolução de 1848, aderiu aos liberalismo e republicanismo… Constituinte em 48, fez campanha para Luis Napoleão, que tornou-se presidente da 2ª república francesa. E quando este, através de auto golpe, reinstaurou o império, 1851, Hugo rompeu com o então Napoleão III e amargou exílio de 18 anos… Ao retornar à França, 1870, foi eleito deputado e depois, novamente, senador, tornando-se líder da esquerda, na Assembleia Nacional… Falecido aos 83 anos, 1885, recebeu honras nacionais…
Com a peça “Cromwell”, 1827, identificou-se com o romantismo francês. E obteve maior notoriedade em “Notre-Dame du Paris”, 1831, sobre uma Paris medieval, cruel e desumana… Sobretudo, Hugo preocupava-se com o crescimento e a miséria dos trabalhadores, no sec. XIX…
Em “Le roi s’amuse”, Triboulet diz: “Je suis l’homme qui rit, il est l’homme qui tue” (“eu sou o homem que ri, aquele é o homem que mata”); ou, diria,”o homem que ri, também é aquele que mata”… Condenado pela desigualdade, Triboulet “odiava o rei, porque era rei; odiava os nobres, porque eram nobres; odiava os homens, porque poucos, ou nem todos, tinham corcunda”… Era um condenado pela natureza, pelo sistema e pelo despotismo. E quando decide vingar-se, salvar sua descendência, seus afetos, se depara com a filha morta. O corcunda, simplesmente, não tinha direitos: “J’ai tué mon enfant!” (“Eu matei minha filha!”)…
A peça foi proibida por 50 anos, na França, por supostas críticas à monarquia e ofensas ao então rei Louis-Philippe… Victor Hugo moveu célebre processo pela liberdade de expressão, contra o estado francês. Por fim, derrotado, teve que arcar com as custas processuais… E a 2ª apresentação, simbolicamente, ocorreria na comemoração dos 50 anos da peça, na “Comédie-Française”, 1882, com música incidental de Leo Delibes, pouco antes de sua morte…
“Blanche” (Gilda), em “Le roi s’amuse”, transportada num saco, por “Tribloulet”.
Sobre texto de Victor Hugo e também para Veneza, Verdi compôs “Ernani”, 1844, quando popularizou o “chapéu com pena”, adereço associado à liberdade e à unificação italiana. E quando interessou-se por “Le roi s’amuse”, a peça estava proibida na França, desde 1832… Mas, ironicamente, “Rigoletto” seria encenada em Paris…
Personagem Ernani, 5a ópera de Verdi, sobre drama de Hugo, estreia em Veneza, 1844.
Mais tarde, críticos de “Les Annales” observaram que a ópera de Verdi fora encenada em dois teatros de Paris, a partir de 1857, inclusive com a presença de Victor Hugo, aparentemente exilado, e sem quaisquer objeções da censura, enquanto “Le roi s’amuse” permanecia proibida…
Libreto de “Rigoletto”
Sobre “Le roi s’amuse”, Verdi escreveu à Piave: “tenho novo tema que, se for liberado pela polícia, seria dos maiores do teatro moderno. Se aprovaram ‘Ernani’, porque não este, sem conspirações e política… O personagem chama-se Triboulet”…
E ao ler sinopse de “Stiffelio”, achou interessante, embora, motivação maior recaía em “Le roi s’amuse”. Assim, estavam decididos os temas para duas novas óperas: “Stiffelio”, para “Casa Ricordi”, com estreia em Trieste; e “Rigoletto”, para o teatro “La Fenice”, em Veneza; ambas com libretos de Francesco Piave…
Francesco Maria Piave, libretista de “Rigoletto”, Trabalhou com Verdi em cerca de 11 óperas.
Inicialmente, “La Maledizione” – título original de “Rigoletto” – foi totalmente preterida pela censura veneziana. Verdi supunha que Piave tinha controle da situação e ficou decepcionado. Então, escreveu ao “La Fenice” relatando ser impossível trabalhar novo libreto, quando a música estava bastante avançada – intenso trabalho de 45 dias e, praticamente, duas horas de música concluída… E ofereceu “Stiffelio”, mas na concepção original, pois também se frustrara em Trieste, com a censura religiosa…
Finalmente, após reunião de ambos, Piave e Guglielmo Brenna, secretário do “La Fenice”, com o diretor da “Ordem Pública” de Veneza, obtiveram algumas concessões. Da reunião com Verdi, seis pontos foram elencados, de modo a atender exigências e adaptar outras, sem prejuízo da trama… Assim, transferia-se ação da corte francesa, para um ducado de menor importância, na França ou Itália; se alterariam nomes dos personagens de Victor Hugo; e outras, que fossem ofensivas aos “bons costumes”. E a nova proposta foi aceita, permitindo à Verdi concluir a ópera, embora, com adiamento da estreia…
O drama era pautado pela maldição de Monterone, um nobre cuja filha fora seduzida pelo Duque de Mântua. Após insultos e gracejos de Rigoletto, Monterone amaldiçoa ambos… Fiel ao duque, mas sarcástico com os demais cortesãos, Rigoletto semeava ressentimentos. E embora mantivesse a filha, Gilda, escondida, desconhecia os assédios que o próprio duque lhe fazia, disfarçado de estudante…
Personagem “Triboulet”, nos 50 anos de “Le Roi s’amuse”, na “Comédie-Française”, 1882.
Naquele ambiente abjeto, a ira à língua afiada do bufão se revelaria no rapto de Gilda, pelos cortesãos, para o interior do palácio, com ajuda do próprio bufão, que desconhecia tratar-se da filha. E quando Rigoletto descobre Gilda no palácio, ela já havia sido seduzida pelo duque…
Tomado de ódio, Rigoletto contrata um matador, de nome Sparafucile, dono de uma hospedaria, para eliminar o duque. A filha de Sparafulice, Maddalena, no entanto, é afeiçoada ao duque e convence o pai a não matar o duque. E sim, o primeiro estranho que adentrasse a hospedaria, a fim de ter um corpo a apresentar a Rigoletto… Ouvindo tal conversa, Gilda decide sacrificar-se e acaba morta por Sparafucile… Gilda amava o duque e imaginava ser amada por ele…
Quando Rigoletto recebe um saco, acreditando conter o corpo do duque, regozija-se. Mas, em seguida, ouve ao longe “La donna è mobile”, na voz do próprio duque… Apreensivo, ao abrir o saco, se depara com a filha, desfalecendo… Gilda morre nos braços do pai… Em desespero, Rigoletto lembra da maldição de Monterone e tomba sobre o corpo de Gilda…
Teatro “La fênice”, fachada lateral, vista pelo grande canal, Veneza.
Sinopse
Ação ocorre na região de Mântua, Itália, sec. XVI.
Personagens:Duque de Mântua (tenor); Rigoletto, bufão corcunda (barítono); Gilda, filha de Rigoletto (soprano); Sparafucile (baixo); Maddalena, filha de Sparafucile (contralto); Monterone, um nobre (barítono); Borsa, cortesão (tenor);
Coros:Damas e nobres da corte; pajens e serviçais.
A ópera inicia com breve e sombrio “Prelude” orquestral.
Figurinos para “Gilda e Duque”, na estreia de “Rigoletto”, 11/03/1851.
Ato 1
Cena 1: Salão do palácio ducal
Cena abre com um baile no palácio do Duque de Mântua. Duque canta suas conquistas amorosas à Borsa, um cortesão. E de uma recente aventura, com jovem encantadora, que até aquele momento só avistara na Igreja… Obsessivo nas conquistas, o Duque descobrira a residência da jovem, numa vila, onde um desconhecido a visitava diariamente… Tratava-se de Gilda, filha de Rigoletto, que vivia escondida pelo pai… Em meio à festa, Duque canta a balada “Questa o quella, per me pari sono” (“Esta ou aquela, para mim são o mesmo”). E tal como Don Giovani, passava de uma aventura à outra, sem qualquer hesitação, não importando as condições sociais…
Chegam também à festa, conde e condessa de Ceprano. O Duque se encanta com a condessa, a convida para dançarem e passa a elogiar a bela figura feminina – dançam o “minuetto e o peregodino”. E Rigoletto, conhecendo a índole do duque, passa a ridicularizar o conde… Entra Marullo, outro cortesão, a mexericar, mas agora, sobre suposta amante do corcunda, apesar da deformidade física… E os presentes irrompem em gargalhadas!…
Rafaelle Mirate, tenor – “Duque de Mântua”, na estreia de “Rigoletto”, em Veneza, 11/03/1851.
Ainda na presença do conde Ceprano, Rigoletto insiste nas provocações, insinuando as inevitáveis incursões que o Duque faria para seduzir sua esposa. Rigoletto galhofa a ponto de sugerir risco de morte, ao conde, se a vontade do duque não se realizasse… Com tais insinuações, Ceprano desafia Rigoletto para um duelo. E demais cortesãos condenam Rigoletto, pela atitude repugnante e debochada… Ceprano propõe reunião à noite, com demais cortesãos, para vingarem-se do corcunda… E o Duque repreende a todos, protegendo Rigoletto…
Neste momento, a música alegre é interrompida pela chegada de Monterone. Outro nobre ofendido, que acusa o Duque de desonrar sua filha. Rigoletto, cúmplice das aventuras do Duque, parte para desmoralizar Monterone, ao gracejar e imitar gestos e atitudes… O nobre amaldiçoa ambos e promete vingança, por tamanha baixeza ao ignorarem a dor de um pai – “Ah! Siati entrambi voi maledeti!”…
Por fim, tais apelos, à dor e aos sentimentos paternos, perturbam Rigoletto, que treme ao lembrar que também tem uma filha. E, desta feita, os cortesãos alinham-se ao duque e à Rigoletto, indignados com Monterone, mas por perturbar o ambiente festivo, com suas dores e ressentimentos…
“Entrada de Monterone” – cena da maldição de “Rigoletto”.
Cena 2: Num beco, entre as casas de Ceprano e Rigoletto, à noite
A maldição de Monterone trouxe maus pressentimentos à Rigoletto. E ao encontrar Sparafucile, dono de uma hospedaria, que se apresenta como assassino profissional, Rigoletto canta “Pari siamo” (“Como nos parecemos. A língua é minha arma, o punhal a sua. Fazer rir é meu destino, fazer chorar o seu. As lágrimas, consolo de todo homem, me são negadas. Divertir é minha sina e só me resta obedecer…”). De início, Rigoletto desconsidera os serviços de Sparafucile, mas reflete sobre a vida e as humilhações que sofreu, por ser aleijado e bufão…
Teresa Brambilla, soprano – “Gilda” na estreia em Veneza, 11/03/1851.
Desprezado por muitos, apenas o amor pela filha, Gilda, o tornava capaz de alguma ternura e humanidade. E com Rigoletto mergulhado em suas memórias, entra Gilda e pergunta, ao pai, sobre o passado, em particular, sobre sua mãe… Rigoletto conta de muitas desgraças e de um amor perdido… E dirige-se à Gilda como sua única alegria e afeto, quando cantam o belo duetto “Figlia!… Mio padre!”…
Movido por medo, mas com energia, ordena à Gilda nunca se ausentar de casa sem companhia, o que reforça à governanta, Giovanna. Rigoletto se retira… E em seguida, entra o Duque, que já subornava Giovanna, para abrir-lhe a casa… E Gilda, por sua vez, já estava apaixonada, encantada pela fleuma, beleza e jovialidade do duque, a quem acreditava, ingenuamente, ser um estudante… Duque canta com arrebatamento, em “E il sol dell’anima, la vita è amore” (“Luz da alma, vida é amor”)…
E seduzida, escondia, do pai, os encontros com o duque. Gilda estava enamorada e indefesa, suscetível às frases e juras de amor… De repente, no entorno da casa, ouvem-se movimento e cochichos. Receoso, o Duque despede-se de Gilda, no duetto “Addio! speranza ed anima!” (“Adeus! Esperança e ânimo!”) e afasta-se do local… E Gilda, sozinha, canta “Caro nome che el mio cor” (“Querido nome em meu coração”), referindo-se ao duque ainda pelo falso nome, “Gualtier Maldè”…
Na escuridão, conde Ceprano, Marullo e outros aproximavam-se da casa de Rigoletto. Em conluio, haviam decidido punir Rigoletto, ao raptarem Gilda, que pensavam ser sua amante. Rigoletto retorna e, por sua vez, é enganado, acreditando ser a condessa Ceprano, que estavam levando. E com os olhos vendados, colabora na ação… Mas, quando todos partem e retira a venda, percebe que Gilda sumira… Rigoletto desespera-se e lembra da maldição de Monterone: “Ah! La maledizione!”
Ato 2 – No Palácio do Duque
Com Gilda desaparecida, também o duque estava intrigado. Nada sabia, apesar de ter retornado à casa de Rigoletto, em “Ella mi fu rapita” (“Ela me foi raptada”). Ansioso para revê-la e confortá-la, queria notícias, em “Parmi veder le lagrime” (“Pareço ver as lágrimas”). E em revanche, pelos cinismos e sarcasmos do corcunda, os cortesãos comemoravam o rapto da suposta amante – sua “inamorata”…
Felice Varesi, barítono – Rigoletto na estreia em Veneza, 11/03/1851.
Surge, então, Rigoletto aparentando indiferença, mas extremamente angustiado. Em contido desespero para reencontrar Gilda, cantarola irônica e disfarçada melodia, “La rá, la rá, la rá…” E percebe, na atitude de um pajem, que a filha encontrava-se no palácio e na companhia do próprio Duque. Transtornado, tenta ir ao encontro do Duque, mas é impedido. Então, implora que Gilda fosse libertada. Mostra sua indignação, em “Cortigiani, vil razza, dannata!” (“Cortesãos, raça vil e maldita!”) e, depois, sua fragilidade, em “Signori, perdon, pietà. Ridate a me la figlia…” (“Senhores, perdão, piedade. Devolvam minha filha”)…
Chorosa, Gilda é trazida e confessa ao pai, da sua relação e amor pelo Duque. E que este, agora, havia lhe tirado a honra… Neste momento, ouvem-se os gritos de Monterone, que amaldiçoara o duque e Rigoletto, sendo levado à prisão… E, diante da tremenda humilhação de Monterone, Rigoletto jura vingança ao duque, não importando o amor ou as súplicas de Gilda… A cena, entre pai e filha, desenvolve-se em magnífico duetto, “Tutte le feste al tempio… Sì, vendetta!” (“Todas as festas no templo” … “Sim, vingança!”)
Ato 3 – Numa hospedaria afastada, à noite
E os serviços de Sparafucile, por fim, seriam contratados por Rigoletto – a morte do Duque! Juntos, Rigoletto e Gilda vão à casa de Sparafucile… Próximo ao local, Gilda percebe a presença do Duque, disfarçado e em mais uma aventura amorosa. O duque cantava sua impressão e desprezo pelas mulheres, em “La donna è mobile” (“As mulheres são volúveis”)…
Rigoletto e Sparafucile tratam do assassinato. Então, Maddalena vai ao encontro do duque… Ao que Gilda observa, sem reagir… Duque diverte-se e corteja Maddalena. Amargurada, Gilda assiste e pensa nas sombrias ameaças de Rigoletto… A cena desenvolve-se no célebre quarteto “Bella figlia dell’amore”, entre duque e Maddalena, de um lado, e Gilda e Rigoletto, de outro. Cada personagem a cantar seus desejos, intenções e sentimentos… E sendo afeto do duque, Maddalena, alegando pena da jovem, que amava o duque, convence Sparafucile, a matar outra pessoa e apresentar um corpo qualquer à Rigoletto…
Finalizado o trato, Rigoletto se retira e pede à Gilda que deixe a cidade. Mas Gilda, que tomara conhecimento do plano de Maddalena e Sparafucile, de assassinar o primeiro que adentrasse a hospedaria, decide sacrificar-se. E vai ao encontro de Sparafucile, que espreitava atrás de uma porta, armado com punhal, para executar o crime…
Mais tarde, Rigoletto retorna… E na escuridão, adentra a hospedaria. A vítima fora colocada num saco e, satisfeito com andamento do plano, precisava desfazer-se do corpo, jogando o saco num rio. Mas, para sua surpresa e horror, ouve, ao longe, o Duque cantarolando “La donna è mobile”… Então, Rigoletto abre o saco e vê Gilda agonizando – “ameio-o demais, agora, morro por ele!”… E com Rigoletto, canta derradeiro duetto, “Lassu in cielo!” (“Nas alturas do céu!”)… Gilda implora perdão ao pai e morre… Rigoletto grita: “Maledizione!”… e, transtornado, cai sobre o corpo da filha…
– Cai o pano –
“Rigoletto” trata de corrupção, assédio e estupro, além de homicídio… Retrata barbárie e decadência, nas ausências de lei e valores, onde os personagens virtuosos são presos, como Monterone, ou preferem a morte, caso de Gilda… Nos costumes, denuncia o machismo e a condição feminina. E, de forma rapsódica, o ambiente dissoluto evolui, sem perspectivas e esperança… A música, no entanto, é potente ao expressar tais energias, tamanhas turbulência e loucura; também em doçura e resignação; ou, ainda, paixão e revolta, sentimentos que moviam Rigoletto e do que lhe restava de vida e dignidade!
Por fim, triunfam os costumes vigentes, onde cada qual permanece no seu papel, em inarredável condição, corrompida e adversa, sem nada almejar, além do que resignar-se à sua própria “Maledizione!”…
Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, 1813 – 1901, músico e entusiasta da unificação italiana.
Em “Rigoletto”, depois em “La Traviata” e “Il Trovatore”, a música de Verdi se expandiria. E os personagens ganhariam densidade e intimismo – explorando, em sutileza e variedade, conflitos e sentimentos. Neste sentido, Verdi percebeu o potencial da ópera, como forma estabelecida, mas passível de enriquecimento e aprofundamento – o progressismo verdiano! E, no lugar de reformista, concentrou-se no amplo potencial, ainda por explorar, da forma tradicional…
Gravações de “Rigoletto”
Desde a estreia em Veneza, 1851, “Rigoletto” vem obtendo ininterrupto sucesso. De forma que os registros e produções são inúmeros. Aqui, faremos referências pontuais, homenageando grandes barítonos que interpretaram o papel:
Gravações
Produção cinematográfica, 1946 – Video VHS, “Bel canto Society”, New York, 1995
“Orchestra del Teatro dell’Opera”, direção Tulio Serafin Solistas: Mario Filippeschi(duque de Mântua) – Lina Pagliughi(Gilda) – Tito Gobbi(Rigoletto) – Anna Maria Canali (Maddalena) – Giulio Neri (Sparafucile) – Marcello Giorda (Monterone) “Direção de produção”, Carmine Gallone, Itália
Gravação em áudio LP Columbia, 1955 – CD EMI
“Orquestra del Teatro alla Scala”, direção Tulio Serafin Solistas: Giuseppe di Steffano(duque de Mântua) – Maria Callas(Gilda) – Tito Gobbi(Rigoletto) – Adriana Lazzarini (Maddalena) – Nicola Zaccaria (Sparafucile) – Plinio Clabassi (Monterone) “Coro do Teatro alla Scala”, Milão, Itália
Gravação em áudio LP Columbia, 1959 – CD Walhall/Philips
“Orquestra do Teatro di San Carlo di Napoli”, direção Francesco Molinari-Pradelli Solistas: Richard Tucker (duque de Mântua) – Gianna D’Angelo (Gilda) – Renato Capecchi (Rigoletto) “Chorus of teatro di San Carlo di Napoli”, Itália
Gravação em Vinil Ricordi/Mercury, 1960 – CD BMG
“Orchestra del Maggio Musicale Fiorentino”, direção Gianandrea Gavazzeni Solistas: Alfredo Kraus (duque de Mântua) – Renata Scotto(Gilda) – Ettore Bastianini(Rigoletto) – Fiorenza Cossotto(Maddalena) – Ivo Vinco(Sparafucile) – Silvio Maionica (Monterone) “Coro del Maggio Musicale Fiorentino”, direção Andrea Morosini Florença, Itália
Gravação em áudio “CD GOP” – Teatro Colón, Buenos Aires – 1961
“Orchestra – Teatro Colón”, direção Argeo Quadri Solistas: Gianni Raimondi (duque de Mântua) – Leyla Gencer (Gilda) – Cornell MacNeil (Rigoletto) – Carmen Burello (Maddalena) – Jorge (Giorgio) Algorta (Sparafucile) – Juan Zanin (Monterone) “Chorus Teatro Colón”, Buenos Aires, Argentina
Gravação em áudio “RCA Victor”, 1963
“Orquestra della RCA Italiana”, direção Georg Solti Solistas: Alfredo Kraus (duque de Mântua) – Anna Moffo (Gilda) – Robert Merrill (Rigoletto) – Rosalind Elias (Maddalena) – Ezio Flagello (Sparafucile) – David Ward (Monterone) “Coro della RCA Italiana”, direção Nino Antonellini Roma, Itália
Gravação em áudio – CD/Video “Deutsche Grammophon/Decca”, 1982
“Vienna Philharmonic Orchestra”, direção Riccardo Chailly Solistas: Luciano Pavarotti (duque de Mântua) – Edita Gruberova (Gilda) – Ingvar Wixell (Rigoletto) – Victoria Vergara (Maddalena) – Ferruccio Furlanetto (Sparafucile) – Ingvar Wixell (Monterone) “Vienna State Opera Chorus”, direção Norbert Balatsch “Direção de Palco e Filmagem”, Jean-Pierre Ponnelle
Gravação em áudio – CD “Philips/Decca”, 1984
“Coro e Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia”, direção Giuseppe Sinopoli
Solistas: Neil Schikoff (duque de Mântua) – Edita Gruberova (Gilda) – Renato Bruson (Rigoletto) – Brigitte Fassbaender (Maddalena) – Robert Lloyd (Sparafucile) – Kurt Rydl (Monterone) Roma, Itália
Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi, em “Rigoletto”, sugerimos gravação em áudio da “Orquestra e coro do Teatro San Carlo”, de Nápoles, Itália, na direção Francesco Molinari-Pradelli e grandes solistas:
Gianna D’Angelo, soprano “leggero” americano – “Gilda”, na produção do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.
Vozes solistas e direção
Com reconhecida atuação nas décadas de 50 e 60, os solistas desta gravação são de primeira grandeza. De modo que os ouvintes poderão encantar-se com grandes interpretações e amplo domínio vocal. Gianna D’Angelo, soprano “leggero” coloratura, norte-americano, tornou-se referência no personagem “Gilda”. Aluna de Giuseppe de Luca, formou-se na “Julliard School”, de New York…
Renato Capecchi, barítono italiano – “Rigoletto”, na produção do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.
D’Angelo iniciou carreira com “Gilda”, de “Rigoletto”, em “Termas de Caracalla”, Roma, quando notabilizou-se no papel. Com extensa carreira na Europa e nos USA, brilhou no “Metropolitan Opera”, de New York, e na “Ópera de San Francisco”. Quando retirou-se, lecionou na “Jacobus School of Music”, em Bloomington, USA, falecendo em 2013, aos 84anos…
Interpretando “Rigoletto”, o notável barítono italiano, Renato Capecchi. Nascido no Cairo, foi também ator e diretor de ópera. Estreou as óperas “O Nariz”, de Shostakovich, e “Guerra e Paz”, de Prokofiev, atuando com sucesso na Europa e no “Metroplotitan Ópera”, de New York…
Como diretor, atuou em produções da “Ópera de San Francisco”, “New York City Opera” e da “Merola Opera Program”, de Saratoga, USA… E, por vários anos, lecionou na “Manhattan School of Music”…
Richard Tucker, tenor norte-americano – “Duque de Mântua”, na produção do teatro “San Carlo”, de Nápoles, 1959.
No personagem “Duque de Mântua”, o grande tenor Richard Tucker. Cantor lírico norte-americano, filho de imigrantes judaicos, iniciou sua formação musical colaborando em cultos religiosos… E por trinta anos, Tucker brilhou como principal tenor do período pós-guerra, do “Metropolitan Opera”, de New York…
Também atuante em teatros europeus, após sua morte, esposa e filhos criaram a “Richard Tucker Music Foundation”, para “cultivar a memória do ‘maior tenor da América’ e desenvolver projetos de apoio à jovens cantores”…
Francesco Molinari-Pradelli, maestro italiano, na produção de “Rigoletto”, do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.
Por fim, na direção desta magnífica produção, Francesco Molinari-Pradelli, maestro italiano formado em Bolonha e, depois, na “Academia Nacional de Santa Cecília”, Roma. Pradelli iniciou carreira com “L’Elisir d’Amore”, de Donizetti. Depois, nos teatros de Bergamo e Brescia. Por fim, dirigiu o “Alla Scala”, de Milão, na reabertura do teatro, após 2ª Guerra Mundial…
Internacionalmente, seguiram “Covent Garden”, Londres, com o soprano Renata Tebaldi, em “Tosca”, de Puccini; e nos USA, “Ópera de São Francisco”… Com sucesso, Pradelli atuou nas grandes casas de ópera, como “Viena Sataatoper”, “Metropolitan Opera”, de New York, “Ópera de Roma”, “Teatro Regio di Parma” e “La Fenice”, de Veneza…
Muitas de suas gravações permanecem referência, além do trabalho com renomados solistas, como Luciano Pavarotti, Birgit Nilsson, Nicolai Gedda, Joan Sutherland, Renata Scotto e outros… Por fim, destacou-se, também, como colecionador de arte…
Capa CD Walhall – ópera “Rigoletto”, de Verdi, produção do teatro “San Carlo”, Nápoles, 1959.
Em vídeo, sugerimos também:
produção do “Sataatoper Dresden”, com Franco Bonisolli, Margherita Rinaldi, Rolando Panerai, direção de Francesco Molinari-Pradelli, 1977:
produção da “Vienna Philharmonic Orchestra”, Luciano Pavarotti, Edita Gruberova, Ingvar Wixell, direção Riccardo Chailly, 1982:
Garrick Ohlsson é um pianista com uma extensa discografia: obras completas de Chopin, concertos de Liszt, de Brahms, de Dvorák, de Busoni… Se o buscador à direita não tiver me enganado, hoje ele faz sua estreia aqui no blog.
A julgar por esse recital ao vivo de sonatas de Scriabin, não deveríamos tê-lo ignorado até aqui. Nascido em Nova York em 1948, aluno de mestres russos na Juilliard School (também teve aulas privadas com Claudio Arrau), o pianista mostra um profundo conhecimento dessas obras tecnicamente muito difíceis e beirando o atonalismo (com exceção da 3ª sonata, anterior em 15 anos às outras). Ele não as aborda como amontoados de notas desconexas, mas sempre com fraseados cantantes e uma forma de esculpir as tensões harmônicas que lembra seu professor e ídolo Arrau – que, como sabemos, não se arriscava nessas sonatas.
As três últimas sonatas foram finalizadas no mesmo ano de 1913. Elas passeiam entre momentos atonais e alguns centros tonais. Às vezes lembram Schoenberg, mas com uma retórica mais próxima do romantismo, por exemplo os longos e tensos trinados que lembram vagamente as últimas sonatas de Beethoven. São harmonicamente mais complexas do que as sonatas para piano de Prokofiev e Shostakovich (embora muita gente prefira as desses dois: Scriabin constuma ser um compositor que se ama ou se odeia).
Alexander Gadjiev, bem mais jovem, ficou famoso ao participar do Concurso Chopin de Varsóvia, assim como Ohlsson décadas antes. Ele nos brinda com pequenas pérolas de Scriabin, selecionadas não em grandes grupos de estudos ou de poemas, mas alternando os gêneros, como também gostavam de fazer pianistas de outras eras como Sofronitsky e Horowitz.
Neste ano de 2022, Scriabin completou 150 anos de nascimento. Na verdade a história é mais complicada: o calendário na Rússia era diferente então ele nasceu em dezembro de 1871 na época, mas em janeiro de 1872 convertendo para os dias atuais… Enfim, alguns discos foram lançados em comemoração e aqui no PQPBach tivemos dois desses novos: um da ucraniana Valentina Lisitsa (aqui) e este de hoje de um americano e de um ítalo-esloveno, com gravações selecionadas pela BBC. As de Ohlsson foram ao vivo no Wigmore Hall, sala cuja acústica é considerada uma das melhores do mundo para música de câmara e piano solo.
Garrick Ohlsson
Alexander Scriabin (1872-1915):
1-4. Sonata No. 3 in F sharp minor, Op. 23
5. Sonata No. 8, Op. 66
6. Sonata No 9, Op. 68 ‘Black Mass’
7. Sonata No. 10, Op. 70
Garrick Ohlsson
Recorded live at Wigmore Hall, London, 27 April 2015
Não há lei que obrigue os “historicamente desinformados” a serem ruins. Este disco, todo com instrumentos atuais, me causou enorme prazer por ser diferente, original e bom. Fiquei impressionado com a abertura dele. A execução de dois famosos e muito interpretados concertos de Bach foi uma lufada de ar fresco. A unidade entre solista e conjunto mostra uma precisão sem esforço e uma alma real. OK, é um romantismo pré-romântico, mas Mutter tem rara sensibilidade. A música canta. O Concerto de Gubaidulina é envolvente, tem lindos momentos e poderá fascinar muitos daqueles que não têm amor à “nova música erudita”. Ela mostra um enorme acervo de timbres que são explorados ao longo dos 32 minutos do concerto, dividido em cinco movimentos sem pausa. Partindo do violino solo, com pequenas intervenções orquestrais, a música vai se abrindo em leque, cada vez com mais instrumentos. Tudo termina de novo na solista, desaparecendo sozinha num agudíssimo. Excelente disco!
J. S. Bach (1685-1750) / Sofia Gubaidulina (1931): Violin Concertos / In Tempus Praesens (Mutter)
Concerto For Violin, Strings And Continuo In A Minor, BWV 1041
Composed By – Johann Sebastian Bach
Orchestra – Trondheim Soloists*
Producer – Reinhild Schmidt
Soloist, Violin, Conductor – Anne-Sophie Mutter
(13:28)
1 – 1. (Allegro Moderato) 3:36
2 – 2. Andante 6:41
3 – 3. Allegro Assai 3:11
Concerto For Violin, Strings And Continuo In E Major, BWV 1042
Composed By – Johann Sebastian Bach
Orchestra – Trondheim Soloists*
Producer – Reinhild Schmidt
Soloist, Violin, Conductor – Anne-Sophie Mutter
(17:25)
4 – 1. Allegro 7:44
5 – 2. Adagio 7:11
6 – 3. Allegro Assai 2:30
In Tempus Praesens (2006/07)
7 Concerto For Violin And Orchestra
Composed By – Sofia Gubaidulina
Soloist, Violin – Anne-Sophie Mutter
Orchestra – London Symphony Orchestra*
Conductor – Valery Gergiev
Producer – Sid McLauchlan
Veneza é uma cidade surpreendente. Há o Grande Canal, canais, canaletti, não ruas. E não há carros, ônibus ou metro. Há vaporetti e gôndolas. Um dia, quando estava lá no meio das pessoas, esperando pelo vaporetto, vi passar ao meu lado Mia Farrow e Woody Allen. Bom, eu sei, isso foi há muito tempo, eu posso estar enganado…
Mas ouvir um concerto com música de Vivaldi em uma igreja centenária, mesmo que o conjunto não tivesse muitos músicos e que eles eram apenas estudantes de música, é uma inspiração para quase toda uma vida. Bom, meia vida já é bastante.
Pois foi por isso que esse disco me chamou a atenção. Pois que seguindo as tendências atuais, a capa não ajuda muito. Mesmo assim, ouvi o disco e, pura sorte minha, gostei muito. O título Lost in Venice é bem apropriado, pois Veneza é realmente um ótimo lugar para ficar perdido, cada recanto vale a pena, e o três compositores aqui reunidos têm suas vidas ligadas, em boa parte, à Veneza.
Francesco Veracini nasceu em Florença, mas seus talentos o levaram pelo mundo… Veneza, Londres. Mas foi em Veneza que impressionou tanto Tartini com sua técnica que o outro músico se mudou para outra cidade, para estudar e poder evitar comparações. Neste disco ouvimos uma de suas muitas Aberturas.
Quanto aos outros dois compositores, Antonio Vivaldi e Benedetto Marcello, eles nem sempre viveram assim, como diríamos, de boas. Enquanto Vivaldi vinha de uma família de pessoas simples e seguiu a carreira religiosa com expectativa de ter um futuro assegurado, Benedetto Marcello nasceu em berço nobre e era músico diletante e advogado de carreira. Vivaldi que era padre, mas músico verdadeiramente, algumas vezes se meteu em problemas judiciais, devido a alguns fracassos operísticos. Pois é, quem não? É possível que os dois tenham se encontrado em circunstâncias, digamos assim, nem tão favoráveis a Vivaldi. Mas, o que realmente importa para nós é a música, que interpretada como é no disco, nos faz ficar mais próximos de Veneza… ou de casa, como você preferir.
Vadym Makarenko
Quanto ao intérprte, Vadym Makarenko nasceu na Ucrânia e começou a estudar violino aos cinco anos. A música lhe abriu muitas portas e em 2012 graduou-se em violino no Instituto de Música de Kyiv. O contato com Oleg Timofeev e Andrey Pracht, que tocam tiorba e cravo, lhe mostraram as possibilidades de práticas com instrumentos de época. Isso o levou a estudar na Schola Cantorum da Basileia, onde recebeu o apoio e a inspiração de Amandine Beyer, levando-o definitivamente para essas práticas. Makarenko agora mora em Madri e fundou seu próprio grupo musical – Infermi d’Amore. O nome para o grupo veio de uma coleção de cantatas, chamada Il pazzo com la pazza ristampata e Uno ospedale per gl’Infermi d’amore, publicada em Nápoles.
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto para violino em dó maior, RV 182
Allegro
Largo
Allegro
Francesco Maria Veracini (1690 – 1768)
Abertura No. 6
Allegro
Largho
Allegro
Antonio Vivaldi
Concerto para violoncelo em si bemol maior, RV 788
Um grande amigo, infelizmente já falecido, considerava esta obra de Bach como a maior realização do ser humano. Curiosamente esse amigo era ateu, não era ligado a nenhuma religião. Era uma pessoa extremamente bondosa, e desconheço alguém que tenha feito alguma reclamação a seu respeito. Era admirado por todos. Tratava-se de pessoa cordata, sábia e que tinha uma grande bondade no coração, desconhecia a maldade. E um grande intelectual, extremamente culto e um dos maiores conhecedores da obra de Machado de Assis que tive a oportunidade de conhecer. Mas um belo dia um AVC o levou. Como morava sozinho, nunca casou, só foi encontrado dois dias depois dentro de seu apartamento.
Por que me lembrei dele? Porque mais ou menos nessa época, não sei precisar o dia, há seis anos, ele nos deixou. Uma legião de amigos ainda não se conforma. Para mim, ele viajou para o seu amado Rio Grande do Sul, para ficar novamente entre sua tão querida família e pode aparecer a qualquer momento. E ele amava essa Missa de Bach. No meio da bagunça dos milhares de LPs, fitas cassetes e livros em que ele vivia, estava sempre em destaque o LP da gravação do Gardiner. Dizia que tinha de ouvi-lo ao menos uma vez por mês, pois aquela música como que o purificava, sentia-se mais leve, como se estivesse indo ao confessionário. Se a ouvia num final de semana, sua semana começava melhor ainda. Curioso, né? O efeito que uma música pode ter sobre uma pessoa… enfim, a vida da gente é um nada no mundo, como dizia o poeta. Mas temos de aproveitá-la da melhor forma possível, para não nos arrependermos depois de nossas escolhas.
Ouvindo essa gravação do Thomas Hengelbrock sinto-me como o meu amigo se sentia. Livre e leve. Poderia voltar á rotina estafante do serviço com um sorriso no rosto. Mas hoje é sábado, e não trabalho, nem amanhã. Portanto, vamos aproveitar o dia.
Voltando a falar dessa gravação, diria que está no mesmo nível da de Gardiner, para muitos a melhor já realizada. Mas a música de Bach está além de conceitos e gostos. Ela transcende e atinge a todos com tal força que ficamos como que paralisados. E creio que o mesmo ocorra com os intérpretes dessa gravação: foram como que possuídos pela força que ela emana e realizaram um trabalho notável. Não saberia dizer se é a melhor gravação da atualidade, afinal existem dezenas de gravações dela, mas com certeza está na minha lista das melhores. O jovem Thomas Hengelbrock já realizou excelentes gravações em sua curta carreira e tem um futuro promissor pela frente.
Meu falecido amigo haveria de concordar comigo. Não preciso dizer que esta postagem é uma homenagem à ele, né?
Johann Sebastian Bach (1685-1750): Missa em Si Menor (Hengelbrock / Freiburger)
CD1
1 Ester Teil. KYRIE. Chorus_ Kyrie eleison
2 Duetto (Soprano I & II)_ Christe eleison
3 Chorus_ Kyrie eleison
4 GLORIA. Chorus_ Gloria in excelsis Deo
5 Chorus_ Et in terra pax
6 Aria (Soprano)_ Laudamus te
7 Chorus_ Gratias agimus tibi
8 Duetto (Soprano & Tenor)_ Domine Deus
9 Chorus_ Qui tollis peccata mundi
10 Aria (Altus)_ Qui sedes ad dexteram patris
11 Aria (Basso)_ Quoniam tu solus Sanctus
12 Chorus_ Cum Sancto Spiritu
CD2
1 Zweiter Teil. CREDO. Chorus_ Credo in unum Deum
2 Chorus_ Patrem omnipotentem
3 Duetto (Soprano & Altus)_ Et in unum Deum
4 Chorus_ Et incarnatus est
5 Chorus_ Crucifixus
6 Chorus_ Et resurrexit
7 Aria (Basso)_ Et in Spiritum Sanctum
8 Chorus_ Confiteor
9 Chorus_ Et expecto
10 SANCTUS. Chorus_ Sanctus
11 Aria (Tenor)_ Benedictus
12 Doppel-Chorus_ Osanna
13 AGNUS DEI. Aria (Altus)_ Agnus Dei
14 Chorus_ Dona nobis pacem
Solistas do Balthasar-Neuman-Choir
Balthasar-Neumann-Choir
Freiburger Barockorchester
Thomas Hengelbrock – Conductor
No feliz ano de 2019 eu fiz duas postagens cuja música é interpretada pelo conjunto Palladian Ensemble, intituladas An Excess of Pleasure e The Winged Lion. Os discos contêm música de vários compositores do período barroco e em cada um deles há uma peça de Marco Uccellini. Particularmente cativante é a Aria a quinta sopra la Bergamasca – uma dessas melodias que lhe entra pelo ouvido para nunca mais ser esquecida. Também, pudera, Uccellini usou uma canção popular de seus dias, a tal Bergamasca, para construir suas variações. Assim, quando dei com esse disco fiquei logo interessado e coloquei-o na lista de audições.
As composições de Uccellini contribuíram para o desenvolvimento de um estilo idiomático de composição para violino, expandindo as possibilidades técnicas do instrumento de maneira muito expressiva, o chamado stylus fantasticus. Observe que Uccellini é anterior a Bach e Vivaldi, só para dar uma perspectiva.
Conor mostrando o Amati para a turma do PQP Bach na entrevista dada no auditório do PQP Bach Center de Niterói
Conor Gricmanis estudou violino barroco na Royal Academy of Music com Rachel Podger por cinco anos. Ela que naquelas gravações mencionadas fazia parte do Palladian Ensemble. Posteriormente, Gricmanis estudou com Bojan Čičić que toca junto com o grupo na faixa 10 do disco. O grupo Noxwole foi fundado por Conor Gricmanis, que é muito ativo em diversos grupos e orquestras que adotam o estilo de instrumentos e práticas de época.
Além disso, na gravação deste disco Gricmanis toca o que se acredita ser o mais antigo violino em plenas condições de uso no mundo – um instrumento Andrea Amati, feito em 1542.
Marco Uccellini (1603 – 1680)
Sonate over Canzone, Op. 5
Sonata para Violino No. 1 em ré maior “La musica”
Sonate, correnti et arie, Op. 4
Sonata para Violino No. 1 em lá maior “La vittoria trionfante”
Sonata para Violino No. 2 em sol menor “La Luciminia contenta”
Sonata para Violino No. 3 em mi maior “La ebrea maritata”
Sonata para Violino No. 4 em dó menor “La Hortensia virtuosa”
Sonate, arie et correnti, Op. 3
Sonata No. 4 para dois Violinos em sol maior “La trasformata”
Sonate, correnti et arie, Op. 4
Sonata para Violino No. 5 em dó menor “La Laura rilucente”
“Lively performances from the group Noxwode… it’s exuberant and playful music” (BBC Radio 3 ‘Record Review’)
Não deixe de comparar as interpretações da ‘Bergamasca’ deste álbum com a gravação do Palladian Ensemble. Lá a combinação de instrumentos é outra… Depois, me conte!
Em homenagem ao dia natalício de Johann Sebastian Bach! (Postagem original de 21 de março de 2012)
Os Concertos de Brandenburgo são uma das páginas mais famosas e importantes da música barroca, além do que é uma da obras mais populares do vasto material de Johann Sebastian Bach. Estes concertos foram compostos no período que vai de 1718 a 1721 e ficaram esquecidos após o ano de 1734. Somente no século XIX é que voltaram a ser explorados e tocados. São uma das obras mais belas de todos os tempos. Vale a pena ouvir e se entusiasmar. Existe várias outras gravações aqui no blog. Dessa vez, vamos com o holandês ton Koopman, um especialista em Bach. Não deixe de ouvir. Boa apreciação!
Johann Sebastian Bach (1685-1750): Concertos de Brandenburgo / Concerto Triplo / Concerto para Órgão BWV 1059 (Koopman / ABO)
CD1
Brandenburg concerto No. 1 in F major, BWV 1046
01. 1 (Without tempo indication)
02. 2 Adagio
03. 3. Allegro
04. 4. Menuetto – Trio I – Polacca – Trio II
Brandenburg concerto No. 3 in G major, BWV 1048
05. 1. (Without tempo indication)
06. 2. Adagio
07. 3. Allegro
Brandenburg concerto No. 2 in F major, BWV 1047
08. 1. (Without tempo indication)
09. 2. Andante
10. 3. Allegro assai
Triple Concerto, BWV 1044
11. I. Allegro
12. II. Adagio ma non tanto e dolce
13. III. Alla breve
CD2
Brandenburg concerto No. 4 in G major, BWV 1049
01. 1. Allegro
02. 2. Andante
03. 3. Presto
Brandenburg concerto No. 5 in D major, BWV 1050
04. 1. Allegro
05. 2. Affetuoso
06. 3. Allegro
Brandenburg concerto No. 6 in B flat major, BWV 1051
07. 1. (Without tempo indication)
08. 2. Adagio ma non tanto
09. 3. Allegro
Organ Concerto No. 8 in D minor, BWV 1059
10. I. Sinfonia
11. II. Aria
12. III. Sinfonia, presto
The Amsterdam Baroque Orchestra
Ton Koopman, condutor
Peças únicas no repertório para órgão, esses concertos de Soler nunca soaram tão deliciosamente saborosos quanto nessa gravação nos dois órgãos da Catedral de Salamanca. Construídos no século 18, esses órgãos têm timbres realmente muito típicos daquele século e daquela região do mundo.
Antonio Soler nasceu na Catalunha, foi ordenado padre aos 23 anos em 1752 e se mudou para o Monasterio de San Lorenzo del Escorial, próximo a Madri, onde se tornou um pupilo do velho Domenico Scarlatti até a morte deste em 1757. Scarlatti provavelmente teve um surto de criatividade na velhice, compondo centenas de suas curtas sonatas em seus últimos anos de vida, com Soler ajudando como copista… as datas são incertas, assim como as das sonatas de Soler, que de certa forma têm as do italiano como modelo.
Além de compor essas sonatas, Soler compôs missas e dezenas de villancicos – música vocal não litúrgica, tradicional na Espanha. Anos depois, a partir de 1766, ele se tornou tutor musical do infante Don Gabriel de Borbón (1752-1788), filho caçula do rei Carlos III que, por não estar na linha de sucessão do trono, podia dedicar sua atenção ao órgão, cravo e piano. Lembremos ainda que a rainha anterior, Maria Bárbara, tia do infante Don Gabriel, foi a grande mecenas e protetora de Scarlatti. Ou seja, havia na casa real espanhola uma grande predileção pela música para instrumentos de teclado.
Por outro lado, a Espanha daquele tempo não contava com casas de edição de partituras, o que em parte podemos creditar ao rígido controle da Inquisição ibérica sobre a circulação de ideias… A censura prévia era bem rígida e, embora naquela época já não queimassem tantas bruxas, a Inquisição só terminaria com a invasão de Napoleão! Assim, as obras de Soler ficaram restritas às bibliotecas privadas e de monastérios e igrejas espanholas, com a raríssima exceção de uma coleção de 27 sonatas impressas na Inglaterra, levadas para aquele país pelo Lord Fitzwilliam após uma visita à Espanha em 1772.
Tudo leva a crer, portanto, que Soler não tinha vontade de ser conhecido por melômanos franceses, italianos ou alemães, bastando para ele o reconhecimento local. Mas voltemos ao seu pupilo, o infante Don Gabriel: para ele foram dedicados os Seis Quintetos para teclado e cordas (obra pioneira nessa formação que depois seria ilustrada por obras-primas de Schumann, Brahms e Fauré) e os Seis Concertos para dois órgãos, provavelmente compostos por volta de 1780. Feitos para serem tocados pela dupla Antonio Soler / Gabriel de Borbón, esses concertos fogem do modelo italiano em três movimentos: a forma básica é um movimento lento seguido de um minueto. E os minuetos, com temas simples e dançantes, são ricos em variações que mostram a erudição do Padre Soler.
Padre Antonio Soler (1729-1783):
Six Concertos for two organs
Concerto No. 1 in C
1. Andante 4’11
2. Minué 3’36
Concerto No.2 in A minor
3. Andante 4’17
4. Allegro 2’34
5. Tempo de minué 5’33
Concerto No.3 in G
6. Andantino 4’22
7. Minué 4’45
Concerto No.4 in F
8. Afectuoso – Andante non largo 3’10
9. Minué 4’42
Concerto No.5 in A
10. Cantabile 3’46
11. Minué 5’39
Concerto No.6 in D
12. Allegro – Andante – Allegro – Andante 4’42
13. Minué 5’41
Quando ouço esta sonata de Cesar Franck sinto um total e completo relaxamento. Ela me transporta para um ambiente idílico, com muitas flores, perfumes, e verde. Me faz esquecer da rotina do dia a dia, do estresse, acalma minhas crises de ansiedade, enfim, serve como um poderoso calmante, mas um calmante que não tem contra-indicações.
O colega Pleyel acaba nos presentear com um ‘pacotaço’ em homenagem a Cesar Franck, cujo aniversário dos 200 anos de nascimento foi ontem, dia 10 de dezembro. Minha modesta colaboração é este registro bem recente, 2019, com a versão para violoncelo da belíssima Sonata para Violino, com esta incendiária dupla, Gautier Capuçon e Yuja Wang, que vem arrebatando corações com suas performances nos últimos anos. Detalhe: este registro foi realizado ao vivo, em 2019, em Toronto. Então não se assustem se ouvirem a respiração dos músicos como se eles estivessem ao seu lado, é uma sensação estranha, mas faz parte da emoção de ouvir um registro ao vivo.
Espero que apreciem, eu gostei muito dessa gravação, principalmente o terceiro movimento, uma Fantasia tocada com muita emoção e personalidade. Difícil conciliar técnica e sensibilidade nestes momentos.
A parte do disco dedicada a Chopin começa com uma peça de juventude do mestre polonês, uma Polonaise, mas o que se destaca é a famosa Sonata Para Violoncelo, em Sol Menor, que pode não ser a maior das obras de Chopin mas tem suas qualidades, e uma delas é conseguir fazer que ambos instrumentos tenham voz própria. E isso não é problema para estes solistas, que conseguem um entrosamento com total cumplicidade durante a execução das obras.
Aliás, Parabéns Monsieur César Franck …!!!
01. Franck: Cello Sonata in A major, FWV 8 – I. Allegro ben moderato
02. Franck: Cello Sonata in A major, FWV 8 – II. Allegro
03. Franck: Cello Sonata in A major, FWV 8 – III. Recitativo – Fantasia ben moderato
04. Franck: Cello Sonata in A major, FWV 8 – IV. Allegretto poco mosso
05. Chopin: Introduction and Polonaise brillante in C major, Op.3
06. Chopin: Cello Sonata in G minor, Op.65 – I. Allegro moderato
07. Chopin: Cello Sonata in G minor, Op.65 – II. Scherzo
08. Chopin: Cello Sonata in G minor, Op.65 – III. Largo
09. Chopin: Cello Sonata in G minor, Op.65 – IV. Finale Allegro
10. Piazzolla: Le Grand Tango
Como eu e Ranulfus estamos num empreendimento franckiano, apresento mais uma versão da famosa Sinfonia em Ré. Surge ainda neste post outro francês, Vincent d’Indy. Seguem alguns dados dos dois compositores. César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert Franck foi um organista e compositor belga. Com quinze anos, após os estudos em sua cidade natal, foi para Paris onde passou a freqüentar o conservatório. Suas primeiras composições datam desta época e incluem quatro trios para piano e cordas (Trios op.1), além de peças para piano. Já separei os 4 trios para postar. Rute, uma cantata bíblica, foi composta com sucesso no conservatório em 1846. Deixou inacabada a ópera Le Valet de Ferme, iniciada em 1851. Durante muitos anos, Franck levou uma vida retirada, dedicando-se ao ensino e a seus deveres de organista, adquirindo renome como improvisador. Escreveu também uma missa, motetos, peças para órgão e outros trabalhos de cunho religioso. Professor do Conservatório de Paris em 1872, naturalizou-se francês no ano seguinte. Sua primeira obra-prima é o poema sinfônico Les Béatitudes (1879). Foi recebida, no entanto, com frieza na única execução pública durante a vida do autor. Outros poemas sinfônicos de Franck são Les Éolides, de 1876, Le Chasseur Maudit, de 1883 e Psyche, de 1888, sendo que os dois primeiros já foram postados aqui e o último ainda será postado. A Sinfonia em ré menor, em três movimentos, é sua única obra nesse formato e tem aqui uma interpretação cheia de sentimentos românticos por Pierre Monteux (1875 – 1964).
Já, por sua vez, Vincent d’Indy (1851 – 1931) foi um compositor e professor francês. Aluno e discípulo de Franck ele seria o principal fundador da “Schola Cantorum” em Paris, onde deu aula para nomes como Roussel, Honegger e também para o americano Cole Porter. Compôs três sinfonias, as Variações Sinfônicas Istar, três óperas, canções, música de câmara, aberturas, e algumas peças para piano. (Carlinus. Textos com adaptações extraídos daqui e daqui)
A revista inglesa Gramophone (dezembro/2022) lista como gravações clássicas dessa Sinfonia de Franck as dos maestros Pierre Monteux, Charles Munch, Thomas Beecham e Vladimir Ashkenazy. São escolhas que dependem do gosto do freguês, é claro, mas são nomes de peso. (Pleyel)
Cesar Franck (1822-1890) – Sinfonia em Ré menor
1 – Lento – Allegro non troppo
2 – Allegretto
3 – Allegro non troppo
Chicago Symphony Orchestra
Pierre Monteux, regente (recorded: 1961)
Cesar Franck (1822-1890) – das ‘3 Peças para Grande Órgão’
4 – Pièce Heroïque (versão orquestral)
San Francisco Symphony
Pierre Monteux, regente (recorded: 1941)
Vincent d’Indy (1851-1931) – Variações Sinfônicas Istar, Op. 42
5 – I. Très lent
6 – II. Un peu plus animé
7 – III. Très animé
8 – IV. Le double plus vite
San Francisco Symphony
Pierre Monteux, regente (recorded: 1945)
200 anos de César Franck (Liège, 10 de dezembro de 1822 — Paris, 8 de novembro de 1890)
César Franck teve um papel importante na ressurreição do órgão francês. Admirada e imitada nos séculos 18 e 19 com compositores como Clérambault e a família Couperin, essa prestigiosa escola de compositores para órgão já estava enfraquecida quando a Revolução de 1789 e as guerras subsequentes levaram à ruína as igrejas e seus órgãos. César Franck, com a ajuda do construtor de órgãos Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899), acordou do sono um instrumento cujo papel tinha sido reduzido ao de acompanhamento litúrgico ou exibicionismo desprovido de substância musical.
O órgão (construído em 1880) da Catedral Sainte-Croix de Orléans, onde foram gravadas essas obras de Franck pelo organista Pétur Sakari, é um dos mais bem preservados instrumentos da firma Cavaillé-Coll, responsável também pelo órgão (1859) que Franck tocava na igreja Sainte-Clotilde in Paris. “Meu novo órgão? É uma orquestra!”, disse Franck quando tocou pela primeira vez em um instrumento feito por Cavaillé-Coll. Também levam a assinatura Cavaillé-Coll o órgão (1869) da igreja Trinité onde tocava Messiaen, o da Madeleine (1846) onde tocava Saint-Saëns e muitos outros órgãos franceses, além de alguns outros pelo mundo (Moscou, Buenos Aires, Rio de Janeiro…)
Das obras de César Franck, quase todas as que ainda são lembradas hoje em dia foram escritas quando o compositor tinha mais de 50 anos, em um caso extremo de compositor com uma “última fase” de destaque. É o caso da Sonata para piano e violino (1886), da Sinfonia em ré menor (1889) e das principais obras para órgão. Os Três Corais foram escritos no seu último ano de vida (1890). A ideia de “corais para órgão” foi inspirada em J.S. Bach, mas Franck pensou os seus com uma diferença considerável: ao invés de utilizar hinos tradicionais e conhecidos dos frequentadores de igrejas, ele utilizou melodias originais, que se revelam apenas gradualmente “com grande imaginação”, como o próprio César Franck escreveu em uma carta para seu editor. Esses três corais fazem parte do repertório da maior parte dos grandes organistas desde então.
César Franck (1822–1890): Trois Pièces pour grand orgue, FWV 35-37 (1878)
1 Fantaisie. Andantino 16’16
2 Cantabile. Non troppo lento 6’50
3 Pièce héroïque. Allegro maestoso 9’39 Trois Chorals pour grand orgue, FWV 38-40 (1890)
4 Chorale No. 1 in E major. Moderato 15’37
5 Chorale No. 2 in B minor. Maestoso 15’32
6 Chorale No. 3 in A minor. Quasi allegro 15’20
Pétur Sakari, organist
Recording: January 2020 at the Cavaillé-Coll Organ (1880) of the Cathédrale Sainte-Croix, Orléans, France
200 anos de César Franck (Liège, 10 de dezembro de 1822 — Paris, 8 de novembro de 1890)
César Franck é um compositor com algumas características muito curiosas. Quase todas as suas obras que ainda são tocadas são as que ele escreveu quando tinha mais de 50 anos de idade e a Sonata para piano e violino é sem dúvida a que mais ouvimos por aí hoje em dia, tanto em gravações como ao vivo. Embora suas obras para piano sejam poucas, Franck entendia muito de piano – e também de órgão, claro, como veremos na postagem de amanhã. De violino, ele entendia menos: em sua famosa sonata, ele não usa técnicas como o pizicatto ou outras mais raras, de forma que o tom do violino é quase sempre cantante, melódico, e se é fácil para o violinista tocar todas as notas, o difícil é expressar a ampla palheta de sentimentos dos quatro movimentos, ao mesmo tempo que se deve manter a compostura pois é música cheia de diálogos de tipo contrapontístico, de variações sobre alguns poucos temas que vão reaparecendo ao longo dos movimentos. Para o pianista, por outro lado, há algumas passagens mais carregadas de notas, com o tema dando as caras no teclado junto a sofisticadas harmonias em arpejos e graves profundos.
Temos tantas gravações antológicas dessa sonata aqui no PQP Bach que na postagem de hoje, em comemoração ao seu aniversário, vou listar nada menos que sete interpretações notáveis, trazidas aqui ao longo dos anos por meus colegas de blog, sobretudo por FDP Bach que é talvez o mais romântico entre nós. Então vamos, em ordem cronológica, para evitarmos um tipo de competição nem sempre saudável…
Batiashvili e Gigashvili (2022)
Uma extraordinária violinista georgiana. O Franck deles me impressionou demais. Sua admirada Sonata para Violino traz um diálogo íntimo entre violino e piano, que vai do encanto terno à paixão fascinante. O momento introdutório do Allegretto ben moderato já mostra as muitas nuances de Batiashvili: sua qualidade de tom vibrante e fraseado fluido lembram vividamente a voz humana. As primeiras notas são um sussurro e um prenúncio do que está por vir. Bela interpretação! O desempenho de Gigashvili também é sólido: além de se alinhar perfeitamente às linhas do violino, ele adiciona profundidade aos grandes momentos e responde com sensibilidade às mudanças de cores harmônicas de Franck. (PQP Bach)
Faust e Melnikov (2017)
Única postagem de hoje no meio das outras recicladas. Isabelle Faust usa um violino Stradivarius de 1710 com cordas de tripas de boi ou de carneiro, Alexander Melnikov usa um piano Érard, circa 1885, ou seja, se enquadram na corrente das interpretações historicamente informadas (nome que pressupõe que as outras todas são ingênuas sobre aspectos históricos… mas aqui não é o momento para essa discussão espinhosa). Faust usa menos vibrato do que a média dos violinistas aqui listados, mas não pensem que ela faz um com totalmente seco e sem vibrato: ela solta suas emoções com equilíbrio e ponderação, virtudes importante ao se tocar Franck. O disco tem, no que seria o lado B, o Concerto para piano, violino e quarteto de cordas de Chausson (1855-1899), aluno e amigo de Franck. (Pleyel)
Ehnes e Armstrong (2015)
Poucas obras me emocionam tanto quanto esta Sonata de Cesar Franck. E nas mãos deste excepcional músico chamado James Ehnes ela se torna ainda mais emocionante. Li em algum lugar que Ehnes é o Heifetz do século XXI. Ele imprime na sua interpretação aquilo que sempre procuramos, e que encontramos apenas nos grandes mestres: clareza, objetividade, sem subterfúgios, fazendo parecer fácil o que não é. (FDP Bach)
Perlman e Argerich (1998)
A admiração entre ambos, sempre mútua e imensa, teve que esperar até o verão de 1998 para virar parceria nos palcos. O repertório não fugiu do habitual: a sonata de Franck, em que a Rainha já acompanhou tantos violinistas, e a “Kreutzer” de Beethoven, para a qual é difícil imaginar pianista melhor. O recital é uma deleite tão grande quanto devem ter sido seus bastidores. (Vassily)
Dumay e Pires (1993)
Gosto muito da sonata de Franck. Considero-a de extrema sensibilidade e delicadeza. Imagino sempre, ao ouvi-la, que estou deitado na relva, ao lado de um regato tranqüilo, com uma leve brisa soprando. (FDP Bach)
Gostei imensamente deste grande trabalho da portuguesa Pires e de seu estranho violinista francês Dumay. (PQP Bach)
Chung e Lupu (1977)
A cumplicidade entre os dois músicos está presente em todos os momentos, e o destaque novamente fica para a sonata de Franck, uma das melhores gravações que já ouvi desta obra. O Ravel e o Debussy só confirmam a qualidade, mesmo sendo obras pouco gravadas. (FDP Bach)
Ferras e Barbizet (1966)
Violino e piano cantam naturalmente, sem nunca tentar qualquer hegemonia. Pouquíssimos conseguiram tirar do violino sonoridades tão melancólicas, atormentadas e ao mesmo tempo elegantes. (Pleyel)
São muitas as nuances, muitas as formas de se agarrar as frases fugidias de Franck que escorrem pelas mãos como água… E isso porque não citamos os arranjos: para piano e flauta, para piano solo ou ou mais gravado, para piano e violoncelo. Após esse monte de interpretações possíveis de uma obra com um pé nos perfumes e fraseados românticos e outro pé firmemente plantado em um procedimento muito erudito de variações sobre curtos temas, um pouco de literatura, por que não? Ao descrever a Sonata de Vinteuil (personagem fictício com características de Franck, de Saint-Saëns, talvez de Fauré e Debussy), o escritor francês Marcel Proust (1871-1922) fala sobre um tema bem no estilo dos de Franck, com reaparições misteriosas. Em uma longa descrição de duas audições de música de câmara, ele compara a frase daquela sonata com uma pessoa desconhecida que Swann encontra sem saber seu nome, o que não impede uma profunda afinidade de se estabelecer, afinidade que reaparece apenas um ano depois por obra do destino.
No ano anterior, numa reunião, ouvira uma obra para piano e violino. Primeiro, só lhe agradara a qualidade material dos sons empregados pelos instrumentos. (…) Mas em um dado momento, sem que se pudesse distinguir nitidamente um contorno, dar um nome ao que lhe agradava, subitamente fascinado, procurava recolher a frase ou a harmonia – não sabia ele próprio – que passava e que lhe abria mais amplamente a alma, como certos perfumes de rosas, circulando no ar úmido da noite, tem a propriedade de dilatar as narinas. [… Depois,] distinguira nitidamente uma frase que se elevava durante alguns instantes acima das ondas sonoras. Ela logo lhe insinuara peculiares volúpias, que nunca lhe ocorreram antes de ouvi-la, que só ela lhe poderia ensinar, e sentiu por aquela frase como que um amor desconhecido.
Num lento ritmo ela o encaminhava primeiro por um lado, depois por outro, depois mais além, para uma felicidade nobre, ininteligível e precisa. E de repente, no ponto aonde ela chegara e onde ele se preparava para segui-la, depois da pausa de um instante, ei-la que bruscamente mudava de direção e num movimento novo, mais rápido, miúdo, melancólico, incessante e suave, arrastava-o consigo para perspectivas desconhecidas. Depois desapareceu. Ele desejou apaixonadamente revê-la uma terceira vez. E ela com efeito reapareceu, mas sem falar mais claramente, e causando-lhe uma volúpia menos profunda. Mas, chegando em casa, sentiu necessidade dela, como um homem que, ao ver passar uma mulher entrevista num momento na rua, sente que lhe entra na vida a imagem de uma beleza nova que dá maior valor à sua sensibilidade, sem que ao menos saiba se poderá algum dia rever aquela a quem já ama e da qual até o nome ignora.
(…) Mas, não conseguindo saber de quem era a obra que ouvira, não a pudera procurar e acabou esquecendo-a. Encontrara na mesma semana algumas pessoas que também se achavam naquela reunião e as interrogara; mas várias tinham chegado depois da música ou partido antes; algumas no entanto lá se achavam durante a execução, mas tinham ido conversar noutra sala, e outras que ficaram a escutar não tinham ouvido mais que o começo. Quanto aos donos da casa, sabiam que era uma obra nova que os artistas contratados tinham pedido para tocar: como estes haviam partido em turnê, Swann não pôde saber mais nada. Tinha muitos amigos músicos, mas, embora relembrasse o prazer especial e intraduzível que lhe causara a frase, vendo diante dos olhos as formas que ela desenhava, era, no entanto, incapaz de a cantar para eles. Depois deixou de pensar no assunto.
Ora, apenas alguns minutos depois que o pequeno pianista começara a tocar em casa da sra. Verdurin, eis que de súbito, após uma nota alta longamente sustida durante dois compassos, ele viu aproximar-se, escapando de sob aquela sonoridade prolongada e tensa como uma cortina sonora para ocultar o mistério de sua incubação, ele reconheceu, secreta, sussurrante e fragmentada, a frase aérea e odorante que o enamorara. E ela era tão particular, tinha um encanto tão individual que nenhum outro poderia substituir, que foi para Swann como se tivesse encontrado num salão amigo uma pessoa a quem admirara na rua e que desesperava de jamais tornar a ver. Afinal, ela afastou-se, guiadora, diligente, entre as ramificações de seu perfume, deixando no rosto de Swann o reflexo de seu sorriso. Mas agora podia perguntar o nome de sua desconhecida (disseram-lhe que era o andante da Sonata para piano e violino de Vinteuil), tinha-a segura, podia tê-la consigo quantas vezes quisesse e tentar aprender a sua linguagem e o seu segredo.
(…) O pintor ouvira dizer que Vinteuil estava ameaçado de alienação mental. E acrescentava que a gente o podia perceber em certas passagens da sua sonata. A Swann não pareceu absurda a observação, mas perturbou-o muito; pois, como uma obra de música pura não contém nenhuma dessas relações lógicas cuja alteração na linguagem denuncia a loucura, a loucura reconhecida numa sonata lhe parecia algo de tão misterioso como a loucura de uma cachorra, a loucura de um cavalo, que no entanto se observam realmente.
(No Caminho de Swann, tradução de Mario Quintana)
A princípio, não fiquei muito impressionado com as escolhas de Abbado aqui, mas, depois de ouvir mais atentamente, ele me conquistou completamente, com todas as sutilezas e nuances não audíveis em outros lugares, todinhas colocadas em seu devido lugar. Os excelentes músicos de Berlim realmente trazem outra dimensão ao trabalho, captado de maneira muito agradável pelos abençoados engenheiros da DG… Temos aqui uma grande versão da Sinfonietta e um excelente Diário. A Sinfonietta é uma obra prima. Trata-se de uma obra tardia, de 1926. Janáček pretendia expressar “o homem livre contemporâneo, sua beleza espiritual e alegria, sua força, coragem e determinação para lutar”. Tudo começou com Janáček ouvindo uma banda de metais, inspirando-se a escrever algumas fanfarras. Mais tarde, ele retirou a “coisa militar” da obra. O Diário é executado com base em uma orquestração de 1943 escrita por Ota Zitek (o original é para acompanhamento de piano). A partitura é muito fiel ao original sem tentar imitá-lo servilmente. Funciona muito bem! Recomendo a audição!
Leoš Janáček (1854-1928): Diário de um Desaparecido • Sinfonietta (Langridge, Balleys, Berliner Philharmoniker, Abbado)
Tagebuch Eines Verschollenen (Zápisník Zmizelého) Für Tenor, Alt, Drei Frauenstimmen Und Klavier
Orchestrated By – Ota Zítek, Václav Sedláček
(35:11)
1 I. Potkal Jsem Mladou Cigánki • Ich Traf Eine Junge Zigeunerin (Tenor) 1:13
2 II. Ta Černá Cigánka • Die Schwarze Zigeunerin (Tenor) 1:18
3 III. Svatojanské Mušky Tančíja • Die Johanniskäfer Tanzen (Tenor) 1:47
4 IV. Už Mladé Vlaštúvky • Es Zwitschern Die Jungen Schwalben (Tenor) 0:55
5 V. Tĕžko Sa Mi Oře • Das Pflügen Geht So Schwer (Tenor) 0:46
6 VI. Hajsi, Vy Siví Volci • Heia, Ihr Grauen Ochsen (Tenor) 1:28
7 VII. Ztratil Sem Količek • Ich Verlor Den Pflock (Tenor) 0:52
8 VIII. Nehled’te, Volečci • Schaut Nicht, Ihr Lieben Ochsen (Tenor) 1:12
9 IX. Vítaj, Janičku • Sei Willkommen, Janiček (Alt, Tenor, Chor) 2:31
10 X. Bože Dálný, Nesmrtelný • Du Ferner, Unsterblicher Gott (Alt, Chor) 4:23
11 XI. Táhne Vuňa K Lesu • Ein Duft Durchzieht Den Wald (Tenor, Alt) 3:10
12 XII. Tmavá Olšinka, Chladná Stidénka • Dunkles Erlengehölz, Kühles Brünnlein (Tenor) 1:02
13 XIII. * * * (Orchester) 2:58
14 XIV. Slnéčko Sa Zdvihá • Die Sonne Geht Auf (Tenor) 1:03
15 XV. Moji Sivi Volci • Meine Grauen Ochsen (Tenor) 0:56
16 XVI. Co Sem To Udĕlal? • Was Hab Ich Bloß Getan? (Tenor) 1:18
17 XVII. Co Komu Súzeno • Was Einem Bestimmt Ist, Dem Entkommt Man Nie (Tenor) 1:43
18 XVIII. Bedbám Já Včil O Nic • Das Einzige, Was Mich Noch Kümmert (Tenor) 1:04
19 XIX. Letí Straka • Es Fliegt Die Elster (Tenor) 1:16
20 XX. Mám Já Panenku • Ich Habe Ein Mädchen (Tenor) 0:44
21 XXI. Muj Drahý Tatíčku • Mein Teures Väterchen (Tenor) 0:49
22 XXII. S Bohem, Rodný Kraju • Ade, Mein Heimatland (Tenor) 2:18
Sinfonietta
(23:05)
23 I. Allegretto 2:16
24 II. Andante 5:45
25 III. Moderato 5:05
26 IV. Allegretto 2:58
27 V. Andante Con Moto 6:55
Chorus – Damen des RIAS Kammerchors* (faixas: 9, 10)
Chorus Master – Marcus Creed
Chorus Master [Language Coach] – Dr. Elisabeth Rajter
Composed By – Leoš Janáček
Conductor – Claudio Abbado
Contralto Vocals – Brigitte Balleys (faixas: 10, 11)
Orchestra – Berliner Philharmoniker
Orchestrated By – Ota Zítek (faixas: 1 to 22), Václav Sedláček (faixas: 1 to 22)
Tenor Vocals – Philip Langridge (faixas: 1 to 9, 11, 12, 14 to 22)
Beethoven – The Late Sonatas Op. 101 e 106 marca a conclusão da revisão de Maurizio Pollini sobre as cinco últimas sonatas do compositor. Suas gravações marcantes dessas obras na década de 1970 foram reconhecidas na época com o Prêmio Gramophone. Há alguns anos o pianista decidiu revisitar as cinco sonatas, e em 2019 fez uma aclamada segunda gravação das três finais no Herkulessaal em Munique. Agora ele voltou ao mesmo salão para gravar Op. 101 e 106 – entre as obras tecnicamente mais desafiadoras e aventureiras do repertório de concertos.
A natureza quixotesca da Sonata em lá maior de Beethoven, Op. 101, e as complexidades da Sonata “Hammerklavier”, Op. 106, oferecem possibilidades infinitas de interpretação. “Cada sonata para piano de Beethoven é um mundo diferente”, observa Maurizio Pollini. “Ele encontra um personagem diferente em cada uma, da primeira à última. Cada uma é única.” A Sonata Op. 101 é muito livre. Elaborada no verão de 1815 e concluída no ano seguinte, seus quatro movimentos são marcadamente diferentes em estilo e substância das sonatas anteriores do compositor. “É um grande desafio entendê-la e tocá-la”, diz Pollini. A escala de desafio, no entanto, empalidece ao lado do estabelecido por Beethoven na Sonata “Hammerklavier”. A obra é tão difícil que permaneceu sem ser executada em público após sua publicação em 1819, até que o jovem Franz Liszt mostrou o caminho dezessete anos depois na Salle Érard de Paris. Pollini a descreve como a “maior sonata de Beethoven”. Seu movimento lento sozinho é quase tão longo quanto todos os quatro movimentos de sua companheira de álbum. “Você pode pensar na Marcha Fúnebre da Sinfonia ‘Eroica’ – esses são talvez os dois maiores movimentos que Beethoven já compôs”, sugere o pianista. A transição para a fuga do quarto e último movimento, um Largo sublime, dissolve as percepções comuns de tempo e espaço, é como se fosse aberta uma porta para uma dimensão espiritual inacessível. Ele prepara o caminho para uma fuga a três vozes. “Às vezes, considera-se que Beethoven voltou ao espírito da música antiga em suas últimas obras, mas isso está completamente errado”, conclui Pollini. “Ele usa velhas técnicas para renovar sua música.”
Maurizio Pollini é um capítulo à parte. Meu. Deus. Aos 80 anos, tio Maurizio resolveu regravar umas coisinhas, pois segue descobrindo e descobrindo. E vocês sabem que tocar a Hammer na idade dele é um considerável desafio físico, né? E ele o faz ao vivo, tolerando errinhos, de forma mais atirada e muito menos clínica que nas gravações mais antigas. Disse um amigo que esta gravação seria uma desleitura de Schnabel, que Pollini sempre mencionou como um modelo. Imperdível mesmo!
Ludwig van Beethoven (1770-1827): Sonatas para Piano Op. 101 e 106 (Pollini, 2022)
1. Sonata para Piano No. 28 em Lá Maior, Op. 101 – I. Etwas lebhaft und mit der innigsten Empfindung. Allegretto ma non troppo (3:21)
2. Sonata para piano nº 28 em lá maior, op. 101 -II. Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia (5:48)
3. Sonata para piano nº 28 em lá maior, op. 101 – III. Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio ma non troppo, con affetto (2:20)
4. Sonata para piano nº 28 em lá maior, op. 101 – IV. Geschwind, doch nicht zu sehr und mit Entschlossenheit. Allegro (6:59)
5. Sonata para piano nº 29 em si bemol maior, op. 106 “Hammerklavier” – I. Allegro (9:31)
6. Sonata para piano nº 29 em si bemol maior, op. 106 “Hammerklavier” – II. Scherzo. Assai vivace (2:23)
7. Sonata para piano nº 29 em si bemol maior, op. 106 “Hammerklavier” – III. Adagio sostenuto (15:13)
8. Sonata para piano nº 29 em si bemol maior, op. 106 “Hammerklavier” – IV. Largo – Allegro risoluto (11:05)
Mais um CD recente com obras de Brahms, e que CD, senhores !!! Sempre é bom sangue novo se aventurando por estas plagas.
Impossível ouvir esse CD sem um sorriso, esse repertório é único, quase perfeito, eu diria. Juntar as Sonatas para Violoncelo de Brahms e de Rachmaninov e o Trio para Clarinete do mesmo Brahms resultou em um CD lindíssimo, romântico até as veias. A parceria da pianista Yuja Wang com o violoncelista Gautier Capuçon novamente rendeu belos frutos, e temos aqui uma interpretação enxuta, correta, e principalmente em se tratando desse repertório, nada de excessos.
A Sonata nº1 de Brahms, para Violoncelo e Piano é uma de minhas obras favoritas desse compositor, e exige dos musicos muita concentração. Ela é intensa, dramática, por vezes temos a impressão de que o violoncelo está quase chorando, em um lamento. Ambos instrumentos tem voz própria, em uma espécie de diálogo, e nenhum deixa o outro ‘falando sozinho’. Já ouvi essa obra dezenas de vezes, e a cada audição descubro novos detalhes, nuances, nada ali é por acaso, como é característica na obra de Brahms.
A segunda obra que temos nesse CD é a Sonata para Violoncelo de Rachmaninov. Uma curiosidade aqui é que é a segunda vez que Capuçon grava essa obra, a primeira foi acompanhando sua então esposa, a pianista Gabriela Montero. E assim como no CD anterior da dupla Wang / Capuçon, onde interpretam Chopin e Franck, a química entre eles continua forte, seja no Brahms, seja no Rachmaninov. Com certeza são dois dos maiores intérpretes de seus instrumentos na atualidade.
O Trio para Clarinete dispensa apresentações, é uma das obras principais de Brahms, uma obra prima indiscutível. Tenho muitas boas lembranças relacionadas a essa obra. Uma delas é a de uma ensolarada tarde de um sábado ou domingo, em um verão de minha juventude, morando sozinho na selva de concreto paulistana. Nos fundos da casa que dividia com outra pessoa havia uma varanda, e dali eu tinha uma bela visão do Bairro da Aclimação. Eu tinha um belo panorama do bairro, e a lembrança que me vem é de estar ali sentado, em um final de tarde, ouvindo esse Trio e vendo a noite chegar, e as luzes irem se acendendo nas casas e prédios da vizinhança. Foi uma época difícil de minha vida, amores mal resolvidos e a vontade de largar tudo e voltar para a sombra familiar, o que acabou acontecendo. A sensação de solidão que me invadia nessa época era compensada pela música, principalmente a de Brahms. Hoje, passados trinta anos, posso dizer que foi um período de transição na minha vida, tomadas de decisão são difíceis quando temos pouco mais de vinte anos de idade, e as incertezas são muitas. E a música de Brahms foi com certeza a trilha sonora daquela época.
Cello Sonata No. 1 In E Minor, Op. 38
Composed By – Johannes Brahms
1 I. Allegro Non Troppo
2 II. Allegretto Quasi Menuetto
3 III. Allegro. Piu Presto
Cello Sonata In G Minor, Op. 19
Composed By – Sergei Vasilyevich Rachmaninoff
4 I. Lento. Allegro Moderato
5 II. Allegro Scherzando
6 III. Andante
7 IV. Allegro Mosso
Clarinet Trio in A Minor, Op. 114
Composed By – Johannes Brahms
8 I. Allegro
9 II. Adagio
10 III. Andantino Grazioso
11 IV. Allegro
Yuja Wang – Piano
Gautier Capuçon – Cello
Andreas Ottensamer – Clarinet
Jazz por Shostakovich? E recebeu uma Gramophone’s Choice e relançamento anos depois na série The Originals? Bem, este maravilhoso CD não bem isso. As incursões animadas e cativantes de Shostakovich na música popular de seu tempo estavam muito longe de Jelly Roll Morton ou Duke Ellington. como vocês poderão comparar. Essas coloridas suítes de jazz chaplinescas ficam mais próximas de Gershwin, Milhaud e outros. Aqui, Shostakovich faz uma espécie de paródia — aliás, suas maiores obras também possuem episódios assim. Além disso, o jazz “real” era tratado com desconfiança na Rússia soviética e, portanto, a exposição de Shostakovich a ele era limitada. Chailly e a RCO trazem linda música, lindamente tocada e gravada. Tudo cheio de valsas e polcas. Realmente mostra a versatilidade de Shostakovich — muitas vezes nem soa como ele. É leve, arejado, divertido, harmonicamente ousado em alguns momentos, mas sempre muito gostoso de ouvir. Ah, e tem uma baita versão do belo Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra. Ouça e divirta-se.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): The Jazz Album (RCO, Chailly)
Jazz Suite No. 1
1 Waltz 2:37
2 Polka 1:41
3 Foxtrot 3:38
Piano Concerto No. 1 In C Minor, Op. 35 (Concert For Piano, Trumpet And Strings)
4 Allegretto 5:36
5 Lento 8:04
6 Moderato 1:44
7 Allegro Con Brio 6:28
Jazz Suite No. 2 (Suite For Promenade Orchestra)
8 March 3:04
9 Lyric Waltz 2:35
10 Dance 1 2:57
11 Waltz 1 3:19
12 Little Polka 2:32
13 Waltz 2 3:41
14 Dance 2 3:34
15 Finale 2:19
16 Tahiti Trot (Tea For Two) 3:33
Piano – Ronald Brautigam
Trumpet – Peter Masseurs
Royal Concertgebouw Orchestra
Riccardo Chailly