Valentyn Vasylyovych Silvestrov (1937): Sacred Songs


Enquanto lhes escrevo isso, o grande compositor ucraniano Valentyn Silvestrov, em sua avançada idade, deve lamentar ter vivido para testemunhar outra invasão a seu país.  E, enquanto Silvestrov pranteia, seus compatriotas – incluindo muitos amigos meus e, provavelmente, os cantores e o regente dessa gravação – novamente protegem-se em abrigos ou escapam, com a roupa do corpo, da fúria de um sanguinário invasor.

Não é hora de escrever.

É hora de se informar, de se posicionar, de agir, de cobrar posições.

Afinal, ante qualquer agressão, a hesitação e a dita neutralidade só servem um dos lados – que vocês bem sabem qual é.

O gigante Evgeny Kissin também sabe

Se puder, faça uma doação às seguintes instituições, que seguramente saberão levar ao povo ucraniano o apoio que você lhe quiser alcançar:

Cruz Vermelha Ucraniana, que atua numa vasta gama de serviços humanitários, de apoio a refugiados ao treinamento de pessoal de saúde para atuação nas áreas de conflito. Doe aqui.

Revived Soldiers Ukraine, que banca medicamentos e suprimentos médicos para hospitais de campanha na linha do front. Doe aqui.

Nova Ukraine, uma ONG que auxilia a população civil com itens essenciais, de alimentos infantis a produtos de higiene, passando por roupas e utensílios domésticos. Doe aqui.

Sunflower for Peace, que disponibiliza mochilas de primeiros socorros a médicos e paramédicos no front. Doe aqui.

Voices of Children, que ajuda crianças a se recuperarem dos traumas psicológicos da guerra. Mais informações aqui.

Save the Children, de destacada atuação na proteção às crianças nas áreas mais pobres da Ucrânia, nas áreas atingidas pelo conflito na região de Donbass e, agora, em todas as áreas atingidas pela invasão russa. Doe aqui.

United Help Ukraine, que distribui alimentos e suprimentos de saúde a deslocados internos na Ucrânia. Doe aqui.

Médicos sem Fronteiras, cuja base na Ucrânia provê tratamento para endemias locais e, agora, no apoio às vítimas da invasão russa. Mais informações aqui.

Dedicado a meus amigos ucranianos, a seus compatriotas, e aos russos que não apoiam a barbárie.

SLAVA UKRAINI!


Valentyn Vasylyovych SILVESTROV (1937)

SACRED SONGS

Songs for Vespers
1 – Come, Let Us Worship
2 – World of Peace
3 – Holy God
4 – O Virgin Mother Of God
5 – Today You Release (Your Servant)
6 – Many Years (Vivat)
7 – Silent Night

Psalms and Prayers
8 – Praise God All Ye Nations (Psalm 116)
9 – Lord, My Heart Swells Not With Pride (Psalm 130)
10 – Lord Jesus Christ
11 – Blessed Is He (Psalm 1)
12 – O King Of Heaven
13 – With The Saints Grant Eternal Peace
14 – Our Father

Two Psalms Of David
15 – You, O Lord, I Call (Psalm 27)
16 – The Lord Is My Shepher (Psalm 22)

Two Spiritual Refrains
17 – Do Not Forsake Me
18 – Alleluia

Two Spiritual Songs
19 – Cherubic Hymn
20 – Many Years (Vivat)

Three Spiritual Songs
21  – Cherubic Hymn
22 – Many Years (Vivat)
23 – Alleluia

Coro de Câmara de Kyiv
Mykola Hobdych, regência

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Campo de colza no oblast de Odessa, Ucrânia, 2013 (foto do autor)

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Piano Concertos nº 4 & 5 – Curzon, Knappertsbusch, Wiener Philharmoniker

Vamos voltar no tempo, mais especificamente entre 1957 e 1958, nos estúdios da gravadora DECCA, quando três gigantes da música, três titãs, eu diria, se reuniram para gravar os dois últimos concertos para piano de Beethoven: o pianista inglês Sir Clifford Curzon, o maestro alemão Hans Knappterbusch e a Orquestra Filarmônica de Viena. Sim, eu sei, já se passaram sessenta e poucos anos, diversos outros pianistas e maestros fizeram gravações memoráveis dessas obras depois disso, mas e daí? Sempre precisamos nos ancorar nos ombros de gigantes para podermos visualizar o futuro, não acham? E foram esses velhinhos aí que estabeleceram os alicerces para o que viria depois. Além disso, depois da epopéia beethoveeniana do colega Vassily em 2020, haveria a necessidade de mais gravações do gênio de  Bonn aqui no PQPBach? Bem, eu diria que Beethoven nunca é demais.

Hans Knappterbusch não era muito afeito aos estúdios. Seu elemento era o palco, ainda mais se fosse no Festival wagneriano de Bayreuth, ao qual esteve associado durante quase toda sua vida profissional. Só nesse festival ele regeu o “Parsifal” 55 vezes (???).  Durante muitos anos seu nome também era muito ligado à Filarmônica de Viena, onde era muito querido. John Culshaw assim descreveu essa relação:

Não é sempre que existe um verdadeiro vínculo de afeto entre uma orquestra e um maestro, e especialmente no caso de uma orquestra com uma tradição tão longa e orgulhosa como a Filarmônica de Viena. Os membros mais velhos ainda falam com admiração sobre Furtwängler e Richard Strauss. Eles falam com profundo respeito pelas memórias de Erich Kleiber e Clemens Krauss e Bruno Walter. Para outros, ainda vivos, eles têm sentimentos mistos que vão do ódio à admiração. Mas por Hans Knappertsbusch, eles tinham amor“.(Wikipedia). 

Herr Knapp feliz da vida depois de saber que ia aparecer no PQPBach.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sir Clifford Curzon foi um pianista inglês nascido em 1907 e falecido em 1982, e foi aluno de Arthur Schnabel e Wanda Landowska, Dominou como poucos o repertório clássico e romântico, sendo um grande especialista em Mozart, Beethoven, Schubert e Beethoven. Assim como Knappterbusch, não era muito fã dos estúdios de gravação e seus registros só foram lançados após sua morte.

Sir Clifford testando o Steinway da sede da PQP Inc. em Londres.

 

 

 

 

 

 

 

 

Como comentei acima, estas gravações foram realizadas entre 1957 e 1958. Em se tratando de músicos deste nível, o que temos aqui são registros históricos, altamente elogiados pela crítica especializada. No site da Amazon os clientes foram quase unânimes em dar cinco estrelas, e com razão. Na minha humilde opinião temos aqui uma das mais belas gravações do Concerto nº4, um primor de execução e sensibilidade artística.

 

Piano Concerto No. 4 In G Major, Op. 58
First Movement: Allegro Moderato (Cadenza By Beethoven)
Second Movement: Andante Con Moto
Third Movement: Rondo (Vivace) (Cadenza By Beethoven)

Piano Concerto No. 5 (“Emperor”) In E Flat Major, Op. 73
First Movement: Allegro
Second Movement: Adagio Un Poco Mosso
Third Movement: Rondo (Allegro)

Sir Clifford Curzon – Piano
Wiener Philharmoniker
Hans Knappterbusch – Conductor

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Shostakovich: Quarteto Nº 8 / Borodin: Quarteto Nº 2 / Ravel: Quarteto (Borodin)

Shostakovich: Quarteto Nº 8 / Borodin: Quarteto Nº 2 / Ravel: Quarteto (Borodin)

Uma gravação ao vivo e sem retoques do Borodin durante uma excursão realizada em 1962. O som não é bom e a plateia parecia estar agitada. Mas o CD vale por sua enorme qualidade musical e pela interpretação extremamente compreensiva de Shosta e Borodin. Por exemplo, talvez jamais se ouça outro quarteto iniciar o último movimento do segundo quarteto de Borodin imitando com tamanha perfeição o som de um bayan. É uma questão de afinidade cultural. Os russos sabem como fazer porque têm aquilo instalado desde o nascimento. O Shosta idem. O Ravel tem um sotacão russo, mas é o Borodin e eles sempre convencem.

Shostakovich: Quarteto Nº 8 / Borodin: Quarteto Nº 2 / Ravel: Quarteto (Borodin)

String Quartet No. 8 In C Minor, Op. 110
Composed By – Dmitri Shostakovich
1 I. Largo 4:09
2 II. Allegro Molto 2:41
3 III. Allegretto 3:49
4 IV. Largo 4:55
5 V. Largo 3:18

String Quartet No. 2 In D Major
Composed By – Alexander Borodin
6 I. Allegro Moderato 7:56
7 II. Scherzo. Allegro 4:43
8 III. Notturno. Andante 8:10
9 IV. Finale. Andante — Vivace 6:53

String Quartet In F Major
Composed By – Maurice Ravel
10 I. Allegro Moderato. Très Doux 7:39
11 II. Assez Vif. Très Rythmé 5:37
12 III. Très Lent 8:29
13 IV. Vif Et Agité 5:02

Quarteto Borodin
Recordings at Leith Town Hall, Edinburgh Festival: August 31, 1962 (tracks 1-5, 10-13), August 29, 1962 (tracks 6-9).

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O Borodin prestes a adentrar o palco do PQP Bach Classical Communist Chamber Theater de Leningrado

PQP

.: interlúdio :. Oliver Nelson Orchestra: Afro/American Sketches

.: interlúdio :. Oliver Nelson Orchestra: Afro/American Sketches

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Não se enganem. Oliver Nelson foi um gênio. Daqueles. Gênio para ser colocado ao lado de Mingus, Miles, Ellington, Monk. Tudo o que ouvi dele é de primeira linha e este Afro/American Sketches, de 1962, não foge à regra. Oliver Nelson fundiu o ritmo da África e da América Negra com o talento organizacional da Europa. O trabalho muitas é espetacular apresenta a orquestra perfeitamente eufônica mas às vezes gritando e colidindo para depois dar declarações comoventes de amor ou convergindo em um cenário de blues. Nelson combinou o suporte rítmico afro-latino de Ray Barretto com a bateria de jazz de Ed Shaughnessy, também contribuiu com seus próprios solos de sax alto e tenor e conduziu a orquestra. “Finalmente percebi a importância da minha herança africana e negra”, escreve Nelson no encarte, “e através dessa iluminação consegui compor 40 minutos de música original que é uma verdadeira extensão da minha alma”. As composições e arranjos de Nelson espelham as várias etapas da vida negra, desde a pátria ancestral africana até os séculos de escravidão, terror e horror diários, passando pela emancipação, a chamada reconstrução, a migração do século XX para norte, leste e oeste que foi recebida com racismo continuado, aos direitos civis e movimentos nacionalistas negros de meados do século 20 — a dança da liberdade. Oliver Nelson (1932-1975) morreu muito jovem, mas conseguiu deixar uma marca na história. Esta é sua primeira gravação como líder/arranjador de uma big band. Excelente produção e arranjos, eletrizante e vibrante, com verdadeira musicalidade destacada por toda parte. Um trabalho monumental, realmente IMPERDÍVEL!

.: interlúdio :. Oliver Nelson Orchestra: Afro/American Sketches

1 Message
2 Jungleaire
3 Emancipation Blues
4 There’s A Yearning
5 Going Up North
6 Disillusioned
7 Freedom Dance

Written-By, Arranged By, Conductor – Oliver Nelson
Alto Saxophone, Flute – Jerry Dodgion (faixas: A1, A3, B1, B3, B4)
Baritone Saxophone, Clarinet – Arthur “Babe” Clark* (faixas: A3, B3, B4)
Bass – Art Davis
Cello – Charles McCracken (faixas: A1, A3, B1, B3, B4), Peter Makis (faixas: A1, A3, B1, B3, B4)
Congas, Bongos – Ray Barretto
Drums – Ed Shaughnessy
French Horn – Jim Buffington (faixas: A1, B1), Julius Watkins (faixas: A1, B1), Ray Alonge (faixas: A1, B1)
Piano – Patti Bown (faixas: A3, B3, B4)
Tenor Saxophone, Alto Saxophone
Tenor Saxophone, Flute – Eric Dixon (faixas: A2, A3, B2 to B4)
Tenor Saxophone, Flute, Clarinet – Bob Ashton* (faixas: A1, A3, B1, B3, B4)
Trombone – Billy Byers (faixas: A2, B2), Britt Woodman (faixas: A1, A3, B1, B3, B4), Melba Liston (faixas: A2, B2), Paul Faulise (faixas: A1, A3, B1, B3, B4), Urbie Green (faixas: A1, A3, B1, B3, B4)
Trumpet – Clyde Reasinger (faixas: A2, B2), Ernie Royal, Jerry Kail, Joe Newman, Joe Wilder (faixas: A1, A3, B1, B3, B4)
Tuba – Don Butterfield

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Oliver Nelson: um altíssimo grau de musicalidade

PQP

Johannes Brahms (1833-1897): Sinfonia No. 4 (Haitink, LSO)

Johannes Brahms (1833-1897): Sinfonia No. 4 (Haitink, LSO)

Curiosamente, Haitink não parece muito exigente nesta gravação. Mas esta música exige tudo de seu regente, na minha opinião. A viagem da Primeira à Quarta Sinfonia de Brahms é do otimismo ao pessimismo, da possibilidade de remodelar o mundo à resignação. Em 1885, com 50 e poucos anos, já um tanto velho para o século XIX, Brahms chegou com uma obra desesperada, perturbadora e surpreendente. O que é surpreendente sobre a realização de Brahms em sua Quarta Sinfonia é que a ferocidade e concentração de expressão são alcançadas não através de uma retórica emocional descabelada, mas através do foco implacável em detalhes musicais supostamente “antiquados”, pois, no final, há uma Passacaglia que é um dos movimentos mais bem construídos já compostos, com 30 variações e uma coda final que você ouve no início nos metais e sopros. A melodia principal é uma expansão de uma Chacona da Cantata 150 de Bach e o uso de Brahms de um método de construção barroco é sua homenagem a uma era da história musical que esta peça simultaneamente honra e leva a uma conclusão trágica.

Johannes Brahms (1833-1897): Sinfonia No. 4 (Haitink, LSO)

Symphony No.4 In E Minor Op.98
1 Allegro Non Troppo 13:22
2 Andante Moderato 11:28
3 Allegro Giocoso 6:16
4 Allegro Energico E Passionato 10:15

London Symphony Orchestra
Bernard Haitink

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Demonstrando total desprezo por minha opinião, Haitink puxa um “Arerê, o Grêmio vai jogar a Série B” com a LSO.

PQP

Camille Saint-Säens (1835-1921): Sinfonia Nº 3 (do Órgão) e outras peças orquestrais

“De uma hora para outra, na última quarta-feira, fãs e pessoas que não faziam ideia de quem era X.X. partiram para o abraço coletivo.” Essas palavras, escritas por Zeca Camargo após a morte de um cantor sertanejo com carreira curta e de pouca relevância, renderam a ele um processo e ele teve que pagar indenização. Está proibido falar mal de sertanejo, pelo jeito.

Em todo caso, esse tipo de comoção não é novidade. Em 1828, um ano após a morte de Beethoven, sua 5ª Sinfonia estreou em Paris, com três execuções naquele ano. Como relata Berlioz, houve aplausos homéricos, risos, uma cantora teve um ataque de nervos e precisou sair da sala, um velho militar gritou “C’est l’Empereur!”

Estava iniciado no país do croissant um culto a Beethoven que duraria muitas décadas. Balzac, segundo seus biógrafos, ficou fascinado por essa mesma 5ª Sinfonia ao ouvi-la em 1834. Em uma carta ele confessou ter ciúmes de Beethoven, de Michelangelo, “enfim tudo aquilo que foi grande e solitário me comove.” (Carta a Mme. Hanska, 1837).

Balzac, agora na boca de um personagem no romance Gambara, se mostra um sensível ouvinte do mestre de Bonn:
“Em outros compositores, as partes orquestrais só se entrelaçam pra produzir o efeito do momento. Em Beethoven, os efeitos são distribuidos como previamente, as partes seguem ordens no interesse geral, subordinadas a um plano.”

Essa germanofilia dos franceses duraria até a virada do século, quando a geração de Debussy começou a achar as orquestrações de Wagner e de Mahler o cúmulo do mau gosto. Em 1914, quando começa a 1ª Guerra, o velho Saint-Saëns, aos 78 anos, é um dos defensores de um boicote total à música alemã. Mas se vamos falar da “Sinfonia com órgão”, estamos falando de um Saint-Saëns bem mais jovem, em 1886.

Esse Saint-Saëns mais jovem era herdeiro direto dessa Beethoven-mania e foi chamado várias vezes o Beethoven francês. Vários ecos beethovenianos aparecem em sua mais famosa sinfonia, a começar pelo uso de temas curtos que serão cuidadosamente desenvolvidos ao longo dos movimentos. Além disso, o caminho tonal da 3ª Sinfonia de C.S.S. é o mesmo da 5ª de L.v.B.: começa em um dó menor trágico e misterioso, para terminar em um dó maior triunfante com acordes repetidos. Embora a sinfonia do francês comece mais suave (como a 4ª e a 6ª de L.v.B.) e a 5ª do alemão já comece chutando a porta com força.

Se a primeira grande sinfonia francesa é a Symphonie Fantastique de Berlioz (composta em 1830, portanto após a entrada triunfal das Sinfonias de Beethoven em Paris descrita acima pelo próprio Berlioz), a 3ª Sinfonia de Saint-Saëns é sem dúvida a grande sinfonia francesa no estilo de Beethoven.

Já ia me esquecendo do órgão, que vem sempre com destaque na capa dos discos! Realmente o órgão, com sua aparição triunfal no movimento final, gera uma surpresa majestosa. Na França da época de Saint-Saëns, houve uma grande renovação do interesse pelo órgão: após vários serem destruídos ou apodrecerem no tenso período pós Revolução de 1789, a partir da década de 1840 inúmeros órgãos foram reconstruídos de forma totalmente nova, associada a inovações mecânicas criadas no século XIX, principalmente pelo francês Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899). Em órgãos como os de Saint Sulpice e Sacré-Coueur (Paris), Saint-Denis, Rouen, mas também na Lapa, Rio de Janeiro, e em Buenos Aires, Cavaillé-Coll inventava jogos harmônicos, buscava novos timbres, novas combinações, preparando assim uma maravilhosa palheta de cores, dando asas à imaginação de compositores como C.Franck, L.Vierne, C.Widor e O.Messiaen.

Saint-Saëns também tem uma obra extensa para órgão solo, incluindo um grupo de seis Prelúdios e Fugas (op.99 e 109) que mostram o quanto sua germanofilia se estendia ao estudo do órgão de Bach. Na sua Sinfonia nº 3, contudo, são reservados ao órgão sobretudo grandes acordes potentes, enquanto a intricada ciência do contraponto é distribuída entre os instrumentos da orquestra.

A gravação com a Filarmônica de Liège acabou de sair do forno e foi Disco do mês da Diapason de janeiro/2022: “Texturas orquestrais calorosas, gravação de notável precisão e definição, sofisticação do conjunto e dos contrastes dinâmicos…” Desde o começo da sinfonia, dá pra ver que o maestro Kantorow busca mostrar os detalhes mais escondidos da obra, ao invés de apostar apenas em grandes efeitos impressionantes. Completando o álbum, temos a Sinfonia em fá maior “Urbs Roma”, composta em 1856 e que o autor excluiu da sua lista de sinfonias com número, que são apenas três.

Camille Saint-Saëns (1835 – 1921):
1-4. Symphony in F major, ‘Urbs Roma’ (1856)

I. Largo — Allegro 10’26
II. Molto vivace 5’39
III. Moderato, assai serioso 11’48
IV. Poco allegretto — Andante con moto 11’00

5-7. Symphony No. 3 in C minor, Op. 78 (1886)
‘Organ Symphony’

I. Adagio — Allegro moderato — Poco adagio 19’03
IIa. Allegro moderato — Presto — 7’19
IIb. Maestoso — Allegro 8’06
Thierry Escaich (Organ of the Salle Philarmonique de Liège, 1890)

Orchestre Philharmonique Royal de Liège
Jean-Jacques Kantorow, conductor
Recorded: 2020

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BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE – MP3 320kbps

Como Saint-Saëns estava um pouco sumido aqui do blog, resolvi trazer um bônus de peso: uma outra gravação da 3ª Sinfonia, com a Orquestra de Chicago regida por Daniel Barenboim, enquanto o órgão é o da Catedral de Chartres, tocado pelo famoso organista cego Gaston Litaize. Gravada em 1975, ela se tornou uma das referências, sempre citada por exemplo pela BBC e revista Gramophone. Aqui, temos um órgão mais majestoso ainda, mas alguns detalhes da sutileza da orquestração se perdem. Em resumo: se querem um Saint-Saëns sofisticado, ouçam Kantorow/Liège/2021, se quiserem sobretudo um órgão grande, viril e potente, ouçam Barenboim/CSO/1975. Ambos são ótimos.

O álbum de Barenboim traz ainda algumas obras curtas e interessantes: a Danse Macabre, ou Dança Macabra em português, foi composta em 1871 e é muito famosa com seu ar alegórico sobre a finitude da vida. Liszt escreveu uma versão para piano. Totalmente diferente é o clima de Bacchanale (que quer dizer… vocês sabem), extraído da ópera Sansão e Dalila (1877): aqui, na mesma corrente orientalista que geraria a Scheherazade de Rimsky-Korsakov (1888), Saint-Saëns usa algumas escalas orientais para imaginar muita sensualidade naquela região do Levante, nada a ver com as mulheres de burca que hoje vêm à nossa cabeça. Em Le Déluge (1875) temos um outro poema sinfônico, seria sonhar muito pedir que uma certa emissora de TV utilize essas obras na trilha sonora de suas novelas bíblicas?

Camille Saint-Saëns (1835 – 1921):
1-3. Symphonie No. 3 en ut mineur, Op. 78
Gaston Litaize (Chartres Cathedral Organ)
Chicago Symphony Orchestra
Daniel Barenboim, conductor
Recorded 1975

4. Samson et Dalila, Op. 47: Act III. Bacchanale
5. Le Déluge (poème biblique), Op. 45: Prélude
6. Danse macabre (poème symphonique), Op. 40
Orchestre de Paris
Daniel Barenboim, conductor
Recorded: 1978-1980

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Vai viajar, Camille?

Pleyel

.: interlúdio :. Miles Davis: Miles Ahead

.: interlúdio :. Miles Davis: Miles Ahead

OMG! Por que esta capa? Tal como eu e nós, Miles Davis ficou insatisfeito com a capa original do álbum, que apresentava uma fotografia de uma jovem branca e uma criança a bordo de um veleiro. Ele manifestou seu descontentamento ao executivo da Columbia, George Avakian, perguntando: “Why’d you put that white bitch on there?”. Avakian afirmou mais tarde que a pergunta foi feita em tom de brincadeira. Só que… Nos lançamentos posteriores do disco, a foto da capa original foi substituída por uma fotografia de Miles Davis.

Miles Ahead foi lançado em 1957 pela Columbia Records. Foi o primeiro disco em parceria com o arranjador Gil Evans, parceria que se repetiria em trabalhos futuros de Davis, como Birth of the Cool, Porgy and Bess (álbum de Miles Davis) e Sketches of Spain. É considerado um dos mais importantes e famosos discos da carreira de Miles. Gil Evans sugeriu que o álbum fosse gravado como uma suíte única, evitando cortes e pausas, fazendo interrupções apenas no limite de tempo de cada lado do álbum, ou seja: no fim do lado A. Miles foi o único solitário solista do álbum.

Este álbum é muito significativo para o processo que se iniciou — a colaboração entre Gil Evans e Miles Davis que produziria Porgy and Bess e Sketches of Spain, dois dos melhores álbuns de Davis. Dito isto, este álbum é um milagre em si, o resultado de uma grande aposta por parte da Columbia Records, que juntou Evans e Davis, os quais que não trabalhavam juntos desde a gravação do disco admirado pela crítica, mas comercialmente malsucedido Birth of the Cool. A Columbia também permitiu que Evans montar uma banda de 19 músicos para as gravações, numa época em que big bands estavam fora de moda e também em uma época em que as gravações só poderiam ser lançadas dois anos depois em razão das obrigações contratuais de Davis com a Prestige. Havia o medo de que Davis se perdesse em um elenco de músicos de apoio que incluía uma enorme seção de metais. Isso não ocorreu, claro. Os arranjos de Evans são adequados ao formato. Ele e Davis formaram uma parceria profunda e próxima, onde ideias foram trocadas, alimentadas e desenvolvidas muito antes de serem expressas em estúdio.

Miles Davis: Miles Ahead

1 “Springsville” (John Carisi) – 3:27
2 “The Maids of Cadiz” (Léo Delibes) – 3:53
3 “The Duke” (Dave Brubeck) – 3:35
4 “My Ship” (Kurt Weill) – 4:28
5 “Miles Ahead” (Davis, Evans) – 3:29
6 “Blues for Pablo” (Evans) – 5:18
7 “New Rhumba” (Ahmad Jamal) – 4:37
8 Medley Pt. 1: “The Meaning of the Blues” (Bobby Troup, Leah Worth) – 2:48
9 Medley Pt. 2: “Lament” (J. J. Johnson) – 2:14
10 “I Don’t Wanna Be Kissed (By Anyone but You)” (Jack Elliot/Harold Spina) – 3:05

Alto Saxophone – Lee Konitz
Arranged By, Conductor – Gil Evans
Bass – Paul Chambers (3)
Bass Clarinet – Danny Bank
Bass Trombone – Tom, Mitchell* (faixas: A3, A3)
Drums – Art Taylor, Sr.*
Flute, Clarinet – Eddie Caine (faixas: B3 to B5), Romeo Penque, Sid Cooper (faixas: A1 to A5, B1, B2)
Horn – Jimmy Buffington* (faixas: A1, B1, B2), Tony Miranda (faixas: A2 to A5, B3 to B5), Willie Ruff
Piano – Wynton C. Kelly* (faixas: B3 to B5)
Trombone – Frank Rehak, Jimmy Cleveland, Joe Bennett*
Trumpet – Bernie Glow, Ernest Royal*, John Carisi, Louis R. Mucci, James T. Jordan*
Trumpet, Flugelhorn – Miles Davis

Recorded on May 6, 10, 23 and 27, 1957 at the Columbia 30th Street Studios, New York City.
Columbia Jazz Masterpieces Stereo

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Nada de white bitches: Miles Davis por Tom Palumbo, 1955 (Wikimedia Commons)

PQP

Johannes Brahms (1833-1897): Cello Sonatas – Müller-Schott, Piemontesi

Nunca deixo de me admirar com a beleza indescritível destas sonatas, mesmo já as ouvindo há décadas. É como se a cada audição novas camadas vão sendo expostas, que nos apresentam novas perspectivas e possibilidades. Exemplo clássico de uma sonata de Brahms, não temos aqui o piano como mero acompanhante do violoncelo. Ao contrário, ele ajuda no processo de exploração dos temas e como que põe mais lenha na fogueira, ajudando a esquentar ainda mais o que já está fervendo. Confiram a fuga inicial do terceiro movimento do op. 38, uma prova de fogo para os músicos, pois há como uma explosão de emoções reprimidas, outra característica da obra do genial compositor. Ao mesmo tempo em que o nível técnico exigido vai as alturas o  nivel de concentração tem de ser absoluto.

Existem excepcionais gravações destas obras, lembro de Rostropovich ao lado de Rudolf Serkin, por exemplo. Mas a nova geração mostra aqui que podem sim nr estas outras possibilidades e perspectivas citadas acima, e o talento imenso do violoncelista Daniel Müller-Schott cumpre essa função com brilhantismo, ao lado do incrível pianista Francesco Piemontesi, outro nome que vem se destacando nos últimos anos. Müller-Schott é um músico tão especial que se deu ao trabalho de adaptar a magnífica Sonata para Violino nº1, op. 78, uma das mais belas obras de Brahms, para o violoncelo. E por incrível que pareça, o fez com tanta propriedade que é difícil acreditar em um primeiro momento que não foi composta originalmente para aquele instrumento.

Costumo dizer que Brahms é para poucos. Não é um compositor fácil de agradar aos seus ouvintes, ele vai no fundo do poço, não deixando pedra sobre pedra. Seus temas ultra românticos são explorados a exaustão com a incrível capacidade que apenas os grandes mestres tem no uso de poucas notas, mas ao mesmo tempo, deixam a responsabilidade para os instrumentistas de mostrar a que vieram. Um músico pouco afeito a emoções, mais técnico que emotivo, digamos, teria uma certa dificuldade de se expor tanto. E se não se expor, lamento informar que ele não entendeu a obra.

1 – Sonata for cello and piano no. 1 in E minor, Op. 38 Allegro Non Troppo
2 – Sonata for cello and piano no.1 in E minor, Op. 38 Allegretto Quasi Menuetto
3 – Sonata for cello and piano no.1 in E minor, Op. 38 Allegro
4 – Sonata for cello and piano in D major, Op. 78 Vivace Ma Non Troppo
5 – Sonata for cello and piano in D major, Op. 78 Adagio
6 – Sonata for cello and piano in D major, Op. 78 Allegro Molto Moderato
7 – Sonata for cello and piano no. 2 in F major, Op. 99 Allegro Vivace
8 – Sonata for cello and piano no. 2 in F major, Op. 99 Adagio Affettuoso
9 – Sonata for cello and piano no. 2 in F major, Op. 99 Allegro Passionato
10 – Sonata for cello and piano no. 2 in F major, Op. 99 Allegro Molto

Daniel Müller-Schott – Cello
Francesco Piemontesi – Piano

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Domenico Scarlatti (1685-1757): 17 Sonatas – Zhu Xiao-Mei, piano ֍

Domenico Scarlatti (1685-1757): 17 Sonatas – Zhu Xiao-Mei, piano ֍

SCARLATTI

Sonatas

Zhu Xiao-Mei, piano

 

A miúda mulher oriental terminou de passar o aspirador de pó nos tapetes da sala e foi guardá-lo no armário que ficava embaixo das escadas. Na volta para a sala arrumou os CDs e livros que estavam espalhados sobre a linda coffee table ao lado do enorme sofá. Tudo parecia rotina, mais uma imigrante cumprindo um odd job, housecleaning – nossas diaristas aqui – no belo apartamento de alguém que a conheceu e a empregou. No entanto, ao terminar suas tarefas, no lugar de se arrumar e ir embora, a empregada abriu o piano e encheu o ambiente com as lindas melodias de uma sonata de Scarlatti.

Imagine se a dona da casa, a principal flautista da Orquestra Sinfônica de Boston, lá estivesse. Ficaria embasbacada com a beleza das interpretações destas antigas sonatas recriadas em seu maravilhoso instrumento pela estudante de piano do New England Conservatory of Music, Zhu Xiao-Mei.

Pois foi assim, durante seus anos de estudo em Boston, Zhu Xiao-Mei teve de trabalhar em tempo parcial fazendo bicos aqui e ali, para se manter. Até mesmo trabalhar para a flautista em troca de poder praticar em seu piano foi parte de sua trajetória até o sucesso. Ela que já havia passado muitas dificuldades em seus anos iniciais na China, durante a Revolução Cultural. Foi durante uma visita de Isaac Stern à China, em 1979, que ela conseguiu ser notada e acabou se tornando aluna do Conservatório em Boston. Mas todas estas dificuldades não a tornaram uma pessoa amarga, mas sim uma especial artista.

O livreto deste disco com 17 lindas Sonatas de Scarlatti, gravadas ao vivo na Sala Martinů da Academia de Música de Praga em 14 de janeiro de 1994, diz que força interior é o que caracteriza Zhu Xiao-Mei, além de luminosidade, limpidez e uma qualidade cada vez mais rara entre nós nos dias de hoje – modéstia. Ela é particularmente famosa por suas interpretações da música de Bach, mas este disco revela um mestre em Scarlatti. E como todo autêntico artista, ela não poupa críticas ao compositor. Xiao-Mei leu uma a uma todas as 555 sonatas de Scarlatti e não hesitou em dizer que considera algumas decepcionantes, mas dois terços delas contêm música de alta qualidade. Os aplausos só são ouvidos ao final da décima sétima sonata e o disco é arrematado com uma peça de Schubert, outro compositor que ela tem em alta conta.

Domenico Scarlatti (1685 – 1757)

  1. Sonata em mi maior, K. 531 (L. 430)
  2. Sonata em mi menor, K. 98 (L. 325)
  3. Sonata em sol maior, K. 124 (L. 232)
  4. Sonata em sol maior, K. 125 (L. 487)
  5. Sonata em si menor, K. 87 (L. 33)
  6. Sonata em si menor, K. 27 (L. 449)
  7. Sonata lá maior, K. 533 (L. 395)
  8. Sonata em ré menor, K. 32 (L. 423)
  9. Sonata em ré menor, K. 141 (L. 422)
  10. Sonata em fá sustenido menor, K. 142
  11. Sonata em fá sustenido menor, K. 25 (L. 481)
  12. Sonata em fá menor, K. 69 (L. 382)
  13. Sonata em fá menor, K. 481 (L. 187)
  14. Sonata em fá menor, K. 386 (L. 171)
  15. Sonata em si bemol menor, K. 128 (L. 296)
  16. Sonata em lá maior, K. 39 (L. 391)
  17. Sonata em lá maior, K. 113 (L. 345)

Franz Schubert (1797 – 1828)

  1. Allegretto em dó maior, D. 915

Zhu Xiao-Mei, piano

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Você não imagina a cara da flautista depois que Zhu Xiao-Mei mudou-se para Paris e foi morar em um lindo apartamento próximo do Sena e da Catedral de Notre-Dame…

Aproveite!

René Denon

Zhu Xiao-Mei

Giuseppe Verdi (1813-1901): “Luisa Miller” – ópera em três atos (Scotto, Domingo, Milnes, Kraft, Giaiotti, Morris, Levine)

“Lady Milford, do drama de Schiller, “Kabale und Liebe” (Intriga e Amor). Duquesa Federica na ópera “Luisa Miller” – gravura de Arthur von Ramberg, 1859.

Relacionamentos entre pais e filhos estão presentes em toda a dramaturgia verdiana. Sabe-se, ainda jovem, entre os 25 e 27 anos, Verdi perdera a família – dois filhos e a primeira esposa, Margheritta. Sobretudo, a perda da filha, com pouco mais de um ano, foi memória que o acompanhou pelo resto da vida, sempre levando-o às lágrimas…

Na obra do músico italiano, tais vínculos familiares sempre receberam especial atenção, desde “Oberto”, sua primeira ópera, passando por “Luisa Miller”, “I Vespri Siciliani”, até “Aída”… Assim, a relação entre Luisa e o pai era tema delicado, que evocava também afetos pessoais de Verdi…

Embora imbuído a escrever nova ópera patriótica, por circunstâncias diversas, Verdi desistiu para retomar o tema de “Luisa Miller”, adaptação do drama de Schiller – “Intriga e Amor”, que vinha esboçando há algum tempo. Assim, atendia o libretista Cammarano e o teatro “San Carlo”, desta feita, livrando-se da censura que, em Nápoles, seria rigorosa, dado o alinhamento com a Áustria e perspectiva de derrota da 1ª guerra de independência…

Um longo caminho seria percorrido até a unificação, cerca de dez anos, e nestas circunstâncias, certo arrefecimento das tensões políticas e confrontos bélicos. Assim, aconselhado e prudentemente, Verdi abordaria temas de maior lirismo, iniciando nova etapa criativa, onde “Luisa Miller” e “Stiffelio” formam prelúdio para “Rigoletto”, “Il Trovatore” e “La Traviata” – obras que marcariam o sec. XIX e o consagraram como compositor!

  1. Aspectos iniciais

Após estreia de “La battaglia di Legnano”, em Roma – 1849, Verdi retornou à Paris e, rapidamente, passou a tratar de nova ópera. Este ano marcaria também retorno à Italia, fixando residência em Busseto, sua terra natal. Na Itália, havia grande tensão política, com possível derrota da 1ª guerra de independência. Mas, Verdi mantinha-se confiante na causa do Resurgimento. Assim, pretendia colocar música em novo tema patriótico, particularmente, “L’assedio di Firenze”, texto de Guerrazzi, com libreto de Francesco Piave… Outros fatores, no entanto, o levaram a abandonar o projeto…

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, músico e entusiasta da unificação italiana.

Salvattore Cammarano, libretista que o estimulou compor “La battaglia di Legnano”, estava comprometido com o teatro “San Carlo”, de Nápoles. E Verdi solidarizou-se, embora estivesse rompido com o teatro napolitano. Mas, diante de circunstâncias políticas e revolucionárias adversas, Cammarano dissuadiria Verdi do tema patriótico…

A 1ª guerra de independência não lograria êxito e o reino de Nápoles manteria sua aliança com a Áustria… Portanto, a censura retornaria e mais rigorosa. Um longo período de reorganização seria necessário até novo enfrentamento da Áustria – cerca de dez anos… Assim, enquanto Verdi planejava “L’assedio di Firenze”, Cammarano resistia, trabalhava lentamente e não enviava o libreto, sem revelar as razões…

Verdi não tinha interesse pelo teatro “San Carlo”, fruto de divergências anteriores, à época de “Alzira”, sua 8ª ópera. Mas, estranhava a demora e insistia: “Lembre-se que componho esta ópera para atendê-lo. Se não tiver interesse, avise-me e não continuarei”… Por fim, Cammarano abriu-se e informou que a censura de Nápoles não liberaria “L’assedio di Firenze”… E propôs retomada de “Luisa Miller”, sobre texto de Schiller, “Intriga e Amor” (“Kabale und Liebe”), que Verdi trabalhava há algum tempo…

Friedrich Schiller – poeta e dramaturgo alemão do “Sturm und Drang”.

Verdi concordou, pelas circunstâncias e pelo autor, particularmente, dileto. De suas vinte e oito óperas, quatro abordaram temas de Friedrich Schiller, poeta e dramaturgo alemão. Assim, ganharam os palcos “Giovanna D’arco”, “I Masnadieri”, “Don Carlos” e “Luisa Miller”… 

Dado o temperamento e sensibilidade de Verdi, sua música exigia intensidade dramática. E dois autores marcaram o final do sec. VXIII e sec. XIX: Friedrich Schiller e Wolfgang Goethe, ambos identificados com o movimento “Sturm und Drang” (“Tempestade e Ímpeto”), na Alemanha…

“Sturm und Drang” ocorreu num período de grandes transformações na sociedade europeia. Do advento da modernidade e projeções das sociedades urbanas e burguesas, que impulsionaram mudanças políticas e econômicas, fomentadas pelos ideais iluministas. Sobretudo, a desigualdade de classes e rejeições à aristocracia e ao absolutismo foram ideais compartilhados pelo “Sturm und Drang” – causas da Revolução Francesa e outros movimentos de independência e unificação, ao longo do século XIX…

“Tomada da Bastilha” – evento da “Revolução Francesa”, 14/07/1789.

Além disto, firmava-se a crença de que a opinião pública tinha que preponderar, no lugar de tribunais de estado, que decidiam sobre atividades culturais. Portanto, avanços na liberdade de expressão e da chamada “esfera pública”, em Paris, formada por jornais, lojas maçônicas, cafés e clubes de leitura. Surgia também o consumidor pagante, que conquistava o direito de escolher suas leituras, teatro e ópera...  E com o tempo, a “esfera pública” evoluiria para discussão política…

E, se o Iluminismo descortinava as possibilidades da razão e do método científico, abrindo novas perspectivas ao avanço do conhecimento, uma desconfiança levantava-se diante da complexidade humana: a capacidade intelectiva, embora recurso, por óbvio, humano e formidável, possuía limites…

Daí a ênfase, no “Sturm und Drang”, dos sentimentos sobre a razão, na valorização da individualidade, das emoções e dos afetos – elementos subjetivos incompreensíveis e inalcançáveis pela razão, e que as artes, por seus meios, desde sempre, expressaram…

– Iluminismo e ascensão burguesa

René Descartes, filósofo iluminista francês – do racionalismo.

O Iluminismo ocorreu na França, Inglaterra e moveu a independência americana. E a expressão “penso, logo existo”, de René Descartes, trazia o ser humano para o centro, como nova referência da filosofia, no lugar de Deus no pensamento medieval…

O ser humano capaz de reconhecer a própria existência, observar e diferenciar-se do seu entorno; capaz de identificar eventos e classificá-los; de descobrir leis e relações; e finalmente, manipular a natureza, criando artefatos e amplos benefícios…

Neste período, cunhou-se também a expressão “conhecimento é, em si, um poder”, de Francis Bacon, que continha outro e imenso potencial: de um lado, um poder virtuoso, fruto do prazer intelectual e gerador de benefícios; e de outro, poder ambíguo, onde as sociedades, capazes de criar e produzir artefatos, projetariam sobre outras culturas e nações, poder econômico e militar, sobrepondo-se àquelas que não detivessem tais modelos de desenvolvimento…

Francis Bacon, filósofo iluminista inglês – do empirismo.

Francis Bacon refletiu sobre  política e ética no uso do conhecimento. E, fatalmente, era o advento do colonialismo e, depois, do imperialismo; do advento da burguesia e da nova sociedade de classes, da busca por matérias primas e da industrialização, por mercados e pela prática da concorrência; quando conectavam-se lugares, até então, desconhecidos e distantes, através de novas rotas comerciais – adventos do capitalismo, das supremacias e projeções geopolíticas…

O Iluminismo avançou também pelas áreas do direito e da política… Exerceu a crítica do absolutismo e propôs as bases do estado moderno. O estado democrático, plural e representativo, organizado em poderes independentes e complementares – ditos legislativo, executivo e judiciário, no lugar da centralidade absolutista… E novos embates ocorreriam após a queda da monarquia francesa!…

Assembleia Nacional Constituinte Francesa, 1789.

Durante a Revolução Francesa, os aristocratas sentaram à direita, no parlamento, na defesa de interesses econômicos, da Igreja e sistema de classes do “Acient régime”; e os comuns sentaram à esquerda, integrados pela burguesia, na defesa do republicanismo, secularismo e do livre mercado. Assim, deram origem às atuais denominações de orientação política – esquerda e direita

Naquele contexto, entretanto, camponeses, trabalhadores e os mais pobres, embora partícipes da revolução, não tiveram lugar… Sendo curioso observar que a esquerda, à época, era representada pela burguesia ascendente, propondo o capitalismo e a economia de mercado – portanto, liberal progressista!…

Representantes da burguesia (esquerda) e da aristocracia (direita), no parlamento revolucionário francês, 1789.

Neste período, defendeu-se as liberdades de pensamento, de imprensa e religiosa. Promulgou-se a “Declaração dos direitos do homem e do Cidadão”, inspirada na “Declaração de Independência Americana”, e propôs-se o estado laico, com separação entre estado e religião. E, sob o lema “Liberté, égalité, fraternité”, síntese do pensamento iluminista, liberal e burguês, defendeu-se a igualdade jurídica, mas não a igualdade social e econômica… Ainda assim, avanço substancial, dado que no absolutismo haviam diferentes códigos para cada classe social…

François-Marie Arouet – Voltaire, filósofo do Iluminismo.

Propôs-se o novo e incipiente estado democrático, onde a liberdade de pensamento e o direito à divergência estavam sintetizados na célebre frase de Voltaire: “mesmo discordando de alguém, defenderei até a morte o direito de dizê-lo”… E assim, organizavam-se a pluralidade e a representatividade das diversas demandas da sociedade, além de um novo conceito de indivíduo e cidadão…

Evidentemente, tais mudanças não ocorreram de forma linear, imediata ou pacífica. As classes aristocráticas organizaram-se e resistiram, na França e em outras nações. E, ao longo do sec. XIX, ocorreriam inúmeras revoluções e manifestos violentos… A desigualdade social e econômica permaneceria e a sociedade burguesa estabeleceu-se no poder, no controle da economia e influência no estado, contraposta pelos ideais socialistas e anarquistas, que passariam a organizar as classes trabalhadoras – o proletariado – e denunciar formas de exploração e dominação econômica…

O Iluminismo trouxe contribuições que marcaram o advento da “Era moderna”. Processos que ainda permeiam as sociedades atuais, em suas contradições e complexidades!…

“Frontispício da Enciclopédia”, 1772, de Cochin e Prévost. Imagem simbólica – no centro, a verdade, cercada por luz intensa; à direita, duas figuras, a razão e a filosofia retiram manto s/a verdade.

– Pré-romantismo alemão: “Sturm und Drang” (Tempestade e Ímpeto)

No contexto do Iluminismo e do Esclarecimento (“Aufklärung”) alemão, portanto, às vésperas da Revolução Francesa, as peças teatrais do “Sturm und Drang” emergiram na Alemanha. A proposta era totalmente oposta ao absolutismo e ao aristocratismo, a que chamavam Société d’Ancien Régime” e, neste aspecto, identificada com os ideais políticos iluministas

Mas, “Sturm und Drang” ia além. Se, de um lado, refletia um mundo sufocado por desigualdades, prestes a explodir, fomentado por aspirações burguesas De outro, afirmava a prevalência dos sentimentos sobre a racionalidade; e a presença de energias, espontâneas e incontroláveis, na natureza humana, que interferiam no comportamento. Assim, preconizava limites à razão, neste sentido, questionando o racionalismo…

“O Viajante observa um mar de Bruma”, de Caspar David Friedrich, pintor alemão. Manifesto romântico, à época do “Sturm und Drang”: a solitária figura humana conpempla a natureza.

O movimento defendia uma literatura intensa e contundente, através de cenas e textos explosivos: um gesto, um soco; um movimento, um salto; uma reação, fúria desmedida. Além de novas perspectivas para o amor e para a vida, diante de sociedade e costumes rígidos… Onde, não havendo saídas, restavam as reações últimas – impulsivas, violentas e autodestrutivas…

Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão do “Sturm und Drang”.

Ao explicitar a violência, “Sturm und Drang” apontava para a relevância dos sentimentos e para readequação dos valores… E o fazia através de uma literatura crua e rebelde, afirmativa de uma sociedade conflituada, mas em transformação; que demandava arte e cultura, mas era colocada no espelho – a nova sociedade burguesa…

Assim, os personagens eram movidos por ambição, vingança, ressentimento e reações extremas, por experiências sufocantes e dolorosas, por solidão e abandono, decepções e medo; sendo levados ao desespero, às explosões de fúria e instintos mórbidos…

Mas, “Sturm und Drang” foi, sobretudo, uma dramaturgia que buscou o sublime; que através da violência e do trágico, exaltou o amor, discutiu o stablishment e propunha reflexão – urgência no reconhecimento dos sentimentos e dos afetos…

Gravura histórica das próteses da mão do Gottfried von Berlichingen, após ter mão direita decepada, no cerco de Landshut, 1504.

Gottfried von Berlichingen da mão de Ferro”, 1773, de Goethe, foi obra inaugural do movimento. Através de estética transgressora, Goethe rompeu modelo neoclássico e apresentou um teatro livre e espontâneo, não subordinado às “três unidades aristotélicas” – de tempo, lugar e ação, sistematizadas por Nicolas Boileaux. No lugar,  elaborou enredo duplo, cerca de 50 cenários móveis e cenas vagamente encadeadas. E incluiu falas de baixo calão, desafiando as normas de decoro

A designação “Sturm und Drang” foi posterior, de 1776, e originou-se da peça, de mesmo nome, de Friedrich Maximilian von Klinger. Assim, tempestade e ímpeto – conflitos e impulsos – passaram a caracterizar um estilo dramatúrgico… À semelhança de Shakespeare e do teatro grego, Klinger procurava personagens intensos e evitava a rigidez formal do neoclassicismo, a que se opunha, estética e politicamente. Além disso, propôs retorno às raízes, à germanidade – certo nacionalismo incipiente

Com influências de Herder, Lessing e Hamann, abria-se novo campo literário, centrado no sublime e na subjetividade, na percepção de uma natureza humana inconstante e imprevisível. Também Rousseau, inicialmente, integrante do Iluminismo, incitou o romantismo, ao emitir conceitos como: “o homem nasce bom, mas torna-se mau pela cultura e pela formação”… Assim, “Sturm und Drang” questionaria, na dramaturgia, os costumes e os valores, apelando a uma ética que compatibilizasse sentimentos e prazer…

Friedrich Maximilian von Klinger,
dramaturgo alemão, autor da peça teatral “Sturm und Drang”.

“Sturm und drang” exerceu intensa influencia no “Romantismo”. Uma estética capaz de estimular a criação de personagens exaltados ou sombrios; onde a razão e os sentimentos subexistiam, turvados ou suplantados pela dor, distorcidos pelo ressentimento e pelo ódio, por sensações amargas e impulsos agressivos, pelas desilusão e descrença no outro e no mundo… Mas, uma literatura pela afirmação dos afetos, do amor e das paixões…

Portanto, temáticas especiais para a concepção e descortino de personagens e dramas intensos, além de grande efeito teatral… Para a ópera e, em especial, para Verdi, uma temática rica e exploratória, pelo realismo e amplitude emotiva!

– “Sturm und Drang” na música

C.P.E Bach, compositor alemão,
transição do barroco e precursor do rococó-classicismo .

Na música, “Sturm und Drang” tem sido associado, sobretudo, aos tons menores e sombrios, também aos acentos e contrastes rítmicos e melódicos, que possibilitam surpreender e apelar ao dramático – expressando ansiedade, conflito, angústia e desespero…

Assim, no “rococó-classicismo”, do sec. XVIII, algumas obras de Carl Phillip Emmanuel Bach, Haydn e Mozart, tem sido consideradas “Sturm und Drang”. No entanto, neste período, predominava outro estilo – Empfindsamkeit”, o sentimentalismo ou estilo sensível, sucedâneo da “Affektenlehre” – teoria barroca dos afetos, que buscava variedade de sentimentos e mudanças bruscas de humor, no decorrer de um trecho ou obra musical. Contemporâneo do iluminismo e do racionalismo, o estilo sensível foi explorado por músicos de transição, como C.P.E. Bach; ou inovadores, como Johann Stamitz…

Para tanto, gradualmente, abandonou-se o baixo continuo e centrou-se a base orquestral nas cordas, com maior leveza rítmica e dinâmica – como crescendos e diminuendos, ausentes no barroco. E também propôs-se o conceito de “paleta orquestral” – variedade de timbres instrumentais associados às mudanças afetivas…

Figurino para ópera “Armide”, de C.W. Gluck.

Através da “paleta orquestral”, típica do “rococó-classicismo”, instrumentos não mais executariam de forma permanente e contínua. Mas, apareceriam alternada e ocasionalmente, de acordo com as características melódicas, rítmicas e expressivas… Recursos que ressaltavam a individualidade e beleza dos timbres; do ataque de pequenos grupos ou do tutti orquestral, criando nova variedade de cores e sensações no transcorrer de uma peça. Nascia a orquestra clássica, típica da escola de Mannhein, da ópera neo-clássica e das sinfonias de Haydn e Mozart – base da moderna orquestra sinfônica…

E vários recursos dinâmicos seriam inventados: “foguete de Mannheim”, linha melódica arpejada em rápida ascensão; “suspiro”, enfatizando a primeira, de duas notas descendentes; “gorgeio”, imitação de pássaros; ou “grande pausa”, quando o conjunto instrumental cala, subitamente, para retomar em seguida e com vigor…

“Foguete de Mannhein” – tema do 4º mov. da Sinfonia 40, Mozart.

Neste período empreendeu-se também reforma da ópera, com influência iluminista e associada aos novos estilos neo-clássico e pré-romântico, inaugurada por “La Serva Padrona”, de Pergolesi, 1750 – inclusão de personagens humanos, no lugar da mitologia. Christoph Willibald Gluck defenderia que música e texto deveriam complementar-se com maior simplicidade na expressão dramática, além de abandonar-se a pompa e complexidade da ópera barroca – “Orfeo e Euridice”, 1762 E, finalmente, Mozart, assimilando inovações de época, criaria síntese notável, tornando-se grande expressão da ópera do sec. XVIII…

Retrato inacabado de Mozart – por Joseph Lange, 1782.

Estilo sensível – “Empfindsamkeit”, portanto, antecedeu o exacerbado e eloquente “Sturm und Drang” – mais literário e centrado na individualidade. De outro, “Sturm und Drang”, que durou cerca de 15 anos, refletia também aspirações políticas do final do sec. XVIII. De uma Europa pré-revolucionária, onde regimes vigentes seriam contestados… Assim, uma nova estética, necessariamente, romperia normas e se oporia ao equilíbrio e ao racionalismo vigentes, para expressar, com maior crueza, sentimentos violentos e destrutivos, de certa forma, latentes naquelas sociedades e prestes a explodirem…

Compositor contemporâneo, cujas características, notavelmente, poderiam estar associadas ao “Sturm und Drang”, foi Ludwig van Beethoven, pelo experimentalismo, ruptura permanente e amplitude expressiva. Sua música, exuberante em ímpeto e dramaticidade, parece refletir aquele mundo em convulsão, transformações e liberação de energias… E sua música deu lugar também à alegria, ao entusiasmo e à exaltação da liberdade…

Ludwig van Beethoven, compositor que musicou obras de Schiller e Goethe – autores alemães do “Sturm und Drang”.

Atento ao seu tempo, Beethoven apoiou aqueles ideais revolucionários, democráticos e republicanos, opondo-se ao “Ancien régime”… Além disto, conviveu com Goethe e foi leitor de Schiller: “a dificuldade de musicar-se um grande poema está em elevar-se ao nível do poeta”… “E quem pode fazê-lo no caso de Schiller?”, dizia… Por afinidade ou não, admitia Goethe mais simples… E, de certa forma, justificava-se, pois musicou várias obras de Goethe e poucas de Schiller, mesmo quando o eternizou em “Ode an die Freud!”

A música de Beethoven não ganhava forma nas primeiras ideias e inspirações. Necessitava renovar-se, permanentemente, buscar identidade poética e individualidade… Assim, cada obra era escrita e reescrita – riscada, suprimida e acrescida de elementos musicais, até adquirir clareza e unidade… Sobretudo, os contrastes temáticos sugeriam turbulência e conflito, bases da dinâmica e do drama beethoveniano: a sonata forma. Junto com a dramaturgia “Sturm und Drang”, Beethoven projetou-se no séc. XIX – referências do romantismo…

  • Goethe e Schiller
Wolfgang Goethe e Friedrich Schiller, autores do “Sturm und Drang” – monumento em Weimar, Alemanha.

Nascia uma literatura que refletia a sociedade de seu tempo e colocava os jovens em nova perspectiva. Quando aspirações individuais e afetivas se contrapunham à rigidez educacional e costumes estabelecidos, tais como escolhas profissionais e casamentos… Assim, transcorre “Os sofrimentos do jovem Werther”, apaixonado por Charlotte, e esta, destinada a Albert. A obra de Goethe instigou e sensibilizou sua época. Causou imenso impacto, dado o final trágico de Werther, que preferiu a morte, a renunciar os ideais afetivos… E, ironicamente, o romance não deixa claro se havia reciprocidade de Charlotte; ou estrita fantasia, afetiva e pessoal, do jovem Werther

“Sturm und Drang” apontava para o reconhecimento e legitimação deste universo subjetivo, para a congruência entre sentimentos, concepções de família e amor conjugal; e ocorria, paralelamente, ao novo e incipiente estado representativo e democrático, que trazia nova noção de cidadão e indivíduo… Assim, as paixões e o estar enamorado passariam a integrar os sonhos das novas gerações, por vezes, transformando-se em experiências frustrantes, trágicas e até suicídios…

“O Sofrimento do jovem Werther”, gravura do romance de Goethe.

Friedrich Schiller

Friedrich Schiller – dramaturgo alemão, autor de “Kabale und Liebe”.

Inicialmente, destinado a ser pastor, Schiller optou pela academia militar de Karlshue, onde realizou estudos de direito e, após, concluiu curso de medicina… Neste período, aprofundou leituras, passando por Plutarco, Shakespeare, Goethe, Lessing e Kant, além dos iluministas franceses e Rousseau. Finalmente, identificou-se com Sturm und Drang, movimento literário e teatral alemão…

Sturm und Drang anunciava a decadência do aristocratismo e projetava a ascendente sociedade burguesa – novo foco cultural e político. E, neste contexto, denunciava valores, costumes, hipocrisia e dissolução de relações familiares… Assim, o abastado personagem conde Moor, em “Die Rauber”, sobreviveria para testemunhar os filhos se matarem e a família extinguir-se… Drama que causou profundo impacto na sociedade alemã e motivou reflexão sobre valores e afetos familiares... Tal como em “Luisa Miller”, a obra de Schiller teve música de Verdi – na ópera “I Masnadieri”…

“Kabale und Liebe”, capa da 1ª edição alemã, 1784.

E à semelhança de “Werther”, em “Kabale und Liebe”, Schiller tratou do tema do amor, que, para eternizar-se, também terminaria em tragédia… Assim, Ferdinand, pertencente à aristocracia, diante do pai, reafirmaria seu amor por Luisa – um amor inegociável… E, se o casamento era impossível, restava realizá-lo na morte dos amantes. Ferdinand, em desespero, envenena a jovem, filha de um músico pobre, por quem se apaixonara, e suicida-se…

Uma nova sociedade requeria uma nova arte. Assim, à medida que a burguesia afirmava-se política e economicamente, ganhando protagonismo social; de um lado, passava a demandar arte e cultura; e de outro, costumes e valores vigentes seriam discutidos na literatura e no teatro, além de novas concepções de felicidade e prazer – objetos da filosofia e das artes, ao longo do sec. XIX…

Neste contexto, jovens músicos, como Clara e Robert Schumann, se apaixonaram e fariam valer sua união, desafiando o pai de Clara, inclusive em demandas judiciais, quando obtiveram autorização legal para casarem – o amor romântico...

Robert e Clara Schumann, músicos do romantismo.

E, até o trágico final, Robert enviaria cartas à Clara, reafirmando seu amor: “Oh! se eu pudesse te rever, falar-te mais uma vez”. E, chamada às pressas, Clara presenciaria os últimos momentos de consciência de Robert: “Ele sorriu e, com grande esforço, me abraçou. Não trocaria esse abraço por todos os tesouros do mundo”… Depois da morte de Robert, Clara empenhou-se em preservar e divulgar a obra do marido…

Literatura pré-romântica e 15ª ópera: “Luisa Miller”

Tal literatura e dramaturgia adentraram o sec. XIX, caracterizando o romantismo. A subjetividade, a individualidade e a vida burguesa seriam objeto da música e da ópera. E a temática histórica, da fase inicial de Verdi, associada à política e ao Risorgimento, de um jovem idealista, seria acrescida desta literatura, romântica e pré-romântica, em parte escrita no sec. XVIII e muito relevante no XIX, tratando da vida burguesa, seus costumes e valores…

Fachada “Teatro San Carlo”, Nápoles, Itália – estreia de “Luisa Miller”, 1849.

Assim, dos ambientes e personagens históricos, dos temas épicos e patrióticos, Verdi migrava para o microcosmo da vida familiar, do ambiente da casa, dos afetos e dramas individuais, da vida em sociedade… “Sturm und Drang” oferecia ampla literatura e dramaturgia a respeito. E Verdi leu estes autores, precursores do romantismo, além de Byron, Shakespeare e outros…

Uma extensa literatura e poesia, capaz de inspirar compositores, fosse para os lied e canções, para os oratórios e cantatas, fosse para ópera… E a contundência dos sentimentos e dos conflitos, tributárias de desejos intensos e reações limites, do teatro de Schiller e Shakespeare, seriam abordadas por Verdi – o realismo verdiano!…

Interior do Teatro “San Carlo”, Nápoles – estreia de “Luisa Miller”, em 08/12/1849.

Assim, se a decadência e extinção de uma família, frutos da competição e ambição, do ciúme e do ódio exacerbados entre irmãos, seriam retratadas em “I Masnadieri”; em “Luisa Miller” e “La Traviata”, a vida burguesa ganhava os palcos, levando a plateia enxergar a si mesma, através de seus desejos, paixões e frustrações – dos sentimentos, que, por vezes, colidiam com os costumes e valores… E, à medida que Verdi adentrava estas leituras, universo de possibilidades expressivas e teatrais invadia sua imaginação – intenso mergulho no comportamento e nas relações humanas…

Tanto em “Luisa Miller” e, posteriormente, em “La Traviata”, existe um tratamento especial de Verdi, de delicadeza e consternação diante da figura feminina, seja pela juventude e inexperiência de Luisa, frente à sordidez e intransigência social; ou na pureza dos sentimentos de Violetta, diferenciados da vida mundana de cortesã, que resignificavam sua existência… Personagens femininos trágicos, que se revelavam na sinceridade dos afetos, mas sucumbiam resignados ou vítimas das contingências… Alguns autores definem estas óperas, dado o intimismo e singularidade, como “pequenas joias” na dramaturgia verdiana…

Salvattore Cammarano, libretista de “Luisa Miller”.

A temática de “Luisa Miller” trará novo colorido à obra verdiana, que se repetirá em “Stiffelio” e culminará em “La traviata”… Onde tudo que motiva a existência está encoberto e inacessível à razão, não raro, surpreendendo e desafiando o aparente “bom senso”… Está no interior humano, em processos subjetivos, que sabotam e confundem a consciência e o convívio social… Assim, Rodolfo, sob máxima tensão e frustração, envena  Luisa e suicida-se… Uma dramaturgia que apontava para campos misteriosos, tão íntimos que nem a consciência os alcançava…

Quem sabe, aproximando-se das reflexões de Imannuel Kant, ao final do sec. XVIII: “a humanidade marcha sem descanso para questões que não poderão ser resolvidas pelo uso empírico da razão, nem por princípios dela emanados”…

Convencido Verdi da nova temática, de forma rápida e surpreendente, Salvattore Cammarano enviou uma sinopse de “Luisa Miller”, ao contrário da demora e relutância com “L’assedio di Firenzi”. E, nesta época, dois temas fascinavam Verdi, para os quais esboçou planos que nunca concretizou: “L’assedio di Firenzi” e “Rei Lear”

– Retorno à Itália e estreia de “Luisa Miller”

Giuseppe Verdi, músico romântico do sec. XIX, pintura de 1850.

Verdi morou em Paris por dois anos, 1847 a 1849, onde estreou “Jerusalém”, concluiu “Il Corsaro” e compôs “La Battaglia di Legnano”. E, em 1848, havia adquirido propriedade no vilarejo natal, arredores de Busseto, chamada “Vila Sant’Agata”. Assim, com a nova companheira e futura esposa, Giuseppina Strepponi, planejava retornar e fixar residência na Itália

Para ambos, era momento delicado na vida pessoal e familiar. Para tanto, Giuseppina precisava resolver assuntos em Firenze e Verdi foi à Roncole fazer preparativos. Antes do relacionamento com Verdi, Giuseppina foi mãe de três crianças e necessitava encaminhar a educação do filho mais velho, Camillo. A vida de Sttrepponi, anterior à união com Verdi, alternou intensa atividade como diva, que brilhou em papéis principais de Rossini, Donizetti, Bellini, Mercadante e outros; entremeada por diversos affairs amorosos, que resultaram em gravidezes… Assim, a educação de Camillo foi entregue ao escultor Lorenzo Bartolini, que aceitou o menino e solidarizou-se com Giuseppina… Ainda hoje, biógrafos são controversos neste período da vida de Giuseppina

Clelia Maria Josepha Strepponi, conhecida como Giuseppina Verdi Strepponi, soprano renomada e esposa de Verdi por cerca de 50 anos.

De outro, familiares de Verdi eram pessoas simples, campesinos do interior de Roncole, que na ausência de Verdi cuidavam de “Villa Sant’Agata”. Tanto que o pai, Carlo, frequentemente, mandava notícias: “quase todas as vacas deram cria e à contento… então, organizei os estábulos”... Mas, Giuseppina estava apreensiva, pois seria apresentada à família e aos amigos de Verdi – sobretudo, Antonio Barezzi, protetor e pai da primeira esposa, Margheritta, a quem Verdi, pelo resto da vida, trataria como sogro

Verdi e Giuseppina chegaram à Busseto em julho/1849 e, inicialmente, moraram no Palazzo Orlandi. Giuseppina sentiu as tradições religiosa e coservadora muito presentes, sobretudo, diante de uma mulher do teatro, que vivia com um homem, não sendo casados… E Verdi, diante da falta de receptividade e preconceitos locais, aparentava indiferença, mas preocupava-se por Giuseppina, que sofria muito, evitava passear pela cidade ou frequentar a Igreja…

Ao instalarem-se no Palazzo Orlandi, Verdi passou à composição de “Luisa Miller” e concluiu as partes vocais. Em outubro, partiu para Nápoles, com Barezzi. E, passando por Roma, depararam-se com epidemia de cólera, permanecendo em quarentena. Após três semanas de coche, chegaram à Nápoles. E Verdi deparou-se com descumprimento financeiro, pelo teatro “San Carlo”, lançando ultimato: dissolução imediata do contrato! Estabeleceu-se uma querela, entre ameaças de prisão e fuga de Verdi, com pedido de asilo à França – através de navios franceses, fundeados em Nápoles…

Antonio Barezzi, patrono, amigo e pai da 1a esposa de Verdi. Barezzi acompanhou Verdi à Nápoles, na estreia de “Luisa Miller”.

Finalmente, situação resolveu-se e iniciaram os ensaios… Como de costume, Verdi deixava a orquestração para o final e, dado os entreveros e atrasos, Barezzi retornou à Busseto, sem assistir a estreia. E perdeu outra querela, então, de Verdi com compositores locais – conta-se, um tal Vicenzo Capecelatro, dito de “mau olhado”, desejava derrubar Verdi e teria sido responsável, anteriormente, pelo fracasso de Alzira, sua 8a ópera…. E na estreia de “Luisa Miller”, o cenário do 1° Ato desabou, quase atingindo Verdi. Segundo desconfiança local, pela presença de Capecelatro, nas coxias… Outra suspeita, de Verdi, era que tais sabotagens tinham relação com política e sua adesão ao Risorgimento… Apesar disso, a estreia foi um grande sucesso, em 8/12/1849. Mas, Verdi sentia-se esgotado e deixou Nápoles jurando nunca mais retornar! 

Com o sucesso de “Luisa Miller”, Verdi ganhou confiança e sentiu-se capaz de colocar música tanto em temas épicos e patrióticos, quanto urbanos e domésticos… E, no periodo que segue, dois novos convites: uma ópera para Casa Ricordi e outra para o teatro “La Fenice”, de Veneza. De início, Verdi interessou-se pelo tema de Stifellius, tradução italiana do  romance “Le pasteur d’hommes”, de Émile Souvestre, que Francesco Piave enviara; de outro, empolgou-se com a leitura de Victor Hugo, “Le Roi s’amuse”, que resultaria em “Rigoletto”… Afora a dramaturgia de Schakespeare, que o encantava e perseguia…

“Villa Sant’Agata”, adquirida por Verdi, 1848, na cidade natal, Busseto, Itália, onde morou com Giuseppina Strepponi, a partir de 1851.

Dois anos se passariam até a mudança para “Villa Sant’Agata”, nos arredores de Busseto, maio/1851, hoje chamada “Villa Verdi”… Os familiares de Verdi deixariam o local e, em oito anos, 1859, Giuseppina e Verdi se casaram e seguiram juntos até a morte da esposa, em 1897 – perda que muito o entristeceu… Giuseppina, desde o início, o apoiou na carreira, cantou nas estreias de Oberto e, depois, Nabucco, além de acompanhar o processo criativo e colaborar de várias maneiras, graças ao senso dramático e musical; e à fluência em inglês e francês…

A ópera se consolidara na Europa, através de prestigiada indústria cultural e imenso público pagante – expetáculo popular e burguês, por excelência… E Verdi tornara-se músico bem sucedido, artística e financeiramente… À época, tal como se diz hoje, desejava-se muita sorte – ou muita “merde!”… Uma alusão à quantidade de carruagens que chegavam aos teatros e, quanto mais cavalos a defecar no entorno, maior sucesso na bilheteria…

“Merde!”… Irônico e tradicional desejo de boa sorte, entre os artistas. Quanto mais carruagens e cavalos a defecar nas proximidades dos teatros, maior sucesso artístico e financeiro…
  1. Libreto e Sinopse de “Luisa Miller”
  • Adaptação de “Kabale und Liebe”

Na ópera “Luisa Miller”, Cammarano fixou libreto em três atos, no lugar dos cinco atos da peça de Schiller. E, para maior compreensão do drama, deu títulos: 1º ato –“Amor”; 2º ato – “Intriga” ; 3º ato – “Veneno”. O texto de Schiller contrapõe a expontaneidade e reciprocidade do amor entre dois jovens, Luisa e Rodolfo, aos interesses do pai de Rodolfo, de casá-lo com a duquesa Federica, em busca de conveniências sociais e financeiras, através da união de bens e projeção política – aspirações aristocráticas, onde o pai de Rodolfo caracteriza personagem oportunista e até criminoso, que conquistara títulos de forma suspeita…

Assim, em tom amargo, mas sensível, o idealismo romântico, frente ao oportunismo social, não triunfará. E o amor sucumbirá diante de emaranhado de intrigas e manipulações; restando perpetuar-se na morte dos jovens amantes, dado as naturezas de Rodolfo e Luisa… O drama também contrasta a relação afetiva, amorosa e protetora, entre pai e filha – Miller e Luisa; com a relação contaminada pelo poder e pela fortuna, entre pai e filho – Walter e Rodolfo…

“Morte de Luisa Miller”, imagem de capa da 1ª Edicão Ricordi.

Considerando a censura e situação conturbada, na Itália, Cammarano evitou demasiada ênfase na crítica política e direcionou o drama para a dimensão privada, com certo caráter pastoral… Assim, mudou nomes e transferiu personagens e ação, de uma corte principesca, na Alemanha, no sec. XVIII, para uma recôndita aldeia, no Tirol, no sec. XVII…

“Kabale und Liebe” seria a última peça de Schiller no estilo “Sturm und Drang”… Ambientada no sec. XVIII, os distanciamentos sociais eram imensos e códigos legais diversos para cada classe social – abolidos na Revolução Francesa, quando igualdade jurídica foi avanço notável, mesmo que formal...

Sobretudo, o personagem Luisa, em Schiller, é jovem altiva e determinada, que defende sentimentos como direitos legítimos: “quando a barreira da desigualdade cair, quando esta odiosa diferença de condição se descolar de nós como uma casca, e os homens forem apenas homens”… Enquanto no drama verdiano, adquire caráter sensível e dócil, inclinada à submissão e aos valores de “classe inferior”...

Assim, na ópera de Verdi, pelas circunstâncias sociais e culturais, Luisa é personagem inclinado à renúncia e à resignação, à solidão e ao abandono, remetendo ao patético e ao sentimental; no lugar da altivez e coragem do personagem de Schiller, que remete à resistência e ao heroico. De outro, com certa ironia e alternando caráter e personalidades, Schiller apresenta, na mãe de Luisa, o personagem oportunista que vem “de baixo”, cuja ambição é, de fato, ascender socialmente através da filha…

Finalmente, a duquesa Federica – Lady Milford no texto original apaixonada por Rodolfo, ao perceber não ter o afeto do rapaz e ser alvo de trama sinistra, torna-se personagem veemente e crucial na crítica política, e percepção da decadência do aristocratismo. No entanto, perde protagonismo na ópera, assim como a mãe de Luiza… Mesmo com o drama de Schiller desvirtuado, o libreto de Cammarano é convincente e a ópera comovente, ao manter o intimismo; a afirmação trágica, mas intransigente do amor; e as hipocrisia e cinismo da sociedade aristocrática e burguesa – captando várias intensões do texto de Schiller… 

Para os apreciadores de Verdi, todas as óperas são de profundo interesse, integrando fabulosa trajetória criativa. No entanto, alguns autores destacam Luisa Miller – 15a ópera, entre as quatro grandes óperas que Verdi compôs, até então, junto com Nabucco, Ernani e Macbeth…

  • Sinopse de “Luisa Miller”
Figurino para “Luisa”, na ópera “Luisa Miller” – arquivo Ricordi.

Ação ocorre numa aldeia do Tirol, primeira metade do século XVII.

  • Personagens: Conde Walter (baixo); Rodolfo, filho de Walter (tenor); Miller, velho soldado (barítono); Luisa, sua filha (soprano); Federica, duquesa, sobrinha de Walter (mezzo); Laura, camponesa, amiga de Luisa (contralto); Wurm, serviçal de Walter (baixo); um camponês (tenor);
  • Coros: Damas de honra de Federica, pajens, membros da família, arqueiros e aldeões.

A ópera inicia com “Ouverture” (abertura orquestral)

  • Ato 1 – “Amor”

Cena 1: Numa aldeia do Tirol

Numa aldeia do Tirol, vizinhos comemoram aniversário de Luisa, filha de Miller, um velho e reformado soldado. Em coro, os aldeões fazem uma serenata “Ti desta, Luisa!” (“Desperta, Luisa!”). Luisa vive as primeiras fantasias e está apaixonada por Carlo, um rapaz que conheceu na aldeia. Entretanto, Miller, pai austero e protetor, está incerto diante deste amor misterioso…

Marietta Gazzaniga, soprano – “Luisa”, na estreia de “Luisa Miller”, 1849.

Mas, Luisa despertara para o amor e se expressa na ária “Lo vidi e’l primo palpito” (“Eu o vi e primeiro amor palpitou meu coração”), onde fala da afeição e esperança de reencontrar Carlo entre os aldeões… Em seguida, Carlo entra e Luisa mostra seu encantamento. Então, os jovens enamorados cantam o brilhante duetto “T’amo d’amor ch’esprimere” (“Te amo com um amor além do que as palavras possam expressar”)… Cena concluiu-se em concertato…

Os aldeões afastam-se e entra Wurm, um serviçal da corte, também apaixonado por Luisa. Wurm aproxima-se de Miller e reitera sua intenção de casar-se com Luisa. Miller dera certa abertura à aproximação, mas responde não ter intenção de impor casamento contrário aos desejos da filha, na ária “Sacra la scelta è d’un consorte” (“A escolha de um marido é sagrada”)…

Casualmente, Wurm é serviçal do conde Walter, pai de Carlo. E, frustrado com a resposta de Miller, revela ser Carlo um falso nome… O verdadeiro nome do apaixonado de Luisa é Rodolfo, filho de seu patrão. Então, Wurm deixa o local e Miller, surpreso e apreensivo, confirma sua desconfiança, mostrando-se ora desapontado, ora irritado com a situação, na cabalettaAh fu giusto il mio sospetto” (“Ah! Minha suspeita estava correta”)…

Achille De Bassini, barítono – “Miller”, na estreia de “Luisa Miller”. Atuou em diversas óperas de Verdi – Litografia Josef Kriehuber, 1854.

Cena 2: no castelo do conde Walter

De volta ao castelo, o ressentido Wurm informa conde Walter da afeição de Rodolfo por uma jovem aldeã. Walter chama o filho a sua presença. E, se Miller, pai de Luisa, ficou desapontado com os fatos, muito indignado ficará o conde, expressando toda contrariedade na ária “Il mio sangue la vita darei” (“Daria o sangue da minha vida”). Além de traição, Walter considerava a conduta de Rodolfo um castigo pessoal, fruto de irregularidades cometidas no passado… Luisa era uma aldeã sem perspectivas, filha de um velho e pobre soldado, enquanto Rodolfo pertencia à aristocracia…

E, à chegada de Rodolfo, Walter lhe apresenta um plano. Revela sua intenção de casá-lo com a duquesa Federica von Ostheim – jovem, rica, viúva e influente na corte… E recomenda que Rodolfo aproveite à vinda da duquesa ao castelo, vá ao seu encontro e peça em casamento, no duettino “Taci, È la duchesa! Incontro adessa moviam” (“Quieto, é a duquesa! Ao encontro.”)…

Figurino para “duquesa Federica”, da ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Rodolfo atende determinação do pai e, à chegada de Federica, aproxima-se. Ambos cantam o duetto “Dall’aure raggianti di vano splendor” (“Com aura radiante de vão esplendor”). Com sinceridade e na esperança de compreensão, Rodolfo confessa amar outra mulher. As palavras de Rodolfo surpreendem Federica, que estava apaixonada e aguardava pedido de casamento. A reação foi de dor, ciúme e revolta, sobretudo, ao sentir-se trocada por uma simples aldeã, sem posição, nem fortuna E ambos, Federica e Rodolfo, revelam os sentimentos e indignação no duettoDeh! La parola amara perdona al labbro mio” (“Por favor, perdoe meus lábios pelas palavras amargas”)…

Cena 3: arredores da casa de Miller

A cena abre com coro de caçadores “Sciogliete i levrieri!…” (“Dispersem os cães!…”). Luisa está em casa, à espera de Rodolfo. E Miller, que havia ido ao castelo, retorna furioso e com novas informações. Além do verdadeiro nome e posição social, agora sabia, através do intrigante Wurm, do iminente casamento de Rodolfo com a duquesa. Miller revela à Luisa, mostrando quanto estava sendo enganada e por um nobre aventureiro…

Neste ínterim, Rodolfo chega e admite suas insegurança e fraqueza, ao esconder o verdadeiro nome. Mas jura que seu amor é sincero. E adverte, se o conde se opusesse ao casamento, saberia como demovê-lo. Finalmente, ajoelhando-se diante de Miller, pede Luisa em casamento…

Figurino para “Rodolfo”, da ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Lúgubre sonoridade na orquestra anuncia chegada, inesperada, do conde, que havia saído para caçar… Conde Walter entra ofendendo Luisa. Indignado, diante da humilhação da filha, Miller ameaça vingança. E o conde ordena as prisões do velho soldado e sua filhaRodolfo intercede, mas o conde está inflexível. Então, Rodolfo ameaça o pai com uma revelação secreta: “de como conquistara o título de nobreza”… Surpreso e temeroso, o conde ordena solturas de Miller e Luisa

A cena é pontuada por intenso e magnífico quartetto, onde Rodolfo, à chegada do conde, canta “Tu, tu, signor fraqueste soglie! Ache vieni?(“Tu, senhor, nestas redondezas! A que vens?). Então, conde Walter agride Luisa em “Puro amor… L’amore abbietto di venduta sedutrice” (“Amor puro… Amor abjeto de vendas sedutoras”). Em defesa da filha, Miller responde: “A me portasti grave insulto! Io fui soldato!” e ameaça vingança. Conde manda prender Miller e Luisa. Mas, Rodolfo ameaça:“Trema! Svelato agl’uomini sara dal labro mio come giungeste essere conte Walter!” (“Trema! Pois, aos homens será revelado, dos meus lábios, como você tornou-se Conde Walter!”). Conde Walter liberta Miller e Luisa, e a cena cresce em tensão e comoção, finalizando no grande concertato “Fra mortalli ancora opressa” (“Entre mortais oprimidos…”). E conde Walter saí ao encontro de Rodolfo, que, furtivamente, deixara o local…

  • Ato 2 – “Intriga”

Cena 1: num quarto na casa de Miller

Na aldeia, Luisa está em casa e sua amiga, Laura, e outros vizinhos trazem más notícias, na cena e coro “Ah! Luisa, Luisa ove sei?” (Ah! Luisa, onde você está?”). Conde Walter decidira ignorar as ameaças de Rodolfo, e seu pai fora preso e arrastado por correntes. Luisa se desespera e decide ir ao castelo, mas chega Wurm, confirmando que Miller fora preso e terá pena de morte, por afrontar o conde

Figurino para “Luisa”, da ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Ardiloso, Wurm tenta convencer Luisa, no intuito de salvar seu pai, a escrever uma carta endereçada ao próprio Wurm, em “Eppure tu puoi salvarlo” (“No entanto, você pode salvá-lo”)… Onde Luisa confessaria que fora levada pela ambição, ao aceitar as insinuações de Rodolfo, mas que nunca o amara. Além disto, revelaria que seu verdadeiro amor era Wurm, em “Wurm, Io giammai Rodolfo amai…” (“Wurm, eu jamais amei Rodolfo…”) e que, diante do plano fracassado, propunha fuga da aldeia com o próprio Wurm – um conjunto de falsas alegações, que a prenderiam ao lado de Wurm, mas, quem sabe, libertariam seu pai, o velho Miller… Intercalados às falas e proposta de Wurm, ouvem-se curtos lamentos melódicos, em solos da orquestra…

Luisa, inicialmente, resiste à proposta, na grande ária “Tu puniscimi, O Signore”  (“Castiga-me, Senhor”). Mas, Wurm insiste, inclusive, ditando as frases, em “Sulcapo del padre, spontaneo lo escrito” (“Pela cabeça de meu pai, espontaneamente escrevo…”). E, finalmente, temendo pela vida do pai, Luisa decide escrever a carta, na cabaletta “A brani, a brani, o pérfido” (“Oh! Desgraçado! Oh! Pérfido”), onde amaldiçoa Wurm, que servia-se da fragilidade e imbroglio, para chantagea-la e obter compromisso matrimonial. Assim, Luisa via-se obrigada a renunciar ao amor por Rodolfo. E, em desespero, canta “Di morte io fero brivido tutta” (“Diante da morte, tremo toda”) e “Speranza nutro ancor” (“Esperança, ainda alimento”)…

Cena 2: numa sala do castelo de Walter

Antonio Selva, barítono – “Conde Walter”, na estreia de “Luisa Miller”, 1849.

No castelo, conde seguia articulando o futuro de Rodolfo. À chegada de Wurm, este informa que o plano seguia à contento. Luisa escrevera, de próprio punho, a almejada carta, renuciando à Rodolfo e humilhando-se… Conde Walter, no entanto, ainda temia que Rodolfo revelasse seu segredo – que “não foram assaltantes que assassinaram o antigo conde, seu primo, mas ele próprio, em cumplicidade com Wurm”, para pleitear herança, entre títulos e patrimônio… Assim, ambos percebem que deveriam continuar cúmplices, pois ainda corriam risco de desmascaramento, no sórdido duetto “L’alto retaggio non ho bramato” (“A nobre herança de meu primo”) e, depois, em “O meco incolume sarai, lo giuro!” (“Comigo você ficará ileso, eu juro!”)…

Entram a duquesa Federica e, depois, Luisa, acompanhada por Wurm. E, dando sequencia ao plano, Walter revela à duquesa que a relação de Rodolfo com Luisa era um golpe, um jogo de sedução a fim de envolver os sentimentos do filho e obter vantagens. A presença de Luisa, diante de Federica, portanto, era para obrigá-la a jurar que seu verdadeiro amor era Wurm… E, assim, Walter recuperaria a confiança de Federica, que também estava sendo manipulada… Sem alternativas, Luisa confirmou o conteúdo da carta…

A cena desenvolve-se em novo quartetto, com Walter, Federica, Luisa e Wurm, iniciando em recitativo… Conde Walter dirigi-se à Federica, em “di Luisa il cuore mai Rodolfo non ebbe” (“Rodolfo nunca teve o coração de Luisa”), ao que Federica pergunta: Fia vero? I chi potrebbe attestarlo?” (“É verdade? E quem poderia atestar isso?”), e Walter responde: “Ella stessa” (“Ela própria”)…

Figurino para “duquesa Federica”, da ópera “Luisa Miller”, de G. Verdi – arquivo Ricordi.

Luisa entra e Federica dirige-se: “Luisa m’odi… Non mentir. Ma no l’aspetto tu non hai di mentritice” (“Luísa, me odeia… Mas não minta. Você não parece uma mentirosa”)… Ami tu? (Você ama alguem?), Luisa responde: “Amo”; Federica indaga: “E chi” (“E quem?”), e Luisa responde: “Wurm”… Conflituada e em dor extrema, Luisa renunciava ao amor por Rodolfo, para salvar o pai

A cena encerra em quartetto à capela, quando Luisa canta “Come celar le smanie del mio geloso amore” (“Como esconder os desejos de meu amor ciumento”) e depois, “Ahimè, l’infranto core piu reggere non puo” (“Infeliz, um coração partido não pode mais aguentar”)…

Cena 3: no castelo, no quarto de Rodolfo

De outro, Wurm seguia outra face do plano. Num quarto no castelo, cena abre com allegro agitato, na orquestra. E, através de um camponês (contadino), Wurm faz chegar carta de Luisa ao conhecimento de Rodolfo, que não acreditou que aquele fosse o caráter de sua amada e que, de fato, ela o tivesse traído, em “Tutto è menzogna, tradimento, ingano…” (“Tudo é mentira, traição, engano…”) e canta a terna ária Quando le sere, al plácido chiaror d’un ciel stelatto” (“Ao entardecer, no brilho tranquilo do céu estrelado”)Mas, indignado, ao que parecia sórdida manipulação e calúnia, Rodolfo reage e desafia Wurm para um duelo, em “Ad entrambi è questa ora di morte!” (“Para nós, é a hora da morte!”), do qual o serviçal escapa, desferindo um tiro para o alto, avisando o conde e a criadagem …

Entra Walter, em “Rodolfo! Oh, Dio! Calmati…” (“Rodolfo! Oh, Deus! Acalme-se…”). E, tal como agiu Luisa diante de Wurm, em desespero, Rodolfo cede, em “Ah! Padre mio…”, e implora pela vida de Miller e por toda aquela situação… Conde Walter, maliciosa e hipocritamente, consola o filho, em “Deh! sorgi… m’odi… abbomino il mio rigor crudele” (“Ah! levante… me odeie… abomino meu rigor cruel”), mas aconselha o filho vingar-se daquelas ofensas, casando-se com a duquesa Federica – avançando no ardil do casamento… Sem alternativa, Rodolfo concorda, na dramática cabaletta “L’ara o l’avello apprestami! Al fato, io m’abbandono!” (“Altar ou sepultura preparam para mim! Ao destino, me abandono!”)

  • Ato 3 – “Veneno” – num quarto na Casa de Miller
Figurino para “Miller”, pai de “Luisa”, na ópera “Luisa Miller”, de Verdi – arquivo Ricordi.

Tema orquestral sombrio da Ouverture reaparece, em contraponto ao solo de Laura, amiga de Luisa, e coro, em “Come un giorno di sole, come ha potuto il duolo stampar su quela fronte cosi funeste impronte” (“Como um dia ensolarado poderia imprimir dor e marcas tão fatais naquela face”)… Na aldeia, camponeses tentam consolar Luisa. E Laura canta “Dolce amica, ristorar non vuoi di qualche cibo le affralite membra…” (“Oh, doce amiga, restaure suas forças com algum alimento…”), “Cedi all’amistà, cedi…” (“Ceda, pelos amigos…”), ao que Luisa responde “La ripugnanza mia rispettate. Lo imploro” (“Respeitem minha repugnância, eu imploro”)…

Ao longe e festivamente, anunciam casamento de Federica e Rodolfo, enquanto camponeses seguem a consolar Luisa. Afinal, Miller fora libertado e regressou. Então, Luisa suplica ao pai que entregue uma carta de despedida à Rodolfo. Em grande duetto com Miller, deprimida e inconsolável, Luisa pensa em suicidio, expressando-se na resignada e delicada ária La tomba è un letto sparso di fiori” (“O túmulo é uma cama cheia de flores”) Miller, em desepero, canta em “Figlia! Compreso d’orror, d’orror iosono. Figlia, potresti contro te stessa” (“Filha! Que horror! Você poderia ir contra si mesma…”) e Luisa responde: “È colpa d’amore!”…

Miller suplica à Luisa, em “Di rughe il volto, mira…” (“Olha as rugas em meu rosto…”), que desista de soluções extremas. Tenta convencê-la a deixarem a aldeia e reconstruirem suas vidas noutro lugar, em La figlia, vedi, pentita” (“A filha, vejo arrependida”) Cedendo às súplicas de Miller, Luisa responde em “Ah in quest’amplesso l’anima oblia quanti martiri provo finor. Pero fuggiam!” (“Ah, neste abraço a alma esquece os martírios, que ora sinto. Vamos fugir!”). E com alguma esperança, Miller e Luisa cantam “Come s’apressi la nuova aurora, noi parti!” (“Quando romper novo amanhecer, partiremos!”). Miller deixa o recinto, concluindo a cena…

Settimeo Malvezzi, tenor – “Rodolfo”, na estreia de “Luisa Miller”, 1849.

Da Igreja, ouve-se toque solene do órgão. Luisa, sozinha, canta “Ah! l’ultima preghiera in questo caro suolo” (“Ah! última oração neste querido solo”). Prestes a se casar, furtivamente, entra Rodolfo e despeja veneno numa jarra sobre a mesa. E pergunta à Luisa se, de fato, ela escrevera aquela carta: “Hai tu vergato questo foglio?” (“Você escreveu esta carta?”). Luisa confirma. Então, Rodolfo canta “M’arde le vene” (“Minhas veias queimam!”), bebe um copo de água e, em seguida, oferece à Luisa… Segue um apaixonado duetto! E Rodolfo, angustiado, pergunta se ela realmente amava Wurm. Luisa bebe da água, mas hesita responder…

Então, Luisa canta “Piangi, piangi il tuo dolore” (“Chora, chora tua dor”)… Para obter resposta, Rodolfo insiste e canta intensamente, em “Allo strazio ch’io soporto, Dio mi lascia!” (“No tormento que sofro, Deus me abandona!”) e revela que, em breve, ambos estarão diante de Deus, em “Con me, bevesti la morte… Al ciel rivolgiti, Luisa…” (“Comigo, bebeste a morte… Para o céu você irá, Luísa…”). E Luisa, sentido-se livre, revela que tudo não passou de chantagem e manipulação de Wurm, para que seu pai fosse libertado, em: “Muoro inocente”… “Avean mi padre i barbari avinto fra ritorte” (“Morro inocente”… “Os bárbaros haviam preso meu pai!”)…

Indignado, Rodolfo abomina sua origem, em “Maledetto, maledetto il di ch’io nacqui, il mio sangue, il mio padre” (“Maldito aquele do qual nasci, meu sangue, meu pai”), e Luisa responde: “Per l’istanti in cui ti piacqui, per la morte che s’appressa” (“Instante em que você mostra afeição, a morte se aproxima…”), desfalecendo sob efeito do veneno…  Miller retorna, em “Quai grida intensi? Chi veggo? Oh, cielo!” (“Que gritos intensos? Quem eu vejo? Oh céus!)… Rodolfo assume a culpa em “Chi? L’assassino, misero, vedi del sangue tuo” (“Quem? Assassino miserável, do seu sangue, você vê”) e Luisa interpela “Rodolfo, arresta!” (“Rodolfo, pare!”)… “Gia… mi… ser peggia la morte insen” (“Sim… eu… a morte me espera”) e Miller, transtornado, canta: “La morte! Ah, dite!” (“A morte! Ah, que dizes!”)…

Inicia-se grande tercetto, onde Luisa, Rodolfo e Miller rezam e se despedem. Luisa inicia em “Padre, ricevi l’estremo addio” (“Pai, receba meu último adeus”); Miller responde em “O figlia, o vita del cor paterno” (“Oh, filha, vida do coração paterno”)… E Rodolfo canta “Ambo congiunge, un sol destino” (“Ambos se unem, num único destino”)… Por fim, Luisa chama por Rodolfo em “Ah! viene meco… non lasciarmi” (“Ah! vem comigo… não me deixe”) e morre nos braços do pai…

“Morte de Luiza” – cena final de “Luisa Miller” – gravura.

Com a morte de Luisa, aldeões se aproximam e entram Walter, seguido de Wurm, para levarem Rodolfo ao altar. A duquesa o esperava… Mas, ao encontrar Wurm, Rodolfo toma uma espada e o trespassa. E, ainda desfalecendo, acusa o pai: La pena tua mira!!” (“Olha o teu castigo!!”). A ópera conclui-se com ambos, Miller e conde Walter, atordoados diante dos cadáveres dos filhos… 

– Cai o pano –

A dramaturgia “Sturm und Drang” foi de grande interesse para Verdi. Em “Luisa Miller”, aos 36 anos, realizava primeira incursão, retratando algo do intimismo e da vida burguesa. “Luisa Miller” se tornaria antecessora direta de “La Traviata”... E Verdi ainda abordaria temas de Friedrich Schiller em “Don Carlos”, sua 25a ópera. Uma profícua trajetória, que passaria por “Rigoletto”, “Ballo in Maschera” e “Aída”… E suas óperas patrióticas continuariam encenadas, fomentando os ideais do Resurgimento

Giuseppe Fortunino Francesco Verdi – “O camponês de Roncole”.

Após estreia, “Luisa Miller” foi apresentada em Roma, 1850, Veneza, Florença e Milão, até 1852. Nos USA, por “Caroline Richings Company”, no Walnut Street Theatre”, Filadélfia, 1852; no “Teatro Provisório”, Rio de Janeiro, 1853; no Reino Unido, no “Her Majesty’s Theatre”, de Londres, 1858. E retomada em Berlim, 1927; seis apresentações no Metropolitan Opera”, de Nova York, em 1929/30; no “Maio Musical Fiorentino”, 1937; em Roma, 1949; e, novamente, no “Maio Musical Fiorentino”, 1966. Finalmente, a partir de 1968, no “Metropolitan Opera”, de Nova York, retornou às temporadas, pelo mundo, sendo apresentada frequentemente…

“Teatro Provisório”, depois “Teatro Lyrico Fluminense”, no “Campo de Santana”, Rio de Janeiro – Estreia de “Luisa Miller”, 1853.

No Brasil, apresentação de “Luisa Miller” ocorreu no Rio de Janeiro, 1853, quatro anos após sucesso em Nápoles, encenada no “Teatro Provisório”, depois chamado “Teatro Lyrico Fluminense” – em atividade de 1852/75. Neste período, foram encenadas também “Macbeth”, 1852, “Attila”, 1853, “Giovana D’Arco”, 1860, e outras, como “Il Trovatore”, 1854, “La Traviata”, 1855, e “Rigoletto”, 1856… Posteriormente, foi demolido, função de novo planejamento urbano e inauguração do “Teatro D. Pedro II”, abril/1875…

Por fim, ressaltamos que Verdi foi um progressista, no lugar de reformista. Assim, aprimorou as formas da ópera, mas seguindo o tradicional encadeamento de solos, ensembles, coros e concertatos, além dos ballets e trechos orquestrais. Em Luisa Miller, a parte orquestral ganhou maior autonomia, através de contrapontos e solos instrumentais, que enriqueceram a textura musical Verdi adentrava nova etapa criativa…

  1. Gravações de “Luisa Miller”

Após temporada no “Metropolitan Opera”, de Nova York, 1968, “Luisa Miller” tem sido revisitada com sucesso:

  • Gravação em áudio da Opera d’Oro, 1951

“Coro e Orquestra da RAI”, direção Mario Rossi
Solistas: Lucy Kelston (Luisa) – Giacomo Lauri-Volpi (Rodolfo) – Scipio Colombo (Miller) – Miti Truccato Pace (Federica) – Giacomo Vaghi (Walter) – Duilio Baronti (Wurm)

  • Gravação em áudio da RCA Victor, 1964

“RCA Italiana Opera and Chorus”, direção Fausto Cleva
Solistas: Anna Moffo (Luisa) – Carlo Bergonzi (Rodolfo) – Cornell MacNeil (Miller) – Shirley Verrett (Federica) – Giorgio Tozzi (Walter) – Ezio Flagello (Wurm)

  • Gravação em áudio, 1975

“Nacional Philharmonic”, direção Peter Maag
Solistas: Monserrat Caballe (Luisa) – Luciano Pavarotti (Rodolfo) – Sherrill Milnes (Miller) – Anna Reynolds (Federica) – Bonaldo Giaiotti (Walter) – Richard van Allan (Wurm)
“London Opera Chorus”, Londres
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  • Gravação em áudio, 1976

“Coro e Orquestra do teatro Alla Scala”, direção Gianandrea Gavazzeni
Solistas: Monserrat Caballe (Luisa) – Luciano Pavarotti (Rodolfo) – Piero Cappuccilli (Miller) – Bruna Baglione (Federica) – Carlo Zardo (Walter) – Carlo Del Bosco (Wurm)
“Teatro Alla Scala”, Milão, Itália
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  • Video em DVD da “Deutsche Grammophon”, 1979

“Metropolitan Opera and Chorus”, direção James Levine
Solistas: Renata Scotto (Luisa) – Plácido Domingo (Rodolfo) – Sherrill Milnes (Miller) – Jean Kraft (Federica) – Bonaldo Giaiotti (Walter) – James Morris (Wurm)
Nova York, USA.

“Metropolitan Opera House” – “Lincoln Center”, New York, USA.
  • Gravação em DVD e áudio da “Deutsche Grammophon”, 1979

“Royal Opera House, Chorus and Orchestra”, direção Lorin Maazel
Solistas: Katia Ricciarelli (Luisa) – Plácido Domingo (Rodolfo) – Renato Bruson (Miller) – Elena Obraztsova (Federica) – Gwynne Howell (Walter) – Wladimiro Ganzarolli (Wurm)
“Covent Garden”, Londres
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  • Gravação VHS da “Polygram” – DVD “Kultur Video”, 1988

“Orquestra e Coro da Opera de Lyon”, direção Maurizio Arena
Solistas: June Anderson (Luisa) – Taro Ichihara (Rodolfo) – Edward Toumajian (Miller) – Susanna Anselmi (Federica) – Paul Plishka (Walter) – Romuald Tesarowicz (Wurm)
“Coro da Opera de Montpellier” – Lyon, França

  • Gravação em DVD – 1990

“Orquestra da Opera de Roma”, direção de Roberto Abbado
Solistas: Aprile Millo (Luisa) – Alberto Cupido (Rodolfo) – Luciana d’Intino (Federica)
Roma, Itália

  • Gravação em áudio CD da “Sony Classical” – 1991

“Metropolitan Opera and Chorus”, direção James Levine
Solistas: Aprile Millo (Luisa) – Placido Domingo (Rodolfo) – Vladimir Chernov (Miller) – Florence Quivar (Federica) – Paul Plishka (Walter) – Jan-Hendrik Rootering (Wurm)
Nova York, USA

  • Gravação em DVD da “Naxos” – 2006

“Orquestra e coro do Teatro La Fenice”, direção Maurizio Benini
Solistas: Darina Takova (Luisa) – Giuseppe Sabbatini (Rodolfo) – Damiano Salerno (Miller) – Ursula Ferri (Federica) – Arutjun Kotchinian (Walter) – Alexander Vinogradov (Wurm)
Veneza, Itália

  • Gravação em DVD “C maior” – 2007

“Orquestra e coro do Teatro Regio di Parma”, direção Donato Renzetti
Solistas: Fiorenza Cedolins (Luisa) – Marcelo Alvarez (Rodolfo) – Leo Nucci (Miller) – Katarina Nikolic (Federica) – Giorgio Surian (Walter) – Rafal Siwek (Wurm)
Parma, Itália

  • Gravação em DVD – 2008

“Paris National Opera Chorus and Orchestra”, direção Massimo Zanetti
Solistas: Ana Maria Martinez (Luisa) – Ramon Vargas Federica (Rodolfo) – Andrzej Dobber (Miller) – Maria Jose Montiel (Federica) – Alexander Vinogradov (Walter) – Kwangchul Youn (Wurm)
Paris, França

  • Gravação em DVD – 2010

Coro e Orchestra dell’Opera di Zurich”, direção Damiano Michieletto
Solistas: Barbara Frittoli (Luisa) – Fabio Armiliato (Rodolfo) – Leo Nucci (Miller) – Liliana Nikiteanu (Federica) – Laszlo Polgar (Walter) – Ruben Drole (Wurm)
“Opernhaus di Zurich”, Suiça

  • Gravação em DVD “Arthaus Musik” – 2012

“Coro e Orquestra da òpera de Malmö”, direção Michael Güttler
Solistas: Olesya Golovneva (Luisa) – Luc Robert (Rodolfo) – Vladislav Sulimsky (Miller) – Ivonne Fuchs (Federica) – Taras Shtonda (Walter) – Lars Arvidson (Wurm)
Malmö, Suécia

  • Gravação em áudio CD da “BR Klassik” – 2018

“Münchner Rundfunorchester”, direção Ivan Repusic
Solistas: Marina Rebeka (Luisa) – Ivan Magri (Rodolfo) – George Petean (Miller) – Judit Kutasi (Federica) – Marko Mimica (Walter) – Ante Jerkunica (Wurm)
“Chor des Bayerischen Rundfunks”, Munique, Alemanha

Cena de apresentação no MET – “Metropolitan Opera House”, New York.
  • Download no PQP Bach
  • Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Luisa Miller”, sugerimos video em DVD da “Deutsche Grammophon”, 1979, e do ”Metropolitan Opera and Chorus”, sob direção James Levine e grandes solistas… 

Giuseppe Verdi Luisa Miller MET 1979 from Fouet Pierre-Peter Buchmayr on Vimeo.

– Vozes solistas e direção

Renata Scotto, soprano italiano.
“Luisa”, em “Luisa Miller”.

Os solistas são de primeira grandeza, de modo que pode-se apreciar e encantar-se com a beleza, interpretação e amplo domínio técnico de Renata Scotto, na ária “Lo vidi e’l primo palpito”, na cabaletta “A brani, a brani, o pérfido”, no quartetto, depois concertato, “Fra mortalli ancora opressa” ou no duetto final “Piangi, piangi il tuo dolore”. As exigências vocais em “Luisa” são imensas… 

Jean Kraft, mezzo-soprano norte -americano. “Duquesa Federica”, em “Luisa Miller”.

Na interpretação da “Duquesa Federica”, o mezzo-soprano norte-americano Jean Kraft, muito expressiva no duetto “Dall’aure raggianti di vano splendor” e “Deh! La parola amara perdona al labbro mio”. Jean Kraft integrou “New York City Opera” (NYCO) e “The Santa Fé Opera”. Após, juntou-se ao elenco do “Metropolitan Opera”, Nova York. Sua carreira no palco engloba cerca de 800 performances…

José Plácido Domingo Embil, tenor espanhol. “Rodolfo”, em “Luisa Miller”.

E reunindo talentos de ator e cantor, o grande tenor Plácido Domingo, em “Rodolfo”, destaca-se nas árias e ensembles, como no quartetto e concertato “Fra mortalli ancora opressa”, na ária “Quando le sere al plácido”, ou no duetto final “Piangi, piangi il tuo dolore”. Plácido Domingo notabilizou-se em temporadas na Europa e USA, além de atuar em produções para o cinema, música popular e regência de orquestra…

Sherrill Milnes, barítono norte-americano. “Miller”, em “Luisa Miller”.

Verdi privilegiava os barítonos e, em “Luisa Miller”, são três, as vozes médias e graves. No personagem ”Miller – pai de Luisa”, o grande barítono norte-americano Sherril Milnes, brilhante em “Ah! fu giusto il mio sospetto”, onde surpreende com um lá bemol agudo, ao final; ou no duetto “La figlia, vedi, pentita” e no tercetto final “Padre, ricevi l’estremo addio”. Também atuou em produções para o cinema, na ópera “Tosca”, de Puccini… .

Bonaldo Giaiotti, baixo italiano. “Conde Walter”, em “Luisa Miller”.

No personagem ”conde Walter – pai de Rodolfo”, o baixo italiano Bonaldo Giaiotti, atuante nas grandes casas de ópera do mundo e ao lado de grandes solistas. Nesta gravação brilha em “Il mio sangue la vita darei”, ou nos duettos “L’alto retaggio non ho bramato” e “O meco incolume sarai, lo giuro!”…

James Peppler Morris, baixo-barítono norte-americano. “Wurm”, em “Luisa Miller”.

E no perverso ”Wurm – auxiliar do conde Walter”, o baixo-barítono norte-americano James Morris, que estudou com o famoso soprano Rosa Ponselle e estreou na “Ópera de Baltimore”. Mais tarde, incorporou-se ao elenco do Metropolitan Opera”, em Nova York. Além do repertório italiano, destacou-se em papéis de Wagner, como “Wotan”, do ciclo “Anel do Nibelungo”. Nesta gravação brilha nos duettos “L’alto retaggio non ho bramato” e “O meco incolume sarai, lo giuro!”…

James Lawrence Levine – regente.

E as atuações de James Levine, à frente da “Orquestra Sinfônica de Boston” e, sobretudo, do “Metropolitan Opera House”, de New York, são amplamente reconhecidas. O grande regente faleceu em 2021…

Por fim, aplaudimos a orquestra, os coros e concertatos desta magnífica produção do MET – “Metropolitan Opera House”, de Nova York. “Luisa Miller” retornou aos palcos com grande vigor e receptividade. A obra flui com imensa variedade e riquesa musical, inaugurando aqueles novos caminhos, de intenso lirismo e dramaticidade, que consagraram Verdi!

Capa do DVD “Luisa Miller” – “Deutsche Gramophon”, 1979.
  • Em vídeo e audio, sugerimos também:
  1. produção do “Roayal Opera House” – “Covent garden”, Londres, 1979, com Katia Ricciarelli, Placido Domingo, Renato Bruson, direção de Lorin Maazel:

2. produção em áudio da “London Opera Chorus and Nacional Philharmonic”, 1975, com Monserrat Caballe, Luciano Pavarotti, Sherrill Milnes, Bonaldo Giaiotti, direção Peter Maag.

End. link: https://www.youtube.com/watch?v=L3o68f_OATA

3. produção da “Paris Opera Chorus and Orchestra”, 2008, com Ana Maria Martinez, Ramon Vargas, Andrzej Dobber e Maria Jose Montiel, direção de Massimo Zanetti.

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“De Nova York, ‘Metropolitan Opera Chorus’ saúda leitores e equipe PQP Bach…”

“Todos somos culpados pelo bem que deixamos de fazer…” (Voltaire)

Alex DeLarge

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Kabalevsky (1904-1987): Cello Concerto No. 2 Op. 77 / Khachaturian (1903-1978): Cello Concerto / Glazunov (1865-1936): Chant du Menestrel Op. 71

Kabalevsky (1904-1987): Cello Concerto No. 2 Op. 77 / Khachaturian (1903-1978): Cello Concerto / Glazunov (1865-1936): Chant du Menestrel Op. 71

kkAí você tem uma raridade. Os concertos de para Violoncelo e Orquestra de Kabalevsky e Khatchaturian são bastante divulgados na Europa oriental, mas aqui raramente — ou nunca — fazem parte do repertório das orquestras. Uma pena, pois trata-se de boa e divertida música. Eu curto muito estas obras — refiro-me às de Kabalevsky e Khachaturian — que daqui alguns dias reaparecerão aqui no PQP com outros intérpretes. O Glazunov apenas serve para completar o disco.

Kabalevsky: Cello Concerto No. 2 Op. 77 /
Khachaturian: Cello Concerto /
Glazunov: Chant du Menestrel Op. 71

Dmitry Kabalesky (1904-1978)
Cello Concerto No.2 Op.77
1. Cello Concerto No. 2, Op. 77: I. Molto sostenuto – Allegro molto e energico
2. Cello Concerto No. 2, Op. 77: II. Presto marcato
3. Cello Concerto No. 2, Op. 77: III. Andante con molto

Alexander Glazunov (1865-1936)
4. Chant du Ménestrel for Cello and Orchestra Op.71

Aram Khachaturian (1903-1987)
Cello Concerto
5. Cello Concerto: I. Allegro moderato
6. Cello Concerto: II. Andante sostenuto
7. Cello Concerto: III. Allegro (a battuta)

Raphael Wallfisch
London Philharmonic Orchestra
Bryden Thompson

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Kabalevsky ensina ao celista Samuel Mayes o que ele deve fazer para ser feliz (foto de 1961)
Kabalevsky ensina ao celista Samuel Mayes o que ele deve fazer para ser feliz (foto de 1961)

PQP

.: interlúdio :. Ray Anthony – The Young Man With The Horn (1951)

Há muito sem postar em nossa diletíssima página, o compadre mestre PQP Bach me veio admoestar sobre tão grave falta para com nossos fãs e para com os companheiros de Távola. Respondi que reconhecia tal demérito e me esforçaria para produzir algo que me absolvesse de tal pecado. Pontuei que, como de costume, escreveria no ímpeto das vagas etílicas, à La Prima, como costumo fazer, e que o processo de concentração etílica já estaria em curso. Estava de fato, todavia, Cronos já me corrói e as coisas não são mais como antes. Nada é como antes, sobretudo num planeta no qual um inglês raquítico de peruca inventou uma tal Lei da Gravidade pela qual tudo vem abaixo. Salvo na índia, onde qualquer oboezinho põe à riste qualquer coisa que se enrole e jaza inerte. Talvez isto explique a explosão populacional da índia. Quem dera Newton tivesse sido brasileiro, assim não teria sido atingido por uma maçã, mas por uma jaca ou um coco. Morreria e não teríamos o vexame dessa lei infeliz pela qual tudo decai ou fica a meio mastro que nem em tempos de luto nacional.

Por esses dias alguém postou no Facebook uma antiga fábula na qual um jumento ou algo assim adentrava num palácio. A moral da fábula reside em que, o jumento não se torna rei por entrar num palácio, mas o palácio vira estábulo. Eis uma perfeita parábola acerca do nosso atual momento histórico. Mas não é da nossa atual desdita que quero falar. É do processo de exaltação e diminuição dos elementos. Nada a ver também com a supracitada menção a coisas que descem ou sobem na Índia. Quero me referir a superlativações tantas vezes impingidas aos artistas: Este ou aquele é o maior do mundo! Coisa típica de dois polos: ou mesa de bar, onde se enche a cara e alardeia-se a superioridade de coisas como Romero Brito sobre Rembrandt ou, na mídia, onde Zé Pelintra do sovaco acústico seria o sumo do suprassumo – ao que multidões acorrem a engolir essa potoca. No decurso do tema do que se aumenta ou diminui, quem se lembra de uma simpática película de ficção científica chamada “O incrível homem que encolheu”? Talvez alguns lembrem.

Meu pai me falava desse filme e tive a felicidade de ver em sua companhia na TV, quando na TV ainda se passavam coisas minimamente aproveitáveis, ao menos como um saudável exercício de imaginação. Ah, “O Fugitivo” com David Jensen!; “Police Woman” com Angie Dickinson; “O Imortal” (desse só lembro eu); O homem de Seis Milhões de Dólares!”, com Lee Majors! Depois teve também “A Mulher Biônica”, “O Menino Biônico”, “O Cachorro Biônico” e o “Homem de SETE Milhões de Dólares!” que era mais forte, porém um Bad Boy e por isso apanhava no final. Inventaram até uma coisa chamada Políticos Biônicos, que felizmente jamais tive a oportunidade de compreender o que seria. Mesmo na Sessão da Tarde tínhamos clássicos que nos educavam. A partir dos anos 80 veio uma enxurrada de caça níqueis sobre adolescentes punheteiros e foi o fim.

Voltando ao “O incrível homem que encolheu”, filme no qual o protagonista, durante uma pescaria num lago ou algo assim, atravessa uma misteriosa névoa que o faz diminuir de tamanho inexoravelmente até o infinitesimal do átomo – até hoje continua diminuindo! A trilha sonora deste filme de 1957, está no nome do trompetista e band leader Ray Anthony, que tenho certeza, hoje em dia é tão lembrado quanto a série O Imortal – que só eu lembro. E que seria considerado mais tarde o último dos grandes band leaders.

Também por esses dias foi aniversário centenário de Ray Anthony – “Raymond Antonini (Bentleyville, 20 de janeiro de 1922)”. Toinho, como seria chamado no Brasil se daqui fosse, começou a estudar o trompete com seu pai, Dom Guerrino, desde a infância. Ray tocou durante breve período com a famosíssima orquestra de Glenn Miller (que não sumiu toda, como alguns ainda pensam. Foi somente o Glenn quem desapareceu no Canal da Mancha – tal e qual Saint-Exupéry. Segundo Ruy Castro, indo ver uma amante em Paris – excelente causa para se bater as botas!) Ray se alistou na Marinha e após a guerra montou sua Ray Anthony Orchestra, gravaria grandes sucessos em seu tempo. Nos anos 50 Ray entrou para o mundo da TV, casando-se com a na época considerada gostosíssima Mamie Elena Van Doren – o que certamente em nada teria a ver com a embocadura de Ray, que inicia uma carreira de ator e lidera um programa de TV. Em 61 Ray abandona – ou é abandonado – pela TV e pela beldade, porém retoma a carreira musical e o sucesso com o tema Peter Gun, do formidável Henry Mancini. Ray é um dos poucos músicos a terem uma estrelinha na Calçada da Fama em Roliúde, e também apareceu em diversos episódios de uma coisa chamada The Girls Next Door.

Nada de grande parte desses dados biográficos, no entanto, pesa essencialmente no que interessa: Ray e sua música. Voltando à questão das superlativações acima citadas, Ray não é um trompetista do calibre criativo dos grandes jazzistas, como Miles ou Chet, longe disso. Comparações seriam infelizes ou indevidas. Existem músicos e músicos e cada qual investe ou deveria investir naquilo que melhor pode fazer. Ray não é citado como virtuoso ou maior  referência, como alguns outros, mas seu som marcou época e são raros os instrumentistas que conseguem marcar época com seu timbre. O trompete de Ray se enquadra em seu tempo pelo brilho e feeling, pelo espetacular e expressivo, ressaltando a beleza das melodias – a exemplo do belo e misterioso tema Harlem Nocturno, que figura na presente gravação, e que dizer da estelar Stardust de Hoagy Charmichael! Nos evoca um tempo de beleza e glamour, de chapéus de tarja larga, brumas e fumaça, atmosfera ‘noir’; lindos sobretudos – impossíveis em grande parte do nosso contexto, todavia, sonhar é permitido e beleza é beleza.

Ray é (ou foi) um líder de orquestra que produzia música deliciosa. Num tempo em que a música era feita por gente abalizada, que tinha na música a razão de viver e que dedicara toda existência à sua arte. Muito diferente dos tempos que viriam, nos quais qualquer matusquela com os cabelos em pé e uma raquete com cravelhas era empurrado goela abaixo do público como o rei do pedaço. Ray fez música num tempo em que os bifes eram medidos em quatro dedos ou cinco de altura com paquímetros de precisão e em que, após estes, podíamos fumar nossos charutos sem o opróbio de ser escorraçados para ‘um lugar ao sol’ – no batente dos fumantes dos Shoppings, como cães miseráveis. Seu som é luxuriante, brilhante, nitidamente reflexos das influências de Louis e de Harry James. Música bonita, arranjos contagiantes, excelentes músicos. Um tempo que passou e que sua orquestra e seu trompete nos fazem, se não recordar, vislumbrar o quanto perdemos.

Postagem dedicada ao meu pai, Uéliton Mendes, que sabia o que era bom.

Ray Anthony – The Young Man With The Horn (1951)

1 The Man With The Horn
2 For Dancers Only
3 Tenderly
4 Mr. Anthony’s Boogie
5 Harlem Nocturne
6 I Wonder What’s Became Of Sally
7 Mr Anthony’s Blues
8 Stardust

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Ray & Marilyn – Good Times!

Wellbach

J. S. Bach (1685-1750): Variações Goldberg – Jeremy Denk, piano ֎

J. S. Bach (1685-1750): Variações Goldberg – Jeremy Denk, piano ֎

BACH

Variações Goldberg

Jeremy Denk, piano

 

 

Rod Laver é um senhor que aparece nas famosas quadras de tênis do mundo todo, inclusive há uma delas que leva seu nome. Ele quase sempre está ao lado de uma mulher a quem explica os lances do jogo, seus olhos particularmente lacrimejantes se acendem quando ocorre uma jogada mais impressionante.

Rod Laver foi o tenista Top 1 nos anos sessenta e setenta e faz jus a todos os mimos que recebe da tribo durante os grandes torneios.

Menciono isso pois meu alter ego tenista está muito motivado pelo primeiro grande slam do ano, o Australian Open que está entrando na segunda e decisiva semana. Grandes jogos que acontecem noite adentro, pois que Melbourne fica lá, do outro lado do mundo.

Eu gosto de assistir a estes eventos ouvindo música – a TV no mute e o headphone tocando boa música – pois que em geral a esta hora já estão todos dormindo.

E qual seria a música mais adequada para uma ocasião como esta? Eu não tive dúvidas – aquela que Bach compôs para o jovem cravista tocar nas insones noites do embaixador russo na Corte da Saxônia, o Conde Kaiserling. Definitivamente, não se fazem mais embaixadores russos como antigamente…

Pois foi assim, pelas madrugadas insones assistindo a jogos de tênis que cheguei a esta joia de disco. E vocês sabem, assim que encontro uma destas pipetas de ouro, trato logo de dividi-la com vocês outros…

Jeremy antes de responder a pergunta do pessoal do PQP Bach se ele realmente detesta as Variações Goldberg…

O disco é de 2013, mas só agora meus mecanismos de busca conseguiram chegar até ele. Um querido amigo da Matemática já o havia mencionado com muitos louvores e valeu a espera. Ótima música, jogo excelente, noite perfeita!

A ária já prenuncia uma ótima gravação e a entrada da primeira variação é vencedora. Fica claro que há um expert no comando. E há poesia também, como você poderá ouvir na Variação No. 7.

Há dois momentos que considero muito importantes para julgar o sucesso de uma gravação das Variações Goldberg. Uma delas é a Variação 16, uma Overture, um recomeço, que segue à pensativa Variação 15. É preciso virar essa página sentindo-se revigorado, mas ainda com expectativas do que está por vir. Outro destes momentos reveladores é a mais longa das variações, a de No. 25, chamada Pérola Negra. Depois dela é só completar o ciclo, assim como o sprint final e correr para o abraço, que é a repetição da ária. Pois o Jeremy, que escreveu o provocativo artigo intitulado ‘Why I hate the Goldberg Variations’, mostra muita afeição pela obra e passa com flying colors nestes meus dois testes. Um disco para se ouvir muitas e muitas vezes…

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)

Variações Goldberg

Jeremy Denk, piano

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FLAC | 289 MB

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MP3 | 320 KBPS | 174 MB

As it happens, Denk’s excellently engineered interpretation proves equally enjoyable and stimulating, with all repeats observed, including the Aria da capo. The opening Aria’s decorative phrases sing out with lightness and pliability in Denk’s hands, followed by a bouncy, crisply articulated Variation 1. […] Still, it’s clear that Denk has seriously lived with, thought about and (obviously) practised the Goldberg Variations to the point where ideation and execution barely differ, and that’s no small achievement. [Gramophone]

This CD is another to cherish in the huge catalogue of Goldberg recordings.      [Fiona Maddocks]

Aproveite!
René Denon

Será que dá para esticar ainda mais um pouquinho?

Talvez você gostaria de visitar estas postagens aqui, depois desta…

Bach (1685–1750) – Variações Goldberg – Pavel Kolesnikov ֍

Mozart (1756-1791): Concertos para Piano Nos. 25 & 20 – Jeremy Denk & The Saint Paul Chamber Orchestra ֎

Johannes Brahms (1833-1897): Concerto para Piano Nº 1, Op. 15 (Pollini / Thielemann)

Johannes Brahms (1833-1897): Concerto para Piano Nº 1, Op. 15 (Pollini / Thielemann)

Dias atrás, revalidei o link de um CD postado pelo Carlinus com este mesmo concerto. Não creio que alguém vá se incomodar com a repetição da dose, agora com Pollini — meu pianista preferido — e Thielemann. Este concerto de belíssimo e um tanto fantasmagórico primeiro movimento é das absolutas preferências dos membros do PQP. Ao menos é o que parece. Baixe agora porque vale a pena.

Abaixo copio para vocês um post deste blog:

A tentativa de suicídio do Sr. Pollini

 

Defina arte. Se você puder. O momento exato em que um objeto, um som, uma imagem ou um poema deixam de ser somente um objeto, um som, uma imagem e um poema, para adquirir um status outro. Ou adquirir um significado novo. Mesmo, que você reconheça o objeto, o som, a imagem ou o poema, existe algo que naquele instante modifica esses elementos e traz uma concepção ou um sentimento inesperado.

 

Ontem, por volta das 5 da tarde, em NY, o Sr. Pollini tentou o suicídio na minha frente. Em pleno Carnegie Hall lotado. E acredite, isso foi inesperado. Pollini tem 68 anos de idade, uma carreira internacional consolidada (que começou aos 18 anos, após vencer o Concurso Internacional Chopin, em Varsóvia) e o status de lenda. Um dos últimos grandes pianistas do século passado ainda em atividade. O Sr. Pollini não precisa provar a ninguém o quão grande ele é (apesar de ser baixinho). Mas, intencionalmente, após um recital de quase duas horas de duração – o terceiro e último de uma série que relembrou os 200 anos da morte de Chopin – o Sr. Pollini tentou o suicídio.

 

Críticos do pianista não cansam de anunciá-lo como um intérprete seco, rígido e sem emoção. Enganam-se em suas análises. Toda a contenção em Pollini tem um propósito. Toda a contenção em Pollini direciona-se à verdade da escrita musical. Toda energia contida é liberada no momento certo, na proporção exata e isso é arte. Não é possível negar o lirismo nos Noturnos Op.55 ou na Barcarolla Op.60 (e ele não nega). Mas quem mais, nessa faixa de grandeza, pode apresentar uma Berceuse Op.57 tão límpida e plácida? Pollini toca a Berceuse como se estivesse tocando um dos estudos para piano de Ligeti – total independência rítmica e melódica. De fazer a inveja a qualquer um dos pretensos superpianistas chineses atualmente “disponíveis no mercado”.

 

A última peça do programa foi a última sonata escrita Chopin, Op.58, obra de sua maturidade. Novamente, impressiona a precisão, a clareza e velocidade com que a música flui. Público uivando de felicidade ao fim do concerto, aplaude de pé o pianista. Ele volta ao palco e após três tentativas de escape, engata – como encore – a terceira Balada. Corajoso, diriam muitos. Novamente o público agradece com aplausos e gritos de “bravo”. Parecia já ter terminado, após quase duas horas de música, quando o pianista retorna mais uma vez para agradecer e inspirado, decide se suicidar. Joga-se ao piano sem aviso prévio à audiência, e ataca o temido Estudo Op.10 no.4 – o mais difícil de toda a safra de estudos para piano escrita por Chopin. Poucos o tocam dentro de um programa bem planejado. Ninguém toca algo assim como encore. Só ele. Ao término, sorrindo, agradece à plateia emudecida e o confessa a tentativa de suicídio. É o inesperado que faz a arte. O mundo precisa demais desses loucos pianistas suicidas.

Johannes Brahms (1833-1897): Concerto para Piano Nº 1, Op. 15

1. Piano Concerto No.1 in D minor, Op.15 – 1. Maestoso – Poco più moderato 21:02
2. Piano Concerto No.1 in D minor, Op.15 – 2. Adagio 12:31
3. Piano Concerto No.1 in D minor, Op.15 – 3. Rondo (Allegro non troppo) 11:56

Maurizio Pollini, piano
Staatskapelle-Dresden
Christian Thielemann, conductor

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PQP

J. S. Bach (1685-1750): Obras para órgão (Koopman)

J. S. Bach (1685-1750): Obras para órgão (Koopman)

Tal como este CD postado pelo Ranulfus, o deste post parece uma seleção de Greatest Hits de Bach para órgão. Claro que Koopman é extraordinário, que Bach criou ouro onde pôs sua mão, que a qualidade da gravação da Archiv merece nosso respeito e que vou ouvir estas obras com prazer e com Koopman até morrer, mas que é uma seleção meio sem critérios, é. Ou melhor, o critério principal é o de mostrar o que mais vende. Ah, e ainda há a verdadeira piada que é a contracapa (ver ao final do post), puro resultado do descuido de quem quer vender para pessoas sem muita atenção.

Ton Koopman gravou a obra completa de Bach para o instrumento. Ele é uma das personalidades mais singulares do mundo da música. Holandês com mente matemática e dedos mágicos, foi aluno de outro grande, Gustav Leonhardt. Sua carreira já tem mais de 50 anos. Sua vocação de professor e a sua erudição colocam-no como figura central na performance musical barroca e em particular na escola alemã. Ao longo dos anos, Bach e Buxtehude tornaram-se seus grandes cavalos de batalha e sua capacidade quase obsessiva de estudar e analisar a enorme obra desses mestres fazem dele um de seus intérpretes ideais. Como artista triplo — cravista, organista e maestro –, é grande a compreensão de Koopman dessa música e dos homens que a compuseram. J.S.Bach foi um prodígio como instrumentista, e apesar de dominar o cravo e o violino, foi no órgão que desenvolveu todo o seu potencial como intérprete e, seguramente, como compositor. Já desde a juventude, quando caminhou mais de 300 quilômetros para conhecer seu amado Dietrich Buxtehude, as crônicas contam que ele conseguia brincar com os pés nos pedais com a mesma rapidez que muitos outros faziam com as mãos.

Koopman + Bach é algo para ser ouvido de joelhos, apesar do apelo comercial da Archiv.

J. S. Bach (1685-1750): Obras para órgão (Koopman)

Toccata Und Fuge d-Moll BWV 565 / Toccata And Fugue In D Minor
1 Toccata 2:31
2 Fuge / Fugue 5:34

Toccata Und Fuge “Dorisch” BWV 538 / Toccata And Fugue “Dorian”
3 Toccata 5:16
4 Fuge / Fugue 6:36

5 Passacaglia c-Moll BWV 582 / Passacaglia C Minor 12:54
6 Pastorale F-Dur BWV 590 / Pastorale In F Major 12:05
7 Fantasie G-Dur BWV 572 / Fantasia In G Major 8:09
8 Canzona d-Moll BWV 588 / Canzona In D Minor 6:04
9 Allabreve D-Dur BWV 589 / Allabreve In D Major 4:18
10 Präludium a-Moll BWV 569 / Prelude In A Minor 3:49

Ton Koopman, órgão

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Hum… No CD, Koopman só toca órgão, mas na contracapa, toca cravo… Estranho, né?

PQP

Heinrich Schütz (1585-1672): Kleine Geistliche Concerte (Little Sacred Concertos) (Weser-Renaissance, Manfred Cordes)

Heinrich Schütz (1585-1672): Kleine Geistliche Concerte (Little Sacred Concertos) (Weser-Renaissance, Manfred Cordes)

Heinrich Schütz é ótimo e melhor ainda se atentarmos para sua data de nascimento. É geralmente considerado o mais importante compositor alemão morto antes no surgimento de  Johann Sebastian Bach e também considerado um dos mais importantes compositores do século XVII junto com Claudio Monteverdi.

Iniciou sua carreira musical quando foi selecionado, ainda menino, por sua bela voz, para o coro do Landgrave Maurício de Hesse-Kassel, e ali recebeu seu primeiro treinamento. Mais tarde, seu patrono o matriculou na Universidade de Marburg, e depois o enviou para estudar com Giovanni Gabrieli, na Itália. Ao retornar, em 1613, com os ensinamentos recebidos, introduziu importantes inovações no vocabulário musical da Alemanha.

Passou os quatro anos seguintes exercendo a função de organista em Kassel, e foi liberado deste serviço para assumir a posição de Kapellmeister na corte de Dresden. Ali, casou-se. Em 1629, voltou para a Itália a fim de comprar instrumentos e estudar a música teatral de Monteverdi. Como a Guerra dos Trinta Anos estava devastando Alemanha, Schütz foi obrigado, em seu retorno, a buscar colocação em outro local, e encontrou emprego em Hamburgo, e depois em Copenhagen. Terminada a guerra, reassumiu suas funções em Dresden, onde se aposentou em 1651, retirando-se para sua casa de campo, onde faleceu.

A música de Schütz é predominantemente religiosa, mas grande capacidade de expressão emocional. Dominou a escrita para grandes grupos tão bem quanto para os reduzidos, e suas Paixões, para pequenos conjuntos, talvez estejam entre suas obras mais impressionantes. A influência da arte musical italiana perpassa toda sua obra, embora a tenha adaptado para o caráter nórdico de uma forma pessoal. Foi um mestre no estilo concertato, no contraponto e na oratório musical, com uma maravilhosa capacidade de interpretação expressiva dos textos num ritmo coerente com a prosódia e ao mesmo tempo desenhando as linhas vocais em melodias da mais alta musicalidade.

Heinrich Schütz (1585-1672): Kleine Geistliche Concerte (Little Sacred Concertos) (Weser-Renaissance, Manfred Cordes)

Kleine Geistliche Concerte (Little Sacred Concertos), Part 1, For Voices & Continuo, SWV 282-305 (Op. 8)

1.1 I. Eile Mich, Gott, Zu Erretten
1.2 II. Bringt Her Dem Herren, Ihr Gewaltigen
1.3 III. Ich Danke Dem Herrn Von Ganzem Herzen
1.4 IV. O Süßer, O Freundlicher, O Gütiger Herr Jesu Christe
1.5 V. Der Herr Ist Groß
1.6 VI. O Lieber Herre Gott
1.7 VII. Ihr Heiligen, Lobsinget Dem Herren
1.8 VIII. Erhöre Mich, Wenn Ich Rufe
1.9 IX. Wohl Dem, Der Nicht Wandelt Im Rat Der Gottlosen
1.10 X. Schaffe In Mir, Gott, Ein Reines Herz
1.11 XI. Der Herr Schauet Vom Himmel
1.12 XII. Lobet Den Herren, Der Zu Zion Wohnet
1.13 XIII. Eins Bitte Ich Vom Herren
1.14 XIV. O Hilf, Christe, Gottes Sohn
1.15 XV. Fürchte Dich Nicht
1.16 XVI. O Herr Hilf
1.17 XVII. Das Blut Jesu Christi
1.18 XVIII. Die Gottseligkeit
1.19 XIX. Himmel Und Erde Vergehen
1.20 XX. Nun Komm’ Der Heiden Heiland
1.21 XXI. Ein Kind Ist Uns Geboren
1.22 XXII. Wir Gläuben All An Einen Kind
1.23 XXIII. Siehe, Mein Fürsprecher Ist Im Himmel

2.1 XXIV. Ich Hab Mein Sach Gott Heimgestellt

Kleine Geistliche Concerte (Little Sacred Concertos), Part 2, For Voices & Continuo, SWV 306-337 (Op. 9)

2.2 I. Ich Will Den Herren Loben Allezeit
2.3 II. Was Hast Du Verwirket
2.4 III. O Jesu, Nomen Dulce
2.5 IV. O Misericordissime Jesu
2.6 V. Ich Liege Und Schlafe
2.7 VI. Habe Deine Lust An Dem Herren
2.8 VII. Herr, Ich Hoffe Darauf
2.9 VIII. Bone Jesu, Verbum Patris
2.10 IX. Verbum Caro Factum Est
2.11 X. Hodie Christus Natus Est
2.12 XI.Wann Unsre Augen Schlafen Ein
2.13 XII. Meister, Wir Haben Die Ganze Nacht Gearbeitet
2.14 XIII. Die Furcht Des Herren
2.15 XIV. Ich Beuge Meine Knie
2.16 XV. Ich Bin Jung Gewesen
2.17 XVI. Herr, Wann Ich Nur Dich Habe

3.1 XVII. Rorate Coeli Desuper
3.2 XVIII. Joseph, Du Sohn David
3.3 XIX. Ich Bin Die Auferstehung
3.4 XX. Die Seele Christi Heilige Mich
3.5 XXI. Ich Ruf Zu Dir, Herr Jesu Christ
3.6 XXII. Allein Gott In Der Höh Sei Ehr
3.7 XXIII. Veni, Sancte Spiritus
3.8 XXIV. Ist Gott Für Uns
3.9 XXV. Wer Will Uns Scheiden Von Der Liebe Gottes
3.10 XXVI. Die Stimm Des Herren
3.11 XXVII. Jubilate Deo Omnis Terra
3.12 XXVIII. Sei Gegrüßet, Maria (Dialogus)
3.13 XXIX. Was Betrübst Du Dich
3.14 XXX. Quemadmodum Desiderat Cervus
3.15 XXXI. Aufer Immensam, Deus, Aufer Iram

Choir – Weser-Renaissance
Conductor – Manfred Cordes

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Toda a ardente sensualidade de Heinrich Schütz para você.

PQP

Domenico Scarlatti (1685-1757) e Canzone Napolitani (Calandra / Cera)

Em um livro de 1773, o músico e historiador inglês Charles Burney foi talvez o primeiro a notar que Domenico Scarlatti frequentemente imitava, em suas obras, as melodias cantadas por comerciantes, tratadores de mulas e outras pessoas comuns:

“There are many pages in Scarlatti’s pieces, in which he imitated the melody of tunes sung by carriers, muleteers and common people.”

Desde então, as composições de Domenico Scarlatti têm sido associadas aos ritmos, harmonias e melodias ibéricas, o que não é surpreendente dado que ele passou a segunda metade de sua vida entre Lisboa, Sevilha e Madri. Mas a música popular de Nápoles, onde ele nasceu e passou sua juventude, também é estreitamente ligada à sua obra, como este CD demonstra de forma incontestável. Fracesco Cera alterna sonatas de Scarlatti com canções nas quais ele acompanha Letizia Calandra. A animada tarantella era a dança mais popular no sul da Itália no século 18, e o álbum traz tarantellas como Lo guarracino, com sua letra que cita dezenas de peixes típicos dos mercados de Nápoles:

pisce spata e stelle de mare, pisce palummo e pisce martielle…
(peixe-espada e estrelas do mar, cação e peixes-martelo…)

O guarracino do título é o nome, em dialeto napolitano, para um peixe típico do Mediterrâneo: protagonista da canção, ele decide se casar com uma sardinha, mas o antigo noivo dela o encontra,

se ll’afferra p’ ’o cravattino
e po’ lle disse: “Ah malandrino!”
(agarrou-o pela gravata e disse-lhe: “Ah malandro!”)

Em Madri, três décadas após sair de sua cidade natal, Scarlatti ainda guardava na memória o ritmo das tarantellas e as melodias napolitanas. A melodia da canção natalina Quanno nascette Ninno aparece de forma muito evidente em uma de suas últimas composições, a Sonata ‘Pastorale’ K.513.

O próprio título desta última canção já nos mostra o quanto o dialeto napolitano é diferente do italiano hoje convencional, baseado naquele que era falado em Florença:

Quanno nascette Ninno a Bettelemme (Napoletano)
Corresponde a:
Quando nacque il bambino a Betlemme (Italiano)

E não é por acaso que algumas palavras desse dialeto tenham correlatos em português e espanhol. As viagens eram muito mais rápidas de navio do que por terra, de forma que essas regiões separadas pelo Mediterrâneo estavam em constante contato, aliás a própria corte de Nápoles, por boa parte do século 18, era governada por um vice-rei espanhol. A trajetória de Domenico, portanto, não foi uma exceção: muitos outros músicos viajaram entre a Itália, Portugal e Espanha. A maioria das sonatas de Scarlatti foram preservadas em um manuscrito em Veneza, provavelmente levado à Itália pelo cantor castrato Farinelli, um napolitano que também foi patrocinado pela casa real, em Madrid, e que possivelmente herdou os cadernos de sonatas quando a Rainha Maria Bárbara morreu em 1758.

Domenico Scarlatti (1685-1757) and the Neapolitan Song
1. D. Scarlatti: Sonata in G major, K103, Alegrissimo
2. Anonymous: Lo guarracino
3. D. Scarlatti: Sonata in D major, K214, Allegro vivo
4. Leonardo Vinci: So li sorbe e li nespole amare
5. D. Scarlatti: Sonata in D minor, K9, Allegro
6. Giovanni Battista Pergolesi: Chi disse ca la femmena
7. D. Scarlatti: Sonata in D minor, K176, Cantabile – Allegrissimo
8. Anonymous: Michelemma
9. D. Scarlatti: Sonata in G major, K153, Vivo
10. Anonymous: La nova gelosia
11. D. Scarlatti: Sonata in C minor, K174, Allegro
12. D. Scarlatti: Sonata in G major, K241, Allegro
13. Sant’ Alfonso de Liguori: Quanno nascette ninno
14. D. Scarlatti: Sonata Pastorale in C major, K513, Moderato – Presto
15. Anonymous: Facimmo mo l’amore – No quarto d’ora
16. D. Scarlatti: Sonata in B flat major, K202, Allegro
Francesco Cera – harpsichord after anonymous Naples c.1650
Letizia Calandra – soprano
Michele Pasotti – baroque guitar (track 2)

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Maria Bárbara de Bragança, a patroa de Scarlatti (circa 1750). Houve rainhas mais belas, mas provavelmente nenhuma tocou cravo tão bem quanto ela

Pleyel

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Steve Reich (1936): WTC 9/11 / Mallet Quartet / Dance Patterns (Kronos / Sō Percussion)

Steve Reich (1936): WTC 9/11 / Mallet Quartet / Dance Patterns (Kronos / Sō Percussion)

O WTC 9/11 de Steve Reich marca o 10º aniversário dos ataques ao World Trade Center. Encomendado e gravado pelo Kronos Quartet, o WTC 9/11 é composto para três quartetos de cordas e vozes pré-gravadas. O álbum também inclui o Mallet Quartet, interpretado pela So Percussion, e Dance Patterns.

WTC 9/11 reflete sobre os ataques ao World Trade Center de 11 de setembro de 2001, quando Reich e sua família moravam a apenas quatro quarteirões do local da tragédia. “No dia 11 de setembro estávamos em Vermont, mas nosso filho, neta e nora estavam todos em nosso apartamento. Nossa conexão telefônica permaneceu aberta por seis horas e nossos vizinhos finalmente conseguiram dirigir para o norte, saindo da cidade com a família deles e a nossa. Para nós, o 11 de setembro não foi um evento midiático”, diz o compositor. Além dos três quartetos de cordas — o Kronos gravou todas as três partes para o álbum –, o WTC 9/11 também usa vozes pré-gravadas, as sílabas finais dos falantes alongadas em uma técnica de som que Reich diz ser o “meio de conectar uma pessoa a outra harmonicamente”. Essas vozes e seus textos pertencem aos controladores de tráfego aéreo do NORAD — pois eles alertaram que os aviões estavam fora do curso — além de amigos e vizinhos dos Reich, lembrando aquele dia. Também há pessoas lendo Salmos ou passagens bíblicas. A relação entre Steve Reich e Kronos Quartet se estende por mais de 20 anos. Este é o terceiro quarteto que o compositor escreveu para Kronos.

Mallet Quartet (2009), encomendado e interpretado por So Percussion, é composto para dois vibrafones e duas marimbas de cinco oitavas. O pano de fundo ritmicamente repetitivo pode ser ouvido como minimalista, mas é uma falsa impressão, pois tudo é compensando por melodias inquietas e aventureiras. Os temas são brilhantes e animados.”

Dance Patterns (2002) é a contribuição de Reich para o filme Counter Phrases of Anne Terese de Keersmaeker’s Choreography, de Thierry de Mey, para o qual vários compositores escreveram peças curtas. Enquanto o filme era exibido, a música era tocada ao vivo pelo Ictus Ensemble, que encomendou a música. 

Steve Reich (1936): WTC 9/11 / Mallet Quartet / Dance Patterns

WTC 9/11
1 I. 9/11 3:40
2 II. 2010 7:27
3 III. WTC 4:46

Mallet Quartet
4 I. Fast 6:47
5 II. Slow 3:10
6 III. Fast 4:47

7 Dance Patterns 6:10

Kronos Quartet (faixas: 1 a 3)
Sō Percussion* (faixas: 4 a 6)
Piano – Edmund Niemann, Nurit Tilles
Vibraphone – James Preiss, Thad Wheeler
Xylophone – Frank Cassara, Garry Kvistad

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Steve Reich durante entrevista na falava sobre Wagner: “Wagner era um protonazista. Viva com isso. A ideia de que grandes artistas se tornam seres humanos exemplares é um desejo romântico”.

PQP

Schubert (1797-1828): Sonata para Piano D. 959 & Impromptus, D. 899 – Irina Chukovskaya ֍

Schubert (1797-1828): Sonata para Piano D. 959 & Impromptus, D. 899 – Irina Chukovskaya ֍

Schubert

Sonata em lá maior, D. 959

4 Impromptus, D. 899

Irina Chukovskaya, piano

 

Uma semana desde que testei positivo para covid, todinha passada de quarentena. Tem sido como uma gripe, um resfriado, graças às doses de vacina. Mandarei fazer uma camiseta tipo OktoberFest: Vacinas, tomo todas! A melhor frase que vi no fb nestes dias: Se nenhum de seus amigos está com covid, é porque você não tem amigos!

No grupo de Zap do tênis, vários, no grupo de recém ou quase aposentados do meu trabalho, também. Mas, vamos ao que interessa, que a música ajudou um bocado a passar estes dias.

Algumas peças musicais se tornaram famosas especialmente por serem tecnicamente difíceis. A Balada em sol menor, de Chopin, assim como Islamey, de Balakirev e Scarbo, de Ravel, são exemplos do que eu quero dizer. Esta última peça, Scarbo, foi escrita por Ravel buscando suplantar Islamey em dificuldade…

O Concerto para Orquestra, de Bartók, costumava ser peça que metia medo em qualquer orquestra e regente. Mas, esta dificuldade pode ter se tornado em um tipo de maldição, pois o desafio técnico atrai virtuoses dos quatro cantos do mundo. Neste exato momento, há em algum obscuro conservatório algum prodígio de piano ainda desconhecido praticando à exaustão alguma destas peças pensando no próximo concurso que o tornará famoso e lhe abrirá as portas das salas de concerto mundo afora.

A superexposição nem sempre revela novos aspectos da peça, que é apresentada mais com o olho no cronometro do que nos possíveis sorrisos da audiência.

As peças para piano de Schubert, suas sonatas e outras obras características conseguiram ficar incólumes a esses assaltos – uma vez que são bem menos complicadas, do ponto de vista técnico. No caso destas obras, o desafio pode ser bem outro, que seja o de expor suas expansivas estruturas e seu universo lírico de maneira atraente e convincente.

O disco desta postagem faz isso, apresenta estas peças de maneira atraente, envolvente, renunciando à pirotecnia e deixando a música se apresentar de maneira inteira. Temos um disco com música de Schubert servida por uma pianista russa gravada por um selo polonês. A sonata é a penúltima das três grandes sonatas compostas por Franz Schubert uns poucos meses antes de morrer. O seu último movimento usa os mesmos temas de uma sonata de juventude e é um dos meus movimentos favoritos.

Os Impromptus são exemplos do que eu chamo música líquida… A sensação de um fluxo contínuo de sons luminosos me ocorre sempre que encontro uma interpretação que me agrada.

É bem possível que a pianista Irina Chukovskaya não seja sua conhecida, mas não se preocupe muito com isso. Ela tem todas as credenciais necessárias para interpretar qualquer página da literatura de piano e ela (ainda bem) escolheu estas maravilhas para gravar o disco. Anote o número de vezes que sorrir descuidadamente ao ouvi-lo e depois me conte…

Franz Schubert (1797 – 1828)

Sonata para Piano em lá maior, No. 20, D. 959

  1. Allegro
  2. Andantino
  3. Scherzo. Allegro vivace
  4. Rondo. Allegretto

4 Impromptus, D899 (Op. 90)

  1. 1 em dó menor – Allegro molto moderato
  2. 2 em mi bemol maior – Allegro
  3. 3 em sol bemol maior – Andante
  4. 4 em lá bemol maior – Allegretto

Irina Chukovskaya, piano

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FLAC | 199 MB

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MP3 | 320 KBPS | 157 MB

Irina Chukoskaya em video conference com o pessoal da redação do PQP Bach Corp

A student of Stanislav Neuhaus and Vera Gornostayeva, prominent teachers and heirs to the Neuhaus school (after graduation from the Moscow Conservatory the pianist improved her skills with Dmitri Bashkirov and Mikhail Kollontai), Irina Chukovskaya won the Chopin International Competition in Warsaw in 1980. Today, the pianist gives concerts and master classes around the world constantly expanding her repertoire.

Schnabel’s 1937 recording of this sonata shows the way, and Chukovskaya plays in the same mode. Like Schnabel, she looks for potential drama to bring out, as in the contrasting themes in the Scherzo. Her reading of that movement is exceptional, in fact. In the finale she leans into the moving line rather than letting the songful main theme glide more expansively. There’s a more poised way to approach the finale, but Chukovskaya’s is satisfying.           [Fanfare Jul/Aug 2020]

Aproveite!
René Denon

.: interlúdio :. John Zorn: At The Gates Of Paradise

.: interlúdio :. John Zorn: At The Gates Of Paradise

A música de John Zorn é incomparavelmente heterogênea. É impossível definir um único fator unificador. Ele compõe e participa de vários grupos. Então… (odeio quando dizem isso…), com seu selo Tzadik, Zorn construiu um pequeno mas milagroso império de gravações de qualidade, tanto em seu próprio nome quanto em álbuns sob a direção de outros artistas. Este é dele. Zorn é grande em temas construídos em torno dos conceitos ou escritos que o inspiraram. Baseado nos escritos do poeta William Blake e nos antigos escritos gnósticos de Nag Hammad, Zorn construiu uma série de composições que são hipnóticas e oníricas, possuindo uma serenidade encontrada nos mais doces romances.

.: interlúdio :. John Zorn: At The Gates Of Paradise

1 The Eternals 5:54
2 Song Of Innocence 6:43
3 A Dream Of Nine Nights 8:31
4 Light Forms 3:21
5 The Æons 5:50
6 Liber XV 6:25
7 Dance Of Albion 6:34
8 Song Of Experience 4:58

John Medeski – piano, organ
Kenny Wollesen – vibes
Trevor Dunn – bass
Joey Baron – drums

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PQP

Fauré / Messiaen / Ravel: Plainte Calme (Alexander Lonquich)

Fauré / Messiaen / Ravel: Plainte Calme (Alexander Lonquich)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Neste CD de música francesa da grande ECM, Fauré dá o esqueleto… Ou melhor, voltemos ao começo. Imaginemos um navio. O corpo, ou estrutura, do navio é chamado de casco. Aqui, o casco é Fauré. Já a quilha é como a espinha dorsal do navio: uma viga central que percorre a parte inferior, desde a proa até a popa. Ela o impede de tombar para os lados. Este é Ravel. Enquanto isso, o convés é como o andar de um edifício. Os navios geralmente possuem vários conveses. Os camarotes de passageiros, as salas de motores e de controle e os espaços para cargas costumam ocupar conveses diferentes. Quem nos recebe aqui é Messiaen. Ou seja, ancorados em Fauré-Chopin, equilibrados por Ravel e com Messiaen regendo os pássaros que acompanham a partida da viagem, Alexander Lonquich nos dá um banho de sensibilidade e competência.

Fauré compôs seus 5 improvisos em dois períodos distintos de sua carreira, em 1881-83 e 1906-09. Inspirados no exemplo de Chopin, os brilhantes improvisos iniciais (Op. 25, 31 e 34) assemelham-se a estudos líricos que parecem improvisações, mas são dispostos de forma simétrica com uma coda. Em contraste, o improviso Op. 91 e 102 são concebidos com muito mais ousadia em sua sonoridade, harmonia e virtuosismo.  

Os Préludes pour piano é uma das primeiras obras para piano de Messiaen compostos em 1928-1929, quando o compositor tinha 20 anos. Messiaen considerou ser seu primeiro trabalho de algum valor. A composição é baseada nos traz uma influência decisiva dos prelúdios de Debussy. As peças foram estreadas pelo compositor em uma apresentação privada que ocorreram em 28 de janeiro de 1930. 

Gaspard de La Nuit é uma suíte para piano composta por Maurice Ravel em 1908. Foi inspirada em uma série de poemas em prosa fantásticos do escritor Aloysius Bertrand. No poema, o autor relata uma série de surpreendentes visões e aventuras protagonizadas pelo “Gaspar da Noite”. Trabalhando sob o encanto do texto evocativo de Bertrand, Ravel baseou seu Gaspard em três desses contos. O título do primeiro movimento, Ondine, refere-se a um legendário espírito feminino das águas (já viram o fime?) que tenta seduzir um jovem e arrastá-lo para sua morada no fundo de um lago. O segundo movimento, intitulado Le Gibet (em português, “O patíbulo”), transmite uma atmosfera apropriadamente densa. O terceiro movimento, Scarbo, é o nome de um gnomo que corre quase à velocidade da luz e assume a forma que desejar. Ravel declarou que almejava alcançar com este “Scarbo” uma obra ainda mais difícil de ser executada do que “Islamey”, do compositor russo Mily Balakirev. Não há dúvidas de que Scarbo é uma das peças mais difíceis de que se tem notícia…

Fauré / Messiaen / Ravel: Plainte Calme (Alexander Lonquich)

01. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 3 in A flat major, Op. 34 5:03

02. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 1. La colombe 2:11
03. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 2. Chant d’extase dans un paysage triste 6:47
04. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 3. Le nombre leger 1:43
05. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 4. Instants defunts 4:43
06. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 5. Les sons impalpables du reve 3:21
07. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 6. Cloches d’angoisse et larmes d’adieu 8:37
08. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 7. Plainte calme 3:23
09. Olivier Messiaen – Preludes for piano, 8. Un reflet dans le vent 5:08

10. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 1 in E flat major, Op. 25 4:04
11. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 4 in D flat major, Op. 91 4:43
12. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 2 in F minor, Op. 31 3:54

13. Maurice Ravel – Gaspard de la nuit, for piano 1. Ondine 6:42
14. Maurice Ravel – Gaspard de la nuit, for piano 2. Le Gibet 7:28
15. Maurice Ravel – Gaspard de la nuit, for piano 3. Scarbo 9:37

16. Gabriel Fauré – Impromptu for piano No. 5 in F sharp minor, Op. 102 2:09

Alexander Lonquich – piano

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Alexander Lonquich (1960)

PQP

C. P. E. Bach (1714-1788): Die Israeliten in der Wüste (Christie)

C. P. E. Bach (1714-1788): Die Israeliten in der Wüste (Christie)

CPE, você meu amigo de fé, meu irmão camarada, amigo de tantos caminhos e tantas jornadas. CPE, você é disparado o mais talentoso filho do Homem e demonstra novamente o fato neste CD. Com tratamento de luxo de William Christie, Die Israeliten in der Wüste (Os israelitas no deserto) é um belo oratório de Carl Philipp Emanuel Bach. Embora conhecido principalmente por suas obras em outros gêneros, Carl Philipp Emanuel Bach também compôs oratórios durante sua carreira como compositor. Depois de chegar a Hamburgo em 1768, ele se viu em uma atmosfera muito mais propícia à criatividade musical do que seu cargo anterior em Berlim lhe proporcionara. Com seu novo posto vieram muitas novas responsabilidades e Bach se viu compondo peças nos gêneros mais longos. Uma de suas primeiras composições em seu novo posto de Hamburgo este oratório começado na segunda metade de 1768 e terminado no início de 1769. A peça foi baseada em um libreto do libretista alemão Daniel Schiebeler que, em vez de criar o libreto usando citações diretas das escrituras, usou poesia baseada nas escrituras. Bach escreveu o oratório para a consagração da Lazarettkirche em 1769 e a partitura foi impressa pela primeira vez em 1775. Ele escreveu a peça com a intenção de que fosse executada “não apenas em uma ocasião solene, mas a qualquer momento, dentro ou fora da Igreja”. Essa esperança finalmente se concretizou quando a peça foi executada mais tarde fora das áreas de língua alemã e ganhou reputação como uma peça de concerto em vez de uma peça exclusivamente sacra, um status que manteve no século seguinte. Parte da razão para isso foi que em Hamburgo havia artistas muito melhores, capazes de produzir uma peça tecnicamente tão complicada. O estilo geral de escrever oratório de Bach é claramente influenciado por Handel . Os temas de Bach e os efeitos musicais indicam respeito e uma forte influência dos oratórios de Handel, particularmente, do Messias.

C.P.E.Bach (1714-1788): Die Israeliten in der Wüste

Die Israeliten In Der Wüste, Oratorio For 5 Soloists, Chorus, Orchestra & Continuo, H. 775, Wq. 238

Erster Theil
1 Chœur Des Israélites “Die Zunge Klebt” 4:18
2 Récitatif Et Air Première Femme Israélite “Ist Dieses Abrams Gott” 8:16
3 Récitatif Aaron “Verehrt Des Ewgen Willen” 0:53
4 Air Aaron “Bis Hieher Hat Er Euch Gebracht” 6:24
5 Récitatif Et Air Deuxième Femme Israélite “Warum Verließen Wir” 7:12
6 Récitatif Aaron “Für Euch Fleht Moses” 0:24
7 Symphonie 0:39
8 Récitatif Moïse “Welch Ein Geschrey” 0:11
9 Chœur Des Israélites “Du Bist Der Ursprung Unserer Noth” 1:53
10 Récitatif Moïse “Undankbar Volk” 1:28
11 Duo Femmes Israélites “Umsonst Sind Unsre Zähren” 7:57
12 Récitatif Accompagné Moïse “Gott, Meiner Väter Gott” 2:54
13 Air Moïse “Gott, Sieh Dein Volk” 5:34
14 Chœur Des Israélites “O Wunder” 1:36

Zweyter Theil
15 Récitatif Moïse “Verdienet Habt Ihr Ihn” 1:17
16 Air Moïse “Gott Israels, Empfange” 4:54
17 Récitatif Et Air Première Femme Israélite “Wie Nah War Uns Der Tod” 7:00
18 Récitatif Accompagné Moïse “O Freunde, Kinder” 4:15
19 Récitatif Et Air Deuxième Femme Israélite “Beneidenswert, Die Ihren Sohn” 5:23
20 Récitatif Moïse “Hofft Auf Dem Ewgen” 0:31
21 Chœur “Verheißner Gottes” 2:02
22 Choral “Was Der Alten Väter Schaar” 0:44
23 Récitatif Ténor “O Heil Der Welt” 1:10
24 Chœur “Laß Dein Wort” 1:54

Barbara Schlick
Lena Lootens
Hein Meens
Stephen Varcoe
Corona & Cappella Coloniensis
William Christie

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William Christie, não há tantos norte-americanos na música historicamente informada, estou correto?

PQP

4 concertos para violino de compositores negros, de 1775 a 1899: St-George, Meude-Mompass, Joseph White, Coleridge-Taylor

Já faz uns meses que o Frater Carlinus encontrou esta joia e, sabendo-a de seu especial interesse, repassou-a ao Monge Ranulfus – mas este andava ocupadíssimo com sua peregrinação da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba para as vizinhanças do Convento da Penha, 1300 Km mais ao norte, e a joia foi ficando na estante à espera de algum impulso que a recolocasse na ordem do dia. E aí…

… eis que o impulso veio em 12 de outubro da forma da postagem do Grão Mestre PQP dos concertos para violino de Brahms e de Joachim realizados por… Rachel Barton Pine – precisamente a mesma violinista da nossa joia a desempoeirar!

Verdade que quando desta gravação nossa violinista ainda não se chamava Pinheiro: aparece na capa meramente como Rachel Barton – e sua biografia na Wikipedia não esclarece nada sobre essa mudança, apesar de contar com detalhes o acidente a que ela sobreviveu por pouco dois anos antes, quando a porta de um trem prendeu seu violino e ela foi arrastada pela alça por mais de 100 metros.

Outra curiosidade sobre a violinista é que ela é chegada num heavy metal e compartilha na net suas gravações de Metallica, Ozzy e outros tais – além de, como apontou o PQP no seu post, gostar de fazer teses ou aulas de suas gravações: vejam p.ex. sua narração de como Beethoven havia originalmente dedicado a Sonata “a Kreutzer” ao violinista negro George Bridgetower (do que já tratei aqui num post), num vídeo que introduz sua própria execução da sonata: http://www.youtube.com/watch?v=6W_hXRbqNIk

Não vou falar muito aqui do conteúdo do CD; vocês encontram bastante informação no encarte incluído na postagem (com o único senão que é estar em inglês). Menciono apenas que o segundo concerto gravado é o em Lá Maior op.5 nº 2, de 1775, do Chevalier de Saint-George, de que já temos duas outras gravações aqui no PQP Bach – e bastante informação sobre o compositor nas três postagens que fiz em junho de 2010.

Saint-George é ótimo, mas o CD reserva surpresas maiores com duas outras peças: o primeiro concerto é de um outro chevalier mulato, J.J.O. de Meude-Mompass, do qual não se sabe muito mais que ter nascido em Paris, ter sido mosqueteiro a serviço de Luís XVI e exilado com a Revolução, e ter morrido em Berlim. Seu concerto é 11 anos posterior ao de Saint-George, e embora também escrito na linguagem do classicismo francês tem um caráter bastante diferente – quase como se Saint-Georges se aproximasse mais do espírito de Mozart (sem ter sido influenciado por ele, como já explicamos num post anterior!), e Meude-Mompass um tanto mais de Haydn, prefigurando aqui e ali passos que pouco depois seriam dados por um aluno deste chamado Beethoven (por exemplo, no uso dos sopros na orquestra).

Ainda mais surpreendente me parece o autor do terceiro concerto do CD, composto também em Paris pelo cubano José Silvestre White Lafitte, ou Joseph White, então com 28 anos. Isso foi em 1864, ou seja: em pleno romantismo. O mais interessante para mim é que sete anos mais tarde White teria se tornado diretor do Conservatório Imperial (?) no Rio de Janeiro, permanecendo até 1889 – data que os redatores da Wikipedia em inglês provavelmente não sabem que para nós significa “proclamação da república”, o que sugere que White tenha sido um convidado e/ou protegido de Dom Pedro II. Seu concerto lembra bastante os de Paganini, mas me parece melhor orquestrado e menos voltado à pura exibição de virtuosismo que os de seu inspirador; pode não ser uma obra prima arrasadora, mas me cai bem, muito bem.

O mesmo não posso dizer da última obra do CD, o Romance em Sol Maior do inglês Samuel Coleridge-Taylor. Tudo bem que seja importante preservar a memória e a obra desse violinista, regente e compositor – mas infelizmente ele não foi exceção à estranha maldição que parece ter afetado a música inglesa depois de Purcell e Handel e antes de Britten: esse Romance me parece insuportavelmente banal, meloso e… desnecessário. Mas isso é para o meu gosto pessoal: certamente, como diz uma canção, “se você não quer tem quem queira”… Enfim, vai aí a lista das faixas – e bom proveito!

Concertos para Violino de compositores negros dos séculos 18 e 19
Rachel Barton [Pine], violino
Encore Chamber Orchestra regida por Daniel Hege (1997)

Chevalier J.J.O. de Meude-Mompass: Concerto n.º 4 em Ré (1786)
01 Allegro
02 Adagio
03 Rondeau: Allegreto

Chevalier de Saint-George: Concerto em Lá op. 5 n.º 2 (1775)
04 Allegro moderato
05 Largo
06 Rondeau

Joseph White: Concerto em fá sustenido menor (1864)
07 Allegro
08 Adagio ma non troppo
09 Allegro moderato

Samuel Coleridge-Taylor
10 Romance em Sol Maior (1899)

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Ranulfus

J.S. Bach (1685-1750): Partitas Nos. 1 & 3 · Sonata No.2 (Gringolts)

J.S. Bach (1685-1750): Partitas Nos. 1 & 3 · Sonata No.2 (Gringolts)

Suspeito que o russo Ilya Gringolts será um violinista que regularmente polarizará opiniões. Alguns ficarão emocionados com o aspecto físico e o nervosismo de suas execuções, enquanto outros acharão que isso os deixa nervosos. A vivacidade desta gravação da DG para estas três obras solo de Bach enfatiza essa qualidade ligeiramente agressiva. Há muita musicalidade em exibição em todas as apresentações, mas nenhum fascínio, nada que as torne insinuantes. Alguns poderão classificar sua abordagem dirigida a Bach como exclusivamente “russa” na concepção, o que significa que é alternadamente ousado, grandioso, furioso, exagerado e até excessivo. Ao mesmo tempo, Gringolts toma emprestado da multidão “historicamente informada”, pegando cada repetição e acrescentando consideráveis ​​floreios ornamentais. É tudo muito estranho. Não gostei.

J.S. Bach (1685-1750): Partitas Nos. 1 & 3 · Sonata No.2 (Gringolts)

Partita No. 1 In B Minor For Solo Violin, BWV 1002 (24:58)
1 Allemanda 4:05
2 Double 3:29
3 Corrente 3:02
4 Double: Presto 3:26
5 Sarabande 3:27
6 Double 2:25
7 Tempo Di Borea 2:30
8 Double 2:34

Sonata No. 2 In A Minor For Solo Violin, BWV 1003 (17:40)
9 Grave 3:11
10 Fuga 5:37
11 Andante 4:04
12 Allegro 4:48

Partita No. 3 In E Major For Solo Violin, BWV 1006 (16:06)
13 Preludio 3:22
14 Loure 3:05
15 Gavotte En Rondeau 2:33
16 Menuet I – Menuet II 3:59
17 Bouree 1:18
18 Gigue 1:49

Ilya Gringolts, violino

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Gringolts: russo demais para Bach

PQP

Mr Couperin – Louis (1626-1661) François (1631-1701) e Charles (1639-1679) – Suítes para cravo (Pièces de clavecin) (Sailly)

Este CD do cravista francês Brice Sailly ganhou o cobiçado prêmio Diapason d’Or de l’année 2021 na categoria Barroco Instrumental. É evidente a intimidade do intérprete com o instrumento – réplica de um cravo por Tibaut de Toulouse, com som polido, redondo, aveludado como um bom vinho Bordeaux – e com as obras, que ele gravou após uma sessão intensa de estudos em casa devido ao isolamento social de 2020. Mas além disso, grande parte do charme do CD se dá, desde a capa, pelo fato de desconstruir o mito do genial Louis Couperin, grande nome do barroco francês do século 17 e tio de François Couperin, sendo este último um representante do barroco tardio como Rameau e J.S. Bach. Esses dois seriam os grandes compositores e os outros vários membros da família ocupariam notas de rodapé na história, com cargos de organistas de igreja, professores de cravo, cantoras e cravistas da corte em Versailles… Isso é o que achávamos que sabíamos, mas será verdade?

O manuscrito Bauyn é provavelmente a principal fonte conservada de música instrumental francesa da segunda metade do século 17. Ele contém peças de compositores como Chambonnières, Couperin (que aparece sem seu primeiro nome), Lebègue, La Barre, além do alemão Froberger e do italiano Frescobaldi. Desde o século 19, todas as obras desse manuscrito atribuídas a “Mr Couperin” (Monsieur Couperin, ou seja, Senhor Couperin) têm sido consideradas como de autoria de Louis Couperin (circa 1626-1661). Mais recentemente, pesquisadores têm encontrado boas razões para acreditar que parte das peças desse Couperin são de seus irmãos François Couperin (circa 1631-1701) e Charles Couperin (1638-1679).

As chaconas e passacailles tão característicos da obra de Couperin só se tornaram comuns na França nas obras de Lully no final da década de 1660. Da mesma forma, os minuetos só entraram nos balés de corte em uma data relativamente tardia: eles apareceram pela primeira vez em uma das obras de Lully para o palco em 1664. Devemos notar também que os únicos minuetos que aparecem no manuscrito de Bauyn são assinados por Couperin. Além disso, no prefácio de Les Gouts Réunis (1724), François Couperin o jovem (1668-1733), filho de Charles e sobrinho de Louis, fala das “obras dos meus antepassados” (“les ouvrages de mes ancêtres”), sem atribuir toda a autoria ao seu tio Louis, que aliás já tinha morrido quando ele nasceu, o que não impediu a transmissão dos conhecimentos para François, cuja música para cravo, por sua vez, dá continuidade à tradição das suítes francesas mas se distancia das danças e vai povoando suas suítes com miniaturas de títulos curiosos como “O rouxinol apaixonado” ou “As barricadas misteriosas”, que expressam diferentes atmosferas, muitas vezes com humor.

As pesquisas recentes de especialistas, principalmente a de Glen Wilson, nos obrigam a aceitar que este corpus de peças para cravo do velho Couperin (de novo: não confundir com o jovem François!) não podem consistir exclusivamente em composições de Louis Couperin, o mais velho dos irmãos e o que morreu mais jovem, antes dos 40 anos. Recentemente, a editora Breitkopf & Härtel fez uma nova publicação dos Prélúdios non mésurés, indicando na autoria a menção “Charles & Louis Couperin”. Esta editora não se arrisca a atribuir as peças individuais a um ou outro dos irmãos. É o mesmo questionamento que Brice Sailly e o selo Ricercar tiveram para este álbum. Eles admitem que foi grande a tentação, analisando vários elementos estilísticos e formais, de atribuir as peças selecionadas a um ou outro destes irmãos, Louis e Charles, e mesmo ao mais novo, François. Para certas peças, há evidências bastante precisas, por exemplo, a impossibilidade de um compositor francês falecido em 1661 ter composto um minueto…

Mas a busca pelo primeiro nome parece, no fundo, querer impor uma noção relativamente recente de identidade do autor (o gênio, o indivíduo inimitável), noção à qual os antigos não atribuíam importância tão grande. Como em todas as corporações do Antigo Regime, a profissão de músico também costumava ser um assunto de família, como vemos nas famílias Gabrieli, Couperin, Bach, Scarlatti, etc.

Charles Couperin ao órgão, retrato de Claude Lefebvre com a filha do pintor, possivelmente aluna do retratado

Uma das principais características das suítes de Louis Couperin e de seus irmãos é o Prélude non mésuré, ou prelúdio sem medidas, no sentido de sem compassos. O compasso, vocês sabem, divide a música em trechos com a mesma duração. Segundo os especialistas, compassos começaram a ser usados na notação musical no século 16, ou seja, a música anterior, como por exemplo, o canto gregoriano, era escrita sem compassos. No século 17 o compasso já era usual, mas não estritamente obrigatório como se tornaria no século 18. Jean-Henry d’Anglebert (1629-1691), Jean-Philippe Rameau (1683-1764) e Elisabeth Jacquet de la Guerre (c. 1664-1729) também foram mestres nessa arte libertária do Prelúdio sem medidas, que soam como improvisos livres, leves e soltos, sem o tempo bem marcado das danças que formam o miolo das suítes francesas. As obras para cravo de Jacquet de la Guerre, a principal compositora mulher da corte de Luís XIV, aparecerão em breve em um PQPBach perto de você.

Mr. Couperin – Obras do manuscrito Bauyn
Pièces en ré
1. Prélude (1) 5’43
2. Allemande (36) 3’44
3. Courante (42) 1’18
4. Courante (43) 1’37
5. Sarabande (51) 3’23
6. Canaries (52) 1’36
7. La Pastourelle (54) 1’33
8. Chaconne (55) 2’42
9. Volte (53) 1’03

10. Pavanne en fa # mineur (121) 9’15

Pièces en mi-la
11. Prélude (14) 1’40
12. Allemande de la Paix (63) 3’15
13. Courante (64) 1’36
14. Sarabande (65) 3’35
15. La Piémontoise (103) 1’53

Pièces en ut
16. Prélude (9) 3’05
17. Allemande la Précieuse (30) 3’19
18. Courante (31) 1’48
19. Courante (16) 1’27
20. Sarabande (32) 3’09
21. Sarabande (25) 1’12
22. Gigue (33) 1’58
23. Passacaille (27) 5’45
24. Menuet (29) 1’16
Brice Sailly – cravo por E.Jobin, cópia de cravo por Tibaut de Tolose (nasc. circa 1647)

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Ao contrário dos irmãos Couperin, Tibaut de Tolose fez questão de assinar seu nome completo nos cravos que fez

Pleyel

 

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