Dia Internacional da Mulher: Hildegard von Bingen (1098-1179): Music From Symphonia Harmonia Caelestium Revelationum (Alba)

Dia Internacional da Mulher: Hildegard von Bingen (1098-1179): Music From Symphonia Harmonia Caelestium Revelationum (Alba)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Um belíssimo CD, muito bem interpretado. As obras de von Bingen são realmente excelentes, de uma estranha e permanente intensidade. Bem, como eu sou um amante da cerveja — espero que a maioria de vocês também seja –, confiram abaixo o papel desta “gênia” medieval na produção da bebida. Afinal, Santa Hildegard (sim, ela foi canonizada) é a Santa do Lúpulo. Foi a abadessa e santa alemã que relatou, no século XII, a propriedade conservante do lúpulo na cerveja. E ela também descreveu o orgasmo feminino, o que faz dela uma pioneira.

Feminista, santa e rebelde: A monja que descreveu o orgasmo feminino há 900 anos

Por Laila Vidal

Ela foi pintora, poeta, compositora, cientista, monja, filósofa, médica e profeta. Conheça a incrível história de Hildegarda de Bingen, a monja feminista que escrevia poemas de amor e sexo, e descreveu o orgasmo feminino no ano de 1.140 d.c.

Décima filha de um casal católico, Hildegarda de Bingen teve seu destino determinado ao nascer, seria doada como dízimo à igreja.

Nascida na cidade de Bermersheim na Alemanha no ano de 1.098, Hildegarda foi entregue à Igreja para ser monja.

Seus pais a deixaram em um monastério que possuía uma ala destinada às mulheres quando ela tinha apenas oito anos de idade.

Vitral católico representando à santa Hildegarda de Bingen

Desde os três anos Hildegarda tinha visões, mas só depois dos quarenta começou a escutar uma voz que lhe dizia que escrevesse e desenhasse tudo aquilo que seus olhos e ouvidos alcançassem.

Conheça agora essa mulher incrível que escreveu e desenhou o que sua alma lhe pediu, e nos deixou uma obra intrigante e bela, sobre a mulher, a amor e o sexo.

Quem foi a monja Hildegarda

Pintora, poeta, compositora, cientista, monja, filósofa, profeta… Uma mulher de um poder e uma coragem impensáveis para a época, que conseguiu uma autorização do vaticano para estudar e escrever sobre seus estudos.

Vivendo em um monastério de monjas desde criança, Hildegarda tornou-se abadessa. Atormentada por suas visões convenceu o Papa que a permitisse escrevê-las e assim começou a registrar suas visões, suas previsões, escreveu livros de medicina, de remédios naturais, cosmologia e teologia.

Com o passar do tempo a monja começou a estreitar relações com as autoridades eclesiásticas e políticas tornando-se conselheira, algo que era totalmente vetado para mulheres naquela época.

Uma mulher visionária, detentora de algum poder secreto que a fez ascender a posições jamais imaginadas em uma era medieval, onde mulheres eram queimadas por produzirem remédios caseiros ou simplesmente por escolherem uma religião não cristã.

Hildegarda interpretada por Bárbara Sukowa no filme “Visión”

A monja e o sexo

Com relação ao sexo a monja foi uma revolução quase inacreditável. Hildegarda falava do tema com uma liberdade que não existia na época, especialmente na vida religiosa, e mais ainda se tratando de uma mulher.

Em uma linguagem clara e apaixonada Hildegarda fez o que seria a primeira descrição do orgasmo feminino do ponto de vista de uma mulher e se atreveu a garantir que o prazer sexual era de ambos, homem e mulher, e não somente do homem como se fazia acreditar na época.

Para ela, o ato sexual era algo belo, sublime e ardente. Nos seus livros dedicados à medicina abordou com frequência o tema da sexualidade.

No livro “Causa et Curae” (Causa e Cuidado), escrito por ela, vemos uma descrição detalhada e técnica do ato sexual entre homem e mulher:

“Quando a mulher se une ao homem, o calor do cérebro dela, que tem em si o prazer, faz com que ela saboreie o prazer da união e atraia a ejaculação do sêmen. E quando o sêmen cai em seu lugar, esse fortíssimo calor do cérebro o puxa e o retém consigo, e imediatamente o órgão sexual da mulher se contrai e se fecham todos os membros que durante a menstruação estão prontos para abrir-se, do mesmo modo como um homem forte agarra uma coisa dentro de sua mão.”

Hildegarda de Bigen no livro “Causa et Curae”

Eva e a maça: A verão feminista de Hildegarda sobre o pecado original

Além de sua produção relacionado ao sexo, em particular sobre a mulher e sua sexualidade, Hildegarda tinha uma leitura bem polêmica com relação a diversos dogmas católicos, como por exemplo sua visão ultra feminista de Eva e o pecado original.

No livro “História Medieval do sexo e do erotismo”, Ana Martos explica a forma como Hildegarda percebia a passagem bíblica onde somos apresentados ao pecado através do deslize de Eva com a maça e o assédio da serpente:

“Assim como para Santo Agostinho a concupiscência é o castigo de Deus, para Hildegarda, que não se atreveu a contradizê-lo e admitiu a ideia de que o pecado original era de luxúria, a culpa foi de Satanás, que soprou veneno sobre a maçã antes de entregá-la a Eva, invejoso de sua maternidade. Esse veneno foi, precisamente, o prazer, e seu sabor, o desejo sexual.”

História medieval do sexo e do erotismo – Ana Martos

Incrível o que foi capaz de produzir esta mulher, em 1.140! Uma época onde as mulheres eram perseguidas e queimadas em gigantescas fogueiras. Uma figura especial não só na história do conhecimento, mas também da Igreja Católica.

Cena do filme “Visión” que conta a história de Hildegarda de Bingen

“O desejo sexual é o sabor da maçã”

Hildegarda interpretada por Bárbara Sukowa no filme “Visión”

Poemas de amor e sexo da monja rebelde

O erotismo permeou toda sua obra, seus poemas também levantavam as questões sexuais.

“Tu Dulcissime Amator” (Seu doce amante,) um poema dedicado às virgens:

Nascemos no pó,

ai!, ai!, e no pecado de Adão

É muito duro resistir

O sabor que tem a maçã

Eleva-nos, Cristo Salvador

Cerveja e ressaca, temas que Hildegarda tratou em seus livros sobre saúde

A monja era a favor da cerveja e tinha até uma receitinha caseira para curar a ressaca que aparece em seu livro de medicina “Causa et Curae” (Causa e Cuidado):

“(…) de sua parte, a cerveja engorda as carnes e proporciona ao homem uma cor saudável no rosto, graças à força e boa seiva de seu cereal. Em troca, a água debilita o homem e, se está doente, às vezes lhe causa malignidade ao redor dos pulmões, já que a água é fraca e não tem vigor nem força alguma. Mas um homem saudável, se bebe água às vezes, ela não lhe fará mal.

Para atenuar os sintomas do excesso, molhar uma cadela na água e, com essa água, molhar a frente da pessoa afetada.”

Hildegarda de Bingen no livro “Causa et Curae”

A santa Hildegard von Bingen

Canonizada em 2012, a santa “Hildegard von Bingen” teve uma vida movimentada e repleta de êxitos.

É difícil compreender como uma monja que viveu em uma época onde as mulheres não tinham direito a quase nada, nem mesmo de aprender a ler e escrever, foi capaz de conseguir tanto espaço para se expressar e produzir.

Alguns indícios nos ajudam a chegar mais perto de entender o que foi a vida desta mulher, que estava cercada de encantos e magias inexplicáveis.

Suas várias mortes, as premonições, o uso que fazia da música para curar doenças, e sua morte real aos 82 anos em uma época em que a expectativa de vida era de 40, constroem um pouco essa aura de santa que sempre envolveu a menina que foi dada à Igreja como dízimo.

Hildegarda interpretada por Bárbara Sukowa no filme “Visión”

O filme que conta a fascinante história de Hildegarda Von Bingen

“Visión” foi lançado em 2009 e conta a história desta santa feminista da era medieval.

Os diálogos do filme estão baseados em frases textuais extraídas de seus tratados e cartas.

Aa músicas que compõem a trilha sonora do filme foram compostas pela própria Hildegarda durante sua vida no convento nos anos 1.100.

Um filme lindo para uma história incrível que vale à pena assistir. As fotos que ilustram esse post foram todas tiradas deste filme.

Artistas que se inspiraram na vida da monja feminista

Além da medicina, da ciência e da filosofia, Hildegarda foi uma artista, escreveu poemas e compôs músicas. E claro que inspirou, e continua inspirando até os dias de hoje vários artistas ao redor do mundo.

Um destes artistas é o músico americano Devendra Banhart, que fez uma canção que se chama “Für Hildegard von Bingen”.

Esta música foi inspirada nesta santa alemã, revolucionária e feminista.

Deixo aqui o videoclipe da música, com Hildegarda sendo interpretada por uma joven negra, rebelde e feminina, que foge do convento para ser uma cantora de sucesso.

Esta foi Hildegarda von Bingen, uma santa, rebelde e feminista que nos fascina pela força com que se manteve fiel aos seus ideais, mesmo vivendo em uma época onde as mulheres não deveriam falar, nem pensar.

Próxima semana vamos conhecer a história de mais uma mulher intrigante e inspiradora, que ousou ser mais do que a sociedade permitia a uma mulher ser.

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Hildegard von Bingen, a santa do lúpulo

Por Sergio Crusco

Quem já pesquisou a história dos ingredientes cervejeiros – mais especificamente o lúpulo – provavelmente topou com o nome da abadessa alemã Hildegard von Bingen, um dos luminares do conhecimento sobre a flor que dá amargor e aroma à cerveja, além de conservar a bebida. Como virou santa em 1584, é fácil imaginar que vez em quando se dê uma rezadinha para Hildegard, para que a brassagem não desande ou sobre dinheiro e saúde para a próxima boa cerveja.

Hildegard, nascida em 1098 na Renânia, tem fama cervejeira merecidíssima, mas não é autora da primeira citação a respeito do lúpulo na elaboração de uma de nossas bebidas prediletas, como se diz à boca larga. A glória cabe a outro santo, Adelardo, que em 822, no monastério beneditino de Corbie, França, enumerava obrigações dos abades – uma delas fornecer um décimo do malte e do lúpulo colhido ao monge incumbido de fabricar a cerveja. Adelardo não deixa claro como o lúpulo era utilizado na fabricação de cerveja, mas chegou antes. De qualquer forma, não perca sua fé: reze para os dois santos.

Hildegard foi quem, pela primeira vez, explicitou a qualidade conservante do lúpulo para a cerveja, embora não fosse grande fã dos efeitos da planta no organismo. Em sua avaliação, o lúpulo deixava o cabra meio jururu, caidão. “Ele não é muito útil ao bem estar do homem, porque faz a melancolia crescer, deixa a alma do homem triste e faz pesar seus órgãos internos. Porém, como resultado de seu próprio amargor, evita certas putrefações das bebidas, às quais deve ser adicionado, e assim elas podem durar muito mais tempo”, escreveu na obra Physica Sacra, de cerca de 1150, em que descreve o uso medicinal e prático de várias espécies que pesquisou.

Se você ainda devota Hildegard como a mais lupulina de todas as santas, é bom saber que ela preferia uma cerveja mais levinha, feita à base de aveia, gruit e folhas de freixo. Na mesma obra ela dá a receita: “Se você também deseja fazer cerveja com aveia sem lúpulo, mas apenas com gruit, deve fervê-la depois de adicionar um número muito grande de folhas de freixo. Esse tipo de cerveja purga o estômago do bebedor e torna seu coração leve e alegre”.

Outro mito que envolve Hildegard von Bingen é o de que ela própria teria sido mestre-cervejeira. Adoraríamos ardentemente acreditar nisso, mas não há documento que prove a destreza da santa no comando das panelas de brassagem. O historiador da cerveja Martyn Cornell, no entanto, acredita sua obra deixa indícios suficientes de que ela manjava de longe a técnica de fazer cerveja com lúpulos e é de se supor que tenha de fato colocado a mão na massa em algum momento. Suposição com base em sua história de mulher curiosa.

Pioneira na cerveja, no feminismo,  na causa ecológica e na música

Uma história peculiar e avançada para a época, dada a posição inferior da mulher na Europa do século 12 e em séculos subsequentes. Como décimo rebento da família (na época era comum ter-se mais de uma dezena de filhos), Hildegard nasceu predestinada a ser confiada à igreja, como mandava a tradição. Aos 8 anos foi entregue aos cuidados de Jutta, mestra em um claustro de monjas no mosteiro beneditino de Disibodenberg, onde em 1114 fez seus votos definitivos e ingressou na ordem.

De pequena tinha visões e acreditava ouvir a voz divina. Viveu em relativa clausura até chegar à casa dos 40 anos, mas acredita-se que tenha desenvolvido seus conhecimentos de medicina e botânica atendendo a gestantes e doentes que acorriam ao mosteiro. Dizia não ter tido uma educação muito esmerada, mas a obra caudalosa que escreveria durante a segunda metade de sua vida (chegou aos 81) prova o contrário.

Em 1141, teve uma visão que a ordenou que escrevesse tudo o que ouvia. Era Ele, afinal, quem mandava aquela brasa. Pôs mãos à obra e seus escritos chegaram ao conhecimento do Papa Eugênio III, que deu aval ao seu pensamento teológico. A aprovação papal fez de Hildegard uma celebridade na Europa e, fato incomum para uma mulher da época, viajou por Alemanha e parte da França pregando a doutrina cristã em público – a única mulher na história medieval a fazê-lo. Em vida, sua obra foi aceita pelos teólogos da Universidade de Paris, então a mais respeitada instituição de ensino europeia. A essa altura, também atendendo ao chamado de uma visão, já havia criado seu próprio mosteiro, em Bingen am Rhein (daí a alcunha von Bingen).

Sua obra extrapolou as questões de fé (como sabemos, chegou à cerveja) e envolveu teses e saberes que inspiram até hoje os movimentos feminista e ambiental. Não via o papel da mulher em seu tempo como satisfatório e foi a primeira a escrever sobre sexualidade e ginecologia, inclusive descrevendo o orgasmo feminino. Fez alegorias em que Deus era a figura de uma mãe amamentando a humanidade e a criação. Sua visão da medicina tinha caráter holístico, acreditava na união indissolúvel do homem com a natureza (não se formou médica, no entanto, pois o ensino era vetado para mulheres). Uma de suas profecias (fez várias) pregava que a profanação da natureza faria com que ela se voltasse contra o homem. Alguma relação com aquecimento global, efeito estufa e outras catástrofes modernas?

Foi biografada por dois monges com quem conviveu e essas obras ajudaram o processo de canonização, uma vez que lhe atribuíam milagres. Estudiosos atuais, porém, discutem a origem das visões de Hildegard. Uma turma acredita que se tratava de alucinações, causadas por uma espécie de neurose histérica, ou obra de uma terrível enxaqueca crônica. Há quem seja da tese de que Hildegard foi mesmo esperta: numa época em que não se ouvia a voz da mulher em nenhum assunto considerado sério, o prestígio de uma suposta revelação divina poderia abrir-lhe os ouvidos alheios.

Como se fosse pouca coisa, Hildegard von Bingen ainda compôs uma obra musical – evidentemente sacra, para ser cantada por freiras. Sua música ficou esquecida por séculos até 1979, quando ganhou as primeiras gravações. Lançado em 1982, o álbum A Feather On The Breath Of God, da soprano inglesa Emma Kirkby, virou hit. Hoje há dezenas de gravações disponíveis. E milhares de cervejas, mais ou menos lupuladas, para nosso prazer.

Hildegard von Bingen (1098-1179): Music From Symphonia Harmonia Caelestium Revelationum (Alba)

1 O Viriditas 8:48

O Virilissima Virga (11:35)
2 O Virilissima Virga
3 Columba Aspexit
4 O Virilissima Virga

5 O Euchari 8:32

6 O Quam Mirabilis Est 3:27

7 Ave Generosa 8:08

Caritas Abundat (10:22)
8 Caritas Abundat
9 O Frondens Virga
10 O Nobilissima Viriditas

11 O Spirit Sancto 8:07

Alto Vocals – Agnethe Christensen
Harp – Helen Davies
Pipe [Pipe & Pasaltery], Tar (Drum), Triangle – Poul Høxbro
Members of the vocal ensemble CON FUOCO

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Hildegard von Bingen

PQP

Dia Internacional da Mulher: Hildegard von Bingen (1098-1179) — Hildegard von Bingen e sua época (Herpichböhm / Ganser / Lutzenberger / Schwamm)

Dia Internacional da Mulher: Hildegard von Bingen (1098-1179) — Hildegard von Bingen e sua época (Herpichböhm / Ganser / Lutzenberger / Schwamm)

Um disco muito bom, sempre variado e interessante, com obras ou de von Bingen ou que giram em torno desta surpreendente e talentosa mulher medieval. Este disco é fino e raro. A gravação é ao vivo e muito boa, com aquele ar pirata porque ninguém limpou os sons do público em meio às interpretações.

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Mística, teóloga, escritora de livros de medicina natural e compositora. O Dia Internacional da Mulher é a data ideal para relembrar uma das personagens femininas mais interessantes da Idade Média.

Da Deutsche Welle

Talvez a abadessa alemã Hildegard von Bingen tenha sido a primeira feminista da história.

Num mundo medieval dominado pela insegurança, pelo clero e por senhores feudais, Von Bingen não se deixou dominar. Com muita habilidade e trabalho, construiu e administrou dois conventos, escreveu livros de teologia, medicina e ciências naturais, compôs música sacra. Sua maior batalha, no entanto, foi não se deixar calar.

Hildegard von Bingen desafiou sua época

Habilidades especiais

Quando Hildegard nasceu – não se pode precisar o dia em 1098 –, as primeiras cruzadas partiam para Jerusalém. Em 1095, o papa Urbano 2° conclamara a cristandade a “libertar a Terra Santa das mãos dos infiéis”, o que aconteceu quatro anos mais tarde.

A religiosa é sempre é retratada escrevendo

Com os cruzados, não somente pagãos, judeus e muçulmanos foram combatidos, mas também ensinamentos do Oriente chegaram à Europa medieval.

Hildegard provinha de família nobre da região de Alzey, no sul da Alemanha. Já aos três anos de idade, a futura abadessa demonstrava habilidades visionárias. Mas foi somente aos 15 anos, como interna do convento junto ao mosteiro beneditino de Disibodenberg, que percebeu quão especial era a habilidade que possuía.

Como era de costume entre as famílias nobres medievais, meninas e meninos saíam de casa, já na idade de sete anos, para a formação como cavaleiros e freiras. Além disso, muitas famílias preferiam ver suas filhas num convento do que nas mãos de um bruto senhor feudal.

Trívio e quadrívio

Relíquias de Von Bingen estão em Eibingen

Além da leitura dos escritos sagrados, a curiosa Hildegard pôde, no convento beneditino, aprender a ler e a escrever rudimentos de latim. Ela não teve, no entanto, um aprendizado sistemático dos cânones do conhecimento medieval baseados nas sete artes liberais, divididas em trívio (gramática, retórica e dialética) e quadrívio (aritmética, geometria, música e astronomia). Isto era reservado aos membros masculinos da ordem.

Hildegard viveu vários anos como uma simples freira. Com a morte da tutora Jutta, em 1136, ela se tornou a superiora do convento. Sempre acometida de doenças, tentava esconder suas visões. Aos 42 anos, recebeu a incumbência divina de escrevê-las. Por medo da tarefa, caiu doente. Somente após a intervenção de Volmar, seu padre-confessor, e do abade Kuno, ela começou sua obra.

Hildegard trabalhou durante cinco anos no livro Scivias (Saiba o caminho), ditando-o para Volmar, que corrigia gramaticalmente os escritos em latim. São Bernardo de Clairvaux, um dos maiores teólogos do século 12, interveio junto ao papa Eugênio 3° em prol de Hildegard. O papa enviou uma comissão para examinar o caráter de seus escritos. Não houve dúvidas, eram palavras de Deus.

Novas visões

Abadia foi reconstruída em Eibingen, em estilo neoromânico

Pouco tempo depois, uma nova visão acometeu a futura abadessa. Deus lhe ordenava construir seu próprio convento, não mais sob a égide dos monges beneditinos. Estes ficaram bastante insatisfeitos com a decisão. O apoio papal tornara a visionária a atração do mosteiro em Disibodenberg. Hildegard caiu novamente doente, conseguindo assim vencer a resistência do abade Kuno, de quem se despede em 1150.

Acompanhada pelo monge Volmar, Hildegard construiu seu convento em Rupertsberg, próximo à cidade de Bingen, onde nunca morou, mas que lhe deu o nome pelo qual é conhecida até hoje.

Hildegard demonstrou grande talento como administradora. Conseguiu o apoio do papa e do arcebispo de Mainz na briga com os monges de Disibodenberg pelas terras, até então administradas pelos monges beneditinos, dadas pelas famílias das freiras que a acompanharam para o novo convento.

Sem proteção, nenhum convento poderia sobreviver na Idade Média. A prespicácia de Hildegard fez com que tanto o arcebispo de Mainz como seu admirador Frederico Barbarossa, eleito imperador do Sacro Império Romano Germânico, se tornassem responsáveis pela segurança de Rupertsberg.

Causa e cura

Cidade de Bingen deu nome à abadessa

No convento, a abadessa afrouxa as regras beneditinas. A música é muito importante para Hildegard. Para receberem o sacramento da comunhão, suas freiras, com anel no dedo e vestidas de branco e de flores, entoam canções que ela mesmo compunha. A idéia do casamento substitui a da morte na relação com Cristo, o que explica as procissões de freiras que antes pareciam fúnebres. Para Hildegard, a Igreja é uma mulher ao lado do Senhor.

Os trabalhos no hospital e na horta do convento levam a duas outras importantes obras da abadessa, o livro de ciências naturais Physica e o livro de medicina natural Causae et Curae, escritos entre 1151 e 1158. A obra de Hildegard sobre plantas medicinais escrita em 1158 é, até hoje, referência da medicina natural. Assim como São Bernardo de Clairvaux, Hildegard não acredita encontrar Deus na razão.

Ela aprendeu a olhar os lírios dos campos e a ver neles a presença divina que também levaria a cura de doenças. Para ela, o homem saudável estava em sintonia com Deus. Hildegard aliou a antiga medicina dos gregos, propagada por Galeno, à fé cristã. Para ela, micro e macrocosmo interagem lado a lado em sua percepção do homem e de Deus. Para honrar a Deus, o homem teria que interagir com seu meio-ambiente.

O século 12 trouxe muitas mudanças para a Idade Média, que se distanciava da idéia de um Deus absoluto. Hildegard foi aristotélica avant la lettre. Somente no século seguinte, São Tomás de Aquino, o mais sábio dos santos, resgataria teologicamente o aristotelismo na doutrina cristã.

Telúrica demais para ser santa

Miniatura de ‘Scivias’: Hildegard em visão divina

Por volta de 1160, novas visões divinas lhe levaram a pregar por diversas cidades alemães. Em Colônia, ela se opôs ao luxo do clero e à acídia dos cátaros. Em Trier, combateu a arrogância de clérigos e eruditos. Hildegard também se posicionou contra o fanatismo religioso da plebe. Em 1165, fundou em Eibingen um novo convento, que visitava duas vezes por semana.

Ela previu a própria morte para o dia 17 de setembro de 1179. E assim o foi. Hildegard von Bingen foi canonizada por decreto papal somente em 2012 pela Igreja Católica. Sua sagacidade também lhe gerara resistência e controvérsia. Talvez por isso seu processo de canonização tenha levado quase 900 anos.

Por outro lado, como poderia ter sido diferente para uma mulher que ousou penetrar um terreno destinado aos homens, alguém que sempre esteve tão próximo à terra?

Para Hildegard von Bingen, Deus existe para aqueles que achavam que ele existe. Pela mesma lógica, ela sempre foi santa para aqueles que achavam que ela o era. O boom da medicina natural prova que suas ideias ressoam até hoje, pois as doenças da sociedade industrial não podem ser curadas com os remédios que ela mesmo produz.

Hildegard von Bingen (1098-1179): Hildegard von Bingen e sua época

01 – Hildegard von Bingen – O magne Pater
Length: 2mn 59s

02 – Hildegard von Bingen – O aeterne Deus
Length: 2mn 12s

03 – Hildegard von Bingen – Ave generosa
Length: 4mn 23s

04 – Hildegard von Bingen – O frondens virga
Length: 5mn 12s

05 – Petrus Abaelardus – Planctus David
Length: 9mn 31s

06 – Hildegard von Bingen – O felix anima
Length: 3mn 42s

07 – Hildegard von Bingen – Ave, Maria, o auctrix vitae
Length: 4mn 17s

08 – Petrus Abaelardus – O quanta qualia
Length: 4mn 59s

09 – Anonimo – Promat chorus hodie
Length: 3mn 21s

10 – Anonimo – Verbum patris humanatur
Length: 1mn 37s

11 – Anonimo – Annus novus in gaudio
Length: 4mn 48s

12 – Magister Iohannes Legalis – Vox nostra resonet
Length: 2mn 15s

13 – Anonimo – Fulget dies celebris
Length: 2mn 8s

14 – Hildegard von Bingen – O quam mirabilis
Length: 5mn 36s

15 – Hildegard von Bingen – O virtus sapientiae
Length: 2mn 47s

16 – Hildegard von Bingen – O vis aeternitatis
Length: 6mn 0s

17 – Bis: La quinte estampie royal (instr.)
Length: 3mn 8s

Vocals, Guitar [Chittara Sarasenica], Harp, Percussion – Rainer Herpichböhm
Vocals, Psaltery, Percussion – Hans Ganser
Vocals, Recorder, Shawm – Sabine Lutzenberger
Vocals, Vielle, Lira, Shawm, Hurdy Gurdy, Liner Notes – Heinz Schwamm

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Sur La Terre Comme Au Ciel, com o Ensembles Discantus & Alla Francesca

Sur La Terre Comme Au Ciel, com o Ensembles Discantus & Alla Francesca

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Na semana passada, postei um CD de música medieval que foi um grande sucesso (Love’s illusion – Music from the Montpellier Codex 13th century). Então volto à carga com outro, talvez ainda melhor. Sei pouco a seu respeito, sei mais é de sua notável qualidade e das grandes obras apresentadas que vão de Hildegard von Bingen a Dufay. Baita CD. Podem baixar sem receio.

Ensembles Discantus & Alla Francesca – Sur La Terre Comme Au Ciel (2002)

1.Anon., conductus: Salve rosa venustatis
2.Hildegard, antiphon: O pulchrae facies
3.Anon., motet: Ave parens / Ad gratie
4.Anon., offertory: Iustus ut palma V / Plantatus in domo Domini
5.Anon., prosa: Portum in ultimo
6.Anon., motet: Iohannes doce nos / Internatos mulierum
7.Anon., motet: Alle psallite cum luya
8.Anon., estampie: Tierche estampie royale
9.Jacques de Cambrai, chanson pieuse: Retrowange novele
10.Guillaume d’Amiens, rondeau: Prendes i garde
Anon., motet: S’on mi regarde / Prennes i garde
11.Gace Brule, chanson: L’an que voi l’erbe resplandre
12.Machaut, virelai: J’aim sans penser laidure
13.Anon., canon: Sing cucu / Sumer is icumen in
14.Anon / Machaut, diminution: De toutes flours
15.Machaut, rondeau: Doulz viaire gracieux
16.Machaut, ballade: J’aime mieux languir
17.Johanes Vaillant, virelai: Par maintes fois
18.Anon., estampie: Petrone
19.Dufay, chanson: Je me complains piteusement
20.Dufay, chanson: Resvelons nous amoureux / Alons ent bien tos au may
21.Anon., rondeau: Christo sit laus in celestibus
22.Anon., conductus-motet: Alleluia moduletur Syon filia

Sources:
[1] Notre Dame and related conductus – Opera omnia. Vol. IX, G. Anderson
[2] Riesenberg codex, Wiesbaden, Landesbibliotek
[3], [7], [10b] Ms Montpellier, Bibliotheque de l’Ecole de Medecine H 196
[4] Paris, B.N.F., Latin 776, Graduel de Gaillac
[5] Liber Sancti Iacobi – Codex Calixtinus, W.M. Whitehill & dom Prado
[6] Engelberg Stiftsbib., codex 314
[8] Ms 844 (Chansonnier du Roi), Paris, B.N.F.
[9] Chansons des Trouveres, M. Zink
[10a] Hs. Rom. Vaticana, Fond. Christ 1490
[11] Ms 846 (Chansonnier Cange), Paris, B.N.F., fonds francais
[12], [15]-[16] G. de Machaut – oeuvres completes, L. Schrade
[13] Londres, British Library, Harley 978, Ms Abbaye de Reading
[14] Codex Faenza, Bib. Comunale, Ms 117
[17] Polyphonic Music of the XIVth c., Vol. I, G.K. Greene
[18] Robertsbridge codex, London, Brit. Mus., add. 28550
[19]-[20] G. Dufay – Opera omnia, H. Besseler
[21] Ms Florence, Bib. Mediceo-Laurenziana, Pluteo 29.1
[22] Polyphonic Music of the XIVth c., Vol. IV, E.H. Sanders

TT: 63min22s

Brigitte Lesne (voice, harps, bells, percussion)
Helene Decarpignies (voice)
Emmanuelle Gal (voice)
Anne Guidet (voice)
Lucie Jolivet (voice)
Brigitte Le Baron (voice)
Catherine Schroeder (voice)
Catherine Sergent (voice)
Pierre Hamon (recorders, flutes, double flutes, bagpipe, percussion, pipe & tabor)
Cyrille Gerstenhaber (voice)
Birgit Goris (vielle)
Lucas Guimaraes-Peres (vielle)
Pierre Boragno (recorder, double flute)
Michael Grebil (lute)
Angelique Mauillon (harp)

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Ensemble Discantus

PQP

Harmonia Mundi – 50 years of music exploration – CD 5 de 29

Um CD estupendo, talvez o melhor que já postamos de música antiga. Começa com uma emocionante e devota melopéia dos bizantinos, seguindo com cantos da igreja de Roma que surpreendentemente não diferem muito dos anteriores. Nem em estilo, nem em qualidade. Saímos do sacro para entrar no mezzo-secular de La Comtessa de Dia (pois seu assunto são as Cruzadas), esplendidamente interpretada pelo Clemencic Consort. A luta do mezzo-Carnaval contra a Quaresma segue com a religiosa Laudes & Vêpres pour la fête de sainte Ursule. Absolutamente necessário para os admiradores da música antiga.

Harmonia Mundi – 50 years of music exploration – CD 5

Chant Bizantin – Anonymous
1. Priere De Marie-Madeleine
Sister Marie Keyrouz, soprano

Chants de l`église de Roma – Messe de saint Marcel – Anonymous
2. Introitus: Statuit Ei Dominus
3. Graduale: Inveni David Servum Meum – Verset: Nichil Proficiet
4. Alleluia – Versets: Disposui Testamentum. Inveni David
5. Offertorium : Veritas Mea – Versets: Posui Adiutorium – Misericordia Mea
6. Communio : Domine Quinque Talenta Tradidisti Michi
Ensemble Organum / Marcel Pérès, conductor

La musique des troubadours
La Contessa de Dia
7. Vida. Recitant
8. A Chantar. (Soprano, Viele, Tympanon, Rubebe, Tambour)
Clemencic Consort / René Clemencic, conductor

Hildegard von Bingen (1098-1179)
Laudes & Vêpres pour la fête de sainte Ursule
Laudes

9. Antienne: Stadium Divinitatis
10. Psaume 92: Dominus Regnavit/Studium Divinitatis
11. Benedicamus Domino
Vêpres
12. Chapitre: Domine Deus Meus
13. Chant Responsorial: Mirabilis Dues
14. Hynne: Cum Vox Sanguinis
15. Antienne: O Rubor Sanguinis
16. Cantique: Magnificat Anima Mea/O Rubor Sanguinis
17. Hymne: Te Lucis Ante Terminum
18. Benedicamus Domino
Anonymous 4

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