Para esta postagem comemorativa dos 100 anos de nascimento de György Ligeti imaginei uma reunião de amigos, de pessoas com muitas afinidades que se encontram para um animado papo…
É claro, deve estar presente a música do homenageado. Mas, optei por trazer algumas de suas composições misturadas a peças de outros compositores que lhe fazem, assim, companhia. Imagino que se eles estivessem todos reunidos (quem sabe?) estariam batendo papo, trocando figurinhas.
Alim ao lado do grand piano do PQP Bach Hall em Bucareste
Começo com um disco curto de um jovem pianista – Alim Beisembayev – que ganhou o Leeds Interational Piano Competition em 2021. Andrew ficou aMa(n)zed com os dotes pianísticos do Alim enquanto regia a régia RPO na linda Rapsódia sobre um tema de Paganini, do Sergei Rachmaninov – feito que lhe rendeu a Gold Medal do concurso. Nascido no Cazaquistão no apagar das luzes do século passado, Beisembayev já tem um carreira de pianista consolidada e um disco comercial com os endiabrados estudos para piano de Liszt.
Neste disco (associado ao concurso) ele mostra suas credenciais tocando três lindas sonatas de Scarlatti, duas peças de Miroirs de Maurice Ravel e três estudos para piano do nosso homenageado. É interessante ver a música de Ligeti ao lado de peças de compositores que contribuíram enormemente para o desenvolvimento da técnica de tocar instrumentos com teclado. Mesmo tendo apenas três dos estudos de Ligeti neste disco, já dá para se ter uma ideia do escopo da criatividade do sujeito. Cordes à vide é o segundo estudo do primeiro livro e é estranhamente sereno, calmo e lembra o universo de Debussy. Depois deste momento de reflexão, dois estudos do segundo livro que levam a técnica de piano ao extremo. Der Zauberlehrling (O Aprendiz de Feiticeiro) e L’escalier du diable (que dispensa tradução) são estudos que dão nós nos dedos dos pianistas e deixam todos (inclusive os ouvintes) sem fôlego.
O segundo disco da postagem foi gravado ao vivo (há palmas no final dos números musicais, mas as gravações são impecáveis) na série Wigmore Hall Live no concerto do famoso Arditti String Quartet, cuja identificação com a música moderna é notória. Para este recital eles escolheram quartetos de Conlon Nancarrow, Henri Dutilleux e o Segundo Quarteto de Ligeti. O disco é realmente muito intenso, mas uma audição cuidadosa, de mente aberta às novidades, pode render muitos bons frutos. Desses dois ‘vizinhos’ de Ligeti, Nancarrow é possivelmente o menos conhecido, mas desfrutava um enorme reconhecimento do György. Veja o que ele disse sobre Conlon Nanacarrow: This music is the greatest discover since Webern and Ives… his music is so utmost original, enjoyable, constructive and at the same time emotional… for me it’s the best music of any living composer. […] para mim, é a melhor música de qualquer compositor vivo.
Irvine tentando afinar um Guarneri da coleção do PQP Bach…
Na apresentação do disco, o quarteto de Ligeti é considerado a peça mais difícil. But while both of these works are undeniably impressive for the great difficulties they present, the tour de force of this recording is György Ligeti’s enormously demanding String Quartet No. 2 (1968), a masterpiece of extended string techniques and sonorities that is a bold continuation of the explorations of Béla Bartók. O ‘tour de force’ deste disco é o terrivelmente exigente Quarteto de Cordas No. 2 (1968) de Ligeti, uma obra de técnicas e sonoridades de cordas levadas ao extremo e é uma ousada continuação dos avanços feitos por Béla Bartók.
Ligeti foi um compositor de música para piano, que ele tocava com uma técnica inadequada, como ele mesmo afirmou. Esta técnica inadequada aliada a uma imaginação prodigiosa o fez produzir peças que o colocam como mestre na linha de grandes compositores para piano, como Chopin, Liszt e Debussy.
Antes de Chopin os estudos para piano (Czerny, Moschelles, por exemplo) eram peças que tinham caráter técnico e visavam os estudantes de piano. Schumann e (principalmente) Chopin levaram o gênero a outro nível, devido à qualidade artística das obras que criaram.
Dora sendo simplesmente adorável…
Assim, o último disco da postagem coloca Ligeti em companhia destes dois gigantes, Chopin e Debussy, sem contar três lindas peças de Nikolai Kapustin. Dora Deliyska é uma ótima pianista que também é uma artista versátil e interessante. Ela tem criado projetos que resultam em discos como este, um lançamento recente. Inspirada nas muitas coleções de 24 peças, ela escolheu entre as obras desses quatro compositores – Chopin, Debussy, Ligeti e Kapustin – uma coleção de 12 estudos e 12 prelúdios, criando assim o orgânico programa do disco – Études & Préludes.
A contribuição de Ligeti está na primeira metade do programa – quatro estudos, três dos quais já apresentados no disco do Alim Beisembayev. Você poderá ouvi-los na sequência integrada aos outros estudos dos outros compositores, mas também poderá perceber as nuances entre as diferentes interpretações dos dois pianistas. O quarto estudo é do primeiro livro e chama-se Fanfares. Deve ser tocado tão presto quanto possível, vivacissimo! Em um outro livreto este estudo é caracterizado como uma furious piece, baseado em um ostinato (teimosias) e está relacionado com o Trio para Violino, Trompa e Piano, escrito uns anos antes, em homenagem à Brahms. Resolvi incluir este disco na postagem pelo Ligeti ao lado dos outros compositores, mas também pela criatividade da pianista Dora Deliyska.
Sempre é bom voltar a Debussy, não acham? É um compositor que sempre me tranquiliza, ajuda a controlar minha ansiedade e a encarar o estresse diário. Lembro que quando comprei o meu primeiro disco com suas obras, exatamente ‘La Mer’, na já histórica versão de Pierre Boulez com a Philharmonia Orchestra, ouvi várias vezes seguidas sozinho em casa, imaginando sempre uma praia com suas ondas e arrebentações. Foi muito intenso, confesso. Morava sozinho na cidade grande, quase não tinha amigos se não aqueles do trabalho, então essa música me ajudou a combater a solidão, e a aquietar minha mente.
A bela versão que ora vos trago é a do experiente Emmanuel Krivine, lançada em 2018, que aqui dirige a excelente ‘Orchestre National de France’, ou seja, uma gravação com forte sotaque francês, afinal temos um compositor, um regente e uma orquestra franceses. Vale e muito a pena conferir esse registro. Como já comentei em outras postagens, a versão de Boulez continuará sendo a minha preferida, por diversos motivos, um deles citado acima, foi um disco fundamental em determinada fase de minha vida, o ouvi muito. Mas obviamente estou, e sempre estarei aberto a novas possibilidades e alternativas.
Espero que apreciem. É música para ser degustada preferencialmente sentados em uma confortável poltrona, de olhos fechados, ouvindo cada nota e imaginando o mar. Ou então, sentados a beira mar, observando as ondas.
La Mer (Revised 1909 Version)
1 I. De L’Aube À Midi Sur La Mer : Très Lent
2 II. Jeux De Vagues : Allegro
3 III. Dialogue Du Vent Et De La Mer : Animé Et Tumultueux
Images
4 I. Gigues
5.II. Iberia a. Par Les Rues Et Par Les Chemins
6 II. Iberia b. Les Parfums De La Nuit
7 II. Iberia c. Le Matin D’Un Jour De Fête
8 III. Rondes De Printemps
La Mer (Original 1905 Version)
9 III. Dialogue Du Vent Et De La Mer (Excerpt With Fanfare)
Orchestre National de France
Emmanuel Krivine – Conductor
Neste mês dedicado a Sergei Rachmaninoff, compositor romântico tardio e também grande virtuose do piano, recordaremos alguns outros pianistas do século passado que, de uma maneira ou de outra, cruzaram suas trajetórias com as do homenageado. O pianista de hoje é Shura Cherkassky (1909 – 1995): embora mais de 30 anos mais jovem que Sergei, eles têm em comum o fato de terem saído da Rússia na década de 1910 em meio às turbulências da 1ª Guerra e da Revolução. O corpo dos dois saiu da Rússia, mas a alma continuou profundamente russa, fazendo um tipo de música característica das expressões do romantismo tardio na Europa Oriental, como veremos a seguir.
A mãe de Shura, Lydia Cherkassky, era uma pianista conhecida em São Petersburgo, tendo tocado para Tchaikovsky, que aliás era um compositor importante no repertório de Shura, não só com seu famoso concertos mas também com peças para piano solo pouco tocadas por outros pianistas. Cherkassky foi, portanto, o continuador de uma certa tradição pianística da Europa Oriental, não só por suas origens russas mas também como aluno do polonês Josef Hofmann (1876-1957). Hofmann foi um dos pianistas mais célebres do mundo na virada do século XIX para o XX, embora por volta de 1930 sua prodigiosa técnica já não fosse a mesma devido ao alcoolismo, o que significa que poucas gravações fazem jus ao seu talento. Em 1909, Rachmaninoff dedicou seu 3º Concerto – o mais difícil dos quatro – para Hofmann. Anos depois, constatando o declínio do polonês, Rach afirmou: “Hofmann ainda é um grande … o maior pianista vivo se ele estiver sóbrio e em forma. Se não for o caso, é impossível reconhecer o antigo Hofmann.” O polonês, por sua vez, foi aluno de Anton Grigoryevich Rubinstein (1829-1894), pianista russo que foi frequentemente considerado o maior do mundo em sua época, além de compor cinco concertos para piano quase esquecidos hoje em dia. Anton Rubinstein, aliás, não era parente de Arthur Rubinstein, embora ambos tivessem origens judaicas. (Para um comentário sobre a “escola” dos alunos de Anton Rubinstein, confira o interessantíssima postagem do colega Alex aqui).
A partir de várias resenhas em jornais e outros textos do século XIX, o crítico Harold C. Schonberg, no livro The Great Pianists (1963), resume que Anton Rubinstein tocava com “extraordinária amplitude, vitalidade e virilidade, imensa sonoridade e grandiosidade”. Características também do romantismo tardio de Rachmaninoff, e que tinham como tradição mais ou menos rival o pianismo francês de compositores como Debussy, Fauré, Saint-Saëns e Ravel. Estes últimos evitavam as sonoridades exageradamente barulhentas – notem a quantidade de expressões masculinas na descrição de Harold Schonberg, muitas delas caberiam em um anúncio daquele remédio que os Generais brasileiros adoram – e se associaram a grandes intérpretes do início do século como Alfred Cortot, Ricardo Viñes, o próprio Saint-Saëns e muitas mulheres, incluindo Guiomar Novaes, Marguerite Long e Clara Haskil.
Mas o pianista do dia, de certa forma herdeiro daquela tradição romântica russa/polonesa, é Cherkassky, que foi um grande intérprete das obras de Rach (aqui) e também de uma pequena fantasia chamada Caleidoscópio, composta por Hofmann:
O que mais me interessa neste disco de hoje, registro de um recital de Cherkassky em Lugano (Suíça), é a sua reinvenção da sonata de um outro compositor romântico, Robert Schumann. Embora Shura também seja impecável em seu Debussy, Berg e Stravinsky – ou seja, ele não se limita como apenas um pianista romântico – o que me impressiona mesmo é a diversidade de emoções que ele extrai da 1ª Sonata de Schumann, já iniciando pelo sarcasmo das primeiras notas, seguido por alternâncias típicas de Schumann entre seriedade, melancolia e humor.
Robert Schumann foi um grande estudioso das obras de Bach e Beethoven mas, ao contrário deste último, ele não compôs sonatas para piano de grande invenção contrapontística em um estilo “maduro” no fim de sua vida. Se quisermos ouvir o Schumann maduro é melhor buscarmos outras obras como o o muito original concerto para violoncelo.
Talvez por isso, as três sonatas para piano de Schumann raramente (pra não dizer: nunca) são tocadas em bloco em um único recital ao vivo: ao contrário das sonatas de Beethoven, que mostram as mudanças no percurso do compositor, as de Schumann ficam nessa alternância de humores e sabores tipicamente românticos, sem apontar para uma evolução estilística. Se isso pode ser considerado um defeito, por outro lado é uma qualidade, sobretudo em nossos tempos já calejados quanto a essas ideias sobre evolução e progresso como o objetivo da humanidade, não é mesmo? Quando o progresso se mostra violento e sujo, sentimentos românticos parecem reaparecer com toda a força hipnotizante do som do piano de Cherkassky. Uma última observação: assim como Sviatoslav Richter (1915-1997), Cherkassky parecia detestar as gravações em estúdio, talvez porque sua arte – como a dos pianistas mais velhos Anton Rubinstein, Hofmann e Rach – tivesse esse aspecto tão importante da atração hipnótica sobre uma plateia presente.
Shura Cherkassky – Lugano, 1963 Felix Mendelssohn: Rondo Capriccioso in E major op. 14 Robert Schumann: Sonata no. 1 in F-sharp minor op. 11
I. Introduzione (Un poco adagio) – Allegro vivace; II. Andante cantabile; III. Scherzo e Intermezzo (Allegrissimo); IV. Finale (Allegro un poco maestoso) Alban Berg: Sonata op. 1 Claude Debussy: L’Isle joyeuse Igor Stravinsky: Trois mouvements de Petrouchka
I. Danses russes; II. Chez Petrouchka; III. La Semaine grasse Francis Poulenc: Toccata
Shura Cherkassky – piano
Recorded at Auditorio Radiotelevisione della Svizzera italiana, Lugano, 5/12/1963
Nesta postagem especial preparada para homenagear as mulheres nesta semana do Dia Universal da Mulher, escolhi algumas excelentes intérpretes que representam a enorme e inestimável contribuição delas para a música.
Ji Su Jung
Começamos nosso programa com o Concerto para Marimba, escrito pelo jovem compositor norte-americano Kevin Puts. A solista chama-se Ji Su Jung, que foi a primeira percussionista a ganhar a prestigiosa bolsa Avery Fisher Career Grant. Formada pelo Peabody Institute, da Johns Hopkins University, e pela Yale School of Music, Ji Su Jung é agora uma solista requisitada universalmente e professora do Curtis Institute of Music e do Peabody Institute.
Marin Alsop
Sobre o Concerto, o compositor explicou como surgiu a inspiração: A melodia da abertura do Concerto foi provavelmente inspirada quando ouvi o aquecimento de um pianista no placo do Teatro Eastman enquanto por lá passava a caminho da aula. A tonalidade de mi bemol maior sempre me foi muito próxima devido à sua riqueza e também por aparecer com frequência nas obras de Mozart, em particular em dois de seus concertos para piano, que de certa forma serviram como modelo para a minha peça.
Ji Su Jung é acompanhada pela Baltimore Symphony Orchestra, regida pela maestrina Marin Alsop, que foi uma das primeiras a interpretar as obras de Kevin Puts.
M-J Pires
Como eu gosto muito de ouvir o piano, na sequência teremos uma linda Sonata de Schubert interpretada pela maravilhosa pianista Maria João Pires.
Com uma carreira longa e de excelente qualidade, passou pelas gravadoras Denon e Erato e tem sido uma das estrelas do selo amarelo, Deutsche Grammophon. Esta sonata de Schubert é uma das mais belas e faz parte de um lançamento que reúne algumas obras de Schubert gravadas por Maria João Pires.
Gina Bachauer
Para a última etapa da nossa compilação escolhi uma artista que chamou a atenção exatamente por desempenhar um papel que estava quase exclusivamente dominado por homens, interpretando grandes concertos para piano, como o Concerto em si bemol maior, de Brahms, o Concerto de Grieg, Concerto em mi bemol maior de Liszt e o Concerto em si bemol maior, de Tchaikovsky. Gina Bachauer nasceu em Atenas, de pais estrangeiros, e iniciou sua carreira na Grécia. Estudou em Paris com Alfred Cortot e nos anos 1930 trabalhou na França e na Suíça com Rachmaninov em seus Concertos para Piano. Ela tornou-se uma expoente nestes concertos, especialmente no de No. 3. Suas gravações para o selo Mercury são bastante conhecidas. Aqui podemos ouvir suas interpretações de algumas peças solo de Debussy e atuando como solista de um concerto de Mozart. A orquestra da gravação foi fundada pelo seu regente, Alec Sherman que foi o segundo marido de Gina Bachauer.
Mais uma vez a Terra está a completar uma volta em sua órbita celeste e nos aproximamos do fim deste peculiar ano de 2022. Alguns ciclos se completam, outros estão a vir, já anunciados. É um bom momento para, como Janus, olharmos para trás, considerando o que foi feito e desejarmos o que está chegando. Eu estou tentando criar espaço no presente para receber o que o futuro trará.
Passei em revista minha atividade no blog, entre 1 de dezembro de 2021 e 30 de novembro de 2022. Este ano não tive energia para verificar todas as publicações e limitei às que resultaram de meus próprios esforços. Estas postagens refletem meu envolvimento com música, que posso observar, é grande. Algumas delas foram fáceis de preparar, vindas de alguma boa inspiração, outras demandaram mais estudo e dedicação, mas todas me deram bastante prazer, ao longo do caminho. Prazer em ouvir a música, de eventualmente comparar com outras interpretações ou de seguir as direções que ela me apontava. Prazer também em burilar o texto, em catar as ilustrações e depois esperar que elas surgissem, no blog. Esperar os aguardados comentários, estes mais parcos do que eu gostaria. De qualquer forma, os que recebi ao longo deste período me pareceram sinceros e foi gratificante lê-los.
Olhar estas postagens mais uma vez me fez pensar o quanto é importante valorizar o tempo, que ouvir música demanda tempo. Talvez seja por isso que alguns de nós se agarre a um repertório mais restrito, voltando sempre aos mesmos intérpretes. Eu sou por demais curioso para isso, o que me força a constantemente abrir mão desse tipo de segurança, abrindo espaço para as novidades.
Neste período fiz 64 postagens e acabei selecionando uma playlist entre as peças que considerei representativas do total. Caso você tenha o tempo de ouvir, poderá se interessar em visitar a correspondente postagem e descobrir algumas outras novidades.
Três dessas postagens selecionadas são de nosso padroeiro, São Sebastião Ribeiro. Uma gravação estalando de nova das seis sonatas para cravo e violino, com o violinista Andoni Mercero e o cravista Alfonso Sebastián; um disco com cantatas para baixo interpretadas pelo (jovem) David Greco, acompanhado pelo Luthers Bach Ensemble, sob a direção de Tymen Jan Bronda; uma outra gravação (plena de reflexões feitas durante o afastamento social resultado da pandemia) das seis (maravilhosas) suítes para violoncelo pelo jovem e talentoso Bruno Philippe.
Duas postagens refletem essa minha busca por novidades. Assim, na minha playlist de Retrospectiva 2022 há duas peças que conheci este ano e que me impressionaram: num deles, o Concerto para Piano de Sir Michael Tippett, interpretado pelo veterano pianista Howard Shelley, com a Bournemouth Symphony Orchestra, regida pelo (late) Richard Hickox, num disco do selo Chandos, inglês em todas as instâncias; no outro, o Cantus Articus do compositor finlandês Einojuhani Rautavaara. A peça Cantus Articus foi a que me motivou investigar a música de Rautavaara e o disco também traz a sua Sinfonia No. 7 e o Concerto para flautas.
O repertório de música francesa dos séculos 19 e 20 aparece sempre nas minhas postagens e um exemplo é este disco de músicos poloneses (ótimos) tocando lindas peças de câmara com instrumentos de sopros, o Gruppo di Tempera. Veja o discreto charme deste La chaminée du roi René, de Darius Milhaud.
Outro exemplo é o disco Exotisme, sonorités pittoresques, com peças para piano solo ou a quatro mãos, interpretadas pelos ótimos Ludmilla Guilmaut e Jean-Noël Dubois. Uma mescla de música de compositores mais conhecidos com música de compositores que recebem menos exposição e que merecem maior divulgação. Muita alegria, charme e beleza, como num lindo buque de flores.
Cantores também me interessam muito e adorei ter conhecido o trabalho da mezzo-soprano Elisabeth Kulman cantando algumas canções de Mahler, acompanhada por um pequeno conjunto de músicos com o sugestivo nome Amarcord Wien.
Muito trabalho me deu a postagem das 40 árias, que passou incólume pelos nossos leitores. Muito trabalho, uma vez que ópera é um gênero musical que eu conheço pouco, mas muito prazer também em descobrir um pouco o sentido de tão belos momentos musicais. Para esta Retrospectiva 2022 escolhi algumas das árias que considerei mais emblemáticas. Entre elas Casta Diva, da ópera Norma, composta por Bellini, e Vissi d’arte, de Tosca, composta por Puccini.
Uma grata surpresa neste ano foi a descoberta da música para piano de Radamés Gnattali, num disco primoroso. O intérprete Luís Rabello é sobrinho do violonista Raphael Rabello e ótimo pianista.
Para completar essa retrospectiva, não poderia deixar de mencionar mais música barroca. Escolhi algumas sonatas de Scarlatti, parte da postagem de um disco da espetacular pianista Zhu Xiao-Mei e uma postagem dedicada ao Opus 3 de Vivaldi, pelo Concerto Italiano, sob a direção de Rinaldo Alessandrini. Esta coleção tem de especial o fato de que os concertos de Vivaldi estarem entremeados com algumas das suas transcrições feitas por Bach.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Sonata No. 6 em sol maior, BWV1019
Allegro
Largo
Allegro
Adagio
Allegro
Andoni Mercero, violino
Alfonso Sebastián, cravo
Cantata BWV 82 ‘Ich habe genug’
Ich habe genug
Ich habe genug! Mein Trost ist nur allein
Schlummert ein, ihr matten Augen
Mein Gott! Wann kömmt das schöne
Ich freue mich auf meinen Tod
David Greco, baixo
Joanna Huszcza, violino
Amy Power, oboé
Luthers Bach Ensemble
Tymem Jan Bronda
Suíte para Violoncelo No. 6 in D major, BWV1012
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue
Bruno Philippe, violoncelo
Michael Tippett (1905 – 1998)
Concerto para Piano e Orchestra
I Allegro non troppo
II Molto lento e tranquilo
III Vivace
Howard Shelley, piano
Bournemouth Symphony Orchestra
Richard Hickox
Darius Milhaud (1892 – 1962)
Le cheminée du Roi René, Op. 205
Cortege
Aubade
Jongleurs
La Maousinglade
Joutes sur l’arc
Chasse a Valabre
Madrigal – Nocturne
Gruppo di Tempera
Agnieszka Kopacka, piano
Agata Igras-Sawicka, flauta
Sebastian Aleksandrowicz, oboé
Adrian Janda, clarinete
Artur Kasperek, fagote
Tomasz Bińkowski, trompa
Gustav Mahler (1860 – 1911)
Ging heut morger übers Feld – Mahler (Lieder eines fahrenden Gesellen)
Ich atmet’ einen linden Duft – Rückert-Lieder
Blicke mir nicht in die Lieder – Rückert-Lieder
Liebst du um Schönheit – Rückert-Lieder
Adagietto – 4 movimento da Quinta Sinfonia
Elisabeth Kulman, mezzo-soprano
Amarcord Wien:
Tommaso Huber, acordeão
Sebastian Gürtler, violino
Michael Williams, violoncelo
Gerhard Muthspiel, contrabaixo
Einojuhani Rautavaara (1928 – 2016)
Cantus Arcticus, Op. 61 (Concerto para Pássaros e Orquestra)
Suo (Pântano)
Melankolia
Joutsenet muuttavat (Cisnes migrando)
Sinfonia Lahti
Osmo Vänskä
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes, Livre 1, L. 117
Voiles
Ludmilla Guilmault, piano
Déodat de Séverac (1872 – 1921)
En Vacances, Vol. 1
Où l’on entend une vieille boîte à musique
Valse romantique
Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano
Gabriel Fauré (1845 – 1924)
Dolly, Op. 56
Le pas espagnol
Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano
40 Best Arias
Bellini- Norma – Casta Diva – Maria Callas
Verdi- Rigoletto – La Donna E Mobile – Richard Leech
Bizet- Carmen – Habanera – ‘L’amour Est Un Oiseau Rebelle – Julia Migenes
Bizet- Carmen – Flower Song – Placido Domingo
Offenbach- Les Contes d’Hoffmann – Barcarolle – Jennifer Larmore & Hei-Kyung Hong
Mozart- Don Giovanni – Dalla Sua Pace – [Don Ottavio] – Hans-Peter Blochwitz
Delibes- Lakme – Flower Duet – [Lakme, Mallika]) – Jennifer Larmore & Hei-Kyung Hong
Verdi- La Traviata – Brindisi- Libiamo Ne’Lieti Calici – Neil Schicoff & Edita Gruberova
Puccini- La Boheme – Che Gelida Manina [Rodolfo]) – Jose Carreras
Puccini- La Boheme – Si. Mi Chiamano Mimi – Barbara Hendricks
Puccini- Tosca – Vissi D’arte’ [Tosca] – Kiri Te Kanawa
Puccini- Tosca – E Lucevan Le Stelle [Cavaradossi] – Placido Domingo
Gluck- Orphee Et Eurydice – J’ai Perdu Mon Eurydice – Susan Graham
Rossini- La Cenerentola – Non Piu Mesta [Angiolina] – Jennifer Larmore
Radamés Gnattali (1906 – 1988)
Rapsódia Brasileira
Poema de Fim de Tarde
Manhosamente
Uma rosa para o Pixinguinha
Luís Rabello, piano
Domenico Scarlatti (1685 – 1757)
Sonata em mi maior, K. 531 (L. 430)
Sonata em si menor, K. 87 (L. 33)
Sonata lá maior, K. 533 (L. 395)
Sonata em ré menor, K. 32 (L. 423)
Sonata em lá maior, K. 39 (L. 391)
Zhu Xiao-Mei, piano
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto No. 8 for 2 Violins in A Minor, Op. 3, RV 522
Allegro
Larghetto
Allegro
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto for organ after RV 522 in A Minor, BWV 593
[Allegro]
Adagio
Allegro
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto No. 10 for 4 Violins in B Minor, Op. 3, RV 580
Allegro
Largo
Allegro
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto for 4 Harpsichords after RV 580 in A Minor, BWV 1065
O ano que chega ao seu último mês viu o aniversário de 160 anos de Claude Debussy e tivemos nossa série de postagens dedicadas às suas obras. Você poderia até imaginar que depois de um fartum como aquele ficaríamos sem muita vontade de ouvir ou postar qualquer outra coisa dele… Mas, quando um disco deste calibre surge, toda lógica vai por água abaixo. O disco do selo Hyperion com o ótimo pianista Steven Osborne apresenta uma coleção de peças (quase) avulsas, que como o título do disco – Early and Late Piano Pieces – sugere, foram compostas no início de sua carreira ou nos seus últimos anos. Na verdade, essas últimas são uma minoria, mas isso não importa.
Entre as peças do início da carreira, temos algumas pequenas gemas, como os dois Arabescos, de 1890. Numa coleção como esta não poderia faltar Clair de lune, que aí está assim como suas peças irmãs, compondo a Suite bergamasque.
Você também vai encontrar uma coleção intitulada Images, que ao ser bem posteriormente publicada passou a ser conhecida como Images oubliées, para diferencia-la das outras duas coleções que levam este nome e foram publicadas durante a vida do compositor. Assim como as outras, esta coleção é um tríptico e a peça central, a Sarabande, aparece de maneira revisada em mais outra coleção, Pour le piano. Com tantas interpretações postadas recentemente, vale a pena buscar uma delas e comparar as duas versões.
Entre as peças compostas nos últimos anos da vida do compositor, há uma pequena valsa escrita em 1909 para homenagear Haydn, nos 200 anos de sua morte, assim como a Élégie e Les soirs illuminés par l’ardeur du charbon, todas com mais ou menos dois minutos de duração. Esta última foi composta para homenagear seu fornecedor de carvão, que foi providencial no especialmente difícil inverno de 1916-17.
Steven adorou conhecer a Lagoa de Piratininga, onde fica uma das sedes sociais do PQP Bach Corp.
O pianista Steven Osborne é figurinha constante nas postagens aqui e você poderá dar uma busca, caso ainda não tenha ouvido seus discos. Em particular, seus outros dois discos com música de Debussy para o selo Hyperion você poderá encontrar aqui e aqui.
Claude Debussy (1862 – 1918)
[1] – Danse bohemienne (1880)
[2] – Mazurka (1890)
[3-4] – Deux arabesques, L. 66 (1890)
Andantino
Allegretto scherzando
[5] – Rêverie (1890)
[6] – Valse romantique (L. 71) (1890)
[7] – Ballade slave (1890)
[8-11] – Suite Bergamasque (1890)
Prélude
Menuet
Clair de lune
Passepied
[12] – Danse (Tarentelle styrienne) (1890)
[13] – Nocturne (1892)
[14-16] – Images oubliées (1894)
Lent: Mélancolique et doux
Sarabande
Quelques aspects de ‘Nous n’irons plus au bois’ parce qu’il fait un temps insupportable (1917)
[17] – Morceau de concours (1904)
[18] – Hommage à Haydn (1909)
[19] – Le petit nègre (1909)
[20] – Pièce pour l’oeuvre du ‘Vêtement du blessé’ (1915)
[21] – Élégie, L138 (1915)
[22] – Les soirs illuminés par l’ardeur du charbon (1917)
A programme which bridges Debussy’s first work for piano (the Danse bohémienne, from 1880) and his last (Les soirs illuminés par l’ardeur du charbon, from 1917). Steven Osborne is equally responsive to the very different musical moods of both.
Ao encerrarmos esse jubileu de Debussy, nada mais natural que o próprio moço dê as caras por aqui para celebrar conosco, mesmo que seja só para apagar as luzes. Claude, afinal, deixou-nos um diminuto, mas historicamente inestimável legado fonográfico, que passaremos a compartilhar sem muitas delongas.
As delongas: além de quatro gravações acústicas de 1904, acompanhando ao piano a soprano escocesa Mary Garden (a primeira Mélisande), e que também encontrarão no disco a seguir, a discografia de Debussy como intérprete também inclui seis rolos registrados em Paris pelo processo Welte-Mignon (WM), com um total de quatorze peças:
WM 2733: Children’s Corner (a suíte completa);
WM 2734: D’un cahier d’esquisses;
WM 2735: La Soirée dans Grenade (de Estampes);
WM 2736: La plus que lente;
WM 2738: Danseuses de Delphes, La Cathédrale engloutie, La Danse de Puck (do primeiro livro de Préludes);
WM 2739: Le Vent dans la plaine, Minstrels (também do primeiro livro de Préludes).
Tais gravações, que datam provavelmente do final de 1912 ou do início de 1913, foram feitas para a firma alemã M. Welte & Söhne de Freiburg. Desde a primeira metade do século XIX, os Welte já se debruçavam sobre a criação e construção de instrumentos musicais automatizados e, na alvorada do século XX, já ofereciam alternativas ao limitado fonógrafo para a gravação e reprodução de música ao piano. Esmiuçar o funcionamento dessas complicadas engenhocas e discutir suas vantagens em relação às relativamente populares – e pouco acuradas – pianolas de então é algo que aumentaria por demais nossas já volumosas delongas, pelo que remeto aqueles entre vós outros que desejem saber mais delas para este vídeo em alemão, sem legendas em outros idiomas, mas suficientemente eloquente em sua dissecção dos aparatos WM.
Um fantasmagórico recital: “La plus que lente”, pelo próprio Debussy, tocada por um piano Steinway-Welte a partir de um dos rolos gravados em 1913.
Tampouco cabem em nossas delongas as muitas reservas que os conhecedores têm para com a capacidade do sistema Welte de registrar e reproduzir fidedignamente algo tão inefável e rico em nuances como uma interpretação ao piano. Fascinado que sou pelo simples privilégio de escutar algo muito parecido, inda que não idêntico, à concepção de um mestre da Música acerca da própria obra, admito minha incapacidade de lhe ser muito. Por isso, enquanto os convido a evitarem anacronismos e a entenderem essas palavras dentro da devida perspectiva – no caso, os registros distorcidos e cheio de estalidos dos fonógrafos de então -, penso que aqui caiba o depoimento do próprio Claude-Achille, sempre um crítico incansável de si, de tudo e de todos, depois de ouvir a reprodução de seus próprios rolos feitos para a M. Welte & Söhne:
É impossível alcançar perfeição maior na reprodução [de música] do que com o aparato Welte. O que escutei maravilhou-me, e afirmo-o alegremente nessas poucas linhas”
Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
Dos Prelúdios para piano, livro 1, L. 117:
1 – No. 1: Danseuses de Delphes
2 – No. 10: La cathédrale engloutie
3 – No. 11: La danse de Puck
4 – No. 12: Minstrels
5 – No. 3: Le vent dans la plaine
La plus que lente, valsa para piano, L. 121
6 – Lent (molto rubato con morbidezza)
De Estampes, para piano, L. 100:
7 – No. 2: La soirée dans Grenade
Children’s Corner, suíte para piano, L. 113
8 – Doctor Gradus ad Parnassum
9 – Jimbo’s Lullaby
10 – Serenade for the Doll
11 – The Snow is Dancing
12 – The Little Shepherd
13- Golliwog’s Cake Walk
… D’un cahier d’esquisses, para piano, L. 99
14 – Très lent
Claude Debussy, piano Welte-Mignon
Gravado pelo processo Welte para M. Welte & Söhne, entre 1912-1913
De Pelléas et Mélisande, ópera em cinco atos, L. 88:
15 – Mes longs cheveux
Das Ariettes oubliées, ciclo de canções para voz e piano, L. 60:
16 – Green
17 – L’ombre des Arbres
18 – Il pleure dans mon coeur
Mary Garden, soprano Claude Debussy, piano
Gravação fonográfica de 1904 para a Gramophone & Typewriter Co.
Ainda dentro das delongas, posso afirmar que há muito mais discussões – e textos, e tratados – acerca da relação pessoal e artística entre Claude Debussy e Maurice Ravel do que cabe nessa paupérrima postagem de moi. Se eles certamente nunca foram amigos, também é óbvio que mantiveram uma admiração artística mútua. Claude-Achille, e isso também é claro, não a demonstrou tão explicitamente quanto Maurice, que considerava Debussy “o gênio mais fenomenal da Música Francesa” e declarou que seu maior desejo seria “morrer delicadamente embalado pelo suave e voluptuoso colo do Prélude à l’après-midi d’un Faune” – o que não o impediu de também afirmar que, se pudesse, reorquestraria La Mer inteirinho!
Embora ambos tenham estudado piano no Conservatório de Paris, seus rumos ao teclado foram muito diferentes: Debussy poderia ter sido concertista se não desleixasse tanto seus estudos, e no final da vida ganhou alguns muito necessários francos editando o dedilhado de composições de Chopin para as Éditions Durand; Ravel, por sua vez, não deu ao instrumento, como intérprete, a mesma atenção que lhe dedicaria como compositor, criando algumas das mais suntuosas peças de seu repertório. Depois de ganhar um primeiro prêmio de piano em seus primeiros anos no Conservatório de Paris, suas pretensões tecladísticas perderam pujança e, salvo algumas recaídas – como a intenção de estrear ele próprio seu Concerto em Sol, tarefa de que acabou depois incumbindo a Marguerite Long, limitando-se a reger a orquestra em sua estreia -, ele nunca mais as alimentou. Não obstante, os Deutsche Marken da M. Welte & Söhne, ainda atraentes em 1913, no limiar da Grande Guerra, conseguiram convencê-lo a gravar-lhe alguns rolos, que ouvirão a seguir. Completa o disco a única gravação legítima de Ravel como regente, uma realização do Boléro pra lá de esquisita, e que muitos ouvintes já chamaram de incompetente. Ainda que o próprio compositor tenha desdenhado a obra, dando-lhe de ombros no melhor estilo gálico e chamando-a de “dezessete minutos inteiramente de tecido orquestral sem música, apenas um crescendo muito longo e gradual”, surpreende que ele tenha escolhido gravá-la com a orquestra Lamoureux logo depois – algumas fontes afirmam que foi um só dia depois – de Piero Coppola fazer a primeira de todas suas gravações, com a Grand Orchestre Symphonique du Gramophone, na presença do compositor. Quem sempre quis achar um calcanhar de Aquiles na armadura do genial Maurice, bem, terá talvez um prato transbordante na última faixa.
Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
Valses Nobles et Sentimentales, para piano
1 – Modéré, très franc
2 – Assez lent, avec une expression intense
3 – Modéré – Assez animé
4 – Presque lent, dans un sentiment intime
5 – Vif
6 – Moins vif
7 – Epilogue: Lent
Da Sonatine para piano:
8 – Modéré
9 – Mouvement de Menuet
De Miroirs, para piano:
10 – No. 2: Oiseaux tristes
11 – No. 5: La vallée des cloches
Pavane pour une infante défunte, para piano
12 – Assez doux, mais d’une sonorité large
Maurice Ravel, piano Gravadas em Paris pelo processo Welte-Mignon, 1913 (faixas 1-9), e em Londres pelo processo Duo-Art, 1922 (10-12)
Boléro,para orquestra
13 – Tempo di bolero moderato assai
Orchestre Lamoureux Maurice Ravel, regência Gravado em Paris em janeiro de 1930
Igor Stravinsky, que viveu até a década de 70 e nos pode, por isso, parecer por demais contemporâneo, entra nesse nosso rolê não só por também ter gravado rolos, mas também por ter sido amigo de Debussy, como inequivocamente atestam tanto a dedicatória da terceira peça da suíte En Blanc et Noir (“À mon ami Igor Stravinsky”) quanto a fotografia a seguir, tirada no apartamento de Claude-Achille em 1910:
Nossos agradecimentos ao fotógrafo, Erik Satie (!)
O maniacamente incansável Stravinsky, que tanto cartaz fizera durante a Belle Époque com suas partituras para os Ballets Russes de Diaghilev, tentou durante os anos 20 uma carreira como compositor-virtuose, parindo intrincadas peças para exibir-se, e que, por isso mesmo, relutava em levar à prensa e ao conhecimento de potenciais rivais. Curioso e multiúso que era, interessou-se pelos pianos automáticos a ponto de compor uma peça, incompatível com mãos humanas, especificamente para a pianola, e a gravar algumas de suas composições para concorrentes da M. Welte & Söhne: a parisiense Pleyel (que lançou uma pianola chamada, sem surpresa e criatividade, Pleyela) e a nova-iorquina Aeolian, patenteadora do processo Duo-Art, que viria a se tornar o mais popular de todos. No disco a seguir, ouvem-se as realizações de alguns dos milhares de rolos do imenso acervo do australiano Denis Condon (1933-2012), hoje albergado pela Universidade Stanford, com Stravinsky tocando a duas mãos sua Sonata de 1924 e depois, a quatro (por sobregravação, naturalmente), uma redução de seu Concerto para piano e sopros e outra de seu mais bem-sucedido balé, O Pássaro de Fogo.
Igor Feodorovich STRAVINSKY (1882-1971)
Sonata para piano (1924)
1 – ♩=112
2 – Adagietto
3 – ♩= 112
Do Concerto para piano e sopros (redução para piano a quatro mãos do próprio compositor):
4 – Largo
5 – “O Pássaro de Fogo”, balé completo (redução para piano do próprio compositor)
O catalão Ricard Viñes (1875-1943) foi contemporâneo de Ravel e Alfred Cortot nas classes de piano no Conservatório de Paris e participa de nossa homenagem a Debussy por muito bons motivos. Afinal, intérprete de muito sucesso e grande amigo de Claude-Achille, teve importância fundamental para que muitas de suas composições para o teclado obtivessem a atenção do público parisiense. Assim como Ravel (e, por um breve período, Stravinsky), Viñes foi membro muito ativo do célebre grupo Les Apaches, uma confraria de músicos dedicada à apresentação de novas composições e, sobretudo, à discussão e promoção de novas ideias musicais, e o principal responsável pela interlocução entre o grupo e Debussy, que, mais velho e um tanto blasé, tanto inspirava os Apaches quanto desdenhava os rumos que escolhiam.
Falando em desdém, Viñes – um homem extremamente vaidoso que adorava atenção e chuvas de confetes – nunca se interessou pela solidão dos estúdios e pelo então novo e bastante bizarro afã do processo de gravação. Somente no final da carreira rendeu-se ao dinheiro da HMV/His Master’s Voice e gravou a seleção a seguir, curiosa pelo repertório, que inclui peças de compositores sul-americanos muito pouco conhecidos. O que torna o disco impagável, no entanto, é o depoimento do pianista a Henri Malherbe, por ocasião do vigésimo aniversário do falecimento de Debussy (1938), e que tentei transcrever e traduzir do francês, mantendo seu tom coloquial (as repetidas referências a “Claude Debussy”, por exemplo, estão todas presentes no original):
Como posso falar de Claude Debussy, meu querido Henri Malherbe? Em primeiro lugar, não sou falante e, em segundo lugar, embora viva em Paris desde a minha infância, ainda tenho um leve sotaque espanhol do qual nunca consegui me livrar e, em terceiro lugar, tenho inúmeras lembranças de Claude Debussy, e não sei quais devo escolher dentre todas as que fluem em minha mente. Mas não posso recusar o pedido que você fez, caro amigo, para recordar e honrar a memória daquele glorioso músico cuja morte ocorreu há vinte anos, a quem eu tanto amava e a quem admirava mais do que a qualquer outro. Sou muito orgulhoso e eternamente grato a Claude Debussy por ele ter me escolhido para tocar as primeiras apresentações de quase todas as obras que ele escreveu para piano. Fui por muitos anos seu intérprete oficial, era conhecido como amigo e confidente de Claude Debussy. Ele me pediu para fazer as primeiras apresentações públicas de Prélude, Sarabande et Toccata, Pagodes, Jardins sous la pluie, La soirée dans Grenade, Masques, L’isle joyeuse, Reflets dans l’eau, Hommage à Rameau, Mouvement, Cloche à travers les feuilles, Et la lune descend sur le temple qui fut, Poissons d’or, etc. Esta última peça, Poissons d’or, foi até dedicada a mim. Fiquei ainda mais emocionado com a honra porque Claude Debussy nunca havia dedicado qualquer de suas obras a um pianista.
Uma noite, Debussy e Mme. Debussy me convidaram para jantar. Eu podia ver que ele estava agitado, envergonhado, e gesticulando para sua esposa. Ele era um amigo encantador, mas terrivelmente difícil de se conviver. Esperava uma reprimenda amigável, e aguardava com alguma apreensão o que ia acontecer, mas Debussy sentou-se ao piano e começou a tocar, no seu estilo flexível e aveludado, Poissons d’or. Então ele me contou, rindo-se, que a havia dedicado a mim. Agradeci, tomado de emoção. O único outro pianista a quem ele concedera essa distinção foi Chopin, a cuja memória ele dedicou uma coleção de peças para piano.
Claude Debussy era bastante inspirador, com sua cabeça grande, rosto magnificamente feio, sua testa estranha e saliente à maneira de Verlaine, e seus olhos felinos intimidantes olhando para você de baixo, com seu olhar bastante irônico e ambíguo. Essa imagem romântica lembrava algum condottière, ou se me permite a ousadia de dizer, algum ilustre bandoleiro calabrês.
Havia algo em Debussy – e mais de dois terços de sua obra testemunham isso -, algo mágico, algo extraordinariamente encantador, diáfano dizia-se, que vinha de outro mundo. A arte de Debussy era casada com os poderes da alma, como Stanislas Fumet afirmou sobre o Romantismo. Esse casamento místico dá à música de Claude Debussy seu caráter mais misterioso, essa nota de estranheza poética, que a tornava algo irreal, um antessabor do paraíso, se assim posso dizer, e um potencial de emoção persuasiva.
E não pense que Debussy fosse, de forma alguma, pesado ou austero. Em certos momentos, ele conseguia se divertir como criança.”
Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)
1 – Sonata em Ré maior, K. 29 (L. 461)
Christoph Willibald GLUCK (1714-1787)
Arranjo para piano de Johannes Brahms (1833-1897)
De Iphigénie en Aulide, Wq. 40
2 – Gavotte
Manuel BLANCAFORT de Roselló (1897-1987)
De El parc d’atraccions: 4 – L’orgue dels cavallets
5 – Polca de l’equilibrista
Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
Das Doce Piezas Características, Op. 92:
5 – No. 12: Torre Bermeja. Serenata.
Joaquín TURINA Pérez (1882-1949)
De Cuentos de España, Historia en siete cuadros, para piano, Op. 20:
6 – No. 3: Miramar (Valencia)
7 – No. 4: Dans les Jardins de Murcia
Claude DEBUSSY De Estampes, para piano, L. 100:
8 – No. 2: La soirée dans Grenade
De Images, livro II, L. 111:
9 – No. 3: Poissons d’Or
Aleksandr Porfiryevich BORODIN (1833-1887)
10 – Scherzo em Lá bemol maior para piano
Isaac ALBÉNIZ De Cantos de España, Op. 232:
11 – No. 2: Oriental
12 – No. 5: Seguidillas
Da Suite Española no. 1, Op. 47:
13 – Granada – Serenata
Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)
De El Amor Brujo: 14 – Calmo e Misterioso – El Aparecido
15 – Danza del Terror
16 – El Círculo Mágico (Romance del Pescador)
17 – A Medianoche: Los Sortilegios
18 – Danza Ritual del Fuego
Isaac ALBÉNIZ
De Deux Morceaux Caractéristiques, Op. 164:
19 – No. 2: Tango
20 – Célèbre Sérénade Espagnole, Op. 181
Pedro Humberto ALLENDE (1885-1959)
21-22 – Dos Tonadas De Carácter Popular Chileno
Carlos Félix LÓPEZ BUCHARDO (1881-1948)
23 – Bailecito
Cayetano TROIANI (1873-1942)
De Ritmos argentinos, para piano:
24 – No. 5: Milonga
25 – Ricard Viñes fala de Claude Debussy (1938)
FAIXAS-BÔNUS:
Claude DEBUSSY De Images, livro I, L. 110:
No. 2: Hommage à Rameau (incompleto, compassos 31-76)
Dos Douze Études para piano, L. 136:
No. 10: Pour les sonorités opposées (incompleto, compassos 31-75)
Enrique Granados (1867-1916) foi contemporâneo de Debussy e sua trajetória não tangenciou a do francês, a despeito de alguns anos passados em Paris, onde teve aulas privadas de piano, e do interesse comum pela música espanhola (que para Granados era paixão nativa, e para Debussy, inspiração tão exótica como a do gamelão indonésio que famosamente escutou na Exposição Universal de 1889). Ainda assim, decidi incluí-lo na homenagem a Claude-Achille, não só porque ele tinha um bigode tão frondoso quanto o do seu contemporâneo Viñes, ou por respeito a seu fim tão trágico, vitimado por um naufrágio decorrente dum torpedo alemão no Canal da Mancha. Granados aqui está, sobretudo, porque sua música é excelente, suas gravações são supimpas, e porque no disco a seguir os leitores-ouvintes poderão comparar a mesma composição – uma sonata de Scarlatti – gravada por Pantaléon Enrique tanto pelo processo Welte-Mignon quanto pelo fonógrafo, o que lhes permitirá (ou, pelo menos, assim espero) tirarem suas próprias conclusões acerca da capacidade do WM de registrar acuradamente as intenções do intérprete.
De Goyescas, Los Majos Enamorados, suíte para piano, Op. 11:
1 – No. 1: Los requiebros
2 – No. 2: Coloquio en la reja, duo de amor
3 – No. 3: El fandango de candil
4 – No. 4: Quejas, o La maja y el ruiseñor
Elisabeth (ou Lisa) Batiashvili é uma extraordinária violinista georgiana. Não sou um especialista em música romântica — aliás, não sou especialista en puerra ninguna –, mas o Franck dela e do pianista Gigashvili me impressionou demais. Teoricamente, o disco descreve o amor proibido em várias formas. O álbum abre justamente com César Franck. Sua admirada Sonata para Violino traz um diálogo íntimo entre violino e piano, que vai do encanto terno à paixão fascinante. O momento introdutório do Allegretto ben moderato já mostra as muitas nuances de Batiashvili: sua qualidade de tom vibrante e fraseado fluido lembram vividamente a voz humana. As primeiras notas são um sussurro e um prenúncio do que está por vir. Bela interpretação! O desempenho de Gigashvili também é sólido: além de se alinhar perfeitamente às linhas do violino, ele adiciona profundidade aos grandes momentos e responde com sensibilidade às mudanças de cores harmônicas de Franck. No coração de Secret Love Letters está o Primeiro Concerto para Violino de Karol Szymanowski, uma meditação do compositor polonês sobre o poema de Tadeusz Miciński Noc Majowa (‘Noite de Maio’), escrito na Ucrânia durante a Primeira Guerra Mundial. É uma peça cheia de amor e dor decorrente das restrições vividas por um homem que estava apaixonado por outro homem em um momento em que isso era proibido legalmente e moralmente. O Poème para violino e orquestra de Ernest Chausson , composto em 1896, foi baseado em um conto do autor russo Ivan Turgenev, apaixonado pela famosa mezzo-soprano Pauline Viardot. E o CD fecha com Debussy.
Violin Sonata In A Major
1 I. Allegretto Ben Moderato 6:07
2 II. Allegro 8:00
3 III. Recitativo. Fantasia. Ben Moderato. Molto Lento 7:21
4 IV. Allegreto Poco Mosso 5:55
Composed By – César Franck
5 Violin Concerto No. 1, Op. 35
Composed By – Karol Szymanowski
6 Poème, Op. 25
Composed By – Ernest Chausson
7 Beau Soir
Arranged By – Heifetz*
Composed By – Claude Debussy
Conductor, Piano – Yannick Nézet-Séguin (faixas: 5 to 7)
Orchestra – The Philadelphia Orchestra (faixas: 5, 6)
Piano – Giorgi Gigashvili (faixas: 1 to 4)
Violin, Liner Notes – Lisa Batiashvili
Eu gosto imensamente dos Prelúdios, as peças de Debussy que eu mais ouço. Procuro ouvir a cada gravação que cruza o meu caminho – a curiosidade nos faz agir de modos estranhos. Umas são notáveis, outras apenas interessantes. Com o passar do tempo, acumulei um bocado delas e nesses dias de #DEBUSSY160, andei revisitando meu acervo e selecionei estas gravações para mais uma postagem…
Steven Osborne – Se me torcessem o braço para escolher uma única gravação para viver daqui para frente, poderia ser essa! Não, silly, calma, é apenas retórica, que aqui no PQP Bach vivemos um ambiente de plena liberdade, até ouvir Berlioz e Rachmaninov pode, só não relatem ao boss! Steven Osborne é um virtuose capaz de tocar ‘quaquer coisa’, o que pode ser um pouco perigoso em certos repertórios. Aqui, com a produção da Hyperion, assim como no seu outro disco com música de Debussy, ele acertou em cheio! Veja o que o Penguin Guide disse: Even in a crowded Debussy catalogue where competition is abundant, Steven Osborne is an artist to be reckoned with. He has a real feeling for keyboard colour, a keen imagination and na effortless technique. A very well-balanced recording from the Henry Wood Hall. E eu acrescento que a produção é de Andrew Keener!
Michel Béroff – Estas gravações são de 1977, quando o pianista era bastante jovem. Temos uma abordagem mais impetuosa do que a média, digamos assim. Veja o que nos disse um crítico: Beroff’s playing is very masculine with huge dynamic range and pushing technical boundaries, and yet artistically and aesthetically very mature. He also possesses keenest sense for tonal colouring and delicacy (listen to Preludes Book 1&2). I do not agree with his judgment of tempo in Clair de lune (played too fast) and in some other slower pieces, but this set is by far the most satisfying complete set for me and stands repeated listening.
A crítica trata de um conjunto de gravações que incluem outras peças, como os Estudos, que aparecerão em outras postagens, por esses dias. Atenção, portanto!
Ivan Ilic – Ouvi esta gravação dos Prelúdios há pouco tempo e fiquei muito bem impressionado. O virtuosismo e precisão assim como a gravação me chamaram logo a atenção. Outra coisa a observar é a ordem que ele escolheu para apresentar os Prelúdios, diferente da usual. Quando estamos esperando um prelúdio, surge outro… Veja algumas críticas ao disco, que é de 2008: Ilic can join the best exponents of these evocative and sound-conscious pieces. He plays with admirable poise and clearly relishes both the evocative and expressive powers within each one. He also commands a wide range of colour and dynamics, both essential to painting pictures…There is no shortage of imagination in Ilic s playing but he doesn t overdo the imagery or the potential for sentimentality; nor does he force the more dramatic numbers and his articulation (as throughout) is impressive…Ilic brings individuality to his task that makes for persuasive listening and this is a release that I am pleased to have and recommend. –Classical Source, UK, August 6th 2008
There is much in American pianist Ivan Ilic’s performances of Debussy’s Book 1 and 2 Preludes to draw fresh responses from such well-known works. The clarity in his playing, and minimal use of pedal, gives sharp definition where others prefer a more reverberant haze…[in] character pieces [such] as General Lavine eccentric, Ilic’s personality is at its most decisive. –The Scotsman, UK, August 29th 2008
Pierre-Laurent Aimard – é um pianista francês que estudou com Yvonne Lorid e Maria Curcio. Ganho primeiro prêmio no Olivier Messiaen Competition e foi membro fundador do Ensemble InterContemporain, a convite de Pierre Boulez. Como pianista se dedica à música mais atual. Apesar disso, também gravou música mais antiga, como os Concertos para Piano de Beethoven, a convite de Harnoncourt, assim como a Arte da Fuga, de Bach. Suas interpretações dessas obras tem um olhar mais moderno, um viés mais racional, por assim dizer. Pois foi esse aspecto que me levou a ouvir suas interpretações da música de Debussy e de incluir suas gravações dos Prelúdios nesta postagem. Aqui temos trechos [positivos] de duas críticas sobre elas: As you’d expect, Aimard’s accounts of the 24 pieces are technically impeccable, whether articulating every rhythmic detail in La Danse de Puck, or perfectly layering the chordal accumulations of La Cathédrale Engloutie, but there is something matter of fact about it all, a lack of character and colour, and certainly very little humour, whether in La Sérénade Interrompue or Hommage à S Pickwick Esq. The Guardian
For him [Aimard], Debussy must always be allowed his own voice and few performances on record have proceeded with so little impediment or with greater transparency and lucidity. DG’s sound is of demonstration quality… Gramophone
Melvin Tan – nasceu em Singapura, mas ainda muito jovem mudou-se para a Inglaterra para estudar piano, primeiro na Yehudi Menuhin School e, depois, no Royal College of Music. Durante seus estudos, interessou-se pelo cravo e por instrumentos antigos, como o pianoforte. Com este instrumento fez conhecidas gravações dos Concertos para Piano de Beethoven, assim como algumas das sonatas e alguns Concertos para Piano de Mozart. Foi, portanto, com alguma surpresa que conheci estas suas gravações dos Prelúdios de Debussy usando um moderno (grand) piano. E concordo plenamente com o que o Penguin Guide diz sobre elas: The intelligence and sensitivity that made his fortepiano playing so vivid and alive are well in evidence here, and his Debussy has refinement and imagination that will not disapoint his many admirers.
Yukio Yokoyama – é um destes talentos que se revelam na mais tenra infância. Começou seus estudos no Japão e em 1986 foi estudar no Conservatório de Paris com bolsa do governo francês. Estudou com Jacques Rouvier e Vlado Perlemuter. Ganhou muitos prêmios internacionais e é um pianista fenomenal. Ficou famoso por interpretar em concertos ao longo de um período de dez meses não só todas as sonatas para piano de Beethoven como também todas as variações e as bagatelas. Eu já tenho ouvido seu disco com os Prelúdios de Debussy muitas vezes nesses últimos dois ou três anos e convido você a fazer o mesmo…
A essa coleção, acrescente as ótimas gravações disponíveis na postagem das Integrais da Obra para Piano de Debussy, com os pianistas François Chaplin, François-Joel Thiollier, Jean-Efflam Bavouzet, Jean-Yves Thibaudet, Martino Tirimo, Noriko Ogawa e Théodore Paraskivesko!
Aproveite!
René Denon
Debussy pronto para ir ao rega-bofes preparado para ele pelo pessoal do PQP Bach…
A obra para piano de Claude Debussy é inovadora, belíssima e não é imensa. É uma tentação para os pianistas e gravadoras colocá-la toda em um conjunto de quatro a cinco discos – L’integrale de l’oeuvre pour piano!
Talvez o primeiro pianista a fazer isso tenha sido Walter Gieseking, mas muitos outros fizeram isso depois dele e certamente continuarão a fazê-lo.
Eu acho fascinante poder ouvir toda essa obra, uma maravilhosa coleção, em um período relativamente curto de tempo… O desenvolvimento de um compositor genial todo colocado ao seu dispor em, digamos, uma semana?
Alguns pianistas vão um pouco além e incluem todas as pecinhas, mesmo as de juventude, ou as versões para piano desta ou daquela obra para outro tipo de combinação de instrumentos, fazendo com que um quinto disco (ou mesmo um sexto) seja acrescentado ao usual conjunto de quatro discos.
Mas, quais são as obras que fazem o núcleo destas coleções? Há peças isoladas e algumas coleções – conjuntos, trípticos ou suítes. Vamos fazer uma lista dessas que você não pode perder, facilitando assim um pouco a sua navegação pelos arquivos da postagem.
Peças avulsas:
Rêverie (1890)
Deux arabesques (1890-1)
L’isle joyeuse (1903 – 04)
… d’un cahier d’esquisses (1903)
Hommage à Haydn (1909)
La plus que lente (1910)
Berceuse héroïque (1914)
Page d’album e Élégie (1915)
Conjuntos de Peças:
Images (oubliées) (1894)
Pour le piano (1894-1901)
Suite bergamasque (1890-1905)
Images I (1901-1905)
Estampes (1903)
Images II (1907)
Children’s Corner (1906-1908)
Préludes Livre I (1910) – Livre II (1913)
La Boîte a joujoux (1913)
Études (1915)
Há outras peças, mas esse é o mapa ao qual você poderá recorrer para navegar nas sete integrais que escolhi para a postagem. Afinal, é mês do aniversário de 160 anos do Claude!
Das peças avulsas, a maior e (talvez) a primeira a apresentar as características que distinguem as inovações de Debussy é L’isle joyeuse.
Entre as coleções, certamente se destacam as Images, Estampes, Préludes e Études. Esta última coleção, de um período difícil da vida de Debussy, é um resultado de sua amizade com o seu editor, Jacques Durand, que o encarregou de uma nova edição da obra de Chopin. Essa atividade o inspirou para produzir seus próprios estudos, cujo conjunto é, para muitos, sua mais completa obra-prima.
Aproveito para lhe fazer um convite: na medida em que for ouvindo as peças, faça um esforço para expandir seus interesses culturais além da música. Este pode ser um aspecto do legado que nos foi deixado por Debussy, que tinha enorme interesse nas outras artes, das quais tirava muitas inspirações. Pintura, escultura, poesia… as pistas estão em todas as partes. Tente fazer o percurso inverso enquanto desfruta deste maravilhoso mundo sonoro.
Vamos às nossas coleções.
François Chaplin – Uma das mais completas, teve seus discos gravados pela Disques Pierre Verany (Arion) ao longo dos anos 2000 até 2007. Como a gravadora e o pianista são franceses, temos certeza que o sotaque está correto. Além disso, as revistas francesas especializadas em música, como a Diapason, receberam muito bem os lançamentos, na medida em que iam saindo. O sexto disco é um apêndice e traz textos de Debussy (que escrevia sobre música com o pseudônimo de Monsieur Croche) recitados por Jean Piat, que são ilustrados musicalmente por François Chaplin.
François-Joel Thiollier – Viva a Naxos! Cinco lindos discos, em particular o disco com os prelúdios, muito bem gravados e lançados entre 1994 e 1997. O pianista Fançois-Joel Thiollier já havia provado seu valor com alguns discos (incluindo a integral da obra para piano) de Ravel. Na época de seu lançamento os concorrentes eram peso-pesado, como o excelente Zoltan Kocsis, mas Thiollier oferecia uma ótima opção, como você poderá ouvir aqui. Veja o que a American Record Guide disse: Thiollier plays it beautifully…it was a real treat to hear this warm, sweet piano tone emerge out of complete silence.
Volume 1
[1-4] Suite Bergamasque
[5] Nocturne
[6] Danse bohemienne
[7] Rêverie
[8] Mazurka
[9-10] Deux arabesques, L. 66
[11] Valse romantique (L. 71)
[12] Ballade
[13] Danse – Tarantelle styrienne
[14-16] Pour le piano
Volume 2
[1] Le petit nègre
[2-7] Children’s Corner
[8-11] La Boite A Joujoux
[12-17] 6 Epigraphes antiques
Volume 3
[1-3] Images pour piano I
[4-6] Images pour piano II
[7-9] Estampes
[10-12] Images oubliées
[13] La plus que lente
[14] L’isle joyeuse
Volume 4
[1-24] Préludes
Volume 5
[1-12] Études
[13] D’un cahier d’esquisses
[14] Hommage à Haydn
[15] Élégie, L138
[16] Morceau de concours
[17] Page d’album: Pièce pour l’oeuvre du ‘Vêtement du blessé’
Jean-Efflam Bavouzet – Aqui temos mais um pianista francês, mas a produção é do selo Chandos que é inglês. Nesta coleção a integral de divide em cinco discos, mas o quinto contém três balés… Além disso, este conjunto já frequentou as páginas do blog antes, quando foi postada pelo nosso colaborador-raiz, FDP Bach. Esta talvez seja a integral mais ‘completa’ que reúne qualidades artísticas e técnicas que a colocam na preferência de muitas pessoas. Eu sou bastante reticente e desgosto um pouco das comparações, especialmente em se tratando de gravações musicais. Veja, cada gravação traz em si uma longa história e há muitos aspectos que podem ser apreciados, mas levei em consideração a qualidade global deste item para trazê-lo novamente em uma postagem.
Jean-Yves Thibaudet – Ooppss… mais um pianista francês com selo inglês. Esta gravação é mais antiga do que a anterior, lançamentos entre 1996 e 2000, mas é espetacular, do ponto de vista técnico e tem a qualidade de colocar tudo (?) em quatro discos. Veja como o Penguin Guide fala bem dele (pelo menos dos dois primeiros discos): Beautifully recorded, […] looks set to take first place in a competitive field. The Préludes are among the finest in record. Sobre a gravação dos Prelúdios: Always a crisp and articulate pianist, Thibaudet´s Préludes display greater freedom and imagination than is sometimes the case with him.
Martino Tirimo é cipriota, pianista desde a mais tenra idade, estudou em Londres e Viena. Ganhou muitos prêmios e é ótimo pianista. Tem gravações de (todas) as peças solo para piano de Beethoven, de Schubert, mas essa coleção de quatro CDs com a obra para piano de Debussy é o que eu mais ouvi dele e é ótima. Foi gravada entre 1988 e 1991 para o selo inglês Carlton Classics e já teve várias novas edições. Veja o que o Jed Distler, da Classics Today, disse: For starters, Tirimo’s warm, beautifully nuanced sonority and the alluring resonance of the Rosslyn Hill Chapel in Hampstead mesh in a way that evokes the composer’s “piano without hammers” ideal without sacrificing rhythmic backbone. Tirimo’s strong rhythm and care with scaling dynamics factors into this impression. Sobre a gravação dos Prelúdios, o Penguin Guide disse: Complete on one super-baigain CD, Tirimo’s set offers excellent value, his sensitive playing enhanced by fine digital sound. Por um ano de minha vida, este disco (Prelúdios) foi o que eu mais ouvi da música para piano de Debussy e esta coleção é especial para mim.
Noriko Ogawa estudou no Tokyo College of Music e na Julliard School, em Nova Iorque. Ganhou em 1987 o prestigioso Leeds International Piano Competition, o que definitivamente impulsionou sua carreira de pianista internacional. Esta coleção de seis discos com a obra completa para piano, de Debussy, gravada pelo excelente selo (ótimo som) BIS entre 2001 e 2011, certamente mostra que não é necessário nascer em solo francês para falar esse idioma musical. A Gramophone disse o seguinte sobre o segundo disco da série: We have had to wait some time for volume 2 of Noriko Ogawa’s Debussy cycle on BIS, but the wait is made gloriously worthwhile. Every bar of these new performances confirm Ogawa as a most elegant, scrupulously sensitive interpreter of ‘music like a dream from which one draws away the veil’ (Debussy). O Penguin Guide afirma que ela é ‘a superb interpreter of this repertoire’.
CD1
[1-2] Arabesques
[3] Danse, “Tarantelle styrienne”
[4] Ballade
[5] Valse romantique
[6] Rêverie
[7-10] Suite bergamasque
[11] Mazurka
[12] Nocturne
[13.] Danse bohemienne
[14-16] Pour le piano
CD2
[1-3] Images, Book 1
[4-6] Images, Book 2
[7-9] Images oubliees
[10-12] Estampes
[13] Masques
[14] L’isle joyeuse
CD3
[1-12] Preludes, Book
[13] …D’un cahier d’esquisses
[14] Morceau de concours
[15] Hommage a Haydn
[16] The Little Nigar
[17-22] Children’s Corner
[23] La plus que lente
CD4
[1-12] Preludes, Book 2
[13] Berceuse heroique
[14] Page d’album, “Piece pour le Vetement du blesse”
[15] Élégie
[16-19] La boite a joujoux (version for piano)
CD5
[1-12] Études
[13] Étude retrouvée
[14] Intermede (arr. of Piano Trio No. 1: II. Scherzo-Intermezzo)
[15-20] Epigraphes antiques (version for solo piano)
[21] Les soirs illumines par l’ardeur du charbon
CD6
[1] Fugue pour le concours de fugue (1881) (arr. N. Ogawa for piano)
[2] Fugue pour le concours de fugue (1882) (arr. N. Ogawa for piano)
[3] Fugue pour le concours de fugue (1883) (arr. N. Ogawa for piano)
[4] Fugue pour le concours d’essai, Prix de Rome Competition (1882) (arr. N. Ogawa for piano)
[5] Fugue pour le concours d’essai, Prix de Rome Competition (incomplete) (1883) (arr. N. Ogawa for piano)
Théodore Paraskivesko nasceu na Romênia, mas naturalizou-se francês. Estudou com Magda Tagliaferro, Yvonne Lefébure e Nadia Boulanger. Faz assim uma ponte entre a tradição de pianistas franceses mais próximos ao tempo de Debussy com esta geração representada pelos outros pianistas. Nova geração, mas não exatamente novíssima… Estas gravações foram feitas entre 1976 e 1980, e as conheci já em CDs, lançados pelo selo Calliope. Ela muito contribuiu para meu enorme interesse e admiração pela obra para piano de Debussy.
Com tantas comemorações, Claude precisou descansar e relaxar um pouquinho…
Tenho feito um esforço de virtualmente sempre disponibilizar arquivos flac e mp3 em minhas postagens, mas considerando o volume de informação desta particular postagem, optei por disponibilizar apenas os arquivos mp3. Espero contar com a compreensão daqueles que preferem os arquivos flac, mas tenho certeza que a qualidade dos arquivos disponibilizados não os desapontará nem deixará de fazer brilhar a beleza desta música de que tanto gosto. Espero que aproveite bastante, mas há muito mais Debussy em estoque!
Os Estudos foram compostos por Debussy em 1915, como resultado de seu trabalho na edição das obras de Chopin. Essa tarefa lhe havia sido proposta por seu editor, Jacques Durand, parte de uma estratégia de animá-lo e ajuda-lo a passar por um período particularmente difícil da vida. O resultado é uma coleção de obras primas, por muitos consideradas o que há de melhor em sua obra. Ele mesmo teria dito que as peças ‘são um aviso aos pianistas para que nem tentem se profissionalizar, a menos que tenham mãos fenomenais’! Em sua correspondência com Durand, disse:
Estou certo que você irá concordar comigo que não há necessidade de
evidenciar o mecanismo instrumental apenas para parecer mais
comprometido, um toque de charme não vai machucar ninguém. Chopin
provou isso e fez com que essa necessidade se tornasse arrogante.
Nesta postagem trazemos algumas gravações desta coleção…
Anne Queffélec estudou no Conservatório de Paris e posteriormente em Viena com Paul Badura-Skoda, Jörg Demus e Alfred Brendel (assim como o fez Imogen Cooper). Teve sua carreira de pianista impulsionada ao ganhar competições de piano em Munique e Leeds. Desde os anos 1970 tem feito gravações de música principalmente francesa sempre com muito boa recepção de crítica e público. A Gramophone refere-se às suas gravações como “Delicious playing”, “Outstanding … thoughtful, poetic”, “Articulate, clear-textured and vivacious, this is commendable”.
Veja como ela respondeu a um de seus entrevistadores:
You will close the program with Debussy and Ravel. Why did you include those composers and those works?
AQ: The second half is dedicated to Debussy’s Reflets dans l’eau and Ravel’s Miroirs because I love these marvellous pieces! By programming Reflets and Miroirs together seemed to me connected to this idea of “reflections”, even if the music itself in Ravel ensemble, in the individual titles of the five pieces, don’t give us the key for the global name of Miroirs. This remains a mystery; we have to be like Alice in Wonderland, and agree to follow Ravel, and go through the mirrors in turn!
Michel Beroff gravou essencialmente toda a obra para piano de Debussy nos anos 1970 para a EMI, oferecendo uma visão mais virtuosística e incisiva. Sua gravação dos Prelúdios está na postagem que dediquei a esta obra e aqui temos a sua gravação dos Estudos. Veja o que disse de suas gravações um crítico amador, mas arguto: My search for complete recording of Debussy’s solo piano music had ended there, until I came across Michel Beroff through his awe-inspiring recording of Messiaen’s Vingt regards and astounding Prokofiev Concerti recording.
Mitsuko Uchida – A partir de 1984 até 1989 a Philips lançou uma série de discos com música de Mozart, Sonatas e Concertos para piano, com uma solista japonesa – Mitsuko Uchida, que vieram a se tornar referência destas obras. Até acusadas de perfeitas, essas gravações foram… De qualquer forma, a menos de um disco com Sonatas para Piano de Chopin, o nome de Uchida ficou associado à Mozart. Posteriormente, gravou os Concertos para Piano de Beethoven, algum Schumann, alguma coisa da trinca Schoenberg, Berg e Webern e muito Schubert. Assim, sua gravação dos Estudos de Debussy desperta alguma surpresa, mas que surpresa! Para muitos, essa é a gravação que não pode faltar em qualquer coleção de discos de Debussy. Se eu fosse forçado por meios mesmo não muito cruéis a escolher uma gravação dos Estudos de Debussy, não vacilaria e a escolheria. Bom, é retórica, eu sei, mas dá a medida de quanto importante é esse disco. O Penguin Guide deixa de lado a tradicional fleuma inglesa e rasga a seda: Mitsuko Uchida’s remarkable account of the Études on Philips is not only one of the best Debussy piano records in the catalogue, but also one of the best recordings in the instrument. Em uma publicação semelhante, da Gramophone, lemos: The harmonic language and continuity of the Études is elusive even by Debussy’s standards, and it takes na artist of rare gifts to play them ‘from within’, at the same time as negotiating their finger-knotting (trança-dedos) intricacies. Mitsuko Uchida is such an artist.
De um maravilhado crítico amador: For some inexplicable reason this is Uchida’s only disc of Debussy. She is an ideal Debussy musician, with the technique, the intelligence, the sensibility and the capacity to be mercurial that his music demands. With the étudess, only Aimard comes close. A classic account.
Philippe Bianconi já apareceu aqui em nossa versão de ‘o cantor mascarado’, quando interpretou os Concertos para Piano de Brahms. É um pianista notável e sua gravação chegou até aqui por apresentar uma visão um pouco mais ponderada, dando um pouco mais de ‘ar’ aos estudos. Além dos estudos, sua gravação traz outras peças para piano que levam a mão do sempre disponível e amigo André Caplet. Vale a pena explorá-las.
Veja a lista de ‘extras’:
Élégie, L138
Le Martyre de Saint Sébastien – Suíte
I. La Cour des Lys. Prélude (transcription André Caplet)
II.Danse extatique (transcription André Caplet)
III. La Chambre magique (transcription André Caplet)
Pierre-Laurent Aimard é um pianista mais geralmente associado à música moderna e/ou contemporânea e foi colaborador de Pierre Boulez. Assim, sua abordagem da música mais tradicional, como os Concertos para Piano de Beethoven ou Mozart, das obras de Bach e, em particular, de Debussy, traz um olhar diferenciado. Veja a crítica que este disco recebeu do compêndio da Gramaphone de 2009: With Pierre-Laurent Aimard the sheer freshness and novelty of this music come across strongly. So does the ardour; whereas some players are content with mood and atmosphere, his communication of feeling is acute. Assim como foi o caso do disco do Bianconi, aqui os Estudos não estão sozinhos. Neste caso, estão acompanhados de uma ótima interpretação das Images.
Espero que tenha gostado das opções que apresento aqui… Acrescente também as ótimas gravações que estão na postagem da Integral das Obras para Piano com os pianistas François Chaplin, François-Joel Thiollier, Jean-Efflam Bavouzet, Jean-Yves Thibaudet, Martino Tirimo, Noriko Ogawa e Théodore Paraskivesko.
Mary Garden, soprano escocesa, “Mélisande” na estreia de “Pelléas et Mélisande”, de Claude Debussy – Paris, 1902.
A música europeia foi pródiga em estilos e inovações. Desde o advento da notação musical, sec. XI, do canto gregoriano e “Ars antiqua”, primórdios da polifonia; até a “Ars nova”, renascença e barroco, apogeus da polifonia vocal e instrumental; chegando, por fim, à exuberância do classicismo e romantismo… E nesta trajetória, final do sec. XIX, um novo dilema: sistema tonal, concebido ao longo de séculos, inviabilizava-se; atingira seu ápice e parecia dissolver-se…
E sobre os acordes de “Tristão e Isolda”, nova geração refletiria sobre a criação musical… A modulação permanente e os cromatismos wagnerianos, que encantaram jovens músicos, como Debussy, colocavam-nos também no final de uma jornada, do aparente esgotamento da linguagem… Liszt já havia composto sua “Bagatelle sans tonalité”. E, se muitos ainda seguiram os mestres românticos, explorando e reafirmando o sistema tonal, outros ousariam maior originalidade…
Período em que a música francesa foi protagonista. E o termo impressionista, que Debussy recusava, caracterizaria o novo estilo, que adotava certo exotismo oriental, as escalas pentatônicas e tons inteiros, além dos modos medievais… Também novas cores vocais e instrumentais, que combinavam um arcaísmo, solene e medido, às sonoridades vagas e estáticas, totalmente diversas do fluxo tonal, consolidado desde a música barroca…
… “Claude de France”
Claude Debussy (1862/1918), músico impressionista francês.
Inovador por excelência, Debussy desafiou, permanentemente, o seu tempo. Contestador, por vezes, irônico e mordaz, desde jovem questionou mestres e tradições do conservatório de Paris, onde ingressou aos dez anos… Jovem e promissor pianista, acabou rejeitado por negligenciar provas e apresentações. No entanto, permaneceu no curso de composição, estudando com grandes nomes da época…
Também devotou admiração à Massenet, Fauré, Satie e Ravel. E propôs arte que agregasse à tradição francesa certos exotismos, orientais e até afro-americanos. Assim, resgatou modos da música medieval, mesclando-os aos acordes da música tonal e às escalas de tons inteiros, atenuando as resoluções tonais… E optou por dinâmicas discretas, entre “pianos e pianíssimos”, e eventualmente os “fortes e fortíssimos”, que resultaram em música de nuances, de imagens e cores sonoras, difusa e vaga, embora minuciosamente escrita… Além deste efeito, lânguido e estático, Debussy criou rítmicas complexas e virtuosísticas…
“Danceuses de Delphes” – dos prelúdios para piano, Claude Debussy.
Em peregrinação à Bayreuth, foi impactado por Richard Wagner, pelos acordes e pelo canto de “Tristão e Isolda” – “a música do futuro”… Para Debussy, no entanto, “no lugar de um amanhecer, a música de Wagner representava um maravilhoso crepúsculo”… Então, gradualmente, afastou-se do mestre alemão, mas não de um todo, cuja influência musical foi avassaladora… Por fim, inovou e tornou-se referência da música francesa e universal – “Claude de France”…
“Prelúdio” de “Tristão e Isolda”, Richard Wagner.
Considerado precursor da música do séc. XX, ao lado do místico Scriabin, Debussy compôs música, por vezes, austera e solene, quase religiosa, e também de apelo erótico e sensual. Sobretudo, escreveu música evocativa, estimulado pela sensorialidade das imagens e sons da natureza – do vento, do mar e das vagas, das cores e nuances do dia e da noite, do amanhecer e do crepúsculo… Apesar deste imaginário, negava intenção de compor música descritiva. E os títulos de seus prelúdios, curiosamente, aparecem ao final da partitura, para serem ouvidos, essencialmente, como música pura…
“La damoiselle élue”, por Maurice Denis – Capa da edição musical, 1893.
Inutilmente, resistiu à denominação “músico impressionista” e exerceu diversas influências, desde Bartok e Messiaen, Stravinsky e Puccini, até o jazz e a bossa nova. Também musicou e foi assíduo leitor da poesia simbolista de Mallarmé, Verlaine e Baudelaire… E sua arte permanece, indissoluvelmente, ligada à virada do século XX e à Paris da “Belle Époque”… Coincidentemente, faleceu em 1918, vitimado por câncer e entristecido pelos horrores da guerra – pelo mundo que deixava de existir, ofuscado por incertezas e destruição…
… do “Prix de Rome” ao poema “Prélude à l’après-midi d’un faune”
Desde as primeiras obras, Debussy buscou originalidade. Em Paris, era notória sua resistência à ortodoxia de Guiraud… Para Debussy, “o prazer devia ser a regra; o prazer ao ouvir”, no lugar de avaliar-se a beleza por cânones musicais… Por fim, surpreendeu ao conquistar o “Prix de Rome”, mais importante da França, com a cantata “L’enfant prodigue”...
A premiação possibilitava estudos em Roma, Itália. E, apesar da influência de Massenet, este, frente ao estilo disperso e vago, que o jovem músico experimentava, ironizava: “Ele é um enigma”… E em “Printemps” ou na cantata “La Damoiselle élue”, 1887/88, emergia um estilo, que adquiriu maior clareza, posteriormente, nas canções “Ariettes oubliées”, sobre versos de Verlaine…
Orlando di Lassu (1532/94) – Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525/94) – Mestres Renascentistas: “única música de Igreja que aceitarei”, dizia Debussy, quando esteve na “Villa Medici”, em Roma, 1885/87.
A experiência em Roma pouco acrescentou ao antidiletante e futuro “Monsieur Croche”, pseudônimo em “La revue blanche”, 1901, que mostrou desapreço pela ópera italiana, de Donizetti e Verdi. Mas, interessou-se por músicos do sec. XVI – Orlando di Lassu e Palestrina, que ouviu em Santa Maria dell’Anima: “única música de Igreja que aceitarei”… E prezava as visitas do então abade Liszt à “Villa Medici”, para conhecer e interagir com os jovens músicos…
Nadezhda von Meck, protetora de Tchaikovsky, contratou o jovem Claude Debussy, entre 1880/82.
“Chabrier, Moussorgsky, Palestrina, voilà ce que j’aime” – eles são o que amo, dizia… E a música russa despertara atenção desde que atuou na casa de Nadezhda von Meck, protetora de Tchaikovsky e pioneira das ferrovias na Rússia, depois estatizadas pelos bolcheviques. Debussy viajou com a família pela França, Itália e, inclusive, Moscou… “Trio para piano e cordas”, obra juvenil, foi composto para o conjunto residencial dos von Meck… Em correspondência com Nadezhda, Tchaikovsky mostrou simpatia pela música de Debussy – “embora incipiente e singela, de um jovem músico”…
Em Roma, permaneceu entre 1885/87. No retorno à Paris, ouviu “Tristão e Isolda”, nos “Concertos Lamoureux”, e encantou-se com as escalas e sonoridades dos gamelões javaneses, na “Exposição Universelle”, 1889. Também com a liberdade harmônica e cores instrumentais de Rimski-Korsakov, regendo as próprias obras – apesar da opinião desfavorável do russo à sua música…
Maestro Lamoureux em “fortíssimo” – por Charles Léandre, 1890.
Período em que compôs pequenas obras para piano e canções – cerca de 27 delas, dedicadas a uma única mulher, Marie Vasnier… Embora talento reconhecido, a música de Debussy era de pouco interesse. Apesar disto, foi indicado ao comitê da “Société Nationale de Musique”, 1893, onde estreou seu “Quarteto op. 10”, obra arrojada, concebida na forma cíclica, proposta por Liszt e Franck… E o número de opus apenas dava título – uma provocação à tradição alemã, pois Debussy não numerava as obras…
Neste ano, ocorreu estreia, em Paris, de “Pelléas et Mélisande”, peça teatral do simbolista Maurice Maeterlinck. E a decisão de colocar música foi imediata. Fascinado pela peça, Debussy viajou à Ghent, Bélgica, para obter autorização do autor e adaptar uma ópera – concluída em 1895 e revisada nos anos seguintes…
E durante a composição de “Pelléas et Mélisande”, surgiria obra singular, o poema sinfônico “Prélude à l’après-midi d’un faune”, sobre poema de Mallarmé, 1894. E disse o poeta: “Diferença única, entre sua ‘tarde de um fauno’ e meu poema, é que vai além, tanto em evocações de luz e nostalgia, quanto em delicadeza, inquietação e riqueza”… A música inicia com sugestivo tema, lânguido e cromático, da flauta, evocando lento e preguiçoso despertar do fauno – criatura híbrida, parte humana, parte animal, associada ao prazer, à diversão e à fertilidade… E pontua sonhos e desejos do personagem e seus encontros com “ninfas e náiades”… Pela novidade e sedução das sonoridades, anunciava a música do sec. XX…
Coreografia de Vaslav Nijinsky – “Prélude à l’après-midi d’un faune”, pelos “Ballets Rousses” de Serguei Diaghilev – Paris, 1912.
Assim, aos 32 anos e aparente indiferença, Debussy projetava-se no cenário parisiense. A obra foi um sucesso, embora com opinião controversa da crítica.”L’après-midi d’un faune” era parte inicial de um tríptico, com “Interlúdio” e “Final”, mas apenas o “Prelúdio” foi concluído. E após dezoito anos, teria famosa coreografia de Vaslav Nijinsky, nos “Ballets Rousses” de Serguei Diaghilev – Paris, 1912…
Maurice Maeterlinck (1862-1949), autor de “Pelléas et Mélisande”.
As inovações de Debussy deram-se pela sutileza e intimismo, no lugar da exuberância de meios… Sobretudo, buscou liberdade para experimentar e realizar o novo. E concebeu suas próprias regras, mesclando o antigo e o exótico… Certa vez, comentou: “se Mozart, Beethoven ou Wagner, batessem à minha porta, tocaria ‘Pelléas et Mélisande’ com prazer… Mas, se fosse Bach, ficaria pasmo demais…”, diante de “le bon Dieu de la musique”…
Ao tratar de “Pelléas et Mélisande”, obra densa e também revolucionária, cabe homenagear-se Maurice Maeterlinck… Ambos, compositor e autor, aos 160 anos de nascimento, sendo o belga longevo, falecido aos 86 anos, 1949…
… “Pelléas et Mélisande”
Na virada do século XX e estreia da ópera, Debussy integrava “les apaches” – título que aludia a uma subcultura, violenta e criminosa, que assolou Paris durante a “Belle Époque”, fruto do desemprego e da destruição da cidade, durante a “Comuna de Paris”, 1871… E como “párias artísticos”, liderados por Ravel, opunham-se ao conservadorismo da “Société Nationale de Musique”, reunindo poetas e músicos inovadores, como Stravinsky e Manuel de Falla, segregados pela instituição francesa… Neste período, Debussy concluiu “Nocturnes” para orquestra…
“Les apaches” – Debussy, Ravel, Stravinsky, De Falla, Satie.
E desde 1890, compartilhava com o excêntrico Eric Satie, os cafés e a boemia parisiense, além de apertos financeiros… E seus relacionamentos afetivos foram turbulentos, por vezes, escandalosos, resultando em crises, divórcio e sofrimento – capítulo à parte, que lhe rendeu indignação de amigos e desaprovação pública… Do casamento com Emma Bardac, nasceu a filha Claude-Emma Debussy, encantos do músico, carinhosamente apelidada “Chouchou”, a quem dedicou a suíte “Children’s Corner”…
“Pelléas et Mélisande” trata de triângulo amoroso, à semelhança de “Tristão e Isolda” e “Francesca da Rimini”… Do despertar do amor e da paixão, quando uma das partes está comprometida… Quando vínculos são rompidos e outros iniciam-se, insinuando a incapacidade de controlar-se sentimentos e amores inevitáveis. E os personagens tornam-se reféns do próprio destino, surpreendidos pela afinidade e casualidade do encontro…
Ato 3 – Cena 1. “Mes longs cheveux” – “Mélisande” (Patricia Petibon) e “Pelléas” (Jean-Sébastien Bou) – “Théâtre des Champs-Elysées” – Paris, 2017.
E aprisionados, abandonam-se aos afetos. De um lado, inebriados e fortalecidos pelas descobertas do prazer e atração mútua; de outro, vulneráveis à sedução e ao imprevisível, por habitarem, inconscientes, universo maior que os envolve – “dos instintos naturais e dos afetos”…
E, se em “Tristão e Isolda” haverá uma poção mágica, ingerida inadvertidamente, que determinará o amor entre os personagens, sugerindo a ideia de casualidade e do inevitável; em “Pelléas et Mélisande” será o olhar, a despertar a cumplicidade e a intensificar os afetos… Levando personagens, gradualmente, a se atraírem e se reconhecerem; ou, simplesmente, se renderem ao mistério e inevitabilidade do simples olhar – quem sabe, à “inconsciente cegueira do amor”…
Georges Daubner – “Près de la fontaine dans le parc” – “Pelléas et Mélisande”.
Sobre “Pelléas et Mélisande”, Debussy diria: “Cuidei para que a ação dramática nunca se detivesse. Para isto, prescindi de temas repetitivos. A música deve ser contínua. E se, em geral, o espectador experimenta dois tipos de emoção: a emoção musical e a emoção do personagem; cuidei para que as duas estivessem unidas. E a melodia, se me permite dizê-lo, é antilírica” (no sentido da ópera sec. XIX)… Mas, Debussy definiu “Pelléas et Mélisande” como “drama lírico” – a música transcorre na forma de “prosa melódica”, com breves interlúdios orquestrais…
O colorido orquestral domina a ação, evoluindo e pontuando drama e canto. Certamente, influência wagneriana, onde a orquestra interage e conduz a ação dramática; mas, com economia de meios, no lugar da grandiloquência do músico alemão… Também difere do singelo, por vezes simplista, acompanhamento orquestral dos séculos XVIII e XIX, onde o canto tinha proeminência – era do “bel canto”… Quem sabe, uma “ópera de câmara”, com intensa dramaticidade, intimismo e certo arcaísmo modal, típico da música de Debussy…
Claude Debussy – partitura de “Pelléas et Mélisande” – e a filha, “Chouchou”, ao fundo…
… Libreto e estreia de “Pelléas et Mélisande”
Libreto de “Pelléas et Mélisande” foi elaborado pelo próprio compositor, através de cortes e modificações do texto de Maeterlinck, que autorizou e, inclusive, sugeriu alguns… Debussy encantou-se com a personalidade do autor, que “dizia coisas extraordinárias de maneira simples. E quando agradeci por ‘Pelléas’, demonstrou ser ele, quem agradecia, por colocar música no texto”…
“Salle Favart” – Paris, 1902 – estreia de “Pelléas et Mélisande”, pelo “Théâtre National Opéra Comique”.
Em 1895, Debussy tinha a ópera elaborada, mas com o desafio de encená-la: “Sou mal recebido em todos os lugares”, confidenciou ao amigo Camille Maucler. Por fim, “Théâtre national Opéra-Comique” programou estreia na “Salle Favart”, 30/04/1902. Iniciativa de André Messager, compositor e admirador de Debussy, quando assumiu direção musical, 1898…
E durante os ensaios, todas as dificuldades de uma nova obra. A música foi rejeitada pelos instrumentistas, além de incômodos de produção com o regente e com o próprio Maeterlinck – disputas entre as divas e amantes, pelo papel principal… E Albert Carré, diretor geral do “Opéra Comique”, sugeriu a escocesa Mary Garden, que conquistara os parisienses em “Louise”, de Charpentier, 1900…
Relutante de início, dado o sotaque inglês, Debussy concordou: “Era a voz suave que tinha imaginado, com charme hesitantemente terno e cativante”… E seguia, priorizando revisão da partitura – a troca frequente de cenários exigia mais “interlúdios orquestrais”, quando a música se expandia em denso colorido e beleza. Para os críticos, intensificando a influência wagneriana…
Primeira “Melisande”, Mary Garden – foto colorida, edição especial de “Le Théatre”, 1908.
Na estreia, “Pelléas et Mélisande” foi recebida com certa inquietação, mas predominando silêncio protocolar, quem sabe, perplexidade, tal ausência de números e melodias de praxe. E amigos do músico, como Paul Dukas, Pierre Louÿs e Paul Valery, assistiram convencidos do que se tratava: “obra única e récita histórica”… De outro, mais sensível à performance, do que à reação do público, Debussy entusiasmava-se com Mary Garden: “Ato V – morte de ‘Mélisande’ – foi um assombro, cuja emoção não poderia ser maior. Voz secretamente ouvida, com doçura desvanecida; arte tão cativante, que não acreditava ser possível”…
A crítica dividiu-se. Para uns, “música doentia e sem vida”, equivalente ao “ranger de uma porta; ou um móvel arrastado”… Debussy e Saint-Saëns eram oponentes implacáveis. E o compositor de “Samson et Dalila” defenestrou a obra. Entre os jovens, no entanto, houve entusiasmo. Romain Rolland considerou “realização das mais notáveis da música francesa” e Vincent D’Indy comoveu-se com o drama e atmosfera onírica…
André Messager, diretor do “Opéra Comique” – estreia de “Pelléas et Mélisande”, 1902.
Das récitas seguintes, André Messager diria: “(Não foi) um triunfo, mas longe do desastre inicial. Público comportou-se calmo e curioso para ouvir uma ópera, de que tanto se falava”… Após 14 récitas, “Pelléas et Mélisande” cobria custos e, em 10 anos, atingiria centésima apresentação em Paris, 1913… E para surpresa geral, virou moda e ganhou “seguidores”, que imitavam figurinos e penteados de Mary Garden…
No âmbito folhetinesco e pouco musical, Maeterlinck, durante celeuma que antecedeu estreia, abriu conflito público com Debussy. Em artigo no “Le Figaro”, dissociou-se da ópera: “algo que me é estranho e hostil… desejo fracasso imediato”… Também ficara ressentido pelo preterimento de Georgette Leblanc, sua companheira, como “Mélisande”. Ao que Debussy confidenciava: “Leblanc não apenas canta, mas fala desafinado”, alegando despreparo artístico – a ópera entremeava canto e fala, em recitado melódico contínuo… Início dos anos 20, após imenso sucesso, Maeterlinck reconheceria: “Estava equivocado e Debussy mil vezes certo”…
Debussy concebeu o libreto em cinco atos e 15 cenas… Drama se desenvolve de forma vaga, com insinuações, simbolismos e encadeamentos inconclusivos… Ao aproximar-se do final, no entanto, fatos vão se evidenciando, em mescla de ingenuidade e sutis cumplicidades; contrapostas à sentimentos de rejeição e dor, sobretudo, do progressivo tormento de “Golaud”, diante do amor entre “Pelléas et Mélisande”, levando ao trágico desfecho: a morte do jovem “Pelléas” e, depois, de “Mélisande”…
… Sinopse de “Pelléas et Mélisande”
“Poster” de Georges Rochegrosse, 1902 – na estreia da ópera “Pelléas et Mélisande”.
Ação ocorre no reino imaginário da Allemonde.
Personagens: Pelléas, neto de Arkel (barítono); Mélisande, esposa de Golaud (soprano); Golaud, irmão de Pelléas (barítono); Arkel, rei de Allemonde (baixo); Genevieve, mãe de Golaud e Pelléas (mezzo); Yniold, filho do 1° casamento de Golaud (soprano); um médico (baixo)
Coros: Coro feminino (das servas)…
… Breve introdução orquestral – “Très modéré”
Ato 1
Cena 1: Uma floresta
… Uma introdução orquestral prepara entrada de Golaud, filho de Arkel, rei da Allemonde, que vaga por uma floresta, até encontrar uma bela moça, caída junto a uma fonte. Mélisande revela seu nome, mas se recusa a falar da origem. Ao fundo da fonte, uma coroa… que Golaud quer recuperar, mas Mélisande o proíbe. A noite se aproxima e Golaud a convence de ir com ele…
Cena 2: Um quarto no castelo
… Passados seis meses, Geneviève, esposa do rei Arkel, lê uma carta ao velho rei, praticamente cego… A carta é endereçada ao filho, Pelléas, pelo irmão mais velho, Golaud. Nela, Golaud revela ter se casado com Mélisande, mas teme a ira do pai… Golaud pede à Pelléas iluminar a torre do castelo, voltada para o mar, caso Arkel aprove o casamento. Do contrário, partirá, navegando para terras distantes e nunca retornar…
Golaud era viúvo… Arkel pretendia casá-lo com a princesa Ursule, para mediar a paz com vizinhos e colocar fim à “guerras e ódios antigos”… Mas, aceita decisão e casamento de Golaud…
Jean (Alexis) Périer, barítono – “Pelléas”, na estreia de “Pélleas et Mélisande”, 1902.
Pelléas entra chorando… Recebeu notícias de que um amigo está no leito de morte. E quer viajar para se despedir. Arkel preferia que Pelléas aguardasse Golaud e Mélisande. Também o rei, idoso e doente, precisava de cuidados… Mas, Pelléas parte e Geneviève recomenda iluminar a torre do castelo, para avisar Golaud, da decisão de Arkel…
Cena 3: Ao largo do castelo
… pelas terras do castelo, passeiam Geneviève e Mélisande. Ao largo, uma floresta fechada e escura. Pelléas aproxima-se. Observam o crepúsculo e o mar distante, um grande navio e a luminosidade de um farol… Mélisande pressente um naufrágio e a noite cai…
Geneviève vai ao encontro do neto, Yniold, do primeiro casamento de Golaud… Mélisande está segurando flores e Pelléas tenta ajudá-la a transpor um obstáculo. Mélisande recusa… Pelléas comenta que talvez tenha que partir no dia seguinte… Mélisande indaga porque…
2° Ato – Cena 1, encontro de “Pélleas et Mélisande”, no parque (“fonte dos cegos”)…
Ato 2
Cena 1: Uma fonte no parque
… Num dia de verão, Pelléas acompanha Mélisande até o parque, na “fonte dos cegos”… onde, dizia-se, as águas curavam a cegueira. Mas, desde que rei Arkel passou a sofrer da visão, local fora abandonado… Pelléas apreciava o lugar…
Mélisande recosta-se na borda do poço e tenta mirar o fundo… Muito longo e rubro, mexa de seu cabelo se desprende e cai sobre a água… Pelléas observa… E ao lembrar que Golaud encontrou Mélisande numa nascente, pergunta se o irmão tentou beijá-la…
Mélisande nada responde… E tira o anel de casamento do dedo, fazendo brincadeiras… O anel cai no poço. A torre anuncia doze horas, Pelléas tenta tranquilizá-la, mas Mélisande fica apreensiva… pergunta o que fazer e Pelléas responde: “diga a verdade”…
Cena 2: Um quarto no castelo
… Após queda de cavalo, Golaud está repousando. Quando a torre anunciava doze horas, seu cavalo disparou, causando o acidente… Mélisande, ao lado, sente-se triste e infeliz no castelo… Começa a chorar… Golaud pergunta porque, mas ela se recusa e diz querer deixar o castelo… Golaud indaga se Pelléas a incomoda… Mélisande diz que não, embora ache que Pelléas não goste dela…
Hector Dufranne, barítono – “Golaud”, na estreia de “Pelléas et Mélisande”, 1902.
Pelléas é muito jovem e desajeitado, diz Golaud, para ela não se preocupar… Mélisande reclama da escuridão no castelo… Golaud diz que não deveria chorar por tais motivos e pega sua mão, num gesto de carinho… Ao perceber ausência da aliança, se surpreende e fica furioso!…
Mélisande mente, diz que perdeu numa caverna, perto da praia, ao colher conchas com Yniold… Golaud exige que procure imediatamente, antes que a maré suba, mesmo com anoitecer se aproximando… Mélisande responde ter medo de retornar ao local… E Golaud responde: “leve Pelléas”…
Cena 3: Ao largo de uma caverna
… Na praia, Pelléas e Mélisande aproximam-se de uma caverna… Há muita escuridão e Mélisande não quer entrar… Pelléas lembra que ela precisa descrever o lugar, ao retornar… E ao sair o luar, a caverna é iluminada… Três mendigos ocupam o local… Pelléas observa que há muita fome no mundo e decide retornarem ao castelo…
Ato 3
Cena 1: Numa torre do castelo
… De uma janela do castelo, Mèlisande canta “Mes longs cheveux” (“Meus longos cabelos”), enquanto os penteia… Estando para viajar, Pélleas se aproxima… E para despedir-se, pede para beijá-la a mão… Pelléas não consegue tocá-la, mas os longos cabelos de Mélisande caem da janela… Envolto pelas mechas, Pelléas as toca, beija e acaricia…
Mary Garden, soprano escocesa, “Mélisande” na estreia da ópera, 1902.
E para brincar, amarra os cabelos a um salgueiro, apesar das reprimendas de Mélisande… Alguém poderia vê-los… Um bando de pombos levanta voo e Golaud aproxima-se… O irmão mais velho, aparentemente, trata Pelléas e Mélisande como duas crianças, mas chama Pelléas…
Cena 2: Nas abóbadas do castelo
… Levado por Golaud, Pelléas conhece as abóbadas do castelo, onde existem masmorras e águas fétidas e estagnadas – “cheiro de morte”… Golaud segura Pelléas, para que possa se inclinar na murada e olhar o abismo, dos paredões do castelo… Pelléas se angustia e ambos se retiram…
Cena 3: Terraço na entrada das abóbadas
… Aliviado com o retorno, Pelléas volta a respirar… De uma janela na torre, observa Geneviéve e Mélisande… Golaud repreende Pelléas… A brincadeira infantil, na noite anterior, não deve se repetir!… O menor choque pode perturbar a gravidez de Mélisande… Golaud desconfia de alguma atração entre Pelléas e Mélisande, e recomenda à Pelléas afastar-se, sem parecer grosseiro…
Ato 3 – Cena 4. Golaud (Simon Keenlyside) pede ao filho, Yniold (Chloé Briot), espionar Pelléas e Mélisande – “Théâtre des Champs-Elysées” – Paris, 2017.
Cena 4: Ao largo do castelo
… Na madrugada, antes do amanhecer, Golaud conversa com Yniold, seu filho…Tenta saber pelo filho, algo do comportamento de Pelléas e Mélisande, quando estão juntos… Yniold é uma criança inocente para entender a angústia do pai, mas revela que os viu, certa vez, se beijarem…
Então, Golaud leva o menino a uma janela e o ergue nos ombros para espionar… O menino responde que nada faziam, além de olhar para uma luz… Com a insistência de Golaud, Yniold fica agitado e incomodado… Golaud desiste e ambos se retiram…
Ato 4
Cena 1: Um quarto do castelo
… Rei Arkel está melhor de saúde e pede à Pelléas acompanhá-lo em viagem… Pelléas convida Mélisande para último encontro no parque – na “fonte dos cegos”, antes de partir…
Cena 2: Um quarto do castelo
… Rei Arkel fala à Mélisande da compaixão que sentiu, quando a viu chegar ao castelo… do “olhar estranho e perplexo, constantemente, à espera de uma calamidade”… mas, “portas de uma nova fase se abrirão”, prevê Arkel… E pede que o beije…
Sangrando, Golaud adentra… Mélisande tenta ajudá-lo, mas ele rejeita e pede por sua espada… Outro camponês morrera de fome… Mélisande treme… Golaud diz que não vai matá-la… E ironiza inocência que Arkel enxerga nos olhos da esposa… Ordena que ela os feche, ou “vai fechá-los por longo tempo!”…
“Pelléas et Mélisande”, Ato 4 – Cena 2. “Desespero e violência de Golaud, ao suspeitar da fidelidade de Mélisande” – “Victorian Opera”, 2018.
Golaud está possesso!… Diz que Mélisande o enoja e a arrasta pelos cabelos!… Ao deixar o local, Arkel indaga se Golaud estava bêbado… Mélisande responde que Golaud não a ama mais… “Se fosse Deus, teria piedade do coração dos homens”, diz Arkel…
Cena 3: Uma fonte no parque
… Próximo à fonte, no parque, encontra-se o jovem Yniold, a procura de algo que perdera… Uma tragédia se anuncia, mas o garoto está alheio, inocente, diante dos sentimentos opressivos, que assolam sua família… E observa rebanho de ovelhas, que se aproxima e de depois se afasta do local…
Ato 4 – Cena 4. Último encontro de Pelléas (Stanislas de Barbeyrac) e Mélisande (Patricia Petibon), junto à “fonte dos cegos”, no parque…
Cena 4: Uma fonte no parque
… Pelléas está receoso… quer encontrar Mélisande pela última vez, antes de partir, mas teme a ira de Golaud… sente-se profundamente envolvido e quer revelar seus sentimentos… Mélisande chega… Tenta distanciar-se, mas, diante da viagem de Pelléas, mostra afeição…
Pelléas revela seu amor e Mélisande responde que o amou desde o primeiro momento… Portões do castelo são fechados… Sem poder retornar, resignam-se ao destino… Beijam-se e percebem um vulto movendo-se nas sombras… Golaud os observava… Golaud ataca, derruba Pelléas e o mata!… Também ferida, Mélisande foge para a floresta!…
Ato 5 – Um quarto no castelo
… Mélisande, doente, dá a luz a uma menina… Apesar de ferida, médico considera estado geral bom… Golaud sente-se culpado… Acredita ter matado Pelléas sem motivo. E que Pelléas e Mélisande haviam se beijado “apenas como irmãos”…
Mélisande acorda e Golaud pede que todos saiam… implora perdão à esposa, mas ainda dividido, a pressiona confessar seu amor por Pelléas… Ela nega, apesar da insistência e apelos desesperados de Golaud… Arkel e o médico retornam…
“Pelléas et Mélisande”, 5° Ato – “Morte de Mélisande” – soprano Patricia Petibon – “Théâtre des Champs-Elysées” – Paris, 2017.
Arkel repreende Golaud… diz que pode matar a esposa… Golaud responde: “já matei”… Arkel tenta colocar a filha recém-nascida nos braços de Mélisande… mas, a mãe está fraca demais… Mélisande morre silenciosamente… Serviçais, que adentravam o local, ajoelham-se… Compassivo, Arkel tenta confortar o perturbado e sofrido Golaud…
– Cai o pano –
A música de Debussy é única e inconfundível. Suas inovações melódicas e harmônicas mudaram paradigmas e enriqueceram diversos gêneros: para o piano, na “chanson”, música de câmara e nos coloridos orquestrais, sobretudo, em “Pelléas et Mélisande”, obra de maior envergadura… E seu legado, marcado pela liberdade, abriu espaço à originalidade e à diversidade… Assim, no lugar de criar escola e seguidores, contribuiu para que outros desenvolvessem estilo e linguagem próprios…
Claude Debussy, músico francês – “Claude de France” – 160 anos do nascimento (1862-1918).
Também marcantes, sua curiosidade e fascínio por culturas exóticas, e agregar novos elementos à sua música. Uma arte francesa, mas aberta e conectada ao mundo. Quem sabe, típica da Paris da “Belle Époque” e efervescente vanguarda, na virada do século XX. Assim, aos 160 anos do nascimento, podemos dizer – viva “Monsieur Croche” ou, melhor, viva “Claude de France!”…
Após estreia de “Pelléas et Mélisande”, em Paris, 1902, seguiram-se apresentações no “Manhattan Opera House”, New York, 1908; “Teatro alla Scala”, Milão, 1908, direção de Toscanini; “Covent Garden”, Londres, 1909; “Teatro Municipal”, Rio de Janeiro, 1920; “Metropolitan Opera”, New York, 1925; e outras…
“Teatro Municipal do Rio de Janeiro”, Brasil. Estreia de “Pelléas et Mélisande”, em 1920.
… Gravações de “Pélleas et Mélisande”
E da perplexidade inicial, “Pelléas et Mélisande” obteve grande aceitação, sendo gravada e encenada com sucesso:
Gravação em áudio – vinil Melodies, 1941 – CD EMI, 1988
“Orchestre de la Société des Concerts du Conservatoire de Paris”, direção Roger Désormière Solistas: Jacques Jansen (Pelléas) – Irène Joachim (Mélisande) – Henri-Bertrand Etcheverry (Golaud) – Paul Cabanel (Arkel) – Germaine Cernay (Geneviève) – Leila ben Sedira (Yniold) – Émile Rousseau (Le Berger) – Armand Narçon (Le Médecin) “Chœurs Conductor”, Yvonne Gouverné Gravação em estúdio. Paris, França
Gravação em áudio, 1945 – CD Walhal Records (1996) – CD Naxos
Martial Singher (Pelléas) – Bidú Sayão (Mélisande). Metropolitan Opera, New York, USA, 1945.
“Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção Emil Cooper Solistas: Martial Singher (Pelléas) – Bidú Sayao (Mélisande) – Lawrence Tibbett (Golaud) – Alexander Kpnis (Arkel) – Margaret Harshow (Geneviève) – Lilian Raymondi (Yniold) – Lorenzo Alvary (Le Berger, Le Médecin) “Metropolitan Opera House”, New York, USA
Nesta gravação, personagem “Mélisande” realizado por Bidu Sayão, grande soprano brasileira, intérprete internacional do repertório operístico e, em especial, da música brasileira…
Gravação em áudio – vinil London Records, 1952 – CD Decca, 2009
“L’Orchestre De La Suisse Romande”, direção Ernst Ansermet Solistas: Pierre Mollet (Pelléas) – Suzanne Danco (Mélisande) – Heinz Rehfuss Golaud) – André Vessières (Arkel) – Hélène Bouvier (Geneviève) – Flore Wend (Yniold) – Derrik Olsen (Le Berger, Le Médecin)
Gravação em áudio – vinil “Rodolphe Productions”, 1954
“Orchestra Sinfonica della RAI”, direção Herbert Von Karajan Solistas: Ernst Haefliger (Pelléas) – Elisabeth Schwarzkopf (Mélisande) – Michel Roux (Golaud) – Mario Petri (Arkel) – Christiane Gayraud (Geneviève) – Graziella Sciutti (Yniold) – Franco Calabrese (Le Berger, Le Médecin) “Coro di Roma della RAI”, direção Nino Antonellini
Capa “Pelléas et Mélisande”, “Chœur et Orchestre de l’ORTF”, direção Désiré-Émile Inghelbrecht, 1955.
Gravação em áudio – “Radio broadcast” (transmissão de rádio), Paris, 1955
“Chœur et Orchestre de l’ORTF”, direção Désiré-Émile Inghelbrecht Solistas: Jean-Paul Jeannotte (Pelléas) – Françoise Ogéas (Mélisande) – Gérard Souzay (Golaud) – Roger Gosselin (Arkel) – Jeannine Collard (Geneviève) – Nicole Robin (Yniold) – Jacques Mars (Le Médecin) “Champs-Elysées Theater”, Paris, França
René Leibowitz, no “L’Express”, elogiou direção de Inghelbrecht, sobretudo, performances vocais…
Gravação em áudio – vinil Angel records, 1957 – CD “Naxos”, 2008
“French National Radio Orchestra”, direção André Cluytens Solistas: Jacques Jansen (Pelléas) – Victoria de los Angeles (Mélisande) – Gérard Souzay (Golaud) – Pierre Froumenty (Arkel) – Jeannine Collard (Geneviève) “Raymond St. Paul Choir”, França
Capa do LP Decca de “Pelléas et Mélisande”, L’Orchestre de La Suisse Romande”, direção Ernest Ansermet, 1964.
Gravação em áudio – vinil Decca, 1964 – vinil London Records, 1965 – vinil World Record Club, 1978 – CD Decca, 2003 – CD Decca 2007
“L’Orchestre De La Suisse Romande”, direção Ernst Ansermet Solistas: Camille Maurane (Pelléas) – Erna Spoorenberg (Mélisande) – George London (Golaud) – Guus Hoekman (Arkel) – Josephine Veasey (Geneviève) – Rosine Brédy (Yniold) – Gregore Kubrack (Le Berger) – John Shirley-Quirk (Le Médecin) “Le Chœur Du Grand Théâtre De Genève”, Suiça
Gravação em áudio “Orfeo”, 1971
“Symfonieorchester des Bayerischen Rundfunks”, direção Rafael Kubelik Solistas: Nicolai Gedda (Pelléas) – Helen Donath (Mélisande) – Dietrich Fischer-Dieskau (Golaud) – Peter Meven (Arkel) – Marga Schmil (Geneviève) – Walter Gampert (Le petit Yniold) – Raimund Grumbach (Un Médecin) – Josef Weber (Le Berger) “Chor des Bayerischen Rundfunks”, direção Josef Schmidhuber “Münich Herkulesaal”, Alemanha
Gravação em áudio – vinil “Eurodisc”, 1978 – CD Lyrica/Ermitage
“Orchestre de Lyon”, direção Serge Baudo Solistas: Claude Dormoy (Pelléas) – Michèle Command (Mélisande) – Gabriel Bacquier (Golaud) – Roger Soyer (Arkel) – Jocelyne Taillon (Geneviève) – Monique Pouradier (Yniold) – Xavier Tamalet (Le Berger, Le Médecin) “Ensemble Vocal de Bourgogne”, França
“L’Opéra national de Lyon”, França.
Gravação em áudio “Deutsche Grammophon”, 1978
“Berliner Philharmoniker”, direção Herbert Von Karajan Solistas: Richard Stilwall (Pelléas) – Frederica von Stade (Mélisande) – José van Dam (Golaud) – Ruggero Raimondi (Arkel) – Nadine Denize (Geneviève) – Christine Barbaux (Yniold) – Pascal Thomas (Le Berger, Le Médecin) “Chor der Deutschen Oper Berlin”, Alemanha, direção Walter Hagen-Groll
Gravação em áudio “Deutsche Grammophon”, 1983
“The Metropolitan Opera Orchestra and Chorus”, direção James Levine Solistas: Dale Duesing (Pelléas) – Jeannette Pilou (Mélisande) – José van Dam (Golaud) – Jerome Hines (Arkel) – Jocelyne Taillon (Geneviève) – David Owen (Yniold) – Norman Andersson (Le Berger) – Julien Robbins (Le Médecin) “Metropolitan Opera House”, New York, USA
Capa Decca de “Pelléas et Mélisande”, “Orchestre Synphonique de Montréal”, direção Charles Dutoit, 1991.
Gravação em áudio “Decca”, 1991
“Orchestre Synphonique de Montréal”, direção Charles Dutoit Solistas: Didier Henry (Pelléas) – Colette Alliot-Lugaz (Mélisande) – Gilles Cachemaille (Golaud) – Pierre Thau (Arkel) – Claudine Carlson (Geneviève) – Françoise Golfier (Yniold) – Phillip Ens (Le Berger, Le Médecin) “Le Chœur de Orchestre Synphonique de Montréal”, Canadá
Gravação em vídeo “Deutsche Grammophon”, DVD – 1992
“Orchestra of Welsh Nacional Opera”, direção Pierre Boulez Solistas: Neill Archer (Pelléas) – Alison Hagley (Mélisande) – Donald Maxwell (Golaud) – Keneth Cox (Arkel) – Penelope Walker (Geneviève) – Samuel Burkey (Yniold) – Peter Massocchi (Le Médecin, Le Berger) “Chorus of Welsh Nacional Opera”, direção Garet Jones Cardiff, País de Gales
“London Philharmonic Orchestra”, direção Andrew Davis Solistas: Richard Croft (Pelléas) – Christiane Oelze (Mélisande) – John Tomlinson (Golaud) – Gwynne Howell (Arkel) – Jean Rigby (Geneviève) – Jake Arditti (Yniold) – Mark Beesley (Le Médecin) – David Gwynne (Le Berger) “The Glyndebourne Chorus”, Glyndebourne, Reino Unido
Gravação em áudio “Naïve”, 2000
“Orchestre National de France”, direção Bernard Haitink Solistas: Wolfgang Holzmair (Pelléas) – Anne Sofie von Otter (Mélisande) – Laurent Naouri (Golaud) – Alain Vernhes (Arkel) – Hanna Schaer (Geneviève) – Florence Couderc (Yniold) – Jérôme Varnier (Le Berger, Le Médecin) “Choeur de Radio France”, Paris, França
“Le Théâtre des Champs-Elysées”, Paris.
Gravação em vídeo – 2017
“Orchestre National de France”, direção Marc Korovitch Solistas: Jean-Sébastien Bou (Pelléas) – Patricia Petibon (Mélisande) – Kyle Ketelsen (Golaud) – Jean Teitgen (Arkel) – Sylvie Brunet-Grupposo (Geneviève) – Jennifer Courcier (Yniold) – Arnaud Richard (Le Berger, Le Médecin) “Chœur de Radio France” – “Théâtre des Champs-Elysées” – Paris, França
Gravação em vídeo – Teatro Colon, Buenos Aires, 2018
“Orquesta estable del Teatro Colon”, direção Enrique Arturo Diemecke Solistas: Giuseppe Filianotti (Pelléas) – Verónica Cangemi (Mélisande) – David Maze (Golaud) – Lucas Debevec Mayer (Arkel) – Adriana Mastrángelo (Geneviève) “Coro estable del Teatro Colon”, Buenos Aires, Argentina
… Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Debussy em “Pélleas et Mélisande”, sugerimos a gravação em áudio da “Orchestre de Lyon”, 1978, direção Serge Baudo e grandes solistas:
Michelle Command, soprano francesa, “Mélisande” em “Pelléas et Mélisande”, na produção da “Orchestre de l’Opéra national de Lyon”, 1978.
No papel de “Mélisande”, o grande soprano francês Michèle Command, formada no Conservatório de Grenoble e, depois, Paris. Neste registro, Command revela bela cor vocal e musicalidade, dramaticidade e amplo domínio técnico, em obra tão peculiar. Suas performances foram elogiadas por Olivier Messiaen, em repertório do século XX…
Joecelyne Taillon, contralto francesa – “Geneviève”, em Pelléas et Mélisande”, na produção da “Orchestre de l’Opéra national de Lyon”, 1978.
E o excelente contralto francês Joecelyne Taillon, interpreta o personagem “Geneviève, mãe de Pelléas e Golaud”. Taillon iniciou carreira na “Ópera de Bordeaux”, em “Ariane et Barbe-Bleue”, de Paul Dukas. Seguiram-se festivais em Aix-en-Provence, Nantes e Marselha. Depois, em Glyndebourne, Bruxelas, Salzburgo e Paris…
Finalmente, convidada pelo “Metropolitan Opera”, New York, atuou em diversificado repertório, como “La Gioconda”, de Ponchielli; “Les Troyens”, de Berlioz; “Falstaff”, de Verdi; e no personagem “Erda”, em “Der Ring des Nibelungen”, de Wagner…
Gabriel Bacquier, barítono francês – “Golaud” em Pelléas et Mélisande”, na produção da “Orchestre de Lyon”, 1978.
No personagem “Golaud”, grande barítono francês, Gabriel Bacquier… Fascinado por música desde a infância, iniciou carreira internacional em Aix-en-Provence, França. Depois atuou nos festivais de Glyndebourne, Chicago e Filadélfia; além da “Royal Opera House”, de Londres, e “Metropolitan Opera”, de New York…
Destacou-se internacionalmente nos principais papéis de barítono e, especialmente em “Golaud” de “Pelléas et Mélisande”, particularmente reconhecido.Seu extenso repertório também engloba “chansons” de Fauré, Duparc, Ravel e outros…
Roger Soyer, baixo francês – “rei Arkel”, em Pelléas et Mélisande”, na produção da “Orchestre de Lyon”, 1978.
Interpretando Arkel, o expressivo baixo francês, Roger Soyer. A partir de suas atuações nos festivais de Aix-en-Provence, quando notabilizou-se no papel-título de “Don Giovanni”, seguiu brilhante carreira internacional, em Paris, Edimburgo, Genebra e Colônia, dividindo os palcos com grandes nomes da ópera…
Ao longo da carreira, preservou vínculos, sempre retornando à Aix-en-Provence. Condecorado pelo governo francês, tornou-se “Cavaleiro da Ordem do Mérito Nacional”…
A ópera de Debussy privilegia as vozes médias e graves. E interpretando o jovem “Pelléas”, a belíssima voz do barítono francês, Claude Dormoy, completando elenco e principais personagens…
Serge Baudo, diretor da “Orchestre de Lyon” – 1971/87.
Por 16 anos, diretor da “Orchestre de Lyon”, Serge Baudo é renomado regente francês. Nesta produção, com especial cuidado, valoriza a qualidade dos solistas e tratamento orquestral…
Em Lyon, criou “Festival Berlioz” e dirigiu trilhas sonoras para o oceanógrafoJacques Cousteau… Ao longo da carreira, estreou as óperas “La mère coupable”, de Milhaud; e “Andrea del Sarto”, de Lesur. Além de atuar em prestigiadas salas de concerto e ópera na Europa, USA e Japão…
Finalmente, cumprimentamos e aplaudimos a orquestra e coros desta magnífica produção, genuinamente francesa, que nos permite apreciar a música de Debussy em sua única e definitiva ópera – música inovadora e representativa, que vale conhecer!
Capa CD Eurodisc de “Pelléas et Mélisande”, “L’Orchestre de Lyon”, direção Serge Baudo, 1978.
… Outras sugestões
Gravação em áudio de 1964: “L’Orchestre De La Suisse Romande” e “Le Chœur Du Grand Théâtre De Genève”, Suiça – com Camille Maurane (Pelléas) – Erna Spoorenberg (Mélisande) – George London (Golaud), direção Ernst Ansermet:
Gravação em Video, 2017: “Orchestre National de France” – “Chœur de Radio France” – “Théâtre des Champs-Elysées”, com belas atuações Jean-Sébastien Bou (Pelléas) – Patricia Petibon (Mélisande) – Kyle Ketelsen (Golaud), direção de Marc Korovitch:
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“Claude Debussy e a filha, Claude-Emma, apelidada ‘Chouchou’…”
“Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida” (Platão)
Os pais de Claude Debussy eram pessoas simples – uma costureira e um balconista – e ficaram cheios de planos quando ele, com apenas dez anos, foi aceito no Conservatório de Paris para estudar piano. Uma carreira como pianista, virtuose do instrumento, seria a realização de um sonho. Mas, bem pouco tempo depois, a realidade se mostrou outra, para grande exasperação tanto dos pais quanto dos professores. O garoto adorava distorcer cada efeito do pobre instrumento e não parava de murmurar, como se estivesse todo o tempo falando com o instrumento. A avaliação dos mestres: ótimo acompanhante e dono de grande invenção harmônica, mas não um pianista!
Hoje é impossível falar da música para piano sem mencionar Claude Debussy, cuja obra para piano certamente deixou sua marca e influência. Basta pensar nos Prelúdios e nos Estudos.
Neste momento em que o colocamos em destaque pela passagem de 160 anos de seu nascimento, decidi evidenciar nesta postagem o aspecto desta obra que lança um apelo aos pianistas virtuoses. É claro, não deu para explorar o tema até o fundo (ah, se Conde Vassily se atracasse com isso…), mas a ideia é pontuar, lembrar esse aspecto.
Minhas limitações e poucos recursos me deixaram com estes dois pianistas, um do século 20, que de certa forma, também foi o século da música para piano de Claude: Vladimir Horowitz; o outro é bem atual e atuante: Marc-André Hamelin.
O primeiro arquivo é o conteúdo de um disco gravado por Marc-André Hamelin, todo dedicado a peças de Debussy. Os dois conjuntos de três peças para piano cada um, Images I e II, escritos entre 1901 e 1907, e o segundo livro dos Prelúdios, de 1912-13.
A música contida aqui nos revela como Debussy era inspirado pelas mais diferentes formas de arte e como ele conseguia recriar, de forma inovadora, as diferentes belezas – impressões – palavra que ele mesmo não aceitava, em sua própria arte.
Mas, aviso aos navegantes! Se você ainda não conhece esta música, a primeira parte do disco demanda um bom momento para ser ouvida, sem pressas ou ansiedades. Permita que as belezas sonoras extraídas do piano possam ser devidamente apreciadas. Se você prefere mais ação, vá até os prelúdios, depois de ouvir alguns movimentos das Images e, depois, volte… Não há pressa!
Marc-André Hamelin, em pose de pianista…
Veja os nomes das peças das Images: Reflets dans l’eau, Et la lune descend sur le temple qui fut, Poissons d’or. Para realizar estas peças é necessário sensibilidade, inteligência, controle do tempo e o requisito que motivou a postagem, virtuosismo. Basta pensar no último dos Prelúdios, aqui interpretado magistralmente por Hamelin: Feux d’artifice.
O segundo arquivo, que oferecemos apenas em mp3, é uma compilação de algumas (poucas, pena…) peças de Debussy que Volodya tocava. Ele, que assim como Marc-André Hamelin, poderia tocar ‘qualquer coisa’, tinha estas peças em seu repertório. Aqui reunimos gravações feitas em estúdio com gravações ‘ao vivo’. Na verdade, duas peças são apresentadas duas vezes cada uma, gravadas assim, primeiro em estúdio e depois a gravação ao vivo.
A faixa 00 lhe dará uma ideia de como reage o pessoal do PQP Bach quando Volodya aparece por aqui, mas se isso te incomodar muito, pode simplesmente excluí-la.
A seleção de Horowitz começa com alguns Prelúdios, quatro deles: “Les fées sont d’exquises danseuses, Bruyères, “General Lavine” – eccentrique e La terrasse des audiences du clair de lune. Todos em comum com o Hamelin. Um estudo para mostrar que era perfeito nos arpejos e duas típicas peças de encores: Serenade for the doll, da Suíte Children’s Corner, para deixar a plateia bem quietinha (que um bom pianista é assim, bota todo o mundo sob seu feitiço), fechando o petit recital com L’isle joyeuse, para sair nos ombros da multidão!
Primeiro Arquivo
Claude Debussy (1862 – 1918)
Images pour piano – Livro 1
Reflets dans l’eau
Hommage à Rameau
Mouvement
Images pour piano – Livro 2
Cloches à travers les feuilles
Et la lune descend sur le temple qui fut
Poissons d’or
Préludes – Livro 2
Brouillards: Modéré
Feuilles mortes: Lent et mélancolique
La Puerta del Vino: Mouvement de Habanera
Les fées sont d’exquises danseuses: Rapide et léger
Bruyères: Calme
«General Lavine»—excentric: Dans le style et le mouvement d’un Cake-Walk
Marc-André adorando conhecer a coleção de pianos do PQP Bach em Boston
The hallmarks of Hamelin’s style are always in evidence, and the clarity with which the polyphonic aspects of Reflets dans l’eau come through gives a sense of momentum rarely perceived in this piece.
BBC Music Magazine, janeiro de 2015
Hamelin’s stature, extraordinary from the start, increases with every new issue. And here in his latest album he subdues his legendary, transcendent technique to convey Debussy’s very essence with a surpassing ease and naturalness….Hamelin’s glistening sonority is flawlessly captured by the Hyperion team. This is a disc to treasure.
Gramophone, novembro de 2014
Segundo Arquivo
Claude Debussy (1862 – 1918)
Aplausos para Horowitz
Prelude IV, Book II – Les fees sont d’exquises danseuses (Gravação em Estúdio)
Prelude IV, Book II – Les fees sont d’exquises danseuses (Gravado ao Vivo)
Prelude V, Book II – Bruyeres (Gravação em Estúdio)
Prelude V, Book II – Bruyeres (Gravado ao Vivo)
Prelude VI, Book II – General Lavine-eccentric Cake-Walk (Gravação em Estúdio)
Préludes VII, Book II – La terrasse des audiences du clair de lune (Gravação ao Vivo)
Étude – Pour les arpeges composes- Dolce e lusingando (Gravado ao Vivo)
Serenade for the Doll – Allegretto ma non troppo (Gravado ao Vivo)
As faixas 0, 2, 4 e 6 foram gravadas ao vivo em um concerto no Woolsey Hall da Yale University em 13 de novembro de 1966.
As faixas 1, 3 e 5 foram gravadas em estúdio entre 1962 e 1963. Produção de Thomas Frost. (Estas faixas fazem parte dos dois primeiros volumes de uma coleção lançada pela Sony com gravações de Horowitz e trazem as sessões de gravação feitas entre 1962 e 1963 no estúdio montado pela Columbia na mansão do artista, que se recusava a se mostrar num estúdio.)
As três últimas faixas foram gravadas no Concerto do Carnegie Hall de 1966. (Também fazem parte da coleção mencionada anteriormente.)
Claude-Achille Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 — Paris, 25 de Março de 1918)
Nocturne: Blue and Silver—Bognor, por James Whistler
Debussy escreveu esta nota introdutória para os Noturnos:
“O título Noturnos deve ser entendido aqui em um sentido geral e, sobretudo, decorativo. Não se trata, portanto, da forma usual de um noturno, mas das várias impressões e efeitos especiais da luz que a palavra sugere.
Nuages (Nuvens) evoca o aspecto imutável do céu com o movimento lento e melancólico das nuvens, que se dissolvem em tons de cinza com leves toques de branco.
Fêtes (Festas) trazem o ritmo vibrante, dançante da atmosfera, com lampejos súbitos de luz. Há também o episódio da procissão (uma visão deslumbrante, quimérica), que passa pela cena festiva e se mistura com ela. Mas o pano de fundo permanece sempre o mesmo: o festival com sua mistura de música e poeira luminosa participando do ritmo geral.
Sirènes (Sereias) nos mostra o mar com seus incontáveis ritmos e então, dentre as ondas prateadas pela luz da lua, ouve-se o canto misterioso das Sereias que riem e vão embora.”
Tão geniais quanto o Fauno e La Mer, e situados cronologicamente entre essas duas obras, os Noturnos dão às orquestras e regentes a oportunidade de mostrarem suas capacidades de produzirem sonoridades raras, suaves, momentos de luz e sombra, solos que dependem mais de um cuidadoso cantabile do que de virtuosismo acelerado. Nesse sentido, e só nesse, eles lembram os Noturnos para piano de Chopin, porque em aspectos mais formais essas composições são bem diferentes das do polonês: como o próprio Debussy deixou claro, não se trata de forma dos noturnos que as pianistas adoravam tocar para seus namorados e noivos. Debussy teria sido inspirado por uma série de quadros impressionistas, também intitulados Nocturnes, de James Whistler, pintor que vivia em Paris naquela época. Sem dúvida estão mais próximos da pintura do que dos Noturnos de Chopin.
Em homenagem aos 160 anos de Debussy, vamos fazer um passeio pelas grandes gravações desses Noturnos. De início, nos voltamos para dois regentes dos tempos da brilhantina e das fotos em preto e branco, dois franceses que alcançaram o auge de suas carreiras regendo repertório francês nos EUA: Charles Munch e Paul Paray. A gravação da Symphonie Fantastique de Berlioz por Paray é muito recomendável, assim como o Ravel de Munch, cheio de delicadeza e energia ao mesmo tempo, que você confere nas postagens de FDP Bach aqui (Bolero, La Valse, etc.) e aqui (Daphnis et Chloé). Ambos os maestros também gravaram versões espetaculares da Sinfonia com Órgão de Saint-Saëns, nos primeiros anos do stereo, gravações que muitos audiófilos usaram para testar equipamentos de som, tamanha era a potência dos graves da orquestra e do órgão nos LPs.
Mas o assunto hoje é Debussy, e mais especificamente os seus Noturnos, compostos ao longo de alguns anos, finalizados em 1899 e estreados em 1900 (1º e 2º movimentos) e em 1901 (3º mov.) O motivo para a demora na estreia do 3º movimento, “Sereias”, foi a dificuldade de se ter disponível um coral feminino de altíssimo nível para cantar apenas essa obra de cerca de 10 minutos. Provavelmente por esse motivo, Munch gravou em Boston apenas os dois primeiros noturnos, que não precisam de coral. Toscanini e Bernstein, ambos em Nova York, também gravariam apenas os dois primeiros, talvez pela falta de um coral à disposição.
Arturo Toscanini, aliás, tinha credenciais para se impor como referência em Debussy. Consta que, quando Toscanini regeu a estreia italiana da ópera Pelléas, em 1908, ele convidou Debussy para assistir aos ensaios e à grande estreia. Ele não foi, mas escreveu uma carta que mostra a intimidade entre os dois: “Coloco a sorte de Pelléas em suas mãos, certo como estou de que não poderia desejar outras mais leais ou mais capazes. Pelo mesmo motivo, gostaria de de ter trabalhado ela com você”. Ouçam La Mer com Toscanini, é uma das melhores gravações. Mas aqui, com base nas suas gravações dos Noturnos, ele foi desclassificado porque faltou o 3º movimento.
Paul Paray imitando Albert Einstein
O francês Paul Paray nasceu em 1886, mesmo ano do alemão W. Furtwangler, e as personalidades dos dois podem ser consideradas como polos extremos. Muito se falou, na crítica especializada, sobre Toscanini como o anti-Furtwangler: de fato, assim como o francês Paray, o italiano corre muito no primeiro movimento: as “Nuvens” parecem sopradas por um forte vento. Enfim, voltando a Paray, ele tentou a sorte como compositor e, após alguns sucessos na década de 1910, largou a caneta para se dedicar à batuta a partir de 1920, ou seja, dois anos após a morte de Debussy. Paray estreou obras de Maurice Ravel, Florent Schmitt, Lili Boulanger e muitos outros. Após passar a vida na França à frente das orquestras Lamoureux e Colonne (se demitindo desta em 1940 em protesto contra os nazistas), Paray deve ter ganhado bem mais dinheiro já idoso, quando assumiu a Orquestra Sinfônica de Detroit, que ele elevou ao nível das maiores do mundo no período em que ali viveu, 1953 a 1963, recebendo altos salários na cidade da Ford, que vivia o boom dos automóveis e do american way of life. As gravações de Paray são quase sempre com andamentos rápidos e um clima leve, despreocupado, é nesse sentido que ele polariza com seu contemporâneo Furtwangler, famoso pelos adagios intermináveis e temperamento sério e grave que, aos olhos de Debussy, soaria como pura prepotência vazia. A gravação de Paray dos Noturnos, porém, me parece exagerar no clima leve e apressado: as nuvens, como já disse, são sopradas com força, e a procissão do segundo movimento corre a ponto de suar… E as sereias, com Paray, cantam tudo em 7min46s, sem o ar de mistério e de suavidade que pedem as indicações da partitura (“modérément animé“, “sourdine“, “trèsexpressifettrèssoutenu“…). Paray poderia ser eliminado nessa competição por queimar a largada, mas mantive sua gravação aqui para termos justamente essa diversidade de pontos de vista sobre Debussy, e repito: ponto de vista de um maestro que, como Toscanini, já era adulto quando Debussy morreu, conheceu vários de seus amigos, então não é nenhum palpiteiro que caiu de para-quedas nesse repertório. Além do mais, o álbum traz a interessante e pouco gravada Petite Suite, de 1889, originalmente para piano e aqui em orquestração de Henri Büsser. Supõe-se que Debussy aprovava essa orquestração, porque ele a regeu em uma das vezes em que pegou a batuta para ganhar uns trocados. Essas gravações da Petite Suite (obra bucólica e simples, que combina mais com o jeitão de Paray) e das Valsas Nobres e Sentimentais de Ravel são absolutamente sensacionais.
Além de Paray, escolhemos outra gravação dos primeiros anos do stereo, período em que a cada ano surgiam inovações nos microfones e outras mudanças tecnológicas muito rápidas. O Debussy da Orquestra da Filadélfia com Ormandy não é tão lembrado, mas chamou nossa atenção desde a primeira audição. Eugene Ormandy (Budapeste 1899 – Filadélfia 1985) estudou violino na Hungria, onde também foi aluno de Bartók e Kodály. Viajou para os EUA para atuar como solista, mas acabou se tornando maestro, primeiro acompanhando filmes mudos e depois passando para o repertório sinfônico.
Eugene Ormandy
De 1936 a 1980 esteve à frente da orquestra da Filadélfia, que ficou famosa pelo belo som de seu naipe de cordas, aliás, segundo alguns críticos, certas obras ficavam com uma beleza exterior e sem profundidade. Os maiores solistas da época gravaram na Filadélfia com Ormandy, incluindo Rubinstein, Oistrakh e muitos outros. Como, nos EUA dos anos 1950 e 60, o repertório francês estava praticamente “reservado” para Charles Munch, Paul Paray e Pierre Monteux, Ormandy se destacou em outros compositores como seu compatriota Bartók , o russo Mussorgsky e o espanhol Rodrigo. Mas essas obras de Debussy gravadas entre 1959 e 1964 mostram que Ormandy se sentia em casa também com este compositor – por quem Bartók nutria verdadeira adoração, aliás.
Além de um Prelúdio ao entardecer de um fauno de grande beleza e de uma Danse: Tarantelle styrienne na versão orquestrada por Ravel, temos aqui Noturnos que servem como pinturas detalhadas de três paisagens: primeiro o céu (Nuvens), depois a terra (Festas) e o mar (Sereias). Ormandy segura um pouco os andamentos para mostrar cada detalhe, como o faria depois Haitink com a orquestra do Concertgebouw. Talvez Debussy preferisse sereias um pouco mais agitadas, cantando um pouco mais depressa, mas perdoamos Ormandy pela enorme beleza do conjunto, que não soa arrastado nem pretensioso, ao contrário das interpretações de Giulini (Philharmonia) e Celibidache (Stuttgart). Estes dois últimos regentes (que, grosso modo, são continuadores da tradição germânica de Richard Strauss e Furtwangler) conduzem os Noturnos de forma pomposa, grandiosa, alemã, nada a ver com a suavidade imaginada por Debussy. E no extremo oposto, Paul Paray, o especialista em música francesa já mencionado lá em cima, que despachou os noturnos com uma pressa doida.
Então após ouvir Ormandy, Paray e os desclassificados Giulini e Celibidache, chegamos à conclusão de que a duração do canto das nereias no último noturno deve ficar com não menos que 8 e não mais que 11 minutos. O coro não deve soar heroico (não é Beethoven) nem devocional (não é música religiosa), nem soar carnal e próximo demais: na Odisseia de Homero, ao contrário da feiticeira Circe e da ninfa Calipso, as sereias não encostam em Ulisses, não consumam o ato, apenas cantam no mar enquanto os gregos navegam. Este movimento das Sereias provavelmente foi a partitura que Debussy mais revisou em sua vida, ao longo de vários anos, movido pela enigmática dificuldade de encaixar o som da orquestra e o do coro de mulheres cantando sempre distantes. Vamos ver como os outros maestros e orquestras encaram esse desafio…
Pularemos as décadas de 1970 e 1980, deixando apenas mencionadas três grandes, imensas gravações dos Noturnos que já apareceram aqui no PQPBach: Martinon/Orquestra da Radio Francesa em Paris, Haitink/Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam e Jordan/Orquestra da Suisse Romande em Genebra. Nos anos 1990, mais três grandes gravações na América do Norte: Dutoit em Montreal, Boulez em Cleveland, Salonen em Los Angeles. Claudio Abbado é outro maestro com uma forte ligação com esses Noturnos, que ele gravou duas vezes: em Boston (1970) e em Berlim (2001). Só a comparação entre essas duas gravações de Abbado já daria muito pano pra manga.
Mas vamos nos concentrar aqui em duas gravações menos famosas, a de Svetlanov/Philharmonia e a de Paavo Järvi/Cincinnati. Antes, breves palavras sobre duas gravações recentes: Jun Märkl e a Orchestre National de Lyon (2007) têm problemas muito sérios, como os tímpanos em pianissimo em Nuages que ficaram quase inaudíveis… O jovem francês Stéphane Denève e a Scottish National Orchestra (2012) soam bem mais interessantes e anotei aqui que preciso conhecer melhor esse maestro que também tem gravado Ravel, Franck, Roussel, Poulenc… A conferir.
Paavo Järvi (já notaram que os carecas se dão bem com Debussy?)
Paavo Järvi (não confundir com seu pai Neeme, também regente) foi eleito artista do ano pelas revistas Gramophone e Diapason no mesmo ano (2016), lançou uma integral de Tchaikovsky no ano passado, enfim, está no auge da sua carreira. Na década de 2010 foi regente principal em Frankfurt e também na Orchestre de Paris, onde curiosamente não gravou nenhum Debussy (seus principais discos em Paris: integral das sinfonias de Sibelius; Réquiem de Fauré; Chopin com Khatia Buniatishvili). Até 2022 esteve à frente da NHK, principal orquestra de Tóquio, e hoje chefia a Tonhalle-Orchester de Zürich, Suíça. Mas a gravação que trazemos aqui é anterior, Paavo Järvi aos quarenta e poucos anos regendo Debussy em Cincinnati, nos EUA.
Ele foi titular da Orquestra de Cincinnati entre 2001 e 2011, com várias gravações realizadas para o semi-defunto selo Telarc. Além do repertório mais famoso neste álbum – Prélude à l’après-midi d’un faune, Nocturnes, La Mer – temos uma obra curta e pouco gravada: Berceuse Héroïque, de 1914, um raríssimo momento em que Debussy expressa sentimentos tristes e solenes. Trata-se de uma “homenagem a Sua Majestade o Rei da Bélgica e a seus soldados”, composta logo após a invasão da Bélgica pelas tropas alemãs, sob resistência heroica dos belgas. É realmente estranho ouvir Debussy melancólico e heroico, mas afinal, o que a guerra não faz com as pessoas, não é?
Mas após esse breve passagem pela Berceuse (em francês: canção de ninar), voltemos aos Noturnos, compostos ainda muito antes de qualquer rumor de guerra: aqui temos o Debussy bem distante de sentimentos românticos, o que lhe preocupava era o lento movimento das nuvens, do mar e, quando ele chega ao elemento humano, no movimento central, são festas e procissões, nada de herói romântico solitário. E há algo de hipnótico nas sereias de Cincinnati, na forma como elas repetem seu canto. Nessa gravação elas estão meio distantes, parecem guardar alguns metros de distância da orquestra, mas talvez seja mera ilusão… é o tipo de música que pode iludir.
Além do canto das sereias que temos enfatizado aqui, outra coisa interessante de se comparar entre as gravações é o rufar grave dos tímpanos no início e do fim do primeiro noturno. Os tambores devem sempre soar discretos, um som atmosférico, pois a partitura indica pianissimo, alternando entre dois e quatro pês (pp, ppp, pppp). E ao mesmo tempo devem ser audíveis, missão nada fácil para músicos e engenheiros de som. Os tambores de Cincinnati com Järvi ficaram bem gravados, mas menos expressivos do que os da Philadelphia Orchestra com Ormandy.
Deixamos por último o disco que, na classificação aqui de casa, reina supremo como a maior gravação dos noturnos: não é um francês, e sim o russo Evgeny Svetlanov (1928-2002) regendo a orquestra inglesa Philharmonia em 1992. Muito lembrado por suas interpretações do repertório russo da chamada belle époque anterior à 1ª Guerra Muncial (Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov, Glazunov, Scriabin) e também de Mahler, ele mostra aqui sua proximidade com a estética do compositor francês do mesmo período. Ou será que são os músicos da Philharmonia, orquestra fundada em Londres em 1945 e famosa por suas gravações com Klemperer? O timbre suave e elegante das cordas da Philharmonia lembra as orquestras germânicas, mas sem o ar grandiloquente que Debussy detestava em Wagner.
Na ressonante acústica de igreja onde Svetlanov e a Philharmonia gravaram, o fim do movimento Nuages, com as cordas agudas e os tímpanos suaves e misteriosos enquanto as cordas graves atacam em pizzicato, toda essa combinação ecoando poderia ter resultado em um desastre, mas o resultado aqui também é bastante interessante. O coro The Sixteen, mais famoso por suas gravações de música renascentista (aqui), mostra aqui que também se entende muito bem com esse repertório modernista: as sereias estão distantes e misteriosas, mas não tão distantes a ponto de se dissolverem na água salgada e na maresia. Enfim, uma gravação improvável, pouco badalada, em um selo pequeno, mas que eu considero IMPERDÍVEL.
Svetlanov preferia as gravações ao vivo, mas também gravou em estúdio: sinfonias de Scriabin, de Myaskovsky, de Shostakovich e muito mais. Ele era filho de uma cantora lírica do teatro Bolshoi, e costumava dizer: “Meu ideal é que uma orquestra tenha sua própria personalidade, focando em um som específico e não um som padrão. Com a Orquestra Estatal da URSS [e da Rússia desde 1989], consegui manter uma qualidade lírica especial por 30 anos: as boas orquestras são aquelas que cantam.”
Porém, mais do que em Moscou, ou em Paris onde ele também gravou Debussy com a Orchestre National de France, parece que Svetlanov brilhou mais ainda nesse repertório francês em Londres: lembremos, aliás, que essa cidade sempre acolheu muito bem a música de Debussy desde quando este ainda era vivo. As cordas da Philharmonia, as cantoras do The Sixteen, a acústica da St. Augustine’s Church, tudo funciona à perfeição aqui.
Conclusão: Todas as gravações aqui trazidas são interessantes, ainda que a do velho Paray em Detroit o seja mais por motivos históricos, para ouvirmos os noturnos na marcha apressada que também era a preferência de Toscanini, regente elogiado pelo próprio Debussy. Ormandy, na Filadélfia, atinge o sublime com o legato misterioso das cordas e com o som de seus sopros e do coro feminino gravado em stereo – tecnologia nova na época – com microfones bastante próximos, mostrando por exemplo as diferenças entre as sereias sopranos e as sereias mezzo-sopranos. Já a orquestra de Cincinnati, com Järvi, foi gravada com microfones mais distantes, uma sonoridade mais suave, um Debussy às vezes imerso em nuvens, às vezes com movimentos hipnóticos. E finalmente, meu favorito é um maestro que, a princípio, não teria currículo para disputar com especialistas em Debussy: o russo Svetlanov. A orquestra Philharmonia, gravada em uma igreja de Londres em 1992, consegue soar ao mesmo tempo próxima e distante, os instrumentos muitos claros mas misteriosos, enfim, tudo com uma fluência típica de um mar calmo ou do vento movendo as nuvens no horizonte.
Paul Paray/Detroit Symphony Orchestra (1958-1961)
1-3. Ravel: Daphnis et Chloé, Suite no. 2
4-11. Ravel: Valses nobles et sentimentales
12. Ravel: Bolero
13-15. Debussy: Nocturnes
16-19. Debussy: Petite Suite (orch. Henri Büsser)
Recorded: Detroit, 1958, 1959, 1961
.
. Eugene Ormandy/Philadelphia Orchestra (1959-1964)
1-3. La Mer
4. Prélude à l’après-midi d’un faune
5. Danse (Tarantelle Styrienne) (orch. Maurice Ravel)
6-8. Nocturnes
Recorded: Broadwood Hotel & Town Hall, Philadelphia, 1959, 1964
.
. Paavo Järvi/Cincinnati Symphony Orchestra (2004)
1. Prélude à l’après-midi d’un faune
2-4. Nocturnes
5-7. La Mer
8. Berceuse héroïque
Recorded: Music Hall, Cincinnati, 2004
O número 790 da 11th Avenue de NYC fica próximo a endereços famosos para os amantes da música – Carnegie Hall, Lincoln Center for Performing Arts e, uns três quarteirões dali, a Broadway.
Foi neste lugar que a pianista Hiroko Sasaki terminou a sua busca por um piano para realizar a gravação dos Prelúdios, de Debussy. O projeto já vinha amadurecendo há muitos anos e finalmente ela estava na fase de encontrar um instrumento adequado para realiza-lo, assim como o imaginava. No endereço citado, há uma firma de restauração de pianos de concerto e para colecionadores, a Klavierhaus. E foi buscando entre os pianos lá dispostos que ela avistou um piano realmente diferente – vermelho com uma suntuosa decoração de apliques folheados a ouro, Chinoiserie – à Louis XV.
Ela o experimentou quase que por diversão e se apaixonou por ele. O instrumento é um piano Pleyel, construído em 1873 pela Pleyel, Lyon & Cie, de Paris. Foi construído em uma estrutura original de cravo, que o coloca ainda mais em uma situação sui-generis.
Hiroko conta que tocou alguns dos prelúdios no lindo piano e percebeu que havia encontrado o instrumento para realizar o seu projeto. Nem tudo estava perfeito, no entanto. Havia limitações, especialmente no volume de som a que nos acostumamos perceber nas interpretações de alguns prelúdios. Mas, os outros aspectos falaram mais alto e adaptações foram feitas pela pianista. O antigo piano lhe revelou coisas sobre essa música que ela ainda não percebera. Assim, espero que você ao ouvir o disco também descubra ou reencontre aspectos que essa maravilhosa música certamente pode lhe oferecer.
A famosa pianista Mitsuko Uchida arranjou para que a garota de Hiroko Sasaki, de 13 anos, deixasse o Japão para estudar na Yehudi Menuhin School, na Inglaterra. Aos 16 anos ela foi estudar com o lendário Leon Fleisher, no Curtis Institute, completando seus estudos em 1994. Além de carreira solo, Hiroko faz parte de um conjunto camerístico, o Amadeus Trio, ao lado de David Teie e Timothy Baker.
Essa postagem também faz parte das comemorações pelos 160 anos do nascimento de Claude Debussy (#DEBUSSY160) e eu escolhi esta gravação dos Prelúdios, que eu tanto gosto. É claro, esta é apenas uma gravação entre tantas, mas a cada audição, mesmo de não tão famosos intérpretes, consigo desfrutar dessa maravilhosa música.
O que você não pode deixar de ouvir?
Em se tratando dos Prelúdios, há muitos pequenos tesouros sonoros com os quais você pode se deleitar. A Catedral Submersa, no primeiro livro, certamente chama a atenção e gruda na memória. Mas há outros também, como o hiperativo Le vent dans la plaine. Mais um dos meus favoritos é Les sons et parfums tournent dans l’air du soir, pelo seu nome e atmosfera inebriante.
No livro 2, não deixe de passar pela Puerta del Vino, com toda a sua espanholice e deixe-se carregar pelos últimos dois – Les tierces alternées (o único título sem poesia, ou com poesia concreta) e os Fogos de Artifício, comemorando um 14 de julho, viva a França!
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes – Livre 1
Danseuses de Delphes
Voiles
Le vent dans la plaine
Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir
When acclaimed pianist Hiroko Sasaki was looking for an instrument to record the Debussy Preludes on, she happened to spot a strange looking instrument, which turned out to be a Pleyel concert grand built in 1873, and she instantly fell in love with it. The piano, built in a beautifully ornamented harpsichord case, offers her the special sonorities, dynamics and colours that she thinks are essential in Debussy, who himself owned a Pleyel piano, his favourite instrument.
The result is fascinating, the familiar music is clothed in a new sound, the pianissimos seem to come from “a piano without hammers”, as Debussy wanted it. But an instrument needs a master to sound great, and Hiroko Sasaki does marvels with these 24 character pieces, full of atmosphere, caprice and imagination.
Louis XV Chinoiserie…
“exquisite proportion, rare poetic understatement, and a connoisseur’s in-depth grasp of many unusual textual options.”
— Musical America
Debussy: Preludes Books I and II review – beautiful sound Debussy would have recognised
Hiroko Sasaki’s performances, on an immaculately restored piano from 1873, have a sense of rightness about them
— Andrew Clements
Não perca, especialmente descubra que as fadas são dançarinas exóticas!
René Denon
Se você gostou dos Prelúdios de Debussy, não deve deixar de visitar essa postagem aqui:
Paul Jacobs foi um pianista muito especial… As suas outras gravações de obras de Debussy para o selo Nonesuch poderão ser encontradas nas duas próximas postagens:
Claude-Achille Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 — Paris, 25 de Março de 1918)
Debussy por Jean Martinon: esta nova garimpagem do amigo Daniel the Prophet atingiu o Monge Ranulfus de um modo bastante pessoal.
Em março de 1972 um adolescente brasileiro deixava o faroeste poeirento onde crescera para viver na capital do seu estado – no que alguns não veriam grande progresso, pois esta era tida como das mais provincianas do país. Sabedor dessa fama, mal pôde acreditar quando viu anunciada para breve a apresentação de uma das orquestras cujo nome via desde pequeno nos discos com que o pai fazia da casa uma ilha de experiências incomuns naqueles sertões.
Assim, em abril de 1972 a comemoração de 15 anos do adolescente Ranulfus foi assistir Jean Martinon regendo a ORTF em Curitiba – e regendo precisamente La Mer, que abre esta coleção de Debussy – numa espécie de dupla iniciação: do lado mais mundano, a primeira experiência de uma grande sala de concertos com artistas de renome mundial. Do lado mais sutil, um novo tipo de experiência auditiva, como uma viagem por entre objetos sonoros quase palpáveis, diferente de andar ao longo dos rios, calmos ou turbulentos, que brotavam dos discos do pai, que não costumavam guardar nada composto depois de 1900.
44 anos depois [postagem original de 2016], a emoção de Ranulfus se renovou ao saber que estes quatro volumes de Debussy, juntamente com quatro de Ravel (que, fiquem calmos, também virão daqui uns dias), foram gravados nos dois anos seguintes àquele concerto, e que isso foi uma espécie de testamento de Martinon, que nos deixou já em 1976.
Este blog já tem a obra orquestral de Debussy com monstros como Boulez, Mravinski e Salonen, entre outros, e não sou eu quem se arriscará a comparar – mas não vou esconder que gosto imensamente do Debussy de Martinon: um Debussy firme, de um vigor másculo amadurecido – se posso me expressar assim – onde os timbres refulgem num espaço de extraordinária transparência e nitidez, a anos-luz das nebulosidades frouxas que se costumou associar à palavra “impressionismo”, como um clichê.
Enfim: vamos ouvir?
CD 1 LA MER
01. I: De l’aube à midi sur la mer
02. II: Jeux de vagues
03. III: Dialogue du vent et de la mer TROIS NOCTURNES
04. I: Nuages
05. II: Fêtes
06. III: Sirènes (Choeurs de l’ORTF)
…
07. Prélude à l’après-midi d’un faune (Alain Marion, flute)
08. Marche écossaise
09. Berceuse Héroïque MUSIQUES POUR LE ROI LEAR
10. I: Fanfare
11. II: Le Sommeil de Lear
CD 2
01. Jeux (poème dansé) IMAGES
02. 1: Gigues
03. 2.1: Iberia: Par les rues et par les chemins
04. 2.2: Iberia: Les parfums de la nuit
05. 2.3: Iberia: Le Matin d’un jour de fête
06. 3: Rondes de Printemps PRINTEMPS (orch. Henri Büsser)
07. Première partie
08. Deuxième partie (Michel Sedrez / Fabienne Boury, pianos)
CD 3 CHILDREN’S CORNER SUITE
(orch. André Caplet; Jules Goetgheluck, oboe)
01. 1. Doctor Gradus ad Parnassum
02. 2. Jimbo’s Lullaby
03. 3. Serenade for the Doll
04. 4. The Snow is Dancing
05. 5. The Little Shepherd
06. 6. Golliwoggs Cakewalk PETITE SUITE (orch. Henri Büsser)
07. I: En Bateau
08. II: Cortège
09. III: Menuet
10. IV: Ballet DANSE SACREE ET DANSE PROFANE
(Marie-Claire Jamet, harp)
11. I: Danse Sacrée
12. II: Danse Profane LE BOITE À JOUJOUX (orch. André Caplet)
13. I: Le Magasin de jouets
14. II: Le Champ de bataille
15. III: La Bergerie à vendre
16. IV: Après fortune faite
CD 4 FANTAISIE POUR PIANO ET ORCHESTRE
(Aldo Ciccolini, piano)
01. I: Andante – Allegro
02. II: Lento e molto espressivo
03. III: Allegro molto …
04. La Plus Que Lente (John Leach, címbalom)
05. Premiere Rapsodie pour orchestre avec clarinette principale
(Guy Dangain, clarinet)
06. Rapsodie pour orchestre et saxophone solo
(Jean-Marie Loneix, sax)
07. Khamma (légende dansée)
(orch. Charles Koechlin; Fabienne Boury, piano)
08. Danse: Tarantelle Styrienne (orch. Maurice Ravel)
Jean Martinon regendo a Orchestre Nationale de l’ORTF
(Office de Radiodiffusion-Télévision Française)
Gravado em 1973-74, Salle Wagram, Paris
Toscanini faz um La Mer grandioso, mas apressa demais os Noturnos. Ansermet tem ideias geniais mas nem sempre sua orquestra está à altura. Haitink com a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam, pelo contrário, não erram jamais em suas gravações de Debussy. Onde é preciso suavidade, mistério, eles fazem isso com um colorido instrumental de primeira. E onde é preciso suor e potência, ou brilho e desejo, enfim, nada fica faltando.
De forma que, entre as gravações quase completas das obras de Debussy, esta aqui de Haitink é sempre uma das mais lembradas. É verdade que Jean Martinon gravou em Paris uma coleção maior, que hoje cabe em 4 CDs pois inclui obras de juventude (Fantasia para piano e orquestra…) e orquestrações de amigos de Debussy (Ravel, Koechlin, Büsser…) Então Martinon e Haitink dividem o pódio. É tudo tão bem feito que não vou mais me arriscar a comentar. Seguem abaixo as notas do encarte do disco.
Debussy e Satie: os dois eram amigos. O Buda no meio, não sei.
Pianista de formação, Debussy poderia se tornar um segundo Chopin, compondo quase exclusivamente para o piano, se não fosse sua sensibilidade exacerbada para as sonoridades mais raras, inclusive ao piano, o que o levaria a escrever para orquestra de uma maneira tão pessoal, buscando para cada instrumento o colorido mais incomum. Para o compositor Pierre Lalo – que hoje tem uma ou duas obras ainda lembradas, mas naquele tempo se achava em posição de dar lições ao compositor quatro anos mais velho que ele – isso era um defeito. Lalo escreveu em 1910, sobre Iberia: “Que abuso das percussões e madeiras, esses oboés e clarinetes e seu eterno som nasal! Esses metais sempre fechados [com surdina], esses instrumentos, nenhum deles empregado na sua função verdadeira e seu timbre normal, mas que sempre parecem rir com afetação, com uma voz de palhaço!”
Embora o objetivo fosse falar mal, a crônica de Lalo descreve bem o gosto de Debussy pelas madeiras, enquanto ele evita sempre fazer berrar os metais, defeito que ele via nos wagnerianos tão detestados, como Mahler. Ao mesmo tempo, as percussões deviam trazer alguns barulhos à memória (ressaca em La Mer) mais do que batidas fortes.
A orquestra de Debussy tem origem nos hábitos do fim do século XIX, mas com a presença de um timbre particular, como os címbalos antigos no fim do Prelúdio ao entardecer de um fauno, o coro feminino das Sereias (Noturnos) ou o oboé d’amour de Gigues. Uma invenção contínua sobre os timbres condiciona não somente a orquestração, mas também a forma, por assim dizer sui generis. Seu objetivo é reproduzir as atmosferas da vida e do mundo ao seu redor, transpostas com uma sensibilidade extrema para o plano musical, o que o compositor nomeava “a carne nua da emoção”. Não poderíamos definir melhor o conteúdo do “Prelúdio”, estreado triunfalmente em 22 de dezembro de 1894 e o único vestígio que sobrou de um tríptico planejado sobre “Églogue” do poeta Mallarmé (1842-1898), que evoca os desejos eróticos de um pequeno deus dos rebanhos no calor de uma tarde siciliana, assim como sua comunhão íntima com a paisagem. Para Ravel, era a obra musical mais perfeita jamais composta, tal era a ausência de “ligações” entre as seções.
“Gamins de Wissant”, por Virginie Demont-Breton (1859-1935)
A ideia de tríptico domina também as obras seguintes: os Três Noturnos, finalizados em 1899, concebidos inicialmente como “Cenas ao crepúsculo” para violino e orquestra. La Mer, estreado em 1905 em um ambiente de incompreensão geral, se assemelha mais a uma sinfonia edificada segundo os princípios de Franck, faltando somente a seção lenta: se Debussy não nos presenteou com um estático “luar no mar” (“clair de lune en mer”) como o fizeram outros, e ele mesmo na precedente Sirènes, é porque ele encontrou ali no elemento marinho uma maneira de empurrar a orquestra para o instante fugidio. Um dos grandes méritos dessa obra maior do século XX é associar o sentimento e a emoção do Prelúdio com a visão do universo explorada nos Noturnos, mas com uma objetividade mais explícita, pois para Debussy, não se tratava tanto de ver o mar quanto de recolher dele uma ambiência efetiva graças às sensações diversas provocadas pela música: gritos de gaivotas, ondas, vento violento ou gosto salgado.
E finalmente Images (1905-1912, não confundir com as Images para piano, da mesma época), tríptico que tem no meio um outro tríptico dedicado à Espanha. Para o compositor Manuel de Falla, Iberia “ensinou aos compositores espanhóis formas mais sutis de usarem seu próprio folclore”, embora a obra não cite nenhuma melodia espanhola. Já o movimento final de Images, “Rondes de printemps” (algo como cirandas de primavera), cita “Nous n’irons plus au bois”, canção infantil que Debussy dizia prefirir mil vezes ás Valquírias de Wagner. Em 1904, por encomenda da firma Pleyel, ele compôs Dança sagrada e dança profana para harpa, com o acompanhamento suave dedicado somente às cordas.
Jeux, sua última peça orquestral, foi escrita rapidamente, no verão de 1912, para os Ballets Russes, que já haviam estreado em Paris o Pássaro de Fogo de Stravinsky (1910), obra muito admirada por Debussy. Aqui, o colorido instrumental é mais do que nunca um fator predominante, com uma música elusiva, misteriosa, não-narrativa, não-cíclica, avançando de um momento para outro sem recapitulação. Jeux se manteve como uma das obras mais importantes para os vanguardistas do século XX, mas o balé foi um fracasso de público, o que não chega a ser uma surpresa, pois essa última obra-prima de Debussy, sem os elementos necessários para um sucesso teatral, tem a clareza luminosa e indecifrável de um sonho.
(Compilado das notas por Max Harrison e Bruno Gousset)
Claude Debussy (1862-1918):
CD1
01 – Berceuse Héroïque Images pour Orchestre:
02 – I. Gigues
03-05 – II. Iberia: Par les rues et par les chemins; Les parfums de la nuit; Le Matin d’un jour de fête
06 – III. Rondes de Printemps
07 – Jeux (poème dansé)
08 – Marche Ecossaise
CD2
01 – Prélude à l’après-midi d’un faune Nocturnes
02 – I. Nuages
03 – II. Fêtes
04 – III. Sirènes La Mer
05 – I. De l’aube à midi sur la mer
06 – II. Jeux de vagues
07 – III. Dialogue du vent et de la mer
08 – Rapsodie pour orchestre avec clarinette principale
09 – Danses pour Harpe et Orchestre à Cordes – I. Danse Sacrée
10 – Danses pour Harpe et Orchestre à Cordes II. Danse Profane
Bernard Haitink
Eduard van Beinum (CD1 Track 1)
Royal Concertgebouw Orchestra
Recordings: 1959 (Beinum), 1976, 1977, 1979 (Haitink)
Décadas depois de gravar Debussy no Concertgebouw de Amsterdam, Haitink gravaria em Paris a única ópera do compositor francês: Pelléas et Mélisande.
Gravação ao vivo no ano 2000, com uma sonoridade muito delicada, apropriada a esta ópera cheia de personagens misteriosos que não sabemos bem de onde vêm nem para onde vão. Uma ópera com florestas sombrias, fontes miraculosas e muitas pérolas orquestrais que Haitink e seus músicos e cantores apresentam sem a grandiosidade de Karajan/Berlim e Abbado/Viena ou a clareza vocal e orquestral de um regente francês que daqui a alguns dias aparecerá aqui no blog com aquela que meu colega Alex DeLarge considerou a maior gravação desta ópera (e eu concordo… daqui a uns dias neste mesmo canal!) Mas essa gravação que trago hoje é forte concorrente ao 2º ou 3º lugar pela sutileza e refinamento das partes orquestrais. Ao mesmo tempo, por ser ao vivo, temos ruídos da vida real como o virar de páginas da partitura…
Claude Debussy: Pelléas et Mélisande
Orchestre National de France, direção Bernard Haitink
Solistas: Wolfgang Holzmair (Pelléas) – Anne Sofie von Otter (Mélisande) – Laurent Naouri (Golaud) – Alain Vernhes (Arkel) – Hanna Schaer (Geneviève) – Florence Couderc (Yniold) – Jérôme Varnier (Le Berger, Le Médecin)
Choeur de Radio France
Live Recording: mars 2000, Théatre des Champs-Élysees, Paris, France
Segundo testemunhas, Debussy teria dito: “Em minha opinião a inutilidade da sinfonia desde Beethoven já foi amplamente demonstrada.”
Mas La Mer, composta entre 1903 e 1905, é claramente uma sinfonia em três movimentos, apenas o cuidadoso subtítulo “Esboços sinfônicos” aponta para a diferença.
Se La Mer está apenas parcialmente na tradição sinfônica, não é tampouco um poema tonal tradicional. No 1º movimento encontramos a calma superfície das águas, o aparecimento do sol e a força crescente da luz (com uma intensificação gradual da dinâmica, ou seja, instrumentos tocando mais forte). No 2º movimento há uma contínua invenção na movimentação das melodias, imprevisíveis como as ondas, simplesmente uma brincadeira das ondas. No 3º movimento um diálogo entre o vento e o mar com todas suas nuances alternando rapidamente.
Em La Mer, nenhuma história está sendo contada, nenhuma ação narrada. Temos sobretudo a impressão de que a música se tornou como a natureza. Essa parece ter sido a intenção de Debussy, pois em suas próprias palavras, a música parecia destinada “não a expressar a natureza com uma maior ou menos fidelidade, mas a criar uma harmonia misteriosa entre natureza e imaginação”.
(Texto acima por Wolfgang Dömling, Professor na Universidade de Hamburgo, 1993)
Como descreveu muito bem o professor alemão citado, La Mer não tem um enredo definido, apenas cenas que cada um pode ouvir e preencher com sua própria imaginação. Arturo Toscanini (1867-1957) claramente tinha ideias bem formadas sobre como devia soar La Mer. Ele fez dessa obra um de seus cavalos de batalha em sua longa e internacional carreira. Entre as suas várias gravações da obra (incluindo uma de 1935 em Londres, esta de 1950 nos EUA e outra de 1953) há algumas mudanças, mas sobretudo a continuidade das convicções do maestro sobre como devia soar Debussy, convicções que vinham desde a década de 1900. Sob a batuta de Toscanini, com sua ênfase nos metais, o mar raramente parece calmo, sereno ou brincalhão: mais comuns são os momentos de navegação, de fanfarras marinheiras, enfim, um mar povoado de barcos e com ondas às vezes ameaçadoras. Ao mesmo tempo, com esse clima de marinheiros e fanfarras, a predominância dos metais nunca soa wagneriana ou mahleriana, falha que Debussy não perdoaria. Toscanini regeu bastante Wagner, mas compartilhava com Debussy o desprezo por Mahler: ele não gravou nenhuma das sinfonias do vienense.
Nos Noturnos e no Fauno, Toscanini também tem ideias muito particulares que lhe trouxeram sucesso com essas obras desde 1904, mas que não alcançaram uma unanimidade entre os ouvintes da era das gravações: ele despacha as Nuvens (1º mov. dos noturnos) em 5 minutos e meio, como se um forte vento estivesse as empurrando com força… Também o fauno corre um pouco apressado. Mas há momentos de parada pra respirar, como o sublime instante em que as cordas tocam um crescendo e tomam as rédeas entre 4:20 e 5:00, com uma respiração em tempo rubato cheia de elegância. Toscanini não havia caído de para-quedas nesse repertório, muito pelo contrário, tinha intimidade com aquelas obras que regeu quando ainda eram desconhecidas na Itália, e foi muito elogiado pelo próprio Debussy:
Em seu livro The real Toscanini, Cesare Civetta descreve a relação de Toscanini com Debussy e La Mer: “Debussy enviou a Toscanini a partitura completa de La Mer, com uma dedicação escrita à mão de uma página inteira, onde Debussy escreve: ‘Até agora achava que eu tinha escrito uma boa composição, no melhor das minhas capacidades. Agora eu sei que criei algo ainda melhor com a sua ajuda.’ Ele escreveu ‘com sua ajuda’ porque Toscanini explicou a Debussy vários detalhes pouco claros na partitura e lhe relatou as mudanças que ele fizera na orquestração, mudanças que Debussy aprovou.”
Vocês sabem que quem conta um conto aumenta um ponto, além disso Debussy deve ter se sentido grato a um maestro que divulgava sua música nos tradicionalíssimos Teatro alla Scala de Milão (estreia italiana da ópera Pelléas et Mélisande em 1908) e Teatro Regio de Turim (Prélude à l’après-midi d’un faune em 1904, Nuages em 1906). Se talvez haja algo de exagerado nesse relato, o fato é que há também cartas de Debussy a Toscanini, sempre elogiosas, assim como uma carta a um amigo em que Debussy o chama de “grande mágico” e de maior responsável pelo sucesso de La Mer em Turim em 1911:
Sua cordial lembrança e o relato que o senhor me faz da estreia de La Mer me trouxeram muito prazer… Quanto ao sucesso ele é, creia-me bem, inteiramente devido a este grande mágico chamado Toscanini! Não tenho antipatia dos “bons burgueses” de sua velha Turim por me terem olhado com maus olhos antes; e que eles gostem mais de Debussy por Toscanini do que da presença real de Debussy no fundo é apenas “nacionalismo” à terceira potência! (Carta de Claude Debussy a Leone Sinigaglia, 1911) Votre cordial souvenir et le récit que vous me faites de la création de La Mer m’ont fait un grand plaisir… Quant au succès il est, croyez-le bien, entièrement dû à ce grand magicien qui s’appelle Toscanini ! Je n’en veux nullement aux « bons bourgeois » de votre vieux Turin de m’avoir fait grise mine ; et qu’ils aiment mieux Debussy à travers Toscanini que la présence réelle de Debussy n’est en somme que du « nationalisme » à la troisième puissance ! Claude Debussy (Lettre à Leone Sinigaglia, 1911) Your account of the première de La Mer has given me a great pleasure… About the success it is, believe me, entirely due to this great magician called Toscanini! I don’t care if, before, the “good bourgeois” of Torino didn’t smile at me; and the fact that they like better Debussy by Toscanini than Debussy’s real presence is just some “nationalism” to the third potency! (Claude Debussy, 1911)
—
“Toscanini y a mis toute son âme, toute son intelligence, et toute sa volonté. Sa création de votre admirable chef-d’œuvre a été prodigieuse. Le public, méfiant au commencement (vous pouvez le penser ! Vous connaissez ça) a été conquis. […] Grand nombre de « nos bons bourgeois de la vieille ville de Turin » aiment Debussy !”
Lettre de L. Sinigaglia à Debussy, [Turin, 30 septembre 1911] (Carta respondida por Debussy acima. Ambas citadas por Malvano, 2012: Claude Debussy à l’Exposition internationale de Turin en 1911)
Em resumo: em La Mer todas as escolhas do grande mágico chamado Toscanini (palavras de Debussy) parecem perfeitas e inevitáveis, ao menos enquanto o ouvimos e estamos sob seu encanto. Nas outras obras, mesmo discordando de algumas escolhas do maestro, reconhecemos aqui uma gravação histórica de valor inestimável.
Arturo Toscanini, o maestro que fez a estreia italiana do Fauno em 1904 e da ópera Pelléas, em 1908
Claude Debussy (1862-1918): La Mer
01. I: De l’aube à midi sur la mer
02. II: Jeux de vagues
03. III: Dialogue du vent et de la mer
04. Prélude à l’après-midi d’un faune Ibéria (from Images)
05. I: Par les rues et par les chemins
06. II: Les parfums de la nuit
07. III: Le Matin d’un jour de fête Nocturnes 1 & 2
08. I: Nuages
09. II: Fêtes
Recorded: 1950 (1-3), 1948, 1952, 1953
Arturo Toscanini, NBC Symphony Orchestra
Claude-Achille Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 — Paris, 25 de Março de 1918)
Vi que algumas pessoas pediram este CD, mesmo sujeitas a levar um esporro como resposta. Recebi o disco recentemente e ele estava lacrado até agora – nem quis saber de escutá-lo enquanto o copiava via Windows Media Player porque tinha/tenho/terei realmente mais o que fazer. Muito menos gosto de postar CDs quando estes são recém-lançados porque acho isso o cúmulo do pão-durismo por parte do ouvinte/admirador, mas decidi ser caridoso. Espero que tenha valido a pena meu esforço e que o número de downloads exploda.
CVL (2009)
Lucia Branco, a principal professora de piano de Nelson Freire em sua infância, foi quem lhe apresentou Debussy, e ela lhe alertava sobre o risco de tocar lento demais. Mais tarde, Debussy criaria uma grande proximidade com Guiomar Novaes, grande intérprete de Debussy – aliás o compositor ouviu e elogiou a jovem pianista recém-chegada em Paris. Guiomar também tinha uma relação com a música de Debussy em que os andamentos não pendiam para o lento: às vezes o colorido das escalas de tons inteiros pode estimular uma abordagem mais relaxada e calma, mas ao mesmo tempo é preciso manter o fluxo das coisas andando, ao menos na abordagem de Debussy por Freire e por esses dois pianistas que ele amava apaixonadamente: Guiomar Novaes e Walter Gieseking.
Nelson Freire não era o tipo de músico que grava integrais. (Disse ele para o IPB: “não gosto de fazer sempre a mesma coisa, me aborrece… Por isso acho também que recital de piano deve ser uma coisa variada, se não é muito entediante chegar lá e ouvir o mesmo estilo o tempo todo.”) O livro I de Prelúdios de Debussy, os Noturnos e Prelúdios de Chopin, a Prole do Bebê de Villa-Lobos estão entre os poucos ciclos que ele abordou por inteiro. Ele tinha um vínculo profundo com essas obras, que o acompanharam por décadas, muitas vezes como bis nos recitais, assim como Poissons d’or, das Imagens. Neste álbum gravado por Nelson aos 63 anos, ele também toca o ciclo de inspiração infantil Children’s Corner, que o René postou recentemente na orquestração de André Caplet, amigo e colaborador de Debussy.
Pleyel (2022)
Claude Achille Debussy (1862-1918), Música para Piano
1. Préludes – Book 1 – 1. Danseuses de Delphes (Lent et grave)
2. Préludes – Book 1 – 2. Voiles (Modéré)
3. Préludes – Book 1 – 3. Le vent dans la plaine (Animé)
4. Préludes – Book 1 – 4. Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir (Modéré)
5. Préludes – Book 1 – 5. Les collines d’Anacapri (Très modéré)
6. Préludes – Book 1 – 6. Des pas sur la neige (Triste et lent)
7. Préludes – Book 1 – 7. Ce qu’a vu le vent d’ouest (Animé et tumultueux)
8. Préludes – Book 1 – 8. La fille aux cheveux de lin (Très calme et doucement expressif)
9. Préludes – Book 1 – 9. La sérénade interrompue (Modérément animé)
10. Préludes – Book 1 – 10. La cathédrale engloutie (Profondément calme)
11. Préludes – Book 1 – 11. La danse de Puck (Capricieux et léger)
12. Préludes – Book 1 – 12. Minstrels (Modéré)
13. D’un cahier d’esquisses
14. Children’s Corner – 1. Doctor Gradus Ad Parnassum
15. Children’s Corner – 2. Jimbo’s Lullaby
16. Children’s Corner – 3. Serenade for the Doll
17. Children’s Corner – 4. The Snow is Dancing
18. Children’s Corner – 5. The Little Shepherd
19. Children’s Corner – 6. Golliwogg’s Cakewalk
20. Suite Bergamasque – 3. Clair de Lune
Nelson Freire, piano
Recording: Hamburg, June 11-15 2008
Este foi um dos primeiros cds que postei, lá nos primórdios do PQPBach, e lá se passaram ao menos uns oito anos e meio. Sempre foi o minha gravação favorita, tanto do “Prelude a l’Apres Midi d’un Faune” quanto de “La Mer”. Comprei esse LP nos tempos em que vagava solitário pelas ruas de São Paulo, ainda no começo dos anos 90. A vida era um tanto quanto difícil, morava longe da família, dos amigos, e esse belíssimo disco ajudou a combater a solidão. Criei uma certa cumplicidade com ele e consequentemente com a magnífica música de Debussy.
Mas a vida dá voltas, e agora, vinte e poucos anos depois, eis-me aqui, oferecendo essa verdadeira jóia da indústria fonográfica aos senhores. Podem apreciar sem moderação. É música de primeira, interpretada por um dos maiores especialistas em Debussy dos últimos tempos.
Claude Debussy (1862-1918): La Mer, Prelude à l’après-midi d’un Faune, Jeux 1-3. La Mer
1 De l’aube à midi sur la mer (Très lent)
2 Jeux de vagues (Allegro)
3 Dialogue du vent et de la mer (Animé et tumultueux)
4 Prelude à l’après-midi d’un faune
5 4Jeux
New Philharmonia Orchestra
Pierre Boulez – Conductor
Se houvesse um único critério para estabelecer se este ou aquele compositor teria passagem para o panteão dos imortais, na minha opinião, seria o reconhecimento imediato de alguma de suas peças, melodia (tune), vocês me entendem, pelos ‘trouxas’, aquelas pessoas que não são como nós e raramente ouvem música ‘clássica’, quem dirá leem os nomes das peças nas capas dos discos ou nos visores do streaming.
Lembra-se da sequência no início do filme ‘Amadeus’, de Milos Forman, na qual o idoso Salieri experimentando seu já não tão lento afundamento no esquecimento? Nenhum de seus ‘hits’ é reconhecido pelo padre que o assiste, mas eis que por encanto, um delas ascende os olhos do sacerdote desejoso de agradar ao decrépito Salieri – Sim, está sim, eu reconheço bem! – Pois esta não é minha, é da ‘criatura’! Assim é como Salieri se referia à Mozart.
Aplicando este mundano (admito) critério a Debussy ele teria passe livre para o tal panteão, um único bilhete no qual estaria escrito Clair de lune! Uma única evidência para tão ousada afirmação: basta lembrar do filme Frankie and Johnny (1996), com a deslumbrante Michelle Pfeiffer e o carismático Al Pacino. Se você não se lembra do filme, busque a última cena dele. Eu digo pela música, a melodia de Clair de lune surge na forma como foi composta por Debussy, para piano, e depois vai se transmutando em uma peça para orquestra. A continuidade das cenas embalada pela música é bastante interessante, levando em conta o momento em que o filme foi feito.
Henri Büsser, quando jovem…
Neste disco temos algo assim, a música composta originalmente por Debussy para piano é apresentada em roupas de música para orquestra. A orquestração não é de Debussy, mas é quase como se fosse. Os orquestradores eram muito próximos, colaboradores e amigos dele, Henri Büsser e André Caplet.
Começamos com a Petit suíte, composta em 1899 para piano a quatro mãos e orquestrada por Henri Büsser em 1907, que foi plenamente aprovada por Debussy e é um sucesso desde então. A posto que você nunca deixará de reconhecer os acordes iniciais do primeiro movimento, En bateau.
Adivinhe qual ator seria escalado para fazer o papel do Caplet…
Em 1905 nasceu Chouchou, a filha de Debussy, que acabou escrevendo para ela a suíte Children´s Corner. A dedicatória ‘dear little Chouchou, with tender apologies from her father for what follows’, assim como os títulos dos movimentos, foram dados em inglês pelo próprio Claude. Ele gostava de inglês, especialmente dos escritos de Edgar Allan Poe. A orquestração ficou aos cuidados de André Caplet, amigo e colaborador de Debussy e também compositor. Entre os movimentos desta suíte, a Serenade for the Doll era um dos encores de Horowitz.
Em 1913, o ilustrador André Hellé (veja a capa do disco) sugeriu a Debussy que compusesse um balé para fantoches, descrevendo as aventuras de brinquedos que ganham vida. O tema faz sucesso desde sempre. Debussy certamente conhecia os balés de Tchaikovsky e de seu contemporâneo inovador Stravinsky. O resultado foi La Boîte à joujou que ele compôs para piano e iniciou a orquestração, mas que só foi terminada em 1919, de novo, por Caplet.
Pascal Rophé e a ONPL achando a Sala de Concertos do PQP Bach em Pomerode encantadora…
With the present disc, Pascal Rophé and his Orchestre National des Pays de la Loire pay tribute to their great countryman, Claude Debussy – but not with the standard orchestral fare. Debussy Orchestrated paints a portrait of a light-hearted composer, seen through the eyes of two of his collaborators, Henri Büsser and André Caplet, who transferred the works recorded here from the keyboard to the orchestra. [Resumo do site Prestomusic]
Both La boîte à joujoux and the similarly enchanting Children’s Corner are performed with deft panache by this quality orchestra, whose subtly shaded tone and style sound much more like those of earlier French vintages than the globalised full-colour sonority dominating elsewhere today. There are outstanding individual players, among them the principal oboe, whose haunting contribution to ‘The Little Shepherd’ in Children’s Corner is a special moment. [BBC Music Magazine, maio de 2022]
the playing is exquisite….a wonderfully engaging disc of great charm. [Gramophone, abril de 2022]
Aproveite!
René Denon
Pascal Rophé… Rophé!
Resposta do nosso quizz:
Quizz 2: Qual o nome da rádio, do programa de rádio e do apresentador do mesmo, no filme Frankie e Johnny?
Ernest Ansermet foi um regente suíço e um dos grandes regentes do repertório clássico francês, principalmente Debussy.
Este CD que ora vos trago faz parte da Coleção DECCA Legends, e não está aqui por acaso. Trata-se de uma das melhores gravações já realizadas deste repertório, principalmente em minha opinião do ‘Prélude à l’après-midi d’un faune’. Ainda tenho por favorita a versão de Boulez, mais etérea, idílica, eu diria, mas Ansermet dá mais vida a obra, tira aquela áurea espectral que permeia a leitura de Boulez, e nos oferece uma possibilidade diferente. Fica à vosso critério escolher a favorita. Não por acaso a revista Gramophone destacou exatamente a capacidade de Ansermet de nos mostrar o que está por debaixo daquelas brumas boulezianas. Claro que estou ciente que a gravação de Ansermet é anterior a de Boulez, mas um antecipa o outro, em minha opinião.
De qualquer forma, este é um CD antológico que merece toda a sua atenção.
Claude Debussy (1862-1918):
01. Prélude à l’après-midi d’un faune
02-04. La Mer (I. De l’aube à midi sur la mer, II. Jeux de vagues, III. Dialogue du vent et de la mer)
05. Jeux
06. Khamma (Légende dansée)
L´Orchestre de La Suisse Romande
Ernest Ansermet – Conductor
Claude-Achille Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 — Paris, 25 de Março de 1918)
Este CD foi lançado em 2012, mas merece ser ouvido com todo carinho e dedicação necessários. Sendo uma das grandes pianistas da atualidade, Hewitt encara estas obras tão delicadas com sobriedade, uma técnica apurada e uma maturidade musical exemplar. Os clientes da amazon são unânimes em dar cinco estrelas para esse CD.
E como é o mês dele, Claude Debussy, vamos então lhes apresentar outro grande CD do selo Hyperion, em outro grande momento de Angela Hewitt.
Claude Debussy (1862-1918) – Solo Piano Music – Angela Hewitt
01. Children’s Corner – 1. Doctor Gradus ad Parnassum
02. Children’s Corner – 2. Jimbo’s Lullaby
03. Children’s Corner – 3. Serenade for the Doll
04. Children’s Corner – 4. The snow is dancing
05. Children’s Corner – 5. The Little Shepherd
06. Children’s Corner – 6. Golliwog’s Cake-Walk
07. Suite Bergamasque – 1. Prélude
08. Suite Bergamasque – 2. Menuet
09. Suite Bergamasque – 3. Clair de lune
10. Suite Bergamasque – 4. Passepied
11. Danse
12. 2 Arabesques – 1. Andantino
13. 2 Arabesques – 2. Allegretto scherzando
14. Pour le piano – 1. Prelude
15. Pour le piano – 2. Sarabande
16. Pour le piano – 3. Toccata
17. Masques
18. L’isle joyeuse
19. La plus que lente
P.S. de Pleyel: muitos alunos intermediários de piano passam pelos Arabesques e pelo Clair de lune, mas não se enganem, é música muito sofisticada apesar da relativa simplicidade técnica. Angela Hewitt deixa isso muito claro aqui.
Ao procurar discos para postar dentro das comemorações aos 160 anos de nascimento de Debussy encontrei este do Orlando Quartet, lançado lá em 1983, mas ainda atual. Estou ouvindo esse belíssimo CD em um final de tarde de sábado de inverno, nublado, porém não está frio, a temperatura está amena, média de 17 graus. E a execução deste ótimo grupo de Câmara nos oferece uma interpretação muito sólida e consistente.
O Orlando Quartet foi formado em 1976 e esteve ativo até 1997. Seus músicos eram de países diferentes, mas o grupo formou-se em Amsterdam. Neste ano de 1997 seu primeiro violinista, o hungaro István Párkányi formou seu próprio grupo, o István Párkányi Quartet. Não gravaram muito, mas cada um de seus discos é uma pequena jóia, belamente lapidada.
Apesar de muitas vezes serem gravadas juntas, no mesmo disco, são obras que tem dez anos de diferença entre elas. O Quarteto de Debussy foi escrito em 1893 e o de Ravel entre 1902 – 03. Infelizmente estas foram as únicas incursões dos compositores neste estilo, e por que não dizer, também na música de câmara.
Claude Debussy – String Quartet in G Minor, Op. 10
1 Animé Et Très Décidé
2 Scherzo (Assez Vif Et Bien Rhythmé)
3 Andantino, Doucement Expressif
4 Très Modéré – Très Mouvementé – Très Animé
Maurice Ravel – String Quartet in F
5 Allegro Moderato. Très Doux
6 Assez Vif. Très Rhythmé
7 Très Lent
8 Vif Et Agité
Violin [I] – István Párkányi
Violin [II] – Heinz Oberdorfer
Viola – Ferdinand Erblich
Cello – Stefan Metz
Theodor W. Adorno (Frankfurt, 1903–1969) afirma que a música de Debussy é marcada pela desconfiança de que o gesto grandioso usurpa um nível espiritual que depende justamente da ausência de tal gesto.
“A preponderância da sonoridade sensual na assim chamada música impressionista envolve, melancolicamente, dúvidas acerca da inabalável confiança alemã na potência autônoma do espírito.” (Intr. Soc. da Música, p.300)
A obra de Debussy é toda voltada para a contemplação interior, a intimidade, a pureza das frases e o desenrolar das ideias musicais por dez ou vinte minutos, não mais do que isso, em oposição à grandiloquência e exageros da música germânica de Wagner e Bruckner. Assim como muitos colegas de sua geração, ele teve um flerte inicial com as inovações harmônicas de Wagner, mas depois passou a combater a enorme influência wagneriana em toda a Europa do fim do século XIX.
Debussy ao piano no verão de 1893, na casa de campo do seu amigo Chausson, calvo, em pé, virando a página
Ernest Chausson, compositor amigo de Debussy, é outro que passou pelo mesmo processo: no caso dele, a influência de Wagner se faz ainda mais notável em sua música, mas ele escreveu, em 1886: “É preciso de deswagnerizar” (« Il faut se déwagnériser »).
A admiração inicial por Wagner levou os jovens Chausson e Debussy a irem a Bayreuth assistir às óperas do alemão, que faziam enorme sucesso naquela época (ao contrário de Bruckner e Mahler, cujas sinfonias seriam mais celebradas postumamente). E ir a Bayreuth não era, para eles, como ir logo ali na Normandia ou na Bélgica. Hoje o trajeto Paris-Bayreuth dura 8 horas de trem, quase 9 de carro, e certamente os meios de transporte e estradas da época eram bem mais lentos.
Sorte nossa que hoje essas disputas parecem algo muito antigo – enquanto a música soa atual! – de forma que podemos gostar de ambos os lados: ouvir hoje um Fauré e amanhã um Wagner, hoje os prelúdios de Debussy e amanhã as sinfonias gigantescas e devocionais de Bruckner.
Após longos anos de formação e de pouco sucesso, Debussy conseguiu se “deswagnerizar” e teve um primeiro sucesso de público com o Prélude à l’après-midi d’un faune (1894). Em seguida vieram suas duas outras grandes obras-primas orquestrais, Nocturnes (1899, estreias em 1900-1901) e La Mer (1905). Vieram em seguida Images, tendo como peça principal Iberia, certamente inspirada por Albéniz, e finalmente Jeux, partitura para balé que é sua obra mais moderna e de mais difícil apreensão. As outras obras aqui gravadas por Armin Jordan são partituras orquestradas por três pessoas que Debussy conheceu bem. A sarabanda da suíte Pour le piano (1901) foi orquestrada por Ravel. E as duas outras obras, Six épigraphes antiques (Seis epígrafes antigas) e La boîte à joujoux (A caixa de brinquedos), escritas nos últimos anos de vida, Debussy provavelmente tinha a intenção de orquestrar, não sabemos se uma intenção séria interrompida pela doença ou uma intenção assim como quem diz “vou fazer” sem muita convicção. Em todo caso, o que se sabe é que o maestro Ernest Ansermet (1883-1969, fundador da Orchestre de la Suisse Romande) orquestrou as eígrafes, que lembram um pouco as imagens e prelúdios para piano, com referências ao vento, à noite e à chuva. Já o maestro e comporitor André Caplet (1878-1925) orquestrou a caixa de brinquedos, obra de caráter infantil… quem entende um pouco de francês vai entender o diminutivo carinhoso de jouet (brinquedo) comendo a última sílaba, como os franceses o fazem para metrô (métropolitain), dodô (dormir) e restô (restaurant).
Nocturnes é a partitura que Debussy mais retocou após a estreia. Foram vários anos retocando pequenos detalhes aqui e ali, de modo que há mais de uma opção para os maestros escolherem. Quando Ernest Ansermet, em 1917 viu a partitura cheia de mudanças anotadas a caneta e a lápis, ele perguntou ao compositor qual era a versão correta. Debussy respondeu: “Não sei mais, todas são possíveis. Então leve essa partitura e use as que lhe parecerem melhores.” (Fonte: Ernest Ansermet: une vie de musique – Jean-Jacques Langendorf, 2004)
A partitura que a orquestra da Suisse Romande utiliza sob a batuta de Armin Jordan, sem dúvida, é a “versão Ansermet”, ou seja, inclui as mudanças manuscritas que Debussy adicionou nas décadas de 1900 e 1910. O suíço Charles Dutoit, que quando jovem conheceu Ansermet, também parece usar essa mesma versão da partitura em sua gravação com a Orquestra de Montréal. Já outras gravações, como as de Martinon (em Paris), Svetlanov (em Londres) e Haitink (em Amsterdam) utilizam outras versões, mais fiéis à original assinada por Debussy em 1899. Dá pra perceber as diferenças, já desde o clarinete no primeiro compasso do terceiro Noturno, Sirènes (Sereias). Este movimento, ao que parece, foi o que Debussy mais revisou ao longo de vários anos, movido pela enigmática dificuldade de encaixar o som da orquestra e o do coro de mulheres cantando sempre distantes – as sereias na Odisseia, ao contrário da feiticeira Circe e da ninfa Calipso, não encostam em Ulisses, apenas cantam no mar enquanto os gregos navegam.
1897: Debussy em pose relaxada, fumando com Zohra ben Brahim (amante de seu amigo Pierre Louÿs)
Claude Debussy (1862-1918)
1 Nocturnes: No. 1, Nuages (1899)
2 Nocturnes: No. 2, Fêtes (1899)
3 Nocturnes: No. 3, Sirènes (1899)
4 Épigraphes antiques: No. 1, Pour invoquer Pan, dieu du vent d’été (1914) (Orch. Ansermet)
5 Épigraphes antiques: No. 2, Pour un tombeau sans nom (1914) (Orch. Ansermet)
6 Épigraphes antiques: No. 3, Pour que la nuit soit propice (1914) (Orch. Ansermet)
7 Épigraphes antiques: No. 4, Pour la danseuse aux crotales (1914) (Orch. Ansermet)
8 Épigraphes antiques: No. 5, Pour l’Égyptienne (1914) (Orch. Ansermet)
9 Épigraphes antiques: No. 6, Pour remercier la pluie au matin (1914) (Orch. Ansermet)
10 Pour le piano: II. Sarabande (1901) (Orch. Ravel)
11 La boîte à joujoux: I. Prélude. Le sommeil de la boîte (1913) (Orch. Caplet)
12 La boîte à joujoux: II. Le magasin de jouets (1913) (Orch. Caplet)
13 La boîte à joujoux: III. Le champ de ba taille (1913) (Orch. Caplet)
14 La boîte à joujoux: IV. La bergerie à vendre (1913) (Orch. Caplet)
15 La boîte à joujoux: V. Après fortune faite (1913) (Orch. Caplet)
16 La boîte à joujoux: VI. Épilogue (1913) (Orch. Caplet)
Orchestre de la Suisse Romande (1-3)
Sinfonie Orchester Basel (4-16)
Armin Jordan
Claude Debussy (1862-1918)
1 La Mer: I De l’aube à midi sur la mer (1905)
2 La Mer: II. Jeux de vagues (1905)
3 La Mer: III. Dialogue du vent et de la mer (1905)
4 Images pour orchestre, Pt. 1 “Gigues” (1912)
5 Images pour orchestre, Pt. 2 “Ibéria”: I. Par les rues et par les chemins (1912)
6 Images pour orchestre, Pt. 2 “Ibéria”: II. Les Parfums de la nuit (1912)
7 Images pour orchestre, Pt. 2 “Ibéria”: II. Le Matin d’un jour de fête (1912)
8 Images pour orchestre, Pt. 3 “Rondes de printemps” (1912)
9 Jeux (1913)
Orchestre de la Suisse Romande (1-9)
Armin Jordan