Leo Brouwer (1939): Concierto Elegiaco / Joaquín Rodrigo (1901-1999): Fantasía para un gentilhombre

Além do violão, o inglês Julian Bream (1933-2020) também tocava alaúde, introduzindo para muitas plateias as obras de Vivaldi, Bach e Dowland para esse instrumento de cordas. Talvez pela sua familiaridade com o alaúde, Bream tirava do violão um som que me arrisco a definir como mais limpo, mais leve, com menos tensão (tesão?) nas cordas em comparação com alguns outros grandes nomes do instrumento como Narciso Yepes e Turíbio Santos. Esse estilo mais sóbrio funciona bem no concerto nº 3 do compositor cubano Leo Brouwer, que recebe o apelido “elegíaco”. Não temos aqui tanta sensualidade cubana que o público poderia esperar, é tudo bem mais sutil, e a gravação tem o próprio compositor como maestro, então imaginamos que é assim que ele queria que a obra soasse, né?

Brouwer vive em Havana, onde alternou sua carreira entre a composição de trilhas sonoras, algumas funções burocráticas na rádio cubana que ele ajudou a fundar, além de também atuar como maestro e compor mais de dez concertos para violão e orquestra e várias obras para violão solo.

Em entrevista de 1988, Brouwer tentava responder à recorrente pergunta sobre a aparente contradição entre “raízes folclóricas” e música universal/abstrata/vanguardista:

Você teve que “viajar” para o abstrato, para a vanguarda, para voltar para o folclórico?

LB: Essas são duas perguntas em uma. A primeira diz respeito a se distanciar de sua própria experiência para ser objetivo. Como foi dito por um dos grandes filósofos do século 20, José Ortega y Gassett: à distância, você pode ver todo o panorama, não apenas os pequenos detalhes no microscópio. Isso é importante.

Agora, a segunda parte da sua pergunta: redescobrir as raízes através do abstrato e da vanguarda. Esse é um verdadeiro problema e uma questão fascinante por muitos motivos. Sem saber, fui gradualmente entrando na vanguarda como linguagem natural. Recebi um grande estímulo quando estive na Polônia em 1961 para o Outono de Varsóvia, um festival de vanguarda. Foi um ótimo evento. Lembro-me de Sylvano Bussotti e da estreia da famosa Trenódia em Memória das Vítimas de Hiroshima, de Krzysztof Penderecki. A geração mais velha também estava representada: Karol Szymanowski e o grande compositor judeu Ernest Bloch. Foi uma espécie de panorama de onde tirei os elementos mais recentes, como Cage e Berio. Trouxe de volta as partituras de meus novos amigos – Penderecki, Tadeusz Baird e Bussotti – e realizei uma conferência em Cuba. As pessoas aqui ficaram fascinadas.

Foi um contato natural com a vanguarda. Não seguiu a escola polonesa, que é muito forte e sólida. Não, isso significou liberdade total, o que era normal para nós, porque na política cubana havia uma lei simples que dizia: “Você pode fazer o que quiser”. Isso é totalmente diferente de alguns países do leste europeu até agora [1988].

Sentimos a possibilidade de fazer todo um mundo de pura abstração e, digamos, de raízes nacionais. Mas não como uma colagem, e não como uma contradição, porque você pode obter uma abstração total dos elementos ou raízes nacionais e obter um sabor vital. Os elementos essenciais das raízes nacionais de qualquer país são absolutamente abstratos. Não estou falando dos elementos superficiais como, em Cuba, as maracas, os bongôs e o cha-cha-cha. Mas se você for ao ritual da música afro-cubana e analisar a parte melódica, os elementos são tão comuns quanto o canto bizantino ou gregoriano. Esses elementos – terminações particulares e relações internas rítmicas – são profundos, quase abstratos e comuns a muitas coisas em Cuba.

Minha linguagem seguiu uma espécie de estrutura em arco. Comecei com folclore e raízes nacionais. Eu gradualmente me desenvolvi na abstração. Cheguei à abstração quase total nos anos 70. E então eu voltei gradualmente às raízes nacionais através de um sentimento romântico sofisticado. Vamos chamá-lo de hiper-romântico, porque o que estou usando é um clichê óbvio. Não tem o sentimento de um romântico tardio como Barrios Mangoré ou de um romântico puro como Mahler.

Não é só uma citação de estilo, é uma necessidade, uma redescoberta de estilo, da mesma forma que alguns compositores estão usando elementos como o gamelão da Indonésia e ritmos da África, convertendo-os em uma coisa nova chamada música minimalista. Estou usando esse estilo neoromântico que não é “neo”, mas “hiper”. O Concierto Elegíaco é assim construído, tal como o são algumas secções do Quarto Concerto.

Nos anos 50 e 60, você tinha Pierre Boulez que eu admiro, e Stockhausen. Eles se tornaram os reis da música estruturalista com um sentimento totalmente serial e aleatório. Foi a decomposição de estruturas, que também utilizei na minha música: Parábola, o Segundo Quarteto de Cordas, Sonograma para orquestra sinfônica e muitas outras coisas. Mas, em determinado momento, essa linguagem se atomizou e se quebrou. Estava falhando em se comunicar e se tornando cada vez mais abstrata, cada vez mais hermética. Acho que a música é para todos, para o público – tanto o público altamente sofisticado quanto o mais simples. Claro, com educação, com cultura.

Brouwer regendo em 2011

Não estou fazendo concessões. Se eu fosse fazer concessões, seria melhor fazer arranjos para Barbara Streisand.

Também temos aqui uma gravação da Fantasía para un gentilhombre, do compositor espanhol Joaquín Rodrigo. Mais uma vez a dupla Bream/Brouwer aposta na sobriedade que é um pouco rara nas gravações de violão, de forma a comunicar ao ouvinte os elementos estruturais da obra como as fanfarras de trompetes, os cantos de pássaros etc.

Brouwer (1939): Concerto Elegiaco
1 Tranquillo
2 Interlude
3 Finale: Toccata

Rodrigo (1901-1999): Fantasía para un gentilhombre
4 Villano
5 Ricercare
6 Españoleta
7 Fanfare de la Caballería de Nápoles
8 Danza de las Hachas
9 Canario

Guitar – Julian Bream
Conductor – Leo Brouwer
Orchestra – RCA Victor Chamber Orchestra

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Joaquín Rodrigo
Leo Brouwer – quero ver Cuba lançar outro compositor desse nível

PS: Agora estamos também no Twitter: twitter.com/pqpbach

Pleyel

Leo Brouwer (1939): The Book of Signs / Paulo Bellinati (1950): Concerto Caboclo

frontIM-PER-DÍ-VEL !!!

Estes dois concertos demonstram a crescente importância dos violões nos palcos do mundo. O cubano Leo Brouwer, um dos principais compositores latino-americanos, escreveu muitos concertos para violão, mas The Book of Signs (2003) é o primeiro para uma dupla deles. É um concerto de temas majestosos, muito musicais e de grande virtuosismo. O primeiro movimento é baseado no tema das 32 Variações em Dó menor de Beethoven. Importante figura da música brasileira, Paulo Bellinati emprega harmonias luxuosas para homenagear a música do interior do estado de São Paulo em Concerto Caboclo (2011). Seu concerto é belo e delicado. Gostei muito. Este CD é extraordinário sob qualquer perspectiva que se ouça: excelente orquestra e regência, espetacular dupla de solista e tals.

The Book of Signs
1. I. The Signs of Memory: Theme and Variations 00:15:40
2. II. Variaciones sobre un tema sentimental 00:13:49
3. III. Allegro 00:15:21

Concerto Caboclo
4. I. Toada: Andante, quasi andantino 00:08:03
5. II. Moda di Viola: Adagio 00:05:49
6. III. Ponteado: Vivo 00:05:22

Brasil Guitar Duo
Delaware Symphony Orchestra
David Amado

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O supercraque Paulo Bellinati, compositor neste CD.
O supercraque Paulo Bellinati, compositor neste CD.

PQP

In memoriam Cussy de Almeida: Orquestra Armorial acompanha Duo Assad (1977)

Duo Assad e Orquestra Armorial http://i27.tinypic.com/b3wmjk.jpgBom, eis o disco sugerido pelo leitor Fausto Silva – que eu nem sabia que havia se tornado raridade. Só espero que não pensem que milagres assim são possíveis sempre: foi uma enorme “gata” que eu tivesse esse disco!

Como nosso maior interesse no momento é o trabalho de Cussy de Almeida à frente da Orquestra Armorial, coloquei no início o concerto do Radamés Gnattali (pronúncia Nhátali, para os mais novos), que no vinil ocupa o Lado B. As demais cinco faixas são apenas a dois violões.

Se me permitem… tenho a sensação de que está aí um disco que tinha tudo para acontecer e não aconteceu. A orquestra está perfeita, limpa… Os irmãos Assad são sempre grandes… e Radamés Gnattali escreve muito bem. Mas parece que faltou um clic para esses três elementos entrarem em sinergia e de fato levantarem o concerto.

Mesmo assim, concordo que não se pode deixar esse disco naufragar no olvido. No mínimo é um documento importante de certas vertentes da produção musical brasileira dos 2.º e 3.º terços do século XX.

Além disso, a gravadora Continental realmente boiou na maionese na hora de nomear: “Latino América para duas guitarras”… Por que guitarras, se o nome brasileiro consagrado dessa variante do instrumento é “violão”? E por que “Latino América”, quando quase 90% do repertório é brasileiro? Por causa das 4 Micro-Peças do cubano Leo Brouwer, que inclusive não puxam nada para o lado nacionalista ou “típico”? E onde fica o italiano Castelnuovo-Tedesco, que ocupa tanto espaço no disco quanto Brouwer?

Bom, hoje eu estou ranzinza mesmo, como vocês devem ter notado… mas de modo nenhum estou sugerindo que não valha a pena baixar e ouvir esse disco! Eu mesmo vejo mais razões para baixar que para não baixar. Ou então não o teria carregado nas 15 mudanças que já fiz desde que o tenho… (se é que não esqueci nenhuma!)
 
 
Sérgio e Odair Assad (violões) – com Moacir Freitas, da OSB (oboé)
e as cordas da Orquestra Armorial, regida por Cussi de Almeida

Edição em vinil: Continental, 1977
Digitalizado por Ranulfus, jul. 2010

Radamés Gnattali (Porto Alegre, 1909 – Rio, 1988):
Concerto para 2 violões, oboé e cordas (dedicado ao Duo Assad)
Gravado ao vivo no Conservatório Pernambucano de Música
01 Allegro moderato
02 Adagio
03 Con spirito

Heitor Villa-Lobos (1887-1959)
04 Alnilan (de “As Três Marias” – transcrição)

Francisco Mignone (1897-1986)
05 Lenda sertaneja (peça dedicada ao Duo Assad)
06 Lundu

Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968)
07 Siciliana (da Sonatina Canônica para dois violões)

Leo Brouwer (*1939)
08 Cuatro Micro-Piezas

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Ranulfus