BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – Staier

Sou ávido ouvinte da chamada interpretação historicamente informada, a ponto de ter uma discografia historicamente informada paralela à de interpretações, assim digamos, convencionais. A música de Beethoven, que esteve por décadas além dos limites de exploração da turma dos instrumentos originais, foi por ela enfim acolhida, e a produção pianística de Ludwig, tão fundamental ao repertório, não ficou de fora, e o mundo viu surgirem muitas atraentes leituras das sonatas, tocadas em fortepianos por mestres como Paul Badura-Skoda e Ronald Brautigam.

 

Faltavam, no entanto, as Variações Diabelli.

É bem provável que, por sua transcendência e exigências ao instrumento e ao executante, elas tenham ficado fora da alçada das aventuras dos primeiros fortepianistas contemporâneos. Beethoven, que já estava completamente surdo quando compôs as “Diabelli”, nunca as escutou, exceto em sua imaginação. Suas frequentes  reclamações quanto às limitações dos pianos de sua época, no entanto, permitem-nos supor que ele desejasse para as “Diabelli” um instrumento mais potente, com timbre mais uniforme entre os registros, e vasta gama dinâmica – um instrumento, enfim, como os modernos pianos de concerto.

Entra em cena Andreas Staier, um fortepianista com toque de Midas, disposto a recriar as “Diabelli” dum modo que ninguém antes as ouvira: numa cópia dum instrumento de Conrad Graf, semelhante ao que o compositor mantinha em seu caótico apartamento, e baseado no manuscrito autógrafo que, depois de cento e oitenta anos flanando entre coleções privadas, foi enfim adquirido pela Beethovenhaus em Bonn.

Tão logo anunciaram esse projeto de Staier, passei a esperar, claro, pelo sublime. Não me frustrei: sua gravação, parida em 2012, nasceu clássica. Mesmo se tivesse sido feita num piano moderno, ela seria excelente, pelo afinco com que Staier abraçou o conceito beethoveniano de sintetizar, com as “Diabelli”, o estado da arte pianístico daqueles 1820’s. À sua exploração aventurosa do teclado soma-se o domínio dos timbres do fortepiano, usados em todos seus recursos – incluindo seus pedais de abafamento e efeitos de registros, como o de fagote (que dá um toque fanhoso às notas) e o dito “registro janízaro”, que tenta emular a percussão das bandas de regimentos otomanos, feito para saciar o apetite europeu por “música turca”, naquela época.

Staier não para por aí: ele adiciona ornamentos e ligeiras variações às repetições; usa as pausas de maneira extremamente expressiva – por vezes irônica, noutras muito dramática – tanto durante as variações quanto entre elas; e, não menos importante, abre a gravação com doze das variações que diversos compositores (entre eles Liszt e Schubert) mandaram a Diabelli, para que sirvam de prelúdio à obra-prima de Beethoven. Para arredondar, presenteia-nos com uma introdução improvisada antes da obra de Beethoven, que é sua própria variação sobre a marota valsinha.

Nas palavras de Staier:

Minha intenção com a introdução foi criar um espaço sonoro que separa os doze ‘prelúdios’, de Czerny a Schubert, do grande ciclo de Beethoven. É uma pausa para respirar no meio do que, de outra forma, seria música rigorosamente composta. Por isso, eu acho que o elemento improvisado é aqui perfeitamente apropriado. Dessa forma, pode-se garantir que a valsa de Diabelli tenha o frescor necessário na segunda vez que for tocada. […] Este manuscrito fascinante nos permite inferir o lado colérico e impaciente de Beethoven, mas não o lado irônico de seu caráter. As anotações mostram suas preocupações e dificuldades durante um processo de composição bastante trabalhoso. O que começou como uma cópia limpo se transforma cada vez mais em um manuscrito funcional. Com a dinâmica da caligrafia e as muitas correções e rasuras, ele fornece toda uma gama de indicadores para as intenções do compositor. É um tesouro para o intérprete”

Nada que eu e Staier lhes contemos será capaz de dar-lhes ideia da delícia que é ouvir este álbum, uma apoteose do fortepiano e, acima de tudo, uma afirmação de suas qualidades ante suas potentes contrapartes modernas. Calo-me, portanto, para que vocês se deleitem.

Bom proveito!

Anton DIABELLI (1781–1858) [organizador]

De Vaterländischer Künstlerverein – Veränderungen über ein vorgelegtes Thema componiert von den vorzüglichsten Tonzetzern und Virtuosen Wiens und der kaiserlichen-königlichrn österreichischen Staaten (“Associação de Artistas Patrióticos – Variações sobre um tema proposto, compostas pelos mais renomados compositores e virtuosos de Viena e dos estados imperiais e reais da Áustria”)

Anton DIABELLI
1 – Thema: Vivace

Carl CZERNY (1791–1857)
2 – Variação IV [Sem indicação de andamento]

Johann Nepomuk HUMMEL (1778–1837)
3 – Variação XVI [Sem indicação de andamento]

Friedrich Wilhelm Michael KALKBRENNER (1785–1849)
4 – Variação XVIII: Allegro non troppo

Joseph KERZKOWSKY (1791?)
5 – Variação XX: Moderato con espressione

Conradin KREUTZER (1780–1849)
6 – Variação XXI: Vivace

Franz LISZT (1811–1886)
7- Variação XXIV: Allegro

Ignaz MOSCHELES (1794–1870)
8- Variação XXVI [Sem indicação de andamento]

Johann Peter PIXIS (1788–1874)
9 – Variação XXXI [Sem indicação de andamento]

Franz Xaver Wolfgang MOZART (1791–1844)
10 – Variação XXVIIIa: Con fuoco

Franz Peter SCHUBERT (1797–1828)
11 – Variação XXXVIII [Sem indicação de andamento]


Andreas STAIER (1955)
12 – Introduktion (improvisação)


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

13 – Thema: Vivace
14 – Variation 1: Alla marcia maestoso
15 – Variation 2: Poco allegro
16 – Variation 3: L’istesso tempo
17 – Variation 4: Un poco più vivace
18 – Variation 5: Allegro vivace
19- Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
20 – Variation 7: Un poco più allegro
21 – Variation 8: Poco vivace
22 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
23 – Variation 10: Presto
24 – Variation 11: Allegretto
25 – Variation 12: Un poco più moto
26 – Variation 13: Vivace
27 – Variation 14: Grave e maestoso
28 – Variation 15: Presto scherzando
29 – Variation 16: Allegro
30 – Variation 17: Allegro
31 – Variation 18: Poco moderato
32 – Variation 19: Presto
33 – Variation 20: Andante
34 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
35 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
36 – Variation 23: Allegro assai
37 – Variation 24: Fughetta (Andante)
38 – Variation 25: Allegro
39 – Variation 26: (Piacevole)
40 – Variation 27: Vivace
41 – Variation 28: Allegro
42 – Variation 29: Adagio ma non troppo
43 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
44 – Variation 31: Largo, molto espressivo
45 – Variation 32: Fuga: Allegro
46 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

Andreas Staier, fortepiano (baseado num modelo de Conrad Graf)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

“Conrad Graf – Fabricante de Fortepianos da Corte Imperial e Real – Viena – Próximo à Igreja de São Carlos, na rua Mondschein [“Luar”], no. 102″
Da coleção do Metropolitan Museum of Art, New York City, Estados Unidos (licença Creative Commons CC0 1.0)
BTHVN250, por René Denon

Vassily

9 comments / Add your comment below

    1. Hi Gargamel,
      This is by far the most clever suggestion I have heard in a while. I will make sure to submit it to the appreciation of our Supreme Council. However, due to the upcoming celebration of Beethoven’s 250th birthday (that is what “BTHVN250” stands for) on December 17th and the culmination of Beethoven Jubilee Year 2020 I am afraid the Council will not bother to change the name of the blog. I anticipate my apologies for both that and the damage my pointless work of posting Ludwig van Beethoven’s complete works to the blog might have caused to your sensibilities. On the bright side, there are just a few Opus numbers more before I can call it accomplished, so please hold on, stay strong – and keep up the good job in pestering those little blue critters.

    2. Hi there!
      It is understandable that you mention this, but after December 17th, this BTHVN-posting frenzy will be over and the name of the blog could be changed back to the original.
      I myself have contributed a little for this craziness. But, on our behalf, I would say that several other than BTHVN#250 quite interesting posts can be found shown on our pages.
      Just punch Dowland, Ravel, Mozart, Telemann, Debussy, Poulenc, Schubert, Milhaud, Handel, Castello, Rimsky-Korsakov, Shostakovich, Rachmaninov, Bach, Boismortier, Butterworth, Prokofiev, Berg, Webern, Schoenberg and some others I have certainly missed in the search tool and you will get other views…
      Enjoy them all!
      RD

  1. Caro Vassily, presumo que escrever sobre as obras derradeiras de Beethoven seja árdua tarefa, de tão transcendentais que são. Às vezes elas parecem forçar nosso silêncio e reflexão. Seja como for, as postagens finais têm sido primorosas. Particularmente, os álbuns de Peter Serkin e Solomon entraram com ênfase em minha rotina, sendo que a grande descoberta é a leitura de Hungerford, no tom ideal de gravidade que últimas sonatas exigem, que tesouro! É bonito ver como o projeto transcorreu, atravessando um ano horrível e tratando com reverência de todos os estágios da obra. Torço para que comentários insensatos como o do colega Gargamel não desanimem ou maculem de alguma forma a travessa da obra; não há excesso algum, pelo contrário, a prosa ao mesmo tempo leve, elegante e rica fará uma falta gigante na leitura cotidiana. E por óbvio, aqui sempre houve diversidade em relação aos compositores postados.

    1. Concordo 100% contigo, Otávio. Que trabalho maravilhoso o do Vassily. E que obras são as finais!

      Sobre o comentário do Gargamel… Vassily é muito educado. Demais até.

    2. Oi Otávio, aprendemos muito com as maravilhosas postagens do Vassily, novos intérpretes, raridades, histórias bem humoradas e incrivelmente cultas ! Enfim uma empreitada sensacional a “#BTHVN250” que não vi em nenhum outro blog de música, diga-se de passagem. Vai dar saudades da rotina de toda manhã ter algo legal de Beethoven para ler e ouvir.
      São comentários como o seu que nos motivam a fazer mais e mais, sempre trazendo novidades antigas e novas.

  2. Tem como ter overdose de Diabelli? Acho que não.
    Que maravilha isso.
    Olha, não sei se existe, em nenhum outro lugar da internet, uma coleção tão apurada de gravações de Beethoven. O conhecimento de vocês sobre gravações clássicas é impressionante. Talvez esse tenha sido o projeto mais ambicioso do blog?
    Imagino o trabalhão que vocês estão tendo. E a gente aqui no bem bom, desfrutando.
    Obrigado demais.
    E que o papai Noel traga bons presentes pra vocês, esse ano tiveram realmente um comportamento estupendo (pelo menos no que diz respeito ao blog) 🙂

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