Johann Sebastian Bach (1685-1750): Das wohltemperierte Klavier, livro I – Pierre Hantaï [O Teclado bem Temperado, 300 anos] #WTC300

Das Wohltemperirte Clavier
oder
Præludia, und
Fugen durch alle Tone und Semitonia,
so wohl tertiam majorem oder Ut Re Mi anlan-gend, als auch tertiam minorem oder Re
Mi Fa betreffend. Zum
Nutzen und Gebrauch der Lehrbegierigen
Musicalischen Jugend, als auch derer in diesem stu-
dio schon habil seyenden besonderem
Zeitvertreib auffgesetzet
und verfertiget von
Johann Sebastian Bach.
p.t. Hochfürstlich
Anhalt-Cöthenischen Capel-
Meistern und Di-
rectore derer Camer Mu-
siquen
Anno 1722. 
ooOoo


[“O Teclado bem Temperado, ou Prelúdios e fugas através de todos os tons e semitons, tanto sobre terças maiores ou Dó Ré Mi, quanto sobre terças menores ou Ré Mi Fá. Idealizado e preparado para o benefício e uso da juventude musical ávida por aprender, bem como para o passatempo dos já qualificados neste estudo, por Johann Sebastian Bach, pro tempore Mestre de Capela da Corte Principesca de Anhalt-Cöthen e Diretor de sua Música de Câmara. Ano 1722″]


Em 1722, o príncipe Leopold de Anhalt-Cöthen, patrão de Bach e melômano inveterado, casou-se com uma senhora pouquíssimo afeita às artes, e o Demiurgo da Música, talvez já ouvindo chiar a banha em que seria frito, resolveu buscar novos rumos para si e sua já numerosa prole. Seu próximo emprego, como sabemos,  seria o de Thomaskantor em Leipzig e o último de sua vida, e enquanto iniciava as tratativas para a mudança e lidava com a ocupadíssima rotina de compor e ensaiar música instrumental para o recém-casado empregador, nosso incansável herói achou tempo para trazer a público uma coleção de vinte e quatro prelúdios e fugas, em todas tonalidades maiores e menores, muitos dos quais composições anteriores retrabalhadas, transportas e expandidas, sob o título que todos já conhecemos, e que doravante preferirei, de maneira talvez antipática, provavelmente purista, mas sem dúvidas atenta ao original, chamar de “O Teclado bem Temperado”, ou TbT (e notem que, se daqui por diante eu usarei o termo “publicação”, esta foi tão só no sentido de torná-la pública, pois a obra seria conhecida somente por manuscritos, entusiasticamente copiados e compartilhados tanto por diletantes quanto por mestres, até seu encontro com a prensa, mais de meio século depois).

2022, por sua vez, e entre tantas outras coisas, marca tanto o tricentenário da publicação do primeiro volume d’O TbT quanto meu descalabro em deixar para o apagar das luzes do ano minha postagem alusiva à efeméride. Poderia alegar, como contribuinte cada vez mais bissexto deste blog, a estafa decorrente da devoção à mais sensacional das octogenárias – ou, como todo brasileiro, os paraefeitos do tremendo moedor de carne que se tornou respirar neste covidári…, er, atribulado país. Mas, nah: ninguém ligará para isso, muito menos para mim, e quiçá ninguém mesmo me lerá antes de 2023 – nem eu próprio, elevado que estarei à mesosfera pelo simples fato de despertar num Brasil em que ser boçal, racista e misógino (para deixar por pouco) não será mais política de Estado. Assim, enquanto os deixo na companhia de Pierre Hantaï, esse Midas do cravo que parece saído duma pintura de El Greco e cujo som maravilhoso conjura truques e feitiços de que ninguém mais parecer capaz em seu instrumento, faço-lhes a frouxa, inda que sincera, promessa de inaugurar com essa postagem uma série dedicada ao que de mais melífluo e significativo a discografia d’O TbT trouxe aos embrutecidos ouvidos do homem – e tão genuína quanto será minha alegria por encontrar, vivo, a primeira luz de 2023.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Das wohltemperierte Klavier (O Teclado Bem Temperado), Prelúdios e Fugas sobre todas as tonalidades maiores e menores, Primeiro Livro, BWV 846-869

01-02 – Prelúdio e Fuga em Dó maior, BWV 846
03-04 – Prelúdio e Fuga em Dó menor, BWV 847
05-06 – Prelúdio e Fuga em Dó sustenido maior, BWV 848
07-08 – Prelúdio e Fuga em Dó sustenido menor, BWV 849
09-10 – Prelúdio e Fuga em Ré maior, BWV 850
11-12 – Prelúdio e Fuga em Ré menor, BWV 851
13-14 – Prelúdio e Fuga em Mi bemol maior, BWV 852
15-16 – Prelúdio e Fuga em Mi bemol menor, BWV 853
17-18 – Prelúdio e Fuga em Mi maior, BWV 854
19-20 – Prelúdio e Fuga em Mi menor, BWV 855
21-22 – Prelúdio e Fuga em Fá maior, BWV 856
23-24 – Prelúdio e Fuga em Fá menor, BWV 857
25-26 – Prelúdio e Fuga em Fá sustenido maior, BWV 858
27-28 – Prelúdio e Fuga em Fá sustenido menor, BWV 859
29-30 – Prelúdio e Fuga em Sol maior, BWV 860
31-32 – Prelúdio e Fuga em Sol menor, BWV 861
33-34 – Prelúdio e Fuga em Lá bemol maior, BWV 862
35-36 – Prelúdio e Fuga em Sol sustenido menor, BWV 863
37-38 – Prelúdio e Fuga em Lá maior, BWV 864
39-40 – Prelúdio e Fuga em Lá menor, BWV 865
41-42 – Prelúdio e Fuga em Si bemol maior, BWV 866
43-44 – Prelúdio e Fuga em Si bemol menor, BWV 867
45-46 – Prelúdio e Fuga em Si maior, BWV 868
47-48 – Prelúdio e Fuga em Si menor, BWV 869

Pierre Hantaï, cravo

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Vassily

.: interlúdio :. Ellington – Strayhorn – Tchaikovsky – The Nutcracker Suites

Tentar atender um chavão como postar “O Quebra-Nozes” no Natal ao mesmo tempo que se o subverte marotamente é puro sumo deste blogue, pelo que resolvi trazer-lhes hoje estas gravações. Se certamente há na discografia de “Duke” álbuns mais brilhantes, também há muita beleza e humor nessas transmutações do balé de Tchaikovsky que fizeram tanto e tão tremendo sucesso em sua época quanto foram rapidamente esquecidas entre os jorros da cornucópia criativa de Ellington. Digno de nota é o destaque então inédito dado a seu braço direito: o incansável Billy Strayhorn, compositor de “Take the ‘A’ Train” e de “Chelsea Bridge”, excelente pianista e, sobretudo, arranjador responsável por muito do que de imediatamente reconhecível há no som de “Duke” e sua orquestra. Seu sobrenome aparece, merecidamente, entre os de “Duke” e Pyotr na capa do LP original, da mesma forma que seu nome ganha as mesmas maiúsculas que o dos colegas mais velhos na capa do álbum que lhes apresentamos na sequência, aquele que interrompeu inacreditáveis cinquenta anos até que tivessem a ideia de lançar o “Quebra-Nozes” de Tchai ao lado de sua suingueira recriação pelos talentos do Novo Mundo.


THE NUTCRACKER SUITE (1960)
Ellington – Strayhorn – Tchaikovsky

Música de Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893)
Arranjos de Duke Ellington e Billy Strayhorn

1 – Overture
2 – Toot Toot Tootie Toot (Dance of the Reed-Pipes)
3 – Peanut Brittle Brigade (March)
4 – Sugar Rum Cherry (Dance of the Sugar-Plum Fairy)
5 – Entr’acte
6 – Volga Vouty (Russian Dance)
7 – Chinoiserie (Chinese Dance)
8 – Danse of the Floreadores (Waltz of the Flowers)
9 – Arabesque Cookie (Arabian Dance)

Duke Ellington, piano
Willie Cook, Fats Ford, Ray Nance e Clark Terry, trompetes
Lawrence Brown, Booty Wood e Britt Woodman, trombones
Juan Tizol, trombone valvulado
Jimmy Hamilton, clarinete e sax tenor
Johnny Hodges, sax contralto
Russell Procope, sax contralto e clarinet
Paul Gonsalves, sax tenor
Harry Carney, sax barítono, clarinete e clarone
Aaron Bell, contrabaixo
Sam Woodyard, bateria

Gravado em 26 e 31 de maio e 3, 21 e 22 de junho de 1960 nos estúdios Radio Recorders, Los Angeles, Estados Unidos.

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NUTCRACKER SUITES (2013)
Harmonie Ensemble New York

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Suíte do balé Shchelkuntchik (“O Quebra-Nozes”), Op. 71a
1 – Abertura
2 – Marcha
3 – Dança da Fada Açucarada
4 – Trépak (Dança Russa)
5 – Dança Árabe
6 – Dança Chinesa
7 – Dança das Flautas de Bambu
8 – Valsa das Flores

The Nutcracker Suite
Arranjo de Billy Strayhorn e Duke Ellington para a Suíte do balé “Quebra-Nozes” de Tchaikovsky
9 – Overture 3:19
10 – Toot Toot Tootie Toot (Dance of the Reed Pipes)
11 – Peanut Brittle Brigade (March)
12 – Sugar Rum Cherry (Dance Of The Sugar Plum Fairy)
13 – Entr’acte 1:56
14 – The Volga Vouty (Russian Dance)
15 – Chinoiserie (Chinese Dance)
16 – Dance of the Floreadores (Waltz of the Flowers)
17 – Arabesque Cookie (Arabian Dance)

George Cables, piano
Lew Soloff, Robert Millikan e Steve Bernstein, trompetes
Art Baron, Curtis Fowlkes e Wayne Goodman, trombones
Scott Robinson, clarinete, sax contralto e flauta de bambu
Mark Gross, sax contralto
Bill Easley, clarinete e sax tenor
Bobby Lavell e Lew Tabackin, sax tenor
Ron Janelli, sax barítono e clarone
Hassan Shakur, contrabaixo
Victor Lewis, bateria

Harmonie Ensemble New York
Steven Richman, regência

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Por Thomate (http://thomate.blogspot.com/)

 

Claude Debussy: The Composer as Pianist – Debussy por ele mesmo [com participações especiais de Maurice Ravel e grande elenco] #DEBUSSY160

Ao encerrarmos esse jubileu de Debussy, nada mais natural que o próprio moço dê as caras por aqui para celebrar conosco, mesmo que seja só para apagar as luzes. Claude, afinal, deixou-nos um diminuto, mas historicamente inestimável legado fonográfico, que passaremos a compartilhar sem muitas delongas.

As delongas: além de quatro gravações acústicas de 1904, acompanhando ao piano a soprano escocesa Mary Garden (a primeira Mélisande), e que também encontrarão no disco a seguir, a discografia de Debussy como intérprete também inclui seis rolos registrados em Paris pelo processo Welte-Mignon (WM), com um total de quatorze peças:

WM 2733: Children’s Corner (a suíte completa);
WM 2734: D’un cahier d’esquisses;
WM 2735: La Soirée dans Grenade (de Estampes);
WM 2736: La plus que lente;
WM 2738: Danseuses de Delphes, La Cathédrale engloutie, La Danse de Puck (do primeiro livro de Préludes);
WM 2739: Le Vent dans la plaine, Minstrels (também do primeiro livro de Préludes).

Tais gravações, que datam provavelmente do final de 1912 ou do início de 1913, foram feitas para a firma alemã M. Welte & Söhne de Freiburg. Desde a primeira metade do século XIX, os Welte já se debruçavam sobre a criação e construção de instrumentos musicais automatizados e, na alvorada do século XX, já ofereciam alternativas ao limitado fonógrafo para a gravação e reprodução de música ao piano. Esmiuçar o funcionamento dessas complicadas engenhocas e discutir suas vantagens em relação às relativamente populares – e pouco acuradas – pianolas de então é algo que aumentaria por demais nossas já volumosas delongas, pelo que remeto aqueles entre vós outros que desejem saber mais delas para este vídeo em alemão, sem legendas em outros idiomas, mas suficientemente eloquente em sua dissecção dos aparatos WM.


Um fantasmagórico recital: “La plus que lente”, pelo próprio Debussy, tocada por um piano Steinway-Welte a partir de um dos rolos gravados em 1913.

Tampouco cabem em nossas delongas as muitas reservas que os conhecedores têm para com a capacidade do sistema Welte de registrar e reproduzir fidedignamente algo tão inefável e rico em nuances como uma interpretação ao piano. Fascinado que sou pelo simples privilégio de escutar algo muito parecido, inda que não idêntico, à concepção de um mestre da Música acerca da própria obra, admito minha incapacidade de lhe ter reservas. Por isso, enquanto os convido a evitarem anacronismos e a entenderem essas palavras dentro da devida perspectiva – no caso, os registros distorcidos e cheio de estalidos dos fonógrafos de então -, penso que aqui caiba o depoimento do próprio Claude-Achille, sempre um crítico incansável de si, de tudo e de todos, depois de ouvir a reprodução de seus próprios rolos feitos para a M. Welte & Söhne:

 É impossível alcançar perfeição maior na reprodução [de música] do que com o aparato Welte. O que escutei maravilhou-me, e afirmo-o alegremente nessas poucas linhas”

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)

Dos Prelúdios para piano, livro 1, L. 117:
1 – No. 1: Danseuses de Delphes
2 – No. 10: La cathédrale engloutie
3 – No. 11: La danse de Puck
4 – No. 12: Minstrels
5 – No. 3: Le vent dans la plaine

La plus que lente, valsa para piano, L. 121
6 – Lent (molto rubato con morbidezza)

De Estampes, para piano, L. 100:
7 – No. 2: La soirée dans Grenade

Children’s Corner, suíte para piano, L. 113
8 – Doctor Gradus ad Parnassum
9 – Jimbo’s Lullaby
10 – Serenade for the Doll
11 – The Snow is Dancing
12 – The Little Shepherd
13- Golliwog’s Cake Walk

D’un cahier d’esquisses, para piano, L. 99
14 – Très lent

Claude Debussy, piano Welte-Mignon

Gravado pelo processo Welte para M. Welte & Söhne, entre 1912-1913

De Pelléas et Mélisande, ópera em cinco atos, L. 88:
15 – Mes longs cheveux

Das Ariettes oubliées, ciclo de canções para voz e piano, L. 60:
16 – Green
17 – L’ombre des Arbres
18 – Il pleure dans mon coeur

Mary Garden, soprano
Claude Debussy, piano

Gravação fonográfica de 1904 para a Gramophone & Typewriter Co.

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Ainda dentro das delongas, posso afirmar que há muito mais discussões – e textos, e tratados – acerca da relação pessoal e artística entre Claude Debussy e Maurice Ravel do que cabe nessa paupérrima postagem de moi. Se eles certamente nunca foram amigos, também é óbvio que mantiveram uma admiração artística mútua. Claude-Achille, e isso também é claro, não a demonstrou tão explicitamente quanto Maurice, que considerava Debussy “o gênio mais fenomenal da Música Francesa” e declarou que seu maior desejo seria “morrer delicadamente embalado pelo suave e voluptuoso colo do Prélude à l’après-midi d’un Faune” – o que não o impediu de também afirmar que, se pudesse, reorquestraria La Mer inteirinho!

Embora ambos tenham estudado piano no Conservatório de Paris, seus rumos ao teclado foram muito diferentes: Debussy poderia ter sido concertista se não desleixasse tanto seus estudos, e no final da vida ganhou alguns muito necessários francos editando o dedilhado de composições de Chopin para as Éditions Durand; Ravel, por sua vez, não deu ao instrumento, como intérprete, a mesma atenção que lhe dedicaria como compositor, criando algumas das mais suntuosas peças de seu repertório. Depois de ganhar um primeiro prêmio de piano em seus primeiros anos no Conservatório de Paris, suas pretensões tecladísticas  perderam pujança e, salvo algumas recaídas – como a intenção de estrear ele próprio seu Concerto em Sol, tarefa de que acabou depois incumbindo a Marguerite Long, limitando-se a reger a orquestra em sua estreia -, ele nunca mais as alimentou. Não obstante, os Deutsche Marken da M. Welte & Söhne, ainda atraentes em 1913, no limiar da Grande Guerra, conseguiram convencê-lo a gravar-lhe alguns rolos, que ouvirão a seguir. Completa o disco a única gravação legítima de Ravel como regente, uma realização do Boléro pra lá de esquisita, e que muitos ouvintes já chamaram de incompetente. Ainda que o próprio compositor tenha desdenhado a obra, dando-lhe de ombros no melhor estilo gálico e chamando-a de “dezessete minutos inteiramente de tecido orquestral sem música, apenas um crescendo muito longo e gradual”, surpreende que ele tenha escolhido gravá-la com a orquestra Lamoureux logo depois – algumas fontes afirmam que foi um só dia depois – de Piero Coppola fazer a primeira de todas suas gravações, com a Grand Orchestre Symphonique du Gramophone, na presença do compositor. Quem sempre quis achar um calcanhar de Aquiles na armadura do genial Maurice, bem, terá talvez um prato transbordante na última faixa.

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)

Valses Nobles et Sentimentales, para piano
1 – Modéré, très franc
2 – Assez lent, avec une expression intense
3 – Modéré – Assez animé
4 – Presque lent, dans un sentiment intime
5 – Vif
6 – Moins vif
7 – Epilogue: Lent

Da Sonatine para piano:
8 – Modéré
9 – Mouvement de Menuet

De Miroirs, para piano:
10 – No. 2: Oiseaux tristes
11 – No. 5: La vallée des cloches

Pavane pour une infante défunte, para piano
12 – Assez doux, mais d’une sonorité large

Maurice Ravel, piano
Gravadas em Paris pelo processo Welte-Mignon, 1913 (faixas 1-9), e em Londres pelo processo Duo-Art, 1922 (10-12)

Boléro, para orquestra
13 – Tempo di bolero moderato assai

Orchestre Lamoureux
Maurice Ravel, regência
Gravado em Paris em janeiro de 1930

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Igor Stravinsky, que viveu até a década de 70 e nos pode, por isso, parecer por demais contemporâneo, entra nesse nosso rolê não só por também ter gravado rolos, mas também por ter sido amigo de Debussy, como inequivocamente atestam tanto a dedicatória da terceira peça da suíte En Blanc et Noir (“À mon ami Igor Stravinsky”) quanto a fotografia a seguir, tirada no apartamento de Claude-Achille em 1910:

Nossos agradecimentos ao fotógrafo, Erik Satie (!)

O maniacamente incansável Stravinsky, que tanto cartaz fizera durante a Belle Époque com suas partituras para os Ballets Russes de Diaghilev, tentou durante os anos 20 uma carreira como compositor-virtuose, parindo intrincadas peças para exibir-se, e que, por isso mesmo, relutava em levar à prensa e ao conhecimento de potenciais rivais. Curioso e multiúso que era, interessou-se pelos pianos automáticos a ponto de compor uma peça, incompatível com mãos humanas, especificamente para a pianola, e a gravar algumas de suas composições para concorrentes da M. Welte & Söhne: a parisiense Pleyel (que lançou uma pianola chamada, sem surpresa e criatividade, Pleyela) e a nova-iorquina Aeolian, patenteadora do processo Duo-Art, que viria a se tornar o mais popular de todos. No disco a seguir, ouvem-se as realizações de alguns dos milhares de rolos do imenso acervo do australiano Denis Condon (1933-2012), hoje albergado pela Universidade Stanford, com Stravinsky tocando a duas mãos sua Sonata de 1924 e depois, a quatro (por sobregravação, naturalmente), uma redução de seu Concerto para piano e sopros e outra de seu mais bem-sucedido balé, O Pássaro de Fogo.

Igor Feodorovich STRAVINSKY (1882-1971)

Sonata para piano (1924)
1 – ♩=112
2 – Adagietto
3 – ♩= 112

Do Concerto para piano e sopros (redução para piano a quatro mãos do próprio compositor):
4 – Largo

5 – “O Pássaro de Fogo”, balé completo (redução para piano do próprio compositor)

Igor Stravinsky, piano

Gravado pelo processo Welte-Mignon em 1925

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O catalão Ricard Viñes (1875-1943) foi contemporâneo de Ravel e Alfred Cortot nas classes de piano no Conservatório de Paris e participa de nossa homenagem a Debussy por muito bons motivos. Afinal, intérprete de muito sucesso e grande amigo de Claude-Achille, teve importância fundamental para que muitas de suas composições para o teclado obtivessem a atenção do público parisiense. Assim como Ravel (e, por um breve período, Stravinsky), Viñes foi membro muito ativo do célebre grupo Les Apaches, uma confraria de músicos dedicada à apresentação de novas composições e, sobretudo, à discussão e promoção de novas ideias musicais, e o principal responsável pela interlocução entre o grupo e Debussy, que, mais velho e um tanto blasé, tanto inspirava os Apaches quanto desdenhava os rumos que escolhiam.

Falando em desdém, Viñes – um homem extremamente vaidoso que adorava atenção e chuvas de confetes – nunca se interessou pela solidão dos estúdios e pelo então novo e bastante bizarro afã do processo de gravação. Somente no final da carreira rendeu-se ao dinheiro da HMV/His Master’s Voice e gravou a seleção a seguir, curiosa pelo repertório, que inclui peças de compositores sul-americanos muito pouco conhecidos. O que torna o disco impagável, no entanto, é o depoimento do pianista a Henri Malherbe, por ocasião do vigésimo aniversário do falecimento de Debussy (1938), e que tentei transcrever e traduzir do francês, mantendo seu tom coloquial (as repetidas referências a “Claude Debussy”, por exemplo, estão todas presentes no original):

Como posso falar de Claude Debussy, meu querido Henri Malherbe? Em primeiro lugar, não sou falante e, em segundo lugar, embora viva em Paris desde a minha infância, ainda tenho um leve sotaque espanhol do qual nunca consegui me livrar e, em terceiro lugar, tenho inúmeras lembranças de Claude Debussy, e não sei quais devo escolher dentre todas as que fluem em minha mente. Mas não posso recusar o pedido que você fez, caro amigo, para recordar e honrar a memória daquele glorioso músico cuja morte ocorreu há vinte anos, a quem eu tanto amava e a quem admirava mais do que a qualquer outro. Sou muito orgulhoso e eternamente grato a Claude Debussy por ele ter me escolhido para tocar as primeiras apresentações de quase todas as obras que ele escreveu para piano. Fui por muitos anos seu intérprete oficial, era conhecido como amigo e confidente de Claude Debussy. Ele me pediu para fazer as primeiras apresentações públicas de Prélude, Sarabande et Toccata, Pagodes, Jardins sous la pluie, La soirée dans Grenade, Masques, L’isle joyeuse, Reflets dans l’eau, Hommage à Rameau, Mouvement, Cloche à travers les feuilles, Et la lune descend sur le temple qui fut, Poissons d’or, etc. Esta última peça, Poissons d’or, foi até dedicada a mim. Fiquei ainda mais emocionado com a honra porque Claude Debussy nunca havia dedicado qualquer de suas obras a um pianista.

Uma noite, Debussy e Mme. Debussy me convidaram para jantar. Eu podia ver que ele estava agitado, envergonhado, e gesticulando para sua esposa. Ele era um amigo encantador, mas terrivelmente difícil de se conviver. Esperava uma reprimenda amigável, e aguardava com alguma apreensão o que ia acontecer, mas Debussy sentou-se ao piano e começou a tocar, no seu estilo flexível e aveludado, Poissons d’or. Então ele me contou, rindo-se, que a havia dedicado a mim. Agradeci, tomado de emoção. O único outro pianista a quem ele concedera essa distinção foi Chopin, a cuja memória ele dedicou uma coleção de peças para piano.

Claude Debussy era bastante inspirador, com sua cabeça grande, rosto magnificamente feio, sua testa estranha e saliente à maneira de Verlaine, e seus olhos felinos intimidantes olhando para você de baixo, com seu olhar bastante irônico e ambíguo. Essa imagem romântica lembrava algum condottière, ou se me permite a ousadia de dizer, algum ilustre bandoleiro calabrês.

Havia algo em Debussy – e mais de dois terços de sua obra testemunham isso -, algo mágico, algo extraordinariamente encantador, diáfano dizia-se, que vinha de outro mundo. A arte de Debussy era casada com os poderes da alma, como Stanislas Fumet afirmou sobre o Romantismo. Esse casamento místico dá à música de Claude Debussy seu caráter mais misterioso, essa nota de estranheza poética, que a tornava algo irreal, um antessabor do paraíso, se assim posso dizer, e um potencial de emoção persuasiva.

E não pense que Debussy fosse, de forma alguma, pesado ou austero. Em certos momentos, ele conseguia se divertir como criança.”


 Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)

1 – Sonata em Ré maior, K. 29 (L. 461)

Christoph Willibald GLUCK (1714-1787)
Arranjo para piano de Johannes Brahms (1833-1897)
De Iphigénie en Aulide, Wq. 40
2 – Gavotte

Manuel BLANCAFORT de Roselló (1897-1987)
De El parc d’atraccions:
4 – L’orgue dels cavallets
5 – Polca de l’equilibrista

Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
Das Doce Piezas Características, Op. 92:
5 – No. 12: Torre Bermeja. Serenata.

Joaquín TURINA Pérez (1882-1949)
De Cuentos de España, Historia en siete cuadros, para piano, Op. 20:
6 – No. 3: Miramar (Valencia)
7 – No. 4: Dans les Jardins de Murcia

Claude DEBUSSY
De Estampes, para piano, L. 100:
8 – No. 2: La soirée dans Grenade

De Images, livro II, L. 111:
9 – No. 3: Poissons d’Or

Aleksandr Porfiryevich BORODIN (1833-1887)
10 – Scherzo em Lá bemol maior para piano

Isaac ALBÉNIZ
De Cantos de España, Op. 232:
11 – No. 2: Oriental
12 – No. 5: Seguidillas

Da Suite Española no. 1, Op. 47:
13 – Granada – Serenata

Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)
De El Amor Brujo:
14 – Calmo e Misterioso – El Aparecido
15 – Danza del Terror
16 – El Círculo Mágico (Romance del Pescador)
17 – A Medianoche: Los Sortilegios
18 – Danza Ritual del Fuego

Isaac ALBÉNIZ
De Deux Morceaux Caractéristiques, Op. 164:
19 – No. 2: Tango

20 – Célèbre Sérénade Espagnole, Op. 181

Pedro Humberto ALLENDE (1885-1959)
21-22 – Dos Tonadas De Carácter Popular Chileno

Carlos Félix LÓPEZ BUCHARDO (1881-1948)
23 – Bailecito

Cayetano TROIANI (1873-1942)
De Ritmos argentinos, para piano:
24 – No. 5: Milonga

25 – Ricard Viñes fala de Claude Debussy (1938)

FAIXAS-BÔNUS:

Claude DEBUSSY
De Images, livro I, L. 110:
No. 2: Hommage à Rameau (incompleto, compassos 31-76)

Dos Douze Études para piano, L. 136:
No. 10: Pour les sonorités opposées (incompleto, compassos 31-75)

Ricard Viñes, piano

BÔNUS:

Enrique Granados (1867-1916) foi contemporâneo de Debussy e sua trajetória não tangenciou a do francês, a despeito de alguns anos passados em Paris, onde teve aulas privadas de piano, e do interesse comum pela música espanhola (que para Granados era paixão nativa, e para Debussy, inspiração tão exótica como a do gamelão indonésio que famosamente escutou na Exposição Universal de 1889). Ainda assim, decidi incluí-lo na homenagem a Claude-Achille, não só porque ele tinha um bigode tão frondoso quanto o do seu contemporâneo Viñes, ou por respeito a seu fim tão trágico, vitimado por um naufrágio decorrente dum torpedo alemão no Canal da Mancha. Granados aqui está, sobretudo, porque sua música é excelente, suas gravações são supimpas, e porque no disco a seguir os leitores-ouvintes poderão comparar a mesma composição – uma sonata de Scarlatti – gravada por Pantaléon Enrique tanto pelo processo Welte-Mignon quanto pelo fonógrafo, o que lhes permitirá (ou, pelo menos, assim espero) tirarem suas próprias conclusões acerca da capacidade do WM de registrar acuradamente as intenções do intérprete.

Pantaleón Enrique Joaquín GRANADOS Campiña (1867-1916)

De Goyescas, Los Majos Enamorados, suíte para piano, Op. 11:
1 – No. 1: Los requiebros
2 – No. 2: Coloquio en la reja, duo de amor
3 – No. 3: El fandango de candil
4 – No. 4: Quejas, o La maja y el ruiseñor

Das Doce Danzas españolas para piano, Op. 37:
5 – No. 5: Andaluza
6 – No. 7: Valenciana
7 – No. 10: Melancólica

8 – Ocho Valses Poéticos para piano

Domenico SCARLATTI
Arranjo de Enrique GRANADOS

Sonata para piano no. 9 em Sol menor, DLR VI:1.9 (arranjo da Sonata K. 190/ L. 250 de Scarlatti)

9 – Gravação pelo processo Welte-Mignon
10 – Gravação acústica

Enrique Granados, piano

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Vassily

Hiroshima, ano 77 [Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano no. 1, Op. 15 – Argerich / Dai Fujikura (1977): Concerto para piano no. 4, “Akiko’s Piano” – Hagiwara]

Hiroshima, ano 77 [Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano no. 1, Op. 15 – Argerich / Dai Fujikura (1977): Concerto para piano no. 4, “Akiko’s Piano” – Hagiwara]

O pequeno piano de armário acima, da marca Ellington, foi feito pela Baldwin Piano Company em Cincinatti, nos Estados Unidos. Sua proprietária, uma japonesa de nome Shizuko, emigrou para os Estados Unidos sozinha depois de se formar em uma escola para moças. Isso não era comum no Japão da época, pois a sociedade fortemente patriarcal oferecia poucas oportunidades para que as mulheres pudessem viajar desacompanhadas, quanto mais para um outro país. Shizuko estabeleceu-se na Califórnia e casou-se com Genkichi Kawamoto, um imigrante japonês, em 1922.

Genkichi trabalhava em uma companhia de seguros e tinha o hábito de levar sua esposa, que ele amava muito, em suas viagens pela empresa. O piano foi um presente de Genkichi para ela, e Shizuko logo nele buscou conforto para os longos períodos de solidão e para os desafios de viver numa terra estranha. Em 25 de maio de 1926, algo da solidão dos Kawamoto arrefeceu: nasceu sua primeira filha, no Hospital Japonês de Los Angeles. “Esperamos tanto por ela!”, escreveu Genkichi em seu diário, “Espero que ela seja inteligente. Chamei-a de Akiko”.

O casal Kawamoto haveria de criar a primogênita com muito cuidado, quanto mais num ambiente crescentemente hostil aos japoneses e seus descendentes. Genkichi registrava seu peso e altura a cada poucos dias e anotou todos os sinais de seu crescimento. Em 1929, nasceria seu segundo filho, Nobuhiro. Em 1932, a família retornou ao Japão, que experimentava forte crescimento econômico e, também, vivia sob uma violenta retórica militarista que levara o país, no ano anterior, a invadir a Manchúria e, subsequentemente, a uma expansão imperialista que ocuparia – com muita truculência e a expensas de imenso sofrimento às populações locais – grande parte do Extremo Oriente e do Sudeste Asiático.

Os Kawamoto estabeleceram-se em Hiroshima, onde Akiko começou a frequentar a escola primária. Embora ela tivesse passado seus primeiros anos em um país anglófono, Genkichi e Shizuko fizeram o possível para que sua filha pudesse aprender japonês. Para praticar o idioma, a menina iniciou um diário, que manteria por onze anos e no qual anotaria, entre outras coisas, sua dedicação ao piano Ellington que os pais trouxeram dos Estados Unidos.

Em 1933, a família de Akiko mudou-se para uma casa localizada no Monte Mitaki, a noroeste de Hiroshima. Naquela época, poucas famílias tinham um piano em casa e, porque moravam num lugar remoto, eles pediram ao professor de piano que viesse à casa deles para aulas particulares. Durante a guerra, já nos anos 40, as condições de vida da família pioraram. Os Kawamoto alugaram um cômodo de sua casa para um conhecido, e a falta de espaço e de privacidade tirou-lhes muito da alegria com que celebravam festivais e aniversários. Em 1943, Akiko ingressou no curso de Economia Doméstica da Universidade de Hiroshima, o que a deixou radiante, embora viesse a se aborrecer com o pouco tempo para dedicar-se ao piano: além das exigências acadêmicas, havia aquelas, compulsórias e crescentes, para com os esforços de guerra, que incluíam trabalhar no Hospital do Exército, participar de exercícios antiaéreos e ajudar a cuidar de plantações.


9 de abril de 1944: Papai quer que eu continue meus estudos, mas mamãe, não. Isso me deixa confusa. É trabalho da mulher passar o dia todo preparando comida? Se sim, qual é o propósito da minha vida? Eu não teria tempo para estudar, e isso me deixaria infeliz”


Em 1944, ela começou a se preocupar com a saúde dos pais. Ela passou a tentar comer menos para que seus irmãos pudessem comer mais:


3 de maio de 1944: Minhas medidas do terceiro período: altura 159,1 cm; peso 51,5 kg; busto 73 cm. Estou 0,5 cm mais alta que no ano passado, mas perdi 1,5 kg e meu busto está 3,5 cm menor. Sinto-me mal, mas sou a única a tentar reduzir o arroz”


O trabalho nas plantações consumia todo tempo livre de Akiko, que largou o piano e, também, seu diário, no qual anotou, no final de 1944:


Tenho 19 anos. Sou estudante do segundo ano do Departamento de Economia Doméstica. Um terço ou um quarto da minha vida já passou”


Em 6 de agosto de 1945, o dia tórrido de verão começou como qualquer outra segunda-feira, e a população de Hiroshima, que se deslocava para o trabalho os estudos, pouco se impressionou com as sirenes que anunciaram a chegada de três bombardeiros B-29 sobre aqueles céus sem nuvens. Às 8h15, um clarão como nunca antes fora visto fez-se seguir duma violentíssima explosão, que pulverizou imediatamente vinte mil pessoas, mataria outras quarenta mil nos dias seguintes, e fecharia sua conta macabra em cento e vinte mil mortos nas décadas subsequentes. Akiko estava a poucos quilômetros do hipocentro, trabalhando como estudante mobilizada nos esforços de guerra. Sobreviveu à explosão por estar num prédio que não colapsou, e poucas horas depois começou a voltar a pé para casa. A devastação sem precedentes, que não preservara nem a alicerçagem das construções, deve tê-la impressionado. Como as pontes foram destruídas, ela foi forçada a atravessar o rio a nado. Quando chegou ao sopé do Monte Mitaki e avistou sua casa, sua energia se acabou, e ela não conseguia mais andar.

Shizuko não sabia da situação de Akiko e estava cuidando da casa, que desabou na explosão da bomba atômica. O piano sofrera danos no lado esquerdo e fora cravejado de fragmentos de vidro, mas estava inteiro. Foi quando um vizinho lhe avisou: “Sua filha está ali e não pode se mexer!”. Shizuko então correu para Akiko e a trouxe para casa. A menina parecia ter escapado por pouco da morte, mas logo perdeu a consciência: ela tinha sido exposta a níveis letais da radiação que chovia invisivelmente sobre Hiroshima, enquanto o “cogumelo atômico” gerado pela explosão se dissipava.


Mamãe, eu quero um tomate vermelho…


… implorou Akiko, em suas últimas palavras antes de morrer na manhã seguinte, depois de viver apenas “um terço de sua vida”.

ooOoo

Havia, na época, muitos tomates vermelhos no jardim dos Kawamoto, e, a cada verão depois do de 1945, até o final de seus 103 anos de vida, Shizuko cultivou tomates vermelhos, próximos ao imenso caquizeiro sob o qual sepultou as cinzas de Akiko.

O piano, que perdera aquela que mais o amou, passou grande parte dos sessenta anos seguintes em silêncio.  De vez em quando algumas crianças da vizinhança visitavam Shizuko e o tocavam, mas aos poucos algumas das teclas foram perdendo seu movimento e, por fim, seu som.

Uma menina e um piano, ambos nascidos nos Estados Unidos. Uma perdeu a vida; o outro perdeu o som.

O silêncio do piano Ellington durou até 2005, quando Tomie Futakuchi decidiu restaurá-lo. Ela foi vizinha dos Kawamoto e, quando criança, costumava visitá-los e receber o carinho de Shizuko, que lhe contava histórias sobre Akiko e seu amado amigo musical. Quando a casa da família foi demolida, em 2004, muitas lembranças da jovem, guardadas como tesouros por Shizuko, foram doadas ao Memorial da Paz de Hiroshima. O piano foi legado a Tomie, que, na esperança de que as crianças de Hiroshima pudessem transmitir uma mensagem de paz através do precioso instrumento, chamou o restaurador Hiroshi Sakaibara.

Tomie, Hiroshi e o Ellington, em 2005

O piano foi restaurado com todas as peças originais, e mantido nas condições em que estava imediatamente após o ataque a Hiroshima – incluindo os danos em seu lado esquerdo e os incontáveis pedaços de vidro que nele se incrustaram. Em 6 de agosto de 2005, no sexagésimo aniversário da desgraça, ele foi tocado em público pela primeira vez, e desde então encontra-se em exibição num salão do Parque Memorial da Paz.

A pianista Mami Hagiwara e a Sra. Futakuchi com o piano de Akiko, em seu local de exibição permanente, no Parque Memorial da Paz.

Martha Argerich, nossa Rainha, adora o Japão e não deve ter hesitado sequer um instante para aceitar o convite que a Orquestra Sinfônica de Hiroshima lhe fez para tocar na icônica cidade em 5 de agosto de 2015 – véspera do 70º aniversário do criminoso ataque à sua população. A apresentação da deusa do piano, que incluiu seu tradicional cavalo de batalha – aquele primeiro concerto de Ludwig que ela toca desde sempre -, foi o esperado sucesso, e ela permaneceu na cidade para a sentidas cerimônias do dia seguinte, que culminaram com a tradicional procissão das velas flutuantes que os cidadãos de Hiroshima e os visitantes largam ao sabor da corrente do rio Motoyasu, em memória das vítimas.

A procissão das velas flutuantes passa em frente ao Domo da Bomba Atômica – que abrigava a Exposição Comercial da Prefeitura de Hiroshima e foi o prédio mais próximo do hipocentro a permanecer de pé (foto do autor)

Durante as cerimônias, Martha foi apresentada a Tomie Futakuchi, que lhe contou a história de Akiko e de seu piano, e nossa Rainha, num arroubo de sua impetuosidade tão típica, decidiu fazer uma visita surpresa ao Memorial da Paz no dia seguinte, 7 de agosto, para conhecer e tocar o instrumento.

Martha não sabia disso, mas estava a tocar o piano de Akiko na hora e no dia exatos em que a menina falecera, setenta anos antes.


O encontro entre a estrela mundial do piano e o inestimável instrumento calou fundo no compositor Dai Fujikura, que se pôs imediatamente a compor um concerto, que foi oferecido a Martha e à memória de Akiko. A Rainha ficou muito lisonjeada com a dedicatória e, uma vez mais, aceitou sem titubear um novo convite para tocar em Hiroshima, dessa feita para estrear o concerto de Fujikura com a sinfônica local em agosto de 2020, por ocasião do septuagésimo quinto aniversário da morte de Akiko.

Nas palavras do compositor,


Este concerto muito especial para piano e orquestra, chamado “O Piano de Akiko”, foi escrito e dedicado à Embaixadora da Paz e da Música da Orquestra Sinfônica de Hiroshima, Martha Argerich.
(…)
Embora naturalmente este concerto tenha a ‘música para a paz’ como mensagem principal, eu, como compositor, gosto de concentrar nos pontos de vista pessoais. Sinto que essa visão microscópica, para a partir daí contar sobre assuntos universais, deve ser o caminho a percorrer em minhas composições: a visão de Akiko, uma garota comum de 19 anos que não tinha nenhum poder sobre a política (…) Deve haver histórias semelhantes à dessa garota de 19 anos em todas as guerras da história e em todos os países do mundo. Toda guerra deve ter uma Akiko.
(…)
Neste concerto, faço uso de dois pianos: um é o piano de cauda principal, e outro, o Piano de Akiko, o piano que sobreviveu à bomba atômica, tocado na cadenza do final, ambos pelo solista.

Para expressar um tema tão universal quanto a  ‘música para a paz’, a peça deve retratar o ponto de vista mais pessoal. Acho que esse é o caminho mais poderoso, e só através da Música se pode segui-lo.”


Em agosto de 2020, a pandemia impediu Martha de viajar o Japão. De sua casa na Suíça, ela gravou o vídeo seguinte, em inglês, no qual expressa seus sentimentos acerca da obra que lhe foi dedicada, do honroso convite que lhe foi feito, e de sua desolação por não poder honrá-lo:

O concerto de Fujikura foi, então, estreado na data prevista pela pianista Mami Hagiwara, juntamente com obras de J. S. Bach, Beethoven, Mahler e Penderecki – e a integral de sua première, incluindo a cadenza tocada no piano de Akiko, vocês podem conferir a seguir:

Todos os principais envolvidos na celebração da memória de Akiko Kawamoto – Martha Argerich, Dai Fujikura, Mami Hagiwara e os músicos da Orquestra Sinfônica de Hiroshima – autorizaram generosamente a publicação das gravações dos concertos supracitados em dois álbuns, cuja venda em linha, por período limitado, viu sua renda integralmente revertida para a preservação dos memoriais de Hiroshima e do piano de Akiko. E são essas as gravações, que adquiri na ocasião, que ora compartilho com nossos leitores-ouvintes, no septuagésimo sétimo aniversário do criminoso ataque a Hiroshima, em memória de suas dezenas de milhares de vítimas inocentes.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Dó maior, Op. 15
1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondó: Allegro scherzando

Martha Argerich, piano
Hiroshima Symphony Orchestra
Kazuyoshi Akiyama, regência


BIS:
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Das Fantasiestücke para piano, Op. 12
4 – No. 7: Traumes Wirren

Martha Argerich, piano

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Gravado ao vivo na Hiroshima Bunka Gakuen Hall, Hiroshima, Japão, em 5 de agosto de 2015


Dai FUJIKURA (1977)
1 – Concerto para piano e orquestra no. 4, “Akiko’s Piano” (estreia mundial)

Mami Hagiwara, pianos: Steinway & Sons, Hamburgo; e Baldwin, Cincinatti (cadenza, a partir de 16:45)

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Do Quarteto de cordas no. 13 em Si bemol maior, Op. 130
2 – Cavatina: Adagio molto espressivo (arranjo para orquestra de cordas)

Gustav MAHLER (1860-1911)
Kindertotenlieder, para voz e orquestra (1904)
3 –
Nun will die Sonn’ so hell aufgeh’n
4 –
Nun seh’ ich wohl, warum so dunkle Flammen
5 –
Wenn dein Mutterlein
6 –
Oft denk’ ich, sie sind nur ausgegangen!
7 –
In diesem Wetter!

Mihoko Fujimura, mezzo-soprano

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Orquestração de Hideo Saito (1902-1974)
Da Partita no. 2 em Ré menor para violino solo, BWV 1004
8 – Ciaccona

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FAIXA-BÔNUS (não consta no CD original, e foi extraída da transmissão radiofônica do concerto):

Krzysztof Eugeniusz PENDERECKI (1933-2020)
Do Réquiem Polonês (Polskie Requiem):
1 – Ciaccona

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Hiroshima Symphony Orchestra
Tatsuya Shimono, regência

Gravado ao vivo na Hiroshima Bunka Gakuen Hall, Hiroshima, Japão, em 5 e 6 de agosto de 2020


 

Vassily

¡Larga vida a la Reina! – Carte Blanche [Martha Argerich, 81 anos]


Nossa Rainha completou hoje 81 anos, antes que eu completasse a tarefa de lhe prestar homenagem pelas oitenta primaveras. Vá lá que a intenção original, que era a de tão só trazer um apanhado geral do que de mais significativo ela legou a cada década, expandiu por demais seu escopo e acabou por se tornar um tremendo trampo que desembocará numa discografia completa de Marthinha. E venha lá, também, que não é nem o hábito deste blogue, nem condizente com o tempo de que disponho, promover um imenso derramamento de gravações a cada poucos dias. Ainda assim, e enquanto lhes prometo que As Idades de Marthinha em breve estarão completas, desejo redimir-me junto à homenageada. Para isso, e na falta de qualquer lançamento com gravações inéditas desde seu último aniversário, alcanço-lhes um álbum duplo lançado em 2015, mas gravado naquele que ora nos parece incrivelmente distante 2007, durante o Festival de Verbier, Suíça.

Carte Blanche é o registro duma luxuosa noite de recitais para a qual Martha teve carta branca (e os xerloques de plantão já deduziram o porquê do título) para escolher quem quisesse para com ela tocar. Ao abrir os trabalhos, a Rainha adotou a praxe de rodear-se de músicos bálticos para tocar trios com piano, ainda que, em lugar do violinista habitué, o letão Gidon Kremer, seja o lituano Julian Rachlin que se some à dona da festa e ao outro letão quase compulsório, o violoncelista Mischa Maisky, para uma leitura marcante do trio “Fantasma” de Beethoven. Em seguida, a anfitriã abre uma raríssima exceção à sua moratória de recitais solo (tão rara que eu só a posso atribuir ao cancelamento de última hora de algum convidado) para recriar, com aquele estilo espontâneo, quase improvisatório que lhe é tão peculiar, as Cenas Infantis de Schumann. Quando ela termina, Lang Lang senta-se a seu lado e começam a tocar uma peça improvável para o repertório de ambos, o Rondó a quatro mãos de Schubert. Parece faltar um tanto de entendimento entre eles (quem ouvir Martha e Barenboim tocando a mesma peça concordará), o que talvez não deva surpreender num duo de músicos de tanta verve e impulsividade. Tudo melhora – e demais – na peça seguinte, a Mamãe Gansa de Ravel, em que a verve e impulsividade supracitadas vêm bem a calhar para encerrar de maneira estimulante a obra e seu Jardim Feérico. Não tenho muito a falar de bom do item seguinte, a Arpeggione de Schubert, na qual o brilhante Yuri Bashmet parece padecer, pela imprecisão de sua performance, do mal que muitas vezes aflige os grandes instrumentistas quando se dedicam à regência: se falta de tempo, ou de estudo, ou de ambos, deixo para vocês me dizerem. Na continuação, a irresistível sonata no. 1 de Bártok está ótima, por menos acostumados que estejamos a ouvir o timbre redondinho, caloroso de Renaud Capuçon a serviço dos ferrenhos ataques bartokianos às cordas e à mesmice rítmica. Os trabalhos se encerram com uma estimulante interpretação daquele cavalo de batalha dos recitais de Martha e Nelson Freire, as Variações Paganini de Lutosławski, com a venezuelana Gabriela Montero no lugar de nosso saudoso compatriota. Como bis, à guisa de cafezinho e petit four, Gabriela dá uma palhinha de sua impressionante capacidade de improvisação (confiram no YouTube, que vale a pena!) e faz a batidíssima “Parabéns a você” passar por vários ritmos e roupagens para homenagear a pianista Lily Maisky, filha de Mischa, que estava de aniversário no dia da Carte Blanche – mas é claro que os xerloques também já se deram conta de que eu desejei que, enquanto ouvíssemos Montero, nós todos déssemos os parabéns à Rainha.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Dos Dois trios para piano, violino e violoncelo, Op. 70 – no. 1 em Ré maior, “Fantasma”
1 – Allegro vivace e con brio
2 – Largo assai ed espressivo
3 – Presto

Martha Argerich, piano
Julian Rachlin, violino
Mischa Maisky, violoncelo

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Kinderszenen, para piano, Op. 15
4 – Von fremden Ländern und Menschen
5 – Kuriose Geschichte
6 – Hasche-Mann
7 – Bittendes Kind
8 – Glückes genug
9 – Wichtige Begebenheit
10 – Träumerei
11 – Am Kamin
12 – Ritter vom Steckenpferd
13 – Fast zu ernst
14 – Fürchtenmachen
15 – Kind im Einschlummern
16 – Der Dichter spricht

Martha Argerich, piano

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Rondó em Lá maior para piano a quatro mãos, D. 951, “Grand Rondeau”
17 – Allegretto quasi andantino

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
Ma Mère l’Oye, suíte para piano a quatro mãos, M. 62
18 – Pavane de la Belle au Bois Dormant: Lent
19 – Petit Poucet: Très modéré
20 – Laideronnette, Impératrice des Pagodes: Mouvement de Marche
21 – Les Entretiens de la Belle et de la Bête: Mouvement de Valse très modéré
22 – Le Jardin Féerique: Lent et Grave

Martha Argerich e Lang Lang, piano

Franz SCHUBERT
Sonata para arpeggione e piano em Lá menor, D. 821
(transcrita para viola e piano)
23 – Allegro moderato
24 – Adagio
25 – Allegretto

Yuri Bashmet, viola
Martha Argerich, piano

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Sonata para violino e piano no. 1, Sz. 75
26 – Allegro appassionato
27 – Adagio
28 -Allegro

Renaud Capuçon, violino
Martha Argerich, piano

Witold Roman LUTOSŁAWSKI (1913-1994)
Variações sobre um tema de Paganini, para dois pianos
29 –  Tema – Variações I-XII – Coda

Martha Argerich e Gabriela Montero, pianos

Gabriela MONTERO (1970)
30 – Improvisação sobre “Parabéns a você”

Gabriela Montero, piano

Gravado ao vivo em 27 de julho de 2007, durante o Festival de Verbier, Suíça

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Vassily

Arthur Honegger (1892-1955): Jeanne d’Arc au Bûcher – Marion Cotillard – Marc Soustrot

Há 591 anos, num trinta de maio, uma garota que talvez não tivesse dezenove primaveras foi sorvida por uma fogueira na praça central de Rouen. Queimaram-lhe as carnes e os ossos, mas não a reputação: acusada de heresia após inspirar as tropas francesas em vitórias importantes na Guerra dos Cem Anos, julgada com parcialidade por uma corte eclesiástica francesa submissa aos invasores ingleses, e incinerada por estes, Jeanne de Domrémy, dita Joana d’Arc, seria absolvida post mortem, reabilitada, e elevada a santa, heroína e símbolo de sua França natal.

A história extraordinária de Joana, que foge ao escopo de um blogue e, talvez, duma vida toda a contá-la, inspirou um sem-número de biografias e obras em todas as artes. Afora a obra-prima que encontrarão no apêndice dessa postagem, nenhuma outra me é mais instigante que este oratório de Arthur Honegger, composto para Ida Rubinstein – a mesma bailarina e atriz que encomendou o “Bolero” a Maurice Ravel –  sobre um poema de Paul Claudel, hoje talvez mais famoso como irmão de Camille. Após recusar o convite de Honegger, por acreditar que Joana e suas palavras eram famosas demais para que ele lhe compusesse outras, Claudel mudou de ideia após ter uma visão com duas mãos atadas em cruz e deu seu trabalho por completo ao fim dum só jorro criativo, de pouco mais de duas semanas. A engenhosa estrutura do poema, que conduz a heroína a vários flashbacks a partir da fogueira de seu suplício, permite a Honegger dispor de várias formas e estilos – do cantochão a sugestões jazzísticas – para compor seus painéis, lançando mão de coros e de uma peculiar orquestra com saxofones em lugar de trompas, reforçada de dois pianos e uma célebre parte para ondas Martenot, em vivo contraste com os papeis dos protagonistas, totalmente declamados.

Tive o privilégio de assistir a Jeanne d’Arc au Bûcher ao vivo com a maravilhosa Marion Cotillard, a mesmíssima Joana dessa gravação que lhes alcanço. Preparado que estava para me embevecer com a atriz, que me conquistara irremediavelmente com sua atuação quase mediúnica na cinebiografia de Édith Piaf, acabei por me prostrar tanto ante Cotillard quanto ao impacto emocional da composição. Assim, quando soube dessa gravação da Alpha, eu esperei pelo sublime. Acabei, por fim, um tanto frustrado, não com os atores – pois tanto Marion quanto Xavier Gallais estão soberbos -, mas com alguns cantores, em especial no clímax da obra, quando Joana encontra o martírio e as vozes do firmamento a acolhem, desgraçadamente sem muita afinação. Ainda assim, recomendo-lhes a gravação para celebrar a memória da heroína em seu dia, para que se permitam encantar por Cotillard, e prestigiem a grande arte de Honegger e de Claudel tanto quanto eles, relativamente esquecidos, certamente o merecem.


Arthur HONEGGER (1892-1955)

Jeanne d’Arc au Bûcher, oratório dramático em onze cenas e um prólogo (1935)
Libreto: Paul Claudel (1868-1955)

1 – Prologue
2 -Scène I: Les voix du ciel
3 – Scène II: Le livre
4 – Scène III: Les voix de la terre
5 – Scène IV: Jeanne livrée aux bêtes
6 – Scène V: Jeanne au poteau
7 – Scène VI: Les Rois, ou l’invention du jeu de cartes
8 – Scène VII: Catherine et Marguerite
9 – Scène VIII: Le Roi qui va-t-à Rheims
10 – Scène IX: L’épée de Jeanne
11 – Scène X: Trimazo
12 -Scène XI: Jeanne d’Arc en flammes

Marion Cotillard (Jeanne d’Arc)
Xavier Gallais (Frère Dominique)
Yann Beuron, tenor (Porcus, Héraut I, Le Clerc)
Maria Hinojosa (La Vierge)
Aude Extrémo, mezzo-soprano (Catherine)
Anna Moreno-Lasalle (La mère aux tonneaux)
Eric Martin-Bonnet, baixo (Une Voix, Héraut II, Paysan)
Carles Romero Vidal (Héraut, L’âne, Bedford, Jean de Luxembourg)

Cor Vivaldi – Petits Cantors de Catalunya
Cor Madrigal
Cor de Càmera Lieder
Orquestra Simfònica de Barcelona i Nacional de Catalunya
Marc Soustrot, regência

Gravado ao vivo na Sala Pau Casals – L’Auditori, Barcelona, Catalunha, em 17 de novembro de 2012

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (libreto em francês e inglês)


Bônus: uma rara gravação da versão italiana do oratório, intitulada Giovanna d’Arco al Rogo, numa produção dirigida por Roberto Rossellini e estrelada por sua então esposa, Ingrid Bergman. Ingrid, que era fascinada pela história de Joana e já vivera a heroína no cinema, convenceu Rosselini a levar o oratório de Honegger para os palcos da Itália, sob direção musical do experiente maestro Gianandrea Gavazzeni, onde estreou com sucesso. A encenação foi filmada no Teatro San Carlo de Nápoles e, levada às telas, naufragou nas bilheterias, o que levou ao cancelamento dos planos do casal de apresentar a versão original em palcos franceses. A gravação a seguir, extraído duma gravação em fita e de qualidade medíocre, vale pelo interesse histórico e pela possibilidade de escutar a divina Bergman brilhando em italiano, uma das cinco línguas em que atuava.

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La Passion de Jeanne d’Arc, C.T. Dreyer, 1928 – Lamentate, Arvo Pärt, 2002 from trineor on Vimeo.

Bônus 2: Por fim, como prometera, alcanço-lhes a maior obra-prima já inspirada pela história da heroína. Realizado por Carl Theodor Dreyer (1889-1968) em 1928 e baseado nas transcrições originais de seu julgamento, La Passion de Jeanne d’Arc acompanha os dias finais da vida de Joana. Um dos últimos grandes filmes mudos, rodado já no advento do cinema falado, La Passion deve tudo ao arrojo de Dreyer e a sua protagonista, Renée Falconetti (1892-1946), que nos alcança aquela que é, talvez, a maior atuação já levada à tela.


Vassily

 

In memoriam Radu Lupu (1945-2022)

O som e o mundo perderam Radu Lupu no último dia 17, e novamente vejo-me aqui a tentar homenagear, com minha escrita capenga, alguém que era tremendamente mais do que ela. E, se não podemos dizer que a morte nos privou de um artista que ainda teria o que nos legar – pois o Mestre, que não gravava havia décadas, escolhera deixar os palcos há três anos -, eu reconheço que seu desaparecimento frustrou a nesguinha de esperança que eu ainda tinha de ouvi-lo ao vivo. Quem teve esse privilégio – entre eles, muitos de seus colegas de instrumento, que invariavelmente o idolatravam – conta que ninguém, vivo ou morto, se comparava a Lupu.

 

(Lupu) transcende qualquer questão técnica ou musical e cria uma certa magia que ele evoca na sala de concertos. Ele consegue criar uma atmosfera muito íntima”

(Kirill Gerstein)


[Lupu] tem o dom incomum de iluminar tudo que ele toca com rara inteligência musical”

(András Schiff)


Lupu tem o raro dom de deixar a música falar por si mesma”

(Nikolai Lugansky)

As eulogias que recebeu nos últimos dias não foram menos enfáticas. A minha preferida é


Surreal e sensível”

 

… que chega bem perto de definir o Mestre que, no entanto, era muito inseguro acerca de suas tremendas capacidades. Ao amigo Kirill Gerstein, afirmou que não era realmente um pianista, mas que sabia “tocar frases musicais”. A um produtor, tascou: “você gosta de boa articulação? Ouça Perahia“! À insegurança, que o fazia odiar estúdios de gravação e a perenidade de seus registros, somava-se um perfeccionismo notório, ainda que mais preocupado com a coerência da narrativa musical do que com a perfeição nota a nota: o mesmo produtor que foi mandado ouvir Perahia afirmou, em sua eulogia, que “suas gravações quase sempre foram sensacionalmente bem recebidas, mas tendo ouvido os takes que ele rejeitou, só posso recomendar que, se você encontrar suas gravações ao vivo, é nelas que você ouvirá o autêntico Lupu”.

(o Mestre, infelizmente, não se deixava gravar ao vivo – a não ser que o desobedecessem, como foi no caso dessa gravação do concerto no. 27 de Amadeus que o Pleyel conseguiu, e que FDP Bach publicou ontem, juntamente com, vejam só, um disco do duo Lupu-Perahia)

Um “pianista dos pianistas”? Provavelmente, a julgar pelos tantos nomes célebres que se apinhavam em seu camarim nos raríssimos recitais, e pela frequência com que sua figura hirsuta e brahmsiana, mas também sorridente e bonachona, aparecia nas redes sociais de outros músicos menos afeitos à reclusão, como vemos acima. E também aos completos diletantes, aos tocadoresdepiano como eu, Lupu soava como nenhum outro: era, mais que músico maiúsculo, um consumado poeta do piano. Se não acreditam em mim, hão de se convencer por este punhado de gravações que ora lhes alcanço, que se juntará ao outro punhado que já existia aqui no PQP Bach, e que não estará muito longe de formar a discografia completa desse gênio tão bissexto aos estúdios. A primeira, com os improvisos de Schubert, foi a que me tornou lupumaníaco para sempre: nunca escutei qualquer gravação que se lhe comparasse. A segunda, com a impressionante sonata que Brahms escreveu aos tenros 20 anos, já tinha sido recomendada até pelo patrão, mas ainda não aparecera aqui. Completo meu tributo a mostrar-lhes outros veios do talento do Mestre: seu camerismo nos quintetos para piano e sopros de Mozart e Beethoven; prestando um acompanhamento de luxo para Barbara Hendricks num belo CD com Lieder de Schubert, que faz par com outro que o chefinho já postara aqui; e como concertista, tocando um Primeiro de Brahms cheio de nuances que, como sói acontecer sob seus dedos, soa igual a nenhum outro.

In memoriam Radu Lupu (Galaţi, Romênia, 30/11/1945 – Lausanne, Suíça, 17/4/2022)


Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)

Improvisos para piano, D. 899 (Op. 90)
1 – No. 1 em Dó menor: Allegro molto moderato
2 – No. 2 em Mi bemol maior: Allegro
3 – No. 3 em Sol bemol maior: Andante
4 – No. 4 em Lá bemol maior: Allegretto

Improvisos para piano, D.935 (Op. 142)
5 – No. 1 em Fá menor: Allegro moderato
6 – No. 2 em Lá bemol maior: Allegretto
7 – No. 3 em Si bemol maior: Tema e variações
8 – No. 4 em Fá menor: Allegro scherzando

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Johannes BRAHMS (1833-1897)

Sonata para piano no. 3 em Fá menor, Op. 5
1 – Allegro maestoso
2 – Andante espressivo
3 – Scherzo. Allegro energic
4 – Intermezzo. Andante molto
5 – Allegro moderato ma rubato

6 – Tema e Variações em Ré menor (arranjo do Sexteto para cordas em Si bemol maior, Op. 18)

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Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Quinteto em Mi bemol maior para piano e sopros, K. 452
1 – Largo – Allegro moderato
2 – Larghetto
3 – Rondo: Allegretto

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quinteto em Mi bemol maior para piano e sopros, Op. 16
4 – Grave – Allegro ma non troppo
5 – Andante cantabile
6 – Rondo: Allegro ma non troppo

Han de Vries, oboé
George Pieterson, clarinete
Vicente Zarzo, trompa
Brian Pollard, fagote

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Franz SCHUBERT

De Schwanengesang, D. 957
1 – No. 1: Liebesbotschaft (Rellstab)
2 – No. 2: Ständchen (Rellstab)

3 – Lachen und weinen, D. 777 (Rückert)

De Refrainlieder, D. 866
4 – No. 3: Die Männer sind mechant! (Seidl)

5 – Auf dem Strom, D. 943 (Rellstab)
com Bruno Schneider, trompa

6 – Sehnsucht, D. 879 (Seidl)
7 – An den Mond, D. 193 (Hölty)
8 – Versunken, D. 715 (Goethe)

9 – Der Hirt Auf Dem Felsen, D. 965 (von Chézy/Müller)
com Sabine Meyer, clarinete

10 – Du liebst mich nicht, D. 756  (von Platen-Hallermünde)
11 – Die Liebe hat gelogen, D. 751 (von Platen-Hallermünde)
12 – Die junge Nonne, D. 828 (Jachelutta)
13 – Klaglied, D. 23  (Rochlitz)
14 – Ellen’s Dritter Gesang (Ave Maria), D. 839 (Scott)

De Zwei Szenen aus dem Schauspiel ‘Lacrimas’, D. 857:
15 – No. 1: Delphine (Schütz)

16 – Heidenröslein, D. 257 (Goethe)

Barbara Hendricks, soprano

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Johannes BRAHMS

Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré menor, Op. 15
1 – Maestoso
2 – Adagio
3 – Rondo: Allegro non troppo

London Philharmonic Orchestra
Edo de Waart, regência

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Radu Lupu, piano


Para completar a homenagem, restaurei alguns links com o precioso som de Lupu, que estavam inativos…

Edvard Grieg – Piano Concerto in A minor, op. 16, Robert Schumann – Piano Concerto in A Minor, op. 54 – Radu Lupu, London Symphony Orchestra, André Previn

Cesar Franck – Sonata in A Major for Violin & Piano, Claude Debussy – Sonata for Violin & Piano – Kyung Wha Chung and Radu Lupu

… e lhes recomendo fortemente esta postagem do colega René Denon, com um Schumann para a eternidade:

Schumann (1810-1856): Peças para Piano – Radu Lupu

Radu Lupu por Reinhold Möller, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=117004371

Vassily

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Paixão segundo João – Gardiner

Há um ano, na Sexta-Feira da Paixão de 2021, John Eliot Gardiner adentrava o esplêndido Sheldonian Theatre da Universidade de Oxford para gravar, com a parceria costumeira do Coro Monteverdi e os English Baroque Soloists, sua terceira e mais sensacional leitura da “Paixão segundo João”, de J. S. Bach – esta que lhes apresentamos hoje.

Observado desde os primeiros passos pelo Demiurgo da Música, e imbuído de seu legado desde que se fez seu colega de arte, Gardiner sempre me faz esperar o sublime quando apresenta mais uma realização bachiana. Dessa vez, no entanto, ele resolveu se superar. Nessa gravação ao vivo que lhes apresento, que é o áudio do magnífico filme lançado juntamente ao CD, os solistas e o coro cantam suas partes de cor, e o conjunto nos impinge de maneira poderosa, irresistível mesmo, o drama da Paixão. À perfeição nota por nota, Gardiner prefere provocar e emocionar, e o time de solistas – com destaque para o excelente Evangelista de Nick Pritchard – responde à altura. As árias são lindamente buriladas, e as intervenções da turba, ebulientes. Eu, que não sou religioso, nem tenho o mais impressionável dos corações, me flagrei aos prantos umas quantas vezes ao longo da audição. Antes não os tivesse contido, pois, depois de quase duas horas de pura manipulação emocional, à mercê das magistrais rédeas de Gardiner, o coro final, em sua singeleza e radiante tonalidade maior, fez meus olhos fundirem pela derradeira vez: ao fim de tanto pathos, quase se palpa a esperança que, aos cristãos, irromperá no domingo de Páscoa. Uma “Paixão” para ateus e crentes, e Bach para a Eternidade.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Johannes-Passion (Paixão segundo João), para solistas, coro e orquestra, BWV 245

Parte I
1 – “Herr, unser Herrscher”
2 – “Jesus ging mit seinen Jüngern”
3 – “O große Lieb, o Lieb ohn’ alle Maße”
4 – “Auf daß das Wort erfüllet würde”
5 – “Dein Will gescheh, Herr Gott, zugleich”
6 – “Die Schar aber und der Oberhauptmann”
7 – “Von den Stricken meiner Sünden”
8 – “Simon Petrus aber folgete Jesu nach”
9 – “Ich folge dir gleichfalls”
10 – “Derselbige Jünger war dem Hohenpriester bekannt”
11 – “Wer hat dich so geschlagen”
12 – “Und Hannas sandte ihn gebunden”
13 – “Ach mein Sinn”
14 – “Petrus, der nicht denkt zurück”

Parte II

15 – “Christus, der uns selig macht”
16 – “Da führeten sie Jesum”
17 – “Ach großer König, groß zu allen Zeiten”
18 – “Da sprach Pilatus zu ihm”
19 – “Betrachte, meine Seele”
20 – “Erwäge, wie sein blutgefärbter Rücken”
21 – “Und die Kriegsknechte flochten eine Krone von Dornen”
22 – “Durch dein Gefängnis, Gottes Sohn”
23 – “Die Jüden aber schrieen und sprachen”
24 – “Eilt, ihr angefochtnen Seelen”
25 – “Allda kreuzigten sie ihn”
26 – “In meines Herzens Grunde”
27 – “Die Kriegsknechte aber”
28 – “Er nahm alles wohl in Acht”
29 – “Und von Stund an nahm sie der Jünger zu sich”
30 – “Es ist vollbracht!”
31 – “Und neiget das Haupt und verschied”
32 – “Mein teurer Heiland, lass dich fragen”
33 – “Und siehe da, der Vorhang im Tempel”
34 – “Mein Herz, in dem die ganze Welt”
35 – “Zerfließe, mein Herze, in Fluten der Zähren”
36 – “Die Juden aber”
37 – “O hilf, Christe, Gottes Sohn”
38 – “Darnach bat Pilatum Joseph von Arimathia”
39 – “Ruht wohl, ihr heiligen Gebeine”
40 – “Ach Herr, laß dein lieb Engelein”

Nick Pritchard, tenor (Evangelista)
William Thomas, baixo (Cristo)
Alex Ashworth, barítono (Pilatos)
Julia Doyle, soprano
Alexander Chance, contratenor
Peter Davoren, tenor
Monteverdi Choir
English Baroque Soloists
Sir John Eliot Gardiner, regência

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Cristo de San Juan de la Cruz, por Salvador Dalí (1951)

A quem se interessou pelas gravações anteriores de Gardiner para a Paixão segundo João, ambas excelentes, ei-las, de lambujem:


Gravação de 1986

Anthony Rolfe Johnson, tenor (Evangelista)
Nancy Argenta e Ruth Holton,
sopranos
Michael Chance,
contralto
Neill Archer e Rufus Müller,
tenores
Stephen Varcoe e Cornelius Hauptmann, baixos
The English Baroque Soloists
The Monteverdi Choir
John Eliot Gardiner,
regência

Gravado na All Saints’ Church de  Tooting, Londres, Reino Unido
Selo Archiv Produktion

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Gravação de 2011

Joanne Lunn e Katharine Fuge, sopranos
Bernarda Fink,
contralto
Mark Padmore,
tenor
Hanno Müller-Brachmann e Peter Harvey,
baixos
The Monteverdi Choir
The English Baroque Soloists
John Eliot Gardiner,
regência

Gravado na Kaiserdom de Königslutter, Alemanha
Selo Soli Deo Gloria

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Caso tanto Gardiner ainda não lhes baste, recomendo essa (por óbvio) belíssima récita da Paixão durante o Festival Proms, no Royal Albert Hall de Londres, em 2008.

 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

In memoriam Ammiratore (1970-2021) – Gabriel Fauré (1845-1924): Requiem

In memoriam Ammiratore (1970-2021) – Gabriel Fauré (1845-1924): Requiem

Hoje, quando lembramos que faz um ano que o Ammiratore nos deixou, vítima de uma Covid-19 que já era uma doença prevenível em nações não negacionistas e da necropolítica que matou outros 661.000 brasileiros, nada tenho de muito inteligente para lhes dizer, pois nada há que possa aplacar a tristeza e a revolta com a perda de nosso querido amigo e o morticínio promovido por tão dolosas negligências.

Por isso, hei de lhes oferecer música.

Pensei, primeiramente, em alcançar-lhes alguma gravação do portentoso Requiem de Giuseppe Verdi, até me dar conta de que suas tonitruâncias apocalípticas ornam melhor com meu ódio a todos perpetradores desse hediondo crime sanitário contra os brasileiros do que com a índole de nosso pacato Ammiratore. Ele amava Verdi, sim, e certamente haveria de nos proporcionar uma entusiasmada aula sobre o Requiem dentro de seu projeto de aqui publicar a obra completa do mestre de Roncole. Por isso mesmo – em respeito a nosso amigo, à sua devoção ao Progetto Verdi, e ao colega Alex DeLarge, que tanta dedicação enciclopédica tem empenhado em sua continuidade – resolvi deixar que o Requiem de Giuseppe aqui apareça no devido momento, provavelmente entre AidaOtello, dessa longa travessia.

Em lugar da tonitruância, oferecer-lhes-ei uma obra muito mais afeita à suavidade do homenageado: o Requiem que Gabriel Fauré escreveu entre 1887 e 1890 e revisou algumas vezes. Nessa obra-prima, a sequência Dies Irae, que costuma proporcionar aos compositores os melhores pretextos para derramar magma nos ouvintes, é substituída pela mui branda Pie Jesu, e o sublime In Paradisum que a encerra atesta quão bem-sucedido foi o compositor em suas intenções, aqui expressas em suas próprias palavras:


Tudo o que consegui acalentar por meio de ilusão religiosa coloquei no meu Réquiem, que, além disso, é dominado do começo ao fim pelo sentimento muito humano de fé no descanso eterno.”


E nada mais lhes contarei, além das saudades que tenho de meu amigo, e da vontade de que, em seu eterno descanso, haja muita música.


Gabriel Urbain FAURÉ (1845-1924)

Requiem em Ré menor, para solistas, coro e orquestra, Op. 48
Versão original, publicada em 1893

1 – Introït
2 – Kyrie
3 – Offertoire
4 – Sanctus
5 – Pie Jesu
6 – Agnus Dei
7 – Libera Me
8 – In Paradisum

9 – Cantique de Jean Racine, Op. 11

Sandrine Piau, soprano
Stéphane Degout, barítono
Maîtrise de Paris
Membros da Orchestre National de France
Luc Héry,
violino solo
Christophe Henry, órgão
Laurence Equilbey, regência

OUÇA NO TIDAL – LISTEN ON TIDAL

Boldog születésnapot! – Béla Bartók, 141 anos [Bartók – Obra completa para violino – André Gertler]

Incrível que já se tenha passado um ano desde que, antes da gafe de deixar o patrão PQP tocar sozinho a série de postagens com a obra completa de Béla Bartók, assumi o papel de mestre de cerimônias no 140º natalício do grande homem e mostrei-lhes algumas de suas muitas façanhas como compositor, pianista, pedagogo e colecionador.

Pois hoje, enquanto colocamos mais uma velinha no bolo do mestre, voltarei àquele que é, talvez, o mais suculento gomo de sua obra. Entre todas suas composição, são as peças para violino – solo, em duo, com piano e acompanhadas por orquestra – que me parecem mais dependentes do “sotaque húngaro”, aquela tecla em que batemos obsessivamente ao longo da série de postagens do ano passado. Claro que há exceções, mas é muito difícil que elas – com seus modos, ataques e efeitos tão calcados no folclore da “Grande Hungria”, estudados à minúcia pelo compositor –  sejam executadas a contento por intérpretes não magiares.

Endre Gertler (1907-1998), natural de Budapest, tinha, além de todo esse sotacão, uma tremenda familiaridade com essas obras, advinda da familiaridade com seu próprio autor: ele colaborou com Bartók em recitais ao longo dos anos 20 e 30 e foi, juntamente com József Szigeti, seu consultor para assuntos de técnica violinística. Mesmo depois de se radicar na Bélgica, tornar-se professor do Real Conservatório de Bruxelas e adotar o prenome “André”, o sotaque não se perdeu. Gertler já beliscava os sessenta anos quando foi à Tchecoslováquia, acompanhado dum regente patrício (János Ferencsik) e da esposa, a pianista dinamarquesa Diane Andersen, registrar a integral de Bartók para violino solista, ao lado de orquestras e solistas tchecos. O resultado foi essa gravação emblemática que ora lhes apresento e que, para mim, ainda é a referência nesse repertório, mais de cinquenta anos depois de ser dada ao mundo. O ótimo selo Supraphon é notório pelo cuidado de seus engenheiros de som, e a remasterização para a edição em CD fez jus ao material original. Se tiverem que escolher apenas um disco, sugiro-lhes o segundo: além duma eletrizante leitura da sonata para violino solo, vocês encontrarão minha interpretação predileta dos quarenta e quatro duos, em que o excelente Josef Suk – neto do compositor homônimo e bisneto de Antonín Dvořák – parece trocar de pedigree para tagarelar em magiar com o violino de Gertler.

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)

A Obra Completa para Violino
André Gertler, violino
Gravações realizadas em 1966


Disco 1

01 – Rapsódia no. 1 para violino e orquestra, Sz. 87
02 – Rapsódia no. 2 para violino e orquestra, Sz. 90

Com a Filharmonie Brno (Orquestra Filarmônica de Brno)
János Ferencsik, regência

Concerto para violino e orquestra no. 2, Sz. 112
03 – Allegro non troppo
04 – Andante tranquillo – Lento – Allegro scherzando – Comodo – Tempo I
05 – Allegro molto

Com a Česká Filharmonie (Orquestra Filarmônica Tcheca)
Karel Ančerl, regência


Disco 2

Quarenta e quatro duos para dois violinos, Sz. 98

1 – Livro I: Párosíto – Kalamajkó – Menuetto – Szentivánéji – Tót nóta – Magyar nóta – Oláh nóta – Tót nóta –  Játék – Rutén nóta – Gyermekrengetéskor – Szénagyűjtéskor – Lakodalmas – Párnás tánc
2 – Livro II: Katonanóta – Burleszk – Menetelő nóta 1 – Menetelő nóta 2 – Mese – Dal – Újévköszöntő –  Szunyogtánc – Mennyasszonybúcsútató – Tréfás nóta – Magyar nóta
3 – Livro III: “Ugyan édes komámasszony…” – Sánta-tánc – Bánkódás – Újévköszöntő – Újévköszöntő – [3] Újévköszöntő –  Máramarosi tánc – Ara táskor – Számláló nóta – Rutén kolomejka – Szól a duda – A 36 Sz. Változata
4 – Livro IV: Preludium és kanon – Forgatós – Szerb tánc – Oláh tánc – Scherzo – Arab dal – Pizzicato “Erdélyi” tánc

Com Josef Suk, violino

Sonata para violino solo, Sz. 117
5 – Tempo di ciaccona
6 – Fuga. Risoluto, non troppo vivo
7 – Melodia. Adagio
8 – Presto


Disco 3

Sonata no. 1 para violino e piano, Sz. 75
1 – Allegro appassionato
2 – Adagio
3 – Allegro

Sonata no. 2 para violino e piano, Sz. 76

4 – Molto moderato (attacca)
5 – Allegretto

Com Diane Andersen, piano

Contrasts, para clarinete, violino e piano, Sz. 111

6 – Verbunkos
7 – Pihenő
8 – Sebes

Com Milan Etlík, clarinete e Diane Andersen, piano


Disco 4

Concerto no. 1 para violino e orquestra, Sz. 36
1 – Andante sostenuto – attacca:
2 – Allegro giocoso

Com a Filharmonie Brno (Orquestra Filarmônica de Brno)
János Ferencsik, regência

Sonata em Mi menor para violino e piano, Op. póstumo
3 – Allegro moderato (molto rubato)
4 – Andante
5 – Vivace

Sonatina para violino e piano sobre temas folclóricos da Transilvânia
(arranjo de André Gertler para a Sonatina para piano, Sz. 55)
6 – Allegretto – attacca:
7 – Moderato – attacca:
8 – Finale. Allegro vivace

9 – Canções folclóricas húngaras para violino e piano, Sz. 42

Com Diane Andersen, piano

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BÔNUS: toda festa de aniversário que se preza tem sua dose de constrangimento ao aniversariante, então não poderíamos deixar de servir-lhe uma bela torta de climão. Quem sairá de dentro dela será sua antiga paixão de juventude, a violinista Stefi Geyer, que inspirou seu primeiro concerto para violino, prontamente engavetado por cinquenta anos depois que ela deu o fora em Béla, e publicado só treze anos depois da morte do compositor. Para piorar o constrangimento, Stefi sairá da torta a tocar o concerto para violino – também dedicado a ela – composto por Othmar Schoeck, que era ninguém menos que o rival de Bartók no embate pelo coraçãozinho da moça. Se me acham perverso por isso, tsc, eu lhes peço que escondam suas venenosas línguas: Geyer é ótima violinista, e melhor ainda é Dennis Brain, o genial trompista que executa o idiomático concerto que completa o disco.

Othmar SCHOECK (1886-1957)

Concerto para violino e orquestra “quasi una fantasia” em Si bemol menor, Op. 21
1 – Allegretto
2 – Grave, non troppo lento
3 – Allegro con spirito

Stefi Geyer, violino
Tonhalle Orchester Zurich
Volkmar Andreae, regência

Concerto para trompa e orquestra, Op. 65
4 – Lebhaft, energisch bewegt
5 – Ruhig fliessend
6 – Rondo

Dennis Brain, trompa
Collegium Musicum Zurich
Paul Sacher, regência

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VASSILYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY!!!

 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

O Retrato de Haussmann, ou Johann & John [J. S. Bach, 337 anos]

O Retrato de Haussmann, ou Johann & John [J. S. Bach, 337 anos]

O turíngio Elias Gottlob Haußmann (1695-1774) aprendeu, como era a praxe em sua época, o ofício de seu pai, pintor da corte de Hesse, e serviu ele próprio as cortes do Eleitor da Saxônia e de Dresden antes de se tornar o retratista oficial de Leipzig. Nos quase quarenta anos em que exerceu essa função, Haußmann levou para as telas praticamente todos os figurões e figurinhas da cidade saxã, imortalizando-os em poses idealizadas que, frequentemente, aludiam a seu poder ou ofício na cidade.

Poupá-los-ei, portanto, de spoilers sobre a função do trompetudo Gottfried Reiche

A despeito de todo trabalho que lhe passou pelo ateliê, pode-se supor que o nome de Haußmann estaria hoje na mesma vala do oblívio em que jazem quase todos seus retratados, não fosse pelo mais célebre deles. Era um músico prolífico (tanto em obra quanto em rebentos) e tão próspero em seu ofício que assumira o prestigioso cargo de Kantor na Igreja de São Tomás – cujas responsabilidades envolviam todas as outras igrejas da cidade e diversas funções do fazer musical, e equivalia, portanto, ao de Diretor Geral de Música em Leipzig.

O laborioso cidadão, pai de vinte e um filhos (os vinte que a História lhes conta, mais o patrãozinho) e ocupadíssimo pela maior parte de seus sessenta e um anos, decidira adicionar inda outra camada de atividades à sua já abarrotada vida. Assim, e por desejar ocupar uma rara vaga na (tentem dizer num só fôlego) Correspondierende Societät der musicalischen Wissenschaften (“Sociedade Correspondente das Ciências Musicais”), fundada por Lorenz Michler, o dito-cujo resolveu cumprir os dois pré-requisitos para a admissão: submeter-lhes uma composição de bom fundamento (no caso, as Variações Canônicas sobre Vom Himmel hoch da komm’ ich her) e arranjar um retrato digno de um figurão daquela exclusiva sociedade, que tinha Händel e Telemann entre seu punhado de membros.

O nome do cidadão, bem, eu não o direi, pois vocês já o adivinharam.

Ecce homo

Não sabemos se o respeitado Thomaskantor, que morreria poucos anos depois em consequência duma cirurgia realizada pelo mesmo charlatão que cegaria Händel, imaginava que aquele seria seu único retrato indubitavelmente legítimo a chegar ao século XXI.  O fato é que, ao posar para Haußmann e para a eternidade, ele – que foi o maior tecladista de seu tempo, e um organista cuja fama extrapolou os vastos limites do então Sacro Império Romano-Germânico – não quis ser retratado ao lado de qualquer um de seus muitos instrumentos. Preferiu, em vez disso, ostentar em sua mão direita o símbolo de seu outro ofício: um breve cânone enigmático a demonstrar sua maestria como compositor (ouça-o aqui), a mesma que haveria de imortalizá-lo, através do mais impressionante conjunto de obras de toda a Música.

Ainda que não se saibam muito bem os motivos, há duas versões autênticas do célebre “retrato de Haußmann”. Talvez o retratado quisesse deixar um dos quadros em exibição pública – quem sabe junto à Sociedade supracitada – e guardar o outro consigo, quiçá a salvo das traquinagens da prole. O fato é que, embora devessem ser idênticos, eles sofreram de maneira muito diferente com a passagem do tempo.

O primeiro, datado de 1746, nunca deixou a Alemanha e passou por restaurações que, embora bem intencionadas e ainda que não desfigurassem por completo o retratado (e sim, estamos pensando no mesmo péssimo exemplo), chegou aos nossos dias sem impressionar: é opaco, neutro, e passa despercebido por aqueles que o visitam onde está há muitos anos, na Altes Rathaus de Leipzig.

Já o segundo, que foi o que lhes mostramos acima, tem a data de 1748 e está vívido como se suas tintas ainda estivessem a secar. Ele é, para todos os efeitos, O “retrato de Haußmann”. Nele, o Thomaskantor encara a posteridade com a sisudez esperada de alguém com o cargo da espessura do seu, enquanto suas bochechas rosadas, o queixo duplo e os dedos roliços  atestam o bom garfo e o copo fundo com que sorvia aquela estabilidade de finanças que nunca antes tivera em sua vida. Mais ainda: uma vez que se lhe percebe o discreto sorriso, ele nunca mais deixa de sorrir.

O espantoso estado de conservação desse retrato não dá ideia de seu rocambolesco itinerário continentes afora. Após a morte do retratado, em 1750, há razoável consenso de que a pintura ficou com seu filho mais célebre, Carl Philipp Emanuel. O que se fez dele entre a morte do Bach mais moço e seu reaparecimento, já no século XIX, nas mãos da família Jenke de Breslávia (hoje Wrocław, Polônia), ninguém o sabe ao certo. O que sabemos é que, em 1936, o Jenke da vez, chamado Walter, percebeu que algo de muito errado estava a acontecer na Europa e, judeu que era, temeu que os nazistas lhe confiscassem o inestimável retrato. Assim, em 1938, ele o deixou aos cuidados de amigos na Inglaterra, que tinham uma propriedade rural no pacato condado de Dorset, onde a obra ficaria até que pudesse reavê-la com segurança. Jenke, infelizmente, acertou suas previsões: a guerra incendiaria boa parte do mundo, e ele próprio seria prisioneiro na ilha de Man (um destino menos pior, certamente, do que experimentaria na Europa Central). Enquanto isso, a partir da sala de estar dos Gardiners, o retrato de Haußmann contemplava impavidamente a rotina da família e, com especial rigor, o caçula da casa, um menino que deu seus primeiros passos sob os olhos severos daquele futuro colega de arte, o Thomaskantor falecido quase dois séculos antes.

O nome do menino?

John Eliot.

Tóin! (Maciej Schumacher ,CC BY-SA 4.0)

ooOoo

Talvez eu tenha sido o último bípede a saber dessa história improvável, e é bem possível que vocês estejam todos a rir de mim por conta disso. Não me importo: descobrir que o único retrato autêntico de Johann Sebastian Bach esteve, e por vias tão convolutas, tão intimamente próximo da infância de seu maior intérprete vivo fez-me (e ainda faz!) olhar para os lados a procurar a câmera escondida e sacudir os miolos com incredulidade. Nem o próprio Gardiner acredita em coincidência: chama tudo de serendipidade e reconhece, entre sorrisos, que o olhar de Sebastião Ribeiro não lhe foi, nos primeiros anos, nem um pouco estimulante. Foi-lhe difícil, reconhece, conciliar a ideia de que tanta beleza, e tanta grande música fosse cria de alguém de olhar tão severo. Com o passar dos anos, no entanto, o jovem John conseguiu enxergar naquelas bochechas rosadas, no queixo duplo e nos dedos roliços os sinais bonachões de quem, afinal, deixara para a posteridade um legado artístico sem qualquer paralelo. Mais que isso: ao desenvolver sua brilhante carreira musical, Gardiner soube retribuir ao Demiurgo da Música toda sua generosidade, tornando-se presidente do Arquivo Bach de Leipzig e, nessa condição, contribuindo decisivamente para que o retrato de Haußmann, que passou quase sessenta anos numa coleção particular nos Estados Unidos, voltasse para seu lar em Leipzig, mais de dois séculos e meio depois de deixá-lo.

Se essa história inacreditável não lhes fez vibrar qualquer corda, tenho certeza de que a grande música do aniversariante (que tem dois aniversários, o primeiro dos quais é hoje) o fará.

Dedicado a J. S. Bach, maior gênio criador que já respirou nessa atmosfera, no seu tricentésimo trigésimo sétimo aniversário.

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Johann Sebastian BACH (1685-1750)

1 – Lobet den Herrn, alle Heiden, BWV 230
2 – Komm, Jesu, komm, BWV 229
3 – Der Geist hilft unser Schwachheit auf, BWV 226

Jesu, Meine Freude, BWV 227
4 – Jesu, meine Freude
5 – Es ist nun nichts Verdammliches
6 – Unter deinem Schirmen
7 – Denn das Gesetz des Geistes
8 – Trotz dem Alten Drachen
9 – Ihr aber seid nicht Fleischlich
10 – Weg mit allen Schätzen!
11 – So aber Christus in euch ist
12 – Gute Nacht, O Wesen
13 – So nun der Geist
14 – Weicht, ihr Trauergeister

15 – Fürchte dich Nicht, ich bin bei Dir, BWV 228

Singet dem Herrn ein neues Lied, BWV 225
16 – Singet dem Herrn ein neues Lied
17 – Wie sich ein Vater erbarmet
18 – Lobet den Herrn in seinen Taten

19 – Ich lasse dich, du segnest mich denn, BWV Anh. 159

Olaf Reimers, violoncelo
Valerie Botwright, contrabaixo
György Farkas, fagote
James Johnstone, órgão
The Monteverdi Choir
John Eliot Gardiner, regência

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Si bemol – Lá – Dó – Si = B – A – C – H
PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

Valentyn Vasylyovych Silvestrov (1937): Sacred Songs


Enquanto lhes escrevo isso, o grande compositor ucraniano Valentyn Silvestrov, em sua avançada idade, deve lamentar ter vivido para testemunhar outra invasão a seu país.  E, enquanto Silvestrov pranteia, seus compatriotas – incluindo muitos amigos meus e, provavelmente, os cantores e o regente dessa gravação – novamente protegem-se em abrigos ou escapam, com a roupa do corpo, da fúria de um sanguinário invasor.

Não é hora de escrever.

É hora de se informar, de se posicionar, de agir, de cobrar posições.

Afinal, ante qualquer agressão, a hesitação e a dita neutralidade só servem um dos lados – que vocês bem sabem qual é.

O gigante Evgeny Kissin também sabe

Se puder, faça uma doação às seguintes instituições, que seguramente saberão levar ao povo ucraniano o apoio que você lhe quiser alcançar:

Cruz Vermelha Ucraniana, que atua numa vasta gama de serviços humanitários, de apoio a refugiados ao treinamento de pessoal de saúde para atuação nas áreas de conflito. Doe aqui.

Revived Soldiers Ukraine, que banca medicamentos e suprimentos médicos para hospitais de campanha na linha do front. Doe aqui.

Nova Ukraine, uma ONG que auxilia a população civil com itens essenciais, de alimentos infantis a produtos de higiene, passando por roupas e utensílios domésticos. Doe aqui.

Sunflower for Peace, que disponibiliza mochilas de primeiros socorros a médicos e paramédicos no front. Doe aqui.

Voices of Children, que ajuda crianças a se recuperarem dos traumas psicológicos da guerra. Mais informações aqui.

Save the Children, de destacada atuação na proteção às crianças nas áreas mais pobres da Ucrânia, nas áreas atingidas pelo conflito na região de Donbass e, agora, em todas as áreas atingidas pela invasão russa. Doe aqui.

United Help Ukraine, que distribui alimentos e suprimentos de saúde a deslocados internos na Ucrânia. Doe aqui.

Médicos sem Fronteiras, cuja base na Ucrânia provê tratamento para endemias locais e, agora, no apoio às vítimas da invasão russa. Mais informações aqui.

Dedicado a meus amigos ucranianos, a seus compatriotas, e aos russos que não apoiam a barbárie.

SLAVA UKRAINI!


Valentyn Vasylyovych SILVESTROV (1937)

SACRED SONGS

Songs for Vespers
1 – Come, Let Us Worship
2 – World of Peace
3 – Holy God
4 – O Virgin Mother Of God
5 – Today You Release (Your Servant)
6 – Many Years (Vivat)
7 – Silent Night

Psalms and Prayers
8 – Praise God All Ye Nations (Psalm 116)
9 – Lord, My Heart Swells Not With Pride (Psalm 130)
10 – Lord Jesus Christ
11 – Blessed Is He (Psalm 1)
12 – O King Of Heaven
13 – With The Saints Grant Eternal Peace
14 – Our Father

Two Psalms Of David
15 – You, O Lord, I Call (Psalm 27)
16 – The Lord Is My Shepher (Psalm 22)

Two Spiritual Refrains
17 – Do Not Forsake Me
18 – Alleluia

Two Spiritual Songs
19 – Cherubic Hymn
20 – Many Years (Vivat)

Three Spiritual Songs
21  – Cherubic Hymn
22 – Many Years (Vivat)
23 – Alleluia

Coro de Câmara de Kyiv
Mykola Hobdych, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Campo de colza no oblast de Odessa, Ucrânia, 2013 (foto do autor)

Vassily

Jascha Heifetz – It Ain’t Necessarily So: Legendary Classic & Jazz Studio Takes

 

O inesquecível Jascha Heifetz, que completaria hoje 121 anos, adorava jazz. Sua mansão em Beverly Hills recebia músicos de várias vertentes, que frequentemente mergulhavam em jam sessions, e os estudantes para os quais organizava animadas festas em Malibu testemunhavam o mestre improvisar, tanto ao violino quanto ao piano, sobre as canções populares que amava.

Descobrir que o jazz era o xodó de Heifetz me surpreendeu. Afinal, tiete incondicional do gigante desde que o conheci, acostumara-me com seu semblante estoico nas capas de discos, que nada mudava nos tantos filmes em que, para meu assombro, eu o via enfrentar e vencer, impávido, os trechos mais medonhos da literatura violinística. Foi só ao ler suas biografias e, principalmente, assistir aos documentários e aos preciosos registros de suas masterclasses que conheci seu senso de humor, seu rigor cordial para com os alunos e, não menos importante, constatei que ele era um músico extraordinário o bastante para convencer como mau músico, imitando à perfeição um jovem estudante em pânico durante uma prova:

Jascha também foi um contumaz viajante, legando-nos inúmeros mementos que são verdadeiras pérolas do humor involuntário, como essa sua foto duma visita ao México, em que seu tradicional olhar blasé parece nada impressionado com a indumentária local…


… e também um homem corajoso e cidadão muito grato ao país que o acolheu, percorrendo o front europeu a tocar voluntariamente para as tropas aliadas, além de arrecadar, com concertos beneficentes, vultosos valores para os esforços de guerra.

Perenemente acusado por um ou outro crítico de ser um tecnicista frio, indiferente às intenções do compositor, Heifetz é uma deidade de devoção unânime entre seus colegas: dir-se-ia um “violinista dos violinistas”. Ainda assim, mesmo que todos sonhem em tocar como ele, nem tantos acham que devam. Jascha cresceu imbuído das tradições da Velha Escola russa no Conservatório de São Petersburgo, onde foi discípulo de Leopold Auer – aquele mesmo com quem Tchaikovsky se estranhou por conta de seu concerto para violino. Seria inevitável, pois, que seu estilo, moldado por gente do século XIX, pareça-nos um tanto antiquado, a despeito da tanta beleza que tange. Além disso, suas gravações das peças fundamentais do repertório concertístico, normalmente despachadas em velocidade lúbrica, são referências incontestes que poucos violinistas de hoje tentariam imitar: mesmo o próprio ídolo de Heifetz, Fritz Kreisler, após escutar o prodígio de onze anos de idade, afirmou que todos os violinistas presentes no recinto poderiam quebrar seus instrumentos nos joelhos.

Aqui, Kreisler (à direita) relaxa num lago com Heifetz (à esquerda), que se apoia num trapiche feito, provavelmente, da madeira de violinos quebrados.

Em minha desimportante opinião, será através das pequenas peças que a grandeza de Heifetz rebrilhará aos ouvidos dos séculos vindouros. Esta compilação que ora lhes apresento, com algumas dúzias delas, inclui vários de seus números de bis mais famosos, algumas canções folclóricas e várias composições de George Gershwin, que Jascha muito admirava.  Os arranjos, como verão, são quase todos de sua própria lavra e, se privilegiam o timbre inconfundível do mestre e a elegância de seu fraseado, também lhe dão amplas oportunidades para demonstrar seu deleite em tocar, como mais célebre rebento da Velha Escola russa, a música do Novo Mundo em que escolheu viver.


Uma atração em especial para nós, brasileiros, é escutar “Ao Pé da Fogueira”, um dos prelúdios do genial Flausino Valle, aqui abordado por Heifetz numa masterclass.

A grande surpresa, talvez, esteja na última faixa do álbum. Depois de alguns açucarados bombons em que acompanha o cantor Bing Crosby, Heifetz dá-nos a rara oportunidade de escutá-lo ao piano (!), instrumento em que era, por todos os relatos, muito proficiente. Ele toca “When You Make Love to Me (Don’t Make Believe)”, uma canção que fez sucesso na voz do próprio Crosby, frequentemente pareada com outra, “So Much in Love“. Ainda mais surpreendente é que o autor de ambas, um certo Jim Hoyl, só existia na capa das partituras, pois era tão só o pseudônimo que o próprio Jascha Heifetz (“J.H.”, captaram?) usava para publicar canções populares.

“Um brinde a Jim Hoyl!”

Que a imagem sisuda que dele tiverem liquide-se para sempre, e que a inigualável musicalidade do aniversariante consiga entretê-los tanto quanto espero.

Grato por tanto, Mestre!

In memoriam Iosif Ruvimovich Kheyfets, dito Jascha Heifetz (Vilnius, 2.2.1901 – Los Angeles, 10.12.1987)



Jascha Heifetz – It Ain’t Necessarily So: Legendary Classic & Jazz Studio Takes

DISCO 1

Samuel GARDNER (1891-1984)

1 – From The Canebrake, Op. 5 no. 1

Arthur Leslie BENJAMIN (1893-1960)
2 – Jamaican Rumba (arranjo de William Primrose)

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
3 – Beau Soir (arranjo de Jascha Heifetz)

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
4 – Pièce en Forme de Habanera (arranjo de Georges Catherine)

Clarence CAMERON White (1880-1960)
5 – Levee Dance, Op. 27 No. 2 (baseada em “Go Down, Moses”)

Mario CASTELNUOVO-TEDESCO (1895-1968)
6 – Figaro, Rapsódia de Concerto sobre “Il Barbiere di Siviglia”, de Rossini

Stephen Collins FOSTER (1826-1864)
7 – Jeanie With The Light Brown Hair (arranjo de Heifetz)

Victor August HERBERT (1859-1924)
8 – À la Valse

Antonín Leopold DVOŘÁK (1841-1904)
9 – Humoresques, Op. 101 – No. 1 em Sol bemol maior (arranjo de Heifetz)

Folclore irlandês
10 – Gweedore Brae (arranjo de John Crowther)

Stephen FOSTER
11 – Old Folks at Home (arranjo de Heifetz)

Anônimo
12 – Deep River (arranjo de Heifetz)

Leopold GODOWSKY (1870-1938)
13 – Doze Impressões para violino e piano: no. 12, Wienerissh (arranjo de Heifetz)

Jascha Heifetz, violino
Milton Kaye, piano

Irving BERLIN (1888-1989)
14 – White Christmas

Jascha Heifetz, violino
Salvator Camarata and his Orchestra

George GERSHWIN (1898-1937)
Da ópera “Porgy and Bess” (arranjos de Heifetz)
15 – Summertime
16 – A Woman is a Sometime Thing
17 – My Man’s Gone Now
18 – It Ain’t Necessarily So
19 – Tempo Di Blues (There’s a Boat That’s Leaving Soon for New York)
20 – Bess, You is my Woman Now

Três prelúdios para piano solo (arranjos de Heifetz)
21 – I. Allegro ben ritmato e deciso
22 – II. Andante con moto e poco rubato
23 – III. Allegro ben ritmato e deciso

Jascha Heifetz, violino
Emanuel Bay, piano

DISCO 2

Susan Hart DYER (1880-1922)
1 – An Outlandish Suite, para violino e piano: Florida Night Song

Claude DEBUSSY
2 – Children’s Corner L. 115 – 6. Golliwogg’s Cakewalk (arranjo de Heifetz)
3 – Suite Bergamasque L. 75 – 3. Clair de Lune (arranjo de Alexandre Roelens)

Flausino Rodrigues do VALLE (1894-1954)
4 – Vinte e seis prelúdios característicos e concertantes para violino só – no. 15, “Ao Pé da Fogueira” (arranjo de Heifetz)

Julián Antonio Tomás AGUIRRE (1868-1924)
5 – Huella, Op. 49 (arranjo de Heifetz)

Dmitri Dmitrievich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
Dos Vinte e quatro prelúdios para piano, Op. 34 (arranjo de Dmitri Tziganov e Quinto Maganini)
6 – No. 10 em Dó sustenido menor
7 – No. 15 em Ré bemol maior

Edwin GRASSE (1884-1954)
8 – Waves At Play (Wellenspiel) (arranjo de Heifetz)

Sergei Sergeieivich PROFOKIEV (1891-1953)
9 – O Amor das Três Laranjas, Op. 33 – Marcha (arranjo de Heifetz)
10 – Suíte do balé “Romeu e Julieta”, para piano, Op. 75 – Máscaras (arranjo de Heifetz)

Robert Russell BENNETT (1894-1981)
Hexapoda (five studies in Jitteroptera), para violino e piano
11 – Gut-Bucket Gus
12 – Jane Shakes Her Hair
13 – Betty and Harold Close Their Eyes
14 – Jim Jives
15 – …Till Dawn Sunday

Kurt Julian WEILL (1900-1950)
16 – Die Dreigroschenoper – Mack The Knife (Moderato assai) (arranjo de Stefan Frenkel)

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
17 – Souvenir d’un Lieu Cher, para violino e piano, Op. 42 – no. 3: Mélodie em Mi bemol maior

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)
18 – Noturnos para piano, Op. 55 – no. 2 em Mi bemol maior (arranjo de Heifetz)

Christoph Willibald von GLUCK (1717-1784)
19 – Orfeo ed Euridice – Dança dos Espíritos Abençoados (arranjo de Fritz Kreisler)

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
20 – Waldszenen, Op. 82 – no. 7: Vogel als Prophet (arranjo de Heifetz)

Nikolai Andreievich RIMSKY KORSAKOV (1844-1908)
21 – O Galo de Ouro – Hino ao Sol (arranjo de Kreisler)

Alexander Abramovich KREIN (1883-1951)
22 – Dança no. 4 (arranjo de Heifetz)

Johannes BRAHMS (1833-1897)
23 – Danças Húngaras – no. 7 em Lá maior (arranjo de Joseph Joachim)

Charles-Camille SAINT-SAËNS (1835-1921)
24 – Le Carnaval Des Animaux – Le Cygne (arranjo de Heifetz)

Cecil BURLEIGH (1885-1980)
25 – Six Pictures, Op. 30 – no. 4: Hills
26 – Small Concert Pieces, Op. 21 – no. 4: Moto Perpetuo

Jascha Heifetz, violino
Emanuel Bay, piano


Benjamin Louis Paul GODARD (1849-1895)
27 – Jocelyn – Berceuse (arranjo de Ernest R. Ball)

Hermann LÖHR (1871-1943)
28 – Where my Caravan has Rested  (arranjo de Edward Teschemacher)

Bing Crosby, voz
Jascha Heifetz, violino
Victor Young and his Orchestra


Jim HOYL, pseudônimo de Jascha HEIFETZ (1901-1987)
29 – When You Make Love to Me (Don’t Make Believe)

Jascha Heifetz, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Querem mais Heifetz? Confiram-no em ação, então, na sua imbatível gravação do concerto de Sibelius (juntamente com o de Glazunov e o segundo de Prokofiev)…

Concertos para Violino de Sibelius, Prokofiev e Glazunov com Jascha Heifetz

… e na frenética leitura do concerto de Beethoven com os sinfônicos de Boston sob Charles Munch:

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Violin Concerto in D – Heifetz, Munch, BSO

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

 

Homenagem a Ammiratore [Verdi/Beethoven: Quartetos em arranjos para orquestra de cordas – Previn]

Hoje é aniversário de nosso querido, saudoso Ammiratore e, por mais que quiséssemos, não conseguiríamos colocar em palavras a falta que ele nos faz. Assim, claro, vamos homenageá-lo com música.

Eu lhe alcancei esta gravação algumas semanas dele inaugurar sua imensa empreitada de publicar e comentar a obra completa de seu amado Verdi, que prossegue com o empenho e a minúcia do colega Alex DeLarge. Eu a recomendei primordialmente, como já decerto perceberam, pela presença da única obra de câmara deixada por Verdi: seu quarteto de cordas, uma peça despretensiosa, competentemente escrita durante um hiato ocioso na produção de “Aida”, e estreada diante de tão só alguns amigos. Aqui, ela tem uma roupagem orquestral dada por Arturo Toscanini e uma leitura muito hábil por André Previn, que mantém as texturas límpidas e muito afeitas à graça do original.

Menos óbvia, mas igualmente significativa, é a ligação entre Ammiratore e a obra que abre a gravação. O quarteto de cordas em Dó sustenido menor de Beethoven – certamente sua mais extensa, e provavelmente sua mais ambiciosa obra do gênero – não escapou ao projeto BTHVN 250, que nosso amável amigo acompanhou e comentou com entusiasmo durante todo 2020. Ele gostou tanto das publicações que teve a gentileza de me escrever em privado, agradecendo pelo empenho em completar o projeto, que muito o inspirou a encarar seu extenso Projeto Verdi. Além disso, ele também me era grato por apresentar-lhe obras de Ludwig que ele nunca antes conseguira antes acessar, como os últimos quartetos de Beethoven, que lhe teriam sido revelados (vejam como era gentil!) pelas minhas publicações. Passamos algum tempo a comentar pormenores dessas obras visionárias, até que ele mencionou que nenhuma delas lhe parecia tão sinfônica quanto o imenso Op. 131. Alcancei-lhe então esta gravação de Previn, que conduz o arranjo de Dmitri Mitropoulos ante os filarmônicos de Viena, para que pudesse experimentar a obra tocada pelas forças de uma orquestra.

Se não sei se ele a chegou a escutá-la, certamente nós outros o faremos agora, em sua memória – para que, enquanto a escutamos, também a escute o Ammiratore, lá nas Esferas.

Em nome de todos colaboradores do PQP Bach,

Vassily Genrikhovich


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Dó sustenido menor, Op. 131
Arranjo para orquestra de cordas por Dmitri Mitropoulos (1896-1960)

1 –  Adagio, ma non troppo e molto espressivo
2 – Allegro molto vivace – attaca:
3 – Allegro moderato – attaca:
4 – Andante, ma non troppo e molto cantible – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto – attaca:
5 – Presto – Molto poco adagio – attaca:
6 – Adagio quase un poco andante – attaca:
7 – Allegro

Giuseppe Fortunino Francesco VERDI (1813-1901)
Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Mi menor
Arranjo para orquestra de cordas por Arturo Toscanini (1867-1957)

8 – Allegro
9 – Andantino
10 – Prestissimo
11 – Scherzo – Fuga

Wiener Philharmoniker
André Previn, regência

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PQP Bach, pelo querido Ammiratore (1970-2021)

 

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Weihnachts-Oratorium, BWV 248 – Savall

“Tsc”, diriam alguns, enquanto palitam dos dentes os resíduos do peru de quatrocentos guedes, “eis Vassily a aplicar o velho e preguiçoso golpe de postar o Oratório de Natal no dia do Natal!”

“Não vos afobeis”, replicaria eu, “oh, soldados de Herodes: este não é qualquer Oratório de Natal, nem tampouco deveríeis escutá-lo todo agora, enquanto contemplais as faturas de janeiro e as fraturas familiares expostas pelos arranca-rabos da ceia”.

E falo sério: nem o próprio João Sebastião Ribeiro pretendia que as seis cantatas de seu Oratório – quase todas provindas de material brilhantemente parodiado de obras suas anteriores – fossem todas escutadas num só dia de Natal. Havia uma cantata para cada uma das noites festivas de Natal, que eram três (25, 26 e 27 de dezembro) em Leipzig; também uma para o primeiro domingo após o Natal, e outra para a Festa da Epifania, que conhecemos como Dia de Reis (6 de janeiro); e até uma, vejam só, para o primeiro dia do ano, não porque ela fosse celebrar o Ano Novo, mas para honrar a dita Festa da Circuncisão de Jesus.

Parabéns, Jesus

 

 

 

O fato de Sebastião ter preparado esse banquete sonoro para seis dias e noites (pois sabe-se que ele, o bicho-carpinteiro, estreou o oratório tanto na Thomaskirche quanto na Nikolaikirche) não os deve demover, tampouco, de ouvir o oratório de uma só vez. Eu próprio, que tenho um fraco pelo eletrizante coro inicial, com o toque dos tímpanos a abrir-lhe os trabalhos, as fanfarras e a brilhante parte vocal, facilmente me deixo levar pela torrente de grande música.

Por óbvio, não seria diferente quando ao ouvi-lo nessa gravação de Jordi Savall. O Midas catalão, que sempre me captura com suas criativas, estimulantes leituras do repertório barroco, operou novamente o milagre de me levar enxurrada abaixo feito pauzinho de enchente e fazer essas duas horas e meia passarem com muito deleite. Há, mais que competência, muito frescor na concepção e precisão na execução, que garantem a clareza mesmo com os rápidos andamentos escolhidos. Ainda que devesse destacar os ótimos solistas, em particular o Evangelista de Martin Platz e o contratenor Raffaele Pé, afirmo que o mais importante retrogosto dessa gravação é o de caloroso aconchego, principalmente nos belíssimos corais, que aqui trazem o habitual repouso dos números mais lépidos, sem no entanto sedarem o ouvinte, nem quebrarem o fluxo da narrativa da Natividade. A gravação, feita ao vivo no Palau de la Música Catalana em Barcelona, tem o som um tanto cavernoso, típico dos registros feitos naquele magnífico auditório, mas haverá, tenho certeza, de soar-lhes como tudo com que Savall nos presenteia: com uma pujança aventureira, e como nenhuma outra que ouviram antes.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Oratório de Natal (Weihnachts-Oratorium), para solistas, coro e orquestra, BWV 248

DISCO 1

Primeira parte: Para a Primeira Noite do Natal
1 – Coro: Jauchzet, frohlocket, auf preiset die Tage
2 – Recitativo (Evangelista): Es begab sich aber zu der Zeit
3 – Recitativo (contralto): Nun wird mein liebster Brautigam
4 –  Ária (contralto): Bereite dich, Zion, mit herrlichen Trieben
5 – Coral: Wie soll ich dich empfangen
6 – Recitativo (Evangelista): Und sie gebar ihren ersten Sohn
7 – Coral (soprano) e recitativo (baixo): Er ist auf Erden kimmen arm
8 – Ária (baixo): Grosser Herr, o starker König
9 – Coral: Ach, mein herzliebes Jesulein

Segunda parte: Para a Segunda Noite do Natal
10 – Sinfonia
11 – Recitativo (Evangelista): Und es waren Hirten in derselben Gegend
12 – Coral: Brich an, o schönes Morgenlicht
13 – Recitativo (Evangelista, soprano): Und der Engel sprach zu ihnen/Fürchtet euch nicht
14 – Recitativo (baixo): Was Gott dem Abraham verheißen
15 – Ária (tenor): Frohe Hirten, eilt, ach eilet
16 – Recitativo (soprano): Und das habt zum Zeichen
17 – Coral: Schaut hin, dort liegt im finstern Stall
18 – Recitativo (baixo): Sogeht denn hin, ihr Hirten, geht
19 – Ária (contralto): Schlafe, mein Liebster, genieße der Ruh
20 – Recitativo (Evangelista): Und alsobald war da bei dem Engel
21 – Coro: Ehre sei Gott in der Höhe
22 – Recitativo (baixo): So recht, ihr Engel, jauchzet und singet
23 –  Coral: Wir singen dir in deinem Heer

Terceira parte: Para a Terceira Noite do Natal
24 – Coro: Herrscher des Himmels, erhöre das Lallen
25 – Recitativo (Evangelista): Und da die Engel von ihnen gen Himmel führen
26 -Coro: Lasset uns nun gehen gen Bethlehem
27 –  Recitativo (baixo): Er hat sein Volk getröst
28 – Coral: Dies hat er alles uns getan
29 – Dueto (soprano, baixo): Herr, dein Mitleid, dein Erbarmen
30 –  Recitativo (Evangelista): Und sie Kamen eilend
31 – Ária (contralto): Schließe, mein Herze, dies selige Wunder
32 – Recitativo (contralto): Ja, ja, mein Herz soll es bewahren
33 – Coral: Ich will dich mit Fleiss bewarhen
34 – Recitativo (Evangelista): Und die Hirten kehrten wieder um
35 – Coral: Seid froh
36 – Coro (da capo): Herrscher des Himmels, erhöre das Lallen

DISCO 2

Quarta Parte: Para a Festa da Circuncisão
1 – Coro: Fallt mit Danken, fallt mit Loben
2 – Recitativo (Evangelista): Und da acht Tage um waren
3 – Recitativo (baixo) com Coral (soprano): Immanuel, o süßes Wort/Jesu, du mein liebstes Leben
4 – Ária (soprano, eco): Flößst, mein Heiland, flößt dein Namen
5 – Recitativo (baixo) com coral (soprano): Wohlan, dein Name soll allein/Jesu, mein Freud und Wonne
6 – Ária (tenor): Ich will nur zu Ehren leben
7 – Coral: Jesus, richte mein Beginnen

Quinta Parte: Para o Domingo após o Natal
8 – Coro: Ehre sei dir, Gott, gesungen
9 – Recitativo (Evangelista): Da Jesus geboren war zu Bethlehem
10 – Coro e recitativo (contralto): Wo ist der neugeborne König der Juden?/Sucht ihn in meiner Brust
11 – Coral: Dein Glanz all Finsternis verzehrt
12 – Ária (baixo): Erleucht auch meine finstre Sinnen
13 – Recitativo (Evangelista): Da das der König Herodes hörte
14 – Recitativo (contralto): Warum wollt ihr erschrecken?
15 – Recitativo (Evangelista: Und ließ versammlen alle Hohenpriester
16 – Terceto (soprano, contralto, tenor): Ach, wenn wird die Zeit erscheinen?
17 – Recitativo (alto): Mein Liebster herrschet schon
18 – Coral: Zwar ist solche Herzensstube

Sexta Parte: Para a Festa da Epifania
19 – Coro: Herr, wenn die stolzen Feinde schnauben
20 – Recitativo (Evangelista, baixo): Da berief Herodes die Weisen heimlich/Ziehet hin und forschet Fleißig nach dem Kindlein
21 – Recitativo (soprano): Du Falscher, suche nur den Herrn zu fällen
22 – Ária (S): Nur ein Wink von seinen Händen
23 – Recitativo (Evangelista): Als sie nun den König gehöret hatten
24 – Coral: Ich steh an deiner Krippen hier
25 – Recitativo (Evangelista): Und Gott befahl ihnen im Traum
26 – Recitativo (tenor): So geht! Genung, mein Schatz
27 – Ária (tenor): Nun mogt ihr stolzen Feinde schrecken
28 – Recitativo (soprano, contralto, tenor, baixo): Was will der Höllen Schrecken nun
29 – Coro: Nun seid ihr wohl gerochen

Katja Stuber, soprano
Raffaele Pé, contratenor
Martin Platz, tenor
Thomas Stimmel, baixo
La Capella Reial de Catalunya
Le Concert des Nations
Jordi Savall, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

O maravilhoso Palau de la Música Catalana, onde foi feita a gravação que hoje lhes ofereço (fotos do autor)

 

 

 Quem quiser mais do Oratório de Natal saberá encontrar deleite nessa gravação primorosa, e aqui já publicada pelo patrão PQP:

J. S. Bach (1685-1750): Oratório de Natal (Weihnachts-Oratorium / Christmas Oratorio)

Aproveito para reiterar o pedido do colega René Denon, feito ontem: se puder e for de seu agrado, lembre-se também de…

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

BTHVN251 – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (versão de 1806) – Soustrot

Incrível, mas já faz um ano que lhes alcancei o epílogo do imenso tributo que fiz a Ludwig em seu jubileu. Ainda mais impressionante, parece-me, é que tenhamos resistido a mais um ano de tanatocracia e que tudo o que nos reste para comemorar, talvez, seja tão só não estarmos no rol de suas centenas de milhares de vítimas fatais.

Quem for capaz de comemorar algo mais que esse extraordinário fenômeno que é estar vivo no Brasil de 2021 poderá celebrar, entre hoje e amanhã, mais um natalício do genial renano, que provavelmente nasceu num 16 de dezembro como hoje e foi batizado no dia seguinte, o 17 de dezembro que se convencionou considerar seu aniversário. E, já que suponho que ainda estejam a digerir a fartadela de postagens e gravações beethovenianas com que abarrotei este blogue no ano passado, em vez dum banquete pantagruélico, então, hei de oferecer-lhes somente um digestivo, um fino chocolatinho mentolado.

A despeito do enganoso título de “A Obra Completa de Ludwig van Beethoven”, nosso esforço de alcançar-lhes a integral do grande homem teve algumas desimportantes lacunas, quase todas por conta de obras fragmentárias, ou rascunhos, ou coisas que ele próprio houve por bem não levar à prensa. De significativo, sem dúvidas, faltou apenas a segunda versão de sua única ópera, lançada como “Leonore” e que viria a se tornar “Fidelio”, cuja gravação não encontrara em lugar algum…

… até que a encontrei.

Com um ano de atraso, alcanço-lhes a primeira e até agora única gravação comercial já realizada da segunda versão de “Leonore”. Composta por dois atos, foi estreada em 29 de março de 1806, meros quatro meses depois do naufrágio da versão original em três atos, muito por conta de que o público da première em Viena era composto de invasores franceses que provavelmente entendiam lhufas de alemão e, mesmo que entendessem, não aplaudiriam um libelo daquele naipe contra a opressão. Beethoven, como era seu hábito, tomou para si os engulhos do fracasso e, aconselhado por amigos e com a ajuda de um dos melhores deles, Stephan von Breuning, tratou de podar “Leonore” para deixá-la com um ato a menos.

Nem tudo foram cortes: foi adicionada uma marcha para a entrada do vilão Pizarro e, mais notavelmente, uma poderosa abertura, que se ouve amiúde, por si mesma, nas salas de concertos, e que depois se convencionou chamar de “Leonore no. 3”. Ela é uma adaptação daquela da versão original, transfigurada num portento sinfônico que contrasta, e alguns dirão que não favoravelmente, com o singelo número vocal inicial. Não só este, mas boa parte da tertúlia entre Marzelline e Jaquino por conta de Fidelio, que tomava praticamente todo o primeiro dos atos da versão de 1805, foi sumariamente decepada. Também foram tosadas uma ária inteira de Rocco e a discussão entre Don Fernando e a turba sobre a punição de Pizarro, no final da ópera. O maravilhoso dueto “O namenlose Freude” foi cortado pela metade, e o início da ária “Ach! brich noch nicht!” de Leonore (que se tornaria “Abscheulicher!” na versão de 1814) foi abreviado. As apressadas machetadas surtiram efeito, e a nova “Leonore” foi um sucesso em sua estreia, ainda que a temporada viesse a ter apenas mais uma récita, por conta de brigas (para variar) entre o compositor turrão e a direção do teatro.

Para todos que se interessam por “Leonore”/”Fidelio”, indiscutivelmente a maior fonte de gastura e cabelos brancos para Beethoven entre todas suas obras, essa gravação da versão de 1806 é um pitéu. Reconstruída pelos musicólogos dos Arquivos Beethoven de Bonn, torna-se especialmente fascinante quando cotejada com a versão anterior e a final da ópera. Dessa forma, ela nos mostra como funcionava o estaleiro musical do renano, ao coletar os restos dum naufrágio de bilheterias e transfigurá-lo num razoável, ainda que tardio, sucesso. Ademais, ela se sustenta por si só, em especial pela notável Leonore de Pamela Coburn – uma das melhores Leonores entre todos “Fidelios” e “Leonores” que há no mercado fonográfico -, pelo ótimo coro e pelo competente acompanhamento sob a regência de Marc Soustrot, muito bem gravados por uma orquestra e num teatro conterrâneos do aniversariante de amanhã. O ponto fraco, como sói acontecer em gravações deste Singspiel, são os diálogos, aqui gravados por atores, cujas vozes têm timbres completamente diferentes dos cantores, e cujas intervenções são separadas dos números musicais por pausas que destroem qualquer fluência na trama. Minha sugestão é a habitual: pular os diálogos, indicados abaixo por aspas simples, e ouvir só a grande música do renano.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (“Leonore, ou O Triunfo do Amor Conjugal”), ópera em dois atos (versão de 1806, Hess 110)

Libreto de Joseph Sonnleithner, baseado na peça “Leonore, ou L’Amour Conjugal” de Jean-Nicolas Bouilly, editado por Stephan von Breuning

DISCO 1

1 – Abertura em Dó maior, Op. 72b (“Leonore III”)

PRIMEIRO ATO

2 – ‘Fidelio kommt noch nicht zurück!’
3 – No. 1, ária: ‘O war ich schon mit dir vereint’
4 – ‘Wenn ich diese Thüre heute nicht schön’
5 – No. 2, dueto: ‘Jetzt, schatzchen, jetzt sind wir allein’
6 – ‘Es ist hein anderes Mittel übrig’
7 – No. 3, quarteto: ‘Mir ist so wunderbar’
8 – ‘Höre, Fidelio, wenn ich auch nicht weiß’
9 – No. 4, trio: ‘Gut, Sohnchen, gut’
10 – ‘Aber nun es Zeit, daß ich’
11 – No. 5: Marcha
12 – ‘Drey Schildwachen auf den Wall’
13 – No. 6, ária com coro: ‘Ha! Welch ein Augenblick!’
14 – ‘Ich darf keinen Augenblick säumen’
15 – No. 7, dueto: ‘Jetzt, Alter, hat es Eile!’
16 – ‘Ha! Rocco spricht noch immer mit dem Gouverneur!”
17 – No. 8, recitativo e ária: ‘Ach, brich noch nicht, du mattes Herz!…’
18 – ‘Sieh’ doch, da bist du schon wieder allein’
19 – No. 9 dueto: ‘Um in der Ehe froh zu leben’
20 – ‘Sieh’ lieber Fidelio, so anhänglich’

DISCO 2

1 – ‘Ha! so habe ich dich endlich ertappt’ – ‘Was habt ihr beyde dann wieder mit einander zu zanken?’
2 – No. 10, trio: ‘Ein Mann ist bald genommen’
3 – ‘Immer erregt es in mir wohlthätige Empfindung’
4 – No. 11, finale: ‘O welche Lust, in freier Luft’ – ‘Nun sprecht, wie ging’s?’ – ‘Wir müssen gleich zum Werke schreiten’ – ‘Auf euch nur will ich bauen’

SEGUNDO ATO

5 – No. 12: Introdução em Ré maior – Recitativo e ária: ‘Gott! Welch Dunkel hier!…’ – ‘In des Lebens Frühlingstagen’
6 – ‘Wie kalt ist es in diesen unterrdischen Gewölbe!’
7 – No. 13, dueto:  ‘Nur hurtig Fort, nur frisch Gegraben’
8 – ‘Er erwacht!’
9 – No. 14, trio: ‘Euch werde Lohn in bessern Welten’
10 – ‘Alles ist bereit; ich gehe das Signal geben!’
11 – No. 15, quarteto: ‘Er sterbe! Doch er soll erst wissen’
12 – ‘Verlaß uns nicht! O hilf – ‘
13 – No. 16, recitativo e dueto: ‘Ich kann mich noch nicht fassen’ – ‘O namenlose Freude!’
14 – ‘O Leonore, sprich! durch welches Wunder’
15 – No. 17, finale: ‘Zur Rache! Zur Rache!’ – ‘Hinweg mit diesem Bösewicht’

 

Pamela Coburn, soprano (Leonore)
Christine Neithardt-Barbaux, soprano (Marzelline)
Mark Baker, tenor (Florestan)
Jean-Philippe Lafont,  tenor (Pizarro)
Benedikt Kobel, tenor (Jaquino)
Eric Martin-Bonnet, baixo (Don Fernando)
Victor von Halem, baixo (Rocco)
Kölner Rundfunkchor
Orchester der Beethovenhalle Bonn
Marc Soustrot, regência

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 Leonore de 1805/Leonore de 1806

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

.:interlúdio:. Transylvanian Folk Songs – The Béla Bartók Field Recordings – Lucian Ban – John Surman – Mat Maneri #BRTK140

Enquanto completo com este pobre globo mais uma translação, espero oferecer-lhes um presente e, talvez, redimir-me.

Admito que contribuí menos do que gostaria para a homenagem a Béla Bartók que sugeri ao patrão PQP no ano passado, que ele aceitou imediatamente, mas que acabei por deixar quase só no lombo dele (e, para quem perguntou porque nunca fui além de chapeiro-sênior na PQP Corp., aí está um dos bons motivos). Até que tentei engrenar, apresentando um, dois, três quartetos, e, assumindo o papel de mestre de cerimônias no natalício do grande homem, mostrei-lhes suas façanhas como compositor, pianista, pedagogo e colecionador. No fim, publiquei seu canto de cisne no aniversário de sua morte – e nada mais fiz, além de ver o chefinho avançar, postagem após postagem, na empreitada em que o deixei praticamente na mão.

Além do patrão, devo também ter frustrado o homenageado. Tenho certeza de que, neste incomum jubileu de 140 anos, não ofereci à memória de Béla mais do que o tanto com que seu legado, como sempre, me nutriu. Para preparar as postagens, li sua estupenda biografia por Kenneth Chalmers e devo ter ouvido sua integral pelo menos meia dúzia de vezes, sempre com intérpretes diferentes. A mais fascinante descoberta, todavia, foi do tesouro que Bartók coletou, transcreveu e organizou, ao singrar as planícies da Panônia à Transilvânia e de lá até a Anatólia para dedicar-se ao seu xodó: a musicologia comparativa, gérmen da moderna etnomusicologia.

Descobrir o arquivo digital do Instituto de Musicologia da Academia Húngara de Ciências – a última empregadora de Béla em sua Hungria natal – levou-me uma perdição comparável, creio eu, àquela em que caíram Bartók, Kodály e seus colegas ao coletarem seus preciosos itens. Não bastassem as anotações de campo, com transcrições detalhadas até os melismas de tudo o que escutavam aqueles intrépidos ouvidos, ainda há, preservados para a eternidade, os sons dos inestimáveis cilindros de cera em que os músicos-exploradores registravam suas descobertas. Aquelas vozes centenárias e fantasmagóricas, emergindo do enxame de ruídos de superfície, chegam-nos frescas e irresistivelmente repletas de calor humano, e abrem janelas fascinantes para um mundo que a nós outros, enredados em motores e fibras ópticas, pareceria tão improvável quanto o nosso aos donos das vozes.

Entre as centenas de cilindros que chegaram a nossos tempos, a maior parte foi registrada na região histórica da Transilvânia, hoje contida nas fronteiras modernas da Romênia, para onde as viagens de Béla o levaram mais que a qualquer outro destino, e que lhe serviu como maior manancial para suas obras-primas. E, se Bartók certamente não foi o primeiro a servir-se dele, tampouco haveria de ser o último.

Nascido em Cluj-Napoca, nas bordas da Transilvânia, o pianista Lucian Ban cresceu a embeber os ouvidos no opulento folclore de sua terra e, mesmo que os rumos de sua vida o levassem ao jazz e aos Estados Unidos, demonstra nesse álbum que não o esqueceu. Neste Transylvanian Folk Songs, um trio invulgar de teclado e instrumentos de arco e sopro – não muito diferente daquele para o qual Béla criou seus “Contrastes “- parte dos temas gravados e transcritos por Bartók e os transfigura em improvisações que evocam o fazer música nas aldeias em que foram coletados. Não parece haver disputas ou tensões pavoneantes. Pelo contrário: os músicos evitam embates e preparam, como Ban faz na faixa de abertura, a ambiência sonora para a entrada dos demais. Entre os vários timbres de sopros explorados por John Surman, foi o de seu clarone deixou-me o melhor retrogosto. Ainda assim, em minha desimportante opinião, a assinatura tímbrica do álbum é a da viola de Mat Maneri, que emula a rusticidade dos aldeões que tocavam para Béla há tantas décadas e depois nos atira de volta a nossos tempos com a mesma desenvoltura. Por fim, uma dança cheia de verve, que será familiar a todos que escutaram a obra de Bartók com alguma atenção, desemboca em aplausos que nos fazem, pela primeira vez, dar conta de que a gravação foi feita ao vivo, e de que aquelas antigas vozes tungadas por estalidos seguem capazes de inspirar os ouvintes modernos tanto quanto inspiraram aquele magiar genial.

TRANSYLVANIAN FOLK SONGS

1 – The Dowry Song
2 – Up There
3 – Violin Song
4 – The Return
5 – The Mighty Sun
6 – What a Great Night This is, a Messenger was Born
7 – Carol
8 – Bitter Love Song
9 – Transylvanian Dance

Lucian Ban, piano
John Surman, clarinete, clarone e saxofone barítono
Mat Maneri, viola

Gravado na Sala Barocă do Museu de Arte de Timișoara, Romênia, em 7 de novembro de 2018

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Szeretettel Bélának! [foto do autor]
 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

15 anos de PQP Bach – De leitor-ouvinte a chapeiro-sênior: uma trajetória na PQP Corp. [Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Suítes para violoncelo solo, nas três versões de Julius Berger]

O PQP Bach (o blogue, claro, não o chefinho) chega hoje a seu baile de debutantes (por cuja trilha sonora, garanto, não perderão por esperar!), enquanto dou-me conta de que minha relação com ele (o blogue, não o chefinho, que eu só conheceria depois) já dura quase tanto quanto seus frescos quinze aninhos.

O blogue, afinal, tinha só algumas semanas de vida quando eu dele baixei a “Música para o Funeral da Rainha Mary”, de Purcell, na bela leitura de Gardiner (vão lá, que eu renovei o link). Estava à sua caça havia muitos anos e estava tão contente por consegui-la (pois os jovens entre vós nunca saberão o que era aguardar semanas para seu disco baixar no eMule, só para então descobrir que o arquivo era, na verdade, um filme mucosamente explícito) quanto surpreso com que alguém, sem nada ganhar com isso, resolvesse compartilhá-la com uma turba anônima.

Em breve, além das músicas, também textos passariam a brotar da cornucópia pequepiana. Eu, outrora jovem e com muito tempo livre, mudei-me então para perto dela, a fim de que meus sentidos recebessem, sem anteparos, seus bem-humorados jorros. Por muitos anos, admito, eu fui um mero comensal, talvez um parasita, um sanguessuga, um chupim que tudo baixava, quase tudo ouvia, e nada comentava. Até me passou pela cabeça pedir para colaborar, mas ficava um pouco intimidado com aquela exibição impressionante de acervos fonográficos e textos afiados – mais ou menos como um menino a ver Messi e Cris Ro baterem uma bolinha sem nem sonhar como ter a cara de pedir para jogar com eles.

Não me furtava, no entanto, a acompanhar os longos fios de comentários. Desprezando o eventual pedante, que sempre dá as sebosas caras a desalmoçar regra para os outros, eu dava gargalhadas com as colaborações dos leitores-ouvintes (porque assim o blogue decidira chamá-los), que variavam do escracho arreganhado ao surto colérico. Nesse sentido, nada – nada MESMO – foi capaz de superar o ranger dos dentes que se seguiu à postagem do Malmsteen, nem mesmo as bissextas profecias, como a daquele vate após a inesquecível postagem de Saint-Preux:

– Sério, é o PQP chegando ao fundo do poço. O próximo é Richard Clayderman? TEREMOS RIEU?

[pano rápido]

ooOoo

Anos se passariam até que o fã obsessivo e fingidamente letárgico tivesse sua deixa: ganhei a oportunidade de conhecer o PQP Bach (agora sim o chefinho). Ganhei, não, orquestrei-a, após um ardiloso esquema que envolveu descobrir quem era sua esposa, transformar-me em contato dela numa rede social e – atenção para o calculismo quase psicopático – tornar-me amigo de ambos, entre imensas pilhas de conchas de moluscos bivalves, dir-se-iam  sambaquis contemporâneos. O bote final não tardaria: eu arranjei uma caixa cheinha de gravações de Chopin, compositor que sei que o patrão odeia, e lhe mandei. Expliquei que era uma edição relevante, Instituto Chopin de Varsóvia, e bibibi, e porque tu não postas isso, e bobobó, até que ele, enfim, sucumbiu:

– Por que tu não entras no blogue e postas isso tu mesmo?
– Já é.

😎

ooOoo

Entrei, enfim, para o blogue – produto mais notável do portfólio da já poderosa PQP Corp. Como bom novato, cometi meus sem-fins de babadas e gafes até ganhar algum prumo. Sonhava com um lugar de destaque, quiçá do lado direito do capo dei capi no mesão de reuniões lá da cobertura da PQP Tower. No entanto, apesar de prolífico e com fama de gozadinho, entrei para o folclore como um sujeito que até comete postagens bacanas, mas é preguiçoso e pouco confiável, porque produz em surtos. MEA MAXIMA CVLPA: de fato, pouco publiquei entre 2015 – quando meu afã de estagiário me fez postar diariamente por um semestre – e 2020 – ano do jubileu daquele renano cujo nome não pronunciarei, posto que lhe ofereci toda minha linfa em sacrifício.

Assim, assisti resignadamente a ascensão, apogeu e glória de meus colegas de blogue. Vejo sentado à mesa, à direita do patrão, o outro decano do blogue: FDP Bach, irmão do chefe, sobre o qual jamais pairou qualquer acusação de nepotismo, dada a magnitude de seu legado de postagens, proporcional a seu pantagruélico acervo de gravações (“olhem só, preparei uma postagem de Fulaninho regendo a sinfonia de Beltraninho com a Filarmônica Jovem de Cacimbinhas”, “ixe, acho que FDP Bach já postou isso em 2007”, só para só constatarmos que, sim, FDP Bach postara aquilo em 2007). Vi meu sonhado lugar ao lado de Herr Peter Qualvoll Publizieren ser ocupado pelo formidável René Denon, um gentil cavalheiro que, além de preparar belíssimas publicações com uma frequência e regularidade que me dão certeza de que ele teria muito futuro no ramo das Exatas, ainda elogia a camisa do chefinho e lhe deseja saúde antes mesmo de espirrar. Sem dúvidas, um homem de aguçada visão corporativa.

Também vejo em seus lugares cativos o elegante Pleyel, que começou como leitor-ouvinte e, ao contrário de mim, soube entender as responsabilidades inerentes à colaboração com a PQP Corp; o boa praça Chucruten, virtuose das postagens comparativas, e o jovem Luke D. Chevalier, que, como as águas de março, é promessa de vida no coração. Pranteio, e seguirei pranteando, o passamento de nosso querido Ammiratore, desgraça terrível para a qual o único unguento tem sido o trabalho monumental e reverente que o Alex DeLarge tem feito, ao prosseguir aquele xodó de nosso falecido amigo, a integral da obra de Verdi. E, enquanto passo rodo no chão e preparo os cafezinhos, vejo passarem lendas vivas como o sábio monge Ranulfus, o fleumático Carlinus, o valente Bisnaga (valente?, perguntam vocês: SIM, ele é o homem que POSTOU SAINT-PREUX!), o não menos bravo Strava (que postou ZAMFIR!), e colaboradores menos assíduos, mas de participações sempre memoráveis, como Itadakimasu, nosso especialista na moderna música brasileira de concerto, e o infalível Wellbach, que nunca comparece sem legar-nos algo de antológico.

Ao ver tantas sumidades reunidas, enxugo o rodo e saboreio a resignação: afinal, sou feliz entre eles, e só tenho que ser grato à PQP Corp. por me ter proporcionado trampo e uniforme, alimento e água potável, uma jaulinha limpa no 3º subsolo da PQP Tower – e aquele broche de chapeiro-sênior de que tanto me orgulho.

ooOoo

Para que não me acusem de não falar de música (que preconceito contra chapeiros-sêniores, hein?), resolvi aqui revisitar minha primeira postagem no blogue.

Admito que me vem um sorriso nostálgico cada vez que a releio, e uma nesguinha de luz positiva rasga minha habitual autocrítica, que reconhece que fui razoavelmente feliz em minha crônica sobre a vida dos melômanos no começo dos anos 90. Escutei tantas vezes gravação em questão – as suítes para violoncelo solo de J. S. Bach por Julius Berger, num instrumento de cinco cordas – que por anos ela me serviu como “gabarito” para todas as outras que viria a ouvir. Com a chegada de meus grisalhos, e principalmente com a expansão de meus horizontes musicais (que, por óbvio, muito deve a este blog), percebi que ela talvez não fosse tão boa assim, e permiti que muitas outras (a maioria das quais, claro, encontrei aqui) lhe tomassem o quinhão de minha preferência.

Felizmente, imagino que Berger chegou à mesma conclusão, e que ela o levou a revisitar essas maravilhosas suítes em duas outras ocasiões.

Na primeira revisita, ele toca um precioso violoncelo Guadagnini de 1780 nas cinco primeiras suítes, e retoma o violoncelo de cinco cordas para tocar a sexta, escrita especificamente para um instrumento desses. O resultado é um som mais pleno e caloroso, com o microfone próximo captando atraentes ruídos de “marcenaria”, muito melhor que aquele um tanto seco da gravação anterior, e com a vocação coreográfica dos movimentos de dança muito mais evidente.

Na segunda, que intitulou “Choräle”, Berger toma a arrojada decisão de dividir as suítes em três séries e abrir cada uma delas com excertos de “One8”, de John Cage (composta para violoncelo solo com arco curvo), aos quais sobrepõe melodias de corais que encontrou insinuadas nos prelúdios das suítes, entoadas por seu filho, Immanuel Jun. Esses “prelúdios aos prelúdios”, que variam do etéreo ao fantasmagórico, preparam maravilhosamente a afirmação tonal das insuperáveis obras de Bach e me fazem pensar que o intérprete, talvez, tenha se embriagado na mesma fonte que, há quinze anos, nutre este blogue: aquela que o leva, entre colapsos de servidores e eventuais chuvas de tomates, e sem uma lhufa sequer de consideração por ouvidos embolorados, a polinizar beleza pela cyberesfera.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Seis suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012

Julius Berger, violoncelo


PRIMEIRA VERSÃO

Gravação realizada na igreja de Steingaden, Alemanha, em 1984 – Selo Orfeo

CD1 (suítes nos. 1, 4 & 5)
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CD2 (suítes nos. 2, 3 & 6)
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SEGUNDA VERSÃO

Gravada na igreja de San Virgilio Col San Martino, em Posmon, Itália (1996).  Selo Wergo

CD1 (suítes nos. 1, 2 & 3)
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CD2 (suítes nos. 4, 5 & 6)
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TERCEIRA VERSÃO

Gravada na Christkönigskirche des Regens-Wagner-Stifts, em Dillingen, Alemanha (2016).

Selo Solo Musica.

Com excertos da composição “One8”, para violoncelo solo com arco curvo, de John Cage (1912-1992)

Soprano infantil: Immanuel Jun Berger
CD1: trecho de “One8” (John Cage) + Coral “Von Himmel hoch da komm ich her” (Martin Luther) + Suítes nos. 1 & 2
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CD2: trecho de “One8” (John Cage) + Coral “Gelobt sei Gott im höchsten Thron” (Melchior Vulpius/Michael Weisse) + Suítes nos. 3 & 4
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CD2: trecho de “One8” (John Cage) + Coral “O Haupt Voll Blut Und Wunden” (Johann Crüger/Paul Gerhardt) + Suítes nos. 5 & 6
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Leitores-ouvintes de espírito aventureiro e ouvidos abertos à descoberta estão convidados a clicarem a imagem para baixar a integral de “One8” de John Cage, interpretada pelo dedicatário, Michael Bach, inventor de um arco curvo chamado BACH.Bogen, cujos recursos expressivos e harmônicos são amplamente explorados na peça de pouco mais de 40 minutos

 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

A Obra Completa de Béla Bartók (1881-1945) – Concerto para viola e orquestra, em suas várias versões #BRTK140

O patrão PQP já lhes apresentou e contou a história do concerto para viola, o fragmentário canto do cisne de Béla Bartók, que o deixou incompleto ao falecer de leucemia há exatos 76 anos. O querido chefinho (bonita camisa a sua, aliás) também mencionou que a obra, encomendada pelo virtuose William Primrose, era apenas um punhado de esboços, por mais que o compositor afirmasse ao encomendante que a tinha bastante adiantada.

Pois bem: passada a comoção pela morte de Bartók, coube a seu amigo, aluno e violista Tibor Serly (1901-1978) a incumbência de organizar os fragmentos e completá-los de forma a permitir sua execução. Se não lhe coube também o privilégio de ser o regente da première, exercido por Antal Doráti, tendo Primrose como solista, restou a Serly reger a primeira gravação, que já lhes apresentamos há alguns meses.

Por mais gratos que devamos ser a Serly, é bastante óbvio que sua edição não soa muito como Bartók e, para complicar, o compositor – que já estava muito enfermo ao iniciar a obra – não deixou anotados seus planos e intenções. A insatisfação geral com o trabalho de Serly impulsionou outras iniciativas de reconstruir o concerto, entre as quais a mais notória foi a edição crítica de 1995, publicada no cinquentenário da morte de Béla. Extensamente anotada e comentada, ela foi organizada pelo violista Paul Neubauer e teve a colaboração peso-pesado do próprio filho do compositor, Péter Bartók. Ainda que a versão Neubauer-Bartók tenha sido aclamada nos meios acadêmicos e pareça estar a ganhar vagarosamente a preferência dos violistas, as duas reconstruções que eu considero mais efetivas são aquela feita pelo violista húngaro Csaba Erdélyi, que foi gravada pelo próprio arranjador, e – por incrível que pareça – o arranjo para violoncelo da lavra de Serly, o qual, num conclave de amigos de Bartók, venceu a versão para viola pelo placar de 8 a 6.

Imagino as piadas de violista que vieram depois.

 

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Concerto para viola e orquestra, Sz. 120, BB 128
(1945)
Edição de Péter Bartók e Paul Neubauer (1995)
1 – Allegro moderato
2 – Lento
3 – (Finale) Allegretto

Dois quadros, Sz. 46
4 – Em plena floração. Poco adagio
5 – Dança no vilarejo. Allegro.

Concerto para viola e orquestra, Sz. 120, BB 128 (1945)
Completado e orquestrado por Tibor Serly (1945)
6 – Moderato
7 – Adagio religioso
8 – Allegro vivace

Tibor SERLY (1901-1978)

9 – Rapsódia para viola e orquestra

Xiao Hong-Mei, viola
Budapesti Filharmóniai Társaság Zenekara (Orquestra Filarmônica de Budapest)
János Kovacs, regência

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Béla BARTÓK

Concerto para viola e orquestra, Sz. 120, BB 128 (1945)
Reconstruído e orquestrado por Csaba Erdélyi (2001)

1 – Allegro Moderato – Ritornello – Lento – Ritornello – Scherzo – Allegro Vivace

Csaba Erdélyi, viola
New Zealand Symphony Orchestra
Marc Taddei, regência

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Antonín Leopold DVOŘÁK
(1841-1904)
Concerto em Si menor para violoncelo e orquestra, Op. 104
1 – Allegro
2 – Adagio ma non troppo
3 – Allegro moderato

Béla BARTÓK

Concerto para viola e orquestra, Sz. 120, BB 128 (1945)
Completado, orquestrado e transcrito para violoncelo por Tibor Serly (1945)
4 – Moderato
5 – Adagio religioso
6 – Allegro vivace

János Starker, violoncelo
Saint Louis Symphony Orchestra
Leonard Slatkin, regência

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PQP Bach, pelo querido Ammiratore (1970-2021)

Vassily

O Mestre Esquecido, Epílogo (Chopin – Mazurcas (1983) – Antonio Guedes Barbosa)

Teria já encerrado esta série – e não sem tempo, pois há já seis anos que a comecei – se não me tivesse dado conta de que a emblemática integral das mazurcas de Chopin que Antonio lançou, sob aclamação, no final da década de 80, fora antecedida por outra gravação completa, bem mais obscura e que ora lhes alcanço.

Talvez tenha sido o último fã de Barbosa a descobri-lo, pois jurava que o álbum de 1987 fosse tão só um relançamento desse aqui. Talvez, também, devesse me constranger por isso, mas me foi pura felicidade descobrir que, lá em 1983, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro resolveu dar um tempo nas sidras e nas frutas cristalizadas e presentear seus investidores no final do ano com a fina papa das cinquenta e uma mazurcas, servidas pelas mãos de seu maior intérprete brasileiro.

Embora fossem tempos (ou, pelo menos, assim os imagino) de maior prestígio para nossos grandes pianistas – Arthur Moreira Lima tinha até um programa semanal na TV aberta -, a quantidade de exemplares desse álbum triplo à venda nos sebos, alguns inclusive envoltos no celofane original, faz pensar que os investidores talvez tivessem preferido arrotar frisante. Pior para eles: apesar do som medíocre, e de eu nunca ter encontrado um exemplar desse álbum em boas condições, o registro de Barbosa para a Bolsa tem a mesma qualidade artística daquele de 1987, à qual se soma uma irresistível espontaneidade que nos traz, mais do que qualquer outra gravação dele, a impressão de estarmos num de seus magníficos recitais.

A maestria de nosso herói na complicada agógica das mazurcas – calcanhar de Aquiles de tantos grandes pianistas – foi efusivamente elogiada por Horowitz, com quem Antonio conviveu estreitamente na última década do velho mestre, ídolo seu e o de tantos outros. Em minha desimportante opinião, estas duas séries das cinquenta e tantas elusivas miniaturas colocam nosso Mestre Esquecido num rol só seu entre os pianistas brasileiros, e no primeiro lugar entre os “mazurqueiros” do mundo todo.

E era isso, leitores-ouvintes – ou quase isso, se não houver um posfácio.

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)

LP 1

A1 – Quatro Mazurcas, Op. 6 – No. 1 em Fá sustenido menor
A2 – Quatro Mazurcas, Op. 6 – No. 2 em Dó sustenido menor
A3 – Quatro Mazurcas, Op. 6 – No. 3 em Mi maior
A4 – Quatro Mazurcas, Op. 6 – No. 4 em Mi bemol menor
A5 – Cinco Mazurcas, Op. 7 – No. 1 em Si maior
A6 – Cinco Mazurcas, Op. 7 – No. 2 em Lá menor
A7 – Cinco Mazurcas, Op. 7 – No. 3 em Fá menor
A8 – Cinco Mazurcas, Op. 7 – No. 4 em Lá bemol maior
A9 – Cinco Mazurcas, Op. 7 – No. 5 em Dó Maior
A10 – Quatro Mazurcas, Op. 17 – No. 1 em Si maior
B1 – Quatro Mazurcas, Op. 17 – No. 2 em Mi menor
B2 – Quatro Mazurcas, Op. 17 – No. 3 em Lá bemol maior
B3 – Quatro Mazurcas, Op. 17 – No. 4 em Lá menor
B4 – Quatro Mazurcas, Op. 24 – No. 1 em Sol menor
B5 – Quatro Mazurcas, Op. 24 – No. 2 em Dó maior
B6 – Quatro Mazurcas, Op. 24 – No. 3 em Lá bemol maior
B7 – Quatro Mazurcas, Op. 24 – No. 4 em Si bemol menor

LP 2

C1 – Quatro Mazurcas, Op. 30 – No. 1 em Dó menor
C2 – Quatro Mazurcas, Op. 30 – No. 2 em Si menor
C3 – Quatro Mazurcas, Op. 30 – No. 3 em Ré bemol maior
C4 – Quatro Mazurcas, Op. 30 – No. 4 em Dó sustenido menor
C5 – Quatro Mazurcas, Op. 33 – No. 1 em Sol sustenido menor
C6 – Quatro Mazurcas, Op. 33 – No. 2 em Dó maior
C7 – Quatro Mazurcas, Op. 33 – No. 3 em Ré maior
C8 – Quatro Mazurcas, Op. 33 – No. 4 em Si menor
D1 – Quatro Mazurcas, Op. 41 – No. 1 em Mi menor
D2 – Quatro Mazurcas, Op. 41 – No. 2 em Si maior
D3 – Quatro Mazurcas, Op. 41 – No. 3 em Lá bemol maior
D4 – Quatro Mazurcas, Op. 41 – No. 4 em Dó sustenido menor
D5 – Três Mazurcas, Op. 50 – No. 1 em Sol maior
D6 – Três Mazurcas, Op. 50 – No. 2 em Lá bemol maior
D7 – Três Mazurcas, Op. 50 – No. 3 em Sol sustenido menor
D8 – Três Mazurcas, Op. 56 – No. 1 em Si maior

LP 3

D1 – Três Mazurcas, Op. 56 – No. 2 em Dó maior
D2 – Três Mazurcas, Op. 56 – No. 3 em Dó menor
D3 – Três Mazurcas, Op. 59 – No. 1 em Lá menor
D4 – Três Mazurcas, Op. 59 – No. 2 em Lá bemol maior
D5 – Três Mazurcas, Op. 59 – No. 3 em Fá sustenido menor
D6 – Três Mazurcas, Op. 63 – No. 1 em Si maior
D7 – Três Mazurcas, Op. 63 – No. 2 em Fá menor
D8 – Três Mazurcas, Op. 63 – No. 3 em Dó sustenido menor
E1 – Mazurca em Lá menor, Op. póstumo
E2 – Mazurca em Lá menor, ‘Notre Temps’
E3 – Quatro Mazurcas, Op. 67 – No. 1 em Sol maior
E4 – Quatro Mazurcas, Op. 67 – No. 2 em Sol menor
E5 – Quatro Mazurcas, Op. 67 – No. 3 em Dó maior
E6 – Quatro Mazurcas, Op. 67 – No. 4 em Lá menor
E7– Quatro Mazurcas, Op. 68 – No. 1 em Dó maior
E8 – Quatro Mazurcas, Op. 68 – No. 2 em Lá menor
E9 – Quatro Mazurcas, Op. 68 – No. 3 em Fá maior
E10 – Quatro Mazurcas, Op. 68 – No. 4 em Fá maior

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Antônio Guedes Barbosa, piano
Gravações feitas no Estúdio Intersom (São Paulo), em 1983
LPs distribuídos em 1983, em circulação limitada
Como vingança é um prato que se come frio, e como cansamos de ver gravações de Barbosa serem lançadas lá fora sem nunca darem as caras por aqui, essa aqui – MUAHAHAHA – essa aqui nunca foi lançada nos Estados Unidos 😀

 


O Instituto Piano Brasileiro fez mais das suas: publicou esse recital incrível de AGB, magistralmente gravado por Frank Justo Acker, cujo inestimável acervo o IPB tem digitalizado e disponibilizado ao mundo. Você ainda não apoia o IPB? Pois DEVERIA.

 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

In memoriam Rosana Martins (1948-2020) [W. A. Mozart: Sonatas para piano, K. 331 e K. 332]

Há um ano, Rosana Martins nos deixava. Muito querida por todos que a conheceram, ela teve um papel muito importante na história do piano brasileiro, tanto por seu trabalho junto ao selo Connoisseur Society, responsável pela maior parte das gravações do grande Antonio Guedes Barbosa (1943-1993), quanto como produtora de “Meu Piano”, a memorável coleção de 41 CDs gravados por Arthur Moreira Lima que levou um vasto repertório pianístico, a preços muito acessíveis, a um público brasileiro que o desconhecia. Rosana tinha estreito contato com grandes nomes da música em todo mundo, e era especialmente próxima de Nelson Freire, a quem muito apoiou como empresária e grande amiga.

Nelson e Rosana (foto do acervo pessoal de Rosana Martins)

Meu contato com Rosana, ainda que breve e estritamente virtual, deixou-me as melhores lembranças: foi uma das primeiras integrantes de um grupo que criei na internet para lembrar Antonio Guedes Barbosa, que abastecia com memórias de seu contato com o extraordinário artista pessoense. Quem frequentava os fóruns sobre piano nas redes sociais não demorava a encontrar suas contribuições e fascinantes mementos de outros encontros memoráveis.

Rosana e uma outra senhora que, dizem, toca direitinho (acervo pessoal de Rosana Martins)

Nossa homenagem a Rosana, no entanto, traz um precioso registro de sua própria carreira como pianista. Criança-prodígio, ela venceu, aos doze anos, o Concurso Internacional das Juventudes Musicais em Berlim, o que acabou por lhe abrir portas para estudos no exterior. Não lhes saberei contar a trajetória tão bem quanto ela própria nessa entrevista ao incansável, indispensável Alexandre Dias, diretor do Instituto Piano Brasileiro (você ainda não apoia o IPB? Pois deveria):

Rosana deixou os estudos pianísticos aos 18 anos, para dedicar-se a seus outros interesses, mas voltou ao teclado aos 21 para fazer a gravação que lhes alcançamos agora. Realizada pelo selo Connoisseur Society, e tendo como engenheiro de som Péter Bartók (o filho do próprio), este registro de duas das mais célebres sonatas de Amadeus recebeu resenhas entusiasmadas e láureas quando de seu lançamento, em 1969. Permaneceu no limbo por décadas – assim como permanece, inexplicavelmente, quase todo precioso acervo da Connoisseur Society – até vir à tona novamente há alguns anos, num popular canal pianístico do YouTube, atestando a grandeza da mui modesta Rosana como pianista, para os tantos que, como eu, a desconheciam. A leitura, como ouvirão, é extraordinária – clara, transparente, impecável! -, e aqui está, creio, numa qualidade sonora melhor que a de todas outras fontes disponíveis nas redes: a digitalização, feita a partir dum LP que estava lacrado até o ano passado, foi-me alcançada por um generoso melômano e leitor-ouvinte dos Estados Unidos, que escolheu permanecer anônimo e a quem agradeço demais pela contribuição à memória de Rosana e para o deleite de PQPianos de todo mundo!

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Sonata para piano em Lá maior, K.331
1 – Andante grazioso
2 – Menuetto
3 – Alla turca – Allegretto

Sonata para piano em Fá maior, K.332
4 – Allegro
5 – Adagio
6 – Allegro Assai

Rosana Maria Martins, piano

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Rosana (aos 12 anos) na casa dum velhinho, aí (acervo pessoal de Rosana Martins)

BÔNUS: O triunfo da menina Rosana no concurso da FIJM em Berlim levou-a a gravar Schumann (Papillons, Op. 2) e Debussy (“Poissons d’Or”) com a Deutsche Grammophon em Hannover, para o álbum comemorativo. Para escutar o prodígio de doze anos, clique AQUI.

[em tempo: no mesmo concurso e na categoria etária imediatamente acima daquela de Rosana, a medalha de prata foi para uma garota portuguesa chamada… Maria João]

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Oitava Década (2011-2020) [Martha Argerich, 80 anos]

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Oitava Década (2011-2020) [Martha Argerich, 80 anos]

1941-1950 | 1951-1960 | 1961-1970 | 1971-1980 | 1981-1990 | 1991-2000 | 2001-2010 | 2011-2020 | 2021-


Se a década pré-pandêmica de nossa Rainha consolidou práticas das anteriores – raras gravações em estúdio, pouquíssimas aparições solo, prolífico camerismo e generoso incentivo a jovens talentos -, os anos 10 também a viram explorar repertório novo e desempenhar papéis inéditos, alguns ligados a suas raízes bonaerenses, tais como tangueira e Luthier, e outros ainda mais insuspeitos, como acompanhista em Lieder e em cancioneiro iídiche. Notem que essa discografia argerichiana que ora concluímos, e que supomos tão completa quanto a pudemos deixar, não inclui a importante coleção de registros de Marthinha no Festival de Lugano, que nosso colega FDP Bach está a nos trazer aos poucos.


Exceto por uma já tradicional vinda a Buenos Aires na metade do ano, quando dá a seus conterrâneos o privilegiado ar de sua graça, Martha não é lá muito afeita a explorar seu continente. Uma exceção notável foi a turnê por várias capitais do Brasil em 2004, certamente instigada pelo amado amigo Nelson Freire, com quem tocou em duo e autografou um LP do patrão PQP e um CD meu lá em nossa Dogville natal. Outra foi essa breve residência na província de Santa Fe, para a qual foi persuadida por outro amigo, Daniel Rivera, um pianista nascido em Rosario e radicado na Itália há muitas décadas. Cada disco registra a íntegra de uma das noites de Martha no festival, o que explica a repetição de algumas peças. Destaco a interpretação de Scaramouche, cujo movimento Brazileira cita (e, para muitos, plagia) Ernesto Nazareth, marcando, ainda que tangencialmente, uma das muito poucas vezes que a música brasileira passou pelos dedos de nossa deusa (outra delas está aqui). Digna de nota, também, é a substancial participação no repertório de compositores argentinos contemporâneos, especialmente na última noite, na qual a Rainha fez parte dum mui hábil conjunto de tango que incluiu sua primogênita, Lyda, a tocar viola.

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Sonata em Ré maior para piano a quatro mãos, K. 381
1 – Allegro
2 – Andante
3 – Allegro molto

Johannes BRAHMS (1833-1897)
Variações sobre um tema de Joseph Haydn, para dois pianos, Op. 56b
4 – Thema: Andante
5 – Poco più animato
6 – Più vivace
7 – Con moto
8 – Andante con moto
9 – Vivace
10 – Vivace
11 – Grazioso
12 – Presto non troppo
13 – Finale: Andante

Franz LISZT (1811-1886)
Les Préludes, poema sinfônico, S. 97
Transcrição para dois pianos do próprio compositor
14 – Andante maestoso

Daniel Rivera, piano II

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Dmitri Dmitriyevich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
Concertino em Lá menor para dois pianos, Op. 94

1 – Adagio – Allegretto – Adagio – Allegro – Adagio – Allegretto

Sergei Vasilyevich RACHMANINOFF (1873-1943)
Suíte para dois pianos no. 2 em Dó maior, Op. 17
2 – Introduction
3 – Valse
4 – Romance
5 – Tarantella

Darius MILHAUD (1892-1974)
Scaramouche, suíte para dois pianos, Op. 165b
6 – Vif
7 – Modéré
8 – Brazileira

Luis Enríquez BACALOV (1933-2017)
9 – Astoreando, para dois pianos

Daniel Rivera, piano II

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Johannes BRAHMS
1-8 – Variações sobre um tema de Joseph Haydn, para dois pianos, Op. 56b

Sergei RACHMANINOFF
9-12 – Suíte para dois pianos no. 2 em Dó maior, Op. 17

Franz LISZT
13 – Les Préludes, poema sinfônico, S. 97
Transcrição para dois pianos do próprio compositor

Johannes BRAHMS (1833-1897)
De Souvenir de Russie, para piano a quatro mãos, Anh. 4/6:
14 – No. 3: Romance de Warlamoff. Con moto (vídeo)

Daniel Rivera, piano II

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Luis BACALOV
1 – “Astoreando”, para dois pianos

Ástor Pantaleón PIAZZOLLA (1921-1992)
2 – “Milonga Del Angel”, para dois pianos, viola, contrabaixo e bandoneón

Aníbal Carmelo TROILO (1914-1975)
3 – “Sur” y “La Última Curda”, para bandoneón

Néstor Eude MARCONI (1942)
e Daniel MARCONI
(1970)
4 – “Gris Se Ausencia” y “Robustango”, para bandoneón

Ástor PIAZZOLLA
5 – “Oblivión” del “Concierto Aconcagua” – “Tema de María” – “Verano Porteño” – Cadencia del “Concierto Aconcagua”-  “La Muerte del Angel” – “Lo Que Vendrá” – “Decarísimo”, para bandoneón

Néstor MARCONI
6 – “Para El Recorrido”, para piano, viola, contrabaixo e bandoneón
7 – “Moda Tango”, para piano, viola, contrabaixo e bandoneón

Ástor PIAZZOLLA
8 – “Libertango”, para piano, viola, contrabaixo e bandoneó
9 – “Tres Minutos Con La Realidad”, para dois pianos, viola, contrabaixo e bandoneón

Néstor Marconi, bandoneón (faixas 3-9)
Enrique Fagone, contrabaixo (faixas 6-9)
Daniel Rivera, piano (faixas 1, 2 e 9)
Gabriele Baldocci, piano (faixa 6)
Martha Argerich (faixas 1, 2, 7-9)
Lyda Chen, viola (faixas 2, 6-9)

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Gravado ao vivo em Rosario, Argentina, entre 19 e 25 de outubro de 2012


Se Martha também é María, e Argerich pela família catalã do pai, ela também é Heller por sua mãe Juanita, filha de judeus russos estabelecidos na província de Entre Ríos. E, se não lhes posso afirmar que o iídiche fez parte de sua infância, não tenho muitas dúvidas de que ele ajudou a aproximá-la de Ver bin Ikh! (“Quem sou eu!”), projeto da atriz e cantora Myriam Fuks. Nascida em Tel Aviv e radicada em Bruxelas, Myriam aqui resgata, com sua profunda voz de contralto, diversas canções judaicas centro-europeias, acompanhada dum prodigioso conjunto de amigos, que inclui o demoníaco Roby Lakatos, Mischa e Lily Maisky, o brilhante Evgeny Kissin (que desenvolve uma belíssima carreira paralela na composição e declamação de poemas em iídiche) e, claro, nossa Rainha, a quem cabe a honra de encerrar o álbum com a parte de piano de Der Rebe Menachem (“O Rabino Menahem”).

VER BIN IKH! – MYRIAM FUKS

1 – Vi Ahin Zol Ikh Geyn (S. Korn-Teuer [Igor S. Korntayer]/O. Strokh)
Evgeny Kissin, piano

02 – Far Dir Mayne Tayer Hanele/Klezmer Csardas de “Klezmer Karma” (R. Lakatos/M. Fuks)
Alissa Margulis, violino
Nathan Braude, viola
Polina Leschenko, piano

3 – Malkele, Schloimele (J. Rumshinsky)
Sarina Cohn, voz
Philip Catherine, guitarra
Oscar Németh, baixo

4 – Deim Fidele (B. Witler)
Lola Fuks, voz
Michael Guttman, violino

5 – Yetz Darf Men Leiben (B. Witler)
Paul Ambach, voz

6 – Greene Bletter (M. Oiysher)
Roby Lakatos, violino

7 – Die Saposhkeler’ (D. Meyerowitz)

8 – Pintele Yid (L. Gilrot/A. Perlmutter-H. Wohl)
Zahava Seewald, voz

9 – ls In Einem Is Nicht Dou Ba Keiner (B. Witler)

10 – Dous Gezang Fin Mayne Hartz (B. Witler)
Myriam Lakatos, voz

11 – Schlemazel (B. Witler)
Édouard Baer, voz

12 – Nem Der Nisht Tsim Hartz (B. Witler)

13 – Hit Oup Dous Bisele Koyer’ (B. Witler)
Michel Jonasz, voz

14 – Schmiele (G. Ulmer)
Mona Miodezky, voz
Roby Lakatos, violino

15 – Ziben Gite Youren (D. Meyerowitz)

16 – Bublitchki (Beygeleich) (Tradicional)
Alexander Gurning, piano

17 – Ver Bin Ikh? (B. Witler)
Mischa Maisky, violoncelo
Lily Maisky, piano

18 – Der Rebe Menachem (A. Gurning/M. Fuks-M. Rubinstein)
Martha Argerich, piano

Myriam Fuks, voz
Aldo Granato, acordeão
Klaudia Balógh, violino
Lászlo Balógh, guitarra
Christel Borghlevens, clarinete
Oscar Németh, contrabaixo

Gravado em Bruxelas, Bélgica, maio de 2014

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Martha sempre teve o costume de acolher, tanto em sua vida pessoal quanto sob as suas protetoras asas artísticas, artistas mais jovens, e um seu modus operandi bem típico nas últimas décadas tem sido o das participações, por óbvio muito especiais, em álbuns de colegas que admira. O pianista russo-alemão Jura Margulis teve o privilégio de ter a Rainha a seu lado para encerrar este volume de suas próprias transcrições para piano, tocando a dois pianos a Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky. Eu, que adoro Modest quase tanto quanto amo Marthinha, não só fiquei entusiasmado ao finalmente ouvi-la tocar uma de suas obras, como também passei a sonhar com o dia em que a escutaria a tocar os Quadros de uma Exposição, que certamente ficariam supimpas sob suas mãos. Pode parecer um pedido exagerado a quem já tem oitenta anos e um tremendo repertório, mas não perdi minhas esperanças; muito pelo contrário, eu as vi renovadas quando Martha, em 2020, aprendeu e tocou as partes de piano da maravilhosa Der Hirt auf dem Felsen de Schubert e, para minha maior alegria, de duas das Canções e Danças da Morte de Mussorgsky. Sonhar, enfim, nada custa – ainda.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Da Matthäus-Passion, BWV 244
1 – Wir setzen uns mit Tränen nieder

Wolfgang Amadeus MOZART
Do Requiem em Ré menor, K. 626
2 – Confutatis maledictis
3 – Lacrimosa

Giacomo PUCCINI (1858-1924)
4 – Crisantemi, SC 65

Franz LISZT
5 – Mephisto-Walzer

Robert SCHUMANN
De Dichterliebe, Op. 48:
6 – No. 4: Wenn ich in deine Augen seh’

Dmitri SHOSTAKOVICH
Da Sinfonia no. 8 em Dó menor, Op. 65
7 – Toccata
8 – Passacaglia

Sayat NOVA (1712-1795)
Transcrição de Arno Babadjanian (1921-1983)
9 – Melodie – Elegie

Modest Petrovich MUSSORGSKY (1839-1881)
10 – Noch′ na lysoy gore (“Noite no Monte Calvo”), para dois pianos

Jura Margulis, piano (1-10) e transcrições (exceto faixa 9)
Martha Argerich, piano II (faixa 10)

“Noite no Monte Calvo” gravada em Lugano, Suíça, junho de 2014

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Uma overdose de genialidade portenha, e praticamente um esculacho de Buenos Aires para com cidades menos dotadas de talentos (i.e., quase todas as outras), foi aquela noite de agosto de 2014 em que Les Luthiers encontraram Daniel Barenboim e Martha Argerich no sacrossanto palco do Teatro Colón. Depois da habitual dose de obras do imerecidamente obscuro Johann Sebastian Mastropiero, o genial quinteto juntou-se a Barenboim para narrar A História do Soldado de Stravinsky, e os seis se somariam a Martha para o Carnaval dos Animais de Saint-Saëns. Nem o vídeo, nem o áudio do memorável encontro foram lançados comercialmente – o que nos obriga a nos contentarmos com o ensaio geral, feito na manhã do concerto, com a plateia repleta de fãs que não tinham conseguido ingressos para a noite:


Martha e Daniel voltariam a se encontrar no Colón no ano seguinte, sem Les Luthiers, para um programa de formato mais familiar a eles. À rara audição dos estudos canônicos de Schumann no arranjo improvável de Debussy, eles fizeram seguir uma obra do próprio Claude-Achille e a irresistível sonata com percussão de Bartók: repertório incomum e – em que pese a ausência de J. S. Mastropiero – nada menos que tremendo.

Robert SCHUMANN

Seis estudos em forma canônica, para piano, Op. 56
Transcrição para dois pianos de Claude Debussy (1862-1918)
1 -Nicht zu schnell
2 – Mit innigem Ausdruck
3 – Andantino
4 – Innig
5 – Nicht zu schnell
6 -Adagio

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
En Blanc et Noir, suíte para dois pianos, L. 134
7 – Avec Emportement (À Mon Ami A. Koussevitzky)
8 – Lent. Sombre (Au Lieutenant Jacques Charlot Tué a l’ennemi en 1915, le 3 Mars)
9 – Scherzando (À Mon Ami Igor Stravinsky)

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Sonata para dois pianos e percussão, Sz. 110
10 – Assai lento – Allegro molto
11 – Lento, ma non troppo
12 – Allegro non troppo

Daniel Barenboim, piano II
Lev Loftus e Pedro Manuel Torrejón González, percussão (faixas 10-12)

Gravado ao vivo em Buenos Aires, Argentina, agosto de 2015

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Dezoito anos depois de sua primeira gravação juntos, Martha e Itzhak Perlman reecontraram-se em Paris para novas sessões em estúdio – as primeiras de Martha na década para o repertório de concerto. Às Fantasiestücke de Schumann e a sonata no. 4 de Bach, eles somaram a fatia brahmsiana da sonata F-A-E, completando o álbum com uma sonata de Schumann gravada em 1998 e ainda mantida inédita por falta de pareamento.

“Trabalhar com Martha”, disse Itzhak, “foi uma experiência única para mim… seu brilho e as cores que ela usa quando toca são reconhecíveis tão longo você as escuta – é ela, ninguém mais soa assim… Estou muito feliz com que pudemos de fato gravar novamente… quando surgiu a possibilidade de que ela tivesse um punhado de dias livres para gravar eu disse ‘eu irei a qualquer lugar!!!'”. A julgar pela cumplicidade com que tocaram e pelo olhar curioso de Martha para o bonachão Itzhak na capa do álbum, tenho certeza de que a viagem valeu a pena.

Robert SCHUMANN
Sonata para violino e piano no. 1 em Lá menor, Op. 105
1 – Mit leidenschaftlichem Ausdruck
2 – Allegretto
3 – Lebhaft

Fantasiestücke, para violino e piano, Op. 73
4 – Zart und mit Ausdruck
5 – Lebhaft, leicht
6 – Rasch und mit Feuer

Johannes BRAHMS
Scherzo para violino e piano, WoO 2 (da sonata “F-A-E”, composta em colaboração com Robert Schumann e Albert Dietrich)
7 – Allegro

Johann Sebastian BACH
Sonata para violino e teclado no. 4 em Dó menor, BWV 1017
8 – Siciliano. Largo
9 – Allegro
10 – Adagio
11 – Allegro

Itzhak Perlman, violino

Gravado em Saratoga, Estados Unidos, julho de 1998 (1-3) e Paris, França, março de 2016 (4-11)

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Ainda que a gravação anterior de Martha para o Carnaval dos Animais – aquela com Gidon Kremer – seja mais famosa, eu prefiro essa, com Antonio Pappano no duplo papel de pianista e regente e Annie, filha de Martha com Charles Dutoit, a narrar. Se aquela com Les Luthiers é melhor que essa, jamais saberemos enquanto os detentores da preciosa gravação no Colón não a trouxerem a público. O que sabemos é que Johann Sebastian Mastropiero é um compositor muitíssimo superior a Saint-Saëns e que, por isso, nossa Rainha deveria tocá-lo mais. Fica a dica, Marthinha.

Charles-Camille SAINT-SAËNS (1835-1921)

Sinfonia no. 3 em Dó menor, Op. 78, “com Órgão”
1 – Adagio – Allegro moderato
2 – Poco Adagio
3 – Allegro moderato – Presto
4 – Maestoso – Allegro

Daniele Rossi, órgão

Le Carnaval des Animaux, Grande Fantaisie Zoologique
5 – Introduction et Marche Royale du Lion
6 – Poules et Coqs
7 – Hémiones
8 – Tortues
9 – L’Éléphant
10 – Kangourous
11 – Aquarium
12 – Personnages à Longues Oreilles
13 – Le Coucou au Fond des Bois
14 – Volière
15 – Pianistes
16 – Fossiles
17 – Le Cygne
18 – Finale

Annie Dutoit, narração
Gabriele Geminiani, violoncelo
Libero Lanzilotta, contrabaixo
Antonio Pappano, piano II e regência

Gravado em Roma, Itália, novembro de 2016

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Enquanto se desligava aos poucos do festival centrado sobre si em Lugano, Martha passou a visitar Hamburgo com cada vez mais frequência, até ver um novo festival em torno de si, realizado no mês de junho na soberba Laeiszhalle daquela cidade em que mais chove em toda Alemanha. Este Rendez-vous with Martha Argerich é o tributo fonográfico do impressionante programa do festival em 2018, reunindo um elenco cheio de figuras estelares da galáxia da Rainha – incluindo algumas literalmente familiares, como suas filhas Lyda e Annie e o ex-companheiro Kovacevich. Gosto de todos os discos, repletos que são do elã característico de Marthinha, mesmo quando ela não está de fato a tocar. Meu xodó, no entanto, é o último, com um delicioso Carnaval dos Animais narrado por Annie e uma não menos saborosa seleção de repertório ibérico e latino-americano que se encerra com uma versão tanguera de Eine kleine Nachtmusik que certamente faria Amadeus gargalhar em dois por quatro.

Claude DEBUSSY
De Nocturnes, L. 91
1 – Fêtes (arranjo para dois pianos de Maurice Ravel)

Anton Gerzenberg, piano II

Sonata em Sol menor para violino e piano, L. 140
2 – Allegro vivo
3 – Intermède. Fantasque et léger
4 – Finale. Très animé

Géza Hosszu-Legocky, violino
Evgeni Bozhanov, piano

5 – Prélude à l’après-midi d’un faune, L. 86
(arranjo para dois pianos do próprio compositor)

Stephen Kovacevich, piano I

Sonata em Ré menor para violoncelo e piano, L. 135
6 – Prologue: Lent, sostenuto e molto risoluto
7 – Sérénade: Modérément animé
8 – Finale: Animé, léger et nerveux

Mischa Maisky, violoncelo

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
9 – La Valse, poème choreographique (arranjo para dois pianos do próprio compositor)

Nicholas Angelich, piano II

Sonata em Ré menor para violino e violoncelo, M. 73
10 – Allegro
11 – Très vif
12 – Lent
13 – Vif, avec entrain

Alexandra Conunova, violino
Edgar Moreau, violoncelo

Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)
Sinfonia no. 1 em Ré maior, Op. 25, “Clássica”
Transcrição para dois pianos de Rikuya Terashima
1 – Allegro
2 – Larghetto
3 – Gavotta: Non troppo allegro
4 – Finale: Molto vivace

Evgeni Bozhanov e Akane Sakai, pianos

5 – Abertura sobre temas hebraicos, para piano, clarinete, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 34

Pablo Barragán, clarinete
Akiko Suwanai e Alexandra Conunova, violinos
Lyda Chen, viola
Edgar Moreau, violoncelo

Suíte de Cinderella (Zolushka), balé em três atos, Op. 87
Arranjo para dois pianos de Mikhail Vasilyevich Pletnev (1957)
6 – Introduction: Andante dolce
7 – Querelle: Allegretto
8 – L’Hiver: Adagio – Allegro moderato
9 – Le Printemps: Vivace con brio – Moderato – Presto
10 – Valse de Cendrillon: Andante – Allegretto – Poco più animato – Più animato – Meno mosso

Akane Sakai e Alexander Mogilevsky, pianos

11 – Gavotte: Allegretto
12 – Gallop: Presto – Andantino – Presto
13 – Valse Lente: Adagio – Poco più animato – Assai più mosso – Poco più animato – Meno mosso (più animato dell’adagio
14 – Finale: Allegro moderato – Allegro espressivo – Presto – Allegro moderato – Andante

Evgeni Bozhanov e Kasparas Uinskas, pianos

Sonata em Dó maior para dois violinos, Op. 56
15 – Andante cantabile
16 – Allegro
17 – Commodo (quasi allegretto)
18 – Allegro con brio

Tedi Papavrami e Akiko Suwanai, violinos

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Dmitri Dmitriyevich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
Concerto em Dó menor para piano, trompete e orquestra de cordas, Op. 35
1 – Allegro moderato – attacca:
2 – Lento – attacca:
3 – Moderato – attacca:
4 – Allegro con brio

Sergei Nakariakov, trompete
Symphoniker Hamburg

Trio para piano, violino e violoncelo no. 2 em Mi menor, Op. 67
5 – Andante – Moderato – Poco più mosso
6 – Allegro con brio
7 – Largo
8 – Allegretto – Adagio

Guy Braunstein, violino
Alisa Weilerstein
, violoncelo

Zoltán KODÁLY (1882-1967)
Duo para violino e violoncelo, Op. 7
9 – Allegro serioso, non troppo
10 – Adagio – Andante
11 – Maestoso e largamente, ma non troppo lento – Presto

Guy Braunstein, violino
Alisa Weilerstein, violoncelo

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Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847)

Trio para violino, violoncelo e piano no. 1 em Ré menor, Op. 49 (transcrição para flauta, violoncelo e piano)
1 – Molto allegro ed agitato
2 – Andante con moto tranquillo
3 – Scherzo
4 – Finale

Susanne Barner, flauta
Gabriele Geminiani, violoncelo

Ludwig van BEETHOVEN
Concerto em Dó maior para violino, violoncelo e piano, Op. 56
5 – Allegro
6 – Largo – attacca:
7 – Rondo alla polacca

Tedi Papavrami, violino
Mischa Maisky, violoncelo
Symphoniker Hamburg
Ion Marin, regência

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Robert SCHUMANN
Fantasiestücke
para violoncelo e piano, Op. 73
1 – Zart und mit Ausdruck
2 – Lebhaft, leicht
3 – Rasch und mit Feuer

Mischa Maisky, violoncelo

04-23 – Dichterliebe, ciclo de canções sobre textos do Lyrisches Intermezzo de Das Buch der Lieder de Heinrich Heine, Op. 48 (edição original de 1840)

Thomas Hampson, barítono

 

Johannes BRAHMS
Sonata para piano e violino no. 2 em Lá maior, Op. 100
1 – Allegro amabile
2 – Andante tranquillo — Vivace — Andante — Vivace di più — Andante — Vivace
3 – Allegretto grazioso (quasi andante)

Akiko Suwanai, violino
Nicholas Angelich, piano

Sergey RACHMANINOV
Sonata em Sol menor para violoncelo e piano, Op. 19
4 – Lento. Allegro moderato
5 – Allegro scherzando
6 – Andante
7 – Allegro mosso

Jing Zhao, violoncelo
Lilya Zilberstein, piano

Camille SAINT-SAËNS
1-30 – Le Carnaval des Animaux, Grande Fantaisie Zoologique

Annie Dutoit
, narração
Jing Zhao, violoncelo
Lilya Zilberstein e Martha Argerich, pianos
Symphoniker Hamburg
Ion Marin, regência

Ernesto Sixto de la Asunción LECUONA Casado (1895-1963)
Quatro danças cubanas, para piano
31 – A la antigua
32 – Al fin te ví
33 – No hables más!
34 – En tres por cuatro

Três danças afro-cubanas, para piano
35 – La Conga de Medianoche
36 – La Comparsa
37 – Danza de los Ñañigos

Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
Arranjo de Mauricio Vallina (1970)
Da Suíte España, Op. 165
38 – No. 2: Tango

Ángel Gregorio VILLOLDO Arroyo (1861- 1919)
Arranjo de Lea Petra
39 –
El Choclo

Mauricio Vallina, piano

Eduardo Oscar ROVIRA (1925- 1980)
40 – A Evaristo Carriego

Ástor PIAZZOLLA
41 – Triunfal
42 – Adiós Nonino

Wolfgang Amadeus MOZART
43 – Musiquita Noturna (arranjo do Allegro da Eine Kleine Nachtmusik, K. 525)

Jing Zhao, violoncelo (faixa 40)
The Guttman Tango Quartet:
Michael Guttman, violino
Lysandre Denoso, bandoneón
Chloe Pfeiffer, piano
Ariel Eberstein, contrabaixo

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Gravado em Hamburgo, Alemanha, junho de 2018


Entre os protegidos de Martha Argerich, o sul-coreano Dong Hyek Lim é um dos meus favoritos: não são muitos os jovens pianistas que conseguem, na falta de melhor definição, dizer a música sem firulas egocêntricas, nem aparentar qualquer esforço, mesmo nas passagens mais cabeludas do repertório. Aqui ele doma o monstruoso Rach 2 com um som apropriadamente grande e muita precisão, para depois encarar as Danças Sinfônicas de Sergey em companhia de Sua Majestade, que lhe concede o privilégio da especialíssima participação em seu álbum: uma moral e tanto para o pibe.

Sergey RACHMANINOV
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Dó menor, Op. 18
1 – Moderato
2 – Adagio sostenuto – Più animato – Tempo I
3 -Allegro scherzando

Dong Hyek Lim, piano
BBC Symphony Orchestra
Alexander Vedernikov

Gravado em Londres, Reino Unido, setembro de 2018

Danças sinfônicas para orquestra, Op. 45
Transcrição para dois pianos do próprio compositor
4 – Non allegro
5 – Andante con moto
6 – Lento assai – Allegro vivace – Lento assai. Come prima – Allegro vivace

Dong Hyek Lim, piano I

Gravado em Berlim, Alemanha, dezembro de 2018

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Mais um Rendez-vous com Martha em Hamburgo, desta vez em 2019, com resultados muito bons, ainda que tão entusiasmantes quanto os do ano anterior. Jamais escreveria isso num tom de queixume, mas a Rainha legou-nos tantas interpretações memoráveis que as revisitas aos itens de seu repertório despertam comparações com as legendárias versões anteriores, num curioso efeito colateral dos setenta anos de carreira e duma magnífica discografia. Refiro-me, principalmente, à gravação do concerto de Tchaikovsky, em que ela brilha como sempre, mas a Sinfônica de Hamburgo não tanto quanto a Royal Philharmonic sob a mesma batuta de Charles Dutoit, décadas antes. E teria havido, enfim, menos elã no notável elenco de intérpretes do que no ano anterior, ou estarei eu tão só blasé depois de tanto escutar gravações antológicas de Marthinha para lhes apresentar sua discografia integral? Só vocês me poderão dizer.

Felix MENDELSSOHN
Trio para piano, violino e violoncelo no. 2 em Dó menor, Op. 66
1 – Allegro energico e con fuoco
2 – Andante espressivo
3 – Scherzo
4 – Finale. Allegro appassionato

Renaud Capuçon, violino
Edgar Moreau, violoncelo

Johannes BRAHMS
Sonata para violino e piano no. 1 em Sol maior, Op. 78
5 – Vivace ma non troppo
6 – Adagio
7 – Allegro molto moderato

Renaud Capuçon, violino
Nicholas Angelich, piano

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Wolfgang Amadeus MOZART
Andante e variações em Sol maior para piano a quatro mãos, K. 501
1 – Thema – Variationen I-V

Stephen Kovacevich e Martha Argerich, piano

Ludwig van BEETHOVEN
Sonata para violino e piano no. 9 em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
2 – Adagio sostenuto — Presto
3 – Andante con variazioni
4 – Finale. Presto

Tedi Papavrami, violino

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Fantasia em Fá menor para piano a quatro mãos, D. 940
5 – Allegro molto moderato
6 – Largo
7 – Scherzo. Allegro vivace
8 – Finale. Allegro molto moderato

Gabriela Montero e Martha Argerich, piano

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Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Si bemol menor, Op. 23
1 – Allegro non troppo e molto maestoso
2 – Andantino semplice – Prestissimo – Tempo I
3 – Allegro con fuoco

Symphoniker Hamburg
Charles Dutoit, regência

Igor Fyodorovich STRAVINSKY (1882-1971)
Les Noces, Cenas Coreográficas com Música e Vozes
4 – La tresse
5 – Chez le Marié
6 – Le Départ de la Mariée
7 – Le Repas de Noces

Nicholas Angelich, Gabriele Baldocci, Alexander Mogilevsky e Stepan Simonian, pianos
Europa Choir Akademie Görlitz
Charles Dutoit, regência

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Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)
Sonatas (Esercizi) para teclado:
1 – K. 495 em Mi maior
2 – K. 20 em Mi maior
3 – K. 109 em Lá menor
4 – K. 128 em Si bemol menor
5 – K. 55 em Sol maior
6 – K. 32 em Ré menor
7 – K. 455 em Sol maior

Evgeni Bozhanov, piano

Johann Sebastian BACH
Concerto em Lá menor para quatro pianos e orquestra de cordas, BWV 1065
8 – Allegro
9 – Largo
10 – Allegro

Martha Argerich, Dong Hyek Lim, Sophie Pacini e Mauricio Vallina, pianos
Symphoniker Hamburg
Adrian Iliescu, regência

Robert SCHUMANN
Kinderszenen
, para piano, Op. 15
11 – Von fremden Ländern und Menschen
12 – Kuriose Geschichte
13 – Hasche-Mann
14 – Bittendes Kind
15 – Glückes genug
16 – Wichtige Begebenheit
17 – Träumerei
18 – Am Kamin
19 – Ritter vom Steckenpferd
20 – Fast zu ernst
21 – Fürchtenmachen
22 – Kind im Einschlummern
23 – Der Dichter spricht

Martha Argerich, piano

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)
Introdução e Polonaise Brilhante em Dó maior, para violoncelo e piano, Op. 3
24 – Largo – Alla polacca

Mischa Maisky, violoncelo

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Sergey PROKOFIEV
Sonata para violino e piano no. 2 em Ré maior, Op. 94a
1 – Moderato
2 – Presto
3 – Andante
4 – Allegro con brio

Tedi Papavrami, violino

Concerto para piano e orquestra no. 3 em Dó maior, Op. 26
1 – Andante – Allegro
2 – Tema con variazioni
3 – Allegro ma non troppo

Symphoniker Hamburg
Sylvain Cambreling, regência

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Wolfgang Amadeus MOZART
Sonata em Ré maior para piano a quatro mãos, K. 381
1 – Allegro
2 – Andante
3 – Allegro molto

Martha Argerich e Akane Sakai, piano

Claude DEBUSSY
Petite Suite, para piano a quatro mãos, L. 65
4 – En bateau
5 – Cortège
6 – Menuet
7 – Ballet

Sergei Babayan e Evgeni Bozhanov, piano

Enrique GRANADOS Campiña (1862-1916)
Transcrição para violino e piano de Fritz Kreisler (1875-1962)
Das Doze danças espanholas, Op. 37
8 – No. 5: Andaluza

Friedrich “Fritz” KREISLER (1875-1962)
9 – Schön Rosmarin

Géza Hosszu-Legocky, violino
Sergei Babayan, piano

Francis Jean Marcel POULENC (1899-1963)
Sonata para dois pianos, FP 165
10 – Prologue
11 – Allegro molto
12 – Andante lyrico
13 – Epilogue

Witold Roman LUTOSŁAWSKI (1913-1994)
14 – Variações sobre um tema de Paganini, para dois pianos

Karin Lechner e Sergio Tiempo, pianos

Sergey RACHMANINOV
Das Seis peças para piano a quatro mãos, Op. 11
15 – No. 4: Valsa

Martha Argerich e Khatia Buniatishvili, piano

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Gravado em Hamburgo, Alemanha, junho de 2019


 

A gravação mais recente de Martha, já sob a égide da Covid-19, foi feita em duo com a pianista grega Theodosia Ntokou, outra de suas muito queridas protegidas. A escolha de uma transcrição da sinfonia “Pastoral” de Beethoven só não é mais curiosa do que a própria versão escolhida: em lugar da mais famosa e autoritativa, feita por Carl Czerny, aluno do próprio renano, elas escolheram o obscuro arranjo do ainda mais obscuro Selmar Bagge. A “Pastoral” foi-me uma grata surpresa, assim como lhes será a bonita leitura que Ntokou entrega da sonata “Tempestade”, depois de se despedir da Rainha. E, já que estamos a falar de despedidas, despeço-me eu aqui por terminar de oferecer-lhes, ao longo de oito capítulos e incontáveis adiamentos, a discografia completa da maior pianista de nosso tempo, num tributo aos seus oitenta anos que, concluído já no caminho de seus oitenta e dois, deseja-lhe a saúde e o fogo de sempre para oferecer ao público que tanto a ama o estupor com que ela o nutre há mais de sete décadas.

Ludwig van BEETHOVEN

Sinfonia no. 6 em Fá maior, Op. 68, “Pastoral”
Transcrição para dois pianos de Selmar Bagge (1823-1896)
1 – Erwachen heiterer Empfindungen bei der Ankunft auf dem Lande. Allegro ma non troppo
2 – Szene am Bach. Andante molto moto
3 – Lustiges Zusammensein der Landleute. Allegro
4 – Gewitter. Sturm. Allegro
5 – Hirtengesang. Frohe und dankbare Gefühle nach dem Sturm. Allegretto

Theodosia Ntokou, piano II

Gravado em Lugano, Suíça, julho de 2020

Das Três sonatas para piano, Op. 31:
No. 2 em Ré menor, “Tempestade”
6 – Largo
7 – Adagio
8 – Allegretto

Theodosia Ntokou, piano

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Desta década da discografia da Rainha vocês já encontravam aqui no PQP Bach as seguintes gravações:

W. A. Mozart (1756-1791): Piano Concerto No.25 K.503 & Piano Concerto No.20 K.466

2013


A Quatro Mãos: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Franz Schubert (1797-1828) – Igor Stravinsky (1882-1971) – Duos para piano – Martha Argerich e Daniel Barenboim

2014

[Restaurado] Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Abertura de “Le Nozze di Figaro” – Ludwig van Beethoven (1770-1827): Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15 – Maurice Ravel (1875-1937): Rapsodie Espagnole – Pavane pour une Infante Défunte – Alborada del Gracioso – Boléro – Argerich – Barenboim #BTHVN250

2014


Hiroshima, ano 77 [Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano no. 1, Op. 15 – Argerich / Dai Fujikura (1977): Concerto para piano no. 4, “Akiko’s Piano” – Hagiwara]

2015


[Restaurado] BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15 – Sinfonia no. 1 em Dó maior, Op. 21 – Argerich – Ozawa

2017


[Restaurado] Sergey Prokofiev – Prokofiev for Two – Martha Argerich, Sergei Babayan

2017


Viva a Rainha! – Martha Argerich, 80 anos [Debussy: Fantasia para piano e orquestra]

2018


[Restaurado] BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 18 – Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Divertimento, K. 136 (excerto) – Edvard Grieg (1843-1907) – Suíte Holberg, Op. 40 – Argerich – Ozawa

2019



Nossa Rainha fala português [e que sdds, Nelson ♥♥♥]

Vassily

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Sétima Década (2001-2010) [Martha Argerich, 80 anos]

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Sétima Década (2001-2010) [Martha Argerich, 80 anos]

1941-1950 | 1951-1960 | 1961-1970 | 1971-1980 | 1981-1990 | 1991-2000 | 2001-2010 | 2011-2020 | 2021-


Se o novo milênio da Rainha teve poucas gravações em estúdio, ele abundou em registros ao vivo. O Festival de Lugano, que aconteceu entre 2002 e 2016, garantiu pelo menos um álbum triplo anual à discografia de Martha, sempre em companhias por ela escolhidas, e com muitas obras novas em seu repertório. Passaremos ao largo do legado de Lugano, no entanto, pois o colega FDP Bach já vem publicando seus discos há algum tempo e pretende prosseguir sua série. Assim, hemos de lhes alcançar o que La Diosa gravou fora do Ticino, que também privilegia a colaboração com outros artistas, particularmente aqueles bem mais jovens que ela.


A primeira gravação de estúdio da década nada tem de jovem guarda: à  mui madura troika de Martha, Kremer e Maisky, veterana de tantas gravações importantes, soma-se a também calejada viola de Yuri Bashmet. O resultado, mais que a soma de solistas, é um conjunto afiado, especialmente no eletrizante Brahms que abre o disco, que desfaz os rumores não só de que Martha não gosta de Brahms, como também de que não o toca bem. Sobre o tópico, aliás, ela declarou ano passado: “quando eu toco [Brahms], eu amo, mas a música dele não é do tipo ao qual sou naturalmente inclinada. Eu estudei o concerto no. 2 com o Gulda [seu professor], mas nunca o toquei em concerto. Pode ser uma história de libido. Certas pianistas adoram sua música: Irene Russo, Hélène Grimaud, Karin Lechner… Elas são talvez mulheres atraídas por homens mais velhos. Esse nunca foi meu caso. Eu toquei sua sonata para piano no. 2 por um tempo porque ela é muito schumanniana (…) Eu gosto de Brahms. Era Gulda que não gostava muito dele”.

O álbum é encerrado pelas Fantasiestücke de Schumann para trio, que, ainda que executadas com muita competência (e talvez vibrato demais pelos cordistas), não deixam de soar um pouco frugais depois da tempestade brahmsiana daquele “Rondó à Moda Cigana” que encerra o quarteto.

Johannes BRAHMS (1833-1897)
Quarteto para piano, violino, viola e violoncelo em Sol menor, Op. 25
1 – Allegro
2 – Intermezzo: Allegro ma non troppo – Trio: Animato
3 – Andante con moto
4 – Rondo alla Zingarese

Gidon Kremer, violino
Yuri Bashmet, viola
Mischa Maisky, violoncelo

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Fantasiestücke para piano, violino e violoncelo, Op. 88
5 – Romanze: Nicht schnell, mit innigem Ausdruck
6 – Humoreske: Lebhaft
7 – Duett: Langsam und mit Ausdruck
8 – Finale: Im Marschtempo

Gidon Kremer, violino
Mischa Maisky, violoncelo

Gravado em Berlim, Alemanha, fevereiro de 2002

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Martha é uma pianista dos pianistas, e nos perderíamos facilmente na conta dos colegas que a admiram. Mikhail Pletnev, que foi por um tempo seu vizinho na Suíça, é um de seus maiores fãs, e pôs sua admiração à obra, dedicando à Rainha uma transcrição para dois pianos da “Cinderella” de Prokofiev, estreada e gravada por ambos em 2003. A gravação, à qual se segue uma charmosa “Mamãe Gansa” de Ravel, é um deleite, e nos permite saborear os contrastes entre o estilo único de Marthinha (no piano à esquerda em Prokofiev e sentada à esquerda no Ravel) com o clássico sonzão russo de Pletnev (sentado à direita nas duas gravações).

Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)
Suíte de Cinderella (Zolushka), balé em três atos, Op. 87
Arranjo para dois pianos de Mikhail Vasilyevich Pletnev (1957)
1 – Introduction: Andante dolce
2 – Querelle: Allegretto
3 – L’Hiver: Adagio – Allegro moderato
4 – Le Printemps: Vivace con brio – Moderato – Presto
5 – Valse de Cendrillon: Andante – Allegretto – Poco più animato – Più animato – Meno mosso
6 – Gavotte: Allegretto
7 – Gallop: Presto – Andantino – Presto
8 – Valse Lente: Adagio – Poco più animato – Assai più mosso – Poco più animato – Meno mosso (più animato dell’adagio
9 – Finale: Allegro moderato – Allegro espressivo – Presto – Allegro moderato – Andante

Mikhail Pletnev, piano II

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
Ma Mère l’Oye, suíte para piano a quatro mãos, M. 62
10 – Pavane de la Belle au Bois Dormant: Lent
11 – Petit Poucet: Très modéré
12 – Laideronnette, Impératrice des Pagodes: Mouvement de Marche
13 – Les Entretiens de la Belle et de la Bête: Mouvement de Valse très modéré
14 – Le Jardin Féerique: Lent et Grave

Martha Argerich e Mikhail Pletnev, piano

Gravado em Vevey, Suíça, agosto de 2003

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Apesar das muitas décadas morando na Europa, de ser cidadã suíça há mais de cinquenta anos, e de ter criado filhas francófonas, Martha nunca deixou de ser argentina, tanto no passaporte, quanto, principalmente, na identidade cultural. Em seus frequentes retornos a seu país, faz breves turnês por cidades do interior, de Rosario a Córdoba, e de Salta a Tucumán, e colabora, sempre que pode, com músicos argentinos.

A colaboração mais marcante, com sobras, foi aquela que aconteceu durante o Festival Argerich, em sua Buenos Aires natal, em setembro de 2003. Na ocasião, Martha e a Camerata Bariloche acompanharam a voz mítica de Mercedes Sosa (1935-2009), que, já abalada pelos problemas de saúde que a calariam alguns anos depois, não deixou de lotar o Teatro Colón e transformar a escadaria da avenida Libertad numa cachoeira de lágrimas. A colaboração foi proposta por Martha, para a completa incredulidade de Mercedes, tesouro nacional argentino e lenda viva da música do continente, que achou estar a receber um trote:

De repente eu peguei o telefone e ouvi ‘sou Martha Argerich’ e eu não entendi nada. Perguntei: ‘Martha, é você mesma?’ A minha surpresa foi tanta que só consegui convidá-la para comer empanadas. Mas ela me disse: ‘quero que você cante comigo no Colón’. Eu pensei que era uma piada. Nunca imaginei… Meus planos iam até cantar com Mina ou com Carlos Santana… E foi a Martha quem me ofereceu isso. Apesar de conhecê-la há muitos anos, nunca imaginei que ela me chamaria para fazer algo juntas. Nunca, nunca… Ela interpreta Prokofiev e nunca se apresentou com um cantor popular. Tenho toda a coleção de Chopin da Martha, comprada na França. Agora vamos fazer juntas obras como ‘A canção da árvore do esquecimento’, de Alberto Ginastera. Isso é um sonho.”

Sonho é uma boa palavra, que também descreve a vontade minha, tiete apaixonado das duas, de virar um besouro para me embrenhar nas coxias do Colón naquela noite portenha de inverno. Para minha, e por certo também nossa alegria, se o único encontro entre La Diosa e La Negra nunca foi lançado em álbum, alguma boa alma fez-nos o favor de colocá-lo no YouTube.



MERCEDES SOSA Y MARTHA ARGERICH EN VIVO EN EL TEATRO COLÓN

1 – La tempranera (León Benarós) 00:00
2 – Como pájaros en el aire (Peteco Carabajal) 05:12
3 – El alazán (Atahualpa Yupanqui – Pablo del Cerro) 08:32
4 – Doña Ubensa (Chacho Echeñique) 13:15
5 – Allá lejos y hace tiempo (A. Tejada Gómez – Ariel Ramírez)
16:33
6 – Canción del árbol del olvido (F. Silva Valdés – A. Ginastera) 21:27
7 – Las cartas de Guadalupe (Félix.Luna – Ariel Ramirez) 23:44
8 – El alazán (Atahualpa Yupanqui – Pablo del Cerro)
27:05
9 – Alfonsina y el mar (Félix Luna – Ariel Ramirez) 31:47

Gravado ao vivo no Teatro Colón em Buenos Aires, Argentina, em 8 de setembro de 2003


Um expediente recorrente de Martha no novo milênio passou a ser o de fazer participações especiais em álbuns de jovens colegas, seus protegidos. É o caso deste, da pianista petersburguense Polina Leschenko, com quem Martha divide a saborosa transcrição da por si só deliciosa “Sinfonia Clássica” de seu xodó Prokofiev. Leschenko prossegue com boas companhias, entre as quais o legendário violinista romani Roby Lakatos, que a despeito do shape de cantor de churrascaria e de flertar com ambiências semelhantes às de André Rieu, é um instrumentista e improvisador monstruoso, dos maiores que estão presentemente a respirar nesta mesma atmosfera. Prova disso é a “Dança do Sabre” de Khachaturian que surge como surpresa após o “Vocalise” de Rachmaninov extinguir-se: pura doideira!

Sergey PROKOFIEV

Sinfonia no. 1 em Ré maior, Op. 25, “Clássica”
Transcrição para dois pianos de Rikuya Terashima
1 – Allegro
2 – Larghetto
3 – Gavotta: Non troppo allegro
4 – Finale: Molto vivace

Polina Leschenko, piano II

Sonata para piano no. 7 em Si bemol maior, Op. 83
5 – Allegro inquieto
6 – Andante caloroso
7 – Precipitato

Polina Leschenko, piano

Sonata em Dó maior para violoncelo e piano, Op. 119
8 – Andante grave
9 – Moderato
10 – Allegro ma non troppo

Christian Poltéra, violoncelo
Polina Leschenko, piano

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
De Souvenir d’un lieu cher, para violino e piano, Op. 42:
11 – No. 3: Mélodie

Sergey PROKOFIEV
De Lyubov k Tryom Apelsinam (“Amor das Três Laranjas”), Op. 33:
Arranjo para violino e piano de Jascha Heifetz (1901-1987)
12 – Marcha

Roby Lakatos, violino
Polina Leschenko, piano

Sergey Vasilyevich RACHMANINOFF (1873-1943)
Dos Quatorze Romances, Op. 34:
13 – No. 14: Vocalise (arranjo para piano, violino e violoncelo)

Polina Leschenko, piano
Roby Lakatos, violino
Christian Poltéra, violoncelo

BÔNUS – faixa oculta (após o Vocalise):

Aram KHACHATURIAN (1903-1978)
Arranjo para violino e piano de Roby Lakatos (1965)
Dança do Sabre, do balé Gayane

Roby Lakatos, violino
Polina Leschenko, piano

Gravado em Bruxelas, Bélgica, março a abril de 2005

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Da mesma maneira que colabora com jovens talentos, Martha empresta seu prestígio para impulsionar carreiras de contemporâneas sem muita projeção discográfica. Nascida no Uzbequistão soviético e educada no Conservatório de Moscou, Dora Schwarzberg imigrou para Israel para depois radicar-se em Nova York. Importante pedagoga, cuja aluna mais ilustre é a enfant terrible Patricia Kopatchinskaja, Dora começou a construir sua discografia depois que Martha colou nela e não mais a largou. Aqui, na estreia do duo em álbum próprio – pois já tinham gravado Schumann naquele pacotão que lhes alcancei na postagem passada – elas atravessam um repertório familiar a Martha, especialmente pela sonata de Franck, em que ela já acompanhou inúmeros pianistas, de Accardo a Perlman, passando por Gitlis e Kremer.

César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890)
Sonata em Lá maior para violino e piano
1 – Allegretto ben moderato
2 – Allegro
3 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
4 – Allegretto poco mosso

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
Sonata em Sol menor para violino e piano
5 – Allegro vivo
6 – Intermède. Fantasque et léger
7 – Finale. Très animé

Robert SCHUMANN
Fantasiestücke para violino e piano, Op. 73
8 – Zart und mit Ausdruck
9 – Lebhaft, leicht
10 – Rasch und mit Feuer

Dora Schwarzberg, violino

Gravado em Bruxelas, Bélgica, dezembro de 2005

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Martha dificilmente estará em território mais seguro que o de Schumann, seu grande amor de longuíssima data, e cujas composições seus dedos e temperamento tocam como ninguém. Poucas pessoas conseguem devorar o concerto de Robert como ela, que facilmente o toma como café da manhã, sem a menor taquicardia, nem derramar qualquer gotícula de suor. Martha, que o toca há setenta anos, nunca deixa de voltar a ele, como foi no caso da última vez que a ouvi ao vivo, ou como foi sob a batuta de outro grande schumanniano, Riccardo Chailly, na Gewandhaus da mesma Leipzig em que o compositor viveu tantos momentos fundamentais de sua breve existência. Esse registro é o meu preferido dela para essa obra, e recomendo fortemente aos que puderem assistir ao vídeo correspondente que observem o quão absoluto é o domínio de Martha sobre seu cavalo de batalha, e quão comovente é o contraste com o singelo bis (não incluso no CD) das Kinderszenen que ela toca no final.

Robert SCHUMANN

De Genoveva, ópera em quatro atos, Op. 81:
1 – Abertura

Concerto em Lá menor para piano e orquestra, Op. 54
2 – Allegro affettuoso
3 – Intermezzo: Andantino grazioso
4 – Allegro vivace

Sinfonia no. 4 em Ré menor, Op. 120
5 – Ziemlich langsam – Lebhaft
6 – Romanze: Ziemlich langsam
7 – Scherzo & Trio: Lebhaft
8 – Langsam – Lebhaft – Schneller – Presto

Gewandhausorchester
Riccardo Chailly, regência

Gravado ao vivo em Leipzig, Alemanha, junho de 2006

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Martha reencontra Rabinovitch, e ambos reencontram Varsóvia – e a Rainha presta uma homenagem a seu mestre, Friedrich Gulda, dividindo o palco com dois dos filhos dele no concerto para três pianos de Mozart. A noite seguiu com um ótimo No. 1 de Shostakovich, uma das peças favoritas de Martha (e o verdugo dos pobres trompetistas escalados para acompanhá-la), e concluiu com uma ótima leitura de Rabinovitch para a Nona de Dmitri. Por algum motivo, talvez contingências de espaço, o Mozart não coube no álbum oficial lançado pelo Instituto Nacional Chopin de Varsóvia, mas eu dei um jeito de consegui-lo e oferecê-lo em separado.

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Concerto em Fá maior para três pianos e orquestra, K. 242, “Lodron”
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Rondo: Tempo di minuetto

Rico Gulda, piano II
Paul Gulda, piano III

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Dmitri Dmitriyevich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
Concerto em Dó menor para piano, trompete e orquestra de cordas, Op. 35
1 – Allegro moderato – attacca:
2 – Lento – attacca:
3 – Moderato – attacca:
4 – Allegro con brio
5 – Allegro con brio (bis)

Jakub Waszczeniuk, trompete

Sinfonia no. 9 em Mi bemol maior, Op. 70
6 – Allegro
7 – Moderato
8 – Presto
9 – Largo
10 – Allegretto — Allegro

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Sinfonia Varsovia
Alexandre Rabinovitch-Barakovsky, regência

Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, agosto de 2006


Nesta nova parceria com seu amigo letão menos hirsuto, gravada ao vivo na Grande Sala da Philharmonie de Berlim, Martha escolheu repertório familiar a ambos e, a partir dele, teceu um programa engenhoso. O álbum abre com a mais impetuosa das sonatas de Schumann, da qual o duo já nos legou uma das melhores gravações disponíveis, e prossegue com dois números solo. Com a cabeluda sonata para violino solo de Bartók, Kremer passa consideravelmente mais trabalho que Martha, que toca as Kinderszenen que já têm impregnadas no tálamo, e que são sua primeiríssima opção sempre que tem que – como sabemos, a contragosto – voltar sozinha ao palco. A dupla volta a reunir seus esforços para uma elétrica sonata no. 1 de Bartók, uma das especialidades de Gidon, após a qual surpreendentemente restam forças para oferecer os dois singelos bombons de Kreisler.

Robert SCHUMANN
Sonata para violino e piano no. 2 em Ré menor, Op. 121
1 – Ziemlich langsam – Lebhaft
2 – Sehr lebhaft
3 – Leise, einfach
4 – Bewegt

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Sonata para violino solo, Sz. 117, BB 124 (1943-44)
5 – Tempo di ciaccona
6 – Fuga. Risoluto, non troppo vivo
7 – Melodia. Adagio
8 – Presto

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Robert SCHUMANN
Kinderszenen
, para piano, Op. 15
1 – Von fremden Ländern und Menschen
2 – Kuriose Geschichte
3 – Hasche-Mann
4 – Bittendes Kind
5 – Glückes genug
6 – Wichtige Begebenheit
7 – Träumerei
8 – Am Kamin
9 – Ritter vom Steckenpferd
10 – Fast zu ernst
11 – Fürchtenmachen
12 – Kind im Einschlummern
13 – Der Dichter spricht

Béla BARTÓK
Sonata para violino e piano no. 1, Sz. 75
14 – Allegro appassionato
15 – Adagio
16 – Allegro

Friedrich “Fritz” KREISLER (1875-1962)
17 – Liebesleid
18 – Schön Rosmarin

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Gidon Kremer, violino

Gravado ao vivo em Berlim, Alemanha, dezembro de 2006


O protagonista desde álbum, obviamente, é Vadim Repin e seu belo, nobre timbre que fazem do concerto de Beethoven uma delícia ainda maior de se ouvir, quanto mais sob a batuta de Riccardo Muti. Martha participa com uma de suas especialidades: ser a endiabrada pianista da “Kreutzer”, em contraste vivo com o som mais polido de Repin. O resultado – dir-se-ia um violino apolíneo e um teclado dionisíaco – é excelente e remete a gravações de outras duplas com o mesmo temperamento, como Oistrakh e Richter.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto em Ré maior para violino e orquestra, Op. 61
1 – Allegro ma non troppo
2 – Larghetto
3 – Rondo: Allegro

Vadim Repin, violino
Wiener Philharmoniker
Riccardo Muti, regência

Sonata para violino e piano em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
4 – Adagio sostenuto – Presto
5 – Andante con variazioni
6 – Presto

Dmitri SHOSTAKOVICH
Arranjo para violino e piano de Dmitri Tziganov (1903-1992)
Dos Vinte e quatro prelúdios para piano, Op. 34
7 – No. 10 em Dó sustenido menor

Vadim Repin, violino

Gravado em Viena, Áustria, fevereiro de 2007 (concerto) e ao vivo em Lugano, Suíça, junho de 2007

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Eis que Marthinha faz uma nova participação especial para dar novamente uma força (uma tremenda força) a um muito jovem colega. Pelo obscuro selo Dynamic, ela e o estiloso garoto Gabriele Baldocci – então com tenros dezoito anos – gravaram um recital de muito sumo e com repertório de vasto escopo, de Mozart a Shostakovich. Na Brazileira de Scaramouche, Milhaud cita (sem creditar) temas de Ernesto Nazareth, da mesma forma que fez, décadas antes, em Le Boeuf sur le Toit – também, avacalhadamente, sem crédito algum ao nosso gênio do Morro do Pinto.

Wolfgang Amadeus MOZART
Sonata para dois pianos em Ré maior, K.448 (375a)
1 – Allegro con spirito
2 – Andante
3 – Allegro molto

Dmitri SHOSTAKOVICH
Concertino em Lá menor para dois pianos, Op. 94

4 – Adagio – Allegretto – Adagio – Allegro – Adagio – Allegretto

Sergei RACHMANINOFF
Suíte para dois pianos no. 1 em Sol menor, “Fantaisie-Tableaux”, Op. 5
6 – Barcarolle
7 – La Nuit….L’Amour
8 – Les Larmes
9 – Pâques

Darius MILHAUD (1892-1974)
Scaramouche, suíte para dois pianos, Op. 165b
10 – Vif
11 – Modéré
12 – Brazileira

Maurice RAVEL
13 – La Valse, poema coreográfico

Gabriele Baldocci, piano II

Gravado ao vivo em Livorno, Itália, fevereiro de 2008

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O encerramento discográfico da década de Martha deu-se, como ocorrera na anterior, com Chopin. Num de seus muitos retornos a Varsóvia, ela apresentou a oferenda quase compulsória do concerto em Mi menor de Fryderyk, além de peças para violoncelo e piano na companhia de seu irmão quase siamês, Mischa Maisky. As gravações ao vivo resultantes foram realizadas no contexto do Festival “Chopin e sua Europa”, promovido pelo Instituto Nacional Fryderyk Chopin da capital polonesa, para o qual Marthinha e seus amiguinhos costumam ser arroz de festa.

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
1 – Allegro maestoso
2 – Romance. Larghetto
3 – Rondo. Vivace

Sinfonia Varsovia
Jacek Kaspszyk, regência

Sonata em Sol menor para violoncelo e piano, Op. 65
4 – Allegro moderato
5 – Scherzo
6 – Largo in B-flat major
7 – Finale. Allegro

Introdução e Polonaise Brilhante em Dó maior, para violoncelo e piano, Op. 3
8 – Introduction: Lento – Alla polacca: Allegro con spirito

Mischa Maisky, violoncelo

Gravado em Varsóvia, Polônia, agosto de 2010

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Dessa década da carreira da Rainha vocês já encontravam no blog as seguintes gravações:

Martha Argerich & Friends – Live from Lugano Festival

2002/2004


Stravinsky (1882-1971): Suite italienne / Prokofiev (1891-1953): Sonata para Violoncelo e Piano, Op. 119, Valsa do balé “Stone Flower” / Shostakovich (1906-1975) Sonata para Violoncelo e Piano, Op.40

2003


Martha Argerich & Friends – Live from Lugano Festival 2003

2003


Martha Argerich & Friends – Live in Lugano 2005 #BTHVN250

2005

Martha Argerich & Friends – Live in Lugano 2006

2006


Martha Argerich & Friends – Live from Lugano Festival – 2007 #BTHVN250

2007


¡Larga vida a la Reina! – Carte Blanche [Martha Argerich, 81 anos]

2007


Martha Argerich & Friends – Live from Lugano Festival – 2008

2008


Brahms, Rachmaninov, Schubert, Ravel: Martha Argerich & Nelson Freire — Salzburg

2009


Vassily

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Sexta Década (1991-2000) [Martha Argerich, 80 anos]


1941-1950 | 1951-1960 | 1961-1970 | 1971-1980 | 1981-1990 | 1991-2000 | 2001-2010 | 2011-2020 | 2021-


A década de 90 foi, para Martha, desgraçadamente assombrada pela morte. Além de perder sua mãe, Juanita, e sua melhor amiga, Diane, para o câncer, ela própria viu-se acometida pelo flagelo. Desde o diagnóstico de melanoma, no início da década, até que a declararam curada, no final dela, a Rainha foi submetida a tratamentos dolorosos e duras escolhas. A mais difícil delas deu-se na recidiva, em meados da década, quando o tumor metastatizou para os pulmões e linfonodos. Foi-lhe sugerida uma cirurgia no tórax que poderia salvar a mulher, mas certamente mataria a pianista, cortando vários músculos fundamentais para sua arte. Martha escolheu submeter-se a um tratamento experimental a base de vacinas, que lhe permitiu uma operação menos radical. Deu certo e, num gesto de gratidão ao Instituto de Câncer John Wayne em Santa Mônica, Estados Unidos, onde recebeu o bem-sucedido tratamento, a Rainha voltou a subir sozinha ao palco, depois de quase vinte anos, para dar um recital em prol do Instituto para um Carnegie Hall lotado:

Naturalmente, a luta pela vida repercutiu na carreira de Martha. Sua discografia na década reflete essas imensas dificuldades pessoais – alguns anos passaram completamente em branco, sem gravações – e consolidou as tendências da década anterior: nenhum registro solo, muitas gravações de música de câmara com os velhos parceiros de sempre. Entre as novidades, a exploração de repertório novo e a colaboração estreita com Alexandre Rabinovitch em duos para piano, tocando sob sua regência, e gravando suas composições.


Não me lembro onde, mas tenho impressão de já ter lido que Martha não é muito fã de Rachmaninov. Se isso pode surpreender quem, como eu e o resto do Universo, fica de queixo caído com sua gravação do concerto no. 3 sob Chailly, também parece meio óbvio pela virtual ausência das peças solo de Rach do repertório da Rainha. Em seus recitais em duo, em compensação, Sergei Vasilyevich é figurinha fácil – e tem esse disco todinho dedicado a ele, com a primeira das muitas aparições de Alexandre Rabinovitch na discografia marthinhiana da década de 90, e a primeira das capas da Teldec em que nossa deusa parece estar no meio dum climão com quem era então su guapo.

Sergei Vasilyevich RACHMANINOFF (1873-1943)
Suíte para dois pianos no. 1 em Sol menor, “Fantaisie-Tableaux”, Op. 5
1 – Barcarolle
2 – La Nuit….L’Amour
3 – Les Larmes
4 – Pâques

Suíte para dois pianos no. 2 em Dó maior, Op. 17
5 – Introduction
6 – Valse
7 – Romance
8 – Tarantella

Danças Sinfônicas, para orquestra, Op. 45
Transcrição para piano do próprio compositor
9 – Non allegro
10 – Andante con moto
11 – Lento assai

Alexandre Rabinovitch, piano II

Gravado em Berlim Ocidental, setembro de 1991

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As composições de Alexandre Rabinovitch mereceriam uma postagem à parte, mas, enquanto eu os afogo com melífluas torrentes de Martha, deixo-lhes algumas amostras do que o pibe criou. Nascido e educado na União Soviética, aluno de Dmitry Kabalevsky, Rabinovitch destacou-se como pianista, tocando muita música contemporânea enquanto buscava rumo como compositor. Sua dedicação inicial à música serial, banida pelo regime soviético, foi abandonada depois que Alexei Lubimov lhe apresentou a música dos minimalistas dos Estados Unidos. Deixou o país de origem, por completa falta de perspectivas, para encontrar menos perspectivas ainda em Paris, onde Boulez reinava absoluto e deixava pouca coisa crescer a seu redor. Mudanças para Bruxelas e Genebra acabaram por colocá-lo no caminho de Martha Argerich, com quem dividiu palcos e estúdios, cigarros e dentifrícios – e que é o motivo maior para o moço aparecer por aqui. Sua música é muito interessante, sobretudo por nutrir-se de diversas referências, como poderão perceber pela obra que abre o álbum duplo a seguir, e porque seu estilo contrasta com a música “estática” que desinformados como eu muitas vezes esperam de obras minimalistas. A participação da Rainha na coletânea resume-se à gravação ao vivo da Musique Populaire, assim chamada por basear-se em temas de música popular, notória por ser, depois de meio século de vida e quase isso tanto a tocar pianos acústicos, sua primeira num instrumento plugado.

Alexandre RABINOVITCH Barakovsky (1945)

Six États Intermediaires (1998), sinfonia baseada no livro tibetano dos mortos, “Bardo Thödol”
1 – La Vie
2 – Le Rêve
3 – La Transe
4 – Le Moment de la Mort
5 – La Réalité
6 – L’Existence

Beogradska Filharmonija (Filarmônica de Belgrado)
Alexandre Rabinovitch, regência

7 – Musique Populaire (1980), para dois pianos amplificados

Martha Argerich e Alexandre Rabinovitch, pianos

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La Triade (1998), Sinfonia Concertante para violino amplificado e orquestra
1 – Le Deuil
2 – La Transe
3 – Le Silence

Yayoi Toda, violino
Orchestra di Padova e del Veneto
Alexandre Rabinovitch, regência

Trois Invocations (1995), para quarteto de cordas e celesta amplificada
4 – Invocation I
5 – Invocation II
6 – Invocation III

Alexandre Rabinovitch, celesta
Filarmonica Quartet

7 – La Belle Musique no. 4 (1987), para quatro pianos amplificados 

Alexandre Rabinovitch, Alexei Ieriomine, Anton Batagov e Mikhail Adamovitch, pianos

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“Musique Populaire” gravada em Varsóvia, Polônia, abril de 1992


Num dos raros retornos a Varsóvia sem tocar Chopin, Martha não esqueceu de trazer a tiracolo seu amigo e vizinho inseparável, Mischa Maisky. A dupla ofereceu um programa inteiramente dedicado a Haydn, com o bônus de uma das poucas gravações lançadas da famosa sonatinha de Scarlatti que nossa deusa costuma tocar como bis – e como ninguém mais entre os terráqueos – para o pasmo das plateias mundo afora.

Joseph HAYDN (1732-1809)
Concerto em Ré maior para piano e orquestra, Hob. XVIII:11
1 – Vivace
2 – Un poco adagio
3 – Rondo all’Ungarese: Allegro assai

Orkiestra Kameralna Polskiego Radia Amadeus
Agnieszka Duczmal, regência

Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)
Sonata em Ré menor, K. 141
4 – Allegro

Joseph HAYDN
Concerto para violoncelo e orquestra no. 1 em Dó Maior, Hob. VIIb/1
5 – Moderato
6 – Adagio
7 – Allegro molto

Mischa Maisky, violoncelo
Orkiestra Kameralna Polskiego Radia Amadeus

Agnieszka Duczmal, regência

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Da Suíte para violoncelo no. 2 em Ré menor, BWV 1008
8 – Sarabande

Da Suíte para violoncelo no. 3 em Dó maior, BWV 1009
9-10 – Bourrée I & II

Da Suíte para violoncelo no. 5 em Dó menor, BWV 1011
11-12 – Sarabande

Mischa Maisky, violoncelo

Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, abril de 1992

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Para alguém que idolatrava Horowitz a ponto de se mudar de mala e cuia para Nova Iorque para tentar tornar-se sua aluna, é curioso que Scriabin, um dos xodós de Volodya, estivesse fora do repertório e da discografia de Martha até o lançamento desse álbum, dedicado integralmente a obras que tangem o mito de Prometeu. Acompanhada por Claudio Abbado e os filarmônicos de Berlim, a Rainha executa a parte de piano obbligato do “Poema do Fogo” de Scriabin, somando-se às forças orquestrais, a um coro e a uma iluminação colorida prescrita pelo compositor e originalmente destinada a um clavier à lumières  inventado por ele. Apesar da baixa qualidade da imagem, vale a pena conferir o vídeo da performance para ter uma ideia aproximada do que tramou Alexander.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Suíte de Die Geschöpfe Des Prometheus, Op. 43
1 – Introduction. Allegro non Troppo
2 – No. 1: Poco adagio – Allegro con brio
3 – No. 9: Adagio – Allegro molto
4 – No. 10: Pastorale. Allegro
5 – No. 14: Allegretto
6 – No. 15: Adagio – Allegro
7 – No. 16: Finale. Allegretto

Franz LISZT (1811-1886)
Prometheus, poema sinfônico, S. 99
8 – Allegro energico ed adagio assai – Allegro molto appassionato

Aleksandr Nikolayevich SKRIABIN (1871-1915)
9 – Promethée, Le Poème du Feu, Op. 60

Martha Argerich, piano
Berliner Singakademie

Luigi NONO (1924-1990)
Suíte de Prometeo, Tragedia dell’Ascolto 
10 – 3 Voci (baseado em texto de Walter Benjamin)
11 – Isola Seconda (baseado em Hyperions Schicksalslied, de Friedrich Hölderlin)

Mathias Schadock e Ulrike Krumbiegel, narradores
Ingrid-Ade Jesemann e Monika Bair-Ivenz, sopranos
Susanne Otto, contralto
Peter Hall, tenor
Michael Hasel, flauta baixo
Manfred Preis, clarinete contrabaixo
Christhard Gössling, eufônio e tuba
Solistenchor Freiburg

Berliner Philharmoniker
Claudio Abbado, regência

Gravado em Berlim, Alemanha, em maio de 1992

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Peça final de seu triunfo no Concurso Chopin de 1965, o concerto em Mi menor do Frederico é uma das figurinhas mais fáceis na discografia e nos programas dos concertos de Martha mundo afora: difícil, enfim, é que ela volte a Varsóvia e deixe de tocá-lo. O CD a seguir registra um desses retornos, curiosamente pareado com Rossini e Mendelssohn, sob a batuta de Grzegorz Nowak, que mais tarde se tornaria regente associado da Royal Philharmonic em Londres, e com a Sinfonia Varsovia, orquestra fundada e apadrinhada pelo grande Yehudi Menuhin.

Gioachino Antonio ROSSINI (1792-1868)
L’italiana in Algeri, drama jocoso em dois atos
1 – Sinfonia

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
2 – Allegro maestoso
3 – Romance. Larghetto
4 – Rondo. Vivace

Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847)
Sinfonia no. 4 em Lá maior, Op. 90, “Italiana”
5 – Allegro vivace
6 – Andante con moto
7  – Con moto moderato
8 – Presto e finale: Saltarello

Sinfonia Varsovia
Grzegorz Nowak, regência

Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, dezembro de 1992

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O velho amigo Abbado, lá em 1992, devia estar afiadíssimo na difícil arte de persuadir a nada persuadível Martha a aprender novo repertório: depois do primeiro (e policromático) Scriabin da carreira da distinta senhora, Claudio a pôs para tocar seu primeiro Strauss. Vá lá que a Burleske, composta mais ou menos na época em que Richard atingiu a maioridade penal, seja fichinha para suas hábeis mãos, mas ainda sim deve-se notar sua proeza em dotar essa estranha cria concertística, renegada tanto pelo seu dedicatário, Hans von Bülow, quanto por muito tempo pelo próprio compositor, de um interesse que passa ao largo da maioria das gravações da obra.

Richard Georg STRAUSS (1864-1949)
1 – Don Juan, poema sinfônico, Op. 20

Toru Yasunaga, violino

2 – Burleske em Ré menor, para piano e orquestra

Martha Argerich, piano

3 – Till Eulenspiegels Lustige Streiche, poema sinfônico, Op. 28

Da ópera Der Rosenkavalier, Op. 59
4 – Ato III: Trio e Finale

Kathleen Battle e Renée Fleming, sopranos
Frederica von Stade, mezzo-soprano
Andreas Schmidt, barítono

Berliner Philharmoniker
Claudio Abbado, regência

Gravado em Berlim, Alemanha, em 31 de dezembro de 1992

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Um xodó tardio na carreira de Martha é o primeiro concerto de Shosta, uma composição ebuliente e hiperativa, bem no estilo do nicotinado compositor e muito afeita a quem toca o terceiro de Prokofiev como ninguém. Sempre que volta à obra, a Rainha parece se divertir ao fazer um racha com o pobre solista de trompete, que invariavelmente passa por maus lençóis ao tentar acompanhar a velocidade lúbrica dos deditos de Marthinha, que, por sua vez, despacha a obra numa lepidez comparável à do próprio Shosta. Aqui, o trompetista sai-se muito bem – Guy Trouvon é feríssima, fruto mui digno da brilhante escola francesa de seu instrumento – e o registro resultante é um marco tanto na carreira de Martha quanto na discografia da obra, só superado pelo embate épico, de décadas depois, entre a deusa portenha do piano e Sergei Nakariakov, que é chamado de “Paganini do trompete” e não sem bons motivos.

Dmitri Dmitriyevich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
Concerto em Dó menor para piano, trompete e orquestra de cordas, Op. 35
1 – Allegro moderato – attacca:
2 – Lento – attacca:
3 – Moderato – attacca:
4 – Allegro con brio

Guy Touvron, trompete

Joseph HAYDN
Concerto em Ré maior para piano e orquestra, Hob. XVIII:11
4 – Vivace
5 – Un poco adagio (cadenza: Wanda Landowska)
6 – Rondo all’Ungarese: Allegro assai

Württembergisches Kammerorchester Heilbronn
Jörg Faerber, regência

Gravado em Ludwigsburg, Alemanha, janeiro de 1993

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Esta gravação do inseparável duo Marthita/Nelsito traz aquela peça de resistência de seu repertório – a sensacional Sonata para dois pianos e percussão de Béla Viktor János – acrescida de composições de Ravel para dois pianos… e percussão. A atraente contribuição da carinhosamente chamada “cozinha” aos cordofones solistas foi acrescentada por Peter Sadlo (1962-2016), um tremendo percussionista que também participa desse registro de seus arranjos.

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Sonata para dois pianos e percussão, Sz. 110
1 – Assai lento – Allegro molto
2 – Lento, ma non troppo
3 – Allegro non troppo

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
Ma Mère l’Oye, suíte para piano a quatro mãos, M. 62
Transcrição para dois pianos: Gaston Choisnel (1857-1921)
Arranjo para dois pianos e percussão: Peter Sadlo (1962-2016)
4 – Pavane de la Belle au Bois Dormant: Lent
5 – Petit Poucet: Très modéré
6 – Laideronnette, Impératrice des Pagodes: Mouvement de Marche
7 – Les Entretiens de la Belle et de la Bête: Mouvement de Valse très modéré
8 – Le Jardin Féerique: Lent et Grave

Rapsodie Espagnole, para orquestra, M. 54
Transcrição para dois pianos do próprio compositor
Arranjo para dois pianos e percussão de Peter Sadlo
9 – Prélude à la Nuit. Modéré
10 – Malagueña. Assez vif
11 – Habanera. En demi-teinte et d’un rythme las
12 – Feria. Assez vif

Nelson Freire, piano II
Edgar Guggeis e Peter Sadlo, percussão

Gravado em Nijmegen, Países Baixos, fevereiro de 1993

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Se há qualquer um entre vós outros que sonhou em ouvir Martha tocar algo que não fosse piano, eu ora anuncio com júbilo:

– Regozijai!

Em mais um álbum dedicado a obras de Rabinovitch, a Rainha não só toca celesta – tanto acústica quanto amplificada – como divide o palco possivelmente pela primeira vez com uma guitarra elétrica, além dum bocado de marimbas e vibrafones. Sua contribuição pianística e desplugada, a quatro mãos com o próprio compositor, é a Liebliches Lied (“Adorável Canção”), baseada em temas de Brahms e de Schubert (a cuja identificação desafio os atentos leitores-ouvintes).

Alexandre RABINOVITCH
1 – Incantations (1996)
Martha Argerich, piano amplificado e celesta
Daisuke Suzuki, guitarra elétrica
Hidemi Nurase, Mitsuyo Wada, Momoko Kamiya e Naoaki Kobayashi, marimbas e vibrafones
Hibiki String Orchestra
Alexandre Rabinovitch, regência

2 – Schwanengesang an Apollo (1996)
Yayoi Toda, violino
Martha Argerich, celesta amplificada
Alexandre Rabinovitch, piano

3 – La Belle Musique no. 3 (1977)
Budapesti Rádió Szimfonikus Zenekara (Orquestra Sinfônica da Rádio de Budapeste)
György Lehel, regência

4 – Liebliches Lied
Alexandre Rabinovitch e Martha Argerich, piano

Gravado em Berna, Suíça, novembro de 1993 (Liebliches Lied) e em Tóquio, Japão, maio de 1998 (Incantations)

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A integral das sonatas de Beethoven com Gidon Kremer foi retomada, duma forma surpreendemente ordeira para a carreira de nossa errática Marthinha, na exata ordem de publicação das obras. As três sonatas do Op. 30, em que os dois instrumentos ensaiam a igualdade de tratamento que receberão na “Kreutzer” e na Op. 96, são claramente conduzidas por ela, e dum jeito que nos faz imaginar, uma vez mais, o que ela teria sido capaz de ter feito se tivesse tocado, além de tão só esta, essa e aquela, algumas das outras vinte e nove sonatas para piano do renano.

Ludwig van BEETHOVEN
Três sonatas para violino e piano, Op. 30

No. 1 em Lá maior
1 – Allegro
2 – Adagio molto espressivo
3 – Allegretto con variazioni

No. 2 em Dó menor
4 – Allegro con brio
5 – Adagio cantabile
6 – Scherzo: Allegro
7 – Finale: Allegro – Presto

No. 3 em Sol maior
8 – Allegro assai
9 – Tempo di minuetto, ma molto moderato e grazioso
10 – Allegro vivace

Gidon Kremer, violino

Gravado em Montreux, Suíça, novembro de 1993

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A julgar pela capa, as coisas andavam às mil maravilhas entre a pareja Martha & Alexandre durante a gravação desse álbum. O que nele se escuta corrobora a impressão: Rabinovitch é excelente pianista, muito bom intérprete de Mozart, e certamente ajudou a Rainha a sentir-se à vontade com este compositor que, a despeito da farta dose vienense de sua formação pianística, confessamente nunca foi muito seu chão.

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Sonata para dois pianos em Ré maior, K.448 (375a)
1 – Allegro con spirito
2 – Andante
3 – Allegro molto

Andante e variações para piano a quatro mãos em Sol maior, K.501
4 – Andante – Variações I-V

Sonata para piano a quatro mãos em Dó maior, K.521
5 – Allegro
6 – Andante
7 – Allegretto

Sonata para piano a quatro mãos em Ré maior, K.381 (123a)
8 – Allegro
9 – Andante
10 – Allegro molto

Alexandre Rabinovitch, piano

Gravado em Berlim, Alemanha, dezembro de 1993

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Martha nunca foi muito de dar alegria aos completistas: só para ficar em Beethoven, levou a público apenas três entre as trinta e duas sonatas para piano, e gravou somente os três primeiros entre os cinco concertos (tocou o “Imperador” apenas duas vezes, e “mal”, e recusou-se a vida toda, e duma maneira quase fóbica, a aprender o concerto no. 4, em função duma epifania que experimentou ao ouvi-lo com Arrau, e arrepiar-se, aos seis anos de idade: “tenho medo do que aconteceria; é muito importante para mim”). Assim, é muito significativo que ela tenha se disposto a gravar, e de fato concluir, a integral das sonatas para violino ao lado do amigo Gidon Kremer. O disco final da série tem, na “Kreutzer”, tudo o que se pode esperar de temperamento argerichiano, embora o ponto alto para mim seja a tão subestimada Op. 96, escrita no limiar do período criativo transcendental do mestre de Bonn, em que o diálogo entre os instrumentos de Martha e Gidon transparece a mesma cumplicidade que suas caras preparadas na capa do álbum.

Ludwig van BEETHOVEN

Sonata para violino e piano em Lá, Op. 47, “Kreutzer”
1 – Adagio sostenuto – Presto
2 – Andante con variazioni
3 – Presto

Sonata para violino e piano em Sol maior, Op. 96
4 – Allegro moderato
5 – Adagio espressivo
6 – Scherzo: Allegro – Trio
7 – Poco allegretto

Gidon Kremer, violino

Gravado em Montreux, Suíça, março de 1994

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Falando em completistas, essa soirée schumanniana gravada por Martha e outras estrelas nos Países Baixos traz quase a integral da música de câmara de Robert Alexander para três ou mais instrumentos. No estrelado elenco, destaco Natalia Gutman, professora do Conservatório de Moscou, que, apesar de muito grata a seu professor Rostropovich, teve como maior mentor um pianista, o gigante Sviatoslav Richter, e se dá muito bem no dueto com Martha. Chamo a atenção também para o Op. 46, que nunca tinha ouvido antes, com sua incomum instrumentação para dois pianos, dois violoncelos e trompa (!), e para a maior obra-prima do álbum, o belíssimo quinteto com piano, ao qual Martha empresta decisivamente seu inigualável élan.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856
Quinteto em Mi bemol maior para piano, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 44
1 – Allegro brillante
2 – In modo d’una marcia (un poco largamente – agitato – a tempo)
3 – Scherzo (molto vivace) & trio
4 – Allegro ma non troppo

Dola Schwarzberg e Lucy Hall, violinos
Nobuko Imai, viola
Mischa Maisky, violoncelo

Andante e variações em Si bemol maior para dois pianos, dois violoncelos e trompa, Op.46
5 – Sostenuto – Andante espressivo – Un poco piu animato – Più animato – Più lento – Un poco più lento
6 – Più lento – Animato
7 – Doppio movimento – Tempo primo – Più adagio

Alexander Rabinovitch, piano II
Mischa Maisky e Natalla Gutman, violoncelos
Marie-Luise Neunecker, trompa

Quarteto em Mi bemol maior para violino, viola, violoncelo e piano, Op. 47
8 – Sostenuto assai- Allegro ma non troppo
9 – Scherzo (Molto vivace) & Trio
10 – Andante cantabile
11 – Finale (Vivace)

Dora Schwarzberg, violino
Nobuko Imai, viola
Natalia Gutman, violoncelo
Alexander Rabinovitch, piano

Fantasiestücke para violoncelo e piano, Op. 73
1 – Zart und mit Ausdruck
2 – Lebhaft, leicht
3 – Rasch und mit Feuer

Natalia Gutman, violoncelo

Adagio e Allegro em Lá bemol maior para trompa e piano, Op. 70
4 – Langsam, mit innigem Ausdruck
5 – Rasch und feurig

Marie-Luise Neunecker, trompa
Alexandre Rabinovitch, piano

Märchenbilder para viola e piano, Op. 113
6 – Nicht schnell
7 – Lebhaft
8 – Rasch
9 – Langsam, mit melancholischem Ausdruck

Nobuko Imai, viola

Sonata em Ré maior para violino e piano, Op. 121
10 – Zeimlich langsam – Lebhaft
11 – Sehr lebhaft
12 – Leise, einfach
13 –  Bewegt

Dora Schwarzberg, violino

Gravado ao vivo em Nijmegen, Países Baixos, setembro de 1994

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E dessa capa, o que acham vocês?

Martha e Rabinovitch parecem não só num climão meio tenso, como também as últimas pessoas capazes de tocar Mozart em dueto. Felizmente, o álbum é bem melhor que a capa (afirmação quase sempre verdadeira, quando se trata da Teldec): Martha volta ao concerto no. 20, que tocou muitas vezes quando menina e garota, Rabinovitch toca e conduz o de no. 19, e os pombinhos voltam a se reunir no concerto para dois pianos. Seguirão a arrulhar juntos? Resposta no álbum seguinte.

Wolfgang Amadeus MOZART

Concerto para piano e orquestra no. 20 em Ré maior, K. 466
Cadenze: Ludwig van Beethoven
1 –  Allegro
2 – Romance
3 – Allegro assai

Orchestra di Padova e del Veneto
Alexandre Rabinovitch, regência

Concerto para piano e orquestra no. 19 em Fá maior, K. 459
Cadenze do próprio compositor
4 – Allegro
5 – Allegretto
6 – Allegro assai

Orchestra di Padova e del Veneto
Alexandre Rabinovitch, piano e regência

Concerto em Mi bemol maior para dois pianos e orquestra, K. 365
Cadenze do próprio compositor
7 – Allegro
8 – Andante
9 – Rondo. Allegro

Württenbergisches Kammerorchestra Heilbronn
Alexandre Rabinovich, piano I e regência

Gravado em Stuttgart, Alemanha, janeiro de 1995 (K. 365) e em Pádua, Itália, setembro de 1998 (K. 459 e K. 466) 

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Sim: os pombinhos seguiram juntos e, a julgar pela capa, os tacapes pararam de voar numa certa casa em Genebra. Uma vez mais Martha arrisca repertório novo, e o que há neste disco é muito curioso. Esperava, admito, um pouco mais do “Aprendiz de Feiticeiro”, certamente por estar acostumado ao original e sua espirituosa orquestração, mas reconheço a competência do arranjo de Rabinovitch e a qualidade da execução, adequadamente temperamental. A grande surpresa, sem dúvidas, é o arranjo da “Sinfonia Doméstica” de Strauss, uma obra que nunca me despertou qualquer interesse na versão original, e que cintila sob os vinte talentosos dedinhos do casal. Se duvidam, ouçam a Wiegenlied (“Canção de Ninar”) e o Adagio e depois me contem se não estão entre as melhores coisas que Martha já tocou em duo!

Paul Abraham DUKAS (1865-1935)
Transcrição para dois pianos de Alexandre Rabinovitch
1 – L’Apprenti Sorcier

Richard STRAUSS
Transcrição para dois pianos de Otto Singer (1863-1931)
Symphonia Domestica, poema sinfônico, Op. 53
2 – Bewegt – Ⅰ. Thema: Sehr lebhaft –  Ⅱ. Thema: Ruhig   – Ⅲ. Thema
3 – Scherzo: Munter
4 – Wiegenlied: Mäßig langsam
5 – Adagio: Langsam
6 – Finale: Sehr lebhaft

Maurice RAVEL
7 – La Valse, poema coreográfico

Alexandre Rabinovitch, piano II

Gravado em Berlim, Alemanha, março de 1995

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Os quase três anos que separam este álbum do anterior tiveram, para Martha, o emblema do câncer que lhe voltou, que ela enfrentou, e do qual se curou. É bastante significativo, portanto, que, ao retomar sua discografia, ela tenha incorporado peças novas a seu repertório, escolhido a companhia segura de queridos parceiros de palco e da vida, e tocado ante uma plateia no Japão que ela tanto adora. As duas obras-primas incluídas no álbum – o segundo trio de Shostakovich e seu congênere, dedicado por Tchaikovsky à memória de Nikolai Rubinstein – receberam leituras inesquecíveis. Não tenho qualquer prurido em declarar essa interpretação do trio no. 2 de Shosta a melhor que já ouvi dessa obra, nem em reconhecer que o som ultrarromântico e sentimental de Mischa Maisky aqui se encaixa à perfeição com a melancolia da peça de Tchaikovsky, e que Martha e Kremer lhe somam à altura.

1 – Aplauso

Dmitri SHOSTAKOVICH
Trio para piano, violino e violoncelo no. 2 em Mi menor, Op. 67
2 – Andante – Moderato – Poco più mosso
3 – Allegro con brio
4 – Largo
5 – Allegretto – Adagio

Pyotr TCHAIKOVSKY
Trio em Lá menor para piano, violino e violoncelo, Op. 50
6 – Pezzo Elegiaco: Moderato assai – Allegro giusto – In tempo molto sostenuto – Adagio con duolo e ben sostenuto – Moderato assai – Allegro giusto
7 – Tema con variazioni: Andante con moto
8 – Variazione I
9 – Variazione II: Più mosso
10 -Variazione III: Allegro moderato
11 – Variazione IV: L’istesso tempo (Allegro moderato)
12 – Variazione V: L’istesso tempo
13 – Variazione VI: Tempo di valse
14 – Variazione VII: Allegro moderato
15 – Variazione VIII: Fuga (Allegro moderato)
16 – Variazione IX: Andante flebile, ma non tanto
17 – Variazione X: Tempo di mazurka
18 – Variazione XI: Moderato
19 – Variazione finale e coda: Allegro risoluto e con f
20 – Coda: Andante con moto – Lugubre

Peter KIESEWETTER (1945-2012)
21 – Tango Pathétique

Gidon Kremer, violino
Mischa Maisky, violoncelo

Gravado ao vivo em Tóquio, Japão, maio de 1999

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Ao assinar com a EMI, Martha foi prontamente convidada a gravar com outra grande estrela da gravadora, o israelense Itzhak Perlman. A admiração entre ambos, sempre mútua e imensa, teve que esperar até o verão de 1998 para virar parceria nos palcos, durante o Festival de Saratoga Springs, nos Estados Unidos. O repertório não fugiu do habitual: a sonata de Franck, em que a Rainha já acompanhou tantos violinistas, e a “Kreutzer” de Beethoven, para a qual é difícil imaginar pianista melhor. O recital é uma deleite tão grande quanto devem ter sido seus bastidores: Martha é declaradamente viciada em conversar, que é sua droga favorita, e o bonachão Itzhak, com seu vozeirão de barítono, um tremendo contador de histórias.

Ludwig van BEETHOVEN

Sonata para violino e piano em Lá, Op. 47, “Kreutzer”
1 – Adagio sostenuto – Presto
2 – Andante con variazioni
3 – Presto

César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890)
Sonata em Lá maior para violino e piano
4 – Allegretto ben moderato
5 – Allegro
6 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
7 – Allegretto poco mosso

Itzhak Perlman, violino

Gravado ao vivo em Saratoga Springs, Estados Unidos, julho de 1998

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A participação de Martha no Festival de Saratoga também incluiu uma parceria com sua alma gêmea, Nelson Freire, no Concerto Pathétique de Liszt, uma interessante peça para dois pianos que antecipa, em muitos aspectos, a revolucionária forma cíclica e mesmo algum material temático de sua obra-prima, a Sonata em Si menor. Antes dele, fez uma vigorosa leitura dos Contrastes de Bartók, tocando a parte que coube ao próprio compositor na primeira gravação da obra, acompanhada do excelente clarinetista Michael Collins e pela violinista Chantal Juillet, amiga de Martha e atual esposa de Charles Dutoit, ex-Don Argerich.

Zoltán KODÁLY (1882-1967)
Duo para violino e violoncelo, Op. 7
1 – Allegro serioso, non troppo
2 – Adagio – Andante – Tempo I
3 – Maestoso e largamente, na non troppo lento – Presto

Chantal Juillet, violino
Truls Mørk, violoncelo

Béla BARTÓK
Contrasts, para violino, clarinete e piano, Sz. 111

4 – Verbunkos
5 – Pihenö
6 – Sebes

Chantal Juillet, violino
Michael Collins, clarinete

Franz LISZT
7 – Concerto Pathétique em Mi menor, para dois pianos e orquestra, S. 258

Nelson Freire, piano II

Gravado ao vivo em Saratoga Springs, Estados Unidos, julho de 1998

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Se a instabilidade e o temperamento terrível de Martha sempre garantiram emoções fortes durante seus relacionamentos, tudo indica também que nossa Rainha é uma excelente ex-esposa. Prova disso é que que ela continua não só muito amiga de Charles Dutoit, com quem foi casada entre 1969 e 1973, como segue a gravar e tocar com ele (não sem faíscas, claro, algumas repletas de bom humor). Dutoit é ótimo regente e sabe, como talvez nenhum outro, envolver o indomável som de Martha com a orquestra. Seu período à frente da Sinfônica de Montreal foi um dos melhores de sua carreira e certamente o mais brilhante que esse conjunto já viveu, e acabou coroado com essa soberba gravação dos concertos de Chopin, na qual destaco aquele em Fá menor, que Martha tocou tão raras vezes, e que aqui recria com seu estilo inimitável, quase improvisatório, que torna sua leitura do Larghetto tão especial.

Fryderyk CHOPIN

Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11

1 – Allegro maestoso
2 – Romance. Larghetto
3 – Rondo. Vivace

Concerto para piano e orquestra no. 2 em Fá menor, Op. 21

4 –  Maestoso
5 – Larghetto
6 – Allegro vivace

Orchestre Symphonique de Montréal
Charles Dutoit, regência

Gravado em Montreal, Canadá, outubro de 1998

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Entre os tantos discos que lhes trouxe para celebrar as idades de Marthinha, foi este o mais difícil de conseguir. Lançado somente no Japão, ele celebra a estreia do Festival Argerich na cidade de Beppu, uma estação termal localizada em Kyushu, a mais meridional das grandes ilhas do arquipélago japonês. O parceiro da Rainha no recital de abertura é o velho amigo Ivry Gitlis, e o programa – nenhuma surpresa – traz o tradicional combo Franck-Kreutzer. A surpresa genuína é o quanto Gitlis, um intérprete bastante idiossincrático (para dizer o mínimo) segura sua onda improvisatória na “Kreutzer”: se duvidam, comparem o registro de Beppu com esta outra gravação do duo que vocês me entenderão.

Ludwig van BEETHOVEN

Sonata para violino e piano em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
1 – Adagio sostenuto – Presto
2 – Andante con variazioni
3 – Presto

César FRANCK
Sonata em Lá maior para violino e piano
4 – Allegretto ben moderato
5 – Allegro
6 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
7 – Allegretto poco mosso

Ivry Gitlis, violino

Gravado em Beppu, Japão, novembro de 1998 (Beethoven) e novembro de 1999 (Franck)

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Assim como o Japão, a Polônia é um dos locais a que Martha mais gosta de voltar. Não surpreende, pois, que ela tenha celebrado a notícia de sua cura, em 1999, com uma série de concertos em Varsóvia, cidade donde foi catapultada para a fama mundial mais de três décadas antes. Este CD, gravado ao vivo, registra uma das poucas noites em que Martha ofereceu dois concertos para piano no mesmo programa: antes de encerrar com seu tradicional cavalo de batalha, o primeiro concerto de Chopin, que ela nunca deixa de tocar quando volta à capital polonesa, a Rainha conduz a plateia por uma alucinante travessia do primeiro concerto de Liszt. La re putissima madre, Marthinha.

Wolfgang Amadeus MOZART
Sinfonia no. 35 em Ré maior, K. 385, “Haffner”
1 – Allegro con spirito
2 – Andante
3 – Menuetto
4 – Presto

Franz LISZT
Concerto para piano e orquestra nº 1 em Mi bemol maior, S.124
5 – Allegro maestoso
6 – Quasi adagio
7 – Allegretto vivace – Allegro animato
8 – Allegro marziale animato

Fryderyk CHOPIN
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
9 – Allegro maestoso
10 – Romance. Larghetto
11 – Rondo. Vivace

Sinfonia Varsovia
Alexandre Rabinovitch, regência

Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, maio de 1999

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A sexta década da discografia de Martha encerrou em território amigo: tocando Schumann com o vizinho Mischa Maisky – que sempre cresce nas parcerias com sua vizinha – e fotografada para a capa pela caçula Stéphanie, responsável pela maior janela que já tivemos ao palácio interior de nossa Rainha. Este álbum bonito, ainda que sem grandes surpresas, é encerrado por uma ótima gravação do concerto de Robert por Maisky e pela Orpheus.

Robert SCHUMANN

Adagio e Allegro em Lá bemol menor para violoncelo e piano, Op. 70
1 – Langsam, mit innigem Ausdruck
2 – Rasch und feurig

Fantasiestücke para violoncelo e piano, Op. 73
3 – Zart und mit Ausdruck
4 – Lebhaft, leicht
5 – Rasch und mit Feuer

Dos Três Romanzen, Op. 94
6 – No. 1: Nicht schnell

Fünf Stücke im Volkston, Op. 102
7 –  “Vanitas Vanitatum”, mit Humor
8 – Langsam
9 – Nicht schnell, mit viel Ton zu spielen
10 – Nicht zu rasch
11 – Stark und Markiert

De Märchenbilder, para viola e piano, Op. 113
Transcrição de Mischa Maisky para violoncelo e piano
12 – No. 1: Nicht schnell

Mischa Maisky, violoncelo

Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129
13 – Nicht zu schnell
14 – Langsam
15 – Sehr lebhaft

Mischa Maisky, violoncelo
Orpheus Chamber Orchestra

Gravado em Bruxelas, Bélgica, dezembro de 1999 (1-12) e em Nova York, Estados Unidos, março de 1997 (13-15)

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Dessa década da carreira da Rainha vocês já encontravam as seguintes gravações no PQP Bach:

[Restaurado] Sergei Prokofiev (1891-1953) – Sonatas para Violino e Piano e 5 Melodias

1991


[Restaurado] Aniversário da Rainha: Martha Argerich, 79 anos – Robert Schumann (1810-1856) – Concerto para piano em Lá menor, Op. 54 – Concerto para violino em Ré menor, WoO 23 – Argerich – Kremer – Harnoncourt #SCHMNN210

1992


A Quatro Mãos: Johannes Brahms (1833-1897) – Obras para dois pianos – Martha Argerich e Alexandre Rabinovitch

1993


Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840-1893): Piano Concerto No. 1 / The Nutcracker Suite for two pianos

1994


[Restaurado] Prokofiev (1891-1953): Concertos para piano Nº 1 & 3 / Bartók (1881-1945): Concerto para piano Nº 3

1997


Beethoven (1770-1827): Concertos para Piano No 3 & No 2 – Martha Argerich – Mahler CO – Claudio Abbado

2000


Chopin / Franck / Debussy: Sonatas para Violoncelo

2000



Notre Reine parle le français – et fume beaucoup

Vassily

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Quinta Década (1981-1990) [Martha Argerich, 80 anos]

1941-1950 | 1951-1960 | 1961-1970 | 1971-1980 | 1981-1990 | 1991-2000 | 2001-2010 | 2011-2020 | 2021-


Martha chegou aos quarenta com a reputação consolidada: uma das maiores pianistas do seu tempo, um fenômeno que abarrotava todas as salas de concerto, e tão célebre pelos recitais que dava quanto por aqueles que cancelava. Sua aversão tanto à cultura do espetáculo quanto ao estrelato levou-a, ao longo da década, a evitar a imprensa e os holofotes. Pouco a pouco, também, trocou as aparições solo por colaborações com amigos que, como veríamos nas décadas seguintes, seriam mantidas por toda a vida. Isso, naturalmente, refletiu-se em seu legado discográfico nos anos 80: muitos duos, alguns concertos, apenas um (e derradeiro) álbum solo – e, o mais incrível, nenhum Chopin.


Um dos mais fieis escudeiros de Martha, o leto-israelense Mischa Maisky (1948) é tão próximo da Rainha que ela escolheu ser sua vizinha quando mudou-se para Bruxelas. Maisky é, claro, um ótimo violoncelista, mas tende sempre a romantizar bastante as coisas, embora sua vizinha, felizmente, quase sempre lhe sirva de antídoto aos excessos de sacarose. O arranjo para violoncelo da sonata de Franck – um dos xodós de Martha, que a gravou tantas vezes, sempre com parceiros diferentes – é muito atraente, e as obras de Debussy que fecham o disco me fazem lamentar, como já fizera quando comentei a gravação com Gitlis, que a Rainha não tenha gravado mais coisas do pai da Chouchou.

César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890)
Arranjo de Jules Delsart (1844-1900)
Sonata em Lá maior para violoncelo e piano
1 – Allegretto ben moderato
2 – Allegro
3 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
4 – Allegretto poco mosso

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
Sonata em Ré menor para violoncelo e piano
5 – Prologue: Lent – Sostenuto e molto risoluto
6 – Sérénade et Final (Modérément animé – Animé)

La Plus que Lente, valsa para piano
Arranjo para violoncelo e piano de Mischa Maisky (1948)
7 – Molto rubato con morbidezza

Dos Prelúdios para piano, Livro I:
8 – No. 12: Minstrels: Modéré (arranjo de Mischa Maisky para violoncelo e piano)

Mischa Maisky, violoncelo

Gravado em Genebra, Suíça, em dezembro de 1981

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Martha e Nelson Freire (1944-2021) eram amigos desde os tempos de estudantes em Viena. Sobretudo, e com o devido perdão pelo lugar-comum, eram almas gêmeas e o demonstravam sobejamente quando tocavam em duo. Eu jurava que este disco, que inaugurou a parceria deles em estúdios de gravação, já fazia parte do acervo do PQP Bach. Enganei-me: ele só foi, em verdade, citado pelo patrão numa outra postagem com os dois, em que ele contou de seu breve encontro com a deusa para um autógrafo em Porto Alegre, e da espirituosa mensagem que ela deixou em seu LP.

Sergey Vasilyevich RACHMANINOFF (1873-1943)
Suíte para dois pianos no. 2 em Dó maior, Op. 17
1 – Introduction
2 – Valse
3 – Romance
4 – Tarantella

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
La valse, Poème Chorégraphique pour Orchestre
Transcrição para dois pianos do próprio compositor
5 – Mouvement de valse viénnoise

Witold Roman LUTOSŁAWSKI (1913-1994)
Variações sobre um tema de Paganini, para dois pianos
6 –  Tema – Variações I-XII – Coda

Nelson Freire, piano

Gravado em La Chaux-de-Fonds, Suíça, em agosto de 1982

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Grande amigo de Martha, o cipriota Nicolas Economou (1953-1993) certamente estaria a dividir os palcos com ela até hoje, não tivesse sucumbido jovem ao alcoolismo e, por fim, a uma desgraça automobilística. O destaque dessa gravação, a única que fizeram, é a hábil transcrição de Economou para a suíte de “O Quebra-Nozes” de Tchaikovsky, dedicada a Stéphanie e Semele, as caçulas da dupla.

Sergey RACHMANINOFF
Danças Sinfônicas, Op. 45, para dois pianos
1 – Non allegro
2 – Andante con moto
3 – Lento assai – Allegro vivace – Lento assai. Come prima – Allegro vivace

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Suíte do balé “O Quebra-Nozes”, Op. 71a
Transcrição para dois pianos de Nicolas Economou (1953-1993)
4 – Ouverture-miniature: Allegro giusto
5 – Danses Caractéristiques – Marche: Tempo di Marcia viva
6 – Danses Caractéristiques – Danse de la Fée Dragée: Andante non troppo
7 – Danses Caractéristiques – Danse Russe – Trépak: Tempo di Trepak, molto vivace
8 – Danses Caractéristiques – Danse Arabe: Allegretto
9 – Danses Caractéristiques – Danse Chinoise: Allegro moderato
10 – Danses Caractéristiques – Danse des Mirlitons: Moderato assai
11 – Valse Des Fleurs: Tempo de Valse

Nicolas Economou, piano

Gravado em Munique, Alemanha Ocidental, em março de 1983

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Martha sequer completara quarenta e dois anos quando nos legou seu último registro solo em estúdio. Enfastiada do processo de gravação, e num resmungo crescente quanto a solidão nos recitais e sessões (e eu acho que sua expressão amuada na capa diz-lhes mais do que eu seria capaz de lhes contar), deixou-nos um Schumann emblemático antes de se calar para sempre como recitalista em discos. Horowitz, com quem ela quisera ter aulas, ficaria faceiro com a jamais-aluna se ouvisse a endiabrada “Kreisleriana” e as “Cenas Infantis” tocadas assim, com a verve e o colorido que lhe eram tão característicos.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Kinderszenen, para piano, Op. 15
1 – Von fremden Ländern und Menschen
2 – Kuriose Geschichte
3 – Hasche-Mann
4 – Bittendes Kind
5 – Glückes genug
6 – Wichtige Begebenheit
7 – Träumerei
8 – Am Kamin
9 – Ritter vom Steckenpferd
10 – Fast zu ernst
11 – Fürchtenmachen
12 – Kind im Einschlummern
13 – Der Dichter spricht

Kreisleriana, Fantasias para piano, Op. 16
14 – Äußerst bewegt
15 – Sehr innig und nicht zu rasch
16 – Sehr aufgeregt
17 – Sehr langsam
18 – Sehr lebhaft
19 – Sehr langsam
20 – Sehr rasch
21 – Schnell und spielend

Gravado em Munique, Alemanha Ocidental, em abril de 1983

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Beethoven é, confessadamente, o compositor favorito de Martha, mas, em vivo contraste com seu amado Schumann, não o gravou muito quanto diz gostar dele. Se ela não tivesse abandonado as gravações solo, talvez encarasse a empreitada de registrar algumas sonatas do renano, como sói acontecer com os pianistas em maturidade artística. Por outro lado, os dois primeiros concertos para piano de Ludwig, seus cavalos de batalha como compositor-pianista recém-chegado a Viena, são figurinhas fáceis nos concertos da Rainha e em suas gravações ao vivo. Essa aqui, com a orquestra do Concertgebouw sob o patriarca dos Järvi, é uma das melhores, à qual se segue uma bonita “Patética” de Tchaikovsky, conduzida por aquele discreto gigante que atendia por Antal Doráti.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 19
1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Rondò. Molto allegro

Koninklijk Concertgebouworkest
Neeme Järvi, regência

Gravado em Amsterdã, Países Baixos, em novembro de 1983

Pyotr TCHAIKOVSKY
Sinfonia no. 6 em Si menor, Op. 74, “Patética”

4 – Adagio – Allegro non troppo
5 – Allegro con grazia
6 – Allegro molto vivace
7 – Finale — Adagio lamentoso

Koninklijk Concertgebouworkest
Antal Doráti, regência

Gravado em Amsterdã, Países Baixos, em novembro de 1983

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Não é todo mundo que tem dois parças letões. Mas Martha não é todo mundo e tem, além de Mischa Maisky, um outro nativo de Riga como parceiro musical de toda vida. Gidon Kremer (1947) ganhou rápida notoriedade depois de deixar a União Soviética e, com imenso repertório e interpretações muito originais, transformou-se num queridinho de plateias e gravadoras. Gosto dele, apesar de não ser seu fã incondicional, mas, assim como acontece com Maisky, acho que Martha consegue lhe domar os arroubos mercuriais, de modo que as parcerias com ela estão entre suas melhores gravações. Este é o primeiro dos quatro discos com a integral das sonatas de Beethoven, e essas gravações das sonatas da juventude do renano deixam muito óbvio que os dois estão tão entrosados e à vontade quanto os vemos na capa do disco.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três sonatas para violino e piano, Op. 12

Sonata no. 1 em Ré maior
1 – Allegro con brio
2 – Tema con variazioni: Andante con moto
3 – Rondo: Allegro

Sonata no. 2 em Lá maior
4 – Allegro vivace
5 – Andante, più tosto allegretto
6 – Allegro piacevole

Sonata no. 3 em Mi bemol maior
7 – Allegro con spirito
8 – Adagio con molta espressione
9 – Rondo: Allegro molto

Gidon Kremer, violino

Gravado em Munique, Alemanha Ocidental, em novembro de 1984

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Martha voltou a unir-se a Maisky para este registro das sonatas para gamba e cravo de Sebastião Ribeiro, e o resultado é surpreendente. Não pela qualidade dos intérpretes, que é notória – embora Martha aqui dome uma vez mais os esguichos de sacarose do vizinho -, e sim pelo quão convincentes estas sonatas soam sob mãos tão pouco barrocas. A transparência e clareza do Bach da Rainha permeiam toda a gravação, e acho Maisky perfeito, quase gambístico, nos movimentos rápidos da sonata em Sol menor.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Três sonatas para viola da gamba e cravo obbligato, BWV 1027-29

Sonata no. 1 em Sol maior, BWV 1027
1 – Adagio
2 – Allegro ma non tanto
3 – Andante
4 – Allegro moderato

Sonata no. 2 em Ré maior, BWV 1028
5 -Adagio
6 – Allegro
7 – Andante
8 – Allegro

Sonata no. 3 em Sol menor, BWV 1029
9 – Vivace
10 – Adagio
11 – Allegro

Mischa Maisky, violoncelo

Gravado em Munique, Alemanha Ocidental, em março de 1985

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Este disco pode ser descrito como uma “baguncinha entre amigos”: Martha trouxe Nelson e Mischa, e Kremer trouxe Isabelle van Keulen e Elena Bashkirova, sua ex-esposa e então recém-mãe dos dois filhos de Daniel Barenboim, que, por sua vez, ainda era casado com Jacqueline du Pré. Antes que isso vire a “Quadrilha” de Drummond, afirmo-lhes que o resultado é bem divertido: Martha e Nelson se esbaldam na idiomática escrita pianística de Saint-Saëns, Maisky aproveita a chance de confeitar o belíssimo Le Cygne, e Kremer e Bashkirova, alternando-se entre seus instrumentos e narração, trazem interesse às pouco gravadas peças que completam o disco (e se a história do touro Ferdinand lhes parecer familiar, certamente será porque vocês já a viram aqui)

Charles-Camille SAINT-SAËNS (1835-1921)
O Carnaval dos Animais, Grande Fantasia Zoológica
1 – Introdução e Marcha Real do Leão
2 – Galinhas e Galos
3 – Hémiones (asnos selvagens da Mongólia) – Animais velozes
4 – Tartarugas
5 – O Elefante
6 – Cangurus
7 – Aquário
8 – Personagens de orelhas compridas
9 – O cuco nas profundezas dos bosques
10 – Aviário
11 – Pianistas
12 – Fósseis
13 – O Cisne
14 – Final

Martha Argerich e Nelson Freire, pianos
Gidon Kremer e Isabelle van Keulen, violinos
Tabea Zimmermann, viola
Mischa Maisky, violoncelo
Georg Hörtnagel, contrabaixo
Irena Grafenauer, flauta
Eduard Brunner, clarinete
Edith Salmen-Weber, glockenspiel
Markus Steckeler, xilofone

Alan RIDOUT (1934-1996), texto de Munro Leaf
15 – Ferdinand the Bull, para narrador e violino solo

Elena Bashkirova, narração
Gidon Kremer, violino

Frieder MESCHWITZ (1936)
Tier-Gebete (“Preces dos Animais”), para narrador e piano
Texto: “Prières Dans L’Arche”, de Carmen Bernos de Gasztold, traduzido para o alemão por A. Kassing e A. Stöcklei
16 – A Prece do Boi
17 – A Prece do Rato
18 – A Prece do Gato
19 – A Prece do Cão
20 – A Prece da Formiga
21 – A Prece do Elefante
22 – A Prece da Tartaruga
23 – A Prece da Girafa
24 – A Prece do Macaco
25 – A Prece do Galo
26 – A Prece do Velho Cavalo
27 – A Prece da Borboleta

Gidon Kremer, narração
Elena Bashkirova, piano

Alan RIDOUT, texto de David Delve
28 – Little Sad Sound

Gidon Kremer, narração
Alois Posch, contrabaixo

Gravado em Munique, Alemanha Ocidental, em abril de 1985

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O segundo ato em disco da longa parceria entre Martha e nosso saudoso Nelson foi esta gravação da versão de concerto da sonata para dois pianos e percussão de Béla Viktor János, que a tocou pela primeira e única vez em público, com a esposa Ditta e sob a regência do compatriota Fritz Reiner, em sua última aparição como concertista, em 1943. Se Nelson e Martha nunca juntaram as escovas de dentes, a impressão que se tem ao escutar esse registro com a Concertgebouw sob o ótimo David Zinman é bem diferente: Ditta e Béla ficariam com inveja da liga que los sudamericanos dão ao originalíssimo tecido sonoro criado pelo magiar genial.

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Concerto para dois pianos, percussão e orquestra
1 – Assai lento – Allegro molto
2 – Lento, ma non troppo
3 – Allegro ma non troppo

Nelson Freire, piano II
Jan Labordus e Jan Pustjens, percussão

Zoltán KODÁLY (1882-1967)
4 –  Danças de Galanta (Galántai táncok), para orquestra

Koninklijk Concertgebouworkest
David Zinman, regência

Gravado em Amsterdã, Países Baixos, em agosto de 1985

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Martha devora aqui, como é costumeiro, aquele seu outro cavalo de batalha – o Concerto em Sol de Ravel – num disco dedicado a Maurice e ao israelense Gary Bertini (1927-2005), um ótimo regente que nos legou um excelente ciclo de sinfonias de Mahler – do qual vocês poderão ter boa ideia pelo capricho com que ele burila a sensacional segunda suíte de Daphnis et Chloé.

Maurice RAVEL
Suíte no. 2 do balé Daphnis et Chloé
1 – Lever du jour
2 – Pantomime
3 – Danse générale

Concerto para piano e orquestra em Sol maior
4 – Allegramente
5 – Adagio assai
6 – Presto

7 – La Valse, poema coreográfico para orquestra

Kölner Rundfunk-Sinfonie-Orchester
Gary Bertini, regência

Gravado ao vivo em Colônia, Alemanha Ocidental, em dezembro de 1985

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Marthita e Danielito foram as duas mais famosas Wunderkinder portenhas nos anos 40. A emigração dos Barenboim para Israel e os diferentes rumos que os prodígios tomaram em suas carreiras fizeram com que se revissem e gravassem só já consagrados e maduros. Essa gravação de Noches em los Jardines de España é minha favorita, pelo que Martha traz de colorido e, surpreendentemente, de sobriedade à parte pianística, integrando seu piano à massa orquestral como se dela fosse só uma parte, e não a briosa solista de costume. Completa o disco um registro da mais efetiva das orquestrações da suíte Iberia de Albéniz, que, apesar de muitas belezas, não é muito minha praia, fã que sou do pianismo magistral da obra original.

Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)
Noches en los Jardines de España, para piano e orquestra
1 – En el Generalife: Allegretto tranquillo e misterioso
2 – Dansa Lejana: Allegretto giusto – En los Jardines de la Sierra de Córdoba: Vivo

Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
De Iberia, suíte para piano (orquestração de Enrique Fernández Arbós)
3 – Evocación
4 – El Puerto
5 – El Albaicin
6 – Fête-Dieu à Séville
7 – Triana

Orchestre de Paris
Daniel Barenboim, regência

Gravado em Paris, França, em fevereiro de 1986

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Em mais um álbum que reflete sua risonha capa, Martha e Kremer divertem-se em suas leituras dessas sonatas-irmãs de Beethoven, paridas em números de opus separados tão só por uma mundana questão de papel. O letão e a argentina, intérpretes tão originais quanto impulsivos, emprestam uma bem-vinda inquietude aos tantos gestos temperamentais de Ludwig, sempre o nervosinho. Acima de tudo, o que Martha faz desses discos instiga a imaginação, quando nela pomos a Rainha a tocar algumas das quase trinta sonatas do renano que jamais trouxe a público.

Ludwig van BEETHOVEN
Sonata em Lá menor para violino e piano, Op. 23

1 – Presto
2 – Andante scherzoso, più allegretto
3 – Allegro molto

Sonata em Fá maior para violino e piano, Op. 24, “Primavera”
4 – Allegro
5 – Adagio molto espressivo
6 – Scherzo: Allegro molto
7 – Rondo: Allegro ma non troppo

Gidon Kremer, violino

Gravado em Berlim Ocidental em março de 1987

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Mais Kremer, e ainda mais sorrisos. À curiosa escolha do repertório – dois concertos compostos por um Mendelssohn adolescente – soma-se a distinta companhia da Orpheus, uma orquestra de câmara notória por ser conduzida não por regentes, mas por seus próprios músicos, através dum original e participativo processo criativo. A Orpheus, que não é muito afeita a superestrelas, parece ter aberto uma exceção à turma de Martha (pois também gravou com Mischa Maisky), com bons resultados. Aqui, a temperamental dupla de solistas está quase irreconhecível em sua dedicação à transparência e ao equilíbrio clássico dessas peças que só surpreenderão quem desconhece o considerável compositor que Felix já era quando moleque.

Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847)
Concerto para piano, violino e orquestra de cordas em Ré menor, MWV O4
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Allegro molto

Concerto para violino e orquestra de cordas em Ré menor, MWV O3
4 – Allegro
5 – Andante
6 – Allegro

Gidon Kremer, violino
Orpheus Chamber Orchestra

Gravado em Zurique, Suíça, em maio de 1988

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status de superestrela garantiu a Martha gravidade suficiente para atrair outros astros à sua órbita e promover festivais centrados em sua presença, como os de Beppu (Japão) e Lugano (Suíça), bem como em sua Buenos Aires natal. Aqui, ela é parte duma constelação granjeada por Gidon Kremer para o festival de Lockenhaus, na Áustria, capitaneado por ele. A participação de Martha resumir-se-ia ao duo que abre o disco, com a participação de Alexandre Rabinovitch (mais – mas MUITO mais – sobre ele em breve), mas resolvi encerrá-lo com uma breve peça de Kreisler tocada com o capitão Kremer, transplantada de outro disco. O recheio é muito, e muito bom Schubert, com destaque para dois pouco ouvidos trios.

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Rondó em Ré maior para piano a quatro mãos, D. 608
1 – Allegretto

Martha Argerich e Alexandre Rabinovitch, piano

2 – 25 Winterreise, ciclo de canções sobre poemas de Wilhelm Müller, D. 911

Robert Holl, baixo
Oleg Maisenberg, piano

Trio em Mi bemol maior para piano, violino e violoncelo, D. 897, “Notturno”
26 – Adagio

Oleg Maisenberg, piano
Gidon Kremer, violino
Clemens Hagen, violoncelo

Trio em Si bemol maior para violino, viola e violoncelo, D. 581
27 – Allegro moderato
28 – Andante
29 – Menuetto: Allegretto
30 – Rondo: Allegretto

Gidon Kremer, violino
Nobuko Imai, viola
Mischa Maisky, violoncelo

Friedrich “Fritz” KREISLER (1875-1962)
31 – Liebesleid, para violino e piano

Gidon Kremer, violino

Gravado ao vivo em Lockenhaus, Áustria, julho de 1988

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Natural de Baku, no Azerbaijão, mas educado na Rússia e radicado na Suíça, o pianista, compositor e regente Alexandre Rabinovitch será figurinha fácil na próxima década de vida artística de nossa Rainha. Nessa gravação, eles encaram a travessia da monumental suíte “Visões do Amém”, de Olivier Messiaen, composta durante a ocupação nazista da França (e depois de sua indesejável temporada em Görlitz) e destinada à interpretação do próprio compositor e de sua esposa, Yvonne Loriod. Messiaen criou as partes para piano especificamente para os temperamentos dos dois, destinando ao piano de Yvonne as “dificuldades rítmicas, os clusters, tudo que tem velocidade, charme e qualidade de som” e a seu próprio “a melodia principal, elementos temáticos, tudo o que demanda emoção e força”. A descrição de Yvonne lhes pareceu familiar? Pois escutem a gravação e me contem quem tocou a parte de Mme. Loriod.

Olivier Eugène Prosper Charles MESSIAEN
(1908-1992) 
Visions de l’Amen, para dois pianos (1943)
1 – Amen de la Création
2- Amen des étoiles, de la planète à l’anneau
3 – Amen de l’agonie de Jésus
4 – Amen du Désir
5 – Amen des Anges, des Saints, du chant des oiseaux
6 – Amen du Jugement
7 – Amen de la Consommation

Alexandre Rabinovitch, piano II

Gravado em Londres, Reino Unido, em dezembro de 1989

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Dessa década da carreira da Rainha vocês já encontravam no blog as seguintes gravações:

Serguei Rachmaninov (1873-1943) – Piano Concerto nº3, in D Minor, op. 30, Piotr Illich Tchaikovsky (1840-1893) – Piano Concerto nº1, in B Flat Minor, op. 23 (Argerich, Chailly, Kondrashin)

O incandescente Rach 3 sob Riccardo Chailly (1982)


[Restaurado] Schubert – Sonata para Arpeggione e Piano / Schumann – Fantasiestücke, 5 Stücke im Volkston

Mais um capítulo da longa parceria com o amigo Maisky, num Schubert que nos faz sonhar com Marthita tocando a últimas sonatas de Franz (1984)


Prokofiev (1891-1953): Piano Concerto No. 3 / Ravel (1875-1937): Piano Concerto in G

Um de meus discos para uma ilha deserta: a maravilhosa gravação do Concerto em Sol de Ravel (1984), pareada com o no. 3 de Prokofiev. Duas das especialidades da Rainha, sob a batuta de um de seus bruxos, Claudio Abbado.


Bartók: Sonata Nº 1 para Violino e Piano (1921) / Janáček: Sonata para Violino e Piano (1914-1921) / Messiaen: Tema e Variações para Violino e Piano (1932)

Numa outra empreitada com Gidon Kremer, gravada em 1985, Martha encara peças contemporâneas que, se já foram interpretadas com mais “sotaque”, são tão boas que sempre merecem a audição. Minha favorita entre as gravações desse álbum é a de Messiaen.


[Restaurado] BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concertos para piano e orquestra, Opp. 15 & 19 – Argerich – Sinopoli

Dois cavalos de batalha argerichianos, interpretados com o brilho de sempre pela Rainha, a despeito do som orquestral cavernoso e pouco congenial (1985)


[Restaurado] Robert Schumann (1810-1856) – Sonatas para Piano e Violino – Kremer, Argerich

Talvez o melhor duo entre Argerich e Kremer seja esse, gravado em 1985, em que nossa Rainha traz o amigo para seu mundo, o planeta Schumann.


BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Integral das sonatas e variações para violoncelo e piano – Maisky – Argerich

Minha gravação favorita das sonatas para violoncelo e piano de Beethoven deve quase tudo a Martha: foi seu brilho no finale daquela obra-prima, a sonata Op. 69, que primeiro me chamou a atenção para seu nome, quando eu era um garoto de poucos fios de barba a escutar a gravação, no mesmo 1990 em que foi lançada.


Nicolas Economou toca “Martha My Dear”, dos Beatles, para a própria, no início dos anos 80.

Vassily