Incrível que já se tenha passado um ano desde que, antes da gafe de deixar o patrão PQP tocar sozinho a série de postagens com a obra completa de Béla Bartók, assumi o papel de mestre de cerimônias no 140º natalício do grande homem e mostrei-lhes algumas de suas muitas façanhas como compositor, pianista, pedagogo e colecionador.
Pois hoje, enquanto colocamos mais uma velinha no bolo do mestre, voltarei àquele que é, talvez, o mais suculento gomo de sua obra. Entre todas suas composição, são as peças para violino – solo, em duo, com piano e acompanhadas por orquestra – que me parecem mais dependentes do “sotaque húngaro”, aquela tecla em que batemos obsessivamente ao longo da série de postagens do ano passado. Claro que há exceções, mas é muito difícil que elas – com seus modos, ataques e efeitos tão calcados no folclore da “Grande Hungria”, estudados à minúcia pelo compositor – sejam executadas a contento por intérpretes não magiares.
Endre Gertler (1907-1998), natural de Budapest, tinha, além de todo esse sotacão, uma tremenda familiaridade com essas obras, advinda da familiaridade com seu próprio autor: ele colaborou com Bartók em recitais ao longo dos anos 20 e 30 e foi, juntamente com József Szigeti, seu consultor para assuntos de técnica violinística. Mesmo depois de se radicar na Bélgica, tornar-se professor do Real Conservatório de Bruxelas e adotar o prenome “André”, o sotaque não se perdeu. Gertler já beliscava os sessenta anos quando foi à Tchecoslováquia, acompanhado dum regente patrício (János Ferencsik) e da esposa, a pianista dinamarquesa Diane Andersen, registrar a integral de Bartók para violino solista, ao lado de orquestras e solistas tchecos. O resultado foi essa gravação emblemática que ora lhes apresento e que, para mim, ainda é a referência nesse repertório, mais de cinquenta anos depois de ser dada ao mundo. O ótimo selo Supraphon é notório pelo cuidado de seus engenheiros de som, e a remasterização para a edição em CD fez jus ao material original. Se tiverem que escolher apenas um disco, sugiro-lhes o segundo: além duma eletrizante leitura da sonata para violino solo, vocês encontrarão minha interpretação predileta dos quarenta e quatro duos, em que o excelente Josef Suk – neto do compositor homônimo e bisneto de Antonín Dvořák – parece trocar de pedigree para tagarelar em magiar com o violino de Gertler.
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
A Obra Completa para Violino
André Gertler, violino
Gravações realizadas em 1966
Disco 1
01 – Rapsódia no. 1 para violino e orquestra, Sz. 87
02 – Rapsódia no. 2 para violino e orquestra, Sz. 90
Com a Filharmonie Brno (Orquestra Filarmônica de Brno)
János Ferencsik, regência
Concerto para violino e orquestra no. 2, Sz. 112
03 – Allegro non troppo
04 – Andante tranquillo – Lento – Allegro scherzando – Comodo – Tempo I
05 – Allegro molto
Com a Česká Filharmonie (Orquestra Filarmônica Tcheca)
Karel Ančerl, regência
Disco 2
Quarenta e quatro duos para dois violinos, Sz. 98
1 – Livro I: Párosíto – Kalamajkó – Menuetto – Szentivánéji – Tót nóta – Magyar nóta – Oláh nóta – Tót nóta – Játék – Rutén nóta – Gyermekrengetéskor – Szénagyűjtéskor – Lakodalmas – Párnás tánc
2 – Livro II: Katonanóta – Burleszk – Menetelő nóta 1 – Menetelő nóta 2 – Mese – Dal – Újévköszöntő – Szunyogtánc – Mennyasszonybúcsútató – Tréfás nóta – Magyar nóta
3 – Livro III: “Ugyan édes komámasszony…” – Sánta-tánc – Bánkódás – Újévköszöntő – Újévköszöntő – [3] Újévköszöntő – Máramarosi tánc – Ara táskor – Számláló nóta – Rutén kolomejka – Szól a duda – A 36 Sz. Változata
4 – Livro IV: Preludium és kanon – Forgatós – Szerb tánc – Oláh tánc – Scherzo – Arab dal – Pizzicato “Erdélyi” tánc
Com Josef Suk, violino
Sonata para violino solo, Sz. 117
5 – Tempo di ciaccona
6 – Fuga. Risoluto, non troppo vivo
7 – Melodia. Adagio
8 – Presto
Disco 3
Sonata no. 1 para violino e piano, Sz. 75
1 – Allegro appassionato
2 – Adagio
3 – Allegro
Sonata no. 2 para violino e piano, Sz. 76
4 – Molto moderato (attacca)
5 – Allegretto
Com Diane Andersen, piano
Contrasts, para clarinete, violino e piano, Sz. 111
6 – Verbunkos
7 – Pihenő
8 – Sebes
Com Milan Etlík, clarinete e Diane Andersen, piano
Disco 4
Concerto no. 1 para violino e orquestra, Sz. 36
1 – Andante sostenuto – attacca:
2 – Allegro giocoso
Com a Filharmonie Brno (Orquestra Filarmônica de Brno)
János Ferencsik, regência
Sonata em Mi menor para violino e piano, Op. póstumo
3 – Allegro moderato (molto rubato)
4 – Andante
5 – Vivace
Sonatina para violino e piano sobre temas folclóricos da Transilvânia
(arranjo de André Gertler para a Sonatina para piano, Sz. 55)
6 – Allegretto – attacca:
7 – Moderato – attacca:
8 – Finale. Allegro vivace
9 – Canções folclóricas húngaras para violino e piano, Sz. 42
Com Diane Andersen, piano
BÔNUS: toda festa de aniversário que se preza tem sua dose de constrangimento ao aniversariante, então não poderíamos deixar de servir-lhe uma bela torta de climão. Quem sairá de dentro dela será sua antiga paixão de juventude, a violinista Stefi Geyer, que inspirou seu primeiro concerto para violino, prontamente engavetado por cinquenta anos depois que ela deu o fora em Béla, e publicado só treze anos depois da morte do compositor. Para piorar o constrangimento, Stefi sairá da torta a tocar o concerto para violino – também dedicado a ela – composto por Othmar Schoeck, que era ninguém menos que o rival de Bartók no embate pelo coraçãozinho da moça. Se me acham perverso por isso, tsc, eu lhes peço que escondam suas venenosas línguas: Geyer é ótima violinista, e melhor ainda é Dennis Brain, o genial trompista que executa o idiomático concerto que completa o disco.
Concerto para violino e orquestra “quasi una fantasia” em Si bemol menor, Op. 21
1 – Allegretto
2 – Grave, non troppo lento
3 – Allegro con spirito
Stefi Geyer, violino
Tonhalle Orchester Zurich
Volkmar Andreae, regência
Concerto para trompa e orquestra, Op. 65
4 – Lebhaft, energisch bewegt
5 – Ruhig fliessend
6 – Rondo
Dennis Brain, trompa
Collegium Musicum Zurich
Paul Sacher, regência
Vassily