D. Scarlatti (1685-1757): 13 Sonatas (Nicolosi, piano) / A. Soler (1729-1783): 7 Sonatas (Chernychko, piano)

Real Biblioteca d’El Escorial, Monastério e Palácio onde tanto Scarlatti quanto Soler passaram boa parte de suas vidas
Aqui, trata-se da Biblioteca de St. Florian (Áusria) e não do Escorial, como explicou o comentário mais abaixo

Se quisermos usar uma metáfora familiar, as sonatas para teclado de Antonio Soler podem ser consideradas primas, sobrinhas ou mesmo irmãs mais novas das sonatas de Domenico Scarlatti, embora não sejam irmãs gêmeas. Ambos os compositores viveram na Espanha em um período de coexistência do cravo com o pianoforte. Ao contrário de J.S. Bach, que certamente preferia o cravo, Scarlatti e Soler – assim como seus patrões, alunos, amigos – estavam em um contexto de maior ambiguidade entre o velho instrumento e o novo “cravo com martelos”.

É razoável, então, tocar a música de Scarlatti e a de Soler tanto em um instrumento como no outro. No século XX, Alicia de Larrocha (aqui) reinava solitária como a grande intérprete de Soler ao piano, enquanto Scarlatti tinha dois ou três pianistas famosos (aqui, aqui…) que interpretavam sua música com dedos elegantes e suaves, mas também havia pianistas que carregavam nos temperos românticos: longe de mim citar nomes e gerar fofoca, mas o fato é que alguns faziam um Scarlatti horrorosowitz…

Hoje em dia temos um monte de jovens pianistas fazendo boas gravações das sonatas desses dois, sobretudo pela Naxos, que tem um longo projeto de lançar as sonatas completas de Scarlatti sem pressa e com pianistas diferentes. Pelo jeito a gravadora iniciou, mais recentemente, um projeto semelhante dedicado a Soler: há uns 3 ou 4 CDs já lançados, dos quais por enquanto só ouvi o da jovem ucraniana Regina Chernychko, convidada para essa gravação após vencer concursos de piano em Barcelona, Milão e Zurich. Ela faz um belíssimo trabalho aqui, assim como o italiano Francesco Nicolosi.


Domenico Scarlatti (1685-1757): Sonatas K. 52, 77, 79, 111, 139, 170, 176, 277, 344, 340, 388, 398, 456
Francesco Nicolosi, piano
Recorded: Potton Hall, Westleton, Suffolk, UK, 2007

Scarlatti: 13 Sonatas – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps


Padre Antonio Soler (1729-1783): Sonatas nº 67 a 74
Regina Chernychko, piano
Recorded: Palau de Congressos, Girona, España, 2016

Soler: Sonatas R. 67-74 – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

Regina Chernychko em 2022

Pleyel

BRUCKNER 200 ANOS! Anton Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 5 (Blomstedt, Leipzig)

Confesso que eu não me lembrava de ter ouvido algo com o nonagenário maestro Herbert Blomstedt até um ou dois anos atrás, quando seu disco a 3ª de Bruckner (aqui) me chamou a atenção. Seu disco das últimas sinfonias de Schubert, lançado em 2022 também com a orquestra de Leipzig, recebeu elogios intensos nas revistas inglesas. Ainda me resta ouvir a maior parte do seu repertório gravado, seja aquele dedicado aos austro-alemães como Mozart, Beethoven e Brahms, seja as suas muitas gravações de compositores escandinavos (Nielsen e Sibelius, que até hoje têm me emocionado menos do que Grieg e Langgaard). Aliás, Blomstedt é de família sueca e passou boa parte de sua juventude naquele país, embora tenha nascido nos EUA e vivido boa parte da vida adulta na Califórnia. Também foi regente principal em Copenhagen, Oslo e em Leipzig (de 1998 a 2005) com esta orquestra do disco de hoje.

É nessa condição de quem ainda conhece pouco o maestro – e, portanto, menos suspeito de idolatria, da posição de quem aguarda o desfile de conhecimentos do velho mestre, o que acontece um pouco quando ouço o Bruckner de Celibidache ou Jochum – que afirmo: esta sua série de sinfonias de Bruckner com a Gewandhausorchester de Leipzig é um absurdo, um escândalo de tão boa, a começar pela excelente qualidade do áudio, e passou na frente de todas as outras gravações de Bruckner que estavam na minha fila.

Uma breve nota sobre a Quinta de Bruckner: alguns lhe dão o apelido de “Sinfonia Pizzicato”, por ter cordas em pizzicato no início de cada um dos movimentos. Esse vai-e-vem das cordas fazendo essas incisivas sonoridades, e também uma série de temas que vem e vão (às vezes invertidos), fazem dela uma sinfonia de grande coerência interna, com fortes diálogos e simetrias entre os movimentos. O mundo de Bruckner é um mundo ordenado por uma elevada inteligência divina, onisciente e benevolente: isso fica bem explícito na sua Quinta.

O tema que mais se repete, como notarão aqueles que não passaram os últimos 20 anos isolados da sociedade, lembra vagamente o riff de guitarra de Seven Nation Army, composto pelo guitarrista Jack White e sem dúvida o último grande riff do rock’n’roll, tão amplamente tocado e cantado por multidões e plagiado quanto certos riffs dos Beatles e Rolling Stones.

Esta sinfonia já foi muito bem apresentada por PQP aqui, aliás em outra gravação com esse mesmo conjunto de Leipzig que se mostra talvez a maior orquestra bruckneriana do século XXI, então vamos ao que interessa:

Anton Bruckner (1824-1896):
Sinfonia Nº 5 em si bemol maior
Gewandhausorchester de Leipzig, Herbert Blomstedt

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320kbps

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – flac


Pleyel

Brahms: 4 Baladas, 3 Intermezzi, 2 Rapsódias, 1 Capriccio para piano e Quarteto com piano nº 3 / Schumann: Quinteto com piano (Rubinstein, piano)

Nos meus anos de juventude, tive a honra de ser um discípulo de Joseph Joachim, o lendário violinista e amigo de Brahms, e por meio dele a música de Brahms sempre esteve comigo. Deve-se lembrar que Brahms estava vivo até os meus 10 anos de idade, então para mim ele era um compositor contemporâneo, não um “velho mestre”. Eu até hoje me relaciono com sua música dessa maneira, e tento apresentar a essência do Brahms que eu aprendi a amar nessas anos de aprendizado.

Nessa gravação, você ouvirá música de todos os períodos da vida de Brahms. Aos 21 anos, o compositor das quatro Baladas op. 10 (1854) era cheio de vigor e de um dom quase schubertiano para a canção. (…) As duas Rapsódias op. 79, escritas 25 anos depois, são peças de concerto grandiosas e heroicas.

É em suas últimas peças para piano, opus 116 a 119, que chegamos à música mais íntima de Brahms para o instrumento que ele tocava. Respeitado em vida como quase nenhum compositor o foi, Brahms produziu nos seus últimos anos peças serenas e nostálgicas, cada vez mais introspectivas. (…) Como as anotações nas partituras indicam, elas são tão intensamente íntimas que não é possível trazer sua substância em uma enorme sala de concerto. Elas devem ser ouvidas calmamente, em uma pequena sala, pois são obras de câmara para o piano. (…) Nessa atmosfera – ouvindo em silêncio, sozinho ou com uma pessoa querida – elas capturam o seu coração.
(Arthur Rubinstein – texto na contracapa do LP The Brahms I Love)

Arthur Rubinstein (1887 – 1982) estudou na Alemanha, tendo certamente conhecido várias outras pessoas que conviveram pessoalmente com o compositor. Após a 2ª Guerra ele nunca mais pisaria na Alemanha e nem faria muita questão de falar sobre seus anos naquele país, mas o fato é que a formação do pianista polonês se deu sobretudo em Berlim: quando se mudou para Paris em 1904, já estava mais ou menos pronto. Isso ajuda a entender a seguinte anedota contada por Arthur Rubinstein em sua autobiografia My Young Years (1973):

O compositor russo Scriabin, cujas peças para piano eu conhecia bem, chegou em Paris para um concerto das suas obras. (…) “Vamos tomar um chá”, ele disse com simpatia, e fomos para o Café de la Paix e pedimos chá e doces.

“Quem é o teu compositor favorito?”, perguntou ele com o sorriso de um grande mestre que sabe a resposta correta. Quando eu respondi sem hesitação – “Brahms” – ele socou a mesa com o punho. “O que?” ele gritou. “Como você pode gostar desse compositor horrível e de mim ao mesmo tempo?” E, com raiva, ele colocou o chapéu e saiu do café, me deixando com a conta para pagar.

Ao longo de sua vida, Brahms continuou tendo um lugar especial no coração de Rubinstein: seus concertos, sonatas para violino e piano, quinteto e quartetos com piano fizeram parte do seu repertório e foram gravados, em alguns casos mais de uma vez. A gravação do Quarteto nº 3 em dó menor que aparece aqui é da década de 1960. Pouco depois, em 1971, ele lançaria um dos seus últimos discos de piano solo, com uma seleção de obras de Brahms que, como o título diz, ele amava: quatro baladas, duas rapsódias, três intermezzos e um capriccio. São interpretações muito especiais, construídas ao longo de uma longa vida.

O meu preferido aqui, porém, é o quinteto com piano de Schumann, compositor que se expressava mais ou menos no mesmo idioma de Brahms, com algumas pitadas a mais de sentimentalismo. A excelente gravação em stereo (também nos anos 1960) captura muito bem o Quarteto Guarnieri e o piano de Rubinstein. Juntos, eles abordam esse quinteto com uma espontaneidade nos rubatos que é preciso ouvir para crer. Eu realmente tenho uma adoração profunda por essa gravação, uma das que capturaram com maior precisão o inimitável presença de espírito de Rubinstein, um velhinho sempre bem-humorado e em um entendimento profundo com os jovens músicos norte-americanos do Quarteto Guarnieri.

O disco solo com Rubinstein tocando Brahms não tem um lugar tão especial no meu coração, por uma questão de gosto: não amo tanto Brahms quanto Rubinstein o amava. É verdade, porém, que ele defende muito bem as curtas peças dos opus 116 a 118 (de quando o compositor tinha cerca de 60 anos) e sobretudo as mais complexas Baladas opus 10. Essas quatro baladas são menos tocadas do que as quatro de Chopin, e entre os que as tocam, como E. Gilels, K. Zimerman e G. Sokolov, não faltam interpretações densas e sérias. Rubinstein – que, repito, viveu quando jovem na Alemanha e sempre teve essa música no seu repertório – se distancia um pouco do estereótipo do Brahms severo e intelectual: suas Baladas de Brahms são cheias de sorrisos sutis e de leveza.

Arthur Rubinstein, Guarnieri Quartet:
1-4. Johannes Brahms (1833-1897): Quarteto para piano, violino, viola, violoncelo nº 3 em Dó menor, Op. 60
5-8. Robert Schumann (1810-1855): Quinteto para piano, dois violinos, viola, violoncelo em Mi bemol maior Op. 44

Recorded in 1966 (Schumann) & 1967 (Brahms)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Brahms Quartet, Schumann Quintet

.:.
Arthur Rubinstein: The Brahms I Love
A1 Ballade in D Minor, Op. 10, n0.1 (“Edward”)
A2 Ballade in D, Op. 10, no. 2
A3 Ballade in B Minor, Op. 10, no 3
A4 Ballade in B, Op. 10, no. 4
A5 Rhapsody in G Minor, Op. 79 no. 2
B1 Intermezzo in B-Flat Minor, Op. 117, No.2
B2 Capriccio in B Minor, Op. 76, No. 2
B3 Intermezzo in E Minor, Op. 116, No. 5
B4 Intermezzo in E-Flat Minor, Op. 118, No. 6
B5 Rhapsody in B Minor, Op. 79 no. 1

Recorded in 1970/1971

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – The Brahms I love

Johannes Brahms (sentado) e Joseph Joachim (em pé)

Pleyel

.: interlúdio :. Chico Buarque – Ópera do Malandro (1979)

É hoje! 80 velinhas no bolo do Chico (nasc. 19/jun/1944)

Com uma carreira tão longa e diversificada – cantor, compositor, escritor – é claro que alguns de nossos leitores-ouvintes vão discordar, mas para mim o ponto mais alto de Chico Buarque foi quando, no fim da década de 1970, ele voltou ao teatro – após Morte e vida severina, Roda Viva, Gota d’água, Os Saltimbancos, Calabar.

Aqui ele reúne seus talentos já à época bem conhecidos de autor de sambas e de canções de amor, e sobretudo o seu grande assunto: olhar para a classe social que ele conhecia bem e de dentro, as elites brasileiras que se dizem muito cristãs mas adoram jogar pedra na Geni e em quem mais aparecer. Esse olhar cuidadoso voltado para aqueles que há tempos querem evitar ver pobre na praia (proposta legislativa dos nossos malandros federais de 2024) é uma das marcas do Chico, aparecendo no seu disco Caravanas (2017) e nos seus recentes romances Leite derramado (2009) e Essa gente (2019).

Estreada em 1978, a Ópera do Malandro supostamente se passa na década de 1940 em um Rio de Janeiro que ainda era capital da República – artifício para escapar da censura do regime dos generais – mas as situações retratadas são até hoje atuais, o que no fundo é uma péssima constatação. A ópera foi lançada em disco em 1979 e depois seria reencenada várias vezes com ligeiras modificações, uma canção a mais, outra a menos, por exemplo no filme de 1985. A montagem de 2003 na Praça Tiradentes (outro reduto imorrível da boemia carioca), lançada em CD pela Biscoito Fino (aqui nas plataformas de streaming), é igualmente excelente.

A “Ópera do Malandro” é baseada na “Ópera dos Mendigos” (1728), de John Gay, e na “Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht e Kurt Weil. O espetáculo estreou no Rio de Janeiro, em julho de 1978, e foi recriado em São Paulo, em outubro de 1979, sempre sob a direção de Luiz Antonio Martinez Correa. Este disco contém as canções de ambas as montagens.

Estamos no Rio de janeiro dos anos 1940. O comerciante Fernandes de Duran e sua mulher, Vitória Régia, exploram uma cadeia de bordéis na Lapa, empregando centenas de mulheres. O casal tem uma filha, Teresinha de Jesus, que é criada e envernizada com todos os requisitos para arranjar um casamento vantajoso.

O chefe de polícia controla a moral e os bons costumes da cidade e, por coincidência, aceita presentes e gratificações de Duran. E o contrabandista Max Overseas chefia uma quadrilha que age por aí, sem maiores embaraços, até que essas figuras se cruzam e a historinha dá no que dá.

Antes de abrir o pano, o produtor do espetáculo apresenta ao público o autor desta ópera, um malandro chamado João Alegre.
(Do encarte do álbum)

Chico Buarque: Ópera do Malandro
MPB4: O Malandro (adaptado de Die Moritat von Mackie Messer – B. Brecht, K. Weill)
Chico Buarque e A Cor do Som: Hino De Duran
Marlene: Viver de Amor
Chico Buarque e Marlene: Uma Canção Desnaturada
MPB4: Tango do Covil
Chico Buarque e Moreira Da Silva: Doze Anos
Chico Buarque e Alcione: O Casamento dos Pequenos Burgueses
Zizi Possi: Terezinha
Moreira Da Silva: Homenagem ao Malandro
Nara Leão: Folhetim
Frenéticas: Ai, se eles me pegam agora
Marieta Severo e Elba Ramalho: O Meu Amor
Turma do Funil: Se eu fosse o teu patrão
Chico Buarque: Geni e o Zepelim
Gal Costa e Francis Hime: Pedaço de mim
Cantores Líricos: Ópera
João Nogueira: O Malandro nº 2 (adaptado de Die Moritat von Mackie Messer – B. Brecht, K. Weill)

Produzido e dirigido por Sérgio de Carvalho
Arranjos e regência por Francis Hime

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

P.S.: Devo admitir, contudo, que a gravação de uma das canções mais famosas desse ciclo, a “Homenagem ao Malandro”, não me parece tão boa nessa gravação aqui. É claro que Moreira da Silva tinha um longo currículo de malandragem, mas simplesmente não combinou tanto com a melodia e letra de Chico quanto a interpretação do autor, no LP de 1978, ou ainda esta aqui de um outro malandro de longa folha-corrida:

Pleyel

BRUCKNER 200 ANOS! Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 6 (Leitner – SWR Sinfonieorchester) / Hartmann (1905-1963): Sinfonia Nº 6

O maestro alemão F. Leitner, mais famoso por suas gravações de óperas e de concertos com solistas como Kempff e Freire, gravou aqui uma bela e elegante Sexta Sinfonia de Bruckner. Ele escolheu gravá-la junto da 6ª do compositor alemão Karl Amadeus Hartmann (1905-1963): ele tinha em alta estima essas duas sinfonias e via relações entre elas. Das sinfonias do austríaco, a sexta às vezes é dita a mais clássica: há momentos explosivos com percussões e tudo mais, mas durante a maior parte do tempo as melodias se desenvolvem em um clima de harmonia, equilíbrio e elegância, sem tantos extremos quanto nas outras sinfonias. Vejamos por exemplo o Adagio com sua melodia que vai se expandindo de maneira orgânica e suave, sem o chororô de momentos lentos de Tchaikovsky, Grieg ou Rachmaninoff. A personalidade de Bruckner se encontra mais próxima, ao menos nesse adagio, dos elegantes movimentos lentos de sinfonias e concertos de Mozart, ou ainda das sonatas lentas de Domenico Scarlatti com seus movimentos “adagio e cantabile“, “andante moderato“, “andante commodo“, etc (aqui e aqui). Ou talvez a maior semelhança – ainda em termos de classicismo – seja entre este adagio da 6ª de Bruckner e os movimentos lentos de Schubert em suas sinfonias, quartetos e quintetos. Compatriota de Bruckner, Schubert também se perdia às vezes (ou melhor: se encontrava) em repetições que um estrito professor de composição, ciente das opiniões do senso comum e sem a originalidade dos gênios, poderia cortar como pleonásticos. E, de fato, Bruckner em muitos momentos aderiu ao senso comum e fez cortes em várias de suas sinfonias, ou ainda as teve cortadas por terceiros para aumentar as chances de tê-las tocadas por grandes orquestras como a Filarmônica de Viena.

As repetições de Bruckner são, então, uma de suas marcas registradas. Para tentar entender o que significava esse aspecto do seu jeitinho único, fiz um exercício criativo: traduzir um texto do antropólogo Bruno Latour (1947-2022) sobre as repetições no estilo do poeta e ensaísta francês Charles Péguy (1873-1914), que teria idade para ser filho ou neto de Bruckner, também era católico e também foi muito criticado pelo estilo repetitivo. Para Latour, não se trata de uma simples questão de estilo, mas da substância mesmo da mensagem do poeta. E vejamos se não se aplica um pouco para o nosso esquisito e amado Anton Bruckner…

Péguy [Bruckner] repete sem parar as frases, os argumentos e mesmo os temas em suas obras. Essa característica é frequentemente criticada como uma falha. Acusam-no de não saber se limitar e de agir por aproximações sucessivas.

Ora, Péguy [Bruckner] procede quase por aforismos. Se ele repete, não é por ignorância ou por indecisão. Ele busca na repetição um “efeito”, que a simples qualidade da linguagem não pode dar. Que “efeito” é esse?

Um autor que não se repete corre de uma frase à outra, de modo progressivo, planejando as transições, e impõe assim ao [ouvinte] a imagem de um rio que desce do começo ao fim. Um autor que se repete suspende este movimento, desvia dessa corrente, e reduz a confiança que habitualmente se tem no progresso. Se, além disso, ele repete os argumentos e volta várias vezes para o começo, ele produz um efeito de confusão e ansiedade.

O [ouvinte] esperava uma “história”, com peripécias habilmente amarradas e desamarradas que se seguiriam como horizontalmente. E ele é forçado a parar em uma só peripécia que, bem longe de chegar a um fim, se aprofunda mais a cada instante, como verticalmente. Essa lógica, que desenha a repetição contra o seguimento e a lógica habituais, é precisamente o ato de colocar os hábitos de cabeça para baixo.

Esse pressentimento impede de considerar esse aspecto de estilo unicamente como um problema de forma. É preciso considerar o estilo repetitivo de Péguy [Bruckner] como o problema de fundo de sua obra.

Péguy [Bruckner] busca um “outro tempo”. Onde ele vai ser encontrado naquele fim de século XIX? No futuro? Mas o futuro para Péguy [Bruckner] não é uma categoria plena; ele não crê no progresso. Se ele briga com seus amigos, é pela mesma razão que o força a se repetir: ele espreita outra coisa que não o habitual; ele busca a novidade da origem através dos efeitos da quebra do hábito. Ele busca, no choque, o essencial – ou melhor dizendo, fazer com que, no choque, o essencial se mostre.

1-4. Anton Bruckner: Symphony No. 6 in A Major
Composed By – Anton Bruckner
I. Majestoso 15:47
II. Adagio. Sehr Feierlich 15:28
III. Scherzo. Nicht Schnell 9:18
IV. Finale. Bewegt, Docht Nicht Zu Schnell 15:05

5-6. Karl Amadeus Hartmann: Symphony No. 6 For Big Orchestra (Für Großes Orchester)
I. Adagio 11:43
II. Toccata Variata. Presto 12:14

Ferdinand Leitner, SWR Sinfonieorchester Baden-Baden Und Freiburg
Recording: 27/28 oct 1982 at Rosbaud-Studio Baden-Baden, SWR, West Germany

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Beethoven e Bruckner em vitral na Catedral de Linz, circa 1920

Pleyel

.: interlúdio :. Billy Cobham Band – Live in Leverkusen (2010), Tierra del fuego (2020)


Após um período difícil nos anos 1980 e 90, quando aderiu a algumas modas que hoje soam duvidosas, Billy Cobham iniciou os anos 2000 atacando em duas frentes: uma delas, o jazz com instrumentos acústicos, normalmente com seu parceiro Ron Carter e outros músicos tocando piano, saxofone, etc., por exemplo no belo disco ao vivo de 2011 que vimos aqui.

Em paralelo, ele montou uma banda com dois tecladistas, guitarra e baixo, com a qual tem feito turnês pelo mundo e principalmente pela Europa, onde vive há muitos anos. Também tocou no Brasil em 2012 e em 2023. Inclusive as fotos que ilustram esta postagem são de Billy Cobham e seus fiéis escudeiros no Rio de Janeiro ano passado: a tecladista francesa Camelia Ben Naceur e o percussionista brasileiro Marco Lobo, nascido na Bahia, e que é especialista no berimbau. Este instrumento tipicamente brasileiro aparece na faixa Bara”boom” chick, em um diálogo muito especial com a bateria de Cobham.

A foto de Billy Cobham mais acima, assim como esta abaixo (capa do disco ao vivo de 2010), expressam bem a sua personalidade musical: irradiando alegria pelas duas mãos, pés e por todo o resto do corpo, ele segue em atividade aos 80 anos com esse ar irreverente, em contraste com o terno e a seriedade do quase nonagenário Ron Carter.


Billy Cobham Band – Live In Leverkusen (2010)
1. Mirage 9:10
2. Obliquely Speaking 6:54
3. Two For Juan 8:29
4. A Days Grace 9:31
5. Crosswinds 6:37
6. Drumsolo 5:19
7. Cancun Market 7:46
8. Red Baron 9:28
9. Stratus 13:01

Billy Cobham (Drums); Fifi Chayeb (Bass); Jean-Marie Ecay (Guitar); Camelia Ben Naceur, Christophe Cravero (Keyboards); Junior Gill (Percussion)

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE – Live in Leverkusen


Billy Cobham Band – Tierra Del Fuego (2020)
1. Symbiosis
2. Dunes That Move
3. Light At The End Of The Tunnel
4. For Bubba & Bella
5. Tierra Del Fuego
6. Panama
7. Bara “Boom” Chik
8. Through The Eye Of The Needle
9. Petra In 3 Phases

Billy Cobham (Drums); Michael Mondesir (Bass); David Dunsmuir (Guitar); Camelia Ben Naceur, Steve Hamilton (Keyboards); Marco Lobo Moreira (Percussion)
Recorded in Mazzive Sound Studios, Switzerland, 2019

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE – Tierra del Fuego

Camelia Ben Naceur, Marco Lobo (Rio, 2023).jpg

#billycobham80
Pleyel

Mozart (1756-1791): Concertos para Piano nº 20, 22 e 25 / Beethoven (1770-1827): Concerto para Piano nº 3 (A. de Larrocha / A.B. Michelangeli)

Alicia de Larrocha

Dois discos gravados ao vivo com orquestras alemãs na década de 1980. Dois discos com concertos de Mozart, um deles também com um de Beethoven. Dois pianistas de imensa reputação nesse repertório. Nem preciso apresentar Alicia de Larrocha (1923-2009) e Arturo Benedetti Michelangeli (1920-1995), então falarei um pouco das orquestras.

Alicia tocou esses concertos com duas orquestras do sul da Alemanha, em Stuttgart e Baden-Baden, e os concertos foram gravados pelas rádios alemãs: o lançamento em CD foi décadas depois. Em um ou outro detalhe, soam diferentes das orquestras novíssimas que, nos últimos 15 ou 20 anos, têm mostrado um Mozart mais leve. Mas esses músicos alemães, em 1986, defendiam de modo muito convincente o Mozart criador de tensões sonoras que já soam como profecias dos exageros do romantismo. Sobretudo a percussão: neste Concerto nº 22 – como aliás em outros concertos do Mozart maduro: o 25º, o 26… –  as pauladas no tambor são intensas como em Beethoven ou, se corrermos um pouco no túnel do tempo, lembram até os tambores e martelos de Mahler.

E tenho para mim que os músicos de Stuttgart fazem um Mozart mais rico em detalhes do que os da English Chamber Orchestra, com quem Larrocha gravaria este Concerto nº 22 nos anos 90. Também no 3º Concerto de Beethoven o desempenho da orquestra é bastante interessante, ao menos para quem gosta de Beethoven tocado por orquestras com um número generoso de cordas.

Michelangeli (com um cigarrinho)

O disco de Arturo, também ao vivo, é com a orquestra da Rádio do Norte Alemão (NDR-Sinfonieorchester), em Hamburgo. No Concerto nº 20, o primeiro composto por Mozart em um tom menor, a orquestra faz milagres que nunca ouvi em outras gravações deste concerto. Um som cheio de mistérios, sombras e nuvens. Também Michelangeli está em excelente forma e muto bem gravado, fazendo cada um dos ornamentos com o cuidado e perfeccionismo que eram sua marca registrada. E ele usa a cadência de Beethoven. No Concerto nº 25, porém, a orquestra exagera na intensidade do 1º movimento (Allegro maestoso) e hoje em dia, com tantas gravações historicamente mais informadas, fica difícil perdoar alguns exageros que eram comuns na época. Ou seja: pare o que estiver fazendo agora para ouvir o Concerto em ré menor, mas o outro em dó maior dá pra deixar pra ouvir outro dia.


Alicia de Larrocha – Piano Concertos: Mozart 22, Beethoven 3 – mp3

Alicia de Larrocha – Piano Concertos: Mozart 22, Beethoven 3 – flac


Michelangeli – Piano Concertos: Mozart 20, 25 – mp3

Pleyel

.: interlúdio :. Spanish Blue (1974) / This is Jazz (2011) – Ron Carter (baixo), Billy Cobham (bateria), Hubert Laws (flauta), Donald Harrison (sax)

80 anos de Billy Cobham! 16 de maio de 2024

Mas a estrela principal desta postagem é um parceiro de longa data de Cobham…

Barcelona, 1964.
Ron Carter estava em turnê com o quinteto de Miles Davis. No seu tempo livre, ele e Miles buscaram satisfazer duas necessidades profundas em um obscuro restaurante onde as paixões catalãs por boa comida e boa música se encontravam.

“Os funcionários pareciam honrados com o nosso interesse. O resultado foi um incrível jantar com peixe, seguido de duas horas de maravilhoso flamenco. Eram dois dançarinos e três músicos, todos autênticos. Eu sempre gostei de música espanhola. Mas naquela viagem tive a chance do ouvir horas, direto da fonte. Fiquei fascinado com o uso do tempo pelos músicos de flamenco. Uma ênfase diferente na marcação do tempo. Não consigo anotar ou explicar, mas é muito emocionante.”

Duas das peças neste álbum refletem as simpatias espanholas de Ron Carter. Ele não tem a pretensão de que essas peças observam formas tradicionais do flamenco. São composições distiladas do estilo espanhol e filtradas pela experiência e perspectiva de um mestre do jazz. Os solos apaixonados de Hubert Laws (flauta) e Roland Hanna (piano acústico e elétrico) em El Noche Sol e a atmosfera sensual de habanera em Sabado Sombrero atestam o sucesso de Carter como compositor, líder e baixista.

“Arkansas” – que ganhou este nome quando o filho de Ron Carter estudava um mapa e pronunciou de modo errado o nome daquele estado do sul dos EUA – tem o único overdub no disco: Carter toca ao mesmo tempo um baixo piccolo e um normal. As duas linhas de baixo têm, ambas, os elementos que fizeram de Ron Carter um músico tão popular entre ouvintes e músicos: potência, swing, um tom redondo e uma lógica arquitetural única.

Mas a sua habilidade para lidar e se ajustar com seus parceiros é igualmente importante. Neste álbum essa empatia é notável, por exemplo, nas conspirações rítmicas desenvolvidas por Carter e Billy Cobham.

“Ele ouve com as suas mãos e ouvidos,” diz Ron sobre Cobham. “O que quer que acontecer, ele sempre vai se adaptar e nós sempre nos viramos sem perder o tempo.”

(Adaptado do encarte de Spanish Blue, 1975, escrito por Doug Ramsey)

Enquanto o resto do álbum tem essa homenagem às sonoridades espanholas, a faixa final, Arkansas, tem uma levada mais dançante no baixo elétrico, lembrando um pouco o movimento que também Billy Cobham fazia em seu álbum do mesmo ano, A Funky Thide of Sings.

O baixo elétrico, porém, permaneceria minoritário na longa e produtiva carreira de Ron Carter: a partir dos anos 1980 ele se tornou um dos nomes mais constantes em grupos do chamado jazz tradicional, ou seja, com instrumentos acústicos. A sua pose de gentleman, quase sempre em ternos bem cortados, ajudaria a compor o estilo daquele jazz mais orientado para adultos acima dos 40 do que para jovens.

E mais ou menos a partir do ano 2000, também Billy Cobham voltaria a tocar esse tipo de jazz em instrumentos acústicos. Ele continuaria fazendo shows e álbuns de jazz-fusion, mas alternaria com formações como esta gravada ao vivo em 2011, com Ron Carter no baixo e o saxofonista Donald Harrison. Nascido em New Orleans em 1960, Harrison traz o swing do sul dos EUA para duas faixas compostas por Ron Carter e uma por Victor Feldman & Miles Davis. Há ainda um standard de 1936 assinado Vernon Duke & Ira Gershwin, um outro standard tocado somente por Carter no baixo e a faixa final é assinada pelos três músicos aqui presentes.


Ron Carter: Spanish Blue (1974)
1. El Noche Sol (Ron Carter)
2. So What” (Miles Davis) – 11:24
3. Sabado Sombrero (Ron Carter)
4. Arkansas (Ron Carter)
Recorded at Van Gelder Studio in Englewood Cliffs, New Jersey, USA, November 18, 1974

Ron Carter – bass
Hubert Laws – flute
Roland Hanna – electric piano, piano (tracks 1-3)
Leon Pendarvis – electric piano (track 4)
Jay Berliner (track 3) – guitar
Billy Cobham – drums, field drum
Ralph MacDonald – percussion

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Spanish-Blue (1975)

Donald Harrison, Ron Carter, Billy Cobham: This is Jazz (2011)
1. Cut & Paste (Ron Carter)
2. MSRP (Ron Carter)
3. You Are My Sunshine (Jimmie Davis, Charles Mitchell)
4. Seven Steps to Heaven (Victor Feldman, Miles Davis)
5. I Can’t Get Started (Vernon Duke, Ira Gershwin)
6. Treme Swagger (Donald Harrison, Ron Carter, Billy Cobham)

Recorded live at the Blue Note, NYC, USA, March 5-6, 2011

Donald Harrison – alto saxophone
Ron Carter – bass
Billy Cobham – drums

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – This is jazz (2011)

Uma lenda viva do baixo. Aposentadoria não está entre os seus planos, sorte nossa!

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Pleyel

.: interlúdio :. Billy Cobham: Shabazz (Live in Europe 1974) + A Funky Thide of Sings (1975)

80 anos de Billy Cobham! 16 de maio de 2024

Billy Cobham talvez seja o maior baterista vivo e em atividade no planeta. E podem ter certeza de que eu não falo isso pra todos. Não me lembro de ter feito, até hoje, uma série de postagens com elogios tão longos a um baterista ou percussionista, e olha que já falei aqui de figuras veneráveis como Naná Vasconcelos (1944-2016), Wilson das Nees (1936-2017) e Rashied Ali (1933-2009).

Alex Blake

Temos aqui dois discos de Billy Cobham com sua banda de meados dos anos 1970. A sonoridade mantinha-se próxima do jazz-fusion do seu disco de estreia, porém, com três ou mais instrumentos de sopro e com linhas de baixo mais dançantes, ele ia se aproximando do funk. Isso já é verdade no disco gravado ao vivo na Europa, mas sobretudo no disco seguinte, A Funky Thide of Sings (1975). Um dos grandes momentos de toda a carreira de Billy Cobham, este álbum tem arranjos que lembram um pouco o instrumental dos discos de Michael Jackson como Off the wall (1979) e os anteriores com seus irmãos. A semelhança se dá sobretudo com os baixos extremamente dançantes, também os teclados e metais, mas é claro que a percussão aqui é muito mais elaborada. Amo este disco.

Para além do entusiasmo com esses excelentes músicos como Milcho Leviev (teclados) e Alex Blake (baixo), é interessante notar também que tanto a mudança de sonoridade rumo ao funk como as turnês na Europa fizeram parte de um contexto de crise do jazz nos EUA como gênero comercialmente viável. Sobre isso, um respeitado historiador resume:

Assim como a música clássica, o jazz sempre foi um interesse de minorias, contudo, diversamente da música clássica, esse interesse não foi estável. O interesse pelo jazz passou por diferentes fases, havendo momentos de desânimo. O final da década de 1930 e os anos 1950 foram períodos em que o jazz se expandiu de maneira notável, mas nos anos da depressão de 1929 (nos EUA, pelo menos), até o Harlem preferiu música suave à meia-luz em vez de Duke Ellington ou Louis Armstrong. (…) A idade de ouro dos anos 50 terminou de repente (…). Os jovens, sem os quais o jazz não pode existir, o abandonaram com uma rapidez extraordinária.

Não foram poucos os músicos de jazz americanos que acharam melhor emigrar para a Europa naquelas décadas. Como disse um famoso saxofonista em 1976: “Não acho que possa ganhar o suficiente neste país. Não acho que alguém possa… Não há público em número bastante… Nos últimos dois anos, a banda fez mais apresentações na Alemanha do que aqui”.

(Eric Hobsbawm. O Jazz a partir de 1960. In: Pessoas extraordinárias – Resistência, rebelião e jazz. 1989)

Shabazz (Live in Europe 1974)

1. Shabazz – 13:48
2. Taurian Matador (Revised) – 5:28
3. Red Baron (Revised) – 6:37
4. Tenth Pinn – 14:00

Billy Cobham – percussion
Michael Brecker – saxophone
Randy Brecker – trumpet
Glenn Ferris – trombone
John Abercrombie – guitar
Milcho Leviev – keyboards
Alex Blake – bass

Recorded at the Rainbow Theatre, London, England, 13/jul/1974 (tracks 1, 3, 4) / at the Montreux Jazz Festival, Switzerland, 4/jul/1974 (track 2). All compositions by Billy Cobham

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Shabazz

A Funky Thide of Sings (1975)

1. Panhandler (Billy Cobham) – 3:50
2. Sorcery (Keith Jarrett) – 2:26
3. A Funky Thide of Sings (Billy Cobham) – 3:23
4. Thinking of You (Alex Blake) – 4:12
5. Some Skunk Funk (Randy Brecker) – 5:07
6. Light at the End of the Tunnel (Billy Cobham) – 3:37
7. A Funky Kind of Thing (Billy Cobham) – 9:24
8. Moody Modes (Milcho Leviev) – 12:16

Billy Cobham – percussion, synthesizers
Milcho Leviev – keyboards
John Scofield – guitar
Alex Blake – bass
Michael Brecker, Larry Schneider – saxophone
Randy Brecker, Walt Fowler – trumpet
Tom Malone – trombone, piccolo
Glenn Ferris – trombone
Rebop Kwaku Baah – congas

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – A Funky Thide of Sings

Billy Cobham na contracapa de “A Funky…”

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Pleyel

.: interlúdio :. Santana and McLaughlin: Love Devotion Surrender + Live in Saratoga (1973) / Billy Cobham: Spectrum (1973)

O ano de 1973 foi extremamente movimentado para Billy Cobham: aos 29 anos, ele alcançava uma fama maior com o grupo Mahavishnu Orchestra, ao mesmo tempo que presenciava a desintegração deste grupo. Não faltaram outros parceiros musicais de imenso talento, com os quais ele tocou em estúdio e em turnês pelos EUA. um desses parceiros foi o guitarrista Carlos Santana, que naquele momento já tinha uma legião de fãs na California, enquanto os fãs de John McLaughlin se concentravam mais em Nova York e na costa leste em geral. Os dois guitarristas gravaram um disco em 1973 e cada um trouxe parte de suas bandas: McLaughlin contou com Billy Cobham na bateria e Santana trouxe Armando Peraza (1924-2014), percussionista de origem cubana. Larry Young (órgão hammond) completa a banda principal, que teve ainda a participação mais discreta do baixista Doug Rauch, também da banda de Santana desde 1970. Essa mesma banda fez uma curta turnê em 1973, uns 10 ou 20 shows. Ao vivo, no show em Saratoga (estado de NY, USA), aos menos para os meus ouvidos eles estão ainda melhores do que no estúdio.

Também foi em 1973 que Billy Cobham gravou seu primeiro álbum como líder de uma banda: aqui, sem guitarra, ele convidou o tecladista da Mahavishnu Orchestra, Jan Hammer, que é o principal destaque no disco Spectrum junto com o baterista. Hammer em seguida tocaria muitos anos com Jeff Beck, incluindo o clássico álbum Wired (1976). Apoiado na reputação que Billy Cobham ia construindo em meio a tantos discos e shows em outras bandas, esse seu primeiro disco solo foi um sucesso de vendas e alavancou a sua longa carreira solo, da qual veremos dois dos seus outros álbuns amanhã.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Santana & McLaughlin – LDS (studio) – mp3

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Santana & McLaughlin – Live in Saratoga, NY – flac

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Billy Cobham – Spectrum – mp3

Spectrum (contracapa)

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Pleyel

.: interlúdio :. Miles Davis: Jack Johnson (1971) / Mahavishnu Orchestra: Birds of Fire + Between Nothingness & Eternity (1972-73)

Na continuação das homenagens ao baterista Billy Cobham, hoje temos mais três discos com a sua participação, e que até hoje são frequentemente reeditados e relembrados em listas de melhores disso ou daquilo. Os textos abaixo são adaptados do blog jazz-rock-fusion-guitar, um dos mais longevos da internet junto com este PQPBach e uma meia dúzia de outros dedicados à música. Mas antes uma observação: é um exagero dizer que Billy Cobham foi da banda de Miles Davis. Ele gravou com Miles, como baterista já muito conhecido como músico de estúdio em Nova York e New Jersey. Mas não chegou a fazer vários shows e turnês com Miles Davis em sua encarnação elétrica, ao contrário de nomes como Wayne Shorter, Chick Corea, Keith Jarrett, Jack DeJohnette. Com a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin, sim, ele teve uma ligação mais duradoura e intensa entre 1971 e 1973. E foi a partir do grande sucesso dos discos e dos shows dessa banda que Billy Cobham ganhou um público de admiradores e iniciou uma carreira como líder de seus próprios grupos, mas isso já são cenas do próximo capítulo.

Jack Johnson, também conhecido como A Tribute to Jack Johnson, foi a segunda trilha sonora de filme que Miles Davis compôs, depois de Ascenseur pour l’échafaud em 1957. Em 1970, Bill Cayton (empresário do boxe) pediu a Davis que gravasse música para seu documentário de mesmo nome sobre a vida do boxeador Jack Johnson. A saga de Johnson ressoou pessoalmente em Davis, que escreveu no encarte do álbum sobre a maestria de Johnson como boxeador, sua afinidade com carros velozes, jazz, roupas e mulheres bonitas, sua negritude não reconstruída e sua imagem ameaçadora para os homens brancos. Jack Johnson foi um ponto de virada na carreira de Davis e desde então tem sido visto como uma de suas maiores obras.

Na capa original do LP (clique na foto mais abaixo para ampliar), além de uma foto de Miles Davis e seu trompete, há também um texto introdutório do próprio Miles, no seu característico estilo direto e combativo, que começa assim:

A ascensão de Jack Johnson à supremacia mundial dos pesos pesados em 1908 foi um sinal para o surgimento da inveja branca. Consegue imaginar? E, claro, nascer Negro na América… todos nós sabemos como é. Um dia antes de Johnson defender o título contra Jim Flynn (1912), ele recebeu um bilhete: “Deite-se amanhã ou amarraremos você – Ku Klux Klan.” Dig that!

Johnson representou a Liberdade – ela tocou tão alto quanto o sino que o proclamava Campeão. Ele era um homem de vida rápida, gostava de mulheres – muitas delas e a maioria brancas. Ele tinha carros chamativos, isso mesmo, os grandes e os rápidos. Ele fumava charutos, tomava os melhores champagnes e tinha um contrabaixo de mais de 2 metros no qual ele orgulhosamente tocava jazz. Sua extravagância era óbvia. (…) E quanto mais ele era odiado, mais dinheiro ele ganhava, mais mulheres ele conquistava e mais vinho ele bebia.

Davis, que queria formar o que chamou de “a maior banda de rock and roll que você já ouviu”, gravou com uma formação composta pela guitarra de John McLaughlin, o baixo elétrico de Michael Henderson, os teclados de Herbie Hancock e a bateria de Billy Cobham.

A principal sessão de gravação do álbum, em 7 de abril de 1970, foi quase acidental: John McLaughlin, aguardando a chegada de Miles, começou a improvisar riffs em sua guitarra, e logo se juntou a Michael Henderson e Billy Cobham. Enquanto isso, os produtores trouxeram Herbie Hancock, antigo parceiro de Miles e que por acaso estava de passagem pelo prédio, para tocar órgão Farfisa – criando sonoridades que por vezes lembram o Pink Floyd do período com Syd Barrett (1966-1968).

Em “Yesternow”, existem duas bandas, a primeira mencionada acima e outra que começa por volta das 12h55. A segunda formação foi Miles, McLaughlin e Sonny Sharrock (guitarras), Jack DeJohnette (bateria), Chick Corea (teclado), Bennie Maupin (clarinete baixo), Dave Holland (baixo elétrico). Os primeiros 12 minutos da música giram em torno de um único riff de baixo retirado de “Say It Loud, I’m Black and I’m Proud”, de James Brown. Jack Johnson é um dos melhores discos de jazz elétrico já feitos por causa do sentimento de espontaneidade e liberdade que evoca no ouvinte, pelos solos estelares e inspiradores de McLaughlin e Davis e pela perfeição da montagem de diferentes takes no estúdio por Miles e pelo produtor Teo Macero.

Os outros discos da postagem de hoje são da Mahavishnu Orchestra, que não era uma orquestra no sentido literal, apenas uma banda com cinco músicos tocando jazz-rock (fusion) em instrumentos elétricos: guitarra, baixo, teclado, violino e bateria. O líder, John McLaughlin, foi um dos protagonistas da banda de Miles na fase dos discos Bitches Brew e Jack Johnson, tendo fundado sua própria banda logo em seguida. Apesar de – ao menos quando sob os holofotes – espiritualizado em um peculiar estilo bastante influenciado pela fase final de Coltrane, McLaughlin ao mesmo tempo queria assinar como único compositor da banda e ficar com a maior parte da grana, o que fez com que a 1ª formação da Mahavishnu Orchestra durasse apenas uns dois anos. Uma pena, pois raramente se viu gente tão talentosa e com uma química tão intensa entre si. A bateria de Billy Cobham, com seu peculiar estilo de subdividir os ritmos, funcionava perfeitamente com os compassos quebrados da guitarra e dos demais instrumentos.

Mahavishnu Orchestra, 1973 (clique para aumentar)

Birds of fire foi o 2º e último disco de estúdio dessa 1ª e melhor formação da Mahavishnu Orchestra, é cheio de notáveis solos precisamente coreografados e de alta velocidade – com John McLaughlin, Jerry Goodman e Jan Hammer todos unidos, apoiados pela bateria de Billy Cobham e seu som muito peculiar.

Em seguida, em 1973, em meio às dificuldades durante a gravação de um abortado 3º álbum, lançaram o disco ao vivo Between Nothingness & Eternity. Neste show no Central Park de Nova York os cinco virtuosos do jazz-rock podem ser ouvidos em faixas mais longas e com mais liberdade do que no estúdio. Há apenas três faixas no disco, cada uma se desenvolve organicamente através de uma série de seções, e há menos passagens em uníssono sincronizado do que nas gravações anteriores. McLaughlin está tão brilhante como sempre na guitarra elétrica de braço duplo, e Jan Hammer (teclados) e Jerry Goodman (violino) são páreo para ele no departamento de velocidade, com o baterista Billy Cobham exibindo uma sonoridade poderosa, bruta e convincente em seu acompanhamento.

Younger listeners raised on rock responded to the band’s vitality and extraordinary musicianship; Hammer added synthesizers to his arsenal, developing a keyboard style nearly as influential as that of McLaughlin’s frenetic guitar work and Cobham’s rumbling percussive attack. But it was nearly inevitable that the life span of such a dynamic ensemble would be brief. The Mahavishnu Orchestra threw down the gauntlet; fusioneers who followed have been trying to catch up ever since.

The original Mahavishnu Orchestra only lasted a short time, but they created a tremendous body of work. Not quite rock but too loud for jazz, they blazed the trail for fusion and left everyone far behind. This collection has both studio albums – with not a bad cut between them -and the live ‘Between Nothingness and Eternity’, which, unusually for the time, had all new music on it and was more expansive, with the shortest cut being nearly ten minutes long.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Jack Johnson

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Birds of Fire

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Between Nothingness and Eternity

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Pleyel

.: interlúdio :. Deodato: Prelude (1972) / Freddie Hubbard: Red Clay; Sky Dive (1970-1972) – com Billy Cobham – bateria, Ron Carter – baixo, etc

Três álbuns gravados no Van Gelder Studio em Nova Jersey, perto de Nova York. Até 1972 Cobham gravou dezenas de discos como músico contratado. Outros grandes músicos como Ron Carter, Hubert Laws e Airto Moreira estavam lá gravando naquele estúdio vários meses do ano naqueles tempos…

No disco de estreia de Eumir Deodato no mercado norte-americano, ele toca o piano elétrico Fender Rhodes e fez as orquestrações, com muitas flautas e cordas suaves, às vezes lembrando certos arranjos posteriores de uma bossa nova sem o frescor dos primeiros anos, já a cópia da cópia, mas esses últimos arranjos copiaram muito o próprio Deodato, então ele não é de todo culpado pela música morna que fizeram depois dele. O disco vendeu bastante para os padrões da música instrumental, principalmente graças ao arranjo (por Deodato) do Zarathustra de Richard Strauss…

Hubert Laws

Também há o curioso momento em que nosso ídolo Billy Cobham toca no improviso jazzístico sobre o Prelúdio ao entardecer de um fauno, de Debussy. Nesse improvável encontro de mundos diferentes, a versatilidade do baterista aparece: um minuto contido até certo ponto, mas a partir do segundo minuto entra um groove irresistível: nem o Claude Debussy (que era do tipo de ia de sombrinha e gravata borboleta pra praia) resiste. E antes e depois do groove, Hubert Laws inicia e fecha a faixa com solos de flauta muito bonitos.

Em outras faixas, os arranjos e Deodato ficam a um pequeno passo de se tornarem música de elevador, música de hall de entrada de hotel e trilha sonora de telenovela carioca, mas esse pequeno passo não é dado, talvez graças ao talento absurdo dos instrumentistas contratados. Os dois baixistas, Ron Carter e Stanley Clarke, estão entre os melhores do mundo até hoje.

Billy Cobham nasceu no Panamá e se mudou para os EUA. Assim como o guitarrista mexicano Carlos Santana (mas com a pele mais escura e um sobrenome menos hispânico), Cobham tem em seu estilo certas características daquilo que, de um ponto de vista redutor estadunidense, é tido como música latina, algo que engloba desde a bossa nova até o jazz cubano como o daqueles músicos que ficaram famosos com o filme Buena Vista Social Club. Eumir Deodato, criado no Catete, bairro central do Rio de Janeiro, em 1972 já vivia nos EUA, tocando e principalmente fazendo arranjos que também evocam um imaginário “latino” de verão, praia, mulheres de biquini, essas coisas.

Em Red Clay, disco de 1970 liderado pelo trompetista Freddie Hubbard, Billy Cobham não tocava no LP original, mas ele está presente na faixa bônus do CD, uma longa jam sobre o tema título do álbum, gravada ao vivo em 1971 com a presença de George Benson (guitarra) e do incansável Ron Carter (baixo). Vocês sabiam que Ron Carter é o baixista que participou do maior número de discos na história? São mais de 2.200 e ele ainda está em atividade, assim como seu amigo Billy Cobham. Só a discografia deles dois juntos já dá mais de 20 álbuns, alguns deles estarão por aqui na próximas semanas…

Em Sky Dive (1972), alguns dos músicos presentes nos dois discos anteriores se repetem: Cobham (bateria), Carter (baixo), Benson (guitarra), Laws (flauta), com a presença ainda de Keith Jarrett (pianos acústico e elétrico, um dos últimos discos em que ele tocou este segundo) e do brasileiro Airto Moreira (percussão), mas há também arranjos para uma banda de apoio maior, com três trombones, três clarinetes, etc. Os fãs de Jarrett devem conferir sobretudo o seu solo de piano acústico na faixa 6, onde ele se solta mais do que no elétrico. E eu gosto especialmente da faixa 4, The Godfather, arranjo inspirado na melodia de Nino Rota para o filme O Poderoso Chefão. Uma confissão: eu já não me lembrava que essa melodia, rearranjada por tanta gente, era do filme e do Nino Rota, pra mim era do cancioneiro popular, o que também aliás já se tornou, sendo inclusive presença obrigatória em um certo bloco de carnaval carioca que sai perto dos Arcos da Lapa.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Deodato – Prelude

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Freddie Hubbard – Red Clay

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Freddie Hubbard – Sky Dive

Freddie Hubbard (1938-2008)

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.: interlúdio :. Stanley Turrentine: Ain’t no way (1969) e Cherry (1972) (com Milt Jackson, Billy Cobham, McCoy Tyner, Bob James, Ron Carter, etc)

Dois discos liderados pelo saxofonista Stanley Turrentine, considerado um dos principais nomes do soul jazz, estilo que se mistura com vários outros mas, no geral, tem semelhanças com a soul music cantada de Aretha Franklin, Ray Charles e dos artistas da Motown e tem melodias mais simples e cantáveis do que as do jazz de vanguarda. No fundo, essas classificações ficam muito longe de explicar tudo que acontece na música, e tanto é assim que esses dois discos são bem diferentes.

No primeiro, gravado em 1968-69, Turrentine é acompanhado por uma banda menor: tirando uma faixa em que a organista Shirley Scott brilha no hammond, o resto do disco é formado por um quarteto formado pelas sonoridades marcantes de McCoy Tyner (piano), Billy Cobham (bateria) e o mais discreto Gene Taylor (baixo).

O mais impressionante é ouvir McCoy Tyner e Billy Cobham tocarem bossa nova em Wave. Não creio que o solo de sax de Turrentine seja o melhor já feito sobre a melodia de Jobim: enfatizando sonoridades alegres e um tanto comuns – se comparadas com os sons bizarros de Coltrane ou Pharoah Sanders -, Turrentine trilha os caminhos já percorridos por Stan Getz nos álbuns premiados deste último.

A comparação com Billy Hart, baterista do quarteto de Stan Getz quando tocaram Wave ao vivo em 1975 (aqui) mostra a diferença entre um músico competente capaz de fazer uma bossa nova agradável e um gênio do instrumento que, mesmo se adaptando e dançando conforme a música, mantém uma personalidade única.

Já no disco Cherry, de 1972, a banda é um sexteto muito bem gravado no Van Gelder Studio, New Jersey, onde também foram feitos quase todos os álbuns de John Coltrane. Ouça em um bom aparelho stereo ou com bons fones de ouvido e você perceberá a cuidadosa – e até um pouco artificial em comparação com discos ao vivo – divisão dos seis músicos em duas duplas que ocupam o espaço sonoro assim:

A) Stanley Turrentine (sax) e Milt Jackson (vibrafone) à frente, se revezando nos solos
B) Bob James (piano elétrico) e Cornell Dupree (guitarra elétrica) ao fundo, mas com longas linhas melódicas agudas que ocupam os espaços deixados pelos solistas
C) Ron Carter (baixo), Billy Cobham (bateria) também ao fundo, mas em um plano grave no qual os dois dialogam, meio separados do plano agudo em (B).

Nos primeiros minutos de Cherry, quase parei de ouvir: um jazz sofiscitado, chique mesmo, com piano elétrico e uma guitarra elétrica (sem distorção, suave como o violão de João Gilberto) acompanhando os dois solistas principais. O saxofone de Turrentin, vai sempre mais ou menos direto ao ponto, enquanto o vibrafone de Milt Jackson dá voltas harmônicas sutis por meio de notas alteradas. Enfim, tudo isso a princípio me pareceu de mau gosto, mas com o passar dos minutos fui gostando mais, seja porque o ouvido se acostumou, seja porque o diálogo entre o baixo de Ron Carter e a bateria de Billy Cobham, lá no fundo, é sempre original. Carter já gravou mais de dois mil discos com os músicos mais diversos, mas quase nunca dá a impressão de ligar o piloto automático, está sempre ali presente com sua sonoridade elegante que se encaixa bem aqui, além de dialogar com muita fluência com Cobham, seu companheiro de longa data.

O fato é que, embora o saxofonista Stanley Turrantine tenha se notabilizado por solos mais ou menos sensuais e nunca angulares ou incômodos, este é um disco de um jazz cheio de complexidade, distante das supostas raízes do jazz como música dançante. E distante também ao utilizar o vibrafone e o Fender Rhodes, teclado onipresente naquela época. Mas, se prosseguirmos comparando esse disco com a bossa nova, devemos lembrar que, no Rio de Janeiro, o piano acústico era uma das grandes diferenças entre o “balanço zona sul” de Tom jobim e os batuques das escolas de samba, feitos por gente que não podia comprar um piano. Abordemos o tema por comparações: Milt Jackson está mais próximo de um Cartola ou de um Noel Rosa do que de um Jamelão da Mangueira, mais pra João Donato do que pra Elza Soares e Wilson das Neves. Há quem diga que o jazz com piano elétrico não é jazz “de verdade”, mas o jazz é muita coisa, como o samba é muita coisa, não é? Mesmo o piano acústico – abrilhantado pelos dedos de gênios como Oscar Peterson, Thelonious Monk e McCoy Tyner – é um instrumento que, em algum momento remoto, soou estrangeiro aos batuques dos negros norte-americanos, mas disso ninguém fala.

Esse tipo de soul jazz com sofisticados arranjos de vários instrumentos teve uma certa era de ouro no início dos anos 1970, utilizando instrumentos elétricos mas sem a intensidade roqueira do fusion. Boa parte desses discos foram lançados pela gravadora CTI: além de Turrentine, também Tom Jobim (Wave, de 1967, Stone Flower, de 1970), Freddie Hubbard, Eumir Deodato e outros. A capa de Cherry é uma foto de Pete Turner, pioneiro da fotografia artística colorida, e que também é responsável pelas capas dos dois discos de Tom Jobim mencionados acima.

Stanley Turrentine: Ain’t no way
Stan’s Shuffle 6:57
Watch What Happens 5:30
Intermission Walk 6:39
Wave 8:14
Ain’t No Way 11:02
Stanley Turrentine – tenor saxophone / McCoy Tyner – piano / Gene Taylor – bass / Billy Cobham – drums (tracks 1-4)
Stanley Turrentine – tenor saxophone / Shirley Scott – organ / Jimmy Ponder – guitar / Bob Cranshaw – bass / Ray Lucas – drums (track 5)

Stanley Turrentine with Milt Jackson: Cherry
Speedball (Lee Morgan) – 6:39
I Remember You (Johnny Mercer, Victor Schertzinger) – 5:10
The Revs (Milt Jackson) – 7:46
Sister Sanctified (Weldon Irvine) – 6:04
Cherry (Ray Gilbert, Don Redman) – 5:10
Introspective (Irvine) – 7:00

Stanley Turrentine – tenor saxophone / Milt Jackson – vibraphone
Bob James – piano, electric piano / Cornell Dupree – guitar
Ron Carter – bass / Billy Cobham – drums

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Ain’t no way – mp3

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Ain’t no way – flac

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Cherry – mp3

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Cherry – flac

Stanley Turrentine em 1972

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Henri Dutilleux (1916-2013): Sonata para piano, Prelúdios / Franz Liszt (1811 -1886): Angelus, Klavierstucke, Mephisto, Valse Oubliée, Nuages Gris (Jonas Vitaud, piano)

Estreada em 1948, a Sonata para piano de Dutilleux é uma das grandes obras do repertório pianístico do século XX. É claro que devemos desconfiar desse tipo de afirmação categórica, normalmente acompanhada de provas por A+B que não costumam provar grandes coisas. Mas ao menos é o que dizem meus ouvidos: Dutilleux transita com grande liberdade dentro das três formas escolhidas para os três movimentos. É verdade que Liszt argumentou: “vinho novo pede garrafas novas” e nesse aspecto foi seguido por Wagner, Schoenberg, Debussy, Messiaen e tantos outros. Mas Dutilleux já chega bem depois e faz parte daqueles que voltaram às formas antigas para, a partir delas, produzir novidades. No piano de meados do século XX, isso rendeu obras como as Sonatas para Piano de Prokofiev e os Prelúdios e Fugas de Shostakovich, além dessa Sonata de peso do francês Dutilleux.

O primeiro movimento é um legítimo Allegro de sonata, o segundo um lento Lied com explorações harmônicas tipicamente francesas – Gary Higginson escreveu que esta é uma sonata que Debussy poderia ter escrito – e o movimento final é um Chorale (no sentido das obras de Bach para órgão) com variações. Uma curiosidade: os títulos dos movimentos variam entre italiano, alemão e francês, o que poderia indicar uma inclinação cosmopolita de Dutilleux, lembrando que a sonata veio logo após o fim da 2ª Guerra.

No disco gravado pelo também francês Jonas Vitaud, a sonata – que ele estudou, quando jovem, com o próprio compositor – eclipsa as outras obras. Ainda assim, este é um bom álbum para quem quer ouvir os Três Prelúdios (1973–1988) de Dutilleux e as Nuvens cinzentas (Nuages Gris), obra madura de Liszt na qual ele flerta com a música atonal. Também a primeira obra do disco, “Angelus! Prece aos anjos da guarda”, tem uma grandiosa interpretação. Mas na Mephisto Valse e na Valse Oubliée de Liszt, ficou faltando para Vitaud um certo espírito faustiano que habita essas obras: o velho tema do pacto com o coisa-ruim. Para esse Liszt de uma certa malícia, melhor ouvir Horowitz, Novaes, Foldes ou Kissin. Aluno de Brigitte Engerer, Jonas Vitaud é mais polido, mais preocupado com os belos coloridos e ornamentos. No Dutilleux isso funciona perfeitamente.

Liszt, o prolífico, parece o oposto de Dutilleux, compositor de catálogo reduzido, homem discreto e reservado. Mas eu encontro pontos em comum mais profundos. Ambos tiveram uma longa carreira, e seu estilo mudou consideravalmente com o tempo. São músicos da síntese, que assimilaram diversas correntes na sua própria linguagem. Em vida, mostraram-se curiosos e altruistas com seus pares e com as novas gerações. Quanto a Dutilleux, tive a sorte de conhecê-lo em 2004 no festival de Cordes-sur-Ciel, e estudar com ele várias peças, incluindo suas Figuras de ressonância para dois pianos, com Bertrand Chamayou. (Jonas Vitaud, no encarte do álbum)

01 Liszt: Angelus ! Prière aux anges gardiens (extrait des Années de Pèlerinage III)
02 Dutilleux: Prélude n°1 : D’ombre et de silence
03 Liszt: Klavierstück, S192 n°3
04 Dutilleux: Prélude n°2 : Sur un même accord
05 Liszt: Valse oubliée n°1
06 Liszt: Nuages gris
07 Dutilleux: Prélude n°3 : Le jeu des contraires
08 Liszt: Méphisto-Valse n°1
09-11 Dutilleux: Sonate opus 1 (I. Allegro con moto, II. Lied, III. Choral et variations)
Jonas Vitaud, piano
Recorded: Abbaye-école de Sorrèze, France, oct. 2014

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

Dutilleux on whether chance procedures have a place in music: ‘A very small one, yes – homeopathic maybe!’ (Citado na BBC Music Magazine, December 2022)

Pleyel

Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonias Nº 1 (Haitink, Chicago S.O.) e 3 (Neumann, Czech P.O.)

O casal Gustav e Alma num passeio

Duas gravações muito convincentes de Mahler: uma de 1981 com a Filarmônica Checa e outra de 2008 com a Sinfônica de Chicago. A mais antiga faz parte de uma integral gravada por Vaclav Neumann e é bem conhecida pelos aficcionados por Mahler. Já a mais recente é menos conhecida do que o ciclo anterior de Mahler que Haitink havia gravado em Amsterdam, mas eu tive que postá-la para agradar o nosso chefe PQP. Estou brincando, é claro: é um Mahler de peso o da Sinfônica de Chicago, pendendo um pouco mais para a seriedade do que para a leveza, como nesta outra gravação de Haitink com a mesma orquestra. É grandioso quando a partitura pede grandiosidade, mas também os cantos de pássaros nas sopros são muito bem executados e gravados.

Mahler, assim como Kafka, era um tcheco que falava alemão, tendo se mudado para Viena com cerca de 15 anos de idade. Ele regeu muito em Praga, tendo inclusive estreado sua 7ª sinfonia naquela cidade. Desde então, da mesma forma que em Amsterdam (cidade onde Haitink se formou), também em Praga havia uma longa tradição de maestros especialistas em Mahler, com certos detalhes de interpretação que se estabeleceram ao longo das décadas como marcas dos tchecos ao tocarem esse compositor, e isso aparece muito bem nesta gravação da 3ª Sinfonia.

O ciclo de sinfonias de Mahler parece ser mais variado do que o de Bruckner ou o de Brahms: em conteúdo, dá pra debater, mas em termos de forma não resta dúvida, pois há sinfonias bem mais longas (como a 3ª), outras mais curtas (como a 1ª) e algumas têm cantores solistas e/ou coro (2ª, 3ª, 4ª e 8ª). Em relação ao conteúdo elas também variam bastante: entre os diferentes humores de Mahler, acho que o que mais me agrada é o momento pastoral, cheio de pássaros cantando. Esses cantos de pássaros e outros momentos campestres aparecem integrados nos movimentos, aparecendo no meio de outros trechos bem diferentes como valsas e outras danças. Nisso, o Mahler pastoral se diferencia de outros autores que colocam uma cerca bem delimitada nesses momentos: Beethoven em sua 6ª sinfonia, Berlioz na “cena no campo”, movimento mais longo da sua Sinfonia Fantástica, Messiaen e Villa-Lobos em certas obras orquestrais que são, inteiras, dedicadas a cenas na floresta ou nas montanhas.

Essa tendência de Mahler a misturar tudo – aqui um pássaro, ali uma dança, depois uma caótica cena urbana, uma ordenada e pesada marcha militar e de repente mais pássaros! – torna-o estranhamente contemporâneo aos nosso tempos acelerados e caóticos, quando o controle remoto e as redes sociais fazem com que essa colagem de experiências diversas seja mais ou menos o pão nosso de cada dia.

Apesar da mistura e de, portanto, as cenas pastorais aparecerem em quase todas as suas sinfonias (ou todas? seria preciso checar), tenho a impressão de que a 1ª e a 3ª são aquelas com mais animais passeando e cantando. Não é, repito, uma natureza selvagem e pura, pelo contrário, os animais convivem lado a lado com os humanos. Mahler, como um atento leitor de Nietzsche, não parecia acreditar nessa natureza tranquila e pura que aparece em Beethoven ou na Sinfonia Primavera de Schumann. Uma mentalidade fundamentalmente pessimista, mas ao mesmo tempo interessada em todas as belezas que encontra no caminho, talvez se cristalize mais exlpicitamente na 9ª de Mahler, nos dois movimentos centrais, um tranquilo e dançante Ländler (mas já com seus momentos caóticos) seguido de um Rondo Burlesco que é o caos completo e me lembra certos momentos orquestrais de Bartók. Mas nas Sinfonias nº 1 e 3 isso já aparece de modo menos maduro: na 3ª, sobretudo, após três primeiros movimentos com todos os pássaros possíveis, chega o ser humano cantando um texto enigmático do Zaratustra de Nietzsche. O timbre escolhido por Mahler é o de uma mulher com voz grave, e nesta gravação temos a alemã Christa Ludwig (1928 – 2021), uma das mais célebres mezzo-sopranos do século XX.

Gustav Mahler: Sinfonia nº 3 (1902)
Czech Philharmonic Orchestra (Česká Filharmonie / Orquestra Filarmônica Checa)
Václav Neumann (1920-1995), maestro
Christa Ludwig, contralto – 4º movimento
Kühnův Dětský Sbor, Pražský Filharmonický Sbor (Coro Filarmônico de Praga, Coro Infantil Kühn) – 5º movimento
Recording: House of Artists, Praga, 16-19 December, 1981
Neumann/CPO – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

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Gustav Mahler: Sinfonia nº 1, “Titã” (1889)
Chicago Symphony Orchestra
Bernard Haitink (1929-2021), maestro
Recorded live in Orchestra Hall at Symphony Center, Chicago, USA, May 1, 2 and 3, 2008
Haitink/CSO – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

Pleyel

B. Strozzi, C. Monteverdi, G. Kapsberger, G. Carissimi, G. Caccini, S. d’India, L. Rossi – La bella più bella (Roberta Invernizzi, soprano / Craig Marchitelli, arquialaúde)

Aqui, temos Barbara Strozzi junto com um monte de homens do século XVII. No meio desses compositores italianos – e Kapsberger, austríaco que viveu a maior parte da vida na Itália – fica evidente que Strozzi ocupa, com Monteverdi e mais um ou dois, um lugar de destaque: não se trata, aqui, apenas de elogiar uma das raras mulheres que publicaram música naquele século, mas sobretudo de ouvir música que merece ser ouvida por suas qualidades intrínsecas.

E essas coleções de obras de autores diferentes permitem notar as diferenças: nas duas obras de Luigi Rossi, por exemplo, incluindo a “bela mais bela” que dá o nome ao álbum, temos música realmente bela, com virtuosismo vocal, mas a forma e a harmonia são bem quadradinhas, previsíveis como uma bela canção de rádio do século XX. Já nas duas obras de Barbara Strozzi, uma de tom trágico e outra de risos cômicos, há mais liberdade e menos previsibilidade. Embora não haja uma rígida separação de movimentos, Strozzi cria momentos diferentes ao longo da mesma obra, uma das características da cantata italiana, gênero do qual ela é uma das criadoras.

Temos, então, neste disco, três tipos de obras:

a) as puramente instrumentais, tocadas pelo arquialaúde ou pela teorba, instrumentos de cordas típicos da música barroca

b) as que poderíamos chamar de canções, com toda a ação em um movimento único e mais ou menos próximas da música popular;

c) as cantatas, que iniciavam um distanciamento ainda incipiente e não rígido em relação à música vocal popular.

É preciso lembrar certos detalhes do contexto histórico: por toda a Idade Média, música escrita, via de regra, era apenas a religiosa, enquanto todos os vários tipos de música popular eram de tradição apenas oral. Após a invenção europeia da imprensa, no século XVI e sobretudo no XVII começam a existir dois tipos de música impressa, sobretudo nas grandes cidades italianas (Veneza e Roma): a música instrumental, como a de Frescobaldi e Merulo, e a música vocal não religiosa, como as desses compositores aqui gravados. Também continuavam havendo cópias manuscritas, é claro, mas o fato de existirem cópias impressas dava uma respeitabilidade àquela música, fazendo com que gente, digamos, estudiosa e metódica começasse a levar aquilo a sério.

Filha adotiva de um rico poeta veneziano herdeiro de uma família de banqueiros (provavelmente filha natural, ou seja, sua mãe não era casada com seu pai, este a adotou), Barbara Strozzi teve o que poucas mulheres tiveram em sua época: apoio familiar e renda suficiente para se dedicar ao estudo da música. Impossibilitada de fazer música para a igreja ou óperas como as de Monteverdi, ela destacou-se na música de câmara de sua época, para uma ou duas cantoras acompanhada(s) por baixo contínuo.

La bella più bella – música vocal do barroco italiano

01 Strana armonia d’amore 2:44
Giulio Romano (fl. early 17th century)

02 Son ruinato, appassionato 3:45
Benedetto Ferrari (?1603/4 – 1681)

03 Toccata V [instr.] 2:14
Alessandro Piccinini (1566 – c. 1638)

04 Dolcissimo sospiro 2:44
Giulio Caccini (1551 – 1618)

05 Dalla porta d ’Oriente 1:56
Giulio Caccini

06 Torna, deh torna 4:32
Giulio Caccini

07 Ciaccona [instr.] 1:28
Giovanni Girolamo Kapsberger (c. 1580 – 1651)

Giacomo Carissimi

08 La bella più bella 2:49
Luigi Rossi (?1597/8 – 1653)

09 Piangete, aure, piangete 7:25
Giacomo Carissimi (1605 – 1674)

10 Toccata VI [instr.] 3:13
Giovanni Girolamo Kapsberger

11 A qual dardo 3:51
Luigi Rossi

12 Udite amanti, L’Eraclito amoroso 6:02
Barbara Strozzi (1619 – 1677)

13 Mi fa rider la speranza 4:08
Barbara Strozzi

14 Tasteggio soave [instr.] 4:17
Bellerofonte Castaldi (1580 – 1649)

15 Folle è ben che si crede 2:38
Tarquinio Merula (1594/5 – 1665)

16 Cruda Amarilli 2:31
Sigismondo d’India (c. 1582 – 1629)

17 Intenerite voi, lagrime mie 2:34
Sigismondo d’India

18 Aria di Sarabanda [instr.] 3:48
Alessandro Piccinini

19 Ninna nanna 5:09
Giovanni Girolamo Kapsberger

20 Ecco di dolci raggi il sol armato 2:17
Claudio Monteverdi (1567 – 1643)

Claudio Monteverdi

21 Eri già tutta mia 2:18
Claudio Monteverdi

22 Voglio di vita uscir 4:41
Claudio Monteverdi

Roberta Invernizzi, soprano / Craig Marchitelli, arquialaúde, teorba

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A encantadora Barbara Strozzi

 

Sofia Gubaidúlina (n. 1931): Concerto para Fagote, Detto 2, Rubaiyat, Misterioso (Popov, fagote; Monighetti, cello; Yakovenko, barítono)

Nascida em 1931 na República Soviética Tártara – onde a língua materna, além do russo, é o tártaro, idioma da família túrquica -, Sofia Gubaidúlina sempre teve uma ampla gama de interesses ligados às suas raízes. Tendo se mudado para Moscou em 1954, ela funda ali, nos anos 1970, um grupo voltado para a pesquisa de instrumentos raros da Rússia, do Cáucaso e da Ásia Central, chegando assim a ideias sonoras diferentes daquelas das grandes capitais, mesmo que naquele momento ela vivesse em uma metrópole. É possível, então, compará-la com Bartók, compositor em quem o profundo amor pela música popular significou uma relativa independência do mainstream das vanguardas de sua época – nos tempos de Bartók, isso significa que ele não se tornou um imitador de Debussy ou de Stravinsky, apesar da grande admiração por ambos; já para Gubaidúlina, isso significa que ela teve contato com as novidades ocidentais de Paris, New York e Darmstadt sem precisar correr exatamente na mesma pista que os outros.

Os instrumentos graves frequentemente têm destaque na música de Gubaidúlina: suas obras de câmara com contrabaixo e/ou violoncelo são dezenas, algumas já tendo aparecido aqui como é o caso dos Prelúdios para cello (1974), outras menos conhecidas como a Sonata para contrabaixo e piano (1975) e “Ein Engel” para contralto e contrabaixo (1994). Assim, é no meio desses interesses sonoros e preferências tímbricas que se situa uma de suas obras-primas, o Concerto para fagote e cordas graves (1975), dedicado ao fagotista Valeri Popov, que é também o solista neste álbum.

Gubaidúlina argumentou mais de uma vez que seu objetivo como compositora é utilizar a expressão musical como modo de ligação entre as pessoas nas complexas situações da contemporaneidade. No seu Concerto para Fagote, de sonoridade tão grave e peculiar mas ao mesmo tempo com humor, ela mostra que essas palavras vão além da simples retórica.

Detto II (1972), para violoncelo e orquestra de câmara, é mais uma dessas obras com destaque para os sons graves. Misterioso, para 7 percussionistas (1977) e a cantata Rubaiyat (1969), para barítono e orquestra, baseada em poemas persas, são duas obras que mostram a compositora se equilibrando entre cosmopolitismo e suas raízes na Ásia Central, sem nunca cair em orientalismos previsíveis como os dos velhos russos Rimsky-Korsakov e Glazunov.

Importante lembrar ainda que neste disco da Melodiya todas as obras e quase todas as gravações (exceto a de Misterioso, feita em 1992) são do período em que a compositora era pouco prestigiada pelos formadores de opinião soviéticos, já que sua música não corresponderia perfeitamente às exigências do realismo socialista formulado pelos tecnocratas. Mas Gubaidúlina não se curvou aos autoproclamados especialistas, preferindo seguir sua própria intuição e os conselhos de Shostakovich, que nos anos 1950, disse a ela, contrariamente aos professores do Conservatório que a criticavam: “meu desejo é que você permaneça no seu caminho incorreto” (aqui). Além de Shosta, ela teve uma pequena ajuda de outros amigos que entendiam de música mais do que os burocratas do partido: o regente Gennadi Rozhdestvensky, o compositor Alfred Schnittke e o violinista Gidon Kremer ajudaram a música de Gubaidúlina a atingir um público maior, o que tem acontecido sobretudo após 1990.

SOFIA GUBAIDÚLINA (1931):
1. Rubaiyat, Cantata for Baritone and Chamber Ensemble
Sergei Yakovenko, bariton
Chamber Ensemble
Gennadi Rozhdestvensky

2. Detto II, for Cello and Chamber Orchestra
Ivan Monighetti, cello
Chamber Ensemble
Yuri Nikolaesvsky

3. Misterioso, for 7 Percussion Instruments
Bolshoi Theatre Percussion Ensemble
Victor Grishin

4-8. Concerto for Bassoon and Low Strings
Valeri Popov, bassoon
Chamber Ensemble
Pyotr Meshchaninov

Recorded in Moscow: 1977 (1); 1977 (2); 1992 (3); 1978 (4-8)

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Pleyel

Gubaidúlina: Chaconne / Denisov: Três Prelúdios / Silvestrov: Sonata nº 1 | Ustvolskaya: Sonata No. 6 / Pärt: Für Alina, Partita / Schnittke: Sonata nº 3 (Olga Andryushchenko, piano)

O dia internacional da mulher está chegando, então já começamos março com uma obra curta e grossa de Sofia Gubaidúlina (nasc. 1931), uma pedrada no bom sentido, que mostra por que ela é uma das compositoras/es mais fascinantes do fim do século XX e início do XXI, com originalidade associada a reinterpretações de tradições anteriores. Na sua Chacona para piano, composta quando ela tinha pouco mais de 30 anos, Gubaidulina já começa com acordes potentes à maneira dos melhores momentos do pianismo de Rachmaninoff. Mas é só no som exagerado que ela lembra Rach: os encadeamentos melódicos lembram um pouco Shostakovich lá pelo meio da Chacona, mas não o tempo todo. Enfim, uma obra de peso que mostra Gubaidulina pau a pau com os homens do disco, aliás melhor do que alguns deles.

O álbum, todo dedicado a nomes da antiga União Soviética, tem uma obra de outra mulher: Galina Ustvolskaya (1919-2006). Ainda não entendi bem qual é a de Ustvolskaya: tanto aqui como no seu concerto para piano na gravação de Alexei Lubimov, me senti como alguém que não entende a piada. E dos quatro compositores homens – Denisov, Schnittke, Pärt e Silvestrov – meu preferido é este último. Como já disse aqui, Silvestrov alcançou uma fama maior após os 80 anos de idade. Em 2017, quando o álbum foi gravado, ele ainda era pouco conhecido, ao menos em nossas terras tropicais.

A russa Olga Andryushchenko estudou no Conservatório de Moscou, em cuja grande sala, aliás, ela gravou este disco. Estudou com o já citado Lubimov, grande pianista que entende muito tanto dos instrumentos da época de Mozart quanto dos compositores contemporâneos do leste europeu, tendo estreado várias das obras dessa galera.

Sofia Gubaidulina:
1. Chaconne (1962)

Edison Denisov:
2-4. Three Preludes (1994)

Valentin Silvestrov:
5-6. Piano Sonata No. 1 (1972)
I. Moderato, con molta attenzione, II. Andantino

Galina Ustvolskaya:
7. Piano Sonata No. 6 (1947)

Arvo Pärt:
8 Für Alina (1976)
9-12. Piano Partita, Op. 2 (1958)
I. Toccatina, II. Fughetta, III. Larghetto, IV. Ostinato

Alfred Schnittke:
13-16. Piano Sonata No. 3 (1992)
I. Lento, II. Allegro, III. Lento, IV. Allegro

Olga Andryushchenko, piano
Recorded at the Grand Hall of the Moscow Conservatory in July, 2017

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Sofia Gubaidúlina (é assim a pronúncia russa do sobrenome)

Pleyel

.: interlúdio :. É Carnaval! – A História da Guitarra Baiana, parte 3 – Roberto Barreto (BaianaSystem)

O nome BaianaSystem vem da junção de “guitarra baiana” com “sound system”, duas tecnologias criadas respectivamente em Salvador e na Jamaica. Em 2017, logo após lançar aquele que considero o melhor álbum do BaianaSystem, Roberto Barreto, um dos seus fundadores, deu uma entrevista (aqui) na qual demarcou claramente os aspectos subversivos e políticos do Carnaval. Pra quem olhava de longe, podia parecer que o carnaval de Salvador, com abadás de trios sendo parcelados em 12x sem juros, tinha virado uma mercadoria tão elitizada e metida a besta quanto um desses copos caros pra deixar a água gelada. Estamos sempre por um fio dessa derrota completa para as máquinas de lucro (expressão do Baiana) mas ao mesmo tempo os loucos vão fazendo festa, não porque a vida está fácil, mas pelo motivo oposto. Enfim, fala aí, Roberto:

G1 – Muita gente, especialmente no Sudeste, cita a Baiana System como uma banda de axé – ou do novo axé. Esse rótulo incomoda?
Roberto Barreto – Não incomoda porque, na verdade, o axé não existe enquanto gênero. É que, aqui [no Sudeste], as pessoas acabam colocando tudo dentro de uma mesma coisa. Olodum é completamente diferente de Ivete. O que existe é um mercado de axé, que funciona diferente do mercado que a gente surgiu. Quando fazem essa referência ao novo axé, talvez seja por causa de elementos que usamos – das festas de largo, o entendimento do sound system como uma coisa popular, percussão, guitarra, samba… Lógico que tem elementos do que as pessoas conhecem como axé.

“Como é da Bahia, e as pessoas às vezes não conseguem entender, dizem: ‘Funciona no Carnaval, é dançante, então é axé’. Mas não é necessariamente isso. Quando a gente tira esse peso, não se incomoda. A Bahia hoje está justamente numa fase de superar esse estigma do axé que ficou, muitas vezes como uma coisa pejorativa.

G1 – A música da Bahia é, ainda hoje, muito estigmatizada?
Roberto Barreto – Acho que sim. O mercado acabou ditando muito como as coisas aconteceram. Salvador sempre teve uma produção incrível e nunca parou de ter. Mas estamos em um período em que a música passa por uma transformação. O que chega às pessoas não é necessariamente o que vem da grande mídia. Elas conseguem conhecer o que está acontecendo no Pará, em Goiânia, Recife, Salvador… Com essa dimensão, dá para fugir um pouco dessa centralização.

Roberto e sua guitarra baiana de 5 cordas (2016)

[…]
Na Bahia, a coisa do Carnaval é forte. Independentemente do que gera no mercado fonográfico, ele é um catalisador de muita coisa.

G1 – Gerou muita repercussão um protesto da banda contra o governo Temer no Carnaval deste ano, em Salvador. Como lidaram com a polêmica?
Roberto Barreto – Não foi uma coisa programada. A gente já fazia isso em shows, alguns sim, outros não. Como a gente tratou isso com naturalidade, saiu do âmbito da polêmica, que as pessoas quiseram dar. Não tem como a questão política não estar vinculada a nós, porque o nosso comportamento em relação ao mercado e nas nossas letras é eminentemente político. A gente vive um momento dificílimo. Não sabemos se vamos ter presidente amanhã. Estamos vivendo um ano após um golpe acontecer no país.

G1 – Qual o papel dos artistas em momentos políticos como esse?
Roberto Barreto – Cada vez mais, se posicionarem. Ficou uma coisa muito asséptica. Todo o mundo acha que não pode falar isso ou aquilo. Você pode falar. Quando a gente definiu que o nome do nosso disco ia ser “Duas Cidades”, percebemos que não é só a cidade, o Brasil está dividido. Você vê famílias brigando, pessoas se digladiando no Facebook.

Você tem que se posicionar em relação a isso, mesmo que depois diga: ‘Vacilei nisso, achei que era uma coisa, me decepcionei’. Mas tem que falar.

A cada Carnaval, o BaianaSystem sai com seu trio Navio Pirata, sem cobrança de abadás. Enquanto o Chiclete com Banana – e seu ex-cantor Bell Marques, em carreira solo desde 2014 – continuam saindo em trios elétricos com cercadinho separando os pagantes da ralé, o Baiana arrasta a cada ano mais povo na bagunça indeferenciada, a mais carnavalesca dos nossos tempos, ao menos na Bahia.

Em outra entrevista, Roberto fala sobre sua relação com a guitarra baiana, instrumento que ele inseriu em uma linguagem musical próxima das gerações hoje com 20, 30 anos e próxima também do reggae jamaicano.

A guitarra não foi o meu primeiro instrumento. Comecei tocando o bandolim já com essa afinação da guitarra baiana e com essa referência dos trios elétricos e das músicas de carnaval. Não vejo muito como um instrumento, mas sim como um meio de expressar ideias e sentimentos. Por ser um instrumento criado e concebido aqui na Bahia existe a parte afetiva e junto com isso, acompanha uma estética musical que é única em um repertório (aqui).

BaianaSystem: Duas Cidades (2016)
A1 Jah Jah Revolta Parte 2
A2 Bala Na Agulha
A3 Lucro (Descomprimindo)
A4 Duas Cidades
A5 Panela
B1 Playsom
B2 Dia Da Caça
B3 Cigano
B4 Calamatraca
B5 Barra Avenida Parte 2
B6 Azul

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No Carnaval de 2023

Pleyel

.: interlúdio :. É Carnaval! – A História da Guitarra Baiana, parte 2 – Missinho (Chiclete com Banana)

O clima da cidade se torna outro. A atmosfera mais densa do que o lança-perfume que a senhora leva na bolsa. Todos os exus e santos estão à solta. As ruas de madrugada apinhadas de gente. O cheiro de mijo e álcool. As normas se alternam, a moral se amolece. Tudo parece poder acontecer, para o bem e para o mal.

O dia já havia nascido quando olhei o mar de gente, suada e semi-nua, debaixo do sol. Homens sem camisas, mulheres de peito de fora. E pensei: enfim civilização.
(Matheus Ultra)

Seguindo com a história de um dos instrumentos mais legitimamente brasileiros – ainda que quase totalmente restrito às proximidades da Baía de Todos os Santos – chegamos nos anos 1980 com um grupo que, como Armandinho, era e ainda é sinônimo de Carnaval: Chiclete com Banana. Sim, eu sei que eles fizeram muita porcaria depois, quando o Axé foi vendido para todo o país a partir, em primeiro lugar, de programas como o do Chacrinha, o da Xuxa e o do Faustão. Mas a história dos primeiros anos do Chiclete com Banana, além de conter inovações que se firmaram em todos os trios elétricos (assim como Dodô, Osmar e Armandinho, dá pra resumir como a amplificação dos velhíssimos batuques de Carnaval de modo a ocupar largas avenidas e praças com povo a sair pelo ralo), também tem música muito diferente do que o Chiclete se tornaria.

A história não vai surpreender os fãs de Pink Floyd: fundada por três irmãos Marques mais o guitarrista Missinho, este último fazia a maioria das músicas e tinha um estilo bastante único nas duas guitarras, a estrangeira e a baiana. Depois de alguns anos arrastando multidões em Salvador mas apenas em Salvador, Missinho cansou e saiu quando a banda começava a decolar para o sucesso nacional.

Os discos Energia (1984) e Sementes (1985) trazem música extremamente carnavalesca e ao mesmo tempo sofisticada e original, com a marca principal do Chiclete com Banana que é a mistura de tudo e mais um pouco, sem qualquer preocupação com o que vão pensar de se misturar Miami com Copacabana, chicletes com banana, rock e tamborim, metáforas do samba do baiano Gordurinha (1922 – 1969), “Chiclete com Banana”, regravado por Gilberto Gil em 1972, nome que a banda, como de costume, usou sem pedir licença ou bênção.

É também sem um pingo de vergonha que, em Energia (1984), eles vão da estrelas ao luar, de Pink Floyd a “um forró de Luiz”, da fogueira e balão de São João ao oceano, de Cuba à guitarra de Santana. Também Xangô, Oxum e o Ilê Aiyê. Tudo isso é citado nas letras, pra não falar dos vários empréstimos rítmicos e melódicos. Há ainda truques poéticos de sinestesia psicodélica como “bailando ao som de lindos astros”…

A cabeça que juntava com poesia essas fusões improváveis era Missinho, e ele dividia os vocais principais com Bell Marques mais ou menos metade das música pra cada um cantar. Depois da saída de Missinho em 1986, Bell ficou como líder da banda, e tem até hoje uma excelente voz e carisma no palco e no trio elétrico… mas em mais de 30 anos ele e seus dois irmãos devem ter tido talvez uma ou duas ideias próprias. Então o Chiclete com Banana ficou seguindo as modas dos anos 90 e 2000 sem a guitarra de Missinho: até 2000 ainda havia o guitarrista Jhonny, cria de Missinho (convidado por este para entrar na banda quando tinha 16 anos). Mas Johnny saiu em 2000. Em 2014, Bell Marques fez seu Carnaval de despedida com o Chiclete, saindo em carreira solo por motivos exclusivamente financeiros. O Chiclete, então, seguiu com os dois irmãos Marques como uma sombra ainda mais apagada do que tinha sido.

Mas voltemos para os primeiros anos. Faz muito tempo mesmo: o presidente ainda era o general Figueiredo, tinha até Censura prévia e por motivos não muito claros duas faixas de “Energia” foram censuradas: uma delas talvez por uma leve, levíssima conotação política e a outra por conservadorismo sexual mesmo, já que tinha versos como “transa ao luar” (rimando em seguida com Ravi Shankar!), o que incomodava um tipo de gente que fazia de tudo desde que entre quatro paredes. Essas duas faixas, então, circularam apenas em meia dúzia de LPs e aparecem aqui como bonus-tracks com o chiado do vinil.

Wadinho Marques, que hoje toca teclados mas em 1984 recebeu os créditos por violão, backing vocals e autoria de uma das músicas, explica o nome da banda: “Foi um amigo nosso, Nildão, cartunista, artista plástico aqui da Bahia que sugeriu que nós colocássemos esse nome, Chiclete com Banana pelo tipo de música que a gente fazia, nós misturamos muitos ritmos, há muito tempo que nós tocamos galope, reggae, rock, frevo, então ele via isso e achava que tinha que ser representado por um nome que fosse uma mistura. E nada mais que uma mistura tão louca como chiclete com banana.”

Nildão, aliás, é o responsável pela capa deste álbum, com uma Iemanjá surfista que pode parecer um sincretismo brilhante ou inadequado, a depender de quem olha. Representa bem, então, a música do disco. O destaque maior, em termos de guitarra baiana, é a primeira faixa, Mistério das Estrelas, com um ritmo de galope irresistível, como também sabe ser irresistível, às vezes, a voz aguda* nesta faixa ou então na faixa-título de Sementes, também de autoria de Missinho e transbordantemente carnavalesca.

* A voz é a de Missinho em Mistério das Estrelas. De Bell em Sementes. Em outras, é difícil de identificar. Na capa de Sementes, acima, Missinho é o cabeludo em pé de relógio; Johnny agachado no meio e Bell Marques agachado à direita.

Chiclete com Banana: Energia (1984)
A1 O Mistério das Estrelas (Missinho)
A2 Canto De Aledê (Missinho)
A3 Sujo Astral (Bell Marques/G. Roberto)
A4 Meu Balão (Missinho)
A5 Ondas De Baião (Missinho/Beto Nascimento)
B1 Luas (Missinho/Beto Nascimento)
B2 A Cor Do Cristal (Missinho/Beto Nascimento)
B3 Bahia Cubana (Missinho/Hercules Amorim)
B4 Me Segura Que Vou Dá Um Traço (Wadinho Marques)
B5 Estrela Menina (Missinho/Beto Nascimento)
Apenas vença (faixa bônus, censurada)
Minha gatinha é macrô (faixa bônus, censurada)

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P.S.: “Hoje o que vemos é um Carnaval feito para a elite”, dizia Missinho em 2014 em entrevista de lançamento do seu disco Instrumental Guitarra Baiana (que está todo no Youtube aqui). Enquanto isso, as declaraçoes públicas de Bell Marques são do tipo “aproveita agora para parcelar em 12 vezes o seu abadá para o Carnaval do ano que vem”…

Ao ser perguntado se ele tinha o desejo de tocar novamente com alguém, Missinho disse que era um desejo impossível, pois apesar de ter conhecido grandes artistas e músicos, a companhia que gostaria de reencontrar em cima dos trios era a de Osmar [pai do Armandinho que apareceu aqui ontem]. “Ele é uma figura que deixou uma saudade muito grande. Tinha uma juventude arrebatadora. Eu tinha uns 20 anos quando toquei com ele e ficava olhando, observando e admirado sua energia. Me apaixonei de primeira pela aquela emoção. Me perguntava como ele podia ter aquela energia toda? Depois eu mesmo me respondia dizendo: poxa, um cara que inventou o trio elétrico tinha que ser assim mesmo”, disse aos risos e lamentou: “Ele faz falta no Carnaval”.

Missinho e sua guitarra baiana de 4 cordas (2014)

Pleyel

.: interlúdio :. É Carnaval! – A História da Guitarra Baiana, parte 1 – Armandinho: A Cor Do Som ao vivo em Montreux

Carnaval: celebração coletiva que afronta o individualismo e a decadência da vida em grupo; conjunto de ritos que reavivam laços contrários à diluição comunitária, fortalecem pertencimentos e sociabilidades e criam redes de proteção social nas frestas do desencanto. (Luiz Antônio Simas)

Não me leve a mal que hoje é Carnaval então vou poupá-los dos textos longos. Como sabemos, a guitarra baiana é um instrumento elétrico de tamanho mais próximo do bandolim ou do cavaquinho do que da guitarra inventada pelos gringos. Instrumento essencial nos primeiros trios elétricos de Salvador, foi inventada por Dodô e Osmar, que também inventaram o trio – em resumo um bloco carnavalesco com música microfonada e amplificada. Mas naquela época, anos 1950, o instrumento ainda era chamado “pau elétrico” ou “cavaquinho elétrico”. No fim dos 60, Armandinho, filho de Osmar, começou a fazer com o instrumento solos de linguagem guitarrística inspirada em Jimi Hendrix, mas ao mesmo tempo, é claro, sem perder a reverência a Jacob do Bandolim, ao frevo pernambucano e a ligação anual com a festa de rua mais popular de Salvador, sem falar no berimbau também típico da cidade mais africana do Brasil.

Armandinho é sinônimo de Carnaval baiano e guitarra baiana até hoje. Mas durante o resto do ano ele também tem outros talentos: no fim dos anos 1970 criou a banda A Cor do Som, com colegas cariocas também interessados em misturar o rock de Londres com coisas como o chorinho tão carioca de Ernesto Nazareth, sem esquecer a guitarra baiana.

A Cor do Som – em atividade até hoje, com alguns longos hiatos – também poderia ser entendida historicamente como uma terceira onda de influência sincrética baiana no eixo Rio-São Paulo: a maioria dos músicos fazia parte das bandas de apoio de Moraes Moreira e outros dos Novos Baianos, que por sua vez tinham esse nome para diferenciá-los da leva anterior de baianos da Tropicália (Gil, Caetano, Gal e Bethânia).

A Cor do Som: Ao Vivo em Montreux (1978)
1 Dança Saci (Mu)
2 Chegando da terra (Armandinho)
3 Arpoador (Mu/Dadi/Gustavo/Armandinho)
4 Cochabamba (Aroldo/Moraes Moreira)
5 Brejeiro (Ernesto Nazareth)
6 Espírito infantil (Mu)
7 Festa na rua (Mu/Aroldo/Dadi/Armandinho)
8 Eleanor Rigby (McCartney/Lennon)

Armandinho – guitarra baiana
Aroldo – guitarra baiana
Mú – teclados
Dadi – baixo
Gustavo – bateria
Ari – percussão

Gravado ao vivo em julho de 1978 durante apresentação no 12º Festival de Jazz no Cassino de Montreux, Suíça

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A Cor do Som em 2014 (Ary Dias, Armandinho e outros fora da foto) com participação do inesquecível Moraes Moreira

Pleyel

L. Nono (1924-1990): Il canto sospeso / G. Mahler (1860-1911): Kindertotenlieder (Abbado, BPO)

100 anos de Luigi Nono (29 jan 1924 – 8 mai 1990)

“Il canto sospeso” (O canto suspenso) é, assim como o oratório de Schoenberg “Um Sobrevivente de Varsóvia”, uma obra que associa música atonal e vanguardista a reflexões sobre os horrores da guerra, no caso a de 1939-45, mas a mensagem geral se aplica a tantas outras guerras. A ideia de que o artista devia se posicionar politicamente em relação ao mundo ao seu redor é constante nas obras de Nono. Em Darmstadt por volta de 1960, Nono gerou polêmica ao criticar a concepção musical a-histórica de John Cage e a fascinação ingênua de Karlheinz Stockhausen com as novas tecnologias eletrônicas, o que tornaria o alemão um mensageiro do imperialismo norte-americano

“Em outras palavras, Nono, como Gramsci, entendia que o compositor devia intervir na sociedade tendo sempre em mente os contextos históricos e socioeconômicos, em oposição a uma música tabula rasa baseada nas abstrações do serialismo e na introdução da aleatoriedade e acaso.” (traduzido deste texto aqui)

É verdade que, olhando isso tudo décadas depois, pode parecer uma estéril briga de egos hiperespecializados em técnicas musicais experimentais: talvez muita gente queira apenas ouvir música clássica como um prazer de domingo, sem grandes batalhas teóricas. Ou talvez as batalhas teóricas mais importantes sejam outras… enfim, sob muitos ângulos a obra musical e militante de Nono pode parecer datada, mas também é possível que as sementes que ele lançou, e que hoje parecem menos potentes, germinem em um tempo futuro.

Afinal, em meio a tantas discussões teóricas tão tensas quanto complexas, o contexto das vanguardas musicais europeias nos anos 1950-60 se inseria em uma era de contestação quando, após duas guerras mundiais, havia uma quase unanimidade contra novas guerras quentes, gerando ideias novas sobre o que seria uma revolução baseada menos na tomada violenta do poder e mais na mudança das mentalidades: “you’d better free your mind instead”, dizia Jonn Lennon, ao que os afroamericanos do Funkadelic responderam: and your ass will follow, referindo-se à dança, claro.

A morte do autor, a microfísica do poder, a revolução molecular eram ideias que circulavam na Europa, com reflexos nos EUA e também em lugares mais esquecidos como o Brasil onde as batucadas e danças também tinham algo a ensinar aos revolucionários a pianista e compositora brasileira Eunice Katunda, membra do grupo Música Viva fundado por H. Koellreutter e amiga de Nono, estudou com ele ritmos e melodias brasileiros, árabes e espanhóis. Em 1951, a influência de Katunda aparece na Polifonica-Monodia-Ritmica de Nono, obra para seis instrumentos e percussão estreada em Darmstadt. Dedicada a Katunda, essa obra se baseia em movitos rítmicos afro-brasileiros de devoção a Iemanjá.

Voltando à obra composta em 1956 por Nono e gravada pela Filarmônica de Berlim com Abbado, no programa dos concertos nos quais foi gravada parte deste disco ao vivo, constava o seguinte texto:

Luigi Nono fazendo cara de sério

“Em Il canto sospeso, Nono recorda eventos de um passado terrível, eventos que, começando na Alemanha, se espalharam por toda a Europa. Ele lembra pessoas que se opuseram à tirania Nazista e foram presas, torturadas e assassinadas por aquele regime. Nono elaborou um epitáfio para aquelas pessoas – vítimas individuais mas também muitas de nomes desconhecidos.

Em 1992 a Alemanha está novamente ameaçada por um crescimento do ódio a ‘estrangeiros’ que tomou horríveis formas e se dirige contra cidadãos de outros países ou membros de outras culturas, religiões ou modos de vida.

Na nossa orquestra (…) há pessoas das mais variadas nacionalidades e origens, todas elas deixaram sua marca no perfil artístico da Filarmônica de Berlim. É a variedade de pessoas e estilos musicais que forma a base do nosso trabalho.”

Os textos da obra de Nono foram extraídos de um livro de cartas publicado na Itália em 1955: “Lettere di condamnati a morte della resistenza europea”. Nas faixas 1 e 6 deste CD, as cartas utilizadas por Nono são lidas em alemão: para quem não entende essa língua, as duas faixas podem ser puladas sem problemas.

A outra obra do disco, gravada ao vivo pela mesma orquestra e mesmo maestro, é o ciclo de canções Kindertotenlieder (Canções para a morte de crianças), composto por Gustav Mahler para mezzo-soprano e orquestra. Na época, Mahler já era pai, mas só em 1907 ele teria a terrível experiência de enterrar uma de suas filhas: Alma Mahler, esposa do compositor, se incomodava com a temática dessa obra estranhamente premonitória e talvez ela estivesse certa. O fato, contudo, é que se trata de uma obra-prima da longa história das músicas tristes, entre as quais podemos listar as várias Paixões de Cristo (de Bach e a Penderecki e Gubaidulina) e várias óperas sérias sobre os mais diversos temas.

Aliás, ainda no tema da música vocal, não posso deixar de recordar que Mahler escreveu muita coisa para vozes femininas graves: além dessas Kindertotenlieder, impossível não lembrar de Das Lied von der Erde (para tenor e contralto) e o 4º movimento da 3ª Sinfonia, com uma contralto cantando um misterioso texto de Nietzsche. Enquanto os grandes compositores de óperas, como Mozart, Bellini e Wagner, privilegiaram as vozes femininas mais agudas e brilhantes – sim, há a Carmen de Bizet e algumas outras mezzos que ganharam muitos aplausos, mas para cada Carmen houve dezenas de protagonistas sopranos – Mahler parecia preferir os instrumentos como a flauta e o oboé para os momentos mais alegres e a voz humana para momentos mais sérios. Em seu livro dedicado a Mahler (sem tradução para o português), T.W. Adorno apresenta sua interpretação bastante pessoal da música desse compositor. Para Adorno, há um “tom traumático na música de Mahler, um momento subjetivo de desespero”, o que torna sua música um prenúncio da modernidade mesmo que ele utilizasse melodias tonais. Em certas frases banais e previsíveis, (segundo o controverso Adorno) Mahler “não queria encontrar a paz perturbada pelo curso do mundo; pelo contrário, fez uso dela com violência para resistir à violência: os miseráveis restos do triunfo acusam os triunfantes. (traduzido do italiano)

Luigi Nono (1924-1990):
1-12. Il Canto Sospeso (1956)

Gustav Mahler (1860-1911):
13-16. Kindertotenlieder (1904)
17. Ich Bin Der Welt Abhanden Gekommen (from Ruckert Lieder, 1902)

Berliner Philharmoniker, Claudio Abbado
Rundfunkchor Berlin, Barbara Bonney (soprano), Susanne Otto (mezzo-soprano), Marek Torzewski (tenor) – Nono
Marjana Lipovšek (mezzo-soprano) – Mahler
Live recordings (1992)

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Abbado dando um sorriso apesar do repertório denso e grave

Pleyel

.: interlúdio :. Elza Soares & Wilson das Neves (1968)

Dois anos sem Elza Soares

Elza Soares: uma cantora que iniciou sua carreira no auge da bossa nova, mas não era nada bossa-nova. Foi o que falei na postagem em sua homenagem, há dois anos. Este disco de 1968 refutaria essa ideia? Afinal, mais ou menos metade das canções aqui reunidas fizeram sucesso em gravações de João Gilberto, Astrud Gilberto, Sergio Mendes e outros expoentes da bossa nova… Mas não, isso só mostra a personalidade de Elza ao pegar música que já era famosa e mudar tudo, principalmente tirando aquele certo doce balanço, aquela calma do violão bossa-nova, aquele Balanço Zona Sul – nome da primeira faixa do álbum – e subverter tudo com sua voz mais potente do que intimista, a bateria também barulhenta de Wilson das Neves e arranjos de metais meio jazzísticos. Aliás, o autor dos arranjos de metais é Nelsinho (1927-1996) e os nomes dos outros músicos não constam nos créditos do LP e se perderam na noite dos tempos.

Para constatar que Elza não é bossa nova, basta comparar, na canção O Pato, o scat singing de Elza, comparável ao das grandes musas do jazz, com a suave versão de João Gilberto, perfeita para se ouvir, digamos, deitado na rede. Os dois são geniais, não se trata aqui de uma disputa entre dois times de futebol, é claro. “O Pato”, aliás, é uma canção de Jaime Silva e Neuza Teixeira, composta no fim da década de 1940, mas se tornou mais conhecida após a gravação de João Gilberto para o seu segundo álbum, O Amor, o Sorriso e a Flor, de 1960.

A participação do baterista Wilson das Neves (1936-2017) abrilhanta o disco, a tal ponto que ele figurou na capa, um tanto embranquecido com truques de maquiagem e iluminação, assim como Elza. Wilson foi um nome da maior importância no samba e na bossa nova, tanto pelos inúmeros grupos em que tocou, como também por suas próprias composições. Não tão conhecido do grande público, Wilson era adorado por gente como Chico Buarque, que tinha o ritmo do baterista em todas as suas turnês de 1982 a 2012.

No meio de outros clássicos que nem preciso apresentar aqui – Garota de Ipanema, Deixa isso pra lá, lançada por Jair Rodrigues em 1964… – gostaria de dedicar mais algumas palavras a Mulata assanhada, samba de Ataulfo Alves (1909-1969). Autor também de Ai meu Deus que saudades da Amélia (este último, com Mario Lago), Ataulfo teve o azar de ter seus dois maiores sucessos “cancelados” em décadas mais recentes. A Amélia, por ter virado sinônimo de mulher submissa, obediente, nada a ver com Elza Soares e outras mulheres que admiramos hoje em dia. E sobre a “mulata assanhada”, o fato de que essas palavras vêm caindo em desuso é o menor dos senões: a letra toda pode causar vertigens em públicos acostumados com um repertório mais pasteurizado, entretenimento que não incomoda ninguém, com emoções limitadas e frias como uma sala de hospital. E Elza Soares, repito, é tão distante de um repertório morno como da obediência de uma Amélia.

Ataulfo Alves: quando jovem e quando velho

Elza Soares / Baterista: Wilson Das Neves (1968)
1 Balanço Zona Sul (Tito Madi)
2 Deixa isso pra lá (Alberto Paz, Edson Menezes)
3 Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Moraes)
4 Edmundo – In the mood (Joe Garland/Andy Razaf/ versão Aloysio de Oliveira)
5 O Pato (Jayme Silva, Neuza Teixeira)
6 Copacabana (Alberto Ribeiro, João de Barro)
7 Teleco Teco nº 2 (Nelsinho/Oldemar Magalhães)
8 Saudade da Bahia (Dorival Caymmi)
9 Samba de verão (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle)
10 Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues/Felisberto Martins)
11 Mulata assanhada (Ataulfo Alves)
12 Palhaçada (Luiz Reis/Haroldo Barbosa)

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Chico Buarque e Wilson das Neves, 1994

Pleyel

Robert Schumann (1810-1856): Liederkreis, Dichterliebe – P. Schreier, tenor; A. Schiff, piano

Música de câmara boa é aquela marcada por um certo clima de intimidade: menos carregado, menos intenso ou sério do que um grandioso concerto de Tchaikovsky ou sinfonia de Bruckner. O tenor alemão Peter Schreier, já então um senhor de mais de sessenta anos com uma carreira cheia de sucessos em óperas de Wagner e Mozart e paixões de Bach, reuniu-se em 2002 com András Schiff – que tinha menos de 50 – para esse recital inteiro dedicado a Lieder de Schumann. Em português: canções. Outras notáveis vozes como o barítono D. Fischer-Dieskau e a soprano Jessye Norman provavelmente fizeram gravações dessas obras com mais virtuosismo vocal, mais precisão nas subidas e descidas, mas também com certos exageros e arroubos que soam melhor em árias de ópera… Aqui nesta gravação, a voz de Schreier soa humana, muito humana, ou seja: limitada, imperfeita, o que é um diferencial em nossos tempos de gravações perfeitíssimas tanto nos clássicos quanto na música pop de autotune e shows com playback. (Breve parêntesis pra falar de outro grande cantor maduro: nos shows no Maracanã em dezembro de 2023 aos 81 anos, Paul McCartney também mostrou uma voz bastante humana e bem cuidada, mas em uns 10% das canções havia algum playback? Ou não?)

Schreier e Schiff às vezes se rendem brevemente ao estrelismo característico de intérpretes famosos mas logo depois, como aquelas flores que se fecham à noite, se seguram nos vários momentos suaves com dinâmica marcada piano. Aliás, boa parte das temáticas das canções de Schumann são romanticamente noturnas com títulos como “Noite de luar”, “Diálogo na floresta” e “Noite de Primavera”.

E uma característica comum em todos os ciclos de Lieder de Schumann é a escrita para piano sempre interessante: o pianista não está apenas acompanhando o cantor, sempre tem seus momentos de brilho com alguns ritmos, manias, trejeitos bem típicos do Schumann das obras para piano solo como o Carnaval, as Sonatas ou a Kreisleriana.

Com seu jeito de tocar pontuando as frases musicais com um certo humor húngaro discreto mas quase constante, András Schiff tem uma afinidade especial com certos compositores: Bartók, claro, mas também os barrocos Bach e Scarlatti e os centro-europeus Haydn e Schumann. O mais comum é que Schiff faça mesmo os momentos mais carregados em termos intelectuais (no Bach) ou em termos emocionais (no Schumann) com uma pitada do mesmo sarcasmo que aparece no Bartók. Respeitando os estilos de cada compositor, claro, apenas adicionando um leve tempero exótico.

Robert Schumann (1810-1856):
1-9. Liederkreis, Op. 24 (poemas de Heinrich Heine)
10-21. Liederkreis, Op. 39 (poemas de Joseph von Eichendorff)
22-37. Dichterliebe, Op. 48 (poemas de Heinrich Heine)

Peter Schreier (1935 – 2019) – tenor
András Schiff (n. 1953) – piano
Recorded: Lukaskirche, Dresden, 2002

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Pleyel

W. A. Mozart (1756-1791) – Concertos para Piano Nº 5 a 14 (Brendel/Marriner/St Martin in the Fields)

Alfred Brendel (nasc. 5 jan. 1931) hoje completa 93 anos e vamos aproveitar a data para completar uma série de postagens que vinha lá de 2007, primórdios deste blog e época em que o veterano pianista dava seus últimos concertos e recitais antes de se aposentar. Depois eu, Pleyel, reativei os links em 2019 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) adicionando algumas opiniões e imagens.

E depois de todo esse tempo, finalmente adicionamos esse lote com quase metade dos concertos do gênio de Salzburgo (aqui estamos excluindo da conta os concertos nº 1 a 4, exercícios infantis nos quais Mozart fez arranjos de música de outros autores). Provavelmente, pensarão vocês, se esses concertos demoraram tanto para aparecer é porque não importam tanto assim. E é verdade que a maior parte das apresentações ao vivo e discos se dedicam à metade final dos concertos para piano de Mozart. Mas no meio de alguns concertos um tanto burocráticos (para o meu gosto, do 5º ao 8º e o 13º), há algumas pérolas aqui. A tarefa de identificar as pérolas depende um pouco do gosto do freguês, mas há uma certa unanimidade sobre o fato de que o concerto divisor de águas, o “nada será como antes” desse grupo é o Concerto nº 9, de apelido “Jeunehomme” (que é mais ou menos o equivalente masculino de “mademoiselle” – senhorita -, ou seja, a forma educada de se chamar com um homem jovem em francês). Esse apelido foi usado por séculos, e é apropriado pois Mozart tinha apenas 21 anos quando o compôs! Mas recentemente descobriram que o concerto provavelmente se referia a Victoire Jenamy, jovem e admirada pianista da época, filha de um amigo de Mozart. Mais um caso de silenciamento do papel de mulheres na História.

Além do nº 9, meu coração bate mais forte pelo 10º, para dois pianos, pelo 11º, pelo 12º e pelo 14º, por motivos bem diferentes referentes a cada um deles. O 10º tem melodias e ritmos que lembram a Marselhesa, hino da França composto poucos anos depois. Os de nº 11 a 13 são os primeiros após a chegada de Mozart em Viena, onde ele teve contato com novas orquestras, com novos amigos e com antigas partituras de mestres como J.S. Bach, de modo que esses três concertos têm uma discreta inclinação para o contraponto bachiano.

Neste blog, além das integrais já postadas com Mitsuko Uchida e com Lili Kraus, destaco ainda as grandes gravações do 12º com Maurizio Pollini e a do 14º com Maria João Pires, que vocês conseguem encontrar pelo mecanismo de busca no alto da tela. Mas o austríaco Brendel e os ingleses da Academy of Saint Martin in the Fields não fazem feio frente a essa concorrência não, pelo contrário, são leituras que apontam para vários detalhes nessas obras que às vezes as outras gravações não apontaram, ou ao menos não do mesmo jeito. A suavidade, os detalhes e a leveza do toque de Brendel, nunca pesado ou sério, nem sempre me agrada quando ele toca Beethoven ou Schubert, mas com Mozart, se a memória não me falha, é sempre excelente.

W. A. Mozart (1756-1791):
Concertos para Piano e Orquestra Nº 5 a 14
Rondós para Piano e Orquestra KV 382 e 386

Alfred Brendel- piano
Neville Marriner – conductor
Academy of Saint Martin in the Fields

Recorded in London, 1970-1984

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Pleyel