A Obra Completa de Béla Bartók (1881-1945) – Quarteto de cordas no. 6 [Bartók – 6 String Quartets – Tákacs Quartet] #BRTK140

 

Meu sepultamento deve ser o mais simples possível. Se, depois de minha morte, quiserem dar meu nome a uma rua, ou erigir um memorial a mim num local público, então minha vontade é a seguinte: enquanto as anteriormente chamadas Oktogon-Ter e Körönd em Budapest tiverem os nomes daqueles que agora lhes dão nome e, mais ainda, enquanto houver na Hungria qualquer praça ou rua com o nome daqueles dois, então nenhuma praça, nem rua, nem prédio público na Hungria deve ganhar meu nome, e nenhuma placa com ele deve ser instalada num lugar público”

Béla Bartók odiava o fascismo, os fascistas o odiavam, e ele queria que esse sentimento recíproco ficasse claro até depois de sua morte. O ano, no entanto, era 1939, e “aqueles dois” (Mussolini e Hitler, respectivamente) faziam os últimos preparativos para que começasse a guerra na Europa. Hitler anexara a Áustria no ano anterior, e todas as instituições austríacas estavam nazificadas – incluindo a editora Universal, de Viena, que publicava as obras de Bartók e de Kodály e que lhes enviou um questionário a lhes perguntar, entre outras coisas, se eles eram de origem alemã ou não-ariana.

Naturalmente, nem eu, nem Kodály o preenchemos; em nossa opinião, esses inquéritos são contrários à lei e à justiça. Por outro lado, isso é ruim, porque poderíamos fazer boas piadas ao responder; por exemplo, poderíamos dizer que nós somos não-arianos – porque, em última análise (e isso eu aprendi no dicionário), ‘ariano’ significa ‘indo-europeu’; nós, magiares, entretanto, somos fino-úgricos, sim, e ainda por cima, talvez, racialmente turcos do norte, consequentemente nada indo-europeus, e portanto não-arianos. Outra pergunta era assim: ‘onde e quando foi ferido?’. Resposta: ‘Viena, março de 1938’ [mês em que a Áustria foi anexada ao Reich]

Nem tudo, claro, era bom humor. Desde a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, Bartók deixara de dar concertos na Alemanha, onde fizera turnês por três décadas, e todas os convites para atuar academicamente – fosse como palestrante ou como professor convidado – eram recusados, por um motivo ou outro, se viessem do Reich. Era natural que os alemães vissem as desfeitas com desconfiança, mas isso não chegou a ser problema para o compositor, além da eventual necessidade de refutar as insinuações de que era judeu. Suas maiores dificuldades começaram quando a Hungria, liderada ditatorialmente por Miklós Horthy – um ex-almirante da armada austro-húngara que assumira o curioso posto de regente dum reino sem trono -, assinou um pacto de não agressão com o Reich, implantou leis antissemitas afins às de Nürnberg e começou a perseguir dissidentes e intelectuais, para profundo desgosto do compositor:

Há o perigo iminente de que a Hungria também se renda a esse sistema de roubo e assassinato. Como eu continuaria a viver e trabalhar num país desses me é inconcebível.

Esses temores, como sabemos, viriam a concretizar-se da pior maneira possível. Hitler invadiria a Polônia em setembro e, embora a Hungria lograsse inicialmente manter sua autonomia em relação ao Reich – e mais notavelmente na recusa de Horthy em permitir que tropas alemãs atravessassem território húngaro para invadirem a Polônia, invocando a ancestral amizade entre húngaros e poloneses -, as mãos de ferro do regime passaram a desossar qualquer oposição. Bartók, que não media palavras para expressar seu nojo ao fascismo, seria um alvo natural de represálias, e toda proteção conferida por seu status de mais notável músico ativo em seu país de nada lhe valeria, se os alemães interviessem. Um amigo lhe disse que, se a Gestapo chegasse, o primeiro de seus tiros lhe estava reservado – e ele, provavelmente, tinha razão.

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Além da perseguição do governo autocrático, que o atacava tanto como antifascista quanto como músico acusado de “formalismo”, um drama familiar mergulhava Béla, enquanto compunha seu sexto e derradeiro quarteto, em angústias sem paralelo nos seus cinquenta e sete anos de vida. Paula, sua idolatrada mãe – uma professora de música que não medira esforços para garantir sua educação musical após a morte prematura do pai, e a quem se manteve muito apegado por toda a vida -, estava mortalmente enferma. Com tanta opressão e insegurança, não surpreende que o quarteto que lhe brotou da pena seja uma das obras mais constritas do século XX.

Não é à toa, tampouco, que a indicação “Mesto” (“triste”, em italiano) abra cada um dos movimentos – que parecem, pela primeira vez na série, ser os tradicionais quatro, mas que enfim são sete, pois a pesarosa introdução Mesto repete-se três vezes, à guisa de prelúdio, antes de movimentos completamente diferentes. O primeiro desses está numa, assim digamos, sonata-forma bartokiana, complexa em contraponto e rica em inversões temáticas e entrecruzamentos de vozes. O segundo é uma marcha que parece parodiar a aproximação dos agressores fascistas e tem, como trio central, uma bizarra seção que parece uma dança folclórica, com cimbalom e tudo, passada por um filtro onírico – talvez, na visão de Béla, uma Hungria a se esfacelar. O terceiro é intitulado Burletta – que pode ter tanto o significado de “brincadeira” ou “piada”, como o dos entreatos jocosos que, como La Serva Padrona de Pergolesi, eram executados no meio de óperas sérias. Bartók, aqui, pega pesado na palhaçada, e chega a pedir para um dos violinos tocar em quartos de tom, como se desafinado estivesse. No último, chamado tão somente Mesto, o tema devastado retorna e, como se rejeitado nos movimentos anteriores e enfim estivesse a vencer as resistências, adona-se completamente do movimento, servindo de base para transformações que, com muito vagar, parecem desembocar no vazio.

Esse quarteto extraordinário seria a última obra que Béla completaria em seu país. Iniciou-o em agosto de 1939, e, no mês seguinte, a Alemanha invadir a Polônia; terminou-o em novembro, e em dezembro lhe morreria a mãe, o único motivo que lhe restava para permanecer na Hungria. Perdera, quase ao mesmo tempo, a amada mãe e a querida pátria. Nada mais o prendia a seu chão: em outubro do ano seguinte,  partiria para os Estados Unidos para nunca mais retornar.

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Nossa promessa de apresentar-lhes os quartetos pares de Bártok somente em leituras com sotaque húngaro cumpre-se, aqui, com duas gravações do notável quarteto Takács, fundado em Budapest e radicado, desde os anos 80, nos Estados Unidos. Na dúvida sobre qual das duas lhes apresentar, fiquem, pois, com as duas:

 

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)

Quarteto de cordas no. 1, Op. 7, Sz 40 (1908-1909)

1 – Lento – Attacca:
2 – Allegretto
3 – Introduzione. Allegro – Attacca:
4 – Allegro vivace

Quarteto de cordas no. 2, Op. 17, Sz 67 (1915-1917)

5 – Moderato
6 – Allegro molto capriccioso
7 – Lento

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Quarteto de cordas no. 3, Sz 85 (1927)

1 – Prima Parte. Moderato – Attacca:
2 – Seconda Parte. Allegro – Attacca:
3 – Ricapitulazione della Prima Parte. Moderato
4 – Coda. Allegro molto

Quarteto de cordas no. 4, Sz 91 (1928)

5 – Allegro
6 – Prestissimo, con sordino
7 – Non troppo lento
8 – Allegretto pizzicato
9 – Allegro molto

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Quarteto de cordas no. 5, Sz 102 (1934)

1 – Allegro
2– Adagio molto
3 – Scherzo: Alla bulgarese
4– Andante
5 – Finale: Allegro vivace

Quarteto de cordas no. 6, Sz 114 (1939)

6 – Mesto – Più mosso, pesante – Vivace
7 – Mesto – Marcia
8 – Mesto – Burletta
9 – Mesto

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Takács Kvartett:
Gábor Takács-Nagy e Károly Schranz, violinos
Gábor Ormai,
viola
András Fejér,
violoncelo

Gravado em 1984


Quarteto de cordas no. 1, Op. 7, Sz 40 (1908-1909)

1 – Lento – Attacca:
2 – Poco a poco accelerando al’allegretto – Introduzione. Allegro – Attacca:
3 – Allegro vivace

Quarteto de cordas no. 3, Sz 85 (1927)

4 – Prima Parte. Moderato – Attacca:
5 – Seconda Parte. Allegro – Attacca:
6 – Ricapitulazione della Prima Parte. Moderato
7 – Coda. Allegro molto

Quarteto de cordas no. 5, Sz 102 (1934)

8 – Allegro
9 – Adagio molto
10 – Scherzo: Alla bulgarese
11 – Andante
12 – Finale: Allegro vivace

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Quarteto de cordas no. 2, Op. 17, Sz 67 (1915-1917)

1 – Moderato
2 – Allegro molto capriccioso
3 – Lento

Quarteto de cordas no. 4, Sz 91 (1928)

4 – Allegro
5 – Prestissimo, con sordino
6 – Non troppo lento
7 – Allegretto pizzicato
8 – Allegro molto

Quarteto de cordas no. 6, Sz 114 (1939)

9 – Mesto – Più mosso, pesante – Vivace
10 – Mesto – Marcia
11 – Mesto – Burletta
12 – Mesto

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Tákacs Quartet:
Edward Dusinberre e Károly Schranz, violinos
Roger Tapping,
viola
András Fejér,
violoncelo

Gravado em 1997

Béla e família, num momento menos difícil – e na primeira foto em que o vi a sorrir

 

Vassily

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