Todos acudiram à porta do escritório do eminente matemático francês Lagrange na recém-criada École Polytechnique ao ouvirem os brados do sábio, surpreso com mais uma lista de problemas resolvidos perfeitamente pelo supostamente medíocre aluno Monsieur LeBlanc.
Naqueles dias, no finalzinho do século XVIII, o material de estudo e as listas de problemas ficavam à disposição dos alunos, que retornavam suas observações e soluções para serem avaliadas. Monsieur LeBlanc já era contado como alguém que não prosseguiria nos estudos, quando suas tarefas passaram a exibir soluções brilhantes, engenhosas e criativas. A criatividade e a imaginação são características apreciadas tanto nas artes como nas ciências.
Finalmente, Lagrange exigiu um encontro com o estudante e para sua surpresa, deparou-se com uma jovem – Mademoiselle Sophie Germain. Naqueles dias, as moças eram impedidas de estudar ciências como a Matemática. Havia inclusive uma literatura específica para elas, para que aprendessem apenas o necessário para as suas receitas e manejo de contas nos armarinhos.
Para a sorte de Germain e de todos, pois seu exemplo certamente ajudou a quebrar, ou pelo menos a trincar um paradigma, o sábio Lagrange não se importava nem um pouco com o fato de ela ser mulher e continuou a orientá-la e incentivá-la.
Lembrei-me desta história ao ouvir este adorável disco com peças para Trio com Piano de quatro compositores franceses, dois deles mulheres. É verdade que estas compositoras viveram basicamente um século depois de Sophie Germain, mas as mudanças na cultura e na sociedade são muito lentas. Assim como Sophie, elas enfrentaram resistência para realizar suas aspirações artísticas, mas tiveram a sorte de encontrar quem reconhecesse seus talentos e as ajudassem a prosseguir.
Cécile Cheminade, compositora da primeira peça do disco, impressionou Bizet ainda muito jovem e foi estudar no Conservatório de Paris. Foi compositora e pianista. Este trio foi composto quando ela tinha 30 anos. Ela foi a primeira compositora a ser agraciada com a legion d’honneur em 1913.
A mudança da primeira peça, que tem seus toques românticos e um lindo e melodioso movimento Lento, para o relativamente recente Trio de Jean Françaix é muito estimulante. Composto em 1986, esta peça alegre, com tons jazzísticos, não parece ter sido composta por um senhor nos seus 74 anos.
Como um contraponto a isto, em seguida temos o Trio de Claude Debussy, que foi composto quando ele tinha ainda 18 anos e servia como pianista em residência da família da milionária russa Nadeschda von Meck, em Fiesole, perto de Florença.
A última peça do disco é da compositora Lili Boulanger, irmã mais nova da importante compositora e professora de composição, Nadia Boulanger. Lili teve seus talentos musicais assim como seu ouvido perfeito descobertos por Gabriel Fauré e foi a primeira mulher a ganhar o Prix de Rome. Lamentavelmente, ela morreu ainda bem jovem.
Interpretando este lindo e colorido disco temos um ótimo conjunto alemão, formado por Annette Hehn, violino, Stefan Heinemeyer, violoncelo e ao piano Thomas Hoppe.
O carro com rodas largas e cheio de adesivos passou quase raspando junto ao guardrail e seguiu rosnando noite adentro – uma cena de filme de Steve McQueen… Esta é a imagem que me surge quando é mencionado a cidade de Le Mans – fundada por gauleses e cercada por romanos. Além das 24 Horas de Le Mans, a cidade tem uma bela catedral e um conservatório de música. O diretor era um Monsieur Françaix, casado com uma soprano. Como a semente não cai longe da árvore, Jean Françaix seguiu também na música, não antes de ser incentivado por ninguém menos do que Maurice Ravel, que elogiou sobretudo a curiosidade do garoto.
Nadia e Jean
Jean Françaix estudou piano com Isidor Philipp e composição com Nadia Boulanger no Conservatório de Paris. Seu Concertino para Piano é a pequena joia deste disco e foi seu primeiro sucesso. A estreia teve o compositor como solista acompanhado pela grande Berliner Philharmoniker. É uma lindeza de música, típica de Jean Françaix, cuja música foi caracterizada como gentil, urbana, fresca e envolvente em um outro libreto.
Este é um dos ‘concertos’ deste disco que tem selo alemão, repertório francês, orquestra e solista alemães e regente espanhol! São quatro compositores, cada um com uma peça. Os Concertos de Ravel e de Poulenc são bem conhecidos e excelentes. Um pouco diferente dos concertos outros, os franceses são mais leves, menos heroicos e com coloridos orquestrais múltiplos e intensos.
Catedral de Le Mans
A peça de Debussy é uma Fantasia para Piano e Orquestra com três movimentos, mas concebida como uma estrutura cíclica. Claude, que foi ótimo compositor de música orquestral e música para piano, deixou apenas esta peça com ‘cara’ de concerto. A obra é 1889-90 e fora enviada para a Académie des Beaux-Arts como parte das obrigações do ganhador do Prix de Rome. Ela teve sua estreia programada para um concerto da Société Nationale de Musique sob a regência de Vincent d’Indy. Como o programa era extenso, Vincent decidiu apresentar apenas um dos movimentos. O temperamental Claude arrebatou as partes orquestrais da obra e saiu batendo as portas. É claro que posteriormente escreveu uma carta ao Vincent desculpando-se, mas assim a peça ficou na gaveta por toda a vida do compositor.
Claude Debussy (1862 – 1918)
Fantasia para Piano e Orquestra
I. Andante ma non troppo
II. Lento e molto espressivo & III. Allegro molto
Jean Françaix (1912 – 1997)
Concertino para Piano e Orquestra em fá maior
Presto leggiero
Lent
Allegretto
Rondeau: Allegretto vivo
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Concerto para Piano e Orquestra
Allegretto
Andante con moto
Rondo a la francaise (Presto Giocoso)
Maurice Ravel (1875 – 1935)
Concerto para Piano e Orquestra em sol maior
Allegramente
Adagio assai
Presto
Florian Uhlig (piano)
Deutsche Radio Philharmonie Saarbrücken Kaiserslautern
Pablo González
Gravação: 9 de fevereiro de 2012
Local da Gravação: SWR Studio Kaiserslautern, Emmerich-Smola-Saal, Alemanha
Florian extasiado com o luxo do Salão Turquesa da sede de campo da PQP Bach Corp. em Vitória
Eu tenho ouvido o disco com frequência, adoro este tipo de música. Assim, reunindo todas estas peças, montei esta postagem que, espero, você goste. Se ouvir o Concertino (que seja) uma vez, já me darei por satisfeito. Mas olha lá que o Concerto de Poulenc é também supimpa e tem também o do Ravel… Bom, deixo com você.
Aproveite!
René Denon
BBC Music Magazine – August 2013
Debussy’s unjustly-dismissed Fantasie and Francaix’s pithy Concertino are the highlights of this programme, superbly interpreted by Florian Uhlig.
Gramophone – August 2013
What an enticing programme this is…Uhlig proves a compelling advocate and the winds of the accompanying orchestra seem to gain in confidence as the work progresses…The über-compact Françaix Concertino is perhaps the highlight here, Uhlig and the orchestra vibrantly capturing the work’s myriad moods, culminating in a rip-roaring finale.
A aceitação de Ernani foi positiva, o público enaltecia Verdi com os mais quentes louvores, ele se firmava como um dos grandes símbolos do patriotismo italiano. Muitas vezes o público demonstrou sua afeição com aplausos frenéticos. Claro que seu estilo despertou o interesse dos empresários em novas obras. Entre 1844 e 1849 foram nada menos do que oito novas óperas, algumas com composições simultâneas ! Os teatros queriam obras originais do jovem mestre. Verdade que ele ainda não havia terminado a partitura de Ernani, quando fechou contrato com o Teatro Argentina de Roma para uma produção original a ser feita no outono de 1844, que seria, a composição de “I due Foscari” com libreto de Piave, baseado na tragédia de Byron. Ainda poucos dias depois da estreia de Ernani, ele fechou outro contrato e a encomenda para o Teatro di San Carlo em Nápoles, em um libreto de Salvatore Cammarano (o poeta de “Lucia” de Donizetti) esta ópera será “Alzira”, a ser apresentada no verão de 1845. Não é tudo. Com La Fenice, ele tem a palavra para um segundo drama, sobre o qual, um mês após a estreia de Ernani, ele iniciou correspondências com Piave, seria a ópera “Átila”, da tragédia de Zacharias Werner (o poeta romântico que iniciou o fatalismo na literatura alemã), esta obra entrará no teatro veneziano em 1846. Verdi, em sus memórias sobre este agitado período disse: “…mal tive tempo de respirar. Quatro obras em andamento, estreia ao longo de dois anos, superação de equívocos, atrasos, sucessão de projetos…..”.
Lord George Gordon Byron (1788-1824)
Como dissemos, logo após a estreia de Ernani em Veneza, Verdi concordou em escrever uma nova ópera com Piave para o Teatro Argentina em Roma. A primeira escolha foi “Lorenzino de Medici”, mas isso se mostrou inaceitável para os censores romanos, e o libreto de “I due Foscari “ de Byron foi apresentado e aceito. É claro a partir das primeiras correspondências entre Verdi e Pive fica claro que o compositor orientou para que a ópera trilhasse o estilo de Ernani (concentrando-se em confrontos pessoais em vez de grandes efeitos cênicos). Estas correspondências revelam até que ponto Verdi interveio na confecção do libreto, uma boa parte da estrutura em grande escala da ópera sendo ditada por seus instintos teatrais cada vez mais exigentes.
Verdi con lo spartito dei Due Foscari, 1844
Verdi deixando por algum tempo a populosa e dinâmica cidade de Veneza, voltou à sua terra, a pacata Busseto. Para rever seus pais e Barezzi, ao qual ligava sempre profunda afeição. Não revira a região de Parma desde a sua triste visita seguida pela morte de Margherita. “….Eu tremo ao me aproximar de casa !! Grande destino é meu !! Nunca é uma alegria sem dor !! Minha viagem foi feliz: estou muito bem de saúde, mas exausto de forças. Agora que passou o nervosismo da estreia em Veneza, parece-me que estou sem sangue. O silêncio vai recuperar minhas forças !”
A quietude de Busseto, foi quebrada diversas vezes pelas celebrações espontâneas do povo que podem tê-lo incomodado mais do que agradá-lo, enfim ele era uma celebridade agora. As notícias que Giovannino (filho de Baresi), enviado especial de Veneza, trouxe para casa relata as exclamações de todos que ouviam sua obra; frases triunfantes como: “Esta será uma noite de triunfos e coroação para Verdi como o primeiro maestro do mundo.” …”Ontem ouvi os ensaios e para mim o Ernani é melhor do que Nabucco, Lombardi e todas as óperas do mundo”… “Que barulho esta noite, que prazer ver gente vindo de todos os lados. Ah! Aqui estão as gôndolas chegando que trazem mais de 100 jovens Padovani.” … “Muito bem, a Ernani; venha também para aumentar o triunfo de Verdi!” Piave também não hesita na fé, chama o mestre de “divino Beppo”, e continua: “Lembra-me a teu excelente pai, a quem muito amo, a Itália lhe agradece por ter gerado este gênio da música ! Agora estou escrevendo o novo libreto para a ópera de Roma que se intitula “I due Foscari”.”
Francesco Maria Piave (1810 – 1876)
Pressionado o máximo que pôde pelo compositor, o libretista enviou um primeiro rascunho do Foscari para Milão em meados de maio. A composição começou alguns dias depois e desta vez quem nos fornece o material é um pequenino conterrâneo de Verdi, ele relata e examina o mestre de perto fazendo observações diretas em cartas a Barezzi. O jovem redator foi o único aluno de Verdi, além de seu colaborador na época, teve que pagar pelas aulas que o compositor lhe dava regularmente, trata-se de Emanuele Muzio, nascido a 24 de agosto de 1821. Na última visita a Busseto o senhor Barezzi, com sua generosidade de sempre, ofereceu o rapaz para auxiliar Verdi e deixando claro que iria se responsabilizar financeiramente para garantir sua permanência em Milão. Ele se comunicara com Antonio Barezzi em longos e numerosos relatos, ora divertidos, ora ingênuos, mas sempre úteis do ponto de vista biográficos, espionando o mestre enquanto ele é implacável em suas “tarefas” (le opere!) “… Agora vou para a escola, ele acabou de se levantar e começa a escrever “I due Foscari”. Sr. Antonio tenho que lhe dizer o coro introdutório, que é o congresso dos Dez, é magnífico e terrível, e na música você pode ouvir aquele mistério que reinou naquelas reuniões tensas que decidiam sobre a morte ou a vida; e então você pode imaginar como o “pai dos corais”, como os milaneses o chamam, pode ter musicado bem !!! ” Muzio morava perto do alojamento do mestre, em Contrada del Monte Napoleone, Verdi ficava no começo da rua, em uma casa com estábulo para cavalos e galpão para o transporte. Se precisava do menino, chamava-o de “assobio”, tão perto que moravam.
Mas vamos voltar a 1844.
Emanuele Muzio (1821-1890), unico allievo di Verdi
Verdi trabalhava dia e noite para completar o “I due Foscari”. Ele não saia de casa, exceto para a refeição da noite; logo cedo, Muzio trazia o café da manhã e ia buscar as correspondências no correio. O drama veneziano (baseado em Byron) parecia-lhe muito belo tendo como tema dominante o exílio. Verdi havia estudado o cenário, talvez ainda em Veneza, visitando o Museu Correr, e uma vez em Milão teria renovado o interesse na casa de Andrea Maffei; lá estava a pintura de Francesco Hayez “Último adeus do filho do Doge Foscari à família” tratada várias vezes pelo artista desde 1827. Verdi fez acordos substanciais com Piave para fortalecer o plano de trabalho. Entre maio e setembro, há pelo menos quatro cartas de Verdi que fornecem elementos muito significativos. Em primeiro lugar, está a observação sobre a fonte, que é o drama em versos “The Two Foscari” de George Gordon Byron, publicado em 1821: “torture sua inteligência e encontre algo que faça um pouco de barulho, especialmente no primeiro ato…. No último ato, porém, faça com que a cena se passe ao anoitecer e elabore um pôr-do-sol, que é tão bonito”. Verdi acha o poema “estupendo”, mas não diz mais nada, enquanto em sua mente vai se formando a caricatura musical dos tons tristes e fortes que dominam a obra. Em suas cartas ele evita referências de situações políticas que poderiam ter levantado suspeitas e encheção de saco por parte da censura, é justo acrescentar que habilmente Verdi, em suas cartas, não atribui muita importância ao próprio doge, simplesmente se declarando satisfeito com a abordagem que Pive lhe deu. Na verdade, tanto no personagem do doge quanto no coro dos vereadores, o compositor esconde uma denúncia irada que tem suas raízes em Ernani: em Francesco Foscari encontramos analogias muito fortes com o velho Silva. Ambos os velhos se queixam da solidão e do abandono a que os outros os obrigam, mas que deveriam estar ligados pelo afeto. Portanto, as melodias de Silva e de Francesco se assemelham vagamente, é claro, pois para Silva se trata de um amor senil por uma mulher, ao contrário o velho Francesco que ama paternalmente o filho, que talvez (só talvez) manchou a honra da família.
Francesco Hayez (1791 – 1882) – Ultimo addio del figlio del doge Foscari alla sua famiglia – contribui a dare a Verdi inspirazione per I due Foscari
Abandonemos agora a figura do personagem solitário e vejamos o coro. Aqui também notamos mudanças substanciais no que diz respeito à técnica composicional usada para a massa vocal em Nabucco ou Lombardi. Também para o coro, Verdi encontrou um novo rosto em Ernani, um rosto coletivo de extraordinário interesse. Ele encontrou uma forma de completar e até melhorar, com crueza incisiva, o perfil psicológico da massa. Ele começou em Nabucco levantando uma evocação nostálgica avassaladora com “Va, Pensiero” e continuou em Ernani com uma guinada para uma caracterização “vulgar”. O núcleo coral do “Concílio dos Dez” de Foscari, sobre o qual Verdi pisou com uma intenção precisa: a de iluminar sua intransigência sinistra e até grotesca, que acaba condenando um inocente.
Frontezpizio del libretto dei Due Foscari
Para acalmar os censores, Verdi adotou pela primeira vez um método que até então ele não usara, mas tinha sido utilizado e aprovado por outros mestres, e que consistia em distinguir cada um dos personagens principais com um motivo melodioso, assinalando sempre a sua entrada em cena. Assim todas as figuras principais eram envoltas em aura musical. A composição de “I due Foscari” ocupou Verdi por cerca de quatro meses (muito tempo para os padrões da maioria de seus predecessores). Por fim a ópera subiu ao palco do Teatro Argentina de Roma, precisamente em 3 de novembro de 1844.
Que em Roma, à época, tivessem enlouquecido pelo drama dos Foscari não é verdade, possivelmente porque as expectativas do público haviam sido elevadas demais pelo enorme e generalizado sucesso de “Ernani”. O elenco de estreia incluiu Achille De Bassini (Francesco Foscari), Giacomo Roppa (Jacopo) e Marianna Barbieri-Nini (Lucrezia) os artistas foram muito celebrados, mas a obra não deixou uma marca inesquecível. A crítica foi impiedosa. Nítido se definia o contraste entre a atitude do público e a dos jornais; enquanto o povão, longe de lhe levantar objeções, o incitava a progredir e fazer mais, já os jornais publicavam artigos pouco animadores, acusando-o de cobrir as vozes dos artistas com a sonoridade da instrumentação. Este nulo admirador tem uma opinião de que talvez estas censuras lhe fossem mais úteis que os louvores, porque, se um homem, deslumbrado pelo inebriante perfume dos elogios, não vigia suas faculdades acaba perdendo o incentivo. As advertências, pelo contrário, incentivam a produzir sempre melhor, afinal Verdi, calejado, aos 31 anos sabia bem disso.
Mareianna Barbieri-Nini (1818-1887), prima interprete dei Due Foscari
Para nós hoje, o interesse é diferente e talvez o valorizemos mais do que então, é uma p… ópera, cheia de áreas bonitas por exemplo a faixa 5, as faixas 7-8, o intenso encerramento do primeiro ato (faixas 13 e 14) ou o breve e “carrancudo” prelúdio que inicia a ópera e cria o clima na primeira faixa. Verdi se esforçou muito para caracterizar situações, ambientes e personagens, porém, contudo e no entanto três anos depois da estreia ele julgava, talvez até, com excessivo rigor: “Em temas naturalmente tristes, se você for sem muito cuidado você acaba com um humor mortal, como por exemplo em “I due Foscari”, que têm uma tonalidade, uma cor, escura e muito uniforme do começo ao fim.” Ainda assim, as recomendações feitas para Piave mostraram que o compositor tinha uma consciência precisa do assunto. Na verdade, a música “sisuda” tinha sido o tempero adequado para esse “caminho das lágrimas”, como o chama Marzio Pieri. E ainda há outra coisa. Em abril de 1845, Donizetti ouviu a ópera em Viena. Assim como anteriormente ele fez uma bela descrição de Verdi, mas também circunscreveu os valores do Foscari: “… Eu tinha razão em dizer que Verdi era talentoso! Este é o homem que vai brilhar !”
O Enredo
Tragédia lírica em três atos de Giuseppe Verdi, libreto de Francesco maria Piave baseado na peça de George Byron “The Two Foscari”; Roma, Teatro Argentina, 3 de novembro de 1844.
A obra se passa em Veneza. Período: ano 1457
Esta é a ópera mais curta de Verdi, seu prelúdio descreve uma atmosfera de conflito tempestuoso antes de introduzir dois temas da ópera, o primeiro uma melodia de clarinete triste a ser associada a Jacopo, o segundo uma flauta etérea e passagem de cordas da cavatina de Lucrécia.
Ato 1.
Bozzetti di Luigi Ricci per I due Foscari
Cena 1- Um salão no Palácio do Doge em Veneza
A cortina se levanta vemos os membros do Conselho dos Dez reunidos. O refrão de abertura (‘Silenzio … Mistero’, faixa 02) imediatamente lança sobre a ópera uma atmosfera ameaçadora, sugerida musicalmente por sombrias sonoridades instrumentais, vocais e por tortuosas progressões cromáticas. A melodia do clarinete do prelúdio é ouvida quando Jacopo sai das prisões para aguardar uma audiência com o Conselho. Em um arioso delicadamente marcado, ele saúda sua amada Veneza e começa a primeira seção de uma cavatina de duas partes. O primeiro movimento, ‘Dal piu remoto esilio’ (faixa 04), evoca a cor local em seu ritmo, sonoridades de sopro proeminentes e excursões cromáticas incomuns. A cabaleta, ‘Odio solo, ed odio atroce’ (faixa 05), é rotineiramente enérgica, embora desafie as convenções ao permitir que o tenor estenda um agudo enquanto a orquestra realiza uma reprise do tema principal.
Cena 2 – Um salão no Palácio Foscari
Lucrécia, a esposa de Jacopo, entra em um tema de cordas crescente, associado a ela em intervalos durante a ópera. Ela está determinada a enfrentar o Doge na tentativa de salvar seu marido, mas primeiro oferece uma prece, ‘Tu al cui sguardo onnipossente’ (faixa 07). Esta area exibe um estilo vocal mais altamente ornamental do que o usual encontrado nas primeiras obras de Verdi, embora o colorido seja – tipicamente para o compositor – estritamente controlada dentro de frases fixas. A cabaleta que se segue, ‘O patrizi, tremate l’Eterno’, é nova no design formal, começando com uma passagem semelhante a um arioso e dissolvendo-se em uma escrita ornamental de estrutura aberta no final.
Cena 3 – Um salão no Palácio do Doge
O Conselho concluiu sua reunião e, em parte com um retorno à música do coro de abertura, nos informa que o ‘crime’ de Jacopo, assassinato, deve ser punido com o exílio.
Cena 4 – As salas privadas do Doge
A Scena e Romanza do Doge abre com outro tema que se repetirá ao longo da ópera, desta vez uma melodia ricamente harmonizada para viola e violoncelos divididos. A romanza ‘O vecchio cor, che batti’ faixa 11, na qual o Doge descreve sua angustia por seu filho, é claramente uma peça complementar ao anterior ‘Dal piu remoto esilio’ de Jacopo (observe, por exemplo, as figuras de acompanhamento de abertura idênticas), embora o pai barítono canta com um apelo emocional muito mais direto do que seu filho tenor. O final do Ato 1 é uma longa cena entre Lucrécia e o Doge, na qual a esposa de Jacopo implora ao Doge que mostre misericórdia. Um dos melhores duetos de soprano-barítono de Verdi, o número cai no padrão convencional de quatro movimentos, mas as seções individuais apresentam considerável contraste interno, respondendo de perto às diferentes atitudes emocionais dos principais, as excelentes faixas 13 e 14.
Ato 2
Cena 1 – As prisões estaduais
Um prelúdio fragmentário e altamente cromático para viola e violoncelo solo apresenta Jacopo, sozinho na prisão. Ele tem uma visão aterrorizante de Carmagnola, uma vítima passada da lei veneziana, e na romanza ‘Non maledirmi, o prode’ (faixa 16) implora por misericórdia à visão. ‘Non maledirmi’ é convencional em sua passagem de menor para maior, mas tem um retorno incomum ao menor quando a visão de Carmagnola reaparece para assombrar o prisioneiro e eventualmente deixá-lo inconsciente. Lucrécia, acompanhada por seu crescente tema de cordas, entra e, após reviver Jacopo, anuncia sua sentença de exílio. Segue-se um duetos de amor (faixa 18), este apresentado na forma usual de vários movimentos, embora sem uma sequência de “ação” de abertura. As partes finais do dueto mostram uma injeção de cor local: gondoleiros cantando em louvor a Veneza interrompem marido e mulher, dando-lhes uma nova esperança para o futuro. O Doge entra agora para dar um triste adeus ao filho. O primeiro movimento lírico do trio seguinte, ‘Nel tuo paterno amplesso’ (faixa 22), faz muito do contraste em personalidades vocais – tenor declamatório, sustentado, barítono controlado, soprano ofegante e perturbado – enquanto o final (na qual os principais são acompanhado por um Loredano exultante). Loredano chega para anunciar o veredicto oficial e para preparar Jacopo para a sua partida. Ele é desdenhoso dos fundamentos do Foscari e ordena a seus homens para remover Jacopo de sua cela. Em um trio final, Jacopo, o Doge e Lucrezia expressam suas emoções conflitantes e, como Jacopo é tirado, pai e nora saem juntos.
Cena 2 – O salão do Conselho dos Dez
Um coro de abertura, novamente parcialmente construído com material da cena 1 do Ato 1, explica que os crimes de Jacopo são assassinato e traição contra o estado. O Doge aparece, logo seguido por seu filho, que continua a protestar sua inocência. O Doge lamenta sua incapacidade de ajudar, atuando, como ele deve, no papel de Doge antes que de pai, mas todos estão pasmos com o súbito aparecimento de Lucrécia, que trouxe seus filhos com ela em um pedido final de misericórdia. O palco está pronto para o concertato finale, ‘Queste innocenti lagrime’ (faixa 26), liderado por Jacopo, que é secundado por Lucrécia. Este movimento grandioso desenvolve um ímpeto, mas sua cadência final é interrompida: Jacopo retorna ao modo menor e à linguagem musical íntima de suas frases iniciais. A extrema justaposição cria carga dramática suficiente para encerrar o ato.
Ato 3
Cena 1 – A velha piazzetta di San Marco
O início brilhante do ato em forma de uma ‘Introduzione e Barcarola’ dá início ao ato (faixa 27), com gondoleiros oferecendo uma repetição mais desenvolvida da música que havia interrompido anteriormente o dueto Jacopo-Lucrezia. Jacopo é trazido para a separação final. Seu ‘All’infelice veglio’ (faixa 30) é semelhante ao romanza em seu progresso do menor ao maior, mas é enriquecido pelas contribuições de Lucrécia e, eventualmente, do refrão, tornando a cena um grande clímax adequado ao papel do tenor.
Cena 2 – Os quartos privados do Doge
A cena começa com o Doge na qual ele é apresentado com uma confissão no leito de morte revelando que Jacopo é inocente. Mas a mensagemvem tarde demais: Lucrécia se apressa em anunciar que Jacopo morreu repentinamente ao deixar Veneza. A ária de Lucrezia ‘Piu non vive!’ (faixa 32) é, como convém a este estágio final do drama, altamente condensado, e talvez seja melhor considerado um tipo de cabaleta bipartida, permitindo (como fez sua ária de primeiro ato) mais espaço do que o normal para floreios. Quando ela sai, o Conselho dos Dez aparece, pedindo ao Doge que renuncie a seu poder. Ele responde em uma ária apaixonada, ‘Questa dunque e l’iniqua mercede’ (faixa 34). Em muitos aspectos, a seção mais poderosa da ópera, esta ‘ária’ é na verdade um dueto entre o Doge e o coro masculino: ele declama exigindo o retorno de seu filho; eles em uníssono são inflexíveis. Ele pede para a nora ser trazida e, gradualmente, estabelece a pompa de seu trabalho. Quando Lucrezia entra e se dirige a ele com o título familiar “Príncipe”, ele declara: “Príncipe que eu era! Agora eu não sou mais.” Só então, o sino de San Marco é ouvido anunciando que um sucessor seja escolhido. Como eles dobram uma segunda vez, Francesco reconhece que o fim chegou: Quel bronzo feral / “Qual sentença fatal” (faixa 36). Como os sinos dobram novamente, ele morre e Loredano observa “eu estou pago.”
Cai o pano
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“I Due Foscari”, como o próprio Verdi admitiria mais tarde, sofre um pouco por ser muito sombrio em seu tom geral, apesar das evocações periódicas dos canis venezianos. Mesmo assim, a ópera oferece vários experimentos interessantes. Talvez o mais impressionante seja o uso de temas recorrentes para identificar os principais. Esses proto-‘leitmotivs ‘são aqui talvez aplicados com demasiada rigidez, servindo em última instância para negar qualquer sentido de desenvolvimento ou progressão nos personagens; mas o experimento em si é significativo, sugerindo que Verdi estava ansioso para explorar novos meios de articulação musical e dramática. A importância crescente da cor do ambiente também é notável à luz do desenvolvimento futuro de Verdi. Embora em “I due Foscari” a sensação de um ambiente preciso pareça imposto à partitura em vez de emergir dela, a consciência de Verdi do potencial dessa dimensão adicionada no drama musical foi decisiva; a partir dessa época, ele raramente empregaria a cor da ambientação de maneira mecânica que usou em suas primeiras óperas. Uma pequena observação: O canto das últimas palavras do Dodge quando morre é incrivelmente parecido com as últimas palavras do Rigoletto para Gilda…. mas essa é outra história….. por agora, que subam as cortinaa e apreciem esta que é a sexta ópera do Maestro Verdi !!!!!
Personagens e intérpretes
Escolhi esta versão, por estar com tinta fresca ainda, ela foi gravada no Festival Verdi 2019 em uma co-produção do Teatro Regio di Parma e do Teatro Comunale di Bologna. É uma récita excelente! Para mim, a grande estrela desta versão é o Stefan Pop como Jacopo Foscari sua interpretação, para este nulo admirador, foi de uma qualidade brutal, as nuances emotivas na voz foram irrepreensíveis. Maria Katzarava esteve igualmente em alto nível como Lucrezia Contarini, com uma voz muito bonita, emotivamente plástica, grande técnica e agudos sem gritos num papel de extrema exigência para a soprano. Giacomo Prestia é um baixo italiano com a grande consistência vocal e cumpriu muito bem o papel de Jacopo. Stoyanov como Francesco Foscari achei muito bom, em particular na última cena do terceiro ato. O elenco em geral agrada dramaticamente. O coro faz um trabalho muito bom. A Orquestra Filarmonica Arturo Toscanini excelente, sob a direcção do maestro Paolo Arrivabeni. O equilíbrio entre os cantores e a orquestra é bom e a gravação é maravilhosa. O maestro faz um ótimo trabalho evitando o estilo “internacional” mais moderno e mantém o tradicional italiano para evitar que Verdi dê voltas em seu túmulo.
Giuseppe Verdi – I Due Foscari
Francesco Foscari – Vladimir Stoyanov Jacopo Foscari – Stefan Pop Lucrezia Contarini – Maria Katzarava Jacopo Loredano – Giacomo Prestia Barbarigo – Francesco Marsiglia Pisana – Erica Wenmeng Gu Attendant on the Council of Ten – Vasyl Solodkyy Servant of the Doge – Gianni De Angelis
Parma Teatro Regio Chorus (chorus master: Martino Faggiani) Filarmonica Arturo Toscanini Orchestra Giovanile della Via Emilia Paolo Arrivabeni, conductor
Recorded at Teatro Regio di Parma, Festival Verdi 2019, 11 October 2019.
As fitas desses dois shows ficaram guardadas no cofre da Columbia Records por quase 20 anos, até que a gravadora lançou um LP duplo com elas logo após a morte de Monk. Seguiu-se o lançamento em CD duplo em 2001, sob o nome de “Live at the Jazz Workshop – Complete”, apresentando uma série de faixas bônus, quase dobrando a duração do álbum. No entanto, este é o lançamento original de 1982. Thelonious Monk (1917-1982) foi um pianista único no estilo de improvisar e tocar. Era famoso por seus improvisos de poucas e acertadas notas. Preciso, fazia com duas ou três notas o que outros pianistas faziam com nove ou dez. Cada nota adentrava perfeitamente no contexto da música, numa mistura melódica e rítmica. Sentado ao piano, tocava-o encurvado, com péssima postura, além de ter um dedilhado com os dedos rígidos, que ficavam perfeitamente retos e batiam nas teclas tal qual uma baqueta faria em um tambor. Thelonious não era muito bem visto pela crítica de sua época, porém era uma unanimidade entre os jazzistas. Compunha melodias e criava ritmos nada usuais. Compôs vários temas que hoje são considerados standards, como Epistrophy, ‘Round Midnight, Blue Monk, Misterioso, Well You Needn’t, etc. Apesar de ser lembrado como um dos fundadores do bebop, seu estilo, com o passar do tempo, evoluiu para algo muito próprio, de composições com harmonias dissonantes e guinadas melódicas, além do uso de silêncios e hesitações.
Thelonious Monk – Live At The Jazz Workshop
Disc 1
1 – Don’t Blame Me – 7:01
2 – Well You Needn’t – 7:20
3 – Evidence/Rhythm-A-Ning – 5:54
4 – ‘Round Midnight – 9:15
5 – I’m Getting Sentimental Over You – 7:41
Se deixamos o Bartók do segundo quarteto no final da I Grande Guerra, assistindo ao colapso do mundo austro-húngaro em que crescera, nós o reencontramos a compor o quarto quarteto, em 1928, numa Hungria que ressurgia como nação e vivia suas dores de crescimento em outra de suas tantas décadas conturbadas, colorindo-se de fascismo depois de abraçar brevemente o comunismo.
Béla, entretanto, tinha voltado a uma situação confortável: radicado em Budapest, lecionava piano da Academia de Música Franz Liszt e estava de volta às expedições etnomusicológicas tão queridas a ele, nas quais dividia rumos e experiências com seu grande amigo Zoltán Kodály. Separado de Márta, mãe de de seu filho Béla Bartók, o Terceiro (pois o Primeiro foi o pai do compositor), vivia agora com a pianista Ditta, que fora sua aluna de piano e que ficaria a seu lado até seus últimos dias.
Depois da, assim a chamo, explosão radical de seu conciso quarteto anterior, Bartók compôs um expansivo tour de force em que parece querer testar as capacidades do conjunto de instrumentistas. No quarteto no. 4, o compositor instiga os intérpretes a atacarem as cordas tanto com a crina quanto com a madeira do arco (col legno); a beliscá-las e mesmo lançá-las contra os braços dos instrumentos (pizzicato); a fazerem-nas cantar anasaladas pela surdina, ou gemer pela estridente fricção do arco perto da ponte (sul ponticello). Some-se a todos esses truques o uso generoso dos glissandi, e nada resta a reclamar sobre exploração timbrística. Ela, no entanto, é apenas parte da riqueza dessa obra-prima: as tramas sonoras baseadas em motivos curtos, as harmonias dissonantes e ritmos impetuosos têm um frescor improvisatório que em parte ofusca a engenhosa concepção da obra. Nas raras palavras do próprio Bartók, que pouco se dedicava a explicar suas criaturas:
A obra é em cinco movimentos; seu caráter corresponde à clássica forma da sonata. O movimento lento é o cerne da obra; os outros movimentos são, por assim dizer, arranjados em camadas em torno dele. O movimento IV é uma variação livre do II, e o I e o V têm o mesmo material temático: ou seja, em torno do cerne (movimento III), metaforicamente falando, I e V são as camadas internas, e II e IV, as internas”
As “camadas externas” são frenéticas, repletas de dissonâncias e verve, e baseiam-se no mesmo motivo de seis notas. As “camadas internas” são dois scherzi que pegam um pouquinho mais leve – se é que se pode falar assim de peças que assaltam dessa maneira os sentidos – e se escoram em efeitos timbrísticos: o segundo, quase extraplanetário movimento é todo em surdina, enquanto o quarto é completamente executado em pizzicato, não só com a delicada técnica clássica do beliscar das cordas, como também com a indicação expressa de golpeá-las com tanta força que elas batam no braço dos instrumentos – efeito até então inusitado, e que se ficou celebrizou como “pizzicato Bartók”. O cerne, enfim, é um movimento lento à guisa de noturno, lírico como poucos outros na produção do compositor, e que respira a mesma atmosfera sonora do belíssimo Adagio da “Música para cordas, percussão e celesta”, de oito anos depois.
O resultado é, na minha desimportante opinião, o mais exuberante entre os seis quartetos e a maior obra-prima dessa extraordinária série. Seu efeito irresistível só cresce a cada nova audição: ao nos acostumarmos gradativamente à estranheza inicial trazida pelas dissonâncias e pelos modos incomuns, passamos a admirar a nova, singular harmonia e o rigor formal, quase clássico, de mais essa cria do magiar genial.
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Quarteto de cordas no. 1, Op. 7, Sz 40 (1908-1909)
Não me matem. Eu sou a outra pessoa no mundo que acha o Concerto Nº 5, Imperador, um modelo de breguice. Mas não confesso isso com meu nome civil, só com o de PQP. Tenho medo. A outra pessoa é a grande Karen Blixen, antigamente conhecida por Isak Dinesen. Quando o piano começa aquelas ornamentações no começo do Imperador, sempre tenho vontade de rir. Perdoem-me, por favor. Falo do primeiro movimento, é claro. Ele é bombástico e prolixo. EXAGERADO. O Imperador vale pelo movimento lento, uma das coisas mais maravilhosas já inventadas pelo homem, mas que não tem muita relação — nem tonal! — com o que o precede. Aquele primeiro movimento, olha…
Mas este é um disco fascinante, que por várias razões funciona de uma forma complementar. A leitura visa trazer autenticidade para estas partituras conhecidas, presumivelmente com a intenção de serem ouvidas sob uma nova luz. Esta abordagem certamente revela detalhes de uma forma raramente ouvidos. As notas que acompanham o CD são muito detalhadas, abrangendo, entre outros títulos, “Viena sob o feitiço de Napoleão”, “A influência de Erard na fabricação de piano vienense”, “Beethoven e o arquiduque Rudolph” e “Pesquisa de prática de desempenho”. Há também um longo ensaio analisando a pintura da capa (uma boa ideia). Ah, claro, Schoonderwoerd toca um pianoforte vienense de Johann Fritz por volta de 1807–1810.
Interessante que na seção intitulada “Pesquisa de Prática de Performance”, muito espaço é dedicado ao fato de que o volume que as orquestras da época criavam era muito maior do que ouvimos hoje, apesar de seu tamanho consideravelmente menor — isso por causa das dimensões severamente reduzidas das salas onde as obras eram executadas. Isso, possivelmente, explicaria a proximidade da gravação exibida por este disco. Um choque e tanto no primeiro encontro, leva algum tempo para se acostumar, pois certamente há uma contradição entre as forças de câmara e a experiência sonora direta que resulta disso. Uma vez que o ouvido esteja ajustado, a performance pode ser avaliada de forma mais completa. O Quarto Concerto inicialmente tem problemas para estabelecer uma intimidade, mesmo com o ajuste de ouvido mencionado acima — mas o tutti que se segue realmente soa bem alegre e nos aquece. A presença do contínuo no teclado é talvez outra surpresa.
Bem, este disco não tem nenhuma chance de destituir qualquer versão que você prefira — há tantas para escolher, há Pollini / Bohm no Nº 4 — mas é bom conhecê-lo. Divirta-se.
Ludwig van Beethoven (1770-1827): Concertos para Piano Nº 4 e 5 (Schoonderwoerd, Cristofori)
Concerto Pour Pianoforte En Sol Majeur, Nº4 Op.58 (1806)
1 Allegro Moderato 16:18
2 Andante Con Moto 3:56
3 Rondo. Vivace 10:41
Concerto Pour Pianoforte En Mi Bémol Majeur, Nº5 Op.73, “Empereur” (1810)
4 Allegro 21:12
5 Adagio Un Poco Moto 6:42
6 Rondo. Allegro, Ma Non Troppo 10:46
Bassoon [1st] – Javier Zafra
Bassoon [2nd] – Eyal Streett
Clarinet [1st] – Eric Hoeprich
Clarinet [2nd] – Toni Salar Verdu*
Contrabass – David Sinclair (9)
Ensemble, Orchestra – Cristofori*
Flute [Traverso Flute] [1st] – Wilbert Hazelzet
Flute [Traverso Flute] [2nd] – Marion Moonen
Fortepiano [Johann Fritz] – Arthur Schoonderwoerd
Horn [1st] – Erwin Wieringa
Horn [2nd] – Karen Libischewski
Oboe [1st] – Peter Frankenberg
Oboe [2nd] – Anna Starr
Timbales – Maarten Van Der Valk
Trumpet [1st] – Will Wroth
Trumpet [2nd] – Geerten Rooze
Viola [1st] – Anfisa Kalininia*
Viola [2nd] – Martin Boeken*
Violin [1st] – Corrado Bolsi
Violin [2nd] – Atilio Motzo*
Violoncello [1st] – Clare Tunney
Violoncello [2nd] – Thomas Luks
Nosso século registra o aparecimento de quartetos de cordas verdadeiramente fantásticos. Creio que os melhores sejam o francês Ébène, o multinacional Belcea e israelense Jerusalem, que protagoniza este CD. Todos tem mais pouco mais de 20 anos e discografias do melhor nível. O Jerusalem parece ter a característica da delicadeza e da transparência, o Ébène é tecnicamente arrebatador e o Belcea pode tornar-se feroz. A primeira violinista é romena e gosto muito deles tocando Bartók. O ciclo deles aparecerá quando da postagem do Quarteto Nº 5.
O Quarteto Nº 3 de Béla Bartók foi escrito em 1927, em Budapeste. Ele não tem interrupções, mas o compositor divide a partitura dividida em quatro partes. Neste ponto de sua vida, Bartók já era reconhecido internacionalmente, tanto por sua música como por seu trabalho como etnomusicólogo. O terceiro é seu Quarteto mais curto, o que não significa que seja o mais simples, de modo nenhum. O clima da primeira parte é bastante sombrio, contrastando com a segunda parte, que é mais viva, com melodias dançantes. O primeiro movimento parece ser o de um compositor que observa o que juntou, tentando dar alguma organização e ritmo ao que tem disponível. Bartók parece voltar ao Beethoven dos quartetos tardios, escrevendo música que parece nos convidar para a oficina com o compositor. Claro que, no início, tudo parece fragmentário e desorientador, mas logo Bartók expressa uma gama deslumbrante de texturas, cores e intensidades em que tudo acaba totalmente transformado. Ainda na primeira parte há uma canção sustentada pelo segundo violino e viola, com acompanhamento suave e monótono das vozes externas — uma primeira tentativa de sair das sombras e fragmentos. Então somos catapultados para a segunda parte, que é rápida em vez de contida, contínua em vez de fragmentada. Esta segunda parte também soa, pelo menos superficialmente, mais próxima das raízes folclóricas, principalmente em seu ritmo e na evocação de uma dança. Começando com acordes dedilhados no violoncelo e viola, a música aos poucos vai ganhando força, passando para uma melodia concisa, passada entre os instrumentos, e que depois é repetida com mais força, finalmente explodindo numa melodia fortemente rítmica. Depois há um retorno à Primeira Parte. Nesta “Recapitulação”, a lenta Primeira Parte retorna quase irreconhecível. O material é o mesmo, mas a energia e o ritmo são bem diferentes. No início, a música era contemplativa, e agora volta desolada, cansada. A música realmente parece olhar para trás, mas exausta. Quando estamos num ponto de absoluta quietude, somos levados pela energia da música fantasmagórica da coda. Esta seção final e breve é um retorno à vitalidade da segunda parte, uma nova e ainda mais violenta recapitulação, pontuada por temas ásperos, que finaliza num uníssono brusco, como se afirmasse peremptoriamente algo. O trabalho é ainda mais harmonicamente aventureiro e complexo em contraponto do que os dois quartetos de cordas anteriores de Bartók e explora uma série de técnicas instrumentais, incluindo sul ponticello (tocar o arco o mais próximo possível do cavalete), col legno (tocar com a madeira, não com a crina do arco) e glissandi (deslizar de uma nota para outra). A peça costuma ser considerada a mais rigorosa e radical dentre os seis quartetos de cordas de Bartók. São poucos temas, mas são muito bem tratados e variados.
Béla Bartók (1881-1945): Quartetos de Cordas Nos. 1, 3 & 5
String Quartet No. 1, Op. 7, Sz. 40, BB 52
1. I. Lento
2. II. Allegretto
3. III. Allegro vivace
String Quartet No. 3, Sz. 85, BB 93
4. I. Prima parte. Moderato
5. II. Seconda parte. Allegro
6. III. Ricapitulazione della prima parte. Moderato
7. IV. Coda. Allegro molto
String Quartet No. 5, Sz. 102, BB 110
8. I. Allegro
9. II. Adagio molto
10. III. Scherzo. Alla bulgarese
11. IV. Andante
12. V. Finale. Allegro vivace – Presto
Béla Bartók (1881-1945): Quartetos de Cordas Nos. 2, 4 & 6
String Quartet no. 2 op. 17 Sz.67 in A minor
1 Moderato 10:04
2 Allegro molto capriccioso 8:01
3 Lento 8:22
String Quartet no. 4 Sz. 91 in C major
4 Allegro 6:06
5 Prestissimo, con sordino 3:10
6 Non troppo lento 5:58
7 Allegretto pizzicato 2:48
8 Allegro molto 5:51
String Quartet no. 6 Sz. 114 in D major
9 Mesto – Più mosso, pesente – Vivace 7:29
10 Mesto – Marcia 7:38
11 Mesto – Burletta. Moderato 7:08
12 Mesto 6:09
Não sou um grande especialista, mas tenho a impressão de que a cena do jazz europeu é hoje mais interessante do que norte-americana. Estes finlandeses são bons demais e formam uma extraordinária orquestra com os pés firmados no campo do jazz. Confira a faixa de abertura enganosamente chamada, Frozen Petals com seus saxofonistas tenor ao estilo Brecker com uma verdadeira “tempestade perfeita” acontecendo atrás dele. Os caras amam muitas vozes, contrapontos, etc.
Financiado pela cidade de Helsinque, pela Finnish Broadcasting Company e pelo Ministério da Educação, a UMO é algo como a orquestra nacional de jazz da Finlândia. A big band foi fundada por músicos que tocavam na Radio Dance Orchestra do país, que existe desde 1957. A UMO fez turnês por todo o mundo e se apresentou com músicos de jazz como Thad Jones, Dizzy Gillespie, Larry Coryell, Joe Williams, McCoy Tyner e Muhal Richard Abrams, entre outros.
Umo Jazz Orchestra (1997)
1 Frozen Petals
Composed By – Kari Heinilä
Soloist [Tenor Saxophone] – Manuel Dunkel
5:47
2 All Blues
Arranged By – Eero Koivistoinen
Composed By – Miles Davis
Soloist [Flugelhorn] – Anders Bergcrantz
Vocals – Bina Nkwazi
5:01
3 Aldebaran
Composed By – Kari Komppa
Soloist [Tenor Saxophone] – Manuel Dunkel
9:32
4 What Is This?
Composed By – Eero Koivistoinen
Soloist [Drums] – Markus Ketola
Soloist [Piano] – Seppo Kantonen
Soloist [Trumpet] – Anders Bergcrantz
7:48
5 Bermuda
Composed By – Jukka Linkola
Soloist [Tenor Saxophone] – Manuel Dunkel
5:29
6 Blue In Distance
Composed By – Kari Heinilä
Soloist [Trombone] – Markku Veijonsuo
4:49
7 Cuckoo’s Nest
Composed By – Eero Koivistoinen
Soloist [Drums] – Markus Ketola
Soloist [Piano] – Seppo Kantonen
Soloist [Trumpet] – Anders Bergcrantz
7:28
8 Equinox
Arranged By – Eero Koivistoinen
Composed By – John Coltrane
Soloist [Baritone Saxophone] – Pertti Päivinen*
Soloist [Tenor Saxophone] – Eero Koivistoinen
6:28
9 Life Is A Cobra
Composed By – Jarmo Savolainen
Soloist [Soprano Saxophone] – Jouni Järvelä
7:08
10 Tarkovski
Composed By – Kirmo Lintinen
Soloist [Guitar] – Jarmo Saari
8:43
Umo Jazz Orchestra:
Alto Saxophone, Soprano Saxophone, Clarinet – Jouni Järvelä
Alto Saxophone, Soprano Saxophone, Flute – Pentti Lahti
Baritone Saxophone, Bass Clarinet, Flute – Pertti Päivinen*
Bass Trombone – Mikael Långbacka
Conductor – Kari Heinilä (tracks: 1, 2, 4, 6 to 8), Kirmo Lintinen (tracks: 3, 5, 9, 10)
Double Bass – Pekka Sarmanto
Drums – Markus Ketola
Electric Bass – Hannu Rantanen (tracks: 2, 5, 9)
Guitar – Jarmo Saari (tracks: 2, 4, 9, 10), Markku Kanerva (tracks: 5)
Percussion – Mongo Aaltonen
Piano – Seppo Kantonen
Synthesizer – Kirmo Lintinen (tracks: 5)
Tenor Saxophone, Bass Clarinet, Clarinet, Flute – Teemu Salminen
Tenor Saxophone, Flute – Manuel Dunkel
Trombone – Markku Veijonsuo
Trombone, Euphonium – Mikko Mustonen
Trombone, Tuba – Pekka Laukkanen
Trumpet, Flugelhorn – Esko Heikkinen, Mikko Pettinen, Teemu Mattsson, Timo Paasonen
Vocals [Additional Vocals] – Jarmo Saari (tracks: 9)
Um bonito disco de gatinhos. Ou seja, são peças juntadas de vários compositores segundo critérios que um ateu não entende bem, mas que deve ser a tal Trindade, — Pai, Filho e Espírito Santo –, sem mulheres envolvidas. Mas são elas, sopranos e contraltos, as estrelas de um disco que inclui algumas joias extraordinárias como a faixa 6 de Duruflé, a 11 e a 22 de Fauré e a 18 de Brahms. As duas últimas quase me levaram às lágrimas e isto é raro neste coração seco de tanta irreligião. (Brincadeira, é um alívio ser assim em nosso país fundamentalista). O disco me deu enorme saudade da música praticada nas igrejas da Inglaterra e da Alemanha, que tanto ouvi em meus turismos-sinfônicos por aqueles países. É o esplendor, mas agora não dá pra viajar.
O Coral do Trinity College de Cambridge é misto e sua função principal é a de cantar serviços corais na capela Tudor do Trinity College, Cambridge. Em janeiro de 2011, a revista Gramophone nomeou-o como o quinto melhor coro do mundo.
2 Never Weather-Beaten Sail
Composed By – Parry*
3:22
Psalms Of David
Composed By – Schütz*
3 Der Herr Sprach Zu Meinem, Herren 3:21
4 I Was Glad
Composed By – Purcell*
4:08
5 Ubi Caritas
Composed By – Duruflé*
2:30
6 Tota Pulchra Es
Composed By – Duruflé*
2:24
Lobet Den Herrn
Composed By – Bach*
7 I Lobet Den Herrn BWV.320 4:56
8 II Hallelujah! 1:18
9 Seigneur, Je Vous En Prie
Composed By – Poulenc*
1:23
10 Exultate Deo
Composed By – Poulenc*
2:47
11 Requiem – In Paradisum
Composed By – Fauré*
3:37
Der Geist Hilft Unsrer Schwachheit Auf, BWV.226
Composed By – J.S. Bach*
12.1 I Der Geist Hilft Unsrer Schwachheit Auf 3:25
12.2 II Der Aber Die Herzen 2:12
12.3 III Du Heilige Brunst 1:45
13 Hear My Prayer
Composed By – Purcell*
2:57
14 Judas Mercator
Composed By – Victoria*
2:12
15 Unus Ex Discipulis
Composed By – Victoria*
2:31
16 O Sacrum Convivium!
Composed By – Messiaen*
4:34
17 Eternal Father
Composed By – Stanford*
6:28
18 Geistliches Lied
Composed By – Brahms*
4:50
19 There Is No Rose
Composed By – Anon*
2:18
20 Of The Father’s Heart
Composed By – Anon*
2:29
21 Sweet Was The Song
Composed By – Anon*
2:19
22 Requiem – Sanctus
Composed By – Fauré*
3:26
The Choir Of Trinity College Of Cambridge
Richard Marlow
O mestre Leonardo não deixou de notar os muitos apetrechos de falcoaria jogados próximos da grande cadeira onde se assentava o ainda jovem imperador, cercado pelos sábios que o acompanhavam e faziam parte de seu entourage. A diferença de idade entre eles, de quase 24 anos, não atrapalhou a conversa que tiveram sobre as suas próprias formações – o quanto aprenderam com os sábios tanto do oriente quanto do ocidente.
Fibonacci, aos 55 anos, era o mais importante matemático daquela época e o livro que escrevera em 1202, Liber abaci, havia sido dedicado a Michael Scotus, o astrólogo do Imperador do Sacro Império Romano, Frederico II. Além de Michael, estavam por lá Theodorus Physicus, um filósofo, e Domenicus Hispanus, que havia sugerido o encontro ao imperador, naquela estada da corte em Pisa, em 1225. Alguns problemas foram propostos ao grande matemático por Johannes Palermo, outro sábio presente. Três destes problemas foram posteriormente incluídos com suas cuidadosas resoluções no livro Flos (Flores), escrito por Fibonacci e enviado ao imperador. Os problemas foram cuidadosamente escolhidos da literatura árabe. Um deles consistia em resolver a equação
que fora tirada de um livro de Omar Khayyam. Note que não se usava coeficientes negativos. E a equação fora proposta literalmente, uma vez que a simbologia que usamos hoje seria desenvolvida bem depois dos dias de Fibonacci. A resposta para este problema foi encontrada por aproximação e Fibonacci usou a representação sexagesimal para escrevê-la. Sua resposta foi 1.22.7.42.33.4.40 (elegante, não?) que significa
1.3688081075 em decimais, correta a resposta até a nona casa decimal. As soluções por radicais das equações de terceiro grau só seriam descobertas posteriormente por Tartaglia e Cardano, mas isto é outra história!
Em qual língua eles falaram e sobre o que realmente falaram só podemos conjecturar. Frederico falava nove línguas, latim, árabe e grego entre elas. Era versado em poesia e deixou um tratado sobre falcoaria. Se você se dispor a descobrir um pouco de seus feitos, ficará surpreso. Certamente eles tinham muitos temas para conversar.
Decidi terminar esta série de postagens sobre Fibonacci mencionando seu encontro com Frederico II para chamar um pouco a atenção para este interessantíssimo personagem e lembrar a importância do papel das figuras que conseguiram aproximar culturas diferentes.
Frederico II trocando umas ideias com al-Kamil
Frederico II enrolou o que pode, mas finalmente embarcou com seus exércitos rumo a Jerusalém, para cumprir sua promessa de realizar alguma Cruzada. No lugar de grandes batalhas, Frederico estabeleceu conversas diplomáticas com al Kamil, o Sultão do Egito, e conseguiu a retomada de Jerusalém, sem derramamento de sangue. Durante estes movimentos pela Terra Santa, houve intensa troca de desafios matemáticos entre os sábios do imperador e os sábios locais…
Quanto a Fibonacci, a última notícia que temos é de um decreto editado pela República de Pisa no ano de 1240, no qual um salário foi estabelecido ao
… sério e sábio Mestre Leonardo Bigollo
como reconhecimento de suas contribuições para o desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos e de matemática financeira.
Assim nos despedimos também do grande Leonardo de Pisa ou Leonardo Bigollo, vulgo Fibonacci, cuja sequência 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, … inspirou este grupo de artistas ingleses que na busca das harmonias musicais tem nos oferecido alguns discos muito interessantes.
Este é o último disco da série de postagens, mas certamente não o último do conjunto, traz uma única peça musical que também tem uma grande história. O Quatuor pour la fin du temps (Quarteto para o Fim dos Tempos) foi escrito por Messiaen em 1940-41 quando ele era prisioneiro de guerra dos alemães em um campo na Silésia. A obra foi inspirada por uma passagem do Livro das Revelações, que fala de um anjo anunciando o fim dos tempos. Entre os prisioneiros havia um clarinetista, Henri Akoka, para o qual Messiaen iniciou a obra escrevendo um solo, chamado Abîme des oiseaux. Posteriormente um violinista, Jean Le Boulerie e um violoncelista, Étienne Pasquier, se uniram a eles e o projeto cresceu. A obra foi composta num período em que eles enfrentavam condições dificílimas e Messiaen recebeu alguma ajuda de um guarda do campo, chamado Karl Albert Brull. A estreia da peça se deu frente aos prisioneiros do campo, em 15 de janeiro de 1941 (80 anos daqui a três dias). Alguns meses depois Messiaen foi libertado devido a intervenção de Marcel Dupré. A combinação de instrumentos não era original, mas não é muito comum. Certamente não é Vivaldi nem Tchaikovsky, mas espero que esta obra composta em um momento de turbulência, de alguma forma, sirva de exemplo para nós, lembrando que mesmo os mais difíceis tempos passam, mesmo deixando suas marcas e cicatrizes.
Olivier Messiaen (1908 – 1992)
Quatuor pour la fin du temps
Liturgie de cristal
Vocalise, pour l’Ange qui annonce la fin du Temps
Abîme des oiseaux
Intermède
Louange à l’Éternité de Jésus
Danse de la fureur, pour les sept trompettes
Fouillis d’arcs-en-ciel, pour l’Ange qui annonce la fin du Temps
Em 1940, por sugestão de seu editor e agente, Bartók orquestrou a Sonata para Dois Pianos e Percussão como um Concerto para Dois Pianos, Percussão e Orquestra. As partes para os quatro solistas permaneceram praticamente inalteradas. A estreia mundial foi dada no Royal Albert Hall, em Londres, em um concerto da Royal Philharmonic Society no dia 14 de novembro de 1942, com os percussionistas Ernest Gillegin e Frederick Bradshaw, os pianistas Louis Kentner e Ilona Kabos e a Orquestra Filarmônica de Londres, dirigida por Sir Adrian Boult. O compositor e sua esposa Ditta Pásztory-Bartók foram solistas ao piano em uma apresentação em Nova York em janeiro de 1943, com a Filarmônica de Nova York sob Fritz Reiner. Esta foi a última aparição pública de Bartók como artista. Ele morreu de leucemia em 1945.
Bem, eu acho a Sonata melhor. E ela certamente será postada nesta série.
Os outros dois concertos são opus póstumos. O Concerto Nº 1 para Violino e Orquestra foi escrito entre 1907-08. Ou seja, foi abandonado por Bartók. Tudo isso ocorreu após ele ter uma desilusão amorosa com a violinista para a qual o Concerto seria dedicado…
Já o Concerto para Viola foi uma das últimas peças escritas por ele. Ele começou a compor o concerto enquanto vivia em Saranac Lake, Nova York, em julho de 1945. A peça foi encomendada por William Primrose, respeitado violista que sabia que Bartók poderia fornecer uma peça desafiadora para ele executar. Disse que Bartók não deveria “se sentir de forma alguma amarrado pelas aparentes limitações técnicas do instrumento…”. Bartók, porém, estava sofrendo os estágios terminais da leucemia que o matou. A peça foi concluída por seu amigo Tibor Serly em 1949, a partir de esboços deixados por Bartók.
É muito complicado falar em “obras menores” de Bartók. Ele acertava sempre! Mas digamos que neste disco Boulez tentou.
Béla Bartók (1881-1945): Concerto for 2 Pianos, Percussion, and Orchestra, Violin Concerto No.1, Concerto for Viola and Orchestra (Boulez) #BRTK140
1. Concerto for 2 Pianos, Percussion, and Orchestra, Sz.115 – Assai lento – Allegro molto 12:49
2. Concerto for 2 Pianos, Percussion, and Orchestra, Sz.115 – Lento ma non troppo 6:29
3. Concerto for 2 Pianos, Percussion, and Orchestra, Sz.115 – Allegro ma non troppo 6:17
Tamara Stefanovich, piano I
Pierre-Laurent Aimard, piano II
Nigel Thomas, percussion
Neil Percy, percussion II
London Symphony Orchestra
Um abismo, bem maior que a meia dúzia de anos no calendário, separa o segundo quarteto de seu predecessor. Bartók era agora veterano de muitas expedições etnomusicológicas que o levaram tão longe quanto a Argélia e, ainda mais fundamental para ele, pelas veredas e grotas de sua Hungria, que era então muito maior que a de hoje, e que abrangia áreas hoje sérvias, ucranianas, romenas e eslovacas. Suas descobertas, meticulosamente anotadas e muitas vezes gravadas em cilindros de cera, foram decisivas para que seus pendores nacionalistas encontrassem voz em sua linguagem musical. Elas, também, fizeram-no ouvir o que de magiar enfim havia na música tão transfigurada e celebrizada como “húngara”, no mundo todo, pelos ciganos da Panônia. E houve, por fim, a Grande Guerra, que fechou as fronteiras para suas expedições etnomusicológicas, implodiu o universo austro-húngaro em que ele nascera e crescera, e lhe trouxe, além de muita angústia, o primeiro dos tantos encontros duros com a penúria.
O primeiro movimento, com a indicação Moderato, muda frequentemente de andamento, como sói aliás acontecer na música de Bartók. Se relativamente convencional em forma, acenando para o seu primeiro estilo e para alguns gestos do primeiro quarteto, ele não soa da mesma maneira. Embora insinue mesmo uma sonata-forma, com o embate de temas contrastantes e um arremedo de desenvolvimento, seu caráter geral é rapsódico. O Moderato – ma non tanto – também mostra-se distintamente bartokiano em sua complexidade rítmica e caráter improvisatório, inda que preparado com muita meticulosidade. Os temas são apresentados quase que imediatamente, e todo movimento baseia-se na construção hesitante, quase que ensaio-e-erro, de seu clímax. O segundo movimento, à guisa de um rondó, é marcado Allegro molto capriccioso e propõe, com sua rapidez lúbrica e ritmos selvagens, uma tarefa nada caprichosa para os intérpretes: uma das partes mais cabeludas dentro desses já tão desafiadores quartetos de cordas. Aqui, o etnomusicologista parece fazer-nos ouvir o que ele escutou na Argélia, nas melodias de caráter árabe e nos insistentes bordões afins aos dos berberes. A fúria vertiginosa do movimento arrefece em muito poucos momentos, só para concluir num Prestissimo com surdinas e numa velocidade tão insana que quase nunca o ouvimos no andamento prescrito. O finale, marcado simplesmente Lento, desafia tentativas de classificação. Se o primeiro movimento era rapsódico, este aqui é decididamente fragmentário, com seus episódios impregnados de consternação e melancolia – e, se o próprio compositor o definiu como, bem, “difícil de definir”, é claro que eu não me atreverei a tanto.
ooOoo
Quando eu, ainda ardido do esforço considerável que me foi o #BTHVN250, resolvi propor ao patrão PQP uma série com a obra completa de Bártok, eu tanto já sabia que ele toparia na hora, quanto que começaríamos pelos quartetos que amamos. Essas obras fundamentais, talvez as maiores de seu século, foram recebidas com tanto pasmo quanto estranheza, e seus intérpretes, muitos dos quais lealmente dedicados ao compositor e à divulgação desses quartetos, nunca deixaram de ser desafiados por suas imensas dificuldades técnicas e artísticas. Uma interpretação satisfatória dessas seis criaturas extraordinárias parece depender, mais do que quaisquer outras obras do gênero, duma familiaridade não só com a linguagem do compositor, mas com o peculiar contexto em que ele se fez ouvir. E, por aqui tratarmos de um húngaro, esse contexto torna-se ainda mais peculiar por sua cultura sui generis, da qual o mais notável emblema é o magiar – língua tão fascinante quanto impenetrável, e principal responsável por que a Hungria, que hoje não tem litoral além de seu querido lago Balaton, seja uma ilha cultural e fortemente murada na Planície Panônica.
Por isso, achei indispensável ilustrar minhas postagens sobre os quartetos com gravações feitas por compatriotas de Bartók. Começo com o conjunto talvez melhor denominado para a empreitada: o Quarteto Húngaro, formado em 1935 e que, apesar de estabelecido nos Estados Unidos desde os anos 50, sempre manteve (com a notável exceção do violinista russo Aleksandr Moszkowsky) húngaros em sua formação. Essa clássica gravação dos seis quartetos de Bartók foi feita pela última formação do Húngaro, com Zoltán Székely na posição de primeiro violino (herdada do fundador Sandor Végh), e o violista Dénes Koromzay, seu outro fundador, que permaneceu no conjunto até a dissolução, em 1972. Se Bartók aqui não soa tão angular e incisivo quanto nas emblemáticas gravações do Végh, a proficiência técnica e a precisão asseguram a visceralidade das reações ao ouvi-los.
ooOoo
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Quarteto de cordas no. 1, Op. 7, Sz 40 (1908-1909)
1 – Lento – Attacca:
2 – Poco a poco accelerando al’allegretto – Introduzione. Allegro – Attacca:
3 – Allegro vivace
Quarteto de cordas no. 3, Sz 85 (1927)
4 – Prima Parte. Moderato – Attacca:
5 – Seconda Parte. Allegro – Attacca:
6 – Ricapitulazione della Prima Parte. Moderato
7 – Coda. Allegro molto
Quarteto de cordas no. 5, Sz 102 (1934)
8 – Allegro
9 – Adagio molto
10 – Scherzo: Alla bulgarese
11 – Andante
12 – Finale: Allegro vivace
Magyar Vonósnégyes Zoltán Székely e Mihály Kuttner, violinos Dénes Koromzay, viola Gábor Magyar, violoncelo
Gravado em 1962
Quem gosta de gravações históricas, e principalmente quem lhes sabe dar os descontos pelas limitações das técnicas fonográficas então disponíveis, gostará desse registro do quarteto Amar-Hindemith, feito em 1926. Trata-se não só da primeira gravação do quarteto no. 2 de Bartók, como também da primeira gravação comercial de qualquer obra do compositor – e, sim, um dos “Hindemith” do quarteto é o próprio, a tocar viola; o outro é seu irmão, o violoncelista Rudolf. Só não me perguntem por que raios a Polydor trocou esse logotipo maneiro pelo seu atual: jamais saberia lhes responder.
Eu não conhecia o CD Alchemist e nem Philip Pickett. Pela capa achei que se tratasse de um CD de jazz ou crossover. OK, há instrumentos antigos voando ali, mas sei lá. Jamais esperei um álbum de música medieval, renascentista e barroca. O disco é médio. Aí fui guglar por Pickett e bem… Philip Pickett (1950) é um músico inglês que foi diretor de conjuntos musicais antigos, incluindo o New London Consort, lecionou na Guildhall School of Music and Drama e, em fevereiro de 2015, foi condenado a 11 anos de prisão por dois estupros e agressão sexual a alunos da escola. As agressões foram cometidas em salas à prova de som na Guildhall School. Pickett tocou na Academy of St. Martin-in-the-Fields, no The English Concert, na English Chamber Orchestra e nos London Mozart Players. Tocava trompete e flauta, mas teve que abandonar o primeiro depois de levar um chute na boca em uma briga no metrô de Londres.
Sentenciando Pickett, o juiz Charles Wide disse que suas vítimas o admiravam como professor, e que ele tinha como alvo especificamente aqueles que “seriam relutantes em reclamar ou muito improváveis de reclamar”.
“Este é o local da ofensa nas salas de prática da escola de música Guildhall — à prova de som, escuro, você apagava as luzes”, disse ele mostrando uma foto da sala.
“Mesmo que gritassem, as vítimas não podiam ser ouvidas, como você bem sabe, tendo-os pegado sozinhos e fechado a porta. O impacto dessas ofensas sexuais muito graves deve ter sido muito grande”.
Monteverdi / Du Prez / Ortiz / Mainerio / Le Jeune: Alchemist (Philip Pickett)
Como era o mundo no qual viveu Fibonacci? O que sabemos sobre ele? Temos algumas informações deixadas nos seus próprios escritos e sendo assim, precisamos fazer um certo exercício para preencher as lacunas, chegando a algumas plausíveis possibilidades.
Na resenha de um livro sobre as Cruzadas, de Christopher Tyerman, lemos que ‘os tempos de Fibonacci eram os tempos das Cruzadas, do estabelecimento e rápido crescimento das universidades na Europa e tempos de fortes conflitos entre o Imperador do Sacro Império Romano, Frederico II (1194 – 1250), e o papado. As repúblicas de Pisa, Veneza, Gênova e Amalfi (cujas bandeiras hoje reunidas formam a bandeira da Marinha Italiana) viviam uma intensa rivalidade por todo o redor do Mediterrâneo, incluindo o Bizâncio e os países mulçumanos’.
O noroeste da África, o Magreb (poente, em árabe), onde fica o porto de Bugia, e grande parte da Península Ibérica, estava sob o domínio do Califado Almôada, que estabelecera um Império Berbere Muçulmano. O fim da vida de Fibonacci quase coincide com a retomada da Península Ibérica dos Muçulmanos, mas uma cultura tão rica que ali se estabelecera por tanto tempo não se extingue, mas perdura. Muitas e positivas foram suas influências.
Fibonacci não ficou apenas em Bugia, mas viajou por muitos centros culturais, sempre aprendendo e aprofundando seus conhecimentos de Matemática. Em Constantinopla estudou nos livros de um dos grandes matemáticos árabes, chamado Muhammad ibn Musa as-Khwarizmi. Um deles era chamado Kitab al-Mukhtasar fi Hissab al Jabr wa-I-Mugabala. Adivinhem de onde veem as palavras algoritmo e Álgebra! E olhe que nem vou falar de medicina, isso deixo para o Avicenna! Neste site aqui você poderá encontrar um resumo dos principais matemáticos árabes daqueles tempos passados.
Algumas perguntas que me propus no início destas postagens continuam abertas e algumas acabei respondendo por aproximação. Aliá, isto foi uma boa prática do Leonardo. Por exemplo, sabia Fibonacci falar árabe? Acredito que ele entendia e certamente deveria ser capaz de ler textos de Matemática. Seus escritos, como os textos científicos daqueles dias, foram escritos em latim (Liber abaci, Practica Geometriae, Liber Quadratorum), que fazia assim o papel do inglês hoje na comunidade científica.
Quais rotas e caminhos usou Fibonacci? Essa é difícil e não achei, pelo menos nos sites, muita informação. No entanto, encontrei um interessante site com informações sobre as diferentes rotas usadas pelos mercadores em torno do Mediterrâneo naqueles dias e foi assim que conjecturei a viagem de Leonardo de Pisa até Bugia.
Outra dúvida é: qual foi o papel de Guglielmo Bonacci naquela comunidade de mercadores de Pisa? Como disse, grande parte do entorno do Mediterrâneo estava sob o domínio do Califado Almôada. Em 1133 uma delegação de dignitários almôadas visitou Pisa e foi estabelecido um acordo mercantil. Pisa tinha representações comerciais tanto em Bugia quanto em Túnis. O pai de Fibonacci atuava em Bugia como publicus scriba, como ele próprio mencionou em seus escritos. Assim, teria toda a família se mudado para Bugia ou para lá foram apenas os dois? Os mercadores possuíam seus próprios funduqs (hotéis ou hospedarias). Como teria vivido lá o nosso herói? E mais uma: quais eram as mercadorias exportadas para a Europa. Um mapa que encontrei e agora não sei mais onde, fala em mel, cereais, frutas. Assim, podemos usar a imaginação e tentar preencher com mais detalhes esse rico período da vida de Leonardo de Pisa, o Fibonacci, em que ele viveu na África e de lá levou grandes e importantes conhecimentos que influenciaram enormemente o desenvolvimento tecnológico e científico que se deu a seguir.
E para acompanhar toda esta lenga-lenga, ótima música de Schubert, um dos meus compositores preferidos.
O Octeto é uma linda peça de Música de Câmara, que foi encomendada a Schubert pelo clarinetista Ferdinand Troyer. Ele era empregado do Arquiduque Rodolpho, amigo de Beethoven, compositor do Septeto Op. 20, que serviu de modelo para a peça de Schubert. A primeira audição foi na casa do Arquiduque, onde certamente a maioria das pessoas conhecia o Septeto. Tenho certeza que adoraram a peça de Schubert que consegue profundidade e maestria sem deixar de ser leve e graciosa. Tanto é que continua a ser largamente apreciada.
Franz Schubert (1797 – 1828)
Octeto em fá maior para clarinete, fagote, trompa, dois violinos, viola, violoncelo e contrabaixo, D. 803
As excelentes postagens do Pleyel com a obra de Mignone para flauta e piano – que vocês encontram aqui, ali e acolá – inspiraram-me a trazer-lhes um pingo a mais que fosse da pantagruélica e infelizmente ainda pouco gravada obra desse mestre brasileiro. E o pingo que lhes alcanço é essa gravação clássica das valsas para fagote solo, na interpretação de seu dedicatário, Noel Devos.
Devos foi um dos distintos músicos europeus atraídos para Pindorama no pós-guerra pelo persuasivo (para dizer o mínimo) maestro Eleazar de Carvalho. Tornou-se brasileiro e carioca e, além de distinguir-se por décadas como o primeiro fagotista da Orquestra Sinfônica Brasileira, foi um importante pedagogo, pedra fundamental da escola brasileira de seu instrumento. Muito próximo a Mignone, convenceu o octogenário compositor a aumentar seu portfólio de dúzias de valsas – entre as quais aquelas “de Esquina”, para piano solo – e dedicar-lhe umas quantas para o fagote.
Imagino que seja difícil escrever para uma criatura tão sui generis quanto o bicharoco de madeira, mas a capacidade de compor mui idiomaticamente era um dos pontos fortes de Mignone, e a colaboração estreita com o amigo virtuoso com certeza o ajudou a sair-se ainda melhor. O resultado foi uma preciosa série de peças que, embora quase sempre tocadas juntas, não foram concebidas como um ciclo e não precisam ser executadas em ordem específica. Sua estreia, bem como esta primeira e emblemática gravação, foi feita pelo próprio Devos, e as dezesseis valsas entraram imediatamente para o repertório internacional para fagote solo.
O espírito seresteiro do paulistano Chico Bororó – nom de plume com que o jovem Mignone publicava música popular – é congenialmente evocado pelas palhetas do carioca adotivo, numa engenhosa exploração das capacidades do instrumento e de sua riqueza tímbrica, que certamente surpreenderá aqueles tantos que o consideram tão só o “palhaço da orquestra”. Estes, no entanto, não ficarão desapontados, pois muito há de burlesco nessas miniaturas. E, embora compreenda quem olhe de soslaio para a ideia de ouvir um fagote sozinho por três quartos de hora, eu lhes asseguro que a experiência é encantadora, e que por vezes mesmo – e em especial na Valsa em Si bemol menor – belisca o sublime.
Francisco MIGNONE (1897-1986)
Dezesseis valsas para fagote solo
1 – Sexta Valsa Brasileira
2 – Mistério… (Quanto amei-a!) (Valsa doentia) Tempo de valsa sentimental
3 – Valsa Da Outra Esquina (Valsa viva)
4 – Valsa-Choro
5 – Valsa Improvisada (Moderadamente)
6 – Apanhei-te meu Fagotinho
7 – +1 3/4 (com alegria interior)
8 – Valsa Declamada (O Viúvo)
9 – Pattapiada (Molto vivo – Le plus vite possible)
10 – Valsa em Si bemol menor (Dolorosa)
11 – A Boa Páscoa para Você, Devos!
12 – Valsa quase Modinheira (A Implorante)
13 – Valsa Ingênua (Allegretto con grazia)
14 – A Escrava que não era Isaura (Valsa com quadratura) (Valsa lenta) (À Memória de Mario de Andrade)
15 – Macunaíma (A Valsa sem Caráter)
16 – Aquela Modinha que o Villa não escreveu (dolorante, saudoso e triste)
Quem gostou da gravação de Devos apreciará bastante, creio eu, essa espirituosa
leitura do mesmo repertório feita pelo ótimo Fábio Cury, disponível pelo selo SESC.
Pegue sua carteira e tome seu cartão de crédito. Calma, não pediremos qualquer número, não se preocupe, isto será apenas uma pequena experiência matemática. Usando uma régua, meça em milímetros as dimensões de seu cartão. Pronto? Fazendo a experiência aqui obtive 86mm de largura por 54mm de altura. A proporção 86/54 é ‘quase’ harmoniosa. O pessoal que lida com finanças sabe das coisas, mas melhor teria sido 89/55, a relação entre dois números subsequentes da Sequência de Fibonacci.
Há uma relação entre a Sequência de Fibonacci e a Razão Áurea ou o Número de Ouro, representado geralmente pela letra grega Φ (phi). Em matematiquês,
Ou seja, Φ é o limite dos quocientes dos números subsequentes da Sequência de Fibonacci.
Lembrando, F1 = 1, F2 = 1 e Fn+1 = Fn+ Fn-1. Assim, F1 = 1, F2 = 1, F3 = 2, F4 = 3, F5 = 5, F6 = 8, F7 = 13, F8 = 21, F9 = 34, e assim por diante.
Na prática, isto quer dizer que os quocientes Fn+1/Fn são mais e mais próximos de Φ. Aqui, para falar em ‘proximidade’, lembramos que a distância entre dois números é o valor absoluto da diferença entre eles. Por exemplo, usando a calculadora do celular obtemos 89/55 = 1,61818181… e 1595/987 = 1,6180344478… O valor exato de Φ é
Antes que o papo se torne ainda mais técnico, vamos dizer que esta constante aparece com frequência em fenômenos da natureza e especialmente nas artes clássicas, remontando aos gregos. As proporções do Panteão, por exemplo, seguem esses padrões. Você poderá explorar mais este tema começando por aqui.
E agora, a música da postagem. Em 1781 Mozart estava numa feliz viagem até Munique, onde estava ocupado com a composição da ópera Idomeneo e a orquestra que se preparava para apresentá-la contava com o melhor oboísta daqueles dias, um dos primeiros virtuoses do instrumento, Friedrich Romm. Mozart escreveu o Quarteto com Oboé inspirado por este artista. ‘… ninguém é capaz de produzir um som tão bonito, redondo, gentil e puro…’
Já o Adagio K. 580a foi composto em 1789, na mesma época da composição do Quinteto com Clarinete e de Cosi fan tutte. Mozart completou a parte do solo do corne inglês, mas deixou outras partes incompletas. Esta é a gravação da partitura completada por Lowicki.
O Trio com Oboé de Poulenc é figurinha carimbada em minhas postagens, adoro esta peça. Temos em seguida uma obra de Jean Françaix, que foi aluno de Nadia Boulanger e compôs muito, até os últimos dias de vida. A julgar pela belezura desta peça aqui, sua obra bem merece ser explorada.
Para completar, temos uma Suíte escrita por Alwyn para o casal de virtuoses Léon e Sidonie Goossens, ele tocava oboé e ela harpa.
O Salut d’Amour, também para oboé e harpa foi composto por Elgar como um presente para sua amada, que havia composto um poema para o agradar…
O Divertimento para Oboé é uma obra de Bernhard Crusell, que é mais conhecido por suas composições para clarinete. Ele foi o principal clarinetista da Royal Court Orchestra de Estocolmo por muitos e muitos anos. Suas obras são típicas do período de transição do clássico para o romantismo.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Quarteto para oboé, violino, viola e piano em fá maior, K370
Allegro
Adagio
Rondeau
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Trio para oboé, fagote e piano
Presto
Andante
Rondo
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Adagio para trompa inglesa, violino, viola e violoncelo, KV 580a (Arr. de Lowicky)
Adagio
Jean Françaix (1912 – 1997)
Quatuor à vents para flauta, oboé, clarinete e fagote
A melhor das colaborações entre Antonio e Wanda Wiłkomirska também é aquela em que nosso “muso” tem mais amplo destaque. As sonatas de Brahms são, enfim, estritamente obras para piano E violino, nas quais os dois instrumentistas colaboram em pé de igualdade. Para quem ouviu com alguma frustração o grandioso Barbosa servir de coadjuvante nos bombons musicais de Kreisler, ou teve raiva do engenheiro de som que o pôs um tanto na berlinda em outras gravações, é muito gratificante escutar nosso patrício brilhar na grande música de Brahms. Wiłkomirska lhe é aqui uma parceria congenial, com uma expressividade contida que me parece muito adequada a esse repertório, o calcanhar de Aquiles de muitos grandes solistas que tentam soar solares mas acabam por ser estapafúrdios, e uma prova de fogo que o duo supera magistralmente, numa das minhas gravações preferidas dessas sonatas.
Johannes BRAHMS (1833-1897)
Sonatas para violino e piano
Sonata no. 1 em Sol maior, Op. 78
1 – Vivace ma non troppo
2 – Adagio
3 – Allegro molto moderato
7 – Allegro
8 – Adagio
9 – Un poco presto e con sentimento
10 – Presto agitato
Wanda Wiłkomirska, violino
Antonio Guedes Barbosa, piano
LP da Connoisseur Society, lançado nos Estados Unidos em 1975 (sonatas nos. 1 e 2) BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
CD da Connoisseur Society, lançado nos Estados Unidos em 1986 (sonatas nos. 1, 2 & 3) BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
[quem adivinhar se eles foram ou não lançados no Brasil ganhará um tacacá virtual]
Antonio sola o Concerto no. 2 para piano e orquestra de Sergei Rachmaninoff, acompanhado por Roberto Tibiriçá e a Orquestra Nova Filarmonia, no Ibirapuera, em 25/01/1990, por ocasião do aniversário da Cidade de São Paulo. Gravação da extinta TV Manchete, cedida por Roberto Tibiriçá e disponibilizada pelo inestimável Instituto Piano Brasileiro, cujo trabalho nós estimulamos fortemente conhecer e apoiar.
Um par de coelhos foi colocado em um pátio cercado por muros. Supondo que a cada mês, a partir do segundo mês de vida, cada casal de coelhos gera um novo casal de coelhos, quantos casais de coelhos povoarão o pátio ao fim de um ano?
Este problema aparece no capítulo 12 do Liber abaci, o livro escrito por Fibonacci em Pisa, após seu retorno da Argélia, onde viveu por um período e aprendeu o sistema numérico Hindu-Arábico entre muitas outras coisas que explica no livro.
O problema certamente era conhecido antes de Fibonacci colocá-lo no livro e faz parte de uma tradição entre os matemáticos que remonta aos tempos do Egito dos antigos faraós e dos povos mesopotâmicos – assírios, babilônios, que consiste em ensinar matemática através de bons e mesmo de rotineiros problemas. E o problema dos coelhos, enunciado por Fibonacci, é ótimo.
É claro, os detratores dos matemáticos vão logo atacar com comentários do tipo – o par de coelhos era formado por dois machos e nunca se reproduziram. Poderão reclamar dizendo que as condições como ‘nasce um par a cada mês’ e tal, sempre um macho e uma fêmea são inverossímeis. E eventuais problemas genéticos? Houve até uma ameaça de formação de um comitê que clamava – liberdade para os coelhos de Fibonacci…
Ora, os matemáticos nem ouvirão tais críticas e provocações, pois sabem que a historiazinha por trás do problema é apenas para torná-lo bonitinho. Se você realmente quer resolver o problema, concentre-se em entender as condições descritas e coloque a caraminhola para funcionar. Envolver-se com um problema, embebedar-se da vontade de resolvê-lo, mesmo que disponha de poucas ferramentas e que o problema pareça, à priori, inexpugnável, é a tarefa dos matemáticos. Esse élan, essa disposição é o que motiva os matemáticos e é o que impulsiona os avanços na Matemática. A curiosidade, dizem, matou o gato, mas no caso da Matemática, é o que lhe dá a vida. Ninguém é mais feliz do que um matemático realmente engajado na busca da solução de algum problema, mesmo que ele ou ela não admita.
A passagem dos meses serve para indicar os novos passos no desenvolvimento do processo descrito. Ao fim de cada mês, cada casal de coelhos amadurecido dará à luz a um novo casal. Assim, o problema será o de contar, ao fim de cada mês, quantos casais de coelhos povoam o pátio, levando em conta as condições do mês anterior. Pode-se agir como quiser, fazendo anotações, desenhando diagramas ou criando uma fórmula que esclareça a situação, levando em conta todas as hipóteses do enunciado.
Veja que diagramas e fórmulas são típicos objetos matemáticos, mas que demoraram séculos ou mesmo milênios para serem desenvolvidos e incorporados ao uso comum das pessoas. Mesmo o uso de um sistema numérico que emprestou agilidade e precisão aos cálculos só foi introduzido na cultura ocidental no século XIII e sofreu alguma resistência. Mas, chega de delongas e vamos ao problema.
Temos então as condições estabelecidas no problema: ao fim de cada mês, cada casal amadurecido dará à luz a um novo casal, que amadurecera ao fim do seu segundo mês de vida.
Portanto, começamos com um casal que amadurece ao fim do primeiro mês e dá à luz a um novo casal ao final do segundo mês. No fim do terceiro mês, o primeiro casal dá à luz a um novo casal e o segundo casal atinge a maturidade. Temos assim 1, 1, 2 e 3. Para o próximo mês, nascerão mais dois casais, pois um mês antes tínhamos dois casais de coelhos adultos e o terceiro casal chega à idade adulta. Resulta então em 3+2 = 5 casais de coelhos, dos quais 3 na idade adulta. Já dá para perceber o que acontecerá no fim do próximo mês: 5 + 3 = 8 casais, dos quais, 5 em idade adulta.
Esta sequência de números, criada a partir das condições estabelecidas no problema é chamada de Sequência de Fibonacci.
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, …
Cada novo termo da sequência é o resultado da soma dos dois termos anteriores. Em matematiquês:
F(n+1) = F(n)+F(n-1) e F(1) = 1, F(2) = 1.
Há uma verdadeira enxurrada de informações sobre a Sequência de Fibonacci e suas manifestações na natureza. Assim, não vamos entrar nesta parte, mas se você teve sua curiosidade despertada, basta deixar o seu lado matemático revelar-se mais um pouco. E aí, quantos pares de coelhos no fim do ano?
Ah, a música! Algumas palavras sobre o programa do disco que tem um clarinete como destaque. Funcionando um pouco como âncora neste programa, temos o Trio com Clarinete de Brahms, que abre os trabalhos de maneira ótima. Em seguida uma peça de Mendelssohn, Konzertstück, uma peça de concerto. Esta composição é fruto da amizade entre o jovem Mendelssohn, Heinrich Baermann, o melhor clarinetista daquela época, e seu filho Carl. Eles se conheceram em Berlim em 1832 e as habilidades do instrumentista inspiraram o compositor, a maneira que ocorrera antes com Mozart e Stadler, assim como Brahms e Mühfeld. Após a peça de Mendelssohn, vem um adagio para clarinete e quinteto de cordas escrito pelo próprio Heinrich Baermann, que também tinha alguma habilidade como compositor.
Prosseguindo, no programa, temos um Trio com Clarinete escrito por Mikhail Glinka, que era russo e compositor nacionalista. Ficou famoso por suas óperas ‘A Vida pelo Czar’ e ‘Russlan e Ludmila’. Esta peça foi escrita quando Glinka estava na Itália, morrendo de saudades de casa e pela inscrição deixada na peça: ‘Eu só tenho conhecido o amor pelas misérias que ele causa’, curtindo uma decepção amorosa.
Completando o disco, à francesa, uma suíte de Milhaud, escrita sob inspiração da música de Michel Corrette. A música foi escrita inicialmente para uma produção em francês de Romeu e Julieta, de Shakespeare.
Johannes Brahms (1833 – 1897)
Trio para clarinete, violoncelo e piano em lá menor, Op. 114
Allegro
Adagio
Andante grazioso
Allegro (ii)
Felix Mendelssohn (1809 – 1847)
Peça de Concerto No. 2 em ré menor, para clarinete, corno de basseto e piano, Op. 114
Presto
Andante
Allegro grazioso
Heinrich Baermann (1784 – 1847)
Adagio em ré bemol maior para clarinete, dois violinos, viola, violoncelo e contrabaixo
Adagio
Mikhail Glinka (1804 – 1857)
Trio Pathétique, para clarinete, fagote e piano
Allegro moderato
Scherzo: vivacissimo
Largo
Allegro con spirito
Darius Milhaud (1892 – 1976)
Suite d’après Corrette, para oboé, clarinete e fagote
Oh, céus, dia desses liguei o rádio — sim, às vezes ainda faço isso — e estava tocando uma das músicas que mais amo: Contrastes, de Béla Bartók, para clarinete, violino e piano. A obra é baseada em melodias de danças húngaras e romenas e foi escrita em resposta a uma encomendada do genial clarinetista de jazz Benny Goodman em 1938, nos EUA, quando Bartók tinha se afastado do nazismo contra sua vontade — pois preferia enfrentá-lo e talvez ser morto. Contrastes é daquelas coisas que fecham levemente a garganta da gente e nos elevam alguns centímetros. Mesmo sendo considerada uma obra leve, ela nos mostra alguns abismos. E até o final mais agitado e quase-Poulenc me deixa emocionado.
Ouvindo o rádio, lembrei de que este ano tínhamos acertado de fazer o #BRTK140 aqui no PQP Bach. Ou seja, vamos postar a obra completa do húngaro no ano em que ele completa 140 anos de nascimento. Rale-se que são 140 e não um número divisível por 50.
Bartók merece. Em uma edição húngara, sua obra completa preenche apenas 29 CDs — o que, grosso modo, corresponderia a 29 horas de música — , mas são 29 CDs sem erros ou momentos fracos. E, além do mais, ele tem uma biografia espetacular, foi o fundador da etnomusicologia, viajou do interior da Turquia, Anatólia, Romênia e Bulgária até o norte da África coletando e aprendendo a real música do povo e não o que se pensava que ela fosse. Tem importância e profundidade em mais de um campo.
A música clássica nunca viveu em uma bolha. Sempre houve um fluxo livre de ideias cruzando a linha da chamada música artística e a música folclórica. Quando esta bolha estava ficando dura e impermeável no início do século passado, quando os autores passaram a virar as costas para a “baixa cultura”, ele foi lá e os fez ver o que estavam perdendo.
Na foto abaixo, em 1907, Bartók está gravando uma camponesa que canta suas músicas. Vejam que beleza.
Não há muito interesse genuíno em qualquer lugar do mundo por este ramo da ciência musical ”,
escreveu Béla Bartók em 1921, enquanto refletia desanimado sobre seus extensos estudos de música folclórica do Leste Europeu.
Quem sabe, talvez nem seja tão importante quanto acreditam seus fanáticos!
Bartók pode não ter sido muito apreciado em sua vida (1881–1945), porém, quase um século depois de escrever este lamento, o mundo alcançou o compositor e o etnomusicólogo pioneiro. Suas composições, incluindo os seis quartetos de cordas que compôs entre 1909 e 1939, são repletas de inovações inspiradas na música folclórica rústica que colecionou no interior do Leste Europeu com seu amigo e colega, o compositor e pedagogo Zoltán Kodály.
Enquanto Brahms usava motivos folclóricos estilizados em suas Danças Húngaras, Bartók explorou as técnicas que aprendeu com canções folclóricas autênticas. Essa abordagem atingiu seu apogeu em seus quartetos de cordas, que são um monumento do cânone erudito do século XX. Essas significativas obras de câmara continuam a desafiar os músicos. “Além do desafio técnico absoluto de executar partituras terrivelmente difíceis, as principais questões interpretativas têm a ver com encontrar um equilíbrio viável entre os extremos: complexidade e clareza, austeridade polifônica e influência folclórica”, escreveu o crítico musical Philip Kennicott em 2014.
Béla Bartók na Anatólia (atual Turquia)
Nesta série, postaremos um monte de gravações dos quartetos de Bartók. Elas estarão divididas em 6 posts e cada texto focará em um dos dos quartetos.
Quarteto Nº 1 de Béla Bartók (1909)
É uma experiência interessante ouvir os últimos quartetos de Beethoven passando imediatamente para os primeiros de Bartók. Parece que a obra revolucionária de LvB recebe uma digna continuidade por parte do húngaro. Mais: este Quarteto Nº 1 parece um opus seguinte de Beethoven, talvez não pela música, mas pelo espírito das obras.
Mas foquemos nossa lente no húngaro. Para o jovem Bartók, o período de 1906-1909 marcou uma época de grandes mudanças e turbulências. No início deste período, ele pode ser razoavelmente descrito como um discípulo e admirador de Beethoven, Richard Strauss e Debussy, ao mesmo que iniciava seu caminho pioneiro na etnomusicologia, coletando e gravando música folclórica em seus cadernos e no cilindro de cera de Thomas Edison.
O Bartók de 1909 é recordado pela primeira mulher, Márta Ziegler, com quem era então recém-casado: “Ele compunha principalmente à noite. Durante o dia, estava ocupado a transcrever e a organizar as suas coleções de canções folclóricas gravadas em cilindros de cera para publicação ”.
Então, ao lado das influências eruditas, a música popular também estava se tornando uma força central nas próprias composições de Bartók, seja na forma de citações, seja de forma incorporada, integrada. Claro, nos anos seguintes, o ideal de BB como compositor seria o de absorver o espírito da música folclórica de tal forma que suas composições carregassem sua essência, em vez de apenas aludi-la. Ele esperava construir o edifício de sua própria música com base nas verdades expressivas que percebia nessas melodias.
Em 1907, Bartók estava passando por algumas, digamos, convulsões em sua vida pessoal. Ele tinha rejeitado o catolicismo romano de sua educação e se proclamado ateu, postura que manteve até o fim. Ao mesmo tempo, ele estava apaixonado pela jovem violinista Stefi Geyer. Contudo, acabou rejeitado pela moça e o Concerto para Violino que ele havia escrito para ela foi fechado em uma gaveta e só publicado post mortem. Mas a juventude é rápida e em 1908, um ano depois do breve e marcante caso com Geyer, Bartók casou-se com Márta Ziegler.
Foi neste ambiente que surgiu o primeiro Quarteto de Cordas. É sua primeira obra-prima, que retrata vividamente os impulsos desta época de sua vida. É formado por 3 movimentos longos tocados em sequência, de uns dez minutos cada. Em uma carta a Geyer, Bartók descreveu o primeiro movimento como um “canto fúnebre”. O motivo de abertura, levado pelos dois violinos, é uma melodia do Concerto que ele escrevera para ela e, portanto, esse movimento pode simbolizar a morte dessa paixão. É um movimento dramático que, conhecendo a biografia de Bartók, ouço como que impregnado de desejo e perda. Há nela algo do romantismo germânico, principalmente nos dois clímax. No final do movimento, ele já esqueceu Geyer e há evidências de uma nova vida.
No segundo movimento, a música se acelera de uma forma que somos levados para bem longe do pesado fardo anterior. Não faz muito sentido dizer que a música desse movimento se parece mais com Bartók, mas creio que serei entendido… Diante de nós, um compositor está encontrando sua voz. O segundo movimento atinge um final etéreo e tranquilo.
O terceiro movimento é uma música enérgica, evocando a sensação de uma dança camponesa. Embora haja tensão e urgência no ar, o clima predominante é de bom humor. Ouvimos, também, a influência da música folclórica que Bartók começava a catalogar: as duas passagens culminantes do movimento apresentam uma melodia muito parecida com as canções folclóricas magiares que colecionava naquele ano. O compositor ainda estava a alguns anos de distância do período em que aspiraria a incluir o idioma folclórico em sua corrente sanguínea. Esta ainda é a música de um homem em visita o campo, fascinado pela alteridade exótica das melodias folclóricas que encontra. Mas, ao mesmo tempo, podemos sentir que ele está fisgado. A verdade é que Bartók apenas começava a arranhar a superfície delas e para cavar cada vez mais fundo em trabalhos futuros.
O estudioso e biógrafo de Bartók, Halsey Stevens, observa que “a liberdade contrapontística característica do tratamento de Bartók do quarteto de cordas, a extrema plasticidade com que as linhas individuais giram, mudam, combinam e se opõem já são perceptíveis no Primeiro Quarteto”. Além disso, “cada instrumentista é considerado um indivíduo, com o seu próprio fio de tecido; esta autonomia traz uma riqueza de texturas comparável a dos últimos quartetos de Beethoven”.
Deixo abaixo uma interpretação ao vivo do Quarteto Nº 1 não porque este seja um registro especial ou porque o vídeo realce especialmente a beleza da obra — apesar de ser muito bom! –, mas porque desta forma, com os músicos em ação, fica ainda mais clara sua dificuldade.
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O Quarteto Végh gravou duas vezes a integral dos quartetos de Bartók, a primeira entre os anos de 1954 e 56 e a segunda em 1972. Se a qualidade artística de ambos é astronômica, o som da gravação de 1972 é bem melhor. Aqui estão elas:
Béla Bartók (1881-1945): Os Quartetos de Cordas (Vègh) — Gravação de 1972
1 String Quartet No. 1, Op. 7, Sz. 40 29:59
2 String Quartet No. 2, Op. 17, Sz. 67: I. Moderato 10:25
3 String Quartet No. 2, Op. 17, Sz. 67: II. Allegro molto capriccioso 7:56
4 String Quartet No. 2, Op. 17, Sz. 67: III. Lento 8:40
5 String Quartet No. 3, Sz. 85 15:12
6 String Quartet No. 4, Sz. 91: I. Allegro 5:58
7 String Quartet No. 4, Sz. 91: II. Prestissimo, con sordino 2:59
8 String Quartet No. 4, Sz. 91: III. Non troppo lento 5:05
9 String Quartet No. 4, Sz. 91: IV. Allegretto, pizzicato 2:43
10 String Quartet No. 4, Sz. 91: V. Allegro molto 5:14
11 String Quartet No. 5, Sz. 102: I. Allegro 7:16
12 String Quartet No. 5, Sz. 102: II. Adagio molto 6:15
13 String Quartet No. 5, Sz. 102: III. Scherzo: alla bulgarese 5:02
14 String Quartet No. 5, Sz. 102: IV. Andante 5:10
15 String Quartet No. 5, Sz. 102: V. Finale: allegro
16 String Quartet No. 6, Sz. 114: I. Mesto – Più mosso, pesante – Vivace 7:18
17 String Quartet No. 6, Sz. 114: II. Mesto – Marcia 8:06
18 String Quartet No. 6, Sz. 114: III. Mesto – Burletta 7:23
19 String Quartet No. 6, Sz. 114: IV. Moderato, mesto 6:05
Béla Bartók (1881-1945): Os Quartetos de Cordas (Vègh) — Gravação de 1954–1956
Streichquartett • String Quartet • Quatuor à Cordes Nr. 1, Op. 7, Sz. 40 (1908) (29:53)
A1 1. Lento
A2 2. (Allegretto) Introduktion
A3 3. Allegro Vivace
Streichquartett • String Quartet • Quatuor à Cordes Nr. 2, Op. 17, Sz. 67 (1915-1917)
B1 1. Moderato 10:19
B2 2. Allegro Molto Capriccioso 7:50
B3 3. Lento 8:33
Streichquartett • String Quarte • Quatuor à Cordes Nr. 3, Sz. 85 (1927) (15:05)
C1 1. Prima Parte: Moderato
C2 2. Secunda Parte: Allegro
C3 3. Ricapitulazione Della Prima Parte: Moderato
C4 4. Coda. Allegro Molto
Streichquartett • String Quartet • Quatuor à Cordes Nr. 4, Sz. 91 (1928)
D1 1. Allegro 5:54
D2 2. Prestíssimo, Con Sordino 2:54
D3 3. Non Troppo Lento 5:02
D4 4. Allegretto Pizzicato 2:38
D5 5. Allegro Molto 5:11
Streichquartett • String Quartet • Quatuor à Cordes Nr. 5, Sz. 102 (1934)
E1 1. Allegro 7:10
E2 2. Adagio Molto 6:08
E3 3. Scherzo 4:56
E4 4. Andante 5:04
E5 5. Finale 7:02
Streichquartett • String Quartet • \Quatuor à Cordes Nr. 6, Sz. 114 (1939)
F1 1. Mesto – Più Mosso, Pesante 7:14
F2 2. Mesto – Marcia 8:02
F3 3. Mesto – Burletta 7:17
F4 4. Mesto 6:06
O rapazinho entrou sorrateiro pela porta e sentou-se discretamente no fundo da sala a tempo de ouvir as primeiras frases da aula do grande mestre: “Estas são as nove figuras usadas pelos hindus…” Ele desenhou então no quadro nossos conhecidos
9 8 7 6 5 4 3 2 1
e prosseguiu: “…com estas nove figuras e o zefir podemos escrever qualquer número, como vocês aprenderão aqui”.
Bugia, hoje chamada Bejaïa
Leonardo sentiu que a viagem desde a sua cidade natal, cruzando o mar e chegando àquele estranho e novo mundo onde seu pai estava, começava a valer a pena.
Tudo era diferente – a língua, a religião, os costumes. Até os cheiros e sabores e mesmo a luz do dia lhe diziam que vivia agora em outro universo. Mas o que ele aprendeu naqueles anos que passou ali valeria por uma vida inteira.
Cagliari
Leonardo viera de Pisa e o navio que o trouxera ao porto de Bugia, na Cabília, Argélia, passara por Bonifácio, no estreito entre a Córsega e a Sardenha, onde também passou por Cagliari. Depois costeou a África desde Túnis até chegar a Bugia, que hoje é conhecida por Béjaïa.
Assim como as suas rivais repúblicas – Veneza, Gênova e Amalfi -, Pisa tinha grandes interesses comerciais em toda aquela área. O pai do nosso herói chamava-se Guglielmo Bonacci e era escrivão da aduana, junto aos representantes dos mercadores de sua terra natal. Pisa tinha representantes diplomáticos tanto em Bugia quanto em Túnis e mantinham seus próprios funduqs e magazines. Guglielmo sabia dos pendores matemáticos de seu filho e o chamara para estudar com os mestres daquela cidade tanto seus métodos de cálculo quanto suas soluções para diversos problemas envolvendo contabilidade e finanças, pois que Mestre Guglielmo era um homem prático.
Leonardo viveu nesta região de algo como 1185 até 1220. Ele não ficou apenas em Bejaïa, mas também visitou o Egito, a Síria, Grécia, Sicília e a região de Provença, sempre aprendendo. Com os conhecimentos que adquiriu mais seus próprios grandes talentos, tornou-se o maior matemático de sua época e contribuiu enormemente para o renascimento científico que a Europa viveria proximamente.
Na sua volta para Pisa, escreveu um livro que foi divulgado em 1202 (naquela época só havia cópias feitas à mão), o Liber abaci, no qual explica o sistema numérico Hindu-Arábico, que era praticamente desconhecido na Europa, assim como usá-lo nos cálculos, mostrando as enormes virtudes deste sistema posicional.
Se você acha pouco, tente efetuar a multiplicação dos números MMDXCIV e MMMCCCLXXIII.
Ao longo das quatro outras postagens desta série contaremos mais algumas coisas sobre Fibonacci, que tem seu nome associado a uma famosa sequência de números e que dá nome ao conjunto que toca a música – The Fibonacci Sequence.
Nejjarine Museum, um funduq restaurado
O conjunto The Fibonacci Sequence foi fundado pelo pianista Kathron Sturrock e fará 30 anos em 2024. É formado por renomados músicos e famoso por apresentar uma programação variada e imaginativa. A escolha do nome do conjunto foi motivada pelo fato dos números da tal sequência aparecerem, surgirem como mágica nas mais diversas situações, como na natureza, no número de ramos das árvores, nas pétalas das flores, nas espirais e de muitas outras formas. Além disso, há uma relação entre a razão dos seus números subsequentes e o número conhecido como a Proporção Áurea ou Número de Ouro, que para muitos determina as mais harmoniosas proporções nas artes e música.
Esta sequência será tema da próxima conversa, que estará disponível no seu distribuidor PQP Bach mais próximo em breve.
Os discos desta série são divididos em dois grupos temáticos. Os três primeiros trazem música de câmara com um instrumento de sopro (madeira) em destaque. Começamos com o fagote. Os dois últimos são dedicados cada um a um único compositor. Você não perde por esperar.
Neste disco temos música de cinco diferentes compositores. Dois são franceses, um é inglês, mais um alemão e um conhecido austríaco.
Carl Maria von Weber surgiu para a música com a ópera Der Freischutz e foi um precursor do romantismo. Neste sentido foi inovador, mas em suas outras composições foi mais convencional. Isso não quer dizer que suas outras obras não sejam interessantes e ele compôs com especial qualidade para clarinete.
Compositor menos conhecido, Henri Sauguet adorava música desde cedo e teve ajuda inicialmente de Canteloube e Millhaud. Estudou com Max Jacob, Satie e Koechlin. Compôs balés, sinfonias e muita música de câmara.
Assim como Sauguet, Jacques Ibert compôs balés, sinfonias e muita música de câmara, especialmente para formações com instrumentos de sopro. Estudou com Fauré e de 1946 até 1960 foi o diretor do Conservatório de Paris.
Do outro lado do Canal da Mancha, temos uma peça de Gordon Jacob que foi prolífico compositor e deixou também livros sobre composição e orquestração.
Para encerrar o disco, temos um compositor austríaco que dispensa apresentações.
Carl Maria von Weber (1786 – 1826)
Andante e Rondo ‘Ungarese’ para fagote, violino, viola e violoncelo (arr. Mordechai Rechtman)
Andante
Rondo
Henri Sauguet (1901 – 1989)
Barcarolle para fagote e harpa
Barcarolle
Jacques Ibert (1890 – 1962)
Cinco peças para Trio com oboé, clarinete e fagote
Allegro vivo
Andantino
Allegro assai
Andante
Allegro quasi marziale
Gordon Jacob (1895 – 1984)
Suíte para fagote, dois violinos, viola e violoncelo
Prelude
Caprice
Elegy
Rondo
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Quinteto em mi bemol maior para oboé, clarinete, trompa, fagote e piano, K. 452
Some beautiful sonorities coming up now from the Fibonacci Sequence, one of the UK’s most prominent chamber ensembles who were founded back in 1994 by pianist, Kathron Sturrock.[…] Certainly this combination allows the bassoon to sing out and display its virtuosity.
A gravação desta sinfonia com Marek Janowski regendo a Orchestre de la Suisse Romande toma 54 minutos enquanto a gravação da mesma obra, feita por Georg Tintner, regendo a Ireland National Symphony Orchestra, ocupa um CD de 71 minutos. É claro, estas discrepâncias de tempo se devem não apenas ao andamento imprimido pelos maestros, mas especialmente à escolha da versão disponível da obra.
Este site aqui menciona cinco possibilidades! As edições mais conhecidas são as feitas por Haas (1938) e Nowark (1965), mas agora há uma ‘critical edition’ preparada por William Carragan para a Bruckner Society, que oferece uma edição originalíssima do que seria a versão concebida por Bruckner em 1872.
Retrato do artista quando jovem…
Isto significa que as versões posteriores deveriam ser descartadas? Os cortes e as mudanças que Bruckner impôs à partitura em suas revisões teriam sido feitas apenas para agradar a seus ‘conselheiros’, na esperança de ter a sinfonia apresentada por alguma orquestra? Certamente nenhuma destas perguntas terá uma resposta curta e definitiva, mas Anton era um grande revisionista e trabalhou em suas obras toda a vida, compondo novas sinfonias e revisando as já ‘terminadas’. Não creio que, apesar da imagem de simplório e influenciável, ele fosse mudar as suas obras apenas para ‘agradar’ e acatar sugestões.
Mas, o que nos interessa é a música e eu prefiro a versão mais curta de suas primeiras sinfonias. Como parte do projeto de expansão da paleta musical de início do ano, tenho ouvido algumas gravações das Sinfonias Nos. 2 e 3, do Anton. Como há uma recente postagem da Terceira, feita pelo PQP Bach e que você poderá ouvir clicando aqui, decidi oferecer nesta postagem a Segunda, na gravação da Saarbrücken Radio-Symphony Orchestra, sob a regência do veteraníssimo Stanislaw Skrowaczewski, uma ótima Baby-Bruckner-Sinfonia! Veja que beleza de Scherzo eles fazem.
Skrowaczewski teve uma longa vida e atuou até quase seus últimos dias. Entre as suas muitas gravações se distinguem as das Sinfonias de Bruckner, de Beethoven e Brahms. Você poderá descobrir muitas informações sobre ele visitando este site aqui.
Em suas horas vagas, Anton era modelo para bustos de imperadores romanos…
Aqui está o resumo da ópera: The Second Symphony […] is a substantial work of an hour’s duration, and in this performance Skrowaczewski achieves intensity as well as a truly symphonic sweep of momentum.
Os vizinhos gostaram muito da música que emanou da casa do Cantor da Igreja de Santo Tomás naquela noite. Houve boas risadas e a conversa animada até bem mais tarde foi confirmada pelas garrafas de vinho que sobraram vazias no outro dia.
Todos já estavam acostumados com eventuais saraus na casa do João Sebastião Ribeiro, mas naquela noite, no ano de 1739, a visita do amigo Sílvio Leopoldo Branco, alaudista da corte de Dresden, acompanhado de um de seus alunos, de sobrenome Kropffgans, animou bem a festa, como se lembrou depois João Elias, primo do grande João Sebastião.
E tocaram muitas suítes, algumas delas até no estilo do conhecido saxão que se mudara para Londres, e outras mais curtas, no estilo das sonatas para igreja. E maravilhosos prelúdios seguidos de fugas não faltaram.
A visita encheu João Sebastião de alegria e depois o instigou a revisar umas de suas suítes compostas nos idos 1720 e algumas de antes ainda – para o alaúde, que ele gostava e volta e meia empregava em suas composições, mesmo as mais sérias. Chegou inclusive a compor algumas peças novas, de tanto que gostou de ouvir o ótimo Sílvio Leopoldo. A vista já andava cansada, mas a cabeça continuava ótima para compor. Algumas cópias das novas obras ficaram a cargo de seu aluno, João Tobias Krebs, o de apelido ‘Caranguejo’, que fora mesmo um achado.
E foi assim, por essas e outros maravilhosos encontros e visitas, as quais certamente resultaram em tardes e noites animadas, que nos chegaram algumas obras que continuam a encantar até mesmo os mais duros de coração.
Ouça este ótimo disquinho de uns 46 minutos pelos quais o jovem violonista Sean Shibe desfila habilidade, musicalidade e técnica impecáveis. Shibe merece cada um dos muitos prêmios que tem angariado. Aproveite que o disco é curto e ouça duas vezes a peça que gostar mais. Depois me conte!
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Suíte para Alaúde No. 1 em mi menor, BWV996
Praeludio
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrée
Gigue
Suíte para Alaúde No. 2 em dó menor, BWV997
Preludio
Fuga
Sarabande
Gigue
Double
Prelúdio, Fuga e Allegro para Alaúde em mi bemol maior, BWV998
Shibe applies the musical and interpretative qualities that characterise its predecessors – energy, reflection, eclecticism, integration and emotional candour – to remind us that Bach might have been singular but he contained multitudes…Has the Prelude, Fugue and Allegro [of BWV997] ever sounded so contemporary in its nostalgic sweetness and, in the final movement, sheer unabashed joy?
The Guardian, 7th June 2020
Shibe reminds us of the sheer intelligence and eloquence of his musicianship. Pliancy, shape, nimble attention to ornaments, clarity in the lines of counterpoint: all make this essential listening.
The Times, 29th May 2020
This astonishing and adventurous guitarist…plays with such depth of tone, colour and intricacies of touch that it is as though he’s at a harpsichord, not strumming or plucking fretted strings…Shibe’s music-making is masterful, beautiful and convincing in every way…Above all, Shibe awes us with the exquisite tone balance across the whole range.
Sean Shibe às margens do Guaíba, nem acreditando na história de um certo mágico radinho de pilhas …
Sou fascinado por este CD, desde quando o adquiri, ainda lá pelo início dos anos 2000. Os tempos eram outros, era complicado conseguir material em mp3, afinal ainda não tínhamos internet rápida em casa, apenas alguns conhecidos, estagiários na Universidade, ficavam madrugadas adentro fazendo downloads de música e de filmes dentro da própria Universidade, aproveitando a estrutura de rede altamente profissional que tinha sido montada.
Era o tempo do Napster, e-mule, e mais alguns sistemas de troca de arquivos. E um gravador de CD também era algo com preço quase proibitivo, então organizávamos sessões de gravação para a troca de material. E quando comprei este primor de CD que ora posto, devem ter sido feitas umas vinte cópias logo nos primeiros dias.
Este CD traz um quinteto de ouro do jazz, e também coloca lado a lado novamente Chick Corea e Gary Burton, dupla que gravou discos antológicos nos idos dos anos 70. E para completar, ainda tem Pat Metheny, Dave Holland e Roy Haynes… e muito talento reunido em um só CD.
Claro que é IM-PER-DÍ-VEL !!! E deve ser ouvido e admirado de preferência acompanhado por um bom vinho…
Like Minds – Pat Metheny, Gary Burton, Chick Corea, Dave Holland, Roy Haynes
01 – Question And Answer
02 – Elucidation
03 – Windows
04 – Futures
05 – Like Minds
06 – Country Roads
07 – Tears Of Rain
08 – Soon
09 – For A Thousand Years
Gary Burton – Vibraphone
Chick Corea – Piano
Pat Metheny – Guitar
Dave Holland – Bass
Roy Haynes – Drums
Da cozinha vem o reconfortante cheiro do arroz sendo refogado ao som do martelinho amaciando os bifes… Ah, trabalhar em casa pode ser uma fonte de pequenos prazeres. Bem, o distante ruído de alguém aparando a grama não chega a incomodar, mas faz um contraponto de alerta, lembrando-me que nem tudo é sossego. Mas, a hora do almoço sempre reserva um intervalo de paz.
Gustav Leonhardt
Da vitrola vem o som do cravo neste disco espetacular. Ao se dar conta, você está batendo o pé, acompanhando o ritmo, muito bom, do começo ao fim. E o som é ótimo. Eu confesso não ser um fanático pelo som do cravo. Talvez seja trauma por ter conhecido o som deste instrumento pelos velhos LPs da Wanda Landowska, mas assim que vejo ‘cravo’ na capa do disco, fico logo com um pé atrás. Mas em mais uma tentativa de quebrar essas rabugices, decidi revisitar as principais obras de João Sebastião interpretadas ao cravo. Comecei por estas Suítes Inglesas, na interpretação do Gustavo Coração de Leão e me dei muito bem. São gravações antológicas e figuram em muitas listas de mais-mais das obras de Bach. Elas foram objeto de uma postagem feita pelo PQP Bach em priscas eras. Dizem as lendas que naqueles dias os arquivos eram upados pela madrugada, quando o fluxo na internet permitia uma maior velocidade ao processo. Aqui está o texto original que foi ao ar em 21 de julho de 2010.
Confesso a vocês não ser um apaixonado pelas Suítes Inglesas de Bach. Meu pai, ao dar o nome a elas, foi presciente. Ele sabia do deserto de almas compositoras que sobreviria na Inglaterra entre os nomes de Henry Purcell e Benjamin Britten. Foram quase 300 anos de música de terceira linha. Então, reservou para os britânicos suas melodias mais previsíveis. Não obstante minha opinião, conheço pessoas que roubariam e matariam por elas, principalmente quando tocadas por Gustav Leonhardt, um verdadeiro viagra musical, capaz de erguer até um Cou… perin. Erguer Bach é muito mais fácil, não?
Assim, esta postagem conta para a série das PQP Originals!
Os ingleses, felizes com as suas suítes!
Apesar das provocações perpetradas aos ingleses pelo nosso blogueiro-mor, Bach não tinha qualquer intenção de oferecer algum conjunto de suítes aos ingleses, assim como não escreveu suítes para os franceses. Tampouco escreveu algum concerto especificamente para os italianos. Apesar do nome bem estabelecido, não foi João Sebastião quem assim alcunhou estas peças. As possibilidades mais plausíveis para este nome – Suítes Inglesas – são para as diferenciar do outro conjunto conhecido por Suítes Francesas ou ainda o fato de o primeiro biógrafo de Bach, Johann Nicolaus Forkel, ter afirmado que as suítes foram ‘fait pour les Anglois’. O certo é que o nome Suítes Inglesas aparece no final do século XVIII em uma de suas cópias que pertencia a Johann Christian Bach, o Bach de Londres.
João Sebastião as chamou ‘Suites avec leurs Préludes’ e isto precisamente as diferencia das chamadas Suítes Francesas. As suítes das duas séries são formadas basicamente por quatro danças – allemande, courante, sarabande e gigue -, sendo que algumas outras danças de estilo francês são inseridas entre a sarabanda e a gigue. Mas no caso das Suítes Inglesas, a sequência recebe um prelúdio. Vamos a um exemplo comparativo. Veja os nomes dos movimentos de duas Suítes:
Suíte Inglesa No. 4 Suíte Francesa No. 5
Prélude
Allemande Allemande
Courante Courante
Sarabande Sarabande
Minueto I – Minueto II – Minueto I Gavotte – Bourrée – Loure
Gigue Gigue
Agora que você já sabe isto tudo, aproveite estas lindíssimas peças na interpretação de um dos melhores músicos de que temos notícia. Leonhardt além de cravista e regente, teve papel fundamental na formação de muitos outros excelentes músicos. Seu legado é inestimável.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
CD1
Suíte Inglesa No. 1 em lá maior, BWV 806
Prélude
Allemande
Courante I – Courante II avec deux Doubles
Sarabande
Bourrée I – Bourrée II – Bourrée I
Gigue
Suíte Inglesa No. 2 em lá menor, BWV 807
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande – Les agréments de la même Sarabande
Bourrée I altenativement – Bourrée II – Bourrée I
Gigue
Suíte Inglesa No. 3 em sol menor, BWV 808
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande – Les agréments de la même Sarabande
Gavotte I alternativement – Gavotte II ou la Musette – Gavote I
Gigue
CD2
Suíte Inglesa No. 4 em fá maior, BWV 809
Prélude (vitement)
Allemande
Courante
Sarabande
Menuet I – Menuet II – Menuet I
Gigue
Suíte Inglesa No. 5 em mi menor, BWV 810
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Passepied I em Rondeau – Passepied II – Passepied I
Gigue
Suíte Inglesa No. 6 em ré menor, BWV 811
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande – Double
Gavotte I – Gavotte II – Gavotte I
Gigue
Gustav Leonhardt, cravo
Produção de Gerd Berg
Gravado na Holanda em 1984
O cravo usado nesta gravação foi construído por Nicholas Lefebvre em 1755 e foi restaurado por Martin Skrowonneck em 1984. Vale a pena uma visita a uma página que fala do trabalho de Skrowonneck. Caso você esteja interessado, basta clicar aqui.
The Penguin Guide to Recorded Classical Music, editado por Ivan March e CIA, diz: Leonhardt’s playing here has a flair and vitality that one does not always associate with him.
Ah, esqueci de contar, a sobremesa aqui foi uma tasca de goiabada!
Sou fã dos belgas do Anima Eterna Brugge já há bastante tempo, e sempre que possível acompanho seus lançamentos, sempre de excelente qualidade. Joos van Immerseel já esta há bastante tempo na estrada e estes anos de experiência tem tornado suas interpretações mais seguras e maduras.
Adepto das interpretações historicamente informadas, van Immerseel gravou estas sinfonias já lá no início do século, 2001, para ser mais exato, e mais tarde também gravou a integral dos Concertos para Piano, atuando como solista, utilizando um Pianoforte. Trouxe essa integral já há alguns anos e ela teve uma ótima recepção. Espero que os senhores também apreciem estas Sinfonias. Quem não está acostumado a este estilo de interpretação pode estranhar a sonoridade, a escolha dos tempos, enfim, é Mozart sob uma perspectiva diferente da de um maestro como Karl Böhm, por exemplo.
O texto abaixo foi retirado do libreto que segue em anexo, e é uma síntese, definida pelo próprio maestro, destas últimas três sinfonias:
“Mozart the man, with his individual temperament, was above all a musician. In this symphonic ‘trilogy’, he illuminated all aspects of human expression, quite independently of his personal situation. Each work presents a different character. No.39 in E fl at major contains numerous elements reminiscent of chamber music, while no.40 in G minor makes clear references to opera. No.41 in C major includes formal elements from Baroque music (overture, concerto, fugue). Its synthesis of sonata form and fugue was, and still is, a tour de force that could only have been written by Mozart.”
CD 1
SYMPHONY NO.39 IN E FLAT MAJOR, K543
1 ADAGIO – ALLEGRO
2 ANDANTE CON MOTO
3 MENUETTO. ALLEGRETTO
4 FINALE. ALLEGRO
SYMPHONY NO.40 IN G MINOR, K550
5 ALLEGRO MOLTO
6 ANDANTE
7 MENUETTO. ALLEGRETTO
8 ALLEGRO ASSAI
CD 2
SYMPHONY NO.41 IN C MAJOR, K551 ‘JUPITER’
1 ALLEGRO VIVACE
2 ANDANTE CANTABILE
3 MENUETTO. ALLEGRETTO
4 FINALE. MOLTO ALLEGRO
BASSOON CONCERTO IN B FLAT MAJOR, K191
5 ALLEGRO
6 ANDANTE MA ADAGIO
7 RONDO, TEMPO DI MENUETTO
Jane Gower – Basson
Anima Eterna Brugge
Jos van Immerseel – Conductor