Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Piano – Stephen Kovacevich (4/9) #BTHVN250

É muito incomum escutarmos este notável quarteto de sonatas, compostas e publicadas ao longo de meros dois anos, todo num só disco. E, ainda que não se possa dizer que as Opp. 26-28 formem um ciclo, elas são sem qualquer dúvida o melhor exemplo do “estado da arte” de Beethoven naquela virada de século, um compêndio de seus muitos recursos e capacidade criativa, pelo menos naquele que sempre foi lhe foi o mais natural e experimental dos meios: o teclado do piano.

Admito que prefiro escutar essas obras com um pouquinho mais de, chamemo-lo assim, colorido timbrístico – especialmente as variações de abertura da Op. 26 ou os movimentos rápidos das sonatas-quase-fantasias. Ainda assim, a abordagem surpreendemente austera de Kovacevich empresta equilíbrio e uniformidade ao conjunto. Nunca senti a Op. 26 e a Op. 27 no. 1 tão próximas, mesmo que tenham sido publicadas em sequência: apesar de terem estruturas muito diferentes, pela primeira vez escutei ecos da Marcha Fúnebre da primeira em vários episódios da segunda. A Op. 27 no. 2 abre com um Adagio sostenuto sem açúcares, como se improvisado fosse, o que é fundamental para que o Allegretto e o Presto que se seguem tenham tanto grande efeito. Por fim, a Pastoral, que habitualmente surge como um posfácio bucólico a alguma sonata impetuosa como o finale da Luar, soa aqui despojada, quase austera, mas jamais frígida – e nunca ouvi antes, com tanta clareza, os bordões nos baixos que lhe deram o nome. Quando o disco terminou, ficou-me uma sensação de que não poderia haver variedade e contraste maiores entre seus tantos movimentos e que o “Estado da Arte” do Beethoven de trinta anos não poderia ter sido melhor apresentado – a preparação perfeita, penso eu, para as liberdades formais que ele tomaria a partir da magnífica trinca do Op. 31, que ouviremos amanhã.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha fúnebre”
Composta entre 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

1 – Andante con variazioni
2 – Variazione I
3 – Variazione II
4 – Variazione III
5 – Variazione IV
6 – Variazione V
7 – Scherzo, allegro molto
8 – Maestoso andante, marcia funebre sulla morte d’un eroe
9 – Allegro

Duas sonatas para piano, Op. 27
Compostas em 1801

Publicadas separadamente em 1802

Sonata “quasi una fantasia” no. 1 em Mi bemol maior
Dedicada à princesa Josephine von Liechtenstein

10 – Andante – Allegro – Andante – attacca:
11 – Allegro molto e vivace – attacca:
12 – Adagio con espressione – attacca:
13 – Allegro vivace

Sonata “quasi una fantasia” no. 2 em Dó sustenido menor, “Ao Luar”
Dedicada à condessa Giulietta Guicciardi

14 – Adagio sostenuto
15 – Allegretto
16 – Presto agitato

Sonata para piano em Ré maior, Op. 28, “Pastoral”
Composta em 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao conde Joseph von Sonnenfels

17 – Allegro
18 – Andante
19 – Scherzo. Allegro vivace
20 – Rondo. Allegro ma non troppo

Stephen Kovacevich, piano

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Já estava achando que Kovacevich só mostrasse o lado direito do rosto – mas a mania, pelo jeito, é só do Julio Iglesias

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Piano – Stephen Kovacevich (3/9) #BTHVN250

As quatro sonatas desse volume, compostas ao longo de dois anos, ilustram muito bem a evolução de Beethoven no sentido duma linguagem altamente pessoal. Adoro a maneira com que Kovacevich, cujo estilo já foi chamado de “muscular”, torna a “Patética” uma sonata clássica que ela é na essência, sem contrastes excessivos ou ruminações no primeiro movimento. Nada disso faria sentido se ele pegasse pesado com a glicose no Adagio cantabile, mas não é isso o que acontece: ele soa tão fresco como se estivesse a ser improvisado, o que torna a clareza do rondó final, normalmente tão túrbido sob outras mãos, a única continuação possível. As duas curtas sonatas do Op. 14 recebem o mesmo tratamento de clara limpidez, e a pouco conhecida Sonata Op. 22, talvez a última delas em estilo clássico, acaba por se tornar a peça crucial do disco: equilibrada sem ser monótona, com o fabuloso controle dinâmico de Kovacevich fazendo-nos perguntar por que o lindo Adagio con molta espressione não é mais ouvido por nós outros, que tanto dizemos gostar de Beethoven.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Dó menor, Op. 13, “Patética”
Composta em 1798
Publicada em 1799
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

1 – Grave – Allegro di molto e con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Rondo: Allegro

Duas sonatas para piano, Op. 14
Compostas em 1798-1799
Publicadas em 1799
Dedicadas à baronesa Josefa von Braun

No. 1 em Mi maior
5 – Allegro
6 – Allegretto – Trio
7 – Rondo. Allegro comodo

No. 2 em Sol maior
8 – Allegro
9 – Andante
10 – Scherzo. Allegro assai

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 22
Composta em 1800
Publicada em 1802
Dedicada ao conde Johann Georg von Browne

11 – Allegro con brio
12 – Adagio con molta espressione
13 – Menuetto
14 – Rondo: Allegretto

Stephen Kovacevich, piano

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“E aí, Jackie, eu mostrei essa foto pro barbeiro e disse ‘esses são os Três Patetas, o do meio é o Moe e eu quero meu cabelo assim'”

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Piano – Stephen Kovacevich (2/9) #BTHVN250

Uma Grande Sonata com muito grandor, sem pretensiosas pompas, e numa abordagem ao teclado notavelmente diferente daquela que ouvimos no primeiro disco da série, sublinhando com clareza a intenção de Beethoven de dar as costas aos modelos haydnianos e declarar com seu Op. 7 que seus horizontes pianísticos eram muito diferentes; e uma leitura extraordinária das sonatas do Op. 10, em que o gravitas, normalmente concentrado na terceira delas, e em particular em seu belíssimo Largo e mesto, está distribuído de maneira equânime ao longo da trinca, mostrando-as mais próximas de suas congêneres publicadas em 1802 (Opp. 26-28) do que da Patética, que viria a seguir:

Esse Kovacevich faz coisas, hein?

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Grande Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 7
Composta entre 1797-8
Publicada em 1798
Dedicada à condessa Babette von Keglevics

1 – Allegro molto e con brio
2 – Largo, con gran espressione
3 – Allegro
4 – Rondo: Poco allegretto e grazioso

Três Sonatas para piano, Op. 10
Compostas entre 1796-1798
Publicadas em 1798
Dedicadas à condessa Anne Margarete von Browne

No. 1 em Dó menor
5 – Allegro molto e con brio
6 – Adagio molto
7 – Finale. Prestissimo

No. 2 em Fá maior
8 – Allegro
9 – Allegretto
10 – Presto

No. 3 em Ré maior
11 – Presto
12 – Largo e mesto
13 – Menuetto. Allegro
14 – Rondo. Allegro

Stephen Kovacevich, piano

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“Fá sustenido, sol sustenido, lá natural…”

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Piano – Stephen Kovacevich (1/9) #BTHVN250

Em mais um curto intervalo de nossa travessia da obra integral de Beethoven, ofereceremos – e acho que surpreenderemos ninguém mais com a prática – um interlúdio com sonatas de Beethoven.

Como sempre, em se tratando de um blogue carregado de ótimas gravações dessas sonatas, tratamos rapidamente de nos justificar: esta é uma das melhores integrais que conheço, e por um grandioso intérprete que, se não é um completo estranho a nós outros, tampouco é um habitué aqui do PQP Bach.

Este excelente pianista californiano, que já foi anteriormente conhecido como Stephen Bishop e Stephen Bishop-Kovacevich, antes de se contentar tão só com seu sobrenome croata, já apareceu por aqui, em gravação da Philips, tocando Beethoven numa postagem em que o querido René Denon fez a incrível promoção de dez cocadas por uma charada. As gravações que ora lhes apresento foram feitas pela EMI entre 1991 e 2003 e lançadas pela Warner, que a fagocitou junto com a Philips. O disco inicial da série, com as três sonatas dedicadas a Haydn, é notória pelos andamentos rapidíssimos e, o mais impressionante, com límpida clareza nas vozes. Deem à primeira sonata algumas chances, para se aclimatarem com a velocidade, e depois me contem o que acharam.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três Sonatas para piano, Op. 2
Compostas entre 1793-1795
Publicadas em 1796
Dedicadas a Joseph Haydn

No. 1 em Fá menor
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Menuetto and Trio (Allegretto)
4 – Prestissimo

No. 2 em Lá maior
5 – Allegro vivace
6 – Largo appassionato
7 – Scherzo: Allegretto
8 – Rondo: Grazioso

No. 3 em Dó maior
9 – Allegro con brio
10 – Adagio
11 – Scherzo: Allegro
12 – Allegro assai

Stephen Kovacevich, piano

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Adoro quando a gente acha mais boas gravações do que fotos espetaculosas de um artista na internet. Sim, decotuda Khatia: é com você que estou falando.

Vassily

Grigory Sokolov, 70 anos [Johann Sebastian Bach (1685-1750): Variações Goldberg – Ludwig van Beethoven (1770-1827): Variações Diabelli] #BTHVN250


O mais legendário dos pianistas vivos completou setenta anos no sábado passado, e nós aqui, tsc, nem para lhes darmos os parabéns! Queremos crer que eles, que chegam atrasados, provavelmente não fizeram falta a Grigory Sokolov, que deve ter passado seu natalício em sua casa a contemplar um lago italiano, possivelmente alheio ao fordunço que virou o mundo do avesso, e quiçá mesmo a engordar seu já imenso repertório com alguma outra peça que, assim queremos, em muito breve apresentará para assombro do mundo que o idolatra.

Sokolov aos 17 anos

Avesso a publicidade e notoriamente recluso, Sokolov abre pouquíssimas janelas para seus idólatras. Quase não dá entrevistas, não gosta de tocar com orquestras, odeia a rotina dos estúdios. Assim, só deixa aos fãs a opção de ouvi-lo nos palcos – ao vivo ou em gravações, a maior parte das quais não autorizadas, muitas de qualidade sofrível, e invariavelmente disputadas a tapa no imenso escambo que delas há mundo afora (eu próprio tenho umas quantas, algumas ainda em fita cassete). Suas apresentações, entremeadas por temporadas sabáticas dedicadas à leitura e aos estudos, são cada vez mais restritas: não toca nas Américas há décadas, e há algum tempo deixou de incluir o Reino Unido em suas turnês, revoltado com a burocracia envolvida na obtenção de vistos. Não há hype nem ansiedade antecipatória bastantes para seus recitais, com ingressos normalmente esgotados com toda antecedência possível, sempre com dezenas de cadeiras extras no palco, e abarrotados de gente que vem de longe disposta a pendurar-se nos lustres para vê-lo tocar. Quando ele entra em cena, ouvem-se aplausos muitas vezes contidos, como se houvesse dúvidas sobre a capacidade daquele tipo atarracado e barrigudo, de cabeleira lisztiana, praticamente uma caricatura dum pianista de concerto, honrar tantas expectativas.

Seus fãs, claro, não têm a menor dúvida: é só ele atacar o teclado, e o estupor começa. “Gênio”, sussurram. “Monstro”. “Lenda”.

Sim, Sokolov é tudo isso, e muito mais que se possa descrever. “Sobre-humano”, já ouvi dizerem  – e sim, talvez seja um bom ponto de partida. Nunca deixo de me impressionar com a grandeza da concepção, com o controle absoluto do todo e de tudo, e com a naturalidade com que ele entrega ao mundo suas leituras inconfundivelmente pessoais, e ainda assim reverentes às intenções dos compositores. O culto a Grisha – sim, os sokolovmaníacos chamam-no pelo apelido – não se atém somente ao primor técnico do mestre, que é óbvio, e às proezas prestidigitadoras, como as que podem testemunhar no vídeo abaixo. A Grande Fraternidade Sokolóvica venera, acima de tudo, seu poder de recriar as obras com imensa singularidade a cada revisita e, com seu arsenal inesgotável de recursos, fazê-lo duma maneira tão convincente que não pareça possível concebê-las de outra maneira.

Ainda que seja um mago que tudo consegue, costuma escolher andamentos mais comedidos que a praxe, de maneira a poder melhor expor suas ideias. Sua postura hipercurva ao teclado, como se quisesse atirar-se sobre ele, a recusa a gestos histriônicos de bravado, denotam uma profunda concentração, como se não desejasse despender qualquer energia com supérfluos. Nenhuma de suas extraordinárias interpretações é semelhante a qualquer outra, inclusive às suas próprias de outrora. E assim eu poderia seguir, tecendo minha guirlanda de superlativos, sem que eu lhes conseguisse dar a ideia mais tíbia do que Sokolov é capaz de fazer.

Sokolov com Emil Gilels e Misha Dichter no Concurso Internacional Tchaikovsky em Moscou, vencido por Sokolov aos 17 anos, quando ainda era aluno do Conservatório de sua Leningrado natal.

Por isso, ainda bem, temos a Música. E é com grande música que saúdo os setenta anos desse gênio do teclado, oferecendo aos leitores-ouvintes duas gravações feitas ainda na Rússia, com as maiores obras em variações de todos os tempos: as “Goldberg” do demiurgo Bach, e as “Diabelli” de seu profeta Beethoven. No começo, provavelmente, estranharão a lentidão dos andamentos tanto quanto desejarão mandar pastilhas para as tussígenas plateias russas. Tenho certeza, também, de que acharão bizarra a maneira com que Sokolov aborda a tola valsinha de Diabelli, até que o desenrolar das variações mostre que ele não a poderia ter tocado de outra maneira. Ao final dessas horas a escutar o maior dos pianistas, só haverá em vós outros, creio eu, pasmo e energia para um singelo “amém” – mas, se lhes sobrar para algo mais, não deixem de dar ao mestre seus merecidos parabéns.

ooOoo

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

 CD1

Ária e trinta variações para teclado, BWV 988, “Variações Goldberg”

1 – Aria
2 – Variatio 1. a 1 Clav.
3 – Variatio 2. s 1 Clav.
4 – Variatio 3. Canone All’Unisuono a 1 Clav.
5 – Variatio 4. a 1 Clav.
6 – Variatio 5. a 1 Ovvero 2 Clav.
7 – Variatio 6. Canone alla Seconda a 1 Clav.
8 – Variatio 7. a 1 Ovvero 2 Clav.
9 – Variatio 8. a 2 Clav.
10 – Variatio 9. Canone alla Terza. a 1 Clav.
11 – Variatio 10. Fughetta a 1 Clav.
12 – Variatio 11. a 2 Clav.
13 – Variatio 12. Canone alla Quarta
14 – Variatio 13. a 2 Clav.
15 – Variatio 14. a 2 Clav.
16 – Variatio 15. Canone alla Quinta a 1 Clav. Andante
17 – Variatio 16. Ouverture a 1 Clav.
18 – Variatio 17. a 2 Clav.
19 – Variatio 18. Canone alla Sexta a 1 Clav.
20 – Variatio 19. a 1 Clav.
21 – Variatio 20. a 2 Clav.
22 – Variatio 21. Canone alla Settima a 1 Clav.
23 – Variatio 22. a 1 Clav. Alla Breve
24 – Variatio 23. a 2 Clav.
25 – Variatio 24. Canone all’Ottava a 1 Clav.

 

CD2

1 – Variatio 25. a 2 Clav.
2 – Variatio 26. a 2 Clav.
3 – Variatio 27. Canone alla Nona a 2 Clav.
4 – Variatio 28. a 2 Clav.
5 – Variatio 29. A 1 Ovvero 2 Clav.
6 – Variatio 30. Quodlibet a 1 Clav.
7 – Aria Da Capo
Partita no. 2 em Dó menor, BWV 826
8 – Sinfonia
9 – Allemande
10 – Courante
11 – Sarabande
12 – Rondeau
13 – Capriccio
Suíte Inglesa no. 2 em Lá menor, BWV 807
14 – Prelude
15 – Allemande
16 – Courante
17 – Sarabande
18 – Bourrée I
19 – Bourrée II – Bourrée I da capo
20 – Gigue

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CD3

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, em Dó maior, Op. 120

1 – Thema: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

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Grigory Sokolov, piano

– Caramba, DE NOVO o platinado?

Vassily

 

 

 

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Romances para violino e orquestra, Opp. 40 & 50 – Concerto para violino e orquestra, Op. 61 – Menuhin – Furtwängler

O melífluo romance em Sol maior, Op. 40, servirá aqui como mero pretexto para lhes alcançar uma gravação extraordinária tanto por seus protagonistas quanto, e especialmente, pelo contexto em que foi feita.

As colunas de fumaça ainda estavam a ser extintas na Europa enquanto, em 1947, suas nações, fossem livres ou ocupadas, buscavam reerguer-se dentro das novas linhas entre elas traçadas. Um imenso número de pessoas fugira dos horrores perpetrados pelo nazifascismo, e algumas delas, grandes nomes da Música, recebiam então convites para regressar.  Alguns aceitavam e atravessavam o Atlântico para tocar nos teatros europeus, muitos dos quais reconstruídos. Outros recusavam terminantemente, dependendo do convite, do lugar e dos parceiros envolvidos. Entre os lugares, o mais evitado era Berlim, um dos maiores polos culturais da Europa antes da guerra, agora fatiada em quatro e, como coração do Reich genocida, justamente temida pelos muitos músicos judeus que escaparam da morte que o regime lhes desejara. Entre os parceiros, e entre tantos nomes malditos, havia o mais maldito de todos: o legendário Wilhelm Furtwängler, gênio inconteste da batuta e, para muitos, o maior regente do século XX.

Discutir se Furtwängler merecia ou não a pecha de maldito é um tema que foge ao escopo dessa despretensiosa postagem num blog que tão só busca polinizar música. A maioria de seus contemporâneos pensava que sim: que, ao escolher permanecer na Alemanha, ele se alinhou, passivamente que fosse, ao cruel regime que a controlava e acabou por lhe emprestar seu imenso prestígio, como um dos mais famosos artistas do mundo. Uma diminuta, mas muito ativa minoria acreditava que não: afinal, Furtwängler nunca se filiara ao Partido Nazista e sempre se recusara a alinhar-se com seus expoentes; não aceitou reger seus hinos e conduzir sob seus estandartes; abominava Hitler e não lhe prestava as saudações protocolares; e, acima de tudo, usou sua grande influência para ajudar muitos músicos judeus e suas famílias a encontrarem guarida e rotas de fuga para lugares seguros. No final da guerra, foi julgado por um comitê de desnazificação e inocentado de todas as acusações. Ainda assim, não foi perdoado pela maioria de seus colegas, que não aceitavam sua justificativa de permanecer na Alemanha por motivos puramente artísticos, sem pretender alinhar-se ao Nazismo, numa postura improvavelmente ingênua sob um regime tão afeito a usar arte como propaganda.

Entre os tantos que não o perdoaram estavam músicos do calibre de Horowitz, Rubinstein, Toscanini e Szell, que reagiram fortemente à indicação de Furtwängler para o cargo de regente titular da Sinfônica de Chicago e a ameaçaram com um boicote, caso ele fosse efetivamente contratado (o que nunca aconteceu). Entre os raros músicos que sempre o apoiaram, um deles se destacava pela envergadura artística e pelo esforço que despendeu em reconstruir a reputação de Furtwängler. Era um prodígio do violino que se encontrava no apogeu de sua arte, um generoso embaixador da boa vontade durante toda sua longa e prolífica vida, e um judeu secular que, não obstante, era judeu até no nome: Yehudi (“o judeu”) Menuhin.

Menuhin, que nasceu nos Estados Unidos e estudou na França e na Suíça, baseara-se no Reino Unido e já rodava o mundo havia décadas, amplamente reconhecido como um de seus mais importantes artistas. Durante boa parte da guerra dedicou-se corajosamente a tocar para os soldados no front, mesmo no perigo da ofensiva de Ardennes, muitas vezes na companhia do amigo Benjamin Britten. O bravo e generoso Yehudi chegou a Bergen-Belsen praticamente junto com as forças que libertaram o campo e tocou para seus sobreviventes. Assim, não surpreende que ele tenha sido o primeiro músico importante a voltar a Berlim após a guerra e, ao apoiar publicamente o desgraçado Furtwängler, tentar desagravar a reputação do grande músico e reabilitar sua carreira.

Suas intenções, alimentadas por uma imensa admiração pelo maestro, tinham sintonia com as próprias justificativas aventadas por Furtwängler para permanecer na Europa: enquanto este pretendia salvar a música alemã da barbárie, Yehudi buscava a reconciliação com os grandes músicos remanescentes na Alemanha para fomentar o resgate da cultura alemã, que tanto amava. E assim, sob muitos protestos de seus colegas, Menuhin foi ao encontro de Furtwängler para com ele tocar e realizar as históricas gravações que ora lhes apresento.

O repertório dessa apoteose da cultura alemã, claro, só poderia ser centrado em Beethoven e suas obras para violino e orquestra. O maravilhoso concerto, um dos pontos altos de toda arte, foi gravado pela dupla em Lucerna, na mesma Suíça que permanecera neutra durante toda a guerra, e onde Furtwängler e outros artistas indispostos com o Reich buscaram guarida nos estrebuchos do conflito. Os dois serenos romances, por sua vez, seriam gravados posteriormente em Londres, com a Philharmonia Orchestra.

O inimitável estilo de Furtwängler, com sua flexibilidade do andamento e liberdades em relação à partitura, faz-se perceber nos longos arcos do desenvolvimento do primeiro movimento do concerto e em seu rondó, no qual o andamento nunca é o mesmo a cada retorno do tema. O som de Menuhin, por sua vez, pode causar estranheza a nossos ouvidos, acostumados ao primor técnico, tanto de artistas quanto da engenharia de som, tão prevalente em nossos dias. Sua calorosa abordagem a Beethoven, no entanto, impressiona mais pela energia e radiância que pela perfeição nota a nota. Chamam-no frequentemente de superestimado; prefiro dizer que ele foi um artista cujo apogeu chegou cedo demais para que fosse bem gravado, e cuja merecida fama como um dos mais admiráveis cidadãos do mundo extrapolou tudo o que se pode expressar com um arco.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Ré maior para violino e orquestra, Op. 61
Composto em 1806
Publicado em 1808
Dedicado a Stephan von Breuning

1 – Allegro ma non troppo (cadenza de Fritz Kreisler)
2 – Larghett0
3 – Rondo: Allegro (cadenza de Fritz Kreisler)

Yehudi Menuhin, violino
Lucerne Festival Orchestra
Wilhelm Furtwängler, regência

Romance no. 1 para violino e orquestra em Sol maior, Op. 40
Composto em 1802
Publicado em 1803

4 – Adagio cantabile

Romance no. 2 para violino e orquestra em Fá maior, Op. 50
Composto em 1798
Publicado em 1805

5 – Adagio cantabile

Yehudi Menuhin, violino
Philharmonia Orchestra
Wilhelm Furtwängler, regência

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Menuhin e Furtwängler em 1949. A atuação de Menuhin foi decisiva para a reabilitação da carreira de Furtwängler, e sua intercessão foi fundamental para que ele assumisse seu primeiro cargo permanente no pós-guerra, como regente da Philharmonia Orchestra em Londres. Os dois colaborariam com frequência nas salas de concerto e nos estúdios até a morte do alemão, em 1954.

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Obras para órgão, Op. 39, WoO 31 & 33, Hess 107 – Preston

Chamar essa compilação beethoveniana de “peças para órgão” (e, sim, sei que vocês estão a esperar que eu escreva “órgão de Beethoven”, mas tirem o cavalinho da chuva porque isso NÃO VAI ACONTECER) é um pouco de exagero, posto que apenas uma das obras – a fuga WoO 31 – foi composta originalmente para o instrumento. As outras peças estão no ademais imenso repertório à disposição dos organistas como opção ou por necessidade.

A opção está nos curiosos prelúdios do Op. 39, publicados em partitura para piano, sem indicação de pedal, mas que se prestam muito bem à execução no órgão. Essas curiosas peças, compostas ainda em Bonn, foram publicadas bem depois em Viena porque Ludwig, para variar, precisava de dinheiro. É muito provável que tenham sido escritas como exercícios para seu professor Neefe, que era organista e de quem foi assistente na corte do Eleitor. Os dois prelúdios partem do Dó maior e vão modulando para todas as tonalidades maiores, de maneira ascendente e descendente, até retornarem ao Dó maior. No primeiro, as tonalidades são mantidas por alguns compassos, ao passo que no segundo as modulações são tão rápidas que por vezes nem as percebemos, numa considerável demonstração de habilidade do jovem compositor.

Já a necessidade da execução ao órgão está nas peças restante, que são tradicionalmente designadas em português “para relógio mecânico”, denominação um tanto sem sentido, uma vez que todos os relógios daquela época eram mecânicos. O termo mais usado em alemão, Spieluhr, indica uma caixinha de música, o que também não é o caso. Com efeito, o instrumento que Beethoven tinha em mente era um Flötenuhr (“relógio-flauta”), um relógio integrado a um realejo automático, acionado por foles movidos por contrapesos. A engenhoca tornou-se tão popular que logo os laboriosos compositores do Império Austro-Húngaro enxergaram oportunidades em lhe criar um repertório. Como poucos Flötenuhren chegaram até nossos dias, e nenhum deles sabe tocar Beethoven, a diminuta coleção que Ludwig destinou ao instrumento costuma ser hoje tocado por flautistas, com acompanhamento de harpa ou piano – e organistas.

Já que a música para o órgão de Beet, er, beethoveniana para órgão mal dá para a metade de um CD, resolvi completá-lo com obras de seus três principais professores, que encontrei perdidas em meus alfarrábios e que eu dificilmente publicaria aqui de outra maneira. Assim, o obscuro Christian Gottlob Neefe faz sua estreia no PQP Bach com uma das incontáveis peças organísticas que certamente compôs em função de seu cargo de organista da corte do Eleitor de Bonn, a imensa maioria das quais jamais foi publicada. Johann Georg Albrechtsberger, compositor daqueles hilariantes concertos para marranzano, dá aqui uma prova do que ouviam os vienenses que frequentavam a Stephansdom, ou a nobreza na época em que ele era o organista da corte imperial. Arrematando os trabalhos, um pequeno compêndio que Haydn, a um só tempo o mais célebre e o menos dedicado dos professores de Ludwig, escreveu para Flötenuhr, a engenhoca que os leitores-ouvintes conhecerão melhor através dos vídeos mais abaixo.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Dois prelúdios em todas as tonalidades maiores, para órgão ou piano, Op. 39
Composto em 1789
Publicado em 1803
1 – Prelúdio no. 1
2 – Prelúdio no. 2

Fuga em Ré maior para órgão, WoO 31 (1783)
3 – Sem indicação de andamento

Cinco peças para Flötenuhr, WoO 33 (1794-1799)
4 – No. 1 em Fá maior
5 – No. 2 em Sol maior
6 – No. 3 em Sol maior
7 – No. 4 em Dó maior
8 – No. 5 em Dó maior

Marcha dos granadeiros em Fá maior, Hess 107 (1798)
9 – Sem indicação de andamento

Simon Preston, órgão

Christian Gottlob NEEFE (1748-1798)

10 – Variações sobre a “Marcha dos Sacerdotes” de Die Zauberflöte de Mozart, para órgão

Johann Georg ALBRECHTSBERGER (1735 – 1809)

11 – Prelúdio em Sol menor/Fuga em Sol menor sobre o tema B-A-C-H, para órgão

Joseph HAYDN (1732-1809)

12 – Peças para Flötenuhr

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra em Dó menor, Op. 37 – Sonatas para piano, Op. 49 – Dois Rondós para piano, Op. 51 – Variações sobre um tema original, WoO 80 – Lupu

A temporada transformadora em Heiligenstadt, de onde Beethoven saiu em outubro de 1802 com a disposição, segundo suas próprias palavras, de “agarrar o Destino pelo pescoço, de modo a que não me destrua por completo”, resultou num surto de planos, muitas das quais, como era bem típico a alguém tão desorganizado e cheio de problemas para resolver, nunca passaram à prática. Um deles, no entanto, era particularmente firme: refazer seu cartaz como compositor-virtuose, um tanto apagado tanto pelo sucesso de suas publicações quanto pelos quase oito anos transcorridos desde a estreia de seu primeiro par de concertos. Tal vontade certamente inspirou-se no grande sucesso de outro compositor-virtuose: Johann Nepomuk Hummel, com quem Beethoven manteve por muito tempo uma relação ambivalente. Eram predominantemente amigos, mas também prevalecia uma inveja azeda acerca dos triunfos do colega mais novo, um requisitadíssimo professor e pianista, além da mágoa por ter sido preterido por Hummel como aluno de Haydn, que jamais foi superada. O fruto mais notável dessa resolução foi um novo concerto em Dó menor, cujos primeiros esboços datavam de cinco anos antes, e que tinha não tinha nem Haydn, tampouco Hummel como inspirações. O modelo óbvio era Mozart: mais especificamente, seu grande concerto K. 491, com quem a nova obra compartilhava a tonalidade e muita, mas muita mesmo, semelhança temática.

A despeito da inspiração mozartiana, a audácia harmônica (que inclui um segundo movimento na distante tonalidade de Mi maior) e o pathos são Beethoven puro. A première foi dada por ele mesmo como solista, no mesmo mastodôntico concerto em que foram estreados o oratório Christus am Ölberge (Op. 85) e a sinfonia no. 2, além duma reapresentação da primeira sinfonia. Dentro da desorganização que lhe era peculiar, o incorrigível procrastinador de Bonn não completou as partes de piano a tempo da estreia, de modo que improvisou uma boa parte de seu solo e, talvez, a própria cadenza que depois acabou publicada junto com o concerto. A repercussão foi boa, ainda que eclipsada pela da segunda sinfonia. Notícia melhor ainda, inda mais depois de todo desespero de Heiligenstadt, foi a de que a surdez não lhe impedira o retorno aos palcos, que era o que mais temia. Em muito breve, Beethoven encontraria um patrono generoso no jovem arquiduque Rudolph e voltaria a estar em posição de vantagem nas negociações com editores, o que daria algum fôlego a suas finanças sempre periclitantes.

O solista desta gravação era o mais recluso dos mestres vivos do teclado, até se aposentar dos palcos no ano passado. O romeno Radu Lupu, intérprete realmente genial, exibe no concerto seu incomparável controle de nuances, belíssimo fraseado e, acima de tudo, a capacidade tantas vezes descrita por seus colegas como deixar a música falar por si própria. O disco abre e fecha, dir-se-ia estranhamente, com peças menores para piano solo. Quando ouvimos, no entanto, os rondós do Op. 51 soarem melífluos como improvisos de Schubert, e as brilhantes variações em Dó menor cintilarem na mesma tonalidade do concerto, percebemos o quão bem eles lhe servem muito bem como prelúdios. E, no fim, as duas pequenas sonatas do Op. 49, tão simples a ponto de estarem ao alcance de amadores, transformam-se num longo, delicado bis – como se Lupu, o sensível e arredio bicho-do-mato, buscasse um despiste para sumir sem ser percebido.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Dois Rondós para piano, Op. 51
Compostos entre 1795-1798
Publicados em 1802 (no. 2) e 1810 (no. 1)

1 – No. 1 em Dó maior
2 – No. 2 em Sol maior

Trinta e duas variações para piano sobre um tema original, em Dó menor, WoO 80
Compostas em 1806
Publicadas em 1807

3 – Thema – Variationen I-XXXII

Radu Lupu, piano

Concerto para piano no. 3 em Dó menor, Op. 37
Composto entre 1800-1803
Publicado em 1804
Dedicado ao príncipe Louis Ferdinand da Prússia

4 –  Allegro con brio
5 – Largo
6 – Rondo: Allegro

Radu Lupu, piano
London Symphony Orchestra
Lawrence Foster, regência

Duas sonatas para piano, Op. 49
Publicadas em 1805

No. 1 em Sol menor
Composta em 1797
7 –  Andante
8 – Rondo: Allegro

No. 2 em Sol maior
Composta entre 1795-1796
9 –  Allegro ma non troppo
10 – Tempo di Menuetto

Radu Lupu, piano

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“Qual é mesmo o nome do blogueirinho metido a comediante?” – “Vassily” – “Tá, então a gente pega o Vassily, uma torquesa, e…”

#BTHVN250, por René DenonVassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trios para piano, violino e violoncelo, Opp. 36 & 38 (arranjos da Sinfonia no. 2 e do Septeto)

Analogias gastroenterológicas à parte, a sinfonia em Ré maior, Op. 36, foi um imenso e imediato sucesso, e sua também bem-sucedida publicação levou o próprio Beethoven a rapidamente adaptá-la para piano, violino e violoncelo. Esse expediente de arranjar obras de concerto para pequenos conjuntos, de que já lançara mão em obras anteriores, buscava trazer suas composições até os salões e salas de estar, tornando-as mais acessíveis ao público em geral e, assim, trazer-lhe também mais proventos. O prolongado retiro em Heiligenstadt, um bonito cafundó muito afastado de Viena, sem publicar obras novas, sem dar concertos e destilando agonia, piorara muito suas sempre cambaleantes finanças, o que promoveu um relaxamento sem precedentes em seus critérios normalmente estritos ao publicar suas obras. Tamanho era o desespero que Beethoven chegou a cavocar seus caóticos baús e deles tirar as quase esquecidas variações sobre um tema de Dressler – sua primeira obra publicada, quando ainda moleque em Bonn – e, com os mínimos retoques, republicá-la para, na onda de sua crescente fama, fazer mais alguns cobres.

A mesma necessidade sôfrega fê-lo voltar a uma conhecida vaca gorda – aquele mesmo septeto cujo incrível sucesso tanto o irritara, por achar que eclipsava obras suas muito melhores – e reeditá-la, também num arranjo para trio com piano. O resultado, que já ouvimos neste série numa versão com clarinete, foi publicado como seu Op. 38 e vendeu muito bem, aliviando-lhe um pouco o garrote até que, decisivamente, ingressasse na sua vida o jovem arquiduque Rudolph, caçula da família real austríaca, que se tornaria não só um aluno de piano e composição, mas um generoso mecenas, confidente e dedicatário de muitas de suas futuras obras-primas.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio em Mi bemol maior para violino, piano e violoncelo, Op. 38 (arranjo do septeto, Op. 20)
Composto entre 1799-1800 (versão original do septeto, Op. 20)
Arranjado e publicado como trio em 1803
Dedicado à imperatriz Maria Theresia (septeto)

1 – Adagio – Allegro con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Tempo di menuetto
4 – Tema con variazioni. Andante
5 – Scherzo – Allegro molto e vivace
6 – Andante con moto alla marcia – Presto

Sachiko Kobayashi, violino
Michael Wagner, piano
Chihiro Saito, violoncelo

Sinfonia no. 2 em Ré maior, Op. 36 (arranjo para piano, violino e violoncelo pelo próprio compositor)
Composta entre 1801-02
Arranjo para trio publicado em 1803
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

7 – Adagio molto – Allegro con brio
8 – Larghetto quasi andante
9 – Scherzo: Allegro
10 – Allegro molto

Thomas Brandis, violino
Eckart Besch, piano
Wolfgang Böttcher, violoncelo

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Esses cinquenta euros de hoje valeriam… bem, várias noitadas de copa livre nas tavernas mais pulguentas de Viena.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 2 em Ré maior, Op. 36 – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Haitink – Huggett – Jansons – Karajan – Rattle – Reiner – Solti – Toscanini – Wand

Os três anos que separam as estreias da primeira e da segunda sinfonias marcam não somente um significativo salto estilístico, produto da evolução artística de um Beethoven cada vez mais propenso a extrapolar as convenções de todos os gêneros em que compunha, mas também apartam os lados dum abismo que lhe era cada vez maior: a surdez, que já se manifestara na década passada, tornara-se pervasiva o bastante para ele temer que algum dia se tornasse completa e, pior ainda, já atrapalhava suas tarefas cotidianas – uma sentença capital, temia ele, para sua carreira como compositor. Seu compreensível desespero levou-o a contemplar o suicídio. Por recomendação médica, passou uma temporada no lugarejo de Heiligenstadt, nos arredores de Viena – cujo nome eternizou-se no famoso testamento, na verdade uma carta  escrita aos irmãos, que nunca lhes foi entregue – e lá, entre outros afãs, dedicou-se a compor a segunda sinfonia.

Que uma obra de caráter tão luminoso e alegre seja um produto de uma época de terrível sofrimento psíquico é algo deveras notável, à altura talvez da capacidade de Mozart, então às portas da morte, de compor aquele belíssimo concerto para clarinete. Podemos supor que tudo, desde a escolha da ensolarada tonalidade de Ré maior até os toques humorísticos e as traquinagens harmônicas e dinâmicas que permeiam a sinfonia, fosse produto de um escapismo alimentado pela pacata vida no retiro em Heiligenstadt. Minha impressão, citando Platão, é que Beethoven simplesmente apertou o botão vermelho de f***-se (e quero ver vocês me provarem que Platão nunca disse isso) e escreveu com a deliberada intenção de, ignorando convenções de forma, provocar reações em quem a ouvisse. Independentemente de minhas desimportantes suposições, ela foi adorada pelo público, e recebeu – nenhuma surpresa – ressalvas dos críticos. Um deles comparou-a a um dragão agônico que, recusando-se a morrer, se contorce e estrebucha até se morrer exangue no movimento final – cujo primeiro tema já foi comparado a um soluço, um arroto ou mesmo um traque, fenômenos bastante familiares ao compositor, cronicamente desgraçado por problemas digestivos.

Bem, talvez os três juntos – e mais uma gargalhada do renano.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 2 em Ré maior, Op. 36
Composta entre 1801-02
Publicada em 1804
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

1 – Adagio molto – Allegro con brio
2 – Larghetto
3 – Scherzo: Allegro
4 – Allegro molto

Wiener Philarmoniker
Wilhelm Furtwängler
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NBC Symphony Orchestra
Arturo Toscanini
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Pittsburgh Symphony Orchestra
Fritz Reiner
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Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan
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Chicago Symphony Orchestra
Sir Georg Solti
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Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks
Günter Wand
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Koninklijk Concertgebouworkest
Bernard Haitink
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The Hanover Band
Monica Huggett
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Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner
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Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Mariss Jansons
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Gewandhausorchester Leipzig
Riccardo Chailly
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Berliner Philharmoniker
Sir Simon Rattle
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O “Testamento de Heiligenstadt”, em tradução de Erico Verissimo, lido por Paulo Autran

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Variações para piano, Opp. 34, 35 & 76, WoO 78-80 – Buchbinder

Depois de compor uma dúzia de séries de variações para piano antes da virada de século, Beethoven retornou esparsamente ao gênero nas décadas seguintes. Deixara, afinal, de ser um aspirante a compositor-virtuose, para o qual os cavalos de batalha mais óbvios eram, além dos concertos, as variações sobre temas em voga na época. Quando voltou a escrevê-las, já era um compositor conhecido e, desgraçadamente, sua surdez progredira a ponto de considerar deixar os palcos e contemplar o suicídio – como deixa claro e pungente no chamado “Testamento de Heiligenstadt”, escrito no mesmo 1802 em que compôs as variações Opp. 34 e 35.

Seu retorno ao gênero, além de atender às crescentes necessidades pecuniárias, parece justificar-se pela busca de horizontes que a sonata-forma – cujas costuras ele já vinha inovativamente arrebentando em obras com as do Op. 31 – não contemplava tão facilmente. Diferentemente das variações da juventude, quase que puramente figurativas, as séries da década de buscam transformações rítmicas e harmônicas inspiradas pelos temas, ou por seus pequenos cacoetes. As variações Op. 34, por exemplo, sobre um tema em Fá maior, são todas em tonalidades diferentes, num ciclo de terças descendentes, até retornar ao Fá maior. No Op. 35, indubitavelmente a melhor série de variações que escreveu antes das visionárias “Diabelli”, Beethoven lança mão dum tema de baixo que aparentemente lhe era muito querido: além de usá-lo no finale da música para o balé Die Geschöpfe des Prometheus (Op. 43), ele está numa de suas doze contradanças (WoO 14) e retornaria no finale de sua revolucionária sinfonia no. 3, a Eroica, por cuja alcunha essas variações acabaram conhecidas. Mais adequado, no entanto, seria chamá-las de “Variações Prometheus”, como o próprio compositor sugeriu ao editor, uma vez que o balé tinha sido publicado no ano anterior, e a Eroica, publicada somente três anos depois, encontrava-se apenas no começo de sua prolongada gestação.

Completam o disco as relativamente convencionais variações Op. 76, baseada na “Marcha Turca” da música incidental para a peça Die Ruinen von Athen (Op. 113) e outras três séries de variações. A duas primeiras, que abrem a gravação, baseiam-se sobre temas ingleses (o hino God Save the King e a canção patriótica Rule, Britannia!) e possivelmente direcionavam-se a seu crescente séquito de fãs nas ilhas britânicas – e os dois temas, curiosamente, seriam utilizados novamente em sua espalhafatosa Wellingtons Sieg, Op. 91, que lhe foi uma usina de dinheiro.

A série restante, com trinta e duas variações, todas muito curtas e virtuosísticas sobre um tema em Dó menor, é uma das poucas obras significativas que Beethoven publicou sem atribuir um número de Opus – algo que fez sem titubear, por exemplo, com as muito menos inspiradas variações do Op. 76. Um compêndio de truques pianísticos, foram um sucesso instantâneo entre pianistas profissionais e diletantes, o que talvez contribuiu para que o compositor as encarasse com algum desdém. Algumas fontes bem confiáveis (nada do atochador Schindler, portanto) contam que Beethoven as ouviu executadas pela filha de Johann Streicher, conhecido fabricante de pianos e, talvez enfastiado com a interpretação da jovem amadora e impedido pelas circunstâncias de lhe dirigir qualquer resmungo, perguntou:

– De quem é isso?
– Suas – responderam-lhe.
– Minhas? Essas tolices são minhas?
– … sim.
– Oh, Beethoven… que JUMENTO tu eras…

ooOoo

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Sete variações para piano sobre “God Save the King”, em Dó maior, WoO 78

2 – Cinco variações para piano sobre “Rule, Britannia!”, em Ré maior, WoO 79

3 – Trinta e duas variações para piano sobre um tema original, em Dó menor, WoO 80

4 – Seis variações para piano sobre um tema original, em Fá maior, Op. 34

5 – Quinze variações e uma fuga para piano sobre um tema original, em Mi bemol maior, Op. 35, “Variações Eroica”

6 – Seis variações para piano sobre um tema original, em Ré maior, Op. 76

Rudolf Buchbinder, piano

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Procuramos muito uma imagem de Buchbinder com a qual pudéssemos fazer gracinhas. Fracassamos: o bicho é um titã da fotogenia. Que homem, amigos – que homem!

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Bagatelas, Opp. 33, 119 & 126 – Brendel

Ao que tudo indica, Beethoven foi o primeiro a usar o termo “bagatela” no sentido de uma pequena peça para piano, assim chamando as três coleções publicadas sob os Opp. 33, 119 e 126. Além delas, um bom número de “ninharias” descobertas entre seus papeis, depois de sua morte, foram a prensa com a mesma denominação – incluindo aquela celebérrima, em Lá menor, que todos conhecem como “Pour Elise”.

As peças do Op. 33 são, grosso modo, um balaio de gatos com rascunhos, esboços e estudos abandonados para peças mais importantes, algumas datadas de seus anos em Bonn. Elas foram provavelmente retocadas e publicadas com o único e bastante terreno intuito de ganhar dinheiro – um expediente recorrente na vida do compositor que, apesar da fama crescente, via-se constantemente premido pelas necessidades a ser cada vez menos criterioso quanto àquilo que enviava aos editores. Não que essas miniaturas não sejam interessantes – a no. 6, que contém a incomum indicação “com uma certa expressão falante”, é extremamente expressiva, à altura dos bons momentos do compositor.

As duas séries remanescentes, publicadas em sua maturidade, são bastante diferentes. As do Op. 119, chamadas por Beethoven de “Novas Bagatelas”, não eram exatamente novas: baseavam-se em material reaproveitado, tanto dos cadernos de rascunho dos primeiros anos em Viena quanto dum compêndio didático para o qual colaborara, no qual as peças são chamadas “Kleinigkeiten” (“ninharias”). De qualquer maneira, são muito melhor trabalhadas que suas predecessoras e mais coesas como conjunto. Além disso, a coleção contém algumas das peças mais sucintas jamais publicadas pelo compositor – inclusive a recordista (no. 10, “Allegramente”), com meros treze compassos e quase tantos segundos de duração. A última série, Op. 126, não contém qualquer material reaproveitado, demonstrando a habilidade de Beethoven nas pequenas formas, como um hábil miniaturista a repousar dos esforços transcendentes dedicados à Nona Sinfonia, a Missa Solemnis e as Variações Diabelli, concluídas na mesma época.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sete bagatelas para piano, Op. 33
Compiladas e retrabalhadas entre 1801-02
Publicadas em 1803

1 – Andante grazioso quasi allegretto
2 – Scherzo – Allegro
3 – Allegretto
4- Andante
5- Allegro ma non troppo
6 – Allegretto quasi andante
7 – Presto

Dois rondós para piano, Op. 51
Composto e publicado em 1797
8 – No. 1 em Dó maior

Bagatela para piano em Dó menor, WoO 53 (1796-7)
9 – Allegretto

Onze novas bagatelas para piano, Op. 119
Compostas entre 1820-1822
Nos. 7-11 publicadas no tratado de piano de F. Starke em 1821
Coleção completa publicada em 1823

10 – Allegretto
11 – Andante con moto
12 – A l’Allemande
13 – Andante cantabile
14 – Risoluto
15 – Andante — Allegretto
16 – Allegro, ma non troppo
17 – Moderato cantabile
18 – Vivace moderato
19 – Allegramente
20 – Andante, ma non troppo

Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825

21 – Andante con moto, cantabile e compiacevole
22 – Allegro
23 – Andante, cantabile e grazioso
24 – Presto
25 – Quasi allegretto
26 – Presto – Andante amabile e con moto

Bagatela em Si bemol maior, WoO 60 (1818)
27 – Ziemlich lebhaft

Bagatela em Lá menor, WoO 59, “Für Elise” (1808-10)
28 – Poco moto

Alfred Brendel, piano

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Brendel encerrando a “Hammerklavier” é um dos meus momentos favoritos na vida

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – An die Hoffnung (Opp. 32 e 94) – Adelaide, Op. 46 – Lieder an die ferne Geliebte, Op. 98 – Der Kuß, Op. 128 – Lieder Opp. 48, 83, 88 – Fischer-Dieskau – Demus

Além de desprezar Horowitz e odiar Glenn Gould, outro esporte muito comum entre os melômanos é falar mal das dúzias de canções que Beethoven nos legou. Dando-se-lhe o devido desconto por ter sido contemporâneo de Schubert,  gênio inconteste do Lied, e reconhecendo que muitas de suas canções juvenis só têm importância histórica, acho esse preconceito com Ludwig injustificado: a produção vocal de câmara do mestre tem muitas peças interessantes, além de algumas de excepcional valor, que começamos a lhes apresentar a seguir.

Como pianista virtuoso e aluno de instrumentistas, era natural que o campo da música instrumental fosse o habitat mais natural para as criações do turrão. Ademais, dominar a composição de música vocal foi-lhe um considerável desafio. Neefe, com quem teve as primeiras aulas formais em Bonn, compunha canções algo simplórias e certamente o estimulou em suas primeiras tentativas no gênero (tais como Schilderung eines Mädchens, composta aos 12 anos e inclusa neste disco). Albrechtsberger, seu professor em Viena, também escreveu prolificamente para a voz, e o próprio Ludwig, almejando fama e fortuna com óperas em italiano, instruiu-se com Antonio Salieri na arte de criar para vozes nesse idioma, afã que rendeu vários exercícios de declamação que chegaram aos nossos tempos.

Apesar da notoriedade que ganhou em Bonn com duas cantatas dedicadas a imperadores (às quais, naturalmente, algum dia chegaremos nessa série), Beethoven era muito reticente com a música vocal camerística. Apesar de muitos modelos sobre os quais se calcar, faltava-lhe inserção suficiente nos meios aristocráticos apreciadores de música vocal para que obras assim lhe valessem a pena, uma vez que seus patronos, quase unanimemente, prestigiavam a música instrumental. A chave para a consagração, pensava ele, era compor uma ópera, mas muitos anos passariam até que Fidelio, sua única obra completa no gênero, chegasse aos palcos depois de imensas amarguras para o compositor.

Havia, também, um motivo mais íntimo para a insegurança: a despeito de todo brio com que se portava à medida que sua fama crescia (frequentemente ilustrado pela anedota de que, ao encontrar Goethe no balneário de Teplice, teria se recusado a prestar reverência à realeza passante), Beethoven reconhecia a precariedade de sua educação formal. Comentava com desdém sua letra, que dizia ser “de uma lavadeira”, e pranteava o que chamava de “meus poucos modos”, que eram muito sentidos nas tentativas, invariavelmente frustradas, de corte às inúmeras jovens aristocráticas por quem se apaixonou. Embora também menosprezasse sua cultura literária, era um ávido leitor de grandes autores. Ainda mais que Schiller, uma paixão de vida toda que redundaria na Ode an die Freude que todos conhecemos, seu maior herói literário era Goethe, e seus planos de musicar obras do mestre de Weimar – incluindo, num arroubo de otimismo, o Fausto inteiro! – acabaram por realizar-se num bom número de canções e na bela cantata Meeresstille und Glückliche Fahrt, composta depois do encontro supracitado dos dois gênios.

Quem ouve as três canções do Op. 83, sobre poemas de Goethe, ou acompanha a inventividade e beleza com que Beethoven lamenta uma amada distante no Op. 94, que considero um dos mais belos ciclos em todo repertório de Lieder, certamente reverá seus conceitos acerca da produção vocal do mestre. Mais ainda, quem comparar as duas versões de An die Hoffnung (Opp. 32 e 94), um triste clamor pela esperança que lhes dá o título, perceberá que, entre a canção estrófica de acompanhamento arpejado de 1805 e a outra, completamente posta em música (Durchkomponiert), cheia de ousadias harmônicas e com um acompanhamento que só poderia ter sido escrito pelo inventor duma obra revolucionária para o piano, bem, quem as comparar terá inda outra prova de que a evolução artística de Beethoven é realmente a mais impressionante entre todos os criadores.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – An die Hoffnung, Op.32 (poema de Tiedge, 1ª versão)
2 – Adelaide, Op.46 (Matthison)

Seis Lieder, Op. 48 (Gellert)
3 – No. 1: Bitten
4 – No. 2: Die Liebe des Nächsten
5 – No. 3: Vom Tode
6 – No. 4: Die Ehre Gottes aus der Natur
7 – No. 5: Gottes Macht und Vorsehung
8 – No. 6: Busslied

Três canções, Op. 83 (Goethe)
9 – No. 1: Wonne der Wehmut
10 – No. 2: Sehnsucht
11 – No. 3: Mit einem gemalten Band

12 – Vita Felice, Op. 88
13 – An die Hoffnung, Op.94 (Tiedge, 2ª versão)

Lieder an die Ferne Geliebte, Op.98 (Jeitteles)
14 – No. 1: Auf dem Hugel Sitz’ ich, spahend
15 – No. 2: Wo die Berge so Blau
16 – No. 3: Leichte Segler in den Hohen
17 – No. 4: Diese Wolken in den Hohen
18 – No. 5: Es kehret der Maien, es bluhet die Au
19 – No. 6: Nimm Sie hin denn, diese Lieder

20 – Ariette (Der Kuss), op.128 (Weisse)
21 – Schilderung eines Mädchens, WoO 107
22 – Duas canções: Seufzer eines Ungeliebten – Gegenliebe, WoO 118 (Bürger)
23 – Ich liebe dich, so wie du mich (Zärtliche Liebe), WoO 123 (Herrosee)
24 – La Partenza, WoO 124 (Metastasio)
25 – Opferlied, WoO 126 (Matthison)
26 – Der Wachtelschlag, WoO 129 (Sauter)
27 – Als die Geliebte sich Trennen Wollte, WoO 132 (Hoffman, tradução de von Breuning)

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Jörg Demus, piano

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Um Ludwig acaju, todo trabalhado na henna

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Três sonatas para piano, Op. 31 – Gould

Um tremendo trio de sonatas, estas do Op. 31. Diria mesmo que, individualmente e em conjunto, são as primeiras obras-primas maduras de Beethoven e, acima de tudo, marcos de sua ruptura com as convenções do classicismo para a expressão de um estilo fortemente individual. Elas tiveram grande repercussão em seu tempo, ainda que um incidente tenha retardado seu lançamento: após decidir publicá-las em Zurique, Ludwig enfureceu-se ao descobrir que seu editor suíço tinha acrescentado alguns compassos ao final do Allegro de abertura da sonata em Sol maior, e organizou uma republicação em Viena. O incidente sugere, talvez, o estranhamento causado pelos dois golpes secos ao teclado com que Beethoven encerrou o movimento, induzindo o editor suíço a finalizá-lo duma maneira que lhe parecia mais satisfatória. Esses toques incomuns, alheios às convenções vigentes, são uma das marcas da genial sonata em Ré menor, cujos movimentos todos desfalecem, em vez de encerrarem com uma vigorosa reafirmação da tonalidade. Apesar dela ter sido apelidada de “Tempestade” – numa referência oblíqua à obra de Shakespeare, que o nunca confiável factotum Schindler atribuiu ao próprio Beethoven -, nada há nela de programático, e os contrastes entre os plácidos arpejos recorrentes e os episódios tumultuados que se intercalam a eles expressam tensão e resolução para bem além das normas da sonata-forma. A última obra da trinca é, pelo contrário, uma bem-humorada, diria mesmo risonha obra sem movimentos lentos, e talvez a menos convencional de todas do ponto de vista harmônico. Toda esta inconvencionalidade reunida sob o teto dum só número de Opus devem tê-las tornado atraentes para o mais excêntrico dos grandes pianistas, e Glenn Gould, que as aprendeu muito cedo, de fato sempre as manteve em seu repertório. Depois de anos a ouvir interpretações romantizadas que nunca me convenceram, este registro do canadense – tecnicamente impecável e sem sentimentalismos – soou-me como uma revelação. Considero-a sua melhor gravação de Beethoven, e espero que também a consigam apreciar.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três sonatas para piano, Op. 31
Compostas em 1802
Publicadas em 1803

No. 1 em Sol maior
1 – Allegro vivace
2 – Adagio grazioso
3 – Rondo – Allegretto – Adagio – Presto

No. 2 em Ré menor, “Tempestade”
4 – Largo – Allegro
5-  Adagio
6 – Allegretto

No. 3 em Mi bemol maior
7 – Allegro
8 – Scherzo – Allegretto vivace
9 – Menuetto – Moderato e grazioso
10 – Presto con fuoco

Glenn Gould, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Para quem não se contenta com odiar um só Gould, aqui vai uma dúzia para que se divirtam.

#BTHVN250, por René Denon
Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violino e piano, Op. 30 – Kavakos – Pace

Kavakos de volta, a trinca do Op. 30 com ele e Pace é supimpa demais! Achei linda, sublime mesmo a delicadeza com que ele saboreia cada frase da sereníssima primeira sonata do grupo – e de tal maneira que, se já não era muito fácil, se torna impossível imaginar a obra encerrando com o feroz finale da Op. 47, a “Kreutzer”, originalmente composto para ela. Qualquer complacência, no entanto, se dissolve logo no Allegro da sonata seguinte, completamente desenvolvido sobre a célula rítmica do motivo inicial – expediente a que Beethoven recorreria, com o poderoso resultado que todos conhecemos, na abertura de sua quinta sinfonia, também em Dó menor. A gravação termina com uma ótima sonata em Sol maior, talvez a primeira entre as congêneres em que os dois instrumentistas sejam exigidos da mesma maneira. Enrico Pace não só se sai à altura do extraordinário Kavakos, como fica tudo tão arrumadinho que a gente só consegue torcer para que a “Kreutzer” chegue logo.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três sonatas para violino e piano, Op. 30
Compostas entre 1801-02
Publicadas em 1803
Dedicadas a Alexander I, czar da Rússia

No. 1 em Lá maior
1 – Allegro
2 – Adagio molto espressivo
3 – Allegretto con variazioni

No. 2 em Dó menor
4 – Allegro con brio
5 – Adagio cantabile
6 – Scherzo: Allegro
7 – Finale: Allegro – Presto

No. 3 em Sol maior
8 – Allegro assai
9 – Tempo di minuetto, ma molto moderato e grazioso
10 – Allegro vivace

Leonidas Kavakos, violino
Enrico Pace, piano

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Como gostamos de Pace e também queremos ser amigos dele, vamos ilustrar a postagem com a foto de um seu excelente momento capilar.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano Opp. 27, 13 & 14 – Gould

Contrariando minha praxe, hoje não farei qualquer ressalva antes de publicar Gould. Já houve reações nervosas, hidrófobas até, a postagens anteriores com o mala-sem-alça canadense. As últimas publicações com o mais canoro dos pianistas que tocavam em cadeiras quebradas feitas pelo pai, no entanto, não suscitaram qualquer reação em qualquer sentido, pelo que deduzo que ou os leitores-ouvintes dominaram a arte de simplesmente ignorarem aquilo que não lhes apraz, poupando de reproches quem deles pense diferente, ou a distopia abocanhou o planeta dum jeito que hoje as pessoas já conseguem escutar Gould com indiferença – algo que, sinceramente, duvidava viver para ver.

Enquanto vocês decidem se meu convoluto parágrafo anterior é ou não é uma ressalva – se é que nele há cousa alguma que não seja retórica -, prossigo ao contar-lhes que gosto demais dessa gravação. Além duma ótima”Patética” e de leituras elétricas e bem-humoradas das sonatas-quase-sonatinas do Op. 14, Glenn sai-se extraordinariamente bem nas duas sonatas-quase-fantasias do Op. 27, que são o objeto principal desta publicação.

O termo “quase uma fantasia”, foi cunhado pelo próprio Beethoven, ensejou por muito tempo leituras açucaradas da segunda do par, aquela conhecida como “ao Luar” (que, para variar, é um título apócrifo), induzindo o diabetes e talvez mesmo a cetoacidose ao justificar que o turrão de Bonn, ao compor o Adagio sostenudo, fantasiava como que a devanear. Mais provável, no entanto, é que ele as pretendesse executadas ao modo das fantasias para piano, como aquelas de Mozart, e que suas partes fossem episódios, e não movimentos, duma peça ininterrupta. O fato do próprio compositor ter prescrito que os movimentos fossem executados “attacca”, – ou seja, sem interrupções – reforça a ideia, bem como a reticência na aplicação da sonata-forma, e o esquema tonal e desenvolvimento temático muito livres, especialmente na primeira dessas sonatas, que contém, em seu movimento derradeiro, uma recapitulação de temas ouvidos nos anteriores. Penso que Gould compreendeu muito bem esta proposta, e que sua interpretação não perde a meada ao longo da execução. Talvez sua relutância em usar o pedal choque um pouco os leitores-ouvintes acostumados a ouvir uma “Luar” iniciada com um Adagio sostenuto propriamente dito, e não o quase Andantino em que Gould o despacha, mas o resultado orna muito bem com os demais movimentos, particularmente com o tempestuoso Presto final, respeitando a concepção de, bem, uma quase-fantasia.

Sobre a “Luar” cabe, talvez, uma ressalva, já que ressalva não fiz lá no começo: ela foi gravada nas mesmas sessões que a “Patética” e a “Appassionata”, num projeto imposto pela Columbia para, imaginava ingenuamente, vender como água um LP somente com sonatas célebres e com apelidos, e para tentar extrair algum sumo do contrato com Gould, já que, diferentemente do assombroso sucesso de seu disco de estreia com as Variações Goldberg, seu projeto beethoveniano anterior, com as três últimas sonatas do mestre, fracassara nas vendas. Glenn, que odiava qualquer imposição, certamente brandiu suas melhores armas de sabotagem: além de uma “Patética” pouco patética, aliás quase nada sentimental (que é a mesma que os leitores-ouvintes encontrarão no link abaixo), despachou uma “Luar” sugar-free e – pior ainda – uma “Appassionata” totalmente desconstruída e tudo, mas tudo MESMO, menos apaixonada. Acho bom que vós outros, que agora me detestam por postar Gould, se comportem bem nos comentários, pois qualquer dia eu posto essa “Appassionata” e, bem: vocês verão só o que é me odiar.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Dó menor, Op. 13, “Patética”
Composta em 1798
Publicada em 1799
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

1 – Grave – Allegro di molto e con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Rondo: Allegro

Duas sonatas para piano, Op. 14
Compostas em 1798-1799
Publicadas em 1799
Dedicadas à baronesa Josefa von Braun

No. 1 em Mi maior
5 – Allegro
6 – Allegretto – Trio
7 – Rondo. Allegro comodo

No. 2 em Sol maior
8 – Allegro
9 – Andante
10 – Scherzo. Allegro assai

Duas sonatas para piano, Op. 27
Compostas em 1801

Publicadas separadamente em 1802

Sonata “quasi una fantasia” no. 1 em Mi bemol maior
Dedicada à princesa Josephine von Liechtenstein

11 – Andante – Allegro – Andante – attacca:
12 – Allegro molto e vivace – attacca:
13 – Adagio con espressione – attacca:
14 – Allegro vivace

Sonata “quasi una fantasia” no. 2 em Dó sustenido menor, “Ao Luar”
Dedicada à condessa Giulietta Guicciardi

15 – Adagio sostenuto
16 – Allegretto
17 – Presto agitato

Glenn Gould, piano

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Queria ver Gould vivo e blogueiro do PQP Bach. Aí vocês teriam saudades de mim. Humpf.
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Christus am Ölberge, Op. 85 – Rilling


Subvertemos novamente a já pouquíssima ordem que há nesta série para publicar a singular composição de Beethoven que alude aos eventos celebrados pelos cristãos durante a semana santa: Christus am Ölberge (“Cristo no Monte das Oliveiras”), sua única experiência no gênero do oratório, que descreve a agonia de Jesus no Getsêmani.

Provavelmente idealizada e rascunhada durante sua tensa temporada em Heiligenstadt, foi  composta a toque de caixa no prazo de duas semanas, um ritmo que nada impressionaria Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus, que escreveu uma sinfonia em quatro dias, mas sem dúvidas frenético para os enrolados padrões de Beethoven. Muito se conjeturou se sua implosão psíquica, que culminou no célebre testamento, aproximou-o sentimentalmente do tema do sofrimento de Cristo na véspera de seu calvário. A pressa em terminar o oratório, no entanto, explica-se sem conjeturas: pretendia estreá-lo, junto com a sinfonia no. 2 e o concerto no. 3 para piano e orquestra, do qual também tocaria o solo, num megaconcerto com suas obras no mui respeitado Theater an der Wien, cuja renda líquida escorreria para seu estropiado bolso. Mais ainda, tentava cumprir uma promessa feita a ninguém menos que Emanuel Schikaneder – fundador do Theater, amigo de Wolfgangus, libretista de Die Zauberflöte e o primeiro Papageno (a promessa verdadeira era de uma ópera, mas Fidelio, de gestação complicadíssima, ainda estava longe de ser parida). Como o credor muito esperava, e o devedor era um grande procrastinador, Beethoven correu o que pôde, e ainda assim passou a manhã do dia do concerto escrevendo as partes de trombone do oratório que seria estreado à tarde, além de tocar o solo do concerto entre a memória e a improvisação, posto que ainda não a colocara no papel.

Christus am Ölberge teve uma acolhida apenas razoável pelo público, suficiente para que fosse levado ao palco algumas vezes nos anos subsequentes. A crítica dividiu-se em reconhecer-lhe bons momentos e apontar-lhe a falta de dramaticidade, defeito letal para um oratório, inda mais sobre um tema que, sozinho, já transpira drama. O próprio compositor constrangeu-se com a primeira execução e pôs-se imediatamente a revisar a obra, insatisfeito principalmente com seu fraco libreto, escrito por um seu conhecido, Franz Xaver Huber. Quando de sua publicação, que aconteceu oito anos depois e a levou a receber o enganoso número de Op. 85, o editor conseguiu-lhe um novo libretista que se dedicou a melhorar o texto. Mesmo com as emendas, Beethoven não ficou satisfeito: colheu suas moedas de prata e renegou o oratório, que foi caindo em oblívio e, hoje, e raramente escutado.

Meus ouvidos modernos e xucros tendem a concordar com os críticos e estranhar o estilo operístico e italianizado, certamente influenciado por Salieri, com quem Beethoven estudara recentemente composição e declamação em italiano com a ambição de enriquecer com uma ópera no idioma. A escolha de uma voz de tenor para representar Jesus, em lugar da tradicional opção por um baixo ou barítono, acaba por dar um brilho pouco apropriado a passagens que esperaríamos, pelo enredo, mais austeras, e o dueto entre Jesus e o serafim (soprano) chega às raias de soar como uma cena de amor. Em que pesem essas ressalvas, Christus am Ölberge é o que de mais pascal temos para lhes oferecer de Beethoven, e esperamos que a regência do indestrutível Helmuth Rilling – responsável não só por uma, mas duas séries de gravações de todas as cantatas de Johann Sebastian Bach – lhes ilumine suas virtudes enquanto disfarça seus achaques.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Christus am Ölberge, oratório para solistas, coro e orquestra, Op. 85
Composto em 1803
Publicado em 1811

 1 – Introduction
 2-  Jehovah, du mein Vater
 3 – Meine Seele ist erschuttert
 4 – Erzittre, Erde!
 5 – Preist des Erlosers Gute
 6 –  O Heil euch, ihr Erlosten
 7 –  Doch weh! Die frech entehren
8 – Verkundet, Seraph, mir dein Mund
 9 – Duo: So ruhe denn
 10 – Wilkommen, Tod!
 11 – Wir haben ihn gesehen
 12 – Die mich zu fangen augezogen
 13 – Hier ist er
 14 – Nicht ungestraft
 15 – In meinen Adern wuhlen
 16 – Auf, ergreifet den Verrater!
 17 – Welten singen Dank und Ehre

 18 – Preiset ihn, ihr Engelchore

Keith Lewis, tenor (Jesus)
Maria Venuti, soprano (
Serafim)
Michel Brodard, baixo (Pedro)
Gächinger Kantorei Stuttgart
Bach-Collegium Stuttgart
Helmuth Rilling, regência

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“Cristo no Monte das Oliveiras” (“Cristo nell’orto degli ulivi”), por Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) – a fotografia em branco e preto é tudo o que nos resta da obra, destruída pelo bombardeio a Berlim na II Guerra Mundial.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

O Mestre Esquecido, capítulo X (Beethoven – Sonata para violino e piano, Op. 24 – Brahms – Sonata para violino e piano no. 3 – Wanda Wiłkomirska e Antônio Guedes Barbosa) #BTHVN250

Claro que jamais esqueceríamos o Mestre por tanto tempo esquecido, e precisamente por isso resolvemos interromper nossa excursão pela obra completa de Lud Van para trazer uma das lamentavelmente poucas contribuições de Antonio Guedes Barbosa à discografia beethoveniana (a outra, com as sonatas Opp. 53 e 109, já foi publicada nessa série).

Este registro da sonata Op. 24, “Primavera”, ao lado de sua habitual parceira de recitais, a violinista polonesa Wanda Wiłkomirska (1929-2018), felizmente permite-nos escutar Barbosa em ação em partes mais significativas que o mero acompanhamento naquelas obras bonitinhas, mas pianisticamente catatônicas do álbum de Kreisler. Essa sonata preza exatamente pelo equilíbrio que Beethoven atribuiu às partes dos instrumentos, que aqui estão em pé de igualdade, num prenúncio do que ele mostraria ao mundo com sua fantástica sonata “Kreutzer”. Infelizmente (e percebam que eu muito uso este advérbio para comentar o exíguo legado fonográfico de Antonio), a gravação privilegia talvez um tanto demais o violino em detrimento do piano no primeiro movimento, de modo que acabamos escutando o mestre bem menos do que gostaríamos. As coisas melhoram nos movimentos seguintes, principalmente no finale. Pena que não tiveram com a sonata de Beethoven o mesmo cuidado que prestaram à sonata de Brahms que abre a gravação, com a gravação mais equilibrada para uma leitura muito robusta em que, admitamos, Barbosa e Wiłkomirska estão bem mais em sua praia.

Johannes BRAHMS (1833-1897)

Sonata para violino e piano no. 3 em Ré menor, Op. 108
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Un poco presto e con sentimento
4- Presto agitato

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para violino e piano no. 5 em Fá maior, Op. 24, “Primavera”
5 – Allegro
6 – Adagio molto espressivo
7 – Scherzo: Allegro molto
8 – Rondo: Allegro ma non troppo

Wanda Wiłkomirska, violino
Antonio Guedes Barbosa, piano
Lançado em LP pela Connoisseur Society (Estados Unidos) em 1975
Nunca lançado em CD
Jamais lançado no Brasil

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Antonio Guedes Barbosa, em imagem do acervo do precioso Instituto Piano Brasileiro, que segue com seu incansável trabalho de preservação e divulgação do legado impresso e fonográfico dos grandes nomes do piano no Brasil – como o próprio Antonio, que sempre é lembrado por lá como um dos maiores de todos nossos compatriotas. Clique na imagem e visite o site do Instituto, e também suas páginas nas redes sociais – o Facebook e o YouTube são especialmente ricos. Mais ainda: se puder, contribua com ele. É fácil, rápido e imensamente gratificante.

Vassily [revalidado em 17/1/2021]

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violino e piano, Opp. 23 & 24 – Kavakos – Pace

Depois de muito piano, o violino tenta voltar a esta série – e, como foi e será para as sonatas que lhe escreveu o mestre de Bonn, aqui ele soará com o mais belo dos timbres da atualidade, o de Leonidas Kavakos.

Acompanhado pelo riminese Enrico Pace, o ateniense aqui nos oferece as sonatas Opp. 23 e 24, compostas simultaneamente e só não publicadas juntas porque, pelo que consta, um mundano problema com o PAPEL disponível na gráfica obrigou o editor a dá-las à prensa em separado. Ainda que se lhes destinasse um só número de Opus, elas, como gêmeas bivitelinas, não poderiam ser mais diferentes. Dispensarei comentários à Op. 24, já por demais conhecida, e talvez aquela entre as composições de Beethoven que mais mereça o título primaveril e apócrifo que lhe colocaram. Permitam-me, pois, direcionar o facho para a Op. 23, uma composição num ácido lá menor, muitas vezes obtusa, e que o grego – sempre atento ao detalhe – despacha até com garbo e brilho, e não só no maroto Andante scherzoso em maior. Muito bem recebida pelos contemporâneos de Beethoven, acho inexplicável – ou, talvez, só compreensível à luz da imensa popularidade de sua gêmea mais querida – que ela não seja tão apreciada em nossos dias, enquanto espero que essa tremenda leitura de Kavakos e Pace corrija essa injustiça.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata em Lá menor para violino e piano, Op. 23
Composta em 1800
Publicada em 1801
Dedicada ao conde Moritz von Fries

1 – Presto
2 – Andante scherzoso, più allegretto
3 – Allegro molto

Sonata em Fá maior para violino e piano, Op. 24, “Primavera”
Composta entre 1800-01
Publicada em 1801
Dedicada ao conde Moritz von Fries

4 – Allegro
5 – Adagio molto espressivo
6 – Scherzo: Allegro molto
7 – Rondo: Allegro ma non troppo

Leonidas Kavakos, violino
Enrico Pace, piano

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Como adoramos Kavakos e queremos muito ser amigos dele, vamos fazendo aquilo que só os bons amigos fazem – divulgar suas melhores fotos.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano Opp. 22, 31 no. 3 & 101 – Hewitt

Uma ilustre quase desconhecida, exceto aos mais atentos ludovicômanos, a sonata Op. 22 é muito bonita e elegantemente acabada, sem as explosões de temperamento a que Beethoven nos acostumara em tantas sonatas anteriores. Os temas são muito bem desenvolvidos e lindamente ornamentados, e não somente no movimento lento, que, noutra praxe do mestre, é o coração da obra.

A intérprete, Angela Hewitt, confessou que às vezes olha de soslaio para o público sempre que inicia a Op. 22, e invariavelmente encontra olhares em branco. Lamentável, pois trata-se duma peça que merece ser mais conhecida, nem que fosse pelo fato do próprio Beethoven, notoriamente reticente acerca de seu taco, não só a ter intitulado “Grande” (como fizera com a Op. 7) como também tê-la apresentado ao seu editor com um mui assertivo “essa sonata é uma obra extraordinária”.

Apreciando-a no seu contexto, da transição entre as sonatas do início da carreira e aquele grupo robusto das sonatas dos Opp. 26-28, eu tendo a concordar com o mestre. Quanto aos que a tentam vincular às supracitadas, eu tenho minhas ressalvas, uma vez que me a Op. 22 me soa muito mais afim às três sonatas dedicadas a Haydn do que a qualquer outra de suas comparativamente radicais irmãs mais velhas.

Completam a gravação uma vigorosa leitura sonata Op. 31 no. 3 e uma de minhas favoritas entre todas as gravações da extraordinária Op. 101, em que Hewitt usa toda sua experiência com Bach para iluminar o rico contraponto do movimento final – e ambas, claro, serão abordadas em postagens posteriores nesta série.

Ludwig van BEETHOVEN
 (1770-1827)

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 22
Composta em 1800
Publicada em 1802
Dedicada ao conde Johann Georg von Browne

1 – Allegro con brio
2 – Adagio con molta espressione
3 – Menuetto
4 – Rondo: Allegretto

Das Três sonatas para piano, Op. 31:
No. 3 em Mi bemol maior
Composta em 1802
Publicada em 1804

5 – Allegro
6 – Scherzo. Allegretto vivace
7 – Menuetto. Moderato e grazioso
8 – Presto con fuoco

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann

9 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung
10 – Lebhaft, marschmäßig
11 – Langsam und sehnsuchtsvoll
12 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit

Angela Hewitt, piano

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“Aff, esses bocas-moles que não conhecem a Op. 22!”
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 1 em Dó maior, Op. 21 – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Haitink – Huggett – Jansons – Karajan – Rattle – Reiner – Solti – Toscanini – Wand

Retorno após breve hiato, e não sem despertar questionamentos sobre se eu tomara chá de sumiço, ou se faria um prolongado retiro no Hades no feitio daquele que fez as senhoras e senhores terem um refresco de mim por quase quatro anos. Agradeço a preocupação e, talvez decepcionando aqueles que esperavam postais do Hades, esclareço que estava em férias em lugar bem distante e numa cicloviagem um pouco exigente demais para meus jamones, de tal maneira que, ao encerrar cada dia, quase nada restava de meus miolos, fritos pelo sol do trópico de Câncer, além duma pasta molenga e pouco apropriada a escrever sobre Beethoven.

Confesso, entretanto, que houve outro motivo, que me deixou talvez tão hesitante quanto ficou Beethoven em estrear sua primeira sinfonia: eu não tinha A MENOR IDEIA de como abordar uma postagem sobre uma sinfonia de Beethoven, fosse esta ou qualquer outra, na integral que lhes prometemos ao longo deste ano da Peste e do #BTHVN250.

Explico:

Tomemos como exemplo as trinta e duas sonatas para piano: há várias integrais, muitas das quais já publicadas neste blogue, e também sonatas gravadas em pequenos lotes, ou integrais inacabadas (os “torsos de integrais”, nas palavras do querido René Denon). Ainda que muitos pianistas as incluam avulsamente em seus recitais e gravações, são relativamente poucos os que se dedicam a tocar ou gravar o conjunto completo, certamente porque seu escopo – tanto de duração quanto de exigências técnicas e expressivas – é grande demais para caber num punhado de discos e ou de apresentações. Assim, e dentro da proposta de lhes trazer nesta série somente gravações inéditas no PQP Bach, não tive dificuldades de achar muito material, e abundante, para contemplar as sonatas para piano nesta celebração do BTHVN250.

As sinfonias são um caso muito diferente. Todo regente que se preza deseja registrar o seu ciclo completo, o que leva a uma abundância discográfica das nove meninas. Mais que isso, há encarniçadas e provavelmente insolúveis discussões sobre qual a melhor gravação do ciclo, muito mais do que as trinta e duas sonatas sonhariam em suscitar. Adicionando a este bolo de discórdia algumas camadas extras de complicação, menciono as várias edições das sinfonias, que tentam destrinchar as muitas correções que Beethoven – sempre o autocrítico implacável e procrastinador desorganizado – lhes incorporou ainda em vida, e via de regra com caligrafia medonha, e as incontáveis vertentes de tradição interpretativa que incidem sobre essas obras essenciais. A todas as camadas do bolo, enfim, somo a minha cobertura: eu gosto demais de vários ciclos, mas nunca algum deles me satisfez completamente, de maneira que qualquer escolha minha para oferecer-lhes seria, de antemão, insatisfatória.

A solução a que cheguei certamente não agradará a todos, e com ainda mais certeza revoltará aqueles que apreciam o cuidadoso rabalho de curadoria. Ainda assim, aqui vai ela: em vez de um ciclo, oferecer-lhes-ei doze, gravados em diferentes épocas, por renomados regentes imbuídos de diversas tradições interpretativas.

Pensei inicialmente em publicar um ciclo antigo, outro contemporâneo, e mais outro em instrumentos originais. Entre os antigos, Wilhelm Furtwängler esteve desde sempre firme em meus planos, e não demorou que eu me perguntasse se não valeria a pena também incluir o ciclo de seu contemporâneo Arturo Toscanini, outro virtuose da batuta, ao qual era inevitavelmente comparado, obra a obra. Falar deles lembrou-me do venerando Günter Wand que, perguntado se regeria a Nona Sinfonia como Furtwängler ou como Toscanini, respondeu nos rins: “como Beethoven”. Heribert von Karajan (sim, Heribert: googleiem para conferir) não estava em meus planos, mas inevitavelmente perguntariam – quiçá brandindo-me ancinhos e tochas – sobre ele. Em reconhecimento à sua enorme importância para a indústria discográfica, que incluiu vários registros completos do ciclo, praticamente uma a cada grande revolução nas técnicas de gravação (e também, claro, porque aqueles Porsches todos não saíam de graça), resolvi incluir aquele que considero o melhor, feito nos anos 60 com seus inseparáveis Berliners. Lembrei também dos brilhantes magiares que levaram as orquestras dos Estados Unidos a seus pináculos e incluí integrais de Fritz Reiner e Georg Solti, e que jamais – nunca, em hipótese alguma – deveria esquecer do maior regente vivo, Bernard Haitink, e de sua inseparável orquestra do Concertgebouw. Tampouco deixaria de lado duas gravações recentes das quais muito gosto – a de Riccardo Chailly com a orquestra do Gewandhaus de Leipzig, talvez o conjunto que responda mais instintivamente ao seu regente entre todas em atividade, e aquela de Simon Rattle, praticamente na saideira de sua era como diretor dos Berliners. Na turma da interpretação historicamente informada, nunca tive dúvidas de que o excelente ciclo de John Eliot Gardiner estaria neste rol, e achei por bem oferecer também uma outra integral menos conhecida e bastante estimulante, a da Hanover Band dirigida alternadamente por Roy Goodman e Monica Huggett. Por fim, e já aflito porque as doze poderiam facilmente chegar a vinte, lembrei que o patrão PQP Bach tinha botado tudo para quebrar ao postar a  m a r a v i l h o s a integral de Andris Nelsons com a Wiener Philarmoniker, a melhor gravação do ciclo nos últimos anos, e aí me dei conta de que outro letão, o imenso Mariss Jansons, recentemente desaparecido, também tinha deixado sua série, que aqui está numa sentida homenagem ao suave mestre.

Contaram doze? Pois bem, aqui vão elas. Claro que, por ter ouvido todas, adoraria para comentá-las uma a uma, e mesmo compará-las. Nossa travessia beethoveniana, entretanto, é ainda muito longa, e o tempo de que disponho, bastante curto. Prometo-lhes que, depois de 17 de dezembro, quando a série estiver completa, voltarei às postagens das sinfonias para, quem sabe, transformá-las em guias de gravações comparadas tão bom quanto aqueles que o colega Das Chucruten já publicou, inclusive da Pastoral. Por ora, escolham as que mais apetecerem, comparem-nas, e deixem-me saber o que pensaram delas nos comentários.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 1 em Dó maior, Op. 21
Composta entre 1795-1800
Publicada em 1801
Dedicada ao barão Gottfried van Zwieten

1 – Adagio molto – Allegro con brio
2 – Andante cantabile con moto
3 – Menuetto: Allegro molto e vivace
4 – Adagio – Allegro molto e vivace

Wiener Philarmoniker
Wilhelm Furtwängler
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NBC Symphony Orchestra
Arturo Toscanini
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Chicago Symphony Orchestra
Fritz Reiner
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Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan
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Chicago Symphony Orchestra
Sir Georg Solti
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Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks
Günter Wand
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Koninklijk Concertgebouworkest
Bernard Haitink
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The Hanover Band
Monica Huggett
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Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner
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Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Mariss Jansons
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Gewandhausorchester Leipzig
Riccardo Chailly
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Berliner Philharmoniker
Sir Simon Rattle
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Ah – quase me esqueci de comentar a obra. Gestada ao longo de cinco anos, e certamente com muita preocupação por conta da sombra esmagadora das sinfonias de Mozart e Haydn (que ainda vivia), a Primeira é calcada firmemente nos modelos dos mestres mais velhos, com toques claramente beethovenianos como o uso dos sopros, frequentemente formando corais independentes das cordas, e os repetidos sforzandi. Há alguns truques interessantes, como o de “esconder” a tonalidade no movimento inicial, em vez de começar com uma afirmação estrondosa da mesma (como aqueles dois portentosos acordes que abrem a Eroica), embora não houvesse audácias tonais capazes de chocar o mui conservador público do Burgtheater, no qual “Le Nozze de Figaro” e “Così fan tutte” tinham vindo à luz e onde Beethoven estrearia várias de suas obras mais importantes. Meu movimento favorito é o faceiríssimo Menuetto, que é um scherzo em tudo, menos no título. O finale, que começa com uma escala marota que se desenrola lentamente, mantém a mesma verve do minueto e leva a uma conclusão muito efusiva uma obra que, se não se pode chamar de revolucionária, certamente mostrou a Viena que a voz do renano era diferente de todas outras.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para violino, violoncelo e piano, Op. 56 – Sinfonia no. 7 – Mutter – Ma – Barenboim

Sim, esta postagem está queimando a ordem de publicação das obras de Lud Van, mas é por um excelente motivo: adorei esta gravação, e não queria que os leitores-ouvintes perdessem a oportunidade de ouvi-la o quanto antes.

É difícil de negar que este concerto triplo seja, talvez junto com o Op. 19 para piano (do qual o próprio Beethoven não gostava muito), a menos inspirada das obras concertísticas que o mestre publicou em vida. Não se sabe ao certo por que e para quem ele foi composto, embora o factotum Schindler, notório atochador, jurasse que a parte do piano tivesse em mente o arquiduque Rudolph, aluno e futuro patrono do compositor, o que explicaria sua relativa simplicidade. Como quase tudo o que vem de Schindler, no entanto, essa afirmação não se sustenta, uma vez que a obra já tinha sido iniciada em 1804, ano em que Rudolph, ainda adolescente, iniciou seus estudos de piano e composição. Ademais, quando de sua publicação, em 1808, o dedicatário foi outro patrono, o príncipe Lobkowitz – uma desfeita difícil de imaginar com o caçula da família real austríaca. O mais provável, assim, é que Beethoven a tenha escrito com virtuoses específicos em mente e que a parte para piano coubesse a ele próprio.

Nunca morri de amores por este concerto, especialmente pelo que percebo como prolixidade e previsibilidade do primeiro e do último movimentos. Por eliminação, conclui-se que o Largo central, muito bonito e conciso, seja meu preferido, muito pelo destaque dado ao violoncelo, que, aliás, abre os trabalhos solísticos em todos os movimentos. Beethoven, que já lhe escrevera duas revolucionárias sonatas, demonstra o quão bem sabia aproveitá-lo como protagonista – uma palhinha, acho, do que seria um seu concerto para violoncelo, numa época em que o gênero pouco tinha ido além daqueles dois de Haydn e dos tantos de Boccherini.

Embora uma obra concertística para piano, violino e violoncelo fosse totalmente sem precedentes, o concerto triplo está inscrito na tradição da sinfonia concertante iniciada na França e que ganhou voga em centros como Mannheim, o feudo dos Stamitz, e Bonn, cidade natal de Beethoven. Talvez por isso eu fique menos satisfeito com interpretações ao estilo “trio com piano vs. orquestra” do que com aquelas que exaltam as qualidades individuais dos solistas – exatamente o caso desta que agora lhes apresento, lançada no mês passado.

O destaque vai para Yo-Yo Ma, emprestando seu belíssimo timbre para as suculentas melodias que Ludwig dedicou ao violoncelo. Anne-Sophie Mutter, que é daquelas artistas das quais não se tem muito como falar de maus dias, estava num especialmente elétrico, e seu violino janta as partes com muito apetite. E Daniel Barenboim, no duplo papel de solista e regente, não só se sai bem na discreta parte para piano (o que é ótimo, considerando que a impressão de nós outros aqui no blogue é a de que ele não leve mais o piano tão a sério), como se permite algumas liberdades agógicas que Beethoven, um grande improvisador, provavelmente aprovaria. Além disso, conduz seu conjunto, a West-Eastern Divan Orchestra, com muita precisão e energia. O resultado é uma gravação que, mesmo com os precedentes da troika estelar (Oistrakh, Richter e Rostropovich sob Karajan em 1970, por ocasião do bicentenário de Beethoven) e dos próprios Ma e Mutter, ainda garotos (também sob Karajan e com o pianista moldavo-americano Mark Zeltser, em 1985), passou a ser minha preferida.

Completa o disco, com um destaque sacrilegamente minúsculo para obra tão maiúscula (olhem só o tamanho daquelas letrinhas na capa!), uma Sétima Sinfonia cheia de verve, muito melhor do que qualquer outra que Barenboim gravou.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Dó maior para violino, violoncelo, piano e orquestra, Op. 56
Composto entre 1803-05
Publicado em 1807
Dedicado a Joseph Franz Maximilian, príncipe Lobkowitz

1 – Allegro
2 – Largo (attacca)
3 – Rondo alla polacca

Anne-Sophie Mutter, violino
Yo-Yo Ma
, violoncelo
West-Eastern Divan Orchestra
Daniel Barenboim,
piano e regência

Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 97
Composta entre 1811-12
Publicada em 1813
Dedicada ao conde Moritz von Fries

4 – Poco sostenuto – Vivace
5 – Allegretto
6 – Presto – Assai meno presto
7 – Allegro con brio

West-Eastern Divan Orchestra
Daniel Barenboim,
regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

O supertrio e a WEDO em ação em Berlim, outubro de 2019.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

In memoriam Krzysztof Penderecki (1933-2020) – Hommage à Penderecki – Anne-Sophie Mutter – Lambert Orkis – Roman Patkoló – Krzysztof Penderecki

No último domingo, Krzysztof Penderecki deixou este mundo que já dizíamos distópico, embora agora estejamos a prantear aquele quase anteontem em que o podíamos chamar tão só assim.

Nossa homenagem a ele vai acompanhada de votos de melhoras a Anne-Sophie Mutter, a quem Penderecki dedicou as quatro obras que compõem este álbum duplo. Mutter, que contraiu o coronavírus e recupera-se em seu lar bávaro, tem mantido a bonita escrita de colaborar estreitamente com músicos veteranos numa postura de quase veneração, da qual o mais recente exemplo é o inspirado álbum com composições de John Williams. Aqui, soma-se a dois de seus colegas favoritos – o pianista Lambert Orkis, de quem é inseparável, quase seu gêmeo siamês, e o contrabaixista eslovaco Roman Patkoló – para interpretar obras de câmara, além do próprio Penderecki, que rege a London Symphony Orchestra no extraordinário “Metamorphosen”, seu segundo concerto para violino e orquestra. Notem que, como a gravação do concerto é a mesmíssima que já foi publicada aqui, preferi remetê-los à postagem do patrão PQP Bach, tanto para refazer meu filme com ele, depois de um breve sumiço, quanto porque “Metamorphosen”, que aqui está sozinho em seu disco, tem lá a eletrizante companhia de uma sonata de Bartók.

Krzysztof Eugeniusz PENDERECKI (1933-2020)

CD 1
La Follia, para violino solo (2013)

Encomendada por Anne-Sophie Mutter e a ela dedicada
01 – Andante
02 – Var. I. Tempo I
03 – Var. II. Allegro giocoso alla polacca
04 – Var. III. Adagio, ma non troppo
05 – Var. IV. Tempo I
06 – Var. V. Allegro con brio
07 – Var. VI. Tempo I
08 – Var. VII. Allegretto
09 – Var. VIII. Adagio tranquillo
10 – Var. IX. Tempo I – Più mosso – Poco pesante – Tempo I

Anne-Sophie Mutter, violino

Duo concertante para violino e contrabaixo (2010)
Encomendado pela Fundação Anne-Sophie Mutter e dedicado a Anne-Sophie Mutter e Roman Patkoló
11 – Andante, quasi una cadenza – Allegretto scherzando – Andante, quasi una cadenza

Anne-Sophie Mutter, violino
Roman Patkoló, contrabaixo

Sonata no. 2 para violino e piano (1999)
Encomendada por Anne-Sophie Mutter e a ela dedicada
12- Larghetto
13 – Allegretto scherzando
14 – Notturno. Adagio
15 – Allegro
16 – Andante

Anne-Sophie Mutter, violino
Lambert Orkis, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

CD 2
Metamorphosen – Concerto para violino e orquestra no. 2
(1992–95)
Dedicado a Anne-Sophie Mutter
1 – Allegro ma non troppo
2 – Allegretto
3 – Molto
4 – Vivace
5 – Scherzando
6 – Andante con moto

Anne-Sophie Mutter, violino
London Symphony Orchestra
Krzysztof Penderecki, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE, na postagem de PQP Bach


Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Fortepiano – Paul Badura-Skoda (9/9) #BTHVN250

O último volume da aventura fortepianística beethoveniana de PBS segue com o mesmo piano Graf usado no volume anterior e termina, bem, pelo fim. Talvez Beethoven, já completamente surdo, tivesse em sua visionária mente um som bastante distinto destes Grafs, Walters e Broadwoods que ouvimos. Se o som dos modernos pianos de concerto, com seus cepos de aço e mais de sete oitavas, agradaria o legendário turrão, nunca saberemos. Podemos supor que sim, pela insistência com que batia na tecla (desculpem o trocadilho) da ampliação da extensão e da robustez dos instrumentos. O fato é que esta finaleira de PBS é tão boa quanto o volume de abertura, e o som eventualmente tilintante dos agudos e os zumbidos dos baixos, somados aos, como os chama o patrão PQP, ruídos de marcenaria, trazem frescor e riqueza tímbrica para essa genial trinca de obras, que é e sempre será moderna.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109

1 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo – Prestissimo
2 – Andante – molto cantabile ed espressivo – Moderato cantabile – Molto espressivo

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110

3 – Allegro molto – Adagio ma non troppo – Fuga – Allegro ma non troppo

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111

4 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
5 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Paul Badura-Skoda, hammerflügel (Conrad Graf, Viena, ca. 1824)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Fortepiano – Paul Badura-Skoda (8/9) #BTHVN250

Beethoven só compôs a (prometo ser comedido com adjetivos hiperbólicos) colossal sonata Op. 106 porque o fortepiano tinha sido aperfeiçoado também em feitio colossal, não só pela ampliação de sua extensão para seis oitavas e meia, quanto por fortalecimento em sua estrutura que, se ainda não reforçada por metal, como nos pianos modernos, era incomparavelmente mais robusta que a daqueles instrumentos em que o compositor fora iniciado ao teclado, décadas antes. Muito desses avanços devem-se a construtores como Conrad Graf, cujo ateliê em Viena forneceria instrumentos, entre tantos outros, para Liszt e Chopin, além do próprio Beethoven, que ganhou um fortepiano especial de Graf, com uma corda extra junto a cada tecla, chegando a quatro cordas por nota. A intenção era facilitar-lhe as coisas ante a surdez, mas esta já era tão profunda que Ludwig quase não mais se aproximava do teclado para compor. A única obra para piano que publicaria depois do presente seria o arranjo para quatro mãos da Grande Fuga (Op. 134). Depois de sua morte, o piano foi devolvido a Graf, e acabou na Beethoven-Haus de Bonn, onde, claro, é conhecido como o “piano de Beethoven” – o que não é mentira, mas também não é uma verdade vibrante.

Sobre a Op. 106 nós já escrevemos tanto em outras ocasiões que privaremos os leitores-ouvintes de mais mortificação. Aponto, somente, que a Sonata Op. 101, que encerra o disco, também foi chamada “für der Hammerklavier” (“para o piano de martelos”), mas o termo só colou como apelido em sua irmã mais nova e transcendental. Embora longe das dificuldades acachapantes da Op. 106, ela também exige um piano como o de Graf, particularmente no maravilhoso, contrapontístico finale. PBS sai-se tão bem que, mesmo depois da “Hammerklavier” mais famosa, esta “Hammerklavier” soa como um belo poslúdio, e não como anticlímax.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”

1 – Allegro

2 – Scherzo: Assai vivace

3 – Adagio sostenuto

4 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101

5 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo

6 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia

7 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto

8 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro.

Paul Badura-Skoda, hammerflügel (Conrad Graf, Viena, ca. 1824)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Vassily