Música da Renascença para Alaúdes, Vielas e Bandurra

Renascença alaúdes vielas bandurra http://i37.tinypic.com/hufu6x.jpg

Publicado originalmente em 03.10.2010

Depois de uma temporada em que acontecimentos vários me levaram a postar quase exclusivamente música brasileira do século 20, volto a um resgate mais variado daqueles vinis mais queridos dos anos 70, dos quais posso dizer, sem muito exagero, que ‘fizeram de mim quem eu sou hoje’.

Um deles é este, apesar de que nas primeiras audições nem tenha me agradado tanto: achei um pouco afobado e sem profundidade. Pouco tempo depois, no entanto, já havia se juntado àqueles a que eu recorria quanto sentia muita, mas muita vontade mesmo de “voltar pra casa”: por alguma razão sempre foi no renascimento e barroco inicial que me senti em casa – e ainda mais quando é um puro som de cordas dedilhadas, como o deste disco, tocado inteiro em duo.

Mas o maior presente que este disco de 1974 me deu foi ter me revelado de modo gritante a conexão cultural entre o Mediterrâneo e o Nordeste Brasileiro: eu se fosse vocês não deixava de ouvir com atenção as “três branles de aldeia” (branle ou bransle é uma dança de roda), especialmente a que aparece a 1 min 20 s da faixa!

E pra provocar ainda um pouco mais, na audição de hoje – 35 anos (ai!) depois de comprar o disco – tive a nítida impressão de ouvir prenúncios do som de New Orleans na faixa B10, Les Bouffons. Sinais de demência precoce? Se acharem que sim, por favor me alertem para eu postar todo o resto rápido!…

Música da Renascença para alaúdes, vielas e bandurra
Guy e Elisabeth Robert

Edição original: LP Arion France 1974
Edição brasileira: LP CBS Odissey, 1974
Digitalizado por Ranulfus, ago.2010

ESPANHA
A01 Cinco diferencias sobre Las Vacas (n.n.)
A02 La dama le demanda (Antonio de Cabezón)
A03 Pavana Italiana (Antonio de Cabezón)
A04 Recercada sobre el passamezzo moderno (Diego Ortiz)
A05 Conde Claros (Enrique de Valderrabano)

ITÁLIA
A06 Due Fantasie (Francesco da Milano)
A07 Spagna et Canon (Francesco da Milano)
A08 Contrapuncto (Vicenzo Galilei)
A09 Fantasia (Melchiore de Berberiis)

INGLATERRA
B01 Rogero (John Johnson)
B02 Levecha Pavan and Galliard (John Johnson)
B03 My Lor Chamberlain his Galliard (John Dowland)
B04 La rossignol (n.n.)
B05 Drewies accorders (n.n.)
B06 Fancy (Thomas Robinson)
B07 A toye (Thomas Robinson)
B08 Twenty ways upon The Bells (Thomas Robinson)
B09 Flatt Pavan (John Johnson)

FRANÇA
B10 Les bouffons (n.n.)
B11 Trois bransles de village (Jean-Baptiste Bésard)
B12 Allegez-moy (Pierre Phalèse)
B13 Grace et Vertu (Pierre Phalèse)

Guy e Elisabeth Robert

. . . . . BAIXE AQUI – download here

LINK ALTERNATIVO

Ranulfus

Conjunto Roberto de Regina 25 anos [1976] (excertos da série Cantos e Danças da Renascença)

Cj Roberto de Regina 25 anos http://i34.tinypic.com/2jb5ikh.jpgEm 19.08.1961 a revista Cash Box, editada em Nova York, tratava como “um dos lançamentos mais importantes do ano” o Volume 1 de Cantos e Danças da Renascença, série de LPs produzidos pelo carioca Roberto de Regina com o conjunto vocal e instrumental que vinha desenvolvendo havia dez anos.

Infelizmente não tenho os discos originais, só uma espécie de compacto feito pela CBS em 1976 em um só LP – em lugar de reeditar inteira essa que devia ser considerada umas glórias da realização musical basileira.

Exagero? Bem, o grupo tinha sido absoluto pioneiro no repertório renascentista no Brasil. Verdade que em Belo Horizonte um grupo já usava o nome “madrigal renascentista”, mas não só seu repertório não era exclusivamente renascentista, como sequer se tratava de um madrigal e sim de um coral em moldes de épocas posteriores; seu trabalho estava longe de significar uma revivência minimamente autêntica de como essa música devia ter soado.

Mas a coisa da autenticidade é mais sutil: Roberto de Regina também poderia ser acusado (como foi) de não ser autêntico por, na falta de instrumentos de época, usar oboés e fagotes modernos (só por exemplo). No entanto suas interpretações absolutamente não soavam como algo modernizado – e sobretudo tinham como que um encanto, um mel: não eram de hoje, mas soavam como música viva, fluente como a feita ali no boteco da esquina, e não em um laboratório acadêmico. Enfim, talvez se possa dizer, muito de acordo com a época, que tinham BOSSA.

Talvez o que mais ajude nesse sentido seja as vozes usarem uma impostação muito discreta, sem nenhum cacoete operístico – e além disso se permitirem um discreta nasalidade, uma malemolência… como quem realmente não pretende negar que a música está sendo feita por brasileiros (ato comparável, talvez, ou de lermos Fernando Pessoa com qualquer um dos nossos sotaques, e não como ele ‘ouviu’ a poesia quando a escreveu).

De resto, alinho algumas observações que, acredito, podem ajudar na apreciação. A primeira é me desculpar que em alguns vários pontos pontos os agudos parecem sujos ou estourados – mas não foi falha na digitalização: creio que esse vinil foi abusado com agulhas rombudas em alguma época da sua vida.

Outra, que a série original vinha dividida em discos para a França, para a Espanha, para os franco-flamengos, os vasc… – ops, perdão! – o que de certa ‘conversa’ com a minha postagem anterior (Música da Renascença para alaúdes, vielas e bandurra). Só que aqui temos uma amostragem um tanto desequilibrada: um lado inteiro em francês, outro quase inteiro para a Espanha, e três faixas divididas por três outros países.

O francês usado é quase compreensível para quem tem noção razoável dessa língua se apenas se levar em conta que oi ou oy não vêm pronunciados ‘uá’ e sim ‘oê’. E assim fica compreensível o verso que termina as estrofes de Perdre le sens devant vous (‘perder o senso diante de ti…’), para mim uma das interpretações mais encantadoras do disco: ditte le mois, ditte le mois, je vous pris (‘dize-me, dize-me, eu te suplico’).

Notabilíssima a peça ‘Os gritos de Paris’ (Les cris de Paris) de Jannequin, que pretende descrever a agitação da feira ou mercado, com os vendedores apregoando uma delirante variedade de produtos… Aqui vale comparar com a leitura mais tradicionalmente coral de Klaus-Dieter Wolf à frente do Madrigal Ars Viva de Santos, que postei há não muito – e lá vocês encontram o texto de Les cris de Paris no encarte!

Roberto executa Mit ganczen Willen, do organista cego alemão Conrad Paumann (1410-1473), num dos cravos que ele mesmo construía. A seguir o Pater Noster de Obrecht também me parece um ponto alto de interpretação. Mas logo vêm os espanhóis, que comparecem com duas peças que devem ter sido selecionadas só como amostras da sua polifonia mas, honestamente, me parecem muito chatas (Dezilde al caballero e Falai meus ollos – esta em galaico-português), uma de extraordinário lirismo (Ay luna que reluces, do Cancioneiro de Upsala – coleção de música espanhola que tem esse nome pois a única cópia conhecida foi encontrada na Universidade de Upsala, na Suécia), e três de puro espírito farrista: ao fim de cada repetição do estribilho Dale si le das uma cantora começa a dizer uma palavra que, pela rima, seria obscena, e outra a interrompe ‘consertando a coisa’. Em Besad me y abrazad me uma mulher incita o marido a agir em termos como ‘pára de fingir que está dormindo!’. E Hoy comamos y bebamos, que termina o disco, joga no lixo qualquer hipocrisia e assume ‘Vamos comer e beber, cantar e folgar, que amanhã é dia de jejum. E não vamos perder bocado, pois [para comer mais] iremos vomitando’.

Dá pra fazer uma tal música com pedantismo acadêmico? Pode-se questionar o rigor musicológico de Roberto de Regina aqui e ali, mas fez música viva – e no meu sentir isso é precisamente o melhor que se pode dizer de um musicista.

25 anos do Conjunto Roberto de Regina
LP CBS de 1976. Digitado por Ranulfus, ago. 2010

FRANÇA
A1 Bon jour, bon moys (Dufay)
A2 Je ne vis oncques la pareille (Dufay)
A3 Petite camusette (Josquin des Prez)
A4 Ou mettra l’on ung baiser favorable? (Janequin)
A5 Les cris de Paris (Janequin)
A6 Ce sont gallans (Janequin)
A7 Que vaut Catin? (Costeley)
A8 En ung chasteau (Roland de Lassus)
A9 Perdre le sens devant vous (Claude le Jeune)

ALEMANHA
B1 Mit ganczen Willen (Paumann)

FLANDRES
B2 Pater Noster (Obrecht)

ITÁLIA
B3 Due villotte dei Fiori(Azzaiollo)

ESPANHA
B4 Besad me e abraçad me (n.n., Cancioneiro de Upsala)
B5 Dezilde al caballero (N.Gombert, Cancioneiro de Upsala)
B6 Falai meus ollos (n.n., Cancioneiro de Upsala)
B7 Dale si le das (n.n., Cancioneiro del Palacio)
B8 Ay luna que reluzes (n.n., Cancioneiro de Upsala)
B9 Hoy comamos y bebamos (Juan Encina)

. . . . . BAIXE AQUI – download here

Ranulfus (publicado originalmente em 08/08/2010)

De Falla (1876-1946): Concierto para Clave – Orbón (1925-1991): 3 Cantigas del Rey; Partitas – Arauxo (1584-1654): Tiento – Selma y Salaverde (1595-1636): canzone, danze. Rafael Puyana, Heather Harper.

BISCOITO FINO, senhores! Fino e incomum. É até difícil escolher por qual aspecto começar a falar deste que talvez seja o mais ciumentamente conservado entre os vinis do Monge Ranulfus – então comecemos justamente pelo desafio que foi a digitalização.

É espantoso, antes de mais nada, que tão tremendo material nunca tenha sido relançado em formato digital, com remasterização profissional. Nossa luta para recuperar o conteúdo foi inglória: toda tentativa de reduzir o rumble de fundo resultou em distorção grotesca dos timbres, e até sumiço de notas essenciais. O que os senhores têm em mãos é portanto apenas uma “fotografia” de uma audição de vinil, onde há uma discreta porém contínua nota que os compositores não escreveram, introduzida pela mecânica do equipamento – além de algumas fantasmagorias eletroeletrônicas, que sequestrariam integralmente o som do cravo caso fossem removidas, especialmente na bela faixa 14. Espero que me perdoem porque poderia ser pior: poderíamos não ter essa música ao alcance!

A capa proclama orgulhosamente que, exceto o concerto de De Falla, todas as faixas são “primeiras gravações mundiais”. É uma produção complexa, envolvendo diferentes grupos de músicos, inclusive dois regentes de renome, tendo em comum apenas o cravista Rafael Puyana – por isso espanta que a Philips holandesa não tenha registrado local nem data das gravações, nem do lançamento. Podemos apostar em 1963 ou 64 apenas porque as “Partitas” de Julián Orbón aparecem sem numeração – e em sua lista de obras se encontram “Partitas nº 1” de 1963, e “Partitas nº 2” já de 1964.

Rafael Puyana, de certa forma o star da produção – não sem razão, mesmo se em boa parte do disco o cravo não é solista -, nasceu na Colômbia em 1931. Estreou como pianista aos 13 anos, foi estudar em Boston aos 16, e aos 19 estava em Paris, como aluno de cravo de ninguém menos que Wanda Landowska, e de composição da onipresente Nadia Boulanger.

O disco se abre com o paradoxal monumento que é o Concerto para Cravo, Flauta, Oboé, Clarinete, Violino e Violoncelo – composto por de Falla em 1926 e dedicado precisamente a Madame Landowska. Paradoxal porque atinge o lirismo através de aspereza e energia frenética, quase a patadas, e a monumentalidade em meros 13 minutos – e justamente por isso é um monumento. Se, como disse José Miguel Wisnik, A Sagração da Primavera for “heavy metal de luxo”, pra mim isto será “heavy metal de luxo de câmara, cool e cult” – algo assim.

Em contraste, o lado B traz música espanhola da renascença ou barroco inicial: um Tiento de Francisco Correa de Arauxo para teclado solo, e o resto são “canções” e danças instrumentais compostas ou arranjadas em contraponto pelo frei Bartolomé de Selma y Salaverde. Pense 1963, e verá que esse foi um trabalho pioneiro, anterior à prevalência dos instrumentos de época, mas feito com suficiente garra e bossa para não me soar inautêntico. O destaque vai para a faixa 14 (com perdão dos seus ruídos inexorcizáveis), onde os ‘due tenori’ que dialogam são feitos por um fagote moderno e por uma dulciana – de mesma tessitura, porém de timbre mais recolhido – num possível símbolo da passagem de bastão que se daria na abordagem à música antiga nas décadas seguintes.

Finalmente, Julián Orbón: nascido na Espanha, fez o trajeto inverso a Puyana: aos 18 anos veio morar em Cuba, com a família também de músicos. Depois terminou se instalando nos EUA, onde foi alvo de altos elogios de Copland, com quem teve aulas. Nas Tres Cantigas del Rey o cravo e um quarteto de cordas dialogam de modo contemporâneo com as Cantigas de Santa Maria atribuídas a Dom Alfonso X, “el sabio”, rei de Castela, sendo os textos, no entanto, não em castelhano e sim em galego-português arcaico – dos mais antigos documentos da nossa língua, portanto. O resultado? Ouçam vocês mesmos. Comento apenas que minha preferida é a segunda.

Quanto às suas Partitas para cravo solo, tomei a liberdade de deslocar do final do lado A para o final geral do programa – pois para mim isso é música pra lá de séria. De uma profundidade introspectiva que exige silêncio depois, e não danças saltitantes. E afirma Orbón, para mim, como um compositor maiúsculo, substancial, que não era pra estar entre os “etcétera”, como se encontra agora. Quer dizer: qualquer pista para mais de Julián Orbón será bem-vinda!

Manuel de Falla (1876-1946): Concierto para Clave y cinco instrumentos (1926)
01 Allegro  03’15
02 Lento (giubiloso ed energico)  05’53
03 Vivace (fessibile, scherzando)  04’04

Julián Orbón (1925-1991): Tres Cantigas del Rey (1960)
04 A creer devemos que todo pecado (cantiga 65)  02’09
05 A Virgen en que é toda santidade (cantiga 134)  03’44
06 Resurgir pode et fazel os seus vivel (cantiga 133)  01’23

Fray Bartolomé de Selma y Salaverde (~1595 – ~1636)
07 Canzona a 4 (sopra Bataglia)  04’37

Francisco Correa de Arauxo (1584-1654)
08 Quinto Tiento de séptimo tono (cravo solo)  04’00

Fray Bartolomé de Selma y Salaverde (~1595 – ~1636)
09 Gagliarda a 2  01’40
10 Canzona per soprano solo  03’11
11 Balletto a 2 e a 3  01’57
12 Corrente a 3  00’35
13 Corrente a 4  01’00
14 Canzona a 3 (due tenori e basso)  04’06

Julián Orbón (1925-1991)
15 Partitas nº 1 (cravo solo) (1963)  09’37

  • Rafael Puyana, cravo
  • David Sandeman, Neil Black, Thea King, Raymond Cohen, Terence Weil, com direção de Charles Mackerras (faixas 01 a 03)
  • Heather Harper, soprano; London Symphony String Quartet; direção de Antal Dorati (faixas 04 a 06)
  • David Munrow, flauta doce e dulciana. Deirdre Dundas-Grant, fagote. Raymond Cohen, Nona Liddell, violinos. Patrick Ireland, viola. Terence Weil, violoncelo. Oliver Brookes, violone. Stephen Whittaker, percussão (faixas 07 a 14)

.  .  .  .  .  .  BAIXE AQUI – download here (MP3 320 kbps)

Ranulfus

Madrigal ARS VIVA (1971): 1ªs gravações de Gilberto Mendes (1922-2016) e Willy Corrêa de Oliveira (1936) + Idade Média e Renascença

Gilberto Mendes 13/10/1922 a 01/01/2016Publicado originalmente em 11.07.2010. Revalidado in memoriam Gilberto Mendes.

Santos se diferencia das outras cidades importantes do estado de São Paulo por ser mais antiga e durante uns três séculos mais importante que a capital. A distância entre as duas é de apenas 75 Km, mas talvez o desnível abrupto de 700 metros tenha ajudado a preservar na cidade-porto uma identidade cultural própria, até um sotaque e caráter de povo diferente. Em alguns momentos isso se refletiu não só no futebol mas também numa vida musical digna de nota –

capa-peq… sobretudo nas décadas de 1960 e 70, com os compositores Gilberto Mendes (Santos, 1922), Willy Corrêa de Oliveira (Recife, 1936), e em parte também Almeida Prado (Santos, 1943) fazendo da cidade uma referência mundial com os Festivais de Música Nova.

Esses festivais ainda acontecem, mas infelizmente, é preciso dizer, não com a mesma vitalidade e impacto de antes. Como outras cidades do mesmo porte, Santos parece ter a sina de ser berço de gente que vai brilhar em outros lugares. De todo aquele movimento, só Gilberto Mendes permanece lá [escrito em 2010], ao que parece ainda insuperado em irreverência e espírito jovem – aos 88 anos!

Outro dos protagonistas que deve ter feito muita falta ao movimento foi o regente Klaus-Dieter Wolff – este por sua morte prematura. Klaus nasceu em 1926 em Frankfurt mas viveu no Brasil desde os 10 anos. Em 1951 fundou o Conjunto Coral de Câmara de São Paulo; em 1961 o Madrigal Ars Viva de Santos. Em 1968 colaborou com Roberto Schnorrenberg – três anos mais jovem e que em 1964 fundara o Collegium Musicum de São Paulo – na primeira realização brasileira das Vésperas de Monteverdi. Em 1971 gravou este disco, pioneiro em muitos sentidos – mas já em 1974 veio a falecer, com meros 48 anos. (Clique AQUI para mais informações sobre a formação e atuação dos dois).

Tanto Klaus quanto Roberto trabalhavam com o ideal declarado de ampliar o repertório conhecido no Brasil, e ao que parece foi esse ideal que presidiu a escolha das peças deste disco, que contém alguns verdadeiros standards do repertório medieval (como Alle psallite cum luya) e renascentista (como Mille regretz de vous abandonner – “mil mágoas por vos deixar” -, canção que inspirou muitíssimos instrumentistas e outros compositores ao longo dos séculos seguintes), ou então exemplos de compositores de primeira grandeza desses 4 séculos (Machault, Josquin des Près, Lassus, Jannequin).

Nem sempre acho felizes as opções do regente Wolff: ainda é compreensível que Alle psallite apareça tão lenta, pois se trata de um canto de cortejo, de procissão, mas um Rodrigo Martínez assim tão duro e quadrado? (Em breve posto o de Roberto de Regina, e vocês terão oportunidade de ver quase que o exagero oposto).

Mas nas peças mais introvertidas Klaus me parece conseguir uma combinação belíssima de concentração, intensidade e delicadeza (Ave Maria, Todos duermen corazón, Pámpano verde, Mille regretz, etc). É pena que os meus meios técnicos atuais não dêem conta de eliminar 100% do ruído que aparece nas frases finais de Mille regretz, um dos momentos mais delicados do disco.

As três peças ‘de vanguarda’ são de 1962, 66 e 69, todas inspiradas em poemas concretos (de Décio Pignatari e de José Lino Grünewald). Beba Coca-Cola é hoje uma peça consagrada, com muitas gravações no Brasil e no exterior – mas esta foi a primeira.

Na contracapa e no encarte há ricos textos informativos de Gilberto Mendes, e também os textos de todas as peças (muitas vezes naquelas esdrúxulas misturas lingüísticas características do renascimento) – e então acho que já posso entregar a bola a vocês!

Madrigal Ars Viva (Santos, SP)
Regência: Klaus-Dieter Wolff
(1926-1974)
Gravação: 1971 (independente)

A01  Alle psalite cum luya – anônimo séc.13
A02 Nel mezzo a sei paone – madrigal de Johannes/Giovanni de Florentia, séc.14
A03 Lasse! Comment oublieray / Se j’aim mon loyal ami / Pour quoy me bat mes maris
– motete (3 textos simultâneos) de Guillaume de Machault, séc.14
A04  Alma Redemptoris Mater – Johannes Ockeghem, séc.15
A05  Ave Maria – ‘carol’ anônimo, séc.15
A06 Nowell sing we – ‘carol’ anônimo, séc.15
A07  Todos duermen, corazón – Baena, séc.15-16
A08 Rodrigo Martínez – anônimo, séc.15-16
A09 Pámpano verde – Francisco de Torre, séc.15-16
A10 Mille regretz de vous abandonner – Josquin des Prez/Près, séc.15

B01 Bonjour, mon coeur – Roland de Lassus (1532-1594)
B02 Les cris de Paris – Clement Jannequin, séc.16
B03 Um movimento vivo (1962) – Willy Corrêa de Oliveira (*1936)
B04 Beba Coca-Cola (1966) – Gilberto Mendes (*1922)
B05 Vai e Vem (1969) – Gilberto Mendes

. . . . . BAIXE AQUI – download here

Ranulfus