"Versos Brasileiros": suítes para coro e/ou cordas de Henrique de Curitiba, Ernst Mahle, Ronaldo Miranda, Edmundo Villani-Côrtes e Edino Krieger – Camerata Antiqua de Curitiba / Wagner Politschuk (2007)

Publicado originalmente em 18.06.2011

Faz 6 meses que venho adiando a postagem deste CD por razões mil: primeiro, esperei que a Fundação Cultural de Curitiba respondesse minha consulta sobre como adquirir o CD (já que não tem na Amazon).

Já entendi que essa resposta não vem, mas aí fiquei achando uma maldade postar a música sem as informações do gordo livreto, e cadê tempo de escanear? Recentemente arranjei algum e escaneei só o que me pareceu mais indispensável. Ficaram de fora – pena – as biografias dos compositores e intérpretes principais, etc. etc.

Aí tinha que achei muito bonito o conceito do CD, e de modo geral também a execução – mas os dois também me suscitaram interrogações e pensamentos que pensava em compartilhar aqui… só que me deu uma BAITA preguiça de esmiuçar e sistematizar!

Então, pra não ficar paralisado, pensei assim: vou postar sem maiores comentários; os leitores que ouçam, e se quiserem apresentem nos comentários sua apreciação ou não, questionamentos e opiniões – e aí, se sentir que é o caso, eu trago ao baile também os meus. Que tal?

Só não quero deixar de contar que o Monge Ranulfus participou como coralista na estréia das “Cantigas do Bem Querer” em 1977, com regência de Samuel Kerr – e não esquece de um detalhe engraçado: o Henrique de Curitiba havia aberto um volume ao acaso numa livraria e gostou dos versos que leu: achou que, mesmo ingênuos, tinham uma certa poesia que lhe inspirava canções. Não tinha a menor idéia de que Cassandra Rios era um nome escandaloso na época, tida como autora erótica que as pessoas liam escondido… e aí houve donzelas participantes do coro que arregalaram os olhos quando viram o nome “Cassandra Rios” na partitura, e cobraram explicações do maestro… hehehe. (E agora me veio a pergunta: será que hoje isso ainda poderia acontecer?)

Bom, agora é com vocês!

“VERSOS BRASILEIROS” (2007)
Coro e orquestra da Camerata Antiqua de Curitiba

Regência: Wagner Politschuk
Soprano solo: Edna D’Oliveira
Piano: Paulo Braga

Henrique de Curitiba (1934-2008)
CANTIGAS DO BEM-QUERER
para coro, cordas, piano e soprano solo
(original: 1977; esta versão, especial para a Camerata: 2003)
Versos de Cassandra Rios

01 I. Chove
02 II. No mar nasceu a cor do teu olhar
03 III. Se me disseres
04 IV. Intermezzo I
05 V. Feche os olhos meu bem
06 VI. Eu te vi (ária soprano)
07 VII. Intermezzo II
08 VIII. Final: Poeta e cancioneiro

Ernst Mahle (*1929)
SUÍTE NORDESTINA (1976) para cordas

09 I. Allegro moderato
10 II. Andantino
11 III. Vivo

Ronaldo Miranda (*1948)
SUÍTE NORDESTINA (1982) para coro a capella

12 I. Morena bonita
13 II. Dendê trapiá
14 III. Bumba chora
15 IV. Eu vou, eu vou

Edmundo Villani-Côrtes (*1930)
CINCO MINIATURAS BRASILEIRAS (1978) para cordas

16 I. Prelúdio
17 II. Toada
18 III. Choro
19 IV. Cantiga de ninar
20 V. Baião

Edino Krieger (*1928)
Duas peças para coro a capella
Versos de Vinicius de Moraes

21 PASSACALHA (1968)
22 FUGA E ANTI-FUGA (1967)

Edmundo Villani-Côrtes (*1930)
Seis peças para coro, cordas e piano

Sobre versos de Mário de Andrade
23 O PASSARINHO DA PRAÇA DA MATRIZ (1994)
24 VALSINHA DE RODA (1979)
25 RUA AURORA (1993)

Sobre versos de Júlio Bellodi
26 PAPAGAIO AZUL (1999)
27 FREVO FUGATO (1987)
28 SINA DE CANTADOR (1998)

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Ranulfus

Madrigal ARS VIVA (1971): 1ªs gravações de Gilberto Mendes (1922-2016) e Willy Corrêa de Oliveira (1936) + Idade Média e Renascença

Gilberto Mendes 13/10/1922 a 01/01/2016Publicado originalmente em 11.07.2010. Revalidado in memoriam Gilberto Mendes.

Santos se diferencia das outras cidades importantes do estado de São Paulo por ser mais antiga e durante uns três séculos mais importante que a capital. A distância entre as duas é de apenas 75 Km, mas talvez o desnível abrupto de 700 metros tenha ajudado a preservar na cidade-porto uma identidade cultural própria, até um sotaque e caráter de povo diferente. Em alguns momentos isso se refletiu não só no futebol mas também numa vida musical digna de nota –

capa-peq… sobretudo nas décadas de 1960 e 70, com os compositores Gilberto Mendes (Santos, 1922), Willy Corrêa de Oliveira (Recife, 1936), e em parte também Almeida Prado (Santos, 1943) fazendo da cidade uma referência mundial com os Festivais de Música Nova.

Esses festivais ainda acontecem, mas infelizmente, é preciso dizer, não com a mesma vitalidade e impacto de antes. Como outras cidades do mesmo porte, Santos parece ter a sina de ser berço de gente que vai brilhar em outros lugares. De todo aquele movimento, só Gilberto Mendes permanece lá [escrito em 2010], ao que parece ainda insuperado em irreverência e espírito jovem – aos 88 anos!

Outro dos protagonistas que deve ter feito muita falta ao movimento foi o regente Klaus-Dieter Wolff – este por sua morte prematura. Klaus nasceu em 1926 em Frankfurt mas viveu no Brasil desde os 10 anos. Em 1951 fundou o Conjunto Coral de Câmara de São Paulo; em 1961 o Madrigal Ars Viva de Santos. Em 1968 colaborou com Roberto Schnorrenberg – três anos mais jovem e que em 1964 fundara o Collegium Musicum de São Paulo – na primeira realização brasileira das Vésperas de Monteverdi. Em 1971 gravou este disco, pioneiro em muitos sentidos – mas já em 1974 veio a falecer, com meros 48 anos. (Clique AQUI para mais informações sobre a formação e atuação dos dois).

Tanto Klaus quanto Roberto trabalhavam com o ideal declarado de ampliar o repertório conhecido no Brasil, e ao que parece foi esse ideal que presidiu a escolha das peças deste disco, que contém alguns verdadeiros standards do repertório medieval (como Alle psallite cum luya) e renascentista (como Mille regretz de vous abandonner – “mil mágoas por vos deixar” -, canção que inspirou muitíssimos instrumentistas e outros compositores ao longo dos séculos seguintes), ou então exemplos de compositores de primeira grandeza desses 4 séculos (Machault, Josquin des Près, Lassus, Jannequin).

Nem sempre acho felizes as opções do regente Wolff: ainda é compreensível que Alle psallite apareça tão lenta, pois se trata de um canto de cortejo, de procissão, mas um Rodrigo Martínez assim tão duro e quadrado? (Em breve posto o de Roberto de Regina, e vocês terão oportunidade de ver quase que o exagero oposto).

Mas nas peças mais introvertidas Klaus me parece conseguir uma combinação belíssima de concentração, intensidade e delicadeza (Ave Maria, Todos duermen corazón, Pámpano verde, Mille regretz, etc). É pena que os meus meios técnicos atuais não dêem conta de eliminar 100% do ruído que aparece nas frases finais de Mille regretz, um dos momentos mais delicados do disco.

As três peças ‘de vanguarda’ são de 1962, 66 e 69, todas inspiradas em poemas concretos (de Décio Pignatari e de José Lino Grünewald). Beba Coca-Cola é hoje uma peça consagrada, com muitas gravações no Brasil e no exterior – mas esta foi a primeira.

Na contracapa e no encarte há ricos textos informativos de Gilberto Mendes, e também os textos de todas as peças (muitas vezes naquelas esdrúxulas misturas lingüísticas características do renascimento) – e então acho que já posso entregar a bola a vocês!

Madrigal Ars Viva (Santos, SP)
Regência: Klaus-Dieter Wolff
(1926-1974)
Gravação: 1971 (independente)

A01  Alle psalite cum luya – anônimo séc.13
A02 Nel mezzo a sei paone – madrigal de Johannes/Giovanni de Florentia, séc.14
A03 Lasse! Comment oublieray / Se j’aim mon loyal ami / Pour quoy me bat mes maris
– motete (3 textos simultâneos) de Guillaume de Machault, séc.14
A04  Alma Redemptoris Mater – Johannes Ockeghem, séc.15
A05  Ave Maria – ‘carol’ anônimo, séc.15
A06 Nowell sing we – ‘carol’ anônimo, séc.15
A07  Todos duermen, corazón – Baena, séc.15-16
A08 Rodrigo Martínez – anônimo, séc.15-16
A09 Pámpano verde – Francisco de Torre, séc.15-16
A10 Mille regretz de vous abandonner – Josquin des Prez/Près, séc.15

B01 Bonjour, mon coeur – Roland de Lassus (1532-1594)
B02 Les cris de Paris – Clement Jannequin, séc.16
B03 Um movimento vivo (1962) – Willy Corrêa de Oliveira (*1936)
B04 Beba Coca-Cola (1966) – Gilberto Mendes (*1922)
B05 Vai e Vem (1969) – Gilberto Mendes

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Ranulfus

Karol Szymanowski (1882-1937): obras sinfônico-corais: Stabat Mater, Deméter, Litanias à Virgem, Sinfonia 3 [REVALIDADO]

PARA COMPLETAR A INVASÃO POLONESA AO BLOG NESTE SÁBADO! (Postagem original 31.05.2010)

Começo este post do polaco Szymanowski falando de samba – e nem é porque considero ‘As Rosas Não Falam’ um finíssimo prelúdio de Chopin tropicalizado, e sim devido à genial análise do sentido do samba feita por Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1993: ‘o samba é pai do prazer / o samba é filho da dor / o samba é o grande poder / transforma-dor’.

E aí? Aí que, antes de mais nada, considero essas palavras uma teoria da arte em geral, e não apenas do samba. Segundo, que tratamos aqui de um polonês – ou seja, membro de um povo que (perdoem se generalizo, mas…) desenvolveu a arte de extrair sensações orgásticas do pranto – e não um pranto de lagriminha discreta, não, mas de irrigar plantações…

Verdade que não será essa a sensação de quem começar a audição pela 3.ª Sinfonia – a “Canção da Noite”, baseada em textos do poeta e místico persa Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī (1207-1273 – bendita Wikipedia!) – peça de 1914-16 que sinceramente me soa pouco pessoal, afim demais ao Zarathustra composto por Richard Strauss 20 anos antes. E, acreditem: soa sóbria. Mas esperem só chegar o Stabat Mater…

Stabat Mater é um poema em latim medieval, derivado inteiro da seguinte cena “Estava a mãe cheia de dor, / cheia de lágrimas, junto á cruz / de onde pendia seu filho” – e que chega lá pelas tantas à súplica: “Ó virgem das virgens, ilustre, não sejas dura ou pão-dura comigo (amara ou avara, discute-se): concede-me que chore contigo”. Querem prato mais cheio para um polonês – ainda por cima, ao que parece, com fixação pela mãe?

Mas não estou ridicularizando o poema nem a música! Não comecei falando do poder transforma-dor? Tenho essa obra entre as mais belas do século 20, não só em emoção mas também em invenção: combinando partes vocais neo-modais com partes orquestrais muitas vezes de extrema dissonância, consegue o milagre de fundir sentimentos de devoção mística autêntica e de experiência moderna também autêntica numa só voz, e desta vez uma voz pessoal. (Digo-o em contraste com a Sinfonia, à qual o Stabat Mater é uns 10 anos posterior).

Só não espere, quem está acostumado, reconhecer as palavras rimadas em latim: o texto – como nas demais peças do disco – está em polonês (mas se você quer acompanhar pelo poema latino, que também se encaixa na música, você acha aqui).

As outras duas peças são mais breves, embora não sem peso – nem sem mãe: as Litanias à Virgem Maria (1930-33, de linguagem mais afim à do Stabat Mater), e a cantata Deméter, um dos nomes gregos para Terra-Mãe – cujo mito também envolve perda de mãe, desta vez de uma filha, e ressurreição. Composta em 1917, a linguagem ainda é próxima da Sinfonia, embora os solos já pareçam anunciar o que virá depois. E bom proveito!

Szymanowski: obras sinfônico-corais: Stabat Mater, Deméter, Litanias à Virgem, Sinfonia 3

Sinfonia n.º 3, “Canção da Noite”, op.27 (1914-16)
sobre textos do poeta persa Jalal ad-Din Rumi

01 I. Moderato assai (O, nie spij, druhu, nocy tej!)
02 II. Vivace, scherzando
03 III. III. Largo (Jak cicho. Inni spia…)

Solista: Wieslaw Ochman – Coro da Rádio Polonesa de Krakow
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Regência: Jerzy Semkow

04 Litanias à Virgem Maria, op. 59 (1930-33)
Dois fragmentos para soprano, coro feminino e orquestra
Solista: Jadwiga Gadulanka
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Regência: Antoni Wit

05 Deméter, op.37b (1917)
Cantata para contralto, coro feminino e orquestra
sobre textos de Z. Szymanowska
Solista: Jadwiga Rappé
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Regência: Antoni Wit

Stabat Mater op. 53 (1925-26)
para solistas, coro misto e orquestra

06 I. Stala Matka bolejaca (Stabat Mater dolorosa)
07 II. I któz widzac tak cierpiaca (Quis est homo qui non fleret)
08 III. O Matko, zródlo wszechmilosci (Eia Mater, fons amoris)
09 IV. Spraw, niech placze z Toba razem (Fac me tecum pie flere)
10 V. Panno slodka racz mozolem (Virgo virginum praeclara)
11 VI. Chrystus niech mi bedzie grodem (Christe, cum sit hinc exire)

Solistas: Jadwiga Gadulanka, Jadwiga Rappé, Andrzej Hiolski
Coro da Rádio Polonesa de Krakow
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Regência: Antoni Wit

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Ranulfus