BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para violoncelo e piano, Op. 64 – Obras para bandolim e piano transcritas para violoncelo e piano – Berger – Gallardo

Depois do variado e um tanto apócrifo cozido servido ontem, trago-lhes hoje algo bem melhor. Não que seja algo 100% beethoveniano, pois, como já mencionamos, nessa fase em que seu catálogo atingira a sexagésima obra o afã de ganhar dinheiro obrigou o compositor a apelar para a reciclagem criativa de suas obras. Nem que esse afã, no entanto, tenha resultado em má música: essa sonata para violoncelo e piano do Op. 64, mais que um mero arranjo do trio para cordas, Op. 3, é uma recriação muito hábil duma das mais bem acabadas composições do jovem Beethoven. Embora os musicólogos divirjam sobre a autoria da adaptação, o mais provável é que ela seja da lavra de Franz Xaver Kleinheinz (1765-1832) – o mesmo arranjador responsável pela transformação de outra obra para trio de cordas, a serenata Op. 8, no noturno para viola e piano. Op. 42 – e que tenha sido supervisionada de perto e aprovada por Beethoven. O resultado é uma incomum sonata em seis movimentos, refletindo transparentemente o mozartiano divertimento que lhe serviu de origem, em que o violoncelo, grosso modo, assume as partes da viola do original, enquanto cabem ao piano aquelas do violino e do violoncelo. Para os cellistas que lamentam o fato do grande Wolfgang tanto ter desprezado as capacidades de seu belo instrumento como solista, esta transcrição talvez dê algum gosto do que seria uma sonata para violoncelo dum Mozart de quase trinta anos.

O duo Gallardo e Berger – o mesmo violoncelista que participou de minha estreia neste blog, cinco anos atrás – mostra um ótimo entrosamento neste recital muito bem gravado, que é completado por transcrições do próprio Julius Berger para as bagatelas que Ludwig escreveu para o bandolim, e que soam maravilhosamente idiomáticas no violoncelo. Apesar dos eventuais problemas de articulação, acho que a musicalidade de Berger – xodó de Antonio Janigro e professor de muita projeção em sua Alemanha natal – consegue fazê-lo convencer muito, e nessas miniaturas mediterrâneas, obras tão improváveis para um renano que só viu o mar uma vez, Berger faz-nos até acreditar que Beethoven sempre as pretendeu para o violoncelo.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para violoncelo e piano em Mi bemol maior, Op. 64
Arranjo de Franz Xaver Kleinheinz do trio para violino, viola e violoncelo, Op. 3 (1796)
Publicado em 1807

1 – Allegro con brio
2 – Andante
3 – Menuetto: Allegretto
4 – Adagio
5 – Menuetto: Moderato
6 – Finale: Allegro

Quatro peças para bandolim e piano, WoO 43-44 (1796)
Transcrição de Julius Berger para violoncelo e piano

Sonatina em Dó menor, WoO 43a
7 – Adagio

Adágio em Mi bemol maior, WoO 43b
8 – Adagio (ma non troppo)

Sonatina em Dó maior, WoO 44a
9 – Allegro

Andante com variações em Ré maior, WoO 44b
10 – Andante

Julius Berger, violoncelo
José Gallardo, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 63, Hess 47 e Anh. 3 – The Beethoven Project Trio

Para quem começara tão bem, protelando a publicação de seu Opus 1 e a inauguração de seu catálogo oficial de obras até os quase vinte e cinco anos, a década seguinte foi como um caminhão (se houvesse naquela época) esmigalhando aquele pobre bicho que era a já esculhambada organização de Ludwig van Beethoven. A necessidade do vil metal, muito aumentada pelos aportes irregulares de seus patronos, em função das guerras que devoravam os povos do continente, não só o fez furungar seus baús para publicar velharias dos tempos de Bonn, como a perder muitas vezes o controle sobre a divulgação de suas obras – invariavelmente pirateadas depois da primeira edição – e da própria numeração delas em seu catálogo pessoal.

Uma dessas criaturas frankensteinianas é o trio para piano, violino e violoncelo, Op. 63, que soará familiar a alguns que nos vêm acompanhando desde o começo da série: trata-se de um arranjo do quinteto para cordas, Op. 4, que já era, por sua vez, uma adaptação do octeto para sopros, Op. 104. Há quem force uma barra enorme para tentar se convencer de que o arranjo foi feito pelo próprio Beethoven, mas a ausência de menções ao Op. 63 em suas correspondências, bem como a surpresa com que recebeu a sua publicação, apontam que foi obra de terceiros a que, no máximo, o compositor acedeu sem sequer lhe corrigir as provas. O resultado ocupa de maneira agradável uns trinta e poucos minutos, ao final dos quais a gente concorda com que a única razão de ser para mais esta guaribada na composição juvenil deve ter sido um bom dinheiro, pois a obra não diz muito a que veio, com todo um abismo a separá-lo dos trios tão bem burilados do Op. 1.

Muito da experiência agradável da audição provém da qualidade da gravação da Cedille e do bom trio de intérpretes, todos radicados em Chicago. Seu nome – The Beethoven Project Trio – atesta que eles se uniram para um projeto: tocar todos trios com piano de Ludwig em várias cidades dos Estados Unidos, o que incluiu algumas estreias norte-americanas e, até, a estreia mundial duma obra do renano. Claro que, em pleno 2010, não poderíamos esperar que viesse à tona uma grande obra – e o trio Hess 47 não é exatamente algo desconhecido, pois é um arranjo (mais um!) do primeiro movimento do trio de cordas, Op. 3. A versão aqui ouvida espelha o conteúdo da competente composição original, com um interesse adicional trazido pela parte de piano, que nesta gravação é um Fazioli de elegante som. A obra que arredonda o disco não é exatamente um pinto bem-vindo ao galinheiro beethoveniano. Embora o encarte do BPT jure de pés juntos que a obra, outrora atribuída a Mozart, foi “possivelmente” composta por Beethoven, justificando assim sua inclusão no projeto, a realidade é bem outra. O cuidadoso catálogo de Kinsky-Hahn atirou-a no apêndice (Anhang) de seu rol de obras de Beethoven, que é um limbo onde estão as composições que ninguém hoje crê a sério que tenham vindo de sua pena. Tudo indica é que ele tenha sido escrito por Beethoven, mas não O Beethoven: não por Ludwig, e sim por Karl, seu irmão do meio, que tentara a sorte na composição antes de atuar como secretário, copista e, também sem muito êxito, como representante de Ludwig nas negociações com editoras. Além da atribuição duvidosa, a obra em dois movimentos ainda está incompleta, por lhe faltarem pelo menos duas páginas do Allegro inicial. O musicólogo Robert McConnell preencheu a lacuna, o BPT completou seu disco, e os completistas beethovenianos riscaram mais uma linha de sua lista de faltantes.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, Hess 47

1 – Allegro con brio

Kaspar Anton Karl van BEETHOVEN (1774-1815)

Trio para piano, violino e violoncelo em Ré maior, Kinsky/Hahn Anhang 3 (1799)
Atribuído anteriormente a Ludwig van Beethoven
Completado por Robert McConnell

2 – Allegro
3 – Rondo: Allegretto

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, Op. 63 (1806)
Arranjo anônimo do quinteto para cordas, Op. 4

4 – Allegro con brio
5 – Andante
6 – Menuetto & Trio
7 – Finale: Presto

The Beethoven Project Trio:

George Lepauw, piano
Sang Mee Lee, violino
Wendy Warner, violoncelo

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Muito esperei pela oportunidade de postar esta bela imagem de Karl van Beethoven. Chegou a hora. De nada.
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Aberturas “Coriolan”, Op. 62 – “Die Geschöpfe des Prometheus, Op. 43” – “Egmont”, Op. 84 – “Die Ruinen von Athen”, Op. 113 – “Zur Namensfeier”, Op. 115 – “König Stephan”, Op. 117 – “Die Weihe des Hauses”, Op. 124 – “Fidelio” & “Leonore” I-III – Abbado

“Coriolano” é, possivelmente, a primeira abertura de concerto de que se tem registro. Ela leva o nome da peça de Shakespeare sobre a vida dum semilegendário general romano, mas que em verdade foi inspirada na obra muito menos conhecida do hoje obscuro dramaturgo austríaco Heinrich Joseph von Collin (1771–1811).

Nas duas versões da tragédia, Coriolano é exilado de sua cidade e, acolhido pelos volscos, organiza os exércitos desses antigos inimigos para atacar Roma. Às portas dela e no ponto alto do drama, a mãe e a esposa de Coriolano tentam demovê-lo da ideia, no que têm sucesso. O general, então, prefere se matar a comandar a retirada de suas tropas. Pano rápido. Fim.

A música de Beethoven é apropriadamente dramática, contrapondo um tema trágico em Dó menor a um lírico, em Mi bemol maior, representando o embate entre a sanha bélica do general e os sentimentos evocados pelas mulheres de sua vida. O retorno do tema soturno em outra tonalidade parece representar sua decisão final, e seu vagaroso apagar, claro, a sua morte. Apesar de ter usado aqui o termo “abertura”, “Coriolan” é uma peça independente: não há registro sequer da intenção de fazê-la seguir-se de outros números de música incidental, como era a praxe da época. Assim, ao escrever uma obra musical autônoma inspirada por uma outra, literária, Beethoven inaugurava um novo gênero: a abertura de concerto, pedra fundamental da tradição de música programática que, em algumas décadas, ganharia corpo com o trabalho de Berlioz, Liszt e companhia.

O excelente álbum duplo que lhes alcanço, com o infalível Claudio Abbado liderando os filarmônicos vienenses, contém a integral das aberturas de Beethoven. Aqui estão tanto as aberturas de concerto quanto as outras tantas destinadas a suas incursões na música para o palco – as quais foram abordadas, ou assim o serão, ao longo dessa nossa integral de sua obra. A  exceção de Zur Namensfeier, Op. 115, da qual passaremos ao largo e não comentaremos, porque é uma das peças mais “nhé” do compositor e, enfim, temos muito mais o que fazer.

A clareza e o vigor do registro são, claro, aqueles que sempre se pode esperar de Abbado, e as duas obras-primas da coleção – “Coriolan” e “Egmont” – são de levantar da cadeira de tão eletrizantes. Para uma leitura bastante diferente, mas igualmente empolgante, recomendo a audição comparada do álbum do conde de la Fontaine und d’Harnoncourt-Unverzagt, vulgo Nikolaus, que restaurei aqui na postagem do patrão PQP.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Die Geschöpfe des Prometheus, música para o ballet de Salvatore Viganò, Op. 43
01 – Abertura

Música incidental para “König Stephan”, de August von Kotzebue, Op. 117
02 – Abertura

Música incidental para “Die Ruinen von Athen”, de August von Kotzebue, Op. 113
03 – Abertura

Música para o Festival de Carl Meisl
04 – Abertura “Die Weihe des Hauses”, Op. 124

5 – “Zur Namensfeier”, Grande Abertura em Dó maior, Op. 115

6 – “Coriolan”, Abertura em Dó menor sobre a tragédia de Heinrich von Collin, Op. 62

Música para a tragédia “Egmont” de Johann Wolfgang von Goethe, Op.84
7 – Abertura

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Aberturas para Fidelio/Leonore, Op. 72

Abertura “Fidelio”, Op. 72b
1 – Allegro – Adagio – Presto

Abertura “Leonore I”, Op. 138
2 – Andante con moto – Allegro con brio

Abertura “Leonore II”, Op. 72
3 – Adagio – Allegro – Adagio – Presto

Abertura “Leonore III”, Op. 72a
4 – Adagio – Allegro – Presto

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Wiener Philharmoniker
Claudio Abbado, regência

 


“Coriolan” era uma das peças preferidas de Arturo Toscanini, que a gravou meia dúzia de vezes. Ei-lo doman…, er, ensaiando a orquestra no trecho central da peça, com seu tradicional estilo vigoroso e suas legendárias broncas bilíngues nos músicos…


… muito embora suas cobranças ao contrabaixistas não cheguem aos pés desse legendário esporro (posso escrever “esporro” aqui?) que deve estar doendo até no bisneto do primeiro contrabaixista dessa orquestra. Aproveitem, que não é todo dia que a gente ouve uma criatura nascida em 1867 chamando alguém de “rompicoglioni” – que, sinceramente, virou meu impropério favorito.

 


FAIXA BÔNUS : a versão de “Coriolan” para banda de rock progressivo, por nosso leitor-ouvinte Eduardo D’Elboux

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Obras para bandolim – Scivittaro – Veyron-Lacroix

A diminuta obra para bandolim e teclado de Beethoven, que consiste de quatro peças,  dura pouco mais de vinte minutos. Já as apresentei aqui anteriormente, num tom debochado que, sinceramente, não reflete o que delas penso. Acho-as muito delicadas e agradáveis, e surpreendentemente idiomáticas para algo que brotou da pena dum renano radicado em Viena que nunca cruzou os Alpes rumo à península da Bota. Bem,  surpreendentes, talvez, tão só para os que desconhecem que, segundo vários relatos, havia um bandolim pendurado ao lado do piano em seu caótico apartamento, o que nos faz pensar que, mesmo que não o soubesse tocar, Beethoven estivesse ao menos familiarizado ao instrumento.  Houve pelo menos dois bandolinistas que o inspiraram: o boêmio Wenzel (Václav) Krumpholz (não o confundir com o Krumpholz mais famoso, o harpista de triste fim), com quem estudou violino em Viena e que quase certamente foi o músico que Beethoven imaginou tocando as peças do WoO 43, e Josephine de Clary-Aldringen, esposa do rico conde Clam-Gallas – de quem ainda há um suntuoso palácio, uma das muitas joias barrocas na maravilhosa capital da Boêmia – e que recebeu a dedicatória, intimamente escrita “pour la belle Joséphine”, da dupla do WoO 44.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Duas peças para bandolim e piano ou cravo, WoO 44
Sonatina em Dó maior, WoO 44a
1 – Allegro

Duas peças para bandolim e piano ou cravo, WoO 43
Sonatina em Dó menor, WoO 43a
2 – Adagio

Adágio em Mi bemol maior, WoO 43b
3 – Adagio (ma non troppo)

Duas peças para bandolim e piano ou cravo, WoO 44
Andante com variações em Ré maior, WoO 44b

4 – Andante

Maria Scivittaro, bandolim
Robert Veyron-Lacroix, cravo

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A confiar na Wikipedia (não que eu seja um desses), eis o bandolim de Beethoven, de fabricação milanesa, que ficava pendurado na sala de seu apartamento em Viena.

Vassily

[Restaurado] Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Abertura de “Le Nozze di Figaro” – Ludwig van Beethoven (1770-1827): Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15 – Maurice Ravel (1875-1937): Rapsodie Espagnole – Pavane pour une Infante Défunte – Alborada del Gracioso – Boléro – Argerich – Barenboim #BTHVN250

Vocês me permitem só mais uma gravação de Martha tocando o concerto em Dó maior de Ludwig?

Só mais uminha?

Pois bem: ela é a minha favorita, a mais brilhante, fluida e à vontade que ela já fez dessa obra que toca quase desde a mórula. O ambiente certamente ajuda: o magnífico Teatro Colón, onde ela estreou há mais de setenta anos, em sua Buenos Aires natal, na qual passa uma aclamada temporada por ano e é merecidamente tratada como divindade terrena. A companhia, seguramente também: nenhum parceiro artístico a conhece há tanto tempo quanto seu conterrâneo Daniel Barenboim, com o qual formou a mais notória dupla portenha de crianças-prodígio e brincava de esconde-esconde sob os pianos das soirées em que tocaram juntos, antes das carreiras os levarem para distintas plagas e se reencontrarem tantas vezes pelo mundo. Daniel é extremamente reverente a Martha, e isso fica claro nessa interpretação do concerto: a solista parece tocar com total liberdade, e o regente a segue impecavelmente. O restante da gravação, feita ao vivo, traz a abertura de “As Bodas de Fígaro”, aquele clássico pontapé inicial dos concertos em matinês, e uma seleção considerável da obra de Maurice Ravel para seu instrumento favorito, a orquestra sinfônica. Barenboim e sua West-Eastern Divan estão tão confortáveis nesse repertório que lhes sobra energia para um extenso bis, com uma das suítes de excertos orquestrais da “Carmen” de Bizet e um tango de Mariano Mores – Martha, mantendo seu costume, dá um rápido bis com Schumann antes de sumir para as coxias para mais um de seus compulsórios cigarrillos. Apesar da sempre tussígena e algo alvoroçada plateia do Colón, a gravação do selo Peral (“Pereira” em espanhol, que é “Birnbaum” em alemão e “Barenboim” em iídiche) consegue captar bem o que deve ter sido uma noite e tanto naquela banda do rio da Prata.

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Le Nozze di Figaro, K. 491
01 – Abertura

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Dó maior para piano e orquestra, Op. 15
02 – Allegro con brio
03 – Largo
04 – Rondo. Allegro scherzando

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Fantasiestücke, Op. 12
05 – No. 7: Traumes-Wirren

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)

Rapsodie Espagnole, M. 54
06 – Prélude à la Nuit
07 – Malagueña
08 – Habanera
09 – Feria

Alborada del Gracioso, M. 43
10 – Assez vif

Pavane pour une Infante Défunte, M. 19
11 – Assez doux, mais avec d’une sonorité large

Boléro, M. 81
12 – Tempo di bolero moderato assai

Alexandre César Léopold (Georges) BIZET (1838-1875)

Suíte no. 1 da ópera “Carmen”
13 – Aragonaise
14 – Intermezzo
15 – Les Dragons d’Alcalà
16 – Les Toréadors

Mariano Alberto Martínez, dito MARIANO MORES (1918-2016)
17 – El Firulete, tango

Martha Argerich, piano
West-Eastern Divan Orchestra
Daniel Barenboim, regência

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Sete décadas de parceria ❤️

Vassily

[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]

[Restaurado] BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 18 – Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Divertimento, K. 136 (excerto) – Edvard Grieg (1843-1907) – Suíte Holberg, Op. 40 – Argerich – Ozawa


Os dois primeiros concertos de Beethoven são uma especialidade de Marthinha, e sua última gravação do Op. 19 com Ozawa é fresquíssima, feita em 2019 e lançada no mês passado. Não era uma obra de que o compositor gostasse muito, tanto que o mencionava com ironias em sua correspondência e o retrabalhou várias vezes desde que o estreou em Praga, acabando enfim por dar-lhe um finale completamente novo (o antigo, ao que tudo indica, é o rondó na mesma tonalidade de Si bemol maior, WoO 6, completado por Czerny). Como já mencionamos ontem, apesar de ser chamado de “concerto no. 2”, ele foi a quarta obra do gênero que Beethoven escreveu, depois de dois trabalhos incompletos de juventude e do concerto Op. 15, que publicamos ontem. Martha Argerich, no entanto, o conhece tão bem e o devora com tanto apetite que torna a obra, bem meia-boca para os padrões beethovenianos, um deleite de se escutar. À chuva de estrume que caiu sobre a Decca por conta da capa anterior de Argerich/Ozawa, acusando-a do suposto crime de mostrar dois intérpretes idosos livres de Photoshop, a dupla deu a melhor resposta possível, empenhando seus mais de cento e sessenta anos de experiência numa interpretação rápida, lépida, faceiríssima. Martha, particularmente, está em chamas, e Seiji não a deixa escapar.

Completam o disco um excerto dum divertimento de Mozart e uma linda “Holberg” de Grieg, a obra que me é o mais próximo que conheço duma panaceia instantânea para a melancolia. Ainda que não tenha se tornado meu registro favorito, há nele uma espontaneidade que me deixou, desde a primeira audição, com muita vontade de voltar.

Essa postagem vem com um agradecimento ao colega FDP Bach, que me conseguiu a gravação e que tanto contribui para o blog, desde que dele eu era um leitor-ouvinte. Ela também é um desagravo a este dedicado melômano, detentor de enorme acervo fonográfico, ante os ataques injustificáveis que recebeu de um leitor-ouvinte ingrato e grosseiramente mal educado. Recebemos de muito bom grado as críticas e contamos com nossos leitores-ouvintes para fazer as necessárias correções a nossos lapsos. Nós próprios nos criticamos e corrigimos muito em nossa comunicação privada, sem nunca perdermos o respeito por nossas preferências diferentes, que asseguram a diversidade do blog. Isso não autoriza qualquer um de nós a faltar com o respeito com os outros, sejam autores, sejam leitores-ouvintes. Não somos balde para despejarem recalques, nem bidê para lavar-lhes a prepotência. O último infeliz que tentou tomou uma tunda dos comentaristas e espero que tenha sumido para sempre. Não seja o próximo, por favor.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto para piano e orquestra em Si bemol maior, Op. 19
(cadências de Beethoven)
Composto em 1787-1789, revisado em 1795
Publicado em 1801
Dedicado a Carl Nicklas von Nickelsberg

1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Rondo: Molto allegro

Martha Argerich, piano
Mito Chamber Orchestra
Seiji Ozawa, regência

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Divertimento em Ré maior, K. 136

4 – Allegro

Edvard Hagerup GRIEG (1843-1907)

Fra Holbergs tid (“Dos Tempos de Holberg”) – Suíte no Estilo Antigo, Op. 40

5 – Praeludium – Allegro vivace
6 – Sarabande – Andante
7 – Gavotte – Allegretto
8 – Air – Andante religioso
9 – Rigaudon – Allegro con brio

Mito Chamber Orchestra
Seiji Ozawa, regência

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Para quem gostou da parceria Martha/Seiji, ei-los combinando forças com a orquestra do Festival Saito Kinen [grato, Isaac!] para uma vibrante Fantasia Coral de Beethoven – com direito a uma participação da diva Nathalie Stutzmann, facilmente encontradiça, como imensa amazona que é, no meio dos demais cantores. Martha é idolatrada no Japão – talvez o epicentro marthômano no mundo – e ela retribui generosamente, com visitas frequentes, colaboração com artistas japoneses e com a participação no primeiro festival a levar seu nome, na estância termal de Beppu.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]

[Restaurado] BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15 – Sinfonia no. 1 em Dó maior, Op. 21 – Argerich – Ozawa

Mais uma babada nossa? Sim, inda outra: postamos os dois primeiros concertos de Lud Van com a deusa Martha e Giuseppe Sinopoli, sem percebermos que FDP Bach já os tinha publicado antes. Enquanto pagamos nossas impublicáveis penitências, tento me redimir em duas prestações, com novíssimas gravações da nossa rainha na companhia de seu amigo e colaborador de longuíssima data, Seiji Ozawa.

Enfim, concertos para piano – e Ludwig deve ter pensado o mesmo quando publicou seus dois primeiros, em 1801. Ele já os vinha tocando havia algum tempo em seu afã de consolidar-se em Viena como um compositor-virtuose, seguindo a vereda do jovem Mozart, cujos extraordinários concertos para piano pairavam, intimidadores, sobre qualquer desgraçado que se aventurasse pelo gênero. Era fundamental que um postulante ao panteão do teclado tivesse seus cavalos de batalha, e por isso Lud Van pariu cuidadosamente os seus, após longa e insegura gestação. Percebam que eu não os numero no título, enquanto lhes explico: além de nenhum deles ter sido o primeiro concerto escrito por Beethoven – distinção que cabe a um concerto em Mi bemol (WoO 4), composto ainda na adolescência e do qual restou apenas a parte para piano -, o primeiro a ser publicado foi o segundo a ser estreado, e vice-versa. Assim, o concerto Op. 15, composto em 1795, foi estreado nove meses depois do Op. 19, que marcou a estreia pública de Beethoven como pianista em Viena e já vinha sendo esboçado desde os tempos de Bonn. Embora baseiem-se firmemente em modelos de Haydn e Mozart, há amplos toques beethovenianos nas modulações inesperadas e mudanças bruscas de humor, e na escrita pianística, tão brilhante quanto a que se esperaria duma obra composta para pavonear sua capacidade ao teclado. O compositor legou-nos suas próprias cadências para as obras, que são as utilizadas na presente gravação e nos dão um sabor de seu talento improvisatório – que, junto com a prestidigitação pianística, era o que mais incensava a fama do rapaz antes de se firmar como compositor.

Cada vez que escuto Martha Argerich tocar esses concertos, fico pensando o quanto o Beethoven garotão não se reconheceria temperamento artístico sanguíneo e nas execuções exuberantes da deusa portenha do piano. Suas interpretações lideram minha preferência, ainda que reconheça suas idiossincrasias, e muito embora prefira suas gravações com Abbado, já publicadas aqui. Ela os executa praticamente desde o ovo, como poderão testemunhar pelo vídeo mais abaixo, de modo que não lhe poderiam ser mais naturais. Nessa gravação, feita ao vivo com a orquestra de câmara do centro cultural Art Tower da cidade japonesa de Mito, ela é acompanhada por Seiji Ozawa, um notável regente com um tremendo talento para a sobrevivência: mesmo gravemente doente, ele mantém-se admiravelmente ativo. É incrível a eletricidade que eles trazem para esta gravação, que nada sugere a avançada idade em que graciosamente entram. Ozawa sai-se bem, mas é Marthinha, como sempre, quem vale o download.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 1 em Dó maior, Op. 21
Composta entre 1795-1800
Publicada em 1801
Dedicada ao barão Gottfried van Zwieten

1 – Adagio molto – Allegro con brio
2 – Andante cantabile con moto
3 – Menuetto: Allegro molto e vivace
4 – Adagio – Allegro molto e vivace

Mito Chamber Orchestra
Seiji Ozawa, regência

Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15
(cadências de Beethoven)
Composto em 1795
Publicado em 1801
Dedicado à princesa Anna Louise Barbara Odescalchi

5 – Allegro con brio
6 – Largo
7 – Rondo. Allegro scherzando

Martha Argerich, piano
Mito Chamber Orchestra
Seiji Ozawa, regência

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Marthita, nossa deusa, toca estes concertos desde que se conhece por gente: ei-la, aos oito anos, interpretando o concerto no. 1 com Alberto Castellanos.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trio para flauta, piano e fagote, WoO 37 – Serenata para flauta, violino e viola, Op. 25 – Graf – Gulli – Giuranna – Thunemann – Canino


Em mais uma babada minha, publiquei dois discos sem saber que, quase doze anos antes, nosso patrono FDP Bach já o tinha feito. O repertório do primeiro, que restaurei lá na postagem original de FDP, é um pot-pourri tão peculiar que não encontrei outra semelhante, de modo que a serenata vem hoje, e a obra para bandolim chegará posteriormente. Quanto ao segundo disco, além de também restaurar o link na postagem original, agi diferentemente e resolvi manter a postagem que escrevi, muito em função à homenagem ao trompista Myron Bloom. Assim, o trio para flauta, piano e fagote vem para cá, e a homenagem a Bloom segue lá.

“Trios para flauta” foi um coelho tirado da cartola para colocar sob o mesmo teto duas obras absolutamente diferentes em estilo, contexto e finalidade, ainda que tenham em comum, além da prima donna de metal, a incrível heterodoxia na escolha de seus acompanhantes.

A obra que abre o disco, escrita para a rara combinação de flauta, piano e fagote, tem um estilo tão escarradamente mozartiano que talvez tenha feito Beethoven escondê-la, depois de achar sua própria voz. Parece que foi escrita para o conde Westerholt-Gysenberg, um fagotista amador cuja filha estudava piano com Ludwig e, como amiúde acontecia, despertara borboletas no estômago do compositor adolescente. É uma obra muito agradável, feita para entreter sem atrair muito a atenção, e não por acaso destinada à flauta, instrumento muito popular entre os nobres, incluindo o filho do conde, de quem Ludwig almejava tornar-se cunhado. Assinada pomposamente por “Louis van Beethoven – organista da corte de Sua Alteza Real o Príncipe Eleitor de Colônia”, ela evoca facilmente um Beethoven garoto, que ainda não completara dezesseis anos, circulando pela despreocupada corte em peruca, chapéu tricorno e casaca, enquanto afundava-se em preocupações com o sustento da família, o alcoolismo do pai, a saúde da mãe, e os horizontes que lhe acenavam de bem longe da provinciana Bonn.

O disco prossegue com a Serenata Op. 25, composta para a ainda mais incomum formação de flauta, violino e viola. Embora ninguém saiba ao certo para quem e em que circunstâncias ela foi escrita, suas melodias cativantes e notável leveza dão a entender que o dedicatário era o próprio bolso do compositor, que talvez precisasse de dinheiro e, por isso, escreveu algo certeiramente popular para surfar na onda de sua crescente notoriedade como compositor. Escrita aos seus vinte e poucos anos em Viena, ela segue o script dos divertimentos de Mozart, com vários movimentos de dança na mesma tonalidade. Ainda que ela não esteja no rol de suas obras mais célebres, é uma composição muito bem acabada que provavelmente fosse do apreço do compositor, que, ao permitir a publicação de um arranjo para flauta e piano, insistiu com o editor, e reinsistiu num tom mesmo ríspido, que frisasse no frontispício que o arranjo era de terceiros, mas o original era seu.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio em Sol maior para piano, flauta e fagote, WoO 37 (1786)

1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Andante con variazioni

Peter-Lukas Graf, flauta
Klaus Thunemann, fagote
Bruno Canino, piano

Serenata em Ré maior para flauta, violino e viola, Op. 25
Composta em 1801
Publicada em 1802

4 – Entrata – Allegro
5 – Tempo ordinario d’un Menuetto
6 – Allegro molto
7 – Andante con variazioni
8 – Allegro scherzando e vivace
9 – Adagio – Allegro vivace e disinvolto

Peter-Lukas Graf, flauta
Franco Gulli, violino
Bruno Giuranna, viola

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Apesar de escutá-lo há décadas, nunca soube como era a lata de Peter-Lukas Graf. Fui googlear e, como podem ver, não tenho qualquer motivo para me arrepender.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

ERRATA – BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quinteto para cordas, Op. 29 – Minuetos, WoO 9 – Ländler, WoO 15 – Duos, WoO 32 & 34 – Canon, WoO 35 – Fuga, Op. 137 – Endellion Quartet

Mais uma falha nossa, que corrigimos restaurando a postagem original do FDP Bach e providenciando gravações inéditas no lugar daquelas que ele já tinha publicado.

Publicar uma integral de Beethoven incorreria, mais cedo ou mais tarde, em balaios de gatos como estes que lhes começo a apresentar agora.

Na abertura, o único quinteto para cordas que Ludwig escreveu originalmente para a formação, numa versão mais robusta do que aquela que aqui já publicamos. Em seguida, uma série de duos e trios para cordas, incluindo um (WoO 32, para viola e violoncelo) que tem a curiosa indicação “para dois óculos compulsórios” (“mit zwei obligaten Augengläsern“), talvez uma referência à miopia dos músicos responsáveis por sua estreia, possivelmente o próprio compositor, que tocava viola, e seu amigo Nikolaus von Zmeskall-Domanovetz. O álbum encerra com uma curta fuga para quinteto de cordas que deve o alto número de opus (em verdade, o último das 137 obras publicadas neste rol) ao fato da publicação tardia, e que reflete o vivo interesse do compositor nas formas fugais no final de sua vida.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quinteto em Dó maior para dois violinos, duas violas e violoncelo, Op. 29
Composto em 1801
Publicado em 1802
Dedicado ao conde Moritz von Fries

1 – Allegro moderato
2 – Adagio molto espressivo
3 – Scherzo: Allegro
4 – Presto

Endellion Quartet:
Andrew Watkinson e Ralph de Souza,
violinos
Garfield Jackson,
viola
David Waterman,
violoncelo
com David Adams, viola

Seis Minuetos para dois violinos e contrabaixo, WoO 9 (1795)
5 – No. 1 em Mi bemol maior
6 – No. 2 em Sol maior
7 – No. 3 em Dó maior
8 – No. 4 em Fá maior
9 – No. 5 em Ré maior
10 – No. 6 em Sol maior

Karl Suske e Klaus Peters,
violinos
Matthias Pfaender,
violoncelo

Seis Ländler para dois violinos e contrabaixo, WoO 15 (1802)
11 – No. 1 em Ré maior
12 – No. 2 em Ré maior
13 – No. 3 em Ré maior
14 – No. 4 em Ré maior
15 – No. 5 em Ré maior
16 – No. 6 em Ré maior

Kammerorchester Berlin
Helmut Koch, regência

Duo em Mi bemol maior para viola e violoncelo, WoO 32, “para dois óculos obbligati” (1796-1797)
17 – Allegro
18 – Allegretto

Zvi Livschitz, viola
Mikayel Hakhnazaryan, violoncelo

Duo em Lá maior para dois violinos, WoO 34 (1822)
19 – Sem indicação de andamento

Canon em Lá maior para dois violinos, WoO 35 (1825)
20 – Sem indicação de andamento

Sofia Kim e Susie Kroh, violinos

Fuga em Ré maior para dois violinos, duas violas e violoncelo, Op. 137 (1817)
21 – Allegretto

Endellion Quartet
David Adams, viola

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Ludwig mit obligaten Augegläsern
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

ERRATA – BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trios para violino, viola e violoncelo, Op. 9 – The Leopold Trio

Minha babada de republicar gravações já postadas anteriormente aplicou-se a todos trios para cordas de Beethoven. Assim, e exatamente como fiz ontem, restaurei a gravação do trio Mutter-Giuranna-Rostropovich na postagem original, e refiz minha postagem com a sensacional versão do Leopold Trio para os Op. 9.

Ludwig – sempre o descabelado inquieto em notável evolução! À guisa dos enormes saltos estilísticos entre as sonatas para piano Op. 2 para a “Grande” Op. 7, e aquele, maior ainda, desta para as sonatas Op. 10, quem ouve estes trios do Op. 9 depois das primeiras tentativas de Beethoven no gênero se impressiona com seus progressos. Aqui, num claro ensaio para os quartetos de cordas vindouros, que o fariam abandonar para sempre os trios, há muitos dos gestos que ficariam familiares a nós outros nas décadas seguintes: a elaboração sinfônica de obras para conjuntos de câmara; a criatividade dentro do uso estrito da sonata-forma; a alternância de movimentos cheios de verve com expressivos adagios. Eles são especialmente prevalentes no primeiro trio da trinca, enquanto no terceiro nosso renano favorito esbalda-se em sua tonalidade-assinatura, a de dó menor, trabalhando habilmente a constrição e a angústia por ela inspiradas rumo a um afirmativo final em tonalidade maior. Numa tentativa, talvez, de fazer justiça às suas provavelmente nada queridas memórias como violista na corte de Bonn, Beethoven dá à viola várias passagens elaboradas, deixando-a quase em pé de igualdade com seus parceiros menos molestados por bullying instrumental. E a radiante interpretação do Leopold Trio só nos consegue deixar a viva impressão de que as sessões de gravação devam ter sido pura delícia.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três Trios para violino, viola e violoncelo, Op. 9

No. 1 em Sol maior
1 – Adagio – Allegro con brio
2 – Adagio ma non tanto and cantabile
3 – Scherzo – Allegro
4 – Presto

No. 2 em Ré maior
5 – Allegretto
6 – Andante quasi allegretto
7 – Menuetto – Allegro
8 – Rondo – Allegro

No. 3 em Dó menor
9 – Allegro con spirito
10 – Adagio con espressione
11 – Scherzo – Allegro molto e vivace
12 – Finale – Presto

The Leopold String Trio
Isabelle van Keulen, 
violino
Lawrence Power, 
viola
Kate Gould, 
violoncelo

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

ERRATA – BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trio para violino, viola e violoncelo, Op. 3 – Serenata, Op. 8 – The Leopold Trio

 

 

Da mesma forma que eu, tolinho, fiz com os quartetos com piano, acabei colocando aqui uma gravação já postada anteriormente pelo colega FDP Bach. Assim, os trios de cordas com Anne-Sophie Mutter, Bruno Giuranna e Slava Rostropovich voltam ao seu lugar de origem, na postagem original, e eu aqui passo a lhes alcançar a linda gravação do Leopold Trio.

O trio de cordas evoluiu da formação inicialmente em voga – dois violinos e violoncelo, no feitio das trio-sonatas – para a de violino, viola e violoncelo por influência de Boccherini e, principalmente, de Haydn, que foi por pouco tempo tutor de Beethoven e, sem dúvidas, o mais influente compositor daquele finalzinho de século XVIII. Outras tantas obras para esta formação mais moderna foram compostas por Johann Albrechtsberger – organista da Stephansdom e autor, entre tantas outras, das mais hilariantes composições jamais postadas neste blog -, com quem Beethoven escolheu ter aulas de contraponto e composição desde que decidira ficar em Viena, pois deixara Bonn em caráter oficialmente temporário, sem ter, no entanto, qualquer intenção séria de voltar.

Com tantas influências próximas, e motivado pelo sucesso das publicações de seus Opp. 1 e 2, que postergara em função da consolidação de sua carreira de virtuose do piano e da busca de pisar com mais firmeza os terrenos da composição, parece natural que tenha escolhido compor e publicar cinco trios para violino, viola e violoncelo em relativamente rápida sucessão. Os dois primeiros, que aqui apresentamos, foram compostos em seis movimentos e são muito semelhantes em forma. Embora somente o segundo tenha sido chamado de “serenata”, ambos apresentam sucessões de movimentos lentos com danças, após um movimento de abertura. O sensacional e infelizmente extinto Leopold Trio faz jus à pujança do garoto renano, com o bônus da habitual qualidade do som da Hyperion. Suas interpretações vigorosas e tecnicamente impecáveis para as peças têm seus melhores momentos nos breves arroubos de inovação que o jovem compositor começa a mostrar em obras ademais bastante convencionais, servindo-nos um bom aperitivo do que será a trinca de trios muito melhor acabados do Op. 9 – que também lhes apresentaremos, com os mesmos intérpretes, dentro em muito breve.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio em Mi bemol maior para violino, viola e violoncelo, Op. 3
Composto antes de 1794
Publicado em 1796
Dedicado à condessa von Browne

1 – Allegro con brio
2 – Andante
3 – Menuetto: Allegretto
4 – Adagio
5 – Menuetto: Moderato
6 – Finale: Allegro

Serenata em Ré maior para violino, viola e violoncelo, Op. 8
Composto entre 1796-1797
Publicado em 1797

7 – Marcia: Allegro – Adagio
8 – Menuetto: Allegretto
9 – Adagio – Scherzo: Allegro molto – Adagio – Allegro molto – Adagio
10 – Allegretto alla polacca
11 – Andante quasi allegretto – Variation 1 – Variation 2 – Variation 3 – Variation 4  – Allegro – Tempo I
12 – Marcia: Allegro

The Leopold String Trio
Isabelle van Keulen,
violino
Lawrence Power,
viola
Kate Gould,
violoncelo

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Não se enganem pelo retrato borocoxô: o Leopold Trio é pura energia!
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

ERRATA – BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Três Quartetos para piano, violino, viola e violoncelo, WoO 36 – Armstrong – Cummings Trio

NOSTRA MAXIMA CVLPA:

Prometêramos somente postagens inéditas no blog para esta série do jubileu de Beethoven. Ainda assim, incautamente postamos o disco de Christoph Eschenbach com integrantes do quarteto Amadeus, um clássico gravado ainda por conta do bicentenário do mestre, em 1970, sem nos darmos conta de que ele já tinha sido postado, em priscas eras, pelo colega FDP Bach. Assim, para mantermos a promessa e promovermos a justiça, nós tanto restauramos a postagem antiga como, também, substituímos a gravação por outra aqui inédita. Nos próximos poucos dias, corrigiremos outros erros semelhantes antes de prosseguirmos com nosso projeto BTHVN250. Perdoem nossas falhas!

Compostos por um Beethoven adolescente, com quinze anos incompletos, estes três quartetos são, juntamente com seu arranjo para o quinteto Op. 16, suas únicas composições originais para o conjunto de piano, violino, viola e violoncelo.

Essa escassa produção, quase toda concentrada na juventude, talvez se explique pela raridade de quartetos com piano compostos até então. Ademais, os dois modelos mais importantes para o jovem Beethoven pouco escreveram para o gênero: Mozart deu ao mundo dois desses quartetos (K. 478 e K. 493), e Haydn ignorou completamente a formação. Mozart, entretanto, inspirou Beethoven não tanto com seus quartetos quanto através de suas sonatas para violino, e tão literalmente que até mesmo alguns temas do quarteto em Dó maior foram emprestados da sonata K. 296 do mestre de Salzburg. Falando em temas emprestados, nossos leitores-ouvintes mais atentos perceberão que material temático do mesmo quarteto foi reaproveitado nas sonatas Op. 2, dedicadas a Haydn. Tal expediente não surpreende, uma vez que esses quartetos nunca foram à prensa durante a vida do compositor. Somente em 1828, enquanto Viena preparava-se para lembrar o primeiro ano de sua morte, a firma de Artaria, com que Beethoven tanto colaborou em seus anos finais, editou os três quartetos numa ordem diversa da de composição, pela qual o quarteto no. 3 foi o primeiro, seguido pelos nos. 1 e 2. Quem aqui os leva a disco são o pianista Anthony Goldstone e o Cummings String Trio, e eles nos mostram que, embora menos prolífico, o moleque de Bonn não fazia feio ante o Mozart espinhudo.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três quartetos para piano, violino, viola e violoncelo, WoO 36
Compostos em 1785
Publicados em 1828

No. 3 em Dó maior
1 – Allegro vivace
2 – Adagio con espressione
3 – Rondo. Allegro

No. 1 em Mi bemol maior
4 – Adagio assai – Attacca: llegro con spirito
5 – Tema. Cantabile – Vars I-VI – Tema. Allegretto

No. 2 em Ré maior
6 – Allegro moderato
7 – Andante con moto
8 – Rondo. Allegro

Anthony Goldstone, piano
Cummings String Trio:
Diana Cummings, violino
Luciano Iorio, viola
Geoffrey Thomas, violoncelo

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Como bônus, ofereço-lhes uma gravação ao vivo de nossa deusa Martha Argerich tocando o quarteto no. 3, acompanhada pelos irmãos Renaud e Gautier Capuçon e por sua filha, a violista Lyda Chen-Argerich (que é praticamente seu xerox orientalizado). Para baixar a gravação, clique aqui.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Szenen aus Goethes «Faust», WoO 3 – Herreweghe

Encerramos nosso “Festival Schumann” com sua composição de mais largo escopo, a mais ambiciosa e talvez – mesmo imperfeita e desigual como é – sua obra-prima.

O imenso “Fausto” de Goethe, o ponto mais alto da literatura alemã, instigou desde sua publicação a imaginação de compositores. O próprio autor reconheceu, em sua correspondência, que muitas partes de sua obra “clamavam por música”. A primeira parte do “Fausto”, publicada em 1806, prestava-se bem para isso e, com algumas podas aqui e ali, tinha uma narrativa linear e recheada de heróis e antagonistas o bastante para ser levada aos palcos, como o fizeram Berlioz e Gounod em suas óperas. Já a esotérica segunda parte, publicada em 1831, foi solenemente ignorada por músicos e, embora instantaneamente considerada a obra-prima de Goethe, também ganhou uma reputação de pouco acessível em seu enorme escopo, narrativa não linear e personagens místicos.

Schumann – a quem nunca poderíamos acusar de falta de ousadia artística – resolveu encarar o himalaico desafio e começou, claro, pelo mais difícil. Assim, em 1844, compôs as cenas da transfiguração de Fausto, do final da segunda parte, numa imensa cantata que conjura todos os personagens das partes anteriores e que reúne algumas das páginas mais belas que escreveu. Seu feito é ainda mais notável quando nos damos conta de que, com a exceção da abordagem bem ligeira de Liszt em sua “Sinfonia Fausto”, essas palavras só seriam postas novamente em música por Gustav Mahler, já no século XX.

Na década que lhe restaria de carreira, Schumann voltaria ao texto no começo de 1849 para compor as cenas de 1 a 3 (os únicos trechos da primeira parte do “Fausto” que musicaria), a cena 4 no final do mesmo ano e, em 1850, as cenas 5 e 6. A abertura foi escrita por último e concluída em 1853, um ano antes do colapso que o levaria ao hospício. Não sabemos, pelos seus diários e correspondência, se ele planejava colocar a obra toda em música. Ao que tudo indica, no entanto, ele próprio não concebia essas cenas todas, escritas em diferentes momentos de sua vida, como partes de uma só grande obra, nem que as pretendesse escutar assim. A execução do todo, uma tradição que só se consolidou no século XX, não deixa de soar como uma vasta colcha de belíssimos retalhos. Da angustiada e algo crua abertura, no estilo bem típico de seus últimos anos, passando por trechos que soam como operetas (como o dueto no jardim de Martha), grande ópera (a aterrorizante cena na catedral), ópera romântica (a cena à meia-noite,  que tem todo drama que faltou a “Genoveva”, sua única ópera), intercalando melodias ora de sabor folclórico, ora reminiscentes de seus melhores Lieder, e culminando com a supracitada cantata final, que a um só tempo mostra sua reverência a Bach como também que não seria possível sem a Missa Solemnis de Beethoven, essa coleção de instantâneos da segunda metade da carreira do compositor forma uma imensa rapsódia que é, acredito, seu melhor testamento musical. E com essa leitura de Philippe Herreweghe, sempre elegante e atenta ao detalhe, e um belo time vocal, no qual destaco o maravilhoso baixo islandês Kristinn Sigmundsson como Mefistófeles, espero que ela encontre o lugar que creio merecer no carinho dos leitores-ouvintes, enquanto agradeço a atenção que dedicaram à individualíssima música de Schumann ao longo dessas três últimas semanas.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Szenen aus Goethes “Faust” (“Cenas do ‘Fausto’ de Goethe”), para solistas, coro e orquestra, WoO 3

1 – Abertura

PRIMEIRA PARTE

2 – No. 1: Szene im Garten (Gretchen, Faust, Mephistopheles, Marthe) –  “Du kanntest mich, o kleiner Engel, wieder”
3 – No. 2: Gretchen vor dem Bild der Mater Dolorosa (Gretchen) – “Ach neige, du Schmerzensreiche”
4 – No. 3: Szene in Dom (Böser Geist, Gretchen, Chor) – “Wie anders, Gretchen, war dir’s”

SEGUNDA PARTE

5 – No. 4: Sonnenaufgang (Ariel, Faust, Chor) – “Die ihr dies Haupt umschwebt im luft’gen Kreise”
6 – No. 5: Mitternacht (Mangel, Schuld, Sorge, Not, Faust) – “Ich heiße der Mangel”
7 – No. 6: Fausts Tod (Mephistopheles, Lemuren, Faust, Chor) – “Herbei, herbei! Herein, herein!”

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TERCEIRA PARTE

1 – No. 7, parte 1: Fausts Verklärung (Chor) – “Waldung, sie schwankt heran”
2 – No. 7, parte 2 (Pater Ecstaticus) – “Ewiger Wonnebrand”
3 – No. 7, parte 3: Fausts Verklärung (Pater Profundus, Pater Seraphicus, Selige Knaben) – “Wie Felsenabgrund mir zu Füßen”
4 – No. 7, parte 4 – Fausts Verklärung (Engel, Selige Knaben, Chor) – “Gerettet ist das edle Glied”
5 – No. 7, parte 5 – Fausts Verklärung (Doctor Marianus) -“Hier ist die Aussicht frei”
6 – No. 7, parte 6 – Fausts Verklärung (Doctor Marianus, Chor, Büsserinnen, Magna Peccatrix, Mulier Samaritana, Maria Aegyptiaca, Una Poenitentium, Selige Knaben, Mater Gloriosa) – “Dir, der Unberührbaren”
7 – No. 7, parte 7 –  Fausts Verklärung (Chorus Mysticus) – “Alles Vergängliche”

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Camilla Nylund, soprano (Gretchen, Not, Una Poenitentium)
Simone Nold, soprano (Sorge, Magna Peccatrix)
Ingeborg Danz, contralto (Mangel, Mater Gloriosa, Mulier Samaritana)
Louise Mott, contralto (Marthe, Schuld, Maria Aegyptiaca)
Hans-Peter Blochwitz, tenor (Ariel)
Christian Voigt, tenor (Pater Ecstaticus)
William Dazeley,
barítono (Faust, Doktor Marianus, Pater Seraphicus)
Kristinn Sigmundsson, baixo (Mephistopheles, Böser Geist, Pater Profundus)

Collegium Vocale
La Chapelle Royale
RIAS-Kammerchor
Orchestre des Champs-Élysées
Philippe Herreweghe, regência

Link para o libreto

Herreweghe brincando com o gerador de van de Graaf

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856) – Missa, Op. 147 – Sawallisch – Requiem, Op. 148 – Requiem für Mignon, Op. 98b – Klee

Mais duas obras corais de Schumann resgatadas das trevas.

A primeira é a missa, obra curiosa vinda dum compositor nada devoto e ademais sem qualquer interesse pela música sacra. Composta dois anos antes do surto que o levaria à tentativa de suicídio no Reno e a internação no hospício, teve seus dois primeiros movimentos estreados juntamente com a sinfonia no. 4. Schumann jamais a escutaria completa, e a primeira audição integral aconteceria em Aachen, cinco anos depois de sua morte, com algum sucesso e – talvez seu maior triunfo – levando Clara a mudar seus planos de deixá-la inédita para sempre. Imagino o quão despojada ela deve ter soado para ouvidos acostumados a retumbâncias como as da Missa Solemnis de Beethoven ou mesmo da Grande Missa de Mozart, que não devem ter percebido que sua inspiração jazesse num passado mais remoto, nas missas de Palestrina, cujas partituras corais Robert adorava e ensaiava com frequência em Leipzig e Dresden. Alternando partes entusiasmantes, sobretudo o Kyrie e o Agnus Dei, com outras meramente formulaicas, a missa de Schumann chama também a atenção pelas diminutas partes atribuídas aos solistas que pouco abrem suas bocas. A exceção é o Offertorium – uma elaborada ária para soprano com acompanhamento de órgão e violoncelo, que já ouvimos aqui e foi adicionada a posteriori, provavelmente com alguma cantora específica em mente. A gravação dessa raridade, feita ao vivo em 1977 na Philharmonie da então Berlim Ocidental, conta com a soprano nipo-alemã Mitsuko Shirai, que recentemente vencera um concurso em Zwickau, cidade natal do compositor, e a condução magistral de Wolfgang Sawallisch, que ajuda a manter o interesse mesmo nos momentos menos inspirados e faz justiça às belezas da desgraçada obra.

Na mesma caixa da EMI – conhecida pelos combos-bastantões com obras sem-cerimoniosamente atrolhadas em dois CDs – ainda estavam, além da gravação de Der Rose Pilgerfahrt com Rafael Frühbeck, que já lhes alcancei ontem, também a Missa de Réquiem, Op. 148, e o Requiem für Mignon, que já ouvimos com Gardiner. Este último estava incongruentemente colocado no final do disco da gravação com Frühbeck, como um poslúdio soturno à singela historieta da rosa que vira Rosa, de modo que resolvi trazê-lo para junto do outro Réquiem, não tanto pelo título em comum, pois as obras têm pouquíssimas semelhanças, e sim porque ambos estão aqui a cargo do mesmo intérprete.

Bernhard Klee faz uma leitura emocionante da missa dos mortos de Schumann, que estranhamente deixou de lado quaisquer tinturas apocalípticas e fortíssimos a esvurmarem enxofre, para oferecer-nos um curso intensivo de serena aceitação da morte. Nada há aqui da fúria dos réquiens de Verdi e Berlioz, nem dos ostinati e coros ameaçadores daquele de Mozart. Até a doce contraparte de Fauré parece tempestuosa em comparação com esta obra, composta na etérea, rara tonalidade de Ré bemol maior, que faz muito sentido para os pianistas, mas deve fazer todos coros que a encaram amaldiçoarem uma pobre tumba num cemitério de Bonn.

Além dum time de solistas com Nicolai Gedda e Dietrich Fischer-Dieskau, Klee conduz forças que nada seriam estranhas a Schumann. Os conjuntos de Düsseldorf – tanto sua orquestra sinfônica quanto o coro – têm suas raízes na mesma Musikverein cujo comando o compositor assumiu como mestre de capela (Kapellmeister), muito para seu desgosto. Além da instabilidade de seu humor e do que hoje confortavelmente se admite como incompetência com a batuta, havia seu pouco tino para funções oficiais, parca habilidade para lidar com questões burocráticas e nenhum cacoete para dar conta das complicadas interações sociais e políticas inerentes a um cargo dessa importância. Suas desavenças crônicas com os músicos e com seus superiores, que retribuíam o caos trazido pela escolha infeliz de seu Kapellmeister com hostilidade e troça, possivelmente contribuíram com alguns empurrõezinhos para com o desesperado gesto que o levaria à tentativa de morte ao atirar-se nas águas do Reno e à morte em vida no hospício. Num dos últimos cadernos de diários, um de seus poucos apontamentos acerca do Requiem tascava: “compõe-se um réquiem para si mesmo”. Assim, nada mais apropriado que esses conjuntos renanos ofereçam-lhe, com esta bela gravação, reparo e tributo.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Missa em Dó menor para solistas, coro e orquestra, Op. 148

1 – Kyrie
2 – Gloria
3 – Credo
4 – Offertorium: Tota pulchra es, Maria
5 – Sanctus
6 – Agnus Dei

Mitsuko Shirai, soprano
Peter Seiffert, tenor
Jan-Hendrik Rootering, baixo
Chor des Städtischen Musikvereins zu Düsseldorf
Berliner Philharmoniker
Wolfgang Sawallisch, regência

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Requiem em Ré bemol maior para solistas, coro e orquestra, Op. 148

1 – Requiem Aeternam
2 – Te Decet Hymnus
3 – Dies Irae
4 – Liber Scriptus Proferetur
5 – Qui Mariam Absolvisti
6 – Domine Jesu Christe
7 – Hostias
8 – Sanctus
9 – Benedictus

Réquiem para Mignon, do “Wilhelm Meister” de Goethe, para solistas, coro e orquestra, Op. 98b

10 – No. 1: “Wen bringt ihr uns zur stillen Gesellschaft?” – No. 2: “Ach! Wie ungern brachten wir ihn her!” – No. 3: “Seht die mächtigen Flügel doch an!” – No. 4: “In euch Lebe die bildende Kraft” – No. 5: “Kinder! Kehret ins Leben zurück!” – No. 6: “Kinder! Eilet ins Leben hinan!”

Helen Donath, soprano
Doris Soffel, mezzo-soprano
Nicolai Gedda, tenor
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Chor des Städtischen Musikvereins zu Düsseldorf
Düsseldorfer Symphoniker
Bernhard Klee, regência

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Decididamente NÃO a concepção do Dia da Ira de Schumann (e deem tchauzinho pra mim de braços erguidos ali, na chama à direita)

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Der Rose Pilgerfahrt, Op. 112 – Creed – de Burgos

Dentro da obscuridade em que jaz a obra coral de Schumann, talvez as maiores trevas estejam a cair sobre Der Rose Pilgerfahrt (“A Peregrinação da Rosa”), seu oratório de sabor decididamente folclórico, a primeira obra significativa que compôs depois da mudança para Düsseldorf, sua escala final antes do colapso mental que o levaria ao asilo. É uma pena, pois a obra toda – mais uma coleção engenhosamente alinhavada de coros e canções que um oratório no pomposo, dramático sentido do termo até então – é uma delícia de se escutar. As semelhanças com Die Paradis und die Peri, sua experiência anterior no gênero, são notórias e certamente não uma coincidência: o autor do libreto, Moritz Horn, impressionara-se com o oratório anterior e escreveu o texto sob sua instigação. O enredo é simplérrimo: uma rosa roga à Rainha dos Elfos para vir ao mundo na forma humana, para ser amada tanto quando os humanos se amam; a Rainha concede-lhe o desejo e a rosa vem ao mundo na forma de uma linda moça chamada, adivinhem? – Rosa; ela carrega sempre consigo uma flor – que vocês já adivinharam qual é – que serve como repositório de sua alegria; após algumas dificuldades em se integrar aos humanos, ela sente pena – seu primeiro sentimento humano – ao ver um sepultamento; o coveiro a abriga enquanto os elfos tentam chamá-la de volta; um moleiro que perdera sua filha, vítima dum coração partido, reconhece-a no semblante de Rosa e a convida para viver no vilarejo; Rosa casa-se com Max, um aldeão, e tem um filho com ele; quando o bebê nasce, Rosa deixa a flor em sua mão e, numa “morte cheia de amanhecer”, volta para seu mundo, onde é recebida por um coro angélico.

A música despretensiosa, ainda que cuidadosamente burilada, é talvez uma das maiores provas contra os detratores de Schumann, ligeiros em dizerem que tudo que ele escreveu em Düsseldorf foi impulsivo e descuidado. O compositor pretendia que oratório fosse ouvido em sua forma original, com pequeno coro e acompanhamento de piano, e foi nessa forma que ele foi estreado em sua casa por um coro de amigos e, naturalmente, Clara ao piano. Em seguida, dedicou-se à orquestração, uma tarefa que lhe foi muito árdua, talvez porque dividida com a atribulada atividade de Kapellmeister que tanto odiava, ainda que lhe fosse o caminho para suturar os brios cronicamente feridos pela celebridade da esposa, sempre o arrimo da família. Quem escuta a versão orquestral, no entanto, não percebe qualquer sinal de tanto desgosto e da crescente instabilidade que o levaria, alguns anos depois, a encontrar as águas do Reno numa tentativa de aniquilar-se.

Na minha desimportante opinião, as duas versões merecem ser ouvidas, e por isso ofereço-lhes ambas. Sugiro escutarem primeiro a versão com piano, aqui interpretada por um coro impecavelmente ensaiado, se possível na companhia do libreto – a singeleza das melodias e o tom folclórico podem tornar monótona a audição desatenta. Depois, escutem a versão com orquestra e perguntem-se por que um regente do porte Rafael Frühbeck (porque o “de Burgos” foi acrescentado a pedido de Franco, para que tivesse um sobrenome menos alemão) aparece recém pela primeira vez em minhas postagens – porque, se me perguntarem, eu não lhes saberei responder.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Der Rose Pilgerfahrt, Op. 112, sobre textos de Moritz Horn
Link para o libreto

Parte I

1 – “Die Frühlingslüfte bringen”
2 – “Johannis war gekommen”
3 – Elfenreigen. “Wir tanzen, wir tanzen”
4 – “Und wie sie sangen”
5 – “So sangen sie”
6 – “Bin ein armes Waisenkind”
7 – “Es war der Rose erster Schmerz!”
8 – “Wie Blätter am Baum”
9 – “Die letzte Scholl’ hinunterrollt”
10 – “Dank, Herr, dir dort im Sternenland”

Parte II

11 – “Ins Haus des Totengräbers”
12 – “Zwischen grünen Bäumen”
13 – “Von dem Greis geleitet”
14 – “Bald hat das neue Töchterlein”
15 – “Bist du im Wald gewandelt”
16 – “Im Wald, gelehnt am Stamme”
17 – “Der Abendschlummer”
18 – “O sel’ge Zeit”
19 – “Wer kommt am Sonntagsmorgen”
20 – “Ei Mühle, liebe Mühle”
21 – “Was klingen denn die Hörner”
22 – “Im Hause des Müllers”
23 – “Und wie ein Jahr verronnen ist”
24 – “Röslein!”

Versão para solistas, coro e orquestra

Helen Donath e Kari Lövaas, sopranos
Julia Hamari, contralto
Theo Altmeyer, tenor
Bruno Pola, barítono
Hans Sotin, baixo
Chor des Städtischen Musikvereins e.V. Düsseldorf
Düsseldorfer Symphoniker
Rafael Frühbeck de Burgos,
regência

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Versão para solistas, coro e piano

Christiane Oelze, soprano
Birgit Remmert, contralto
Werner Güra, tenor
Klaus Thiem, barítono
Hanno Müller-Brachmann, baixo
Philip Mayers, piano
RIAS-Kammerchor
Marcus Creed, 
regência

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Uma ótima gravação do oratório, com orquestra de instrumentos de época, foi restaurada AQUI.

 

Já tinham visto Schumann menino?

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Requiem für Mignon, Op. 98b – Nachtlied, Op. 108 – Das Paradies und die Peri, Op. 50 – Gardiner

Gardiner acerta em cheio nesse álbum duplo dedicado a obra coral de Schumann, e o resultado é um dos melhores discos de música coral entre os tantos que tenho, inda mais ouro puro desse Midas da Música.

Os trabalhos começam com o breve (e o primeiro mandamento de nosso guia schumanniano é exatamente esse: quanto mais breve, melhor) “Requiem für Mignon”, baseado na triste menina do “Wilhelm Meister” de Goethe. Apesar do título, e da lamúria do coro de meninos, o tom é menos funesto do que a promessa, muito por conta dos “In euch lebe das bildende Kraft” (“Em vós vive a força formativa”) entoados pelo coro masculino, e o resultado é muito mais um convite a conformar-se e a tocar a vida do que a carpir a garota morta. A peça seguinte, “Nachtlied”, é tanto uma belíssima descrição da imponência da noite e do céu estrelado quanto um sentido embate entre o medo da morte e a resignação ante a mesma, representada por um sono eterno. Este rico arco sonoro, muito evocativo do anoitecer, é uma obra-prima consumada e pouquíssimo conhecida, realizada à perfeição pelo Coro Monteverdi.

Por fim, o imponente e raramente executado oratório “Das Paradies und die Peri” (“O Paraíso e a Peri”), que conseguiu tanto a proeza (rara na vida do compositor) de ser um imenso sucesso quando de sua estreia, como uma outra, ainda maior, de promover a reconciliação de Schumann e seu sogro, Friedrich Wieck, que despendeu tanta energia para impedir o casamento de Clara quanto investira para torná-la uma das melhores pianistas da Europa. Baseado num dos segmentos de “Lalla-Rokh”, um poema do irlandês Thomas Moore (não confundir com Sir Thomas More, o grande filósofo e desgraçado chanceler de Henry VIII), ele narra a história da redenção duma peri – criatura alada da mitologia persa – que, expulsa do Paraíso, tenta a ele regressar trazendo um bem precioso: a lágrima dum pecador arrependido que viu uma criança a rezar. Surfando na onda do orientalismo muito em voga da época (e o “Divã Oriento-Ocidental” de Goethe estava na biblioteca de Schumann), o exotismo está muito mais na rebuscada prosa do que em clichês musicais. O oratório é arrasadoramente lindo, e a leitura de Gardiner e seus músicos é maravilhosa. Destaco a etérea voz de Barbara Bonney, no papel da peri, que embarca com delicadeza na jornada da criatura que busca se redimir ante o Paraíso, sem que lhe falte potência para ouvir-se sobre todos os tutti orquestrais. Se há algum disco de Schumann entre esses tantos que venho publicando que escolheria para vocês não perderem, sem dúvidas é esse: asseguro-lhes de que não se arrependerão por ouvi-lo

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Réquiem para Mignon, do “Wilhelm Meister” de Goethe, para solistas, coro e orquestra, Op. 98b

1 – No. 1: “Wen bringt ihr uns zur stillen Gesellschaft?” – No. 2: “Ach! Wie ungern brachten wir ihn her!” – No. 3: “Seht die mächtigen Flügel doch an!” – No. 4: “In euch Lebe die bildende Kraft” – No. 5: “Kinder! Kehret ins Leben zurück!” – No. 6: “Kinder! Eilet ins Leben hinan!”

William Dazeley, barítono
Membros do Knabenchor Hannover
The Monteverdi Choir
Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner, regência

Nachtlied, para coro e orquestra, sobre um poema de Friedrich Hebbel, Op. 108
2 – “Quellende, schwellende Nacht”

The Monteverdi Choir
Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner, regência

Das Paradies und die Peri, oratório para solistas, coro e orquestra, Op. 50
Libreto do compositor e de Emil Flechsig, baseado em “Lalla-Rokh”, de Thomas Moore

Primeira Parte

3 – No. 1: “Vor Edens Tor im Morgenprangen”
4 – No. 2: “Wie glücklich sie wandeln, die sel’gen Geister”
5 – No. 3: “Der hehre Engel … Dir, Kind des Stamms”
6 – No. 4: “Wo find’ ich sie? Wo blüht, wo liegt die Gabe”
7 – No. 5: “So sann sie nach … O süßes Land!”
8 – No. 6: “Doch seine Ströme sind jetzt rot”
9 – No. 7: “Und einsam … Komm,kühner Held …Du schlugst”
10 – No. 8: “Weh, weh, weh, er fehlte das Ziel”
11 – No. 9 “Die Peri sah das Mal …Sei dies,mein Geschenk”

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Segunda parte

1 – No. 10: “Die Peri tritt mit … Gern grüßen wir”
2 – No. 11: “Ihr erstes Himmelshoffen … Hervor aus den”
3 – No. 12: “Fort streift von hier … Für euren ersten”
4 – No. 13: “Die Peri weint”
5 – No. 14: “Im Waldesgrün am … Ach, einen Tropfen nur”
6 – No. 15: “Verlassener Jüngling… Doch sieh… Du hier?”
7 – No. 16: “O laß mich von der Luft… Sie wankt – sie sinkt”
8 – No. 17: “Schlaf nun und ruhe in Träumen voll Duft”
9 – No. 18: “Schmücket die… Auch der Geliebten… Seht da”

Terceira parte

10 – No. 19: “Dem Sang von Ferne… Noch nicht! Treu war”
11 – No. 20: “Verstoßen! Verschlossen aufs neu das Goldportal”
12 – No. 21: “Jetzt sank des Abends goldner Schein”
13 – No. 22: “Und wie sie… Peri, ist’s wahr… Mit ihrer”
14 – No. 23: “Hinab zu… Sie schwebt… Doch horch… Und was”
15 – No. 24: “O heil’ge Tränen inn’ger Reue”

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Libreto do oratório (em alemão e outras línguas) AQUI

A Peri, imaginada por três artistas

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856) – Concerto para violoncelo, Op. 129 – Antonín Dvořák (1841-1904): Concerto para violoncelo, Op. 104 – Pyotr Tchaikovsky (1840-1893) – Pezzo capriccioso, Op. 62 – Rostropovich – Britten – Svetlanov

Há muito queria alcançar esse disco a vocês, mas ora me faltava a oportunidade, ora completamente o elã. Essa celebração do aniversário de Schumann, que já está na terceira semana, deu-me o pretexto que faltava. Ei-lo!

Imenso músico, cidadão do mundo, incrível figura humana: difícil falar mal de Mstislav Rostropovich, a quem a família e as multidões chamavam de Slava. Isso, claro, se tu não dessem ouvidos ao Politburo soviético, sempre reticente em permitir as turnês do grande homem pelo Exterior, onde encontrava-se abertamente com dissidentes do regime e nunca deixava de expressar sua opinião em prol da abertura de seu país.

Nunca lhe faltaram amigos, e estes lhe foram essenciais no início de seu exílio, depois que – muito por conta de suas ações cada vez mais francas de apoio à dissidência, que incluíram acolher em sua casa o desgraçado escritor Aleksandr Solzhenitsyn – teve que fugir da União Soviética com a roupa do corpo e buscar guarida nos Estados Unidos. Um de seus mais leais colaboradores no Ocidente era Benjamin Britten, que não só lhe dedicou o considerável conjunto de uma sonata para violoncelo e piano, três suítes para violoncelo solo e uma sinfonia para violoncelo e orquestra, como também o acompanhou ao piano e na regência em muitas de suas apresentações. Nesta gravação, os dois juntam forças numa apaixonada leitura do concerto de Schumann e numa breve peça de Tchaikovsky que, apesar do título caprichoso, conjura suas dores pela perda de um amigo. Apesar da qualidade da gravação deixar bastante a desejar – são, afinal, registros de rádio e televisão, coletados e lançados pela BBC -, o “som Rostropovich” e a afinação de sua parceria com Britten valem a audição.

Parceiros no palco…
… amigos na vida

A gravação mais notável do disco – e uma das mais eletrizantes de todos os tempos – é a do concerto de Dvořák, uma obra-prima apreciada mesmo por quem detesta o compositor. Realizada ao vivo em Londres durante o festival The BBC Proms em 21 de agosto de 1968, tornou-se notória por acontecer exatamente no dia em que as forças do Pacto de Varsóvia, lideradas pela União Soviética, invadiram a Tchecoslováquia para esmagar os movimentos de reforma liderados por Alexander Dubček, conhecidos pela posteridade como a Primavera de Praga. Rostropovich, que amava a magnífica capital da Boêmia – onde tocava com frequência, tinha muitos amigos e, o mais especial para ele, conhecera Galina, sua esposa – ouviu impotente as notícias da invasão, enquanto colocava-se na terrível situação de a um só tempo desejar alcançar apoio e solidariedade aos tchecoslovacos enquanto personificava, como cidadão soviético, o detestado agressor ante o engajado público londrino. A ironia de estar escalado para tocar exatamente uma obra do compositor mais célebre do país invadido não colaborou para melhorar o clima da acolhida, e protestos muito pervasivos ocorreram dentro e fora do Royal Albert Hall, tanto de quem pretendia impedir os soviéticos de tocarem, quanto daqueles que defendiam seu direito de escutá-los. Slava, enfim, decidiu tocar. A Orquestra Sinfônica Estatal da União Soviética foi recebida no palco com muita hostilidade, que só aumentou quando solista e regente – o legendário Evgeny Svetlanov – entraram em cena. Os protestos continuaram – ouvem-se gritos e apupos logo no começo da gravação – e, não obstante, o concerto continuou. O que aconteceu em seguida as senhoras e os senhores poderão bem ouvir, se não quiserem em minhas palavras fúteis: uma interpretação elétrica, emocionada, incomparável da obra-prima. Conta-se que Rostropovich chorava a terminar o Adagio e que passou o resto da peça a morder os lábios. Quando terminou e veio a chuva de aplausos, Slava ergueu sobre a cabeça uma partitura com o nome do compositor, dando uma demonstração clara de sua solidariedade aos tchecoslovacos e de seu amor pelo país e por sua cultura. Mesmo temendo pelos entes que estavam na União Soviética e pela própria segurança, ele – um corajoso inimigo da injustiça – não poderia deixar de se posicionar. Fê-lo com o gesto, fê-lo com a música – e esse registro do concerto de Dvořák, especialmente seu Adagio, nunca deixará de me emocionar como uma das mais incríveis gravações jamais realizadas.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129

1 – Nicht zu schnell
2 – Langsam
3 – Sehr lebhaft

Mstislav Rostropovich, violoncelo
London Symphony Orchestra
Benjamin Britten, regência

Antonín Leopold DVOŘÁK (1841-1904)

Concerto em Si menor para violoncelo e orquestra, Op. 104

4 – Allegro
5 – Adagio, ma non troppo
6 – Finale: Allegro moderato — Andante — Allegro vivo

Mstislav Rostropovich, violoncelo
Orquestra Sinfônica Estatal da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Evgeny Svetlanov, regência

 

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Pezzo capriccioso em Si menor para violoncelo e orquestra, Op. 62

07 – Andante con moto

Mstislav Rostropovich, violoncelo
English Chamber Orchestra
Benjamin Britten, regência

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21-8-1968

Vassily

 

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Obra completa para violino e orquestra – Wallin – Beermann

As três obras desse disco foram compostas no final da carreira de Schumann, um pouco antes de seu internamento no hospício em que terminou seus dias. Elas, que são tudo o que Robert escreveu para violino e orquestra, foram decisivamente inspiradas por Joseph Joachim, amigo seu e de Clara, maior violinista da época e, claro, dedicatário delas.

A primeira delas a ser composta, e a única a ser tocada na vida do compositor, foi a fantasia em Dó maior, estreada por Joachim com imenso sucesso em 1853. Lamentavelmente, acabou por cair em esquecimento, muito por conta da tendência então prevalente de rejeitar as obras tardias de Schumann como fruto de insanidade, praxe reforçada por Clara, que escondeu muitas delas e destruiu algumas. Joachim, por sua vez, foi decisivo pelo chá de sumiço das duas obras restantes. Ele chegou a ensaiar o concerto em Ré menor, pelo qual nunca teve qualquer entusiasmo, para logo em seguida, ante a deterioração da saúde mental e subsequente tentativa de suicídio do compositor, escondê-lo para sempre. Já na velhice – na mesma época em que fez algumas gravações fonográficas – legou o manuscrito a uma biblioteca, com instruções expressas de que só viesse a público cem anos após a morte de Schumann. A redescoberta do concerto – uma trama inacreditável que envolve vozes do além, Yehudi Menuhin  e as sobrinhas-netas de Joachim – parece produto de muita psilocibina e já foi descrita aqui. Pior sorte ainda teve o arranjo de Schumann de seu concerto para violoncelo, que aparentemente estava fora do alcance das vozes do além e foi tão bem escondido por Joachim que só foi descoberto em 1987 – ano em que o mundo estava mais preocupado em escutar isso:

E isso:

Para nossa sorte, leitores-ouvintes, há nesse globo cacofônico gente como Ulf Wallin, que estudou os manuscritos de Schumann e se esmerou para produzir estas gravações que, assegura, são tão fiéis às intenções do compositor quanto possível. Sua companhia aqui é muito boa: a Robert-Schumann-Philharmonie, uma ótima orquestra alemã sediada na cidade saxã de Chemnitz, que fica a um pulinho só de Zwickau, onde Robert veio ao mundo da manhã de 8 de junho de 1810.


Robert Alexander SCHUMANN
 (1810-1856)

Concerto em Lá menor para violino e orquestra
(arranjo do compositor para seu concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129)

1 – Nicht zu schnell
2 – Langsam
3 – Sehr lebhaft

Fantasia em Dó maior para violino e orquestra, Op. 131

4- In mässigen Tempo

Concerto em Ré menor para violino e orquestra, WoO 23

5 – In kräftigem, nicht zu schnellem Tempo
6 – Langsam
7 – Lebhaft, doch nicht schnell

Ulf Wallin, violino
Robert-Schumann-Philharmonie
Frank Beermann, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Sou só eu que acho as fotos do casal Schumann perturbadoras?

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Concerto para violoncelo e orquestra, Op. 129 – Obras para violoncelo e piano – Woldemar Bargiel (1828-1897) – Adagio para violoncelo e orquestra – Isserlis – Eschenbach

Sim, prometera uma quinzena só de Schumann para então voltar com nosso Projeto Beethoven, mas tem sido tão bom escrever sobre o saxão que peço ao renano mais uma semana de licença para alcançar-lhes mais algumas coisas do tão triste Robert.

Lembrei desse disco de Steven Isserlis, sempre alguém que vale a pena ser ouvido, que incluía não só o concerto para violoncelo e as obras “oficiais” para violoncelo e piano, como também trechos alternativos do concerto, arranjos de outras obras e, de lambujem, um trecho da Missa de Schumann e uma obra do obscuro Woldemar Bargiel, obliquamente relacionado a Robert (tentem entender: era filho da primeira esposa do sogro dele). E lembrei, também, dum artigo que Isserlis – que escreve espirituosamente e sempre é garantia de boa leitura nos encartes de suas gravações – publicou na Gramophone em 2010, quando do bicentenário do compositor. Recordo vivamente de como, na época, pensei em traduzir o artigo e enviá-lo ao PQP Bach, do qual já era contumaz leitor. Agora que estou do lado de cá do portal, resolvi enfim colocar meu velho plano em prática. De antemão, reconhecendo a máxima do traduttore, traditore, peço desculpas por qualquer inacurácia em minha tradução muito livre do texto de Isserlis.

O complicado gênio musical de Robert Schumann
Steven Isserlis

“A ele, acima de tudo, pertence o meu coração; eu o amo como um honrado amigo, a ele devo minhas horas mais bonitas – lamento profundamente por ele também, pelas trevas da tristeza – a tristeza que sentimos em suas canções – que caiu cada vez mais sobre ele … O que sabemos de seu ser interior, o que podemos conhecer ali, onde a razão cessa e a loucura começa?”

As palavras poéticas de Edwin Fischer falam a todos que amam Schumann – o compositor e o homem. Schumann parece um amigo íntimo, talvez mais do que qualquer outro compositor. Estranho que alguém possa se sentir tão próximo de um homem morto há mais de 150 anos e que, durante sua vida, era famoso por ser taciturno e tímido; através de sua música, no entanto, Schumann nos confessa seus segredos mais profundos – nos trata, os ouvintes, como companheiros de fé em todos os seus humores. Ele é talvez o mais autobiográfico de todos os compositores, confidenciando-nos coisas duma maneira que compositores anteriores teriam considerado impensável. Entretanto, apesar dessa abertura, há muitas facetas de Schumann, o homem e o músico, que eu sinto serem frequentemente mal compreendidas. Até as palavras de Fischer, por mais afetuosas que sejam, parecem-me um pouco ambíguas.

Certamente, trevas caíram sobre Schumann, e há uma grande tristeza em algumas de suas músicas tardias, assim como em seus primeiros trabalhos; mas também há alegria, humor, esperança. É significativo que Schumann tendesse a não compor durante seus períodos de depressão: ele esperaria até se sentir melhor, ou usaria a música como um caminho de volta à saúde. Descrever qualquer uma de suas obras como o produto da loucura, implicando assim que ele não estava no controle total do processo de composição, é enganoso. O resultado mais sério desse equívoco é que apenas cerca de um terço das obras de Schumann são ouvidas regularmente nas salas de concerto hoje em dia; é justo dizer que ele, provavelmente, é o menos valorizado dos grandes compositores.

Schumann e o passado

A visão de Schumann como a personificação do romantismo ignora seu profundo conhecimento da música e das tradições do passado. Como toda música verdadeiramente inovadora, a dele tem fortes raízes no mundo de seus antecessores. Em muitas das principais obras de Schumann – as sinfonias, por exemplo, e grande parte da música de câmara – pode-se ouvir como ele estava mergulhado nas grandes tradições clássicas alemãs, influenciado particularmente por Händel, Beethoven, Schubert, e seu próprio amigo e douto contemporâneo, Mendelssohn. Sua dívida com Bach também é óbvia: suas muitas fugas, incluindo um conjunto com o nome de Bach, prestam um tributo claro ao grande mestre. Mas outros trabalhos, particularmente alguns dos últimos, olham para trás ainda mais. A Missa em Dó menor, Op 147, e o Réquiem, Op 148, por exemplo, devem algo de seu espírito ao da música da igreja primitiva, às obras de Palestrina e outros, cuja música ele gostava de reger com seu coro em Dresden. Ouvindo essas belas obras tardias, é difícil identificar seu criador como o compositor de Carnaval, Dichterliebe – ou mesmo a música de câmara e para piano que ele escrevia nesses mesmos anos.

E depois há as baladas corais de 1851-53 – “Des Sängers Fluch” (“A maldição do cantor”), e outras. Estranho pensar em Schumann como companheiro de jornada de Wagner – os dois homens dificilmente poderiam ter sido mais diferentes em todos os aspectos; mas há aqui um elo definido, nessas composições poderosamente nacionalistas, baseadas em lendas alemãs. Também se pode ouvir mais evidências do fascínio de Schumann pelo mundo do mito antigo em outras obras – em canções como “Der Handschuh”, Op 87 (sobre texto de Schiller) ou até (acredito) nos ecos de melodias semelhantes às de trovadores na Quarta Sinfonia.

Schumann e o futuro

É impressionante – e traz alegria ao coração dos devotos schumannianos de todo o mundo – observar como compositores de quase todos os movimentos nacionais reverenciaram Schumann. Mesmo aqueles que tendiam a rejeitar Beethoven (e detestavam Brahms) – Debussy, Ravel, Tchaikovsky e Britten, por exemplo – amavam Schumann. Em nossos dias, inúmeros compositores prestaram homenagem a ele em suas composições – certamente mais do que a qualquer outro compositor.

Por que isso acontece? Minha explicação é que Schumann, apesar de toda a sua disciplina clássica, parece compor sem regras. Se em uma obra ele está escrevendo em formas (aparentemente) conservadoras, na próxima ele estará escrevendo músicas em fluxo de consciência que nos levam a reinos não sonhados por outros compositores de seu tempo. Tomemos, como um exemplo, a abertura do movimento lento do Primeiro Trio para Piano, Op 63: nesta passagem extraordinária, somos levados ao mundo da depressão, a uma sala misteriosa sem uma janela de esperança (e ainda impregnada de extraordinária beleza )

Ou o Gesänge der Frühe, Op 133, para piano solo: sobre essas peças, Schumann escreveu que “descrevem as emoções na proximidade do amanhecer e na alvorada, embora mais como sentimentos do que como pintura”. Para nossos ouvidos, eles soam futuristas – mahlerianos ou além. Como eles devem ter soado para seus contemporâneos? Não admira que Clara nunca as tenha apresentado em público. Mesmo quando em sua música posterior Schumann escolheu escrever dentro das formas das disciplinas clássicas, sempre há experiências escondidas logo abaixo da superfície. Seu espírito inquieto está constantemente procurando, sondando, encontrando – ou demandando – novas maneiras de expressar sua estranha vida interior. Talvez mais do que qualquer outro compositor, Schumann consegue levar-nos à terra dos sonhos.

Schumann e as crianças

Embora muitos compositores tenham escrito música para crianças, Schumann talvez tenha sido o primeiro a realmente entrar na mente e na alma dos jovens, às vezes retratando, às vezes revivendo a experiência de ser criança. De fato, Cyril Scott chegou ao ponto de sugerir que a música de Schumann para jovens havia afetado toda a atitude dos alemães em relação às crianças. O “Álbum para a Juventude” para piano é o exemplo mais famoso de sua escrita para (e não sobre) crianças, mas também há um álbum de Lieder para jovens, três Kindersonaten para piano e assim por diante. Em todos eles, ele combina humor, ternura e um domínio que garante que ele nunca dando sermões a seu jovem público ou intérprete. Quando ele retrata a infância do ponto de vista do adulto (como em Kinderszenen), é com um profundo entendimento da alegria e tristeza da juventude.

Schumann, o escritor

O jovem Schumann foi talvez o mais influente – e certamente o mais perspicaz – crítico de sua época. De fato, sua formação era literária, e não musical, embora não se pudesse supor isso a partir desse trecho duma história escrita no final da adolescência de Schumann:

– Ela correu pelo cemitério, de seios nus, e com uma camisola branca comprida, pendurada descuidadamente em seu corpo, para ler uma inscrição na lápide. “Aqui está um coração partido.” Sorrindo, ela se sentou na sepultura. Então um esqueleto… sentou-se ao lado dela e passou o braço em sua volta. “Você quer um beijo”, ela disse timidamente. O esqueleto riu, deu-lhe um beijo gélido e foi embora. “Eu devo ter pecado”, ela gritou, e foi para a igreja, onde o esqueleto estava sentado no órgão, tocando uma valsa.”

Hmm… ainda mais embaraçoso que sua música escrita na mesma época (como o primeiro quarteto de piano em dó menor – não exatamente uma obra-prima). Mas, a partir daqueles inícios pouco promissores, ele rapidamente desenvolveu um estilo literário que, embora ainda um pouco estranho aos nossos olhos, teve em seu tempo (e ainda tem, até certo ponto) um efeito poderoso. Sua famosa primeira resenha, das variações de Chopin no “Là ci darem la mano” de Mozart, nos dá um forte sabor dele:

“Eusebius abriu silenciosamente a porta outro dia. Você conhece o sorriso irônico em seu rosto pálido, com o qual ele chama a atenção. Eu estava sentado ao piano com Florestan. Como você sabe, ele é uma daquelas raras personalidades musicais que parecem antecipar tudo o que é novo, extraordinário e destinado ao futuro. Mas hoje ele teve uma surpresa. Eusébio nos mostrou uma peça musical e exclamou: ‘Tirem o chapéu, senhores, um gênio’.”

Gostaria de saber como o editor da Gramophone reagiria a um crítico que lhe entregasse uma crítica desse tipo, hoje. Com um amável discurso sobre os perigos da bebida, talvez. Mas esse artigo transformou a reputação de Chopin no mundo de língua alemã. A perspicácia de Schumann é ainda mais impressionante, já que essas variações iniciais de Chopin dão ao ouvinte médio pouca pista do que estava por vir em seus trabalhos maduros. Igualmente impressionante é a gigantesca crítica que ele fez da Symphonie fantastique de Berlioz, dispondo apenas do arranjo para piano de Liszt. Seus escritos sobre compositores menores são também instrutivos – sempre gentis, mas firmes, apontando amavelmente suas falhas e incentivando-os a fazer melhor. Interessante lembrar, também, que nessa fase a própria música de Schumann era quase totalmente desconhecida. Tendo ouvido compositores atuais discutindo as obras de seus colegas de maior sucesso, posso atestar que, a menos que a natureza humana básica tenha mudado consideravelmente ao longo dos anos, a generosidade de Schumann é – bem, incomum!

O estilo literário de Schumann – e o estilo de escritores que ele amava – transplanta-se para sua música de uma maneira única. O Carnaval é fortemente influenciado pelos escritos fantásticos de Jean-Paul; Kreisleriana baseia-se numa invenção literária de E. T. A. Hoffmann – e assim por diante. Obviamente, essas conexões são bem conhecidas hoje; mas lembre-se de quão longe essa sensibilidade literária/musical está de praticamente qualquer outra música escrita naquela época (de meados a final da década de 1830), e o frescor do gênio de Schumann brilha novamente.

Relacionamentos com seu círculo interno

Um homem complicado, Schumann tinha com seus amigos mais próximos relacionamentos muitas vezes profundamente enrolados. Sua figura paterna musical, o pai de Clara, Friedrich Wieck, azedou-se além da conta quando o jovem casal ficou noivo (embora ainda se mudassem para Dresden, onde Wieck estava morando, em 1845 – curioso). Outra figura paterna (ou pelo menos de irmão mais velho) era Mendelssohn, apenas um ano mais velho que Schumann, mas anos-luz à frente em termos de sucesso e confiança. “Ele é um deus real”, escreveu Schumann sobre seu colega mais velho, seu empregador e divulgador.

Mas havia tensões, também. Alguém se pergunta se Mendelssohn – a quem, como muitos contemporâneos, encontrou Schumann pela primeira vez como crítico – já conhecia completamente a extensão do gênio de Schumann? Ficamos com a nítida impressão de que os dois compositores ficariam bastante surpresos ao saber que a estrela de Schumann anda um pouco mais alta atualmente do que a de Mendelssohn. No entanto, Schumann foi lealmente dedicado, devastado pela morte tragicamente precoce de Mendelssohn, e ficou encantado quando Clara chamou o último filho dos Schumann (a quem Robert nunca viu) de Felix, em homenagem ao homem que ambos reverenciavam.

O famoso triângulo Robert/Clara/Brahms já foi discutido o suficiente. Frequentemente esquecido, porém, é o curto espaço de tempo da amizade entre os dois homens. Eles se conheceram apenas cinco meses antes de Schumann ser levado para o asilo. Torna-se ainda mais comovente, portanto, ler sobre o quão importante Brahms se tornou para seu ex-mentor, tanto pessoal quanto musicalmente. Ele foi um dos poucos a visitá-lo no asilo e manteve Schumann atualizado com suas últimas composições – uma tábua de salvação para aquele pobre fantasma esquecido de um compositor.

A influência de Schumann em Brahms também é fascinante. A música que Brahms tocou para os Schumanns durante seu primeiro encontro foi quase completamente diferente da música pela qual ele agora é mais famoso. Era selvagem, cheio de fantasia demoníaca – adolescente, até (embora um adolescente dotado de extraordinária genialidade). Mais tarde, tendo estudado incessantemente o conteúdo da enorme biblioteca musical de Schumann, Brahms metamorfoseou-se do romântico comparativamente desenfreado ao grande clássico musical da segunda metade do século XIX.

Também se pergunta se não foi apenas a biblioteca de Schumann, mas seu destino trágico e a profunda mágoa que isso causou a Brahms em tantos níveis que causou essa transformação. Poucas obras de Brahms escritas após a morte de Schumann têm aquela sensação distintamente “inacabada”, que é tão típica de Schumann. Vão-se também, na maior parte, as mensagens pessoais para amigos próximos, na forma de citações musicais; sua música amadurece [no original, grows a beard, “cresce-lhe uma barba”], por assim dizer, o romantismo mantido firmemente sob controle, como é fortemente sentido no mundo emocional subjacente. É como se o Brahms maduro devesse ter vivido antes do Schumann maduro, e não o contrário – uma curiosidade intrigante da história musical.

Robert e Clara

Bem, esse relacionamento é muito complicado para ser retratado agora com qualquer autoridade real. No entanto, o modo como é frequentemente descrito – como o casamento romântico ideal – está claramente equivocado. As tensões eram enormes. A ambição de Clara e sua frustração compreensível com o papel de assistente de Robert e como dona de casa/mãe foram certamente fatores da tensão conjugal. Mas Robert, por mais gentil que fosse, também era extremamente difícil e, às vezes, passivo-agressivo. Além disso, ele se recusou a compartilhar seus novos projetos de composição com sua antiga musa; quão doloroso isso deve ter sido para Clara! É claro que houve diferenças crescentes entre eles.

As composições de Clara, por mais adoráveis ​​que sejam, habitam firmemente o mundo de Mendelssohn; as de Robert vêm de um planeta diferente – ou melhor, de muitos planetas diferentes. Sua recusa em tocar a música tardia do marido e as tentativas dela (às vezes bem-sucedidas) de destruí-la dizem tudo.

De fato, havia mundos a separá-los até o final de seu tempo juntos. A vida sexual deles ainda parece bastante animada (de acordo com os diários de Schumann, talvez-por-demais-cheios-de-informação), enquanto emocionalmente, porém, a impressão é de quase desespero entre eles. Numa ironia hollywoodiana, na mesma época em que Brahms apareceu pela primeira vez em cena, Schumann estava lendo Siebenkas de Jean-Paul, um romance em que um homem foge de um casamento infeliz, deixando um amigo mais compatível em seu lugar. Chegando ao asilo em Endenich em 1854, Schumann informou o médico que sua primeira esposa estava morta; lembrado de que ele tinha apenas uma esposa e que ela ainda estava muito viva, ele aparentemente “riu com gosto”. Tudo muito estranho. Eu tenho que confessar que sou menos que um fã de Clara – não apenas porque ela destruiu o penúltimo trabalho de Schumann, os Cinco Romances para violoncelo e piano, mas por causa de sua (a meu ver) extrema frieza para com as crianças. A carta que ela escreveu às duas filhas mais velhas no dia seguinte à morte de Schumann não é exatamente uma lição de sensibilidade: “Ele era uma pessoa maravilhosa – que vocês, que o amavam tanto, se tornem dignas de um pai assim. Elise, você pode mudar sua maneira de ser, vocês podem tentar me fazer o mais feliz possível”. Não é a maneira mais gentil de dar notícias trágicas. No entanto, isso foi há muito tempo. É impossível entender todas as complexidades dessas personalidades e suas interações umas com as outras.

Então, por que isso importa? Por que nos interessamos tanto por Schumann – não apenas pelo compositor, mas também pelo homem e seu destino? Porque ele nos faz interessar. Ele nos interessa ao atrair-nos através de sua música, convidando-nos a compreendê-lo, a amá-lo. Como ele próprio descrever: “Ame-me bastante… Eu exijo muito, porque muito eu dou”

Steven Isserlis, junho de 2010
Traduzido por Vassily em junho de 2020

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129

1 – Nicht zu schnell
2 – Langsam
3 – Sehr lebhaft
4 – Cadenza

Woldemar BARGIEL (1828-1897)

5 – Adagio para violoncelo e orquestra

Steven Isserlis, violoncelo
Deutsche Kammerphilharmonie
Christoph Eschenbach, regência

Robert Alexander SCHUMANN

Fantasiestücke (Peças de Fantasia), para piano e clarinete (ou violino ou violoncelo), Op. 73

6 – Zart und mit Ausdruck
7 – Lebhaft, leicht
8 – Rasch und mit Feuer

Adagio e Allegro para piano e trompa (ou violino ou violoncelo), Op. 70

9 – Adagio
10 – Allegro

Fünf Stücke im Volkston (Cinco peças em tom popular), para violoncelo e piano, Op. 102

11 – Mit Humor
12 – Langsam
13 – Nicht schnell, mit viel Ton zu spielen
14 – Nicht zu rasch
15 – Stark und markiert

Steven Isserlis, violoncelo
Christoph Eschenbach, piano

Missa em Dó menor para solistas, coro e orquestra, Op. 147

16 – Offertorium

Dame Felicity Lott, soprano
David King, órgão
Steven Isserlis, violoncelo

17 – Faixa silenciosa (3 minutos)

Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129

18 – Cadenza e final original

Steven Isserlis, violoncelo
Deutsche Kammerphilharmonie
Christoph Eschenbach, regência

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Steven Isserlis é apaixonado por Schumann, e suas interpretações das obras do mestre alemão são condizentes com essa paixão. Além do repertório do disco de hoje, ele e o pianista húngaro Dénes Várjon (foto) gravaram um outro álbum com peças para violoncelo e piano, incluindo um arranjo de Isserlis da sonata no. 3 para violino – numa tentativa de compensação, conforme descreve no livreto, pelos cinco romances para violoncelo e piano que Clara destruiu após a morte de Robert. Essa bela gravação já foi publicada no PQP Bach. Como seus links estavam inativos, eu a restaurei para que a possam apreciar.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Lieder – Fischer-Dieskau


Tinha outros planos para contribuir com mais Lieder nesse minifestival Schumann, até dar-me conta de que, com a exceção duma gravação sui generis de Dichterliebe (mais sobre ela adiante), não havia em nosso acervo qualquer dos preciosos registros  dessas obras que a maior voz do século passado, Dietrich Fischer-Dieskau, legou a nós outros, felizardos que o podemos ouvir.

Isso, claro, não poderia continuar assim, de modo que tratarei de expiar com juros e correções esse incompreensível lapso nosso. Para tanto, trago-lhes quatro gravações que abrangem os três grandes ciclos (Dichterliebe e os Liederkreise de Heine e Eichendorff, Opp. 24 e 39) e várias canções e baladas que abrangem tanto aquele milagroso “Ano das Canções” (Liederjahr) de 1840 quanto obras tardias e menos escutadas.

As imensas qualidades de Fischer-Dieskau estão sempre lá – a entonação e dicção impecáveis, o belíssimo timbre, o controle incomparável sobre todos requintes da expressão. Como os voos desse maravilhoso artista são sempre muito altos, e quase nada resta para lhe falar em termos de reparos (o único, talvez, é que suas expressões de dor e pesar são menos convincentes que as de júbilo, o que é ademais natural para quem tem um timbre tão brilhante e caloroso), falemos então dos pianistas. Jörg Demus e Christoph Eschenbach são bem acostumados ao afã de acompanhista, e eu os achei muito bem escalados ao longo desses álbuns: Eschenbach nos ciclos, que requerem um pouco mais de músculo pianístico, e Demus no Liederkreis de Heine e em obras de escritura pianística relativamente mais concisa, embora ele saiba lançar bem mão da pujança, como na famosa balada d’Os Dois Granadeiros. Esta, aliás, é uma das obras que aparecerão em duplicata, assim como a sublime Widmung (“Dedicatória”), o que espero que não lhes seja um problema.

O terceiro acompanhista é uma atração à parte: Vladimir Horowitz, que eu nunca antes ouvira acompanhar cantores, prestou-se a essa função junto a Fischer-Dieskau num concerto festivo em homenagem aos 85 anos do Carnegie Hall. Sinceramente, não sei como alguém ainda não teve a de lançá-lo comercialmente em separado, pois a parceria entre Fischer-Dieskau e Horowitz resultou na minha gravação favorita do ciclo. Como talvez o Dichterliebe tenha passado despercebido no miolo da colcha de retalhos daquele álbum, ou provavelmente alguns entre vós outros sentiram-se intimidados pela perspectiva de baixar um disco com Volodya, Rostropovich, Menuhin e Stern cantando, resolvi postar Dichterliebe separadamente para vocês.


Não – não estávamos exagerando.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Ciclo de canções sobre poemas de Joseph Eichendorff, Op. 39 (“Eichendorff-Liederkreis”)

1 – In der Fremde
2 – Intermezzo
3 – Waldesgespräch
4 – Die Stille
5 – Mondnacht
6 – Schöne Fremde
7 – Auf einer Burg
8 – In der Fremde
9 – Wehmut
10 – Zwielicht
11 – Im Walde
12 – Frühlingsnacht

Dichterliebe, ciclo de canções sobre textos do Lyrisches Intermezzo de Das Buch der Lieder de Heinrich Heine, Op. 48

13 – Im wunderschönen Monat Mai
14 – Aus meinen Tränen sprießen
15 – Die Rose, die Lilie, die Taube, die Sonne
16 – Wenn ich in deine Augen seh’
17 – Ich will meine Seele tauchen
18- Im Rhein, im heiligen Strome
19 – Ich grolle nicht
20 – Und wüßten’s die Blumen, die kleinen

Ciclo de canções sobre poemas de Heinrich Heine, Op. 24 (“Heine-Liederkreis”)

21 -Morgens steh’ ich auf
22 – Es treibt mich hin
23 – Ich wandelte unter den Bäumen
24 – Lieb’ Liebchen
25 – Schöne Wiege meine Leiden
26 – Warte, warte, wilder Schiffsmann
27 – Berg und Burgen schau’n herunter
28 – Anfangs wollt’ ich fast verzagen
29 – Mit Myrthen und Rosen

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Christoph Eschenbach, piano

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De Sechs Gedichte aus dem Liederbuch eines Malers, Op. 36
1 – No. 6: Liebesbotschaft
2 – No. 3: Nichts schöneres
3 – No. 4: An den Sonnenschein
4 – No. 1: Sonntags am Rhein, op. 36
5 – No. 5: Dichters Genesung

De Lieder und Gesänge, Op. 27
6 – No. 3: Was soll ich sagen?

De Drei Gesänge, op. 31
7 – No. 1: Die Löwenbraut

De Drei Gedichte, Op. 30
8 – No. 1: Der Knabe mit dem Wunderhorn
9 – No. 2: Der Page

De Myrthen, Op. 25
10 – No. 16: Rätsel, op.25
11 – No. 17: Venezianische Lieder
12 – No. 18: Venezianische Lieder

De Lieder und Gesänge, Op. 27
13 – No. 1: “Sag an, o lieber Vogel mein”
14 – No. 4: Jasminenstrauch, op. 27

De Myrthen, Op. 25
15 – No. 25: Aus den östlichen Rosen

De Lieder und Gesänge, Op. 27
16 – No. 5: “Nur ein laechelnder Blick”
17 – No. 2: “Dem roten Roesslein gleicht mein Lieb”

De Myrthen, Op. 25
18 – No. 22: Niemand
19 – No. 13: Hochländers Abschied
20 – No. 19: Hauptmanns Weib
21 – No. 2: Freisinn
22 – No. 8: Talismane
23 – No. 1: Widmung
24 – No. 3: Der Nussbaum
25 – No. 7: Die Lotosblume

De Vier Gesänge, Op. 142
26 – No. 2: “Lehn deine Wang”

De Romanzen und Balladen, Op. 64
27 – No. 3: Tragödie

De Fünf Lieder und Gesänge, Op. 127
28 – No. 2: Dein Angesicht

De Romanzen und Balladen, Op. 53
29 – No. 3: Der arme Peter

De Fünf Lieder und Gesänge, Op. 127
30 – No. 3: “Es leuchtet die Liebe”

31 – Belsatzar, Op. 57

De Romanzen und Balladen, Op. 49
32 – No. 1: “Die beiden Grenadiere”

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Jörg Demus, piano

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Heine-Liederkreis, Op. 24

1 -Morgens steh’ ich auf
2 – Es treibt mich hin
3 – Ich wandelte unter den Bäumen
4 – Lieb’ Liebchen
5 – Schöne Wiege meine Leiden
6 – Warte, warte, wilder Schiffsmann
7 – Berg und Burgen schau’n herunter
8 – Anfangs wollt’ ich fast verzagen
9 – Mit Myrthen und Rosen

De Spanisches Liederspiel, Op. 74
10 – No. 10: Der Kontrabandiste

De Liederalbum für die Jugend, Op. 74
11 – No. 7a: Zigeunerliedchen I (Unter die Soldaten)
12 – No. 7b: Zigeunerliedchen II (Jeden Morgen, in der Frühe)

De Spanische Liebeslieder, Op. 138
13 – No. 4: Tief im Herzen trag ich Pein

De Spanisches Liederspiel, Op. 74
14 – No. 6: Melancholie

De Lieder und Gesänge, Op. 51
15 – No. 6: Sehnsucht

De Spanisches Liederspiel, Op. 74
16 – No. 7: Geständnis

De Spanische Liebeslieder, Op. 138
17 – No. 3: O wie lieblich ist das Mädchen
18 – No. 7: Weh, wie zornig ist das Mädchen

De Drei Gedichte, Op. 30
19 – No. 3: Der Hidalgo

De Spanische Liebeslieder, Op. 138
20 – No. 5: Romanze

De Myrten, Op. 25
21 – No. 1: Widmung
22 – No. 3: Der Nussbaum
23 – No. 5: Lied aus dem Schenkenbuch I
24 – No. 6: Lied aus dem Schenkenbuch II
25 – No. 7: Die Lotosblume
26 – No. 24: Du bist wie eine Blume
27 – No. 15: Mein Herz ist schwer
28 – No. 21: Was will die einsame Träne
29 – No. 26: Zum Schluss

De Romanzen und Balladen, Op. 49
30 – No. 2: “Die feindlichen Brüder”

De Romanzen und Balladen, Op. 45
31 – No. 3: Abends am Strand

De Romanzen und Balladen, Op. 49
32 – No. 1: “Die beiden Grenadiere”

De Minnespiel, Op. 101
33 – No. 4: Mein schöner Stern

De Vier Gesänge, Op. 142
34 – No. 4: Wein Wagen rollet langsam

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Jörg Demus, piano

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Dichterliebe, Op. 48

01 – Im wunderschönen Monat Mai
02 – Aus meinen Tränen sprießen
03 – Die Rose, die Lilie, die Taube, die Sonne
04 – Wenn ich in deine Augen seh’
05 – Ich will meine Seele tauchen
06- Im Rhein, im heiligen Strome
07 – Ich grolle nicht
08 – Und wüßten’s die Blumen, die kleinen

Dietrich Fischer-Dieskau,barítono
Vladimir Horowitz,
piano

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No centenário de Schumann, em 1956, a Alemanha Oriental lançou um selo comemorativo (acima) que trazia o retrato de Robert sobre, num célebre engano filatélico uma peça de Schubert. O erro foi corrigido, e o selo foi emitido com uma partitura de Schumann (abaixo). A canção de Schubert foi relativamente fácil de identificar: pela tonalidade incomum e pela letra, vi que era “Wandrers Nachtlied I”, D. 224. Será que algum dos leitores-ouvintes consegue descobrir qual das canções de Schumann ilustra o selo sem erros? Dica: ela faz parte de um dos ciclos que postamos hoje.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Obra completa para piano com pedaleira – Schmeding/Obra completa para órgão – Rothkopf – Zerfass

Em 1844, depois de acompanhar Clara numa turnê pela Rússia, Robert Schumann mergulhou outra vez em crise pessoal. Os sintomas depressivos agravaram-se e, tanto quanto eles, suas incertezas acerca de seu rumo profissional. A esposa, uma pianista de imenso sucesso e ocupadíssima carreira internacional, era a provedora da casa, e isso o incomodava muito. Do mesmo modo, duvidava de sua capacidade como compositor. Como panaceia para todas essas dificuldades, mergulhou em estudos de contraponto, debruçando-se especialmente sobre obras de Johann Sebastian Bach. Na mesma época, o conservatório de Leipzig adquirira um piano com pedaleira – um piano com uma série extra de cordas graves acionadas por um pedal, no feitio dos cravos e clavicórdios com pedaleira que já existiam há muito tempo, usados por organistas para estudos em casa. A coincidência entre seu interesse pelo contraponto e a descoberta desse novo instrumento inspirou Robert a um breve surto de composição para o mesmo, o que resultou em três séries de peças: os seis estudos, Op. 56; os quatro esboços, Op. 58; e seis fugas sobre o tema B-A-C-H (na notação alemã, si bemol-lá-dó-si natural), Op. 60.

O piano com pedaleira caiu rapidamente em desuso e, embora Schumann tenha declarado que esperava ser lembrado por apenas uma composição, e que ela era o Op. 60, as três coleções de peças para o instrumento também caíram no vale do oblívio, de lá resgatadas apenas por um que outro organista mais aventuroso. Com o advento da gravação fonográfica e o aperfeiçoamento de suas técnicas, que permitiram o registro da complexidade dos sons do órgão, as obras de Schumann para teclado com pedaleira tiveram alguma voga, mesmo porque seu conjunto cabia comodamente num LP.

O organista Martin Schmeding, que já as tinha no repertório, nunca se satisfez completamente com tocá-las em seu instrumento. Apesar das seis fugas soarem bastante idiomáticas ao órgão, com suas notas longas e muitos legatos, as duas outras séries pareciam exigir o piano, especialmente as do Op. 58, com seus mui pianísticos acordes em staccato. Além disso, sua experiência com o piano com pedaleiras restringia-se a algumas tentativas, que pouco o entusiasmaram, numa engenhoca moderna em que, diferentemente do instrumento que Schumann tinha em mente, dois imensos pianos de cauda são acoplados por um mecanismo bolado por alguém que certamente tem muita imaginação e pianos de sobra em sua casa.

 

Fala sério

O desinteresse de Schmeding pelo piano com pedaleira durou até que, numa viagem a Bélgica, ele encontrou um piano de desenho semelhante àquele do conservatório de Leipzig e, melhor ainda, em condições de ser tocado. Rapidamente, então, organizou esta gravação, que é a primeira integral das obras de Schumann para esse raro instrumento, mais de cento e sessenta anos depois de sua composição.


Schmeding decidiu colocar os microfones dentro do instrumento, perto dos pedais. Isso ajudaria os ouvintes a apreciarem as qualidades únicas do piano com pedaleira, a despeito de um que outro ruído de marcenaria e o dos próprios pés do pianista. Para termos de comparação, incluiu também três versões da mesma peça – o breve cânone das “Folhas de Álbum”, Op. 124 – com diferentes posições do microfone, para demonstrar as diferenças na captação do som e dos efeitos atingidos pelo instrumento. A interpretação é muito competente e clara, extremamente desromantizada, e deixa claro que as fugas, como já dissemos, soam bem melhor quando realizadas no órgão.

Dessa feita, também resolvi trazer-lhes duas gravações feitas em órgãos. A primeira é a de Andreas Rothkopf, no órgão histórico da igrejinha de Hoffenheim, com muita clareza na execução e tino na escolha dos registros, preferindo aqueles evocativos dos sopros de madeira, resultando numa interpretação muito bonita e calorosa, sem grandes arroubos. Quem preferir órgãos com baixos poderosos e mais tonitruância preferirá a gravação de Dan Zerfaß no instrumento moderno da grande catedral de Worms, com maior variedade de registros e uma ressonância bem mais parruda. Embora a primeira seja minha preferida, acho que a segunda tem mais potencial de conquistar novos ouvintes para essas obras tão pouco conhecidas. Assim, recomendo que comecem por Schmeding, sigam com Zerfaß, concluam com Rothkopf, e depois me digam se não é mesmo de se lamentar que Schumann não tenha escrito mais para esses instrumentos.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Studien für den Pedalflügel, Op. 56
01 – No. 1 em Dó maior
02 – No. 2 em Lá menor
03 – No. 3 em Mi maior
04 – No. 4 em Lá bemol maior
05 – No. 5 em Si menor
06 – No. 6 em Si maior

De Albumblätter, Op. 124
07 – No. 20: Canon

Skizzen für den Pedalflügel, Op. 58
08 – No. 1: Nicht schnell und sehr markiert
09 – No. 2: Nicht schnell und sehr markiert
10 – No. 3: Lebhaft
11 – No. 4: Allegretto

De Albumblätter, Op. 124
12 – No. 20: Canon

Seis fugas sobre B-A-C-H, Op. 60
13 – No. 1: Langsam
14 – No. 2: Lebhaft
15 – No. 3: Mit sanften Stimmen
16 – No. 4: Mässig, doch nicht zu langsam
17 – No. 5: Lebhaft
18 – No. 6. Mässig, nach und nach schneller

De Albumblätter, Op. 124
19 – No. 20: Canon

Martin Schmeding, piano com pedaleira

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Skizzen für den Pedalflügel, Op. 58
01 – No. 1: Nicht schnell und sehr markiert
02 – No. 2: Nicht schnell und sehr markiert
03 – No. 3: Lebhaft
04 – No. 4: Allegretto

Studien für den Pedalflügel, Op. 56
05 – No. 1 em Dó maior
06 – No. 2 em Lá menor
07 – No. 3 em Mi maior
08 – No. 4 em Lá bemol maior
09 – No. 5 em Si menor
10 – No. 6 em Si maior

Seis fugas sobre B-A-C-H, Op. 60
11 – No. 1: Langsam
12 – No. 2: Lebhaft
13 – No. 3: Mit sanften Stimmen
14 – No. 4: Mässig, doch nicht zu langsam
15 – No. 5: Lebhaft
16 – No. 6. Mässig, nach und nach schneller

Andreas Rothkopf, órgão da igreja evangélica de Hoffenheim, Alemanha (1846)
Construtor: Eberhard Friedrich Walcker (1794-1872)

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Studien für den Pedalflügel, Op. 56
01 – No. 1 em Dó maior
02 – No. 2 em Lá menor
03 – No. 3 em Mi maior
04 – No. 4 em Lá bemol maior
05 – No. 5 em Si menor
06 – No. 6 em Si maior

Skizzen für den Pedalflügel, Op. 58
07 – No. 1: Nicht schnell und sehr markiert
08 – No. 2: Nicht schnell und sehr markiert
09 – No. 3: Lebhaft
10 – No. 4: Allegretto

Seis fugas sobre B-A-C-H, Op. 60
11 – No. 1: Langsam
12 – No. 2: Lebhaft
13 – No. 3: Mit sanften Stimmen
14 – No. 4: Mässig, doch nicht zu langsam
15 – No. 5: Lebhaft
16 – No. 6. Mässig, nach und nach schneller

Dan Zerfaß, órgão da catedral de São Pedro em Worms, Alemanha (1985)
Construtor: Johannes Klais Orgelbau GmbH, Bonn

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Isso a Globo não mostra

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Lieder, transcritos para piano por Clara Schumann (1819-1896) – Garben


Dia dos Namorados? Nah, só aqui no Brasil. É véspera do dia de Santo Antônio e, mais que isso, aquela efeméride marqueteira inventada para que as pessoas consumam alguma coisa em junho, pois o Dia de São Valentim é em fevereiro, no meio das férias, época ruim para consumo, e porque abril já tem a Páscoa e maio já tem as noivas e o Dia das Mães, e julho… Bem, julho já é de férias de novo, então o melhor seria que realmente os casais enchessem os restaurantes e fizessem fila no motel em junho mesmo, nem que fosse para dar o pretexto a Vassily para, pela primeira e provavelmente última vez, escrever a palavra “motel” aqui no PQP Bach.

Eu ligo tchongas para o Dia dos Namorados, mas já que estamos em nosso minifestival Schumann, escolhi como música de fundo para os arrulhos dos pombinhos que o celebram essas bonitas canções de Robert, habilmente transcritas por Clara para o piano, e aqui interpretadas por Cord Garben, um bom pianista que ficou mais conhecido como produtor e gerente de egos da Deutsche Grammophon.

Apesar de todas aparências, e de toda fama que granjearam como Casal 20 (termo que atesta minha velhice) da música de concerto, a relação entre Clara e Robert não tinha calmarias. A casa dos Schumann sempre oscilou entre brasas e chamas: Robert era devotamente apaixonado pela esposa, mas extremamente possessivo, o que se agravava ainda mais pelo fato de Clara, uma das melhores pianistas da Europa, excursionar extensamente e com muita frequência. Dóia-lhe em especial na machidão, também, o fato da esposa ser tanto a provedora da casa quanto a Schumann famosa no mundo da época. Clara, por sua vez, sempre teve foi muito crítica a Robert como compositor, e a tal ponto que, com algumas exceções, só incorporou as obras dele ao seu repertório depois de enviuvar. Nos quarenta anos em que viveu sem ele, dedicou-se à preservação de seu legado, não sem dar chá de sumiço em algumas partituras que considerava indignas de serem lembradas, o que levou muito papel para a fogueira, enquanto batalhava para sustentar os sete filhos que sobreviveram à infância, e aos netos que os filhos lhe traziam.

Essas transcrições que ora lhes alcanço, em sua maior parte feitas depois da morte de Robert, são tão fiéis ao seu texto e essenciais quanto poderiam ser. Não há aqui a grandiloquência, nem os arroubos prestidigitadores de tantas das transcrições de Liszt, feitas para o húngaro brilhar nos palcos. Clara, ao contrário, lançou mão de sua sabedoria pianística para incorporar a melodia do canto àquele que é, com raras exceções, o acompanhamento original de Schumann. Essas apaixonadas canções sem palavras, muitas delas compostas naquele incrível “Ano das Canções” do 1840, são um sensível memorial de Clara para Robert – talvez a sonhar com um amor como o de “Widmung”, poema que abre a coleção “Myrthen”:

“Du meine Seele, du mein Herz,
Du meine Wonn’, O du mein Schmerz,
Du meine Welt, in der ich lebe,
Mein Himmel du, darein ich schwebe,
O du mein Grab, in das hinab
Ich ewig meinen Kummer gab”

 

“Tu, minha alma; tu, meu coração,
Tu, meu prazer; oh tu, minha dor,
Tu, meu mundo, no qual eu vivo,
Meu céu, tu – no qual flutuo,
Tu és o túmulo onde sepultei
Minhas mágoas para sempre”

 

 

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Transcrições para piano de Clara Josephine SCHUMANN (1819-1896)

1 – Widmung, Op. 25 no.1: “Du meine Seele, du mein Herz”
2 – Dein Angesicht, Op. 127 no. 2: “Dein Angesicht, so lieb und schön”
3 – Er, der Herrlichste von allen, Op. 42 no. 2
4 – Du bist wie eine Blume, Op. 25 no. 24
5 – Der Nussbaum, Op. 25 no. 3: “Es grünet ein Nussbaum vor dem Haus”
6 – Singet nicht in Trauertönen, Op. 98a no. 7 (Philinens Lied)
7 – Ich wandre nicht, Op. 51 no. 3
8 – Sehnsucht, Op. 51 no. 1: “Ich blick in mein Herz und ich blick in die Welt”
9 – Helft mir, ihr Schwestern, Op. 42 no. 5
10 – Die Lotosblume, Op. 25 no. 7: “Die Lotosblume ängstigt sich vor der Sonne Pracht”
11 – Nichts schöneres, Op. 36 no. 3: “Als ich zuerst dich hab gesehn”
12 – Märzveilchen, Op. 40 no. 1: “Der Himmel wölbt sich rein und blau”
13 – Sonntags am Rhein, Op. 36 no. 1: “Des Sonntags in der Morgenstund”
14 – Mit Myrthen und Rosen, Op. 24 no. 9
15 – Berg und Burgen schau’n herunter, Op. 27 no. 7
16 – Dem roten Röslein gleicht mein Lieb, Op. 27 no. 2
17 – In der Fremde, Op. 39 no. 1: “Aus der Heimat hinter den Blitzen rot”
18 – Intermezzo, Op. 39 no. 2: “Dein Bildnis wunderselig”
19 – Mondnacht, Op. 39 no. 5: “Es war, als hätt’ der Himmel”
20 – Frühlingsnacht, Op. 39 no. 12: “Über’n Garten durch die Lüfte”
21 – Rose, Meer und Sonne, Op. 37 no. 9: “Rose, Meer und Sonne sind ein Bild der Liebsten mein”
22 – Der Knabe mit dem Wunderhorn, Op. 30 no. 1: “Ich bin ein lust’ger Geselle”
23 – Er ist’s, Op. 79 no. 23: “Frühling läßt sein blaues Band'”
24 – An den Sonnenschein, Op. 36 no. 4: “O Sonnenschein! Wie scheinst du mir…”
25 – Ständchen, Op. 36 no. 2: “Komm in die stille Nacht…”
26 – Die Stille, Op. 39/4: “Es weiß und rät es doch keiner”
27 – Volksliedchen, Op. 51 no. 2: “Wenn ich früh in den Garten geh'”
28 – Geständnis, Op. 74 no. 7: “Also lieb ich euch”

Cord Garben, piano

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Para que não fiquem achando que eu não gosto das transcrições de Liszt, aqui está Nelson Freire tocando – à primeira vista! – a bonita transcrição de Franz para “Widmung”. Quem lhe vira as páginas é sua ultra-amiga Martha Argerich, que faz uma participação muito especial do documentário “Nelson Freire”, de Walter Salles, do qual esse vídeo é um extra.

 


Instigada por Nelson, Martha incorporou a transcrição de “Widmung” a seu repertório e passou a tocá-lo como bis – como fez no ano passado para esses felizardos na Itália. Sua leitura, expressiva e brilhante, é extraordinária – como tudo o que vem dela…


… e que não reparem nas águas-vivas no fundo e nos cortes no começo e no fim do vídeo: Jessye Norman era o de que melhor havia no planeta, e sua interpretação de “Widmung” nunca deixa meus olhos secos.

Vassily

#SCHMNN210 – Niccolò Paganini (1782-1840): Caprichos para violino, Op. 1, com acompanhamento de piano por Robert Schumann – Garrett – Canino

Depois da tomatina que deve ter chovido sobre Robert ontem, quando aqui revelamos sua inana, ainda que bem intencionada tentativa de engrossar um pouco o que se achava ser o ralo caldo das sonatas e partitas para violino de J. S. Bach, vocês tirarão esse CD de letra.

Uma porque os caprichos de Paganini, apesar de todas suas qualidades, não merecem ser mencionados na mesma frase que as supremas obras-primas que ontem publicamos, também com um acompanhamento para piano proposto por Schumann.

Outra porque Paganini, mesmo ao criar praticamente uma enciclopédia dos recursos então conhecidos ao instrumento, não teve interesse particular em explorar sua escrita polifônica, como Bach fez genialmente em suas seis criaturas, de modo que um acompanhamento para piano para os caprichos parece mais útil e muito menos redundante.

Inda outra porque Schumann, aqui, se deu o trabalho de elaborar um pouco mais a parte para piano, que sublinha e comenta – algo pachorrentamente, é verdade – as ideias expostas pelo violino, enquanto este se estrebucha em suas cordas e quase arrebenta suas costuras para dar voz às medonhas dificuldades propostas por Paganini.

E a última, talvez a mais importante: o violinista da gravação que ora lhes apresentamos, David Garrett, é muito competente e, depois que deixou de lado o terno furta-cor e o cabelinho nerd da capa do disco e arranjou um megahair e um nicho na milionária indústria do crossover, ficou realmente muito gato – tão gato que faz uma cara igual à do meu bichano quando fareja ferormônios.


O gatão Garrett, claro, passa muito mais trabalho que seu colega Canino (trocadilho do ano, hein?), e o resultado acaba sendo mais recomendável que a gravação que postamos ontem. Talvez o próprio Garrett tenha se enfastiado com a contribuição de Schumann e, por isso, decidiu tocar sozinho o célebre capricho final. Antes que os completistas fiquem contrariados, informamos que o inesquecível Jascha Heifetz será convidado a tocar, com Emanuel Bay, a peça faltante e fechar a fatura. Ok, eu sei que é sabotagem botar qualquer violinista para tocar antes de Heifetz, mas Garrett é lindo e rico, e eu nada disso, de modo que uso as pobres armas que tenho para destilar minha amarga inveja.

A quem estranhar as diferenças na parte de violino, peço que não culpem o grande Jascha, e sim Leopold Auer, seu professor e editor da publicação dos caprichos usada neste filme. E para quem quiser conhecer os caprichos in natura, ou refrescar os ouvidos revisitando-os após a intervenção de Schumann, restaurei os links para duas das melhores gravações que deles temos no acervo pequepiano: aquela com o brilhante Ilya Kaler, um mestre que é menos conhecido do que merece, e a outra, com Shlomo Mintz (uma terceira, minha favorita, com a incrível Julia Fischer, segue firme no ar).

Niccolò PAGANINI (1782-1840)

Vinte e quatro caprichos para violino solo, Op. 1

Acompanhamento para piano composto por
Robert Alexander SCHUMANN
(1810-1856)

01 – Andante (Mi maior)
02 – Moderato (Si menor)
03 – Sostenuto – Presto – Sostenuto (Mi menor)
04 – Maestoso (Dó menor)
05 – Agitato (Lá menor)
06 – Lento (Sol menor)
07 – Posato (Lá menor)
08 – Maestoso (Mi bemol maior)
09 – Allegretto (Mi menor)
10 – Vivace (Sol menor)
11 – Andante – Presto – Tempo I (Dó maior)
12 – Allegro (Lá bemol maior)
13 – Allegro (Si bemol maior)
14 – Moderato (Mi bemol maior)
15 – Posato (Mi menor)
16 – Presto (Sol menor)
17 – Sostenuto – Andante (Mi bemol maior)
18 – Corrente – Allegro (Dó maior)
19 – Lento – Allegro assai (Mi bemol maior)
20 – Allegretto (Ré maior)
21 – Amoroso – Presto (Lá maior)
22 – Marcato (Fá maior)
23 – Posato (Mi bemol maior)
24 – Tema, quasi Presto – Variazioni – Finale (Lá menor)

David Garrett, violino
Bruno Canino, piano

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Vassily

#SCHMNN210 – Johann Sebastian Bach (1685-1750): Sonatas e Partitas para violino, com acompanhamento de piano por Robert Schumann – Bedelian – Griffitt

Nenhuma festa de aniversário é completa sem que se fale mal do aniversariante, não é mesmo?

Então vamos falar mal de Robert: em algum momento de sua vida, ele resolveu seguir a voga e adicionar acompanhamento de piano a obras alheias. Não contente, olhou para sua prateleira de partituras e, fuçando a aba “Bach, J. S.”, dela catou um volume em que toda música se resumia a uma parte em clave de sol e, incontinenti, pôs-se a completar aquela paçoca com as carninhas de acordes e baixos que, pensava ele, tanto lhe faltavam.

O resultado é o que vocês aqui ouvem: do Alfa e do Ômega da Música, do maior gênio que já viveu neste triste planeta, do imenso Johann Sebastian Bach, as sacrossantas sonatas e partitas para violino – às quais não se pode apor o “solo”, porque aqui estão com… acompanhamento de piano.

Admito que o conceito, que me sugeriu uma ultrajante pichação, me foi muito pior que o que de fato ouvi: uma parte para piano realmente supérflua, a realizar alguns dos acordes e notas que o Demiurgo, numa de suas obras supremas, um exercício de contingências ao compor polifonicamente para um instrumento mormente monófono, resolvera tão só sugerir ao ouvinte.

Se há algum mérito nela, é o de que a contribuição de Schumann não é pervasiva. Com alguns minutos de audição, conseguimos nos acostumar a elas e pescar, vá lá, um que outro arroubo criativo nela. Advirto, no entanto, que é especialmente duro ouvir as geniais fugas das sonatas com a camada de pichação pianística – ao passo que a Chacona, talvez o ponto mais alto de toda Música, é menos pior do que se espera.

Para quem não me acusem de anacronismos, dou o braço a torcer: Schumann adorava Bach e escreveu o acompanhamento para suas obras com as melhores intenções. Apesar de amplamente reconhecido entre seus colegas músicos como um dos maiores mestres do passado, a redescoberta de suas obras para o público musical em geral – impulsionada por Felix Mendelssohn, que apresentou a Paixão segundo Mateus com imenso sucesso em Berlim – ainda era incipiente. Muitas das obras para instrumentos solo, incluindo quase toda literatura para teclado e as suítes, sonatas e partitas para cordas, eram tidas como obras-primas e valioso material de estudo, mas pouco apeteciam às plateias acostumadas a ver Liszts e Paganinis (mais sobre ele em breve) rugirem com seus instrumentos. Assim, entendemos os esforços de Robert como uma amorosa e, a meu ouvir, inana tentativa de tornar as grandes obras do velho Bach mais atraentes e, quiçá, menos estranhas aos ouvidos de sua época. Sua reverência ao mestre era tão grande que seu acompanhamento foi publicado exatamente como tal: somente uma partitura para piano, com pequenos excertos da parte de violino impressos em tipo miúdo para servirem como deixas ao intérprete. E, se vocês perceberem alguma diferença entre o que o violinista aqui tocar e o que estão acostumados a ouvir, não culpem o pobre Robert, e sim a edição das obras de Bach que ele tinha à disposição na época, com indicações dinâmicas e interpretativas acrescentadas por outrem, à qual ainda não se adicionara o valioso produto do trabalho musicológico que culminaria com as primeiras edições críticas da obra do Maior de Todos.

Os intérpretes nesta gravação desincumbem-se direitinho da tarefa inglória. O violinista Bedelian, cuja nacionalidade não descobri, mas que é de origem armênia e fez carreira no Reino Unido e nos Estados Unidos, dá algum tempero romântico – ma non troppo – aos frutos de Bach, a despeito de algumas barbeiradinhas, enquanto Lorna (adoro o nome!) Griffitt transpira bastante menos com a parte de Schumann. Baixem, ouçam, odeiem – e aproveitem para falar mal do aniversariante, que em breve voltamos com suas obras-primas. Ah – e quem achar que precisa de desinfetante para os ouvidos depois do que escutar, ofereço a restauração de duas postagens das sonatas e partitas in natura: uma com violino barroco, por John Holloway, e outra com violino moderno, por Christian Tetzlaff.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Sonatas e partitas para violino solo, BWV 1001-1006

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Acompanhamento para as sonatas e partitas de J. S. Bach para piano, WoO 8

Sonata no.1 em Sol menor para violino solo, BWV 1001
1 – Adagio
2 – Fuga
3 – Siciliana
4 – Presto

Partita no.1 in Si menor para violino solo, BWV 1002
5 – Allemanda
6 – Double
7 – Corrente
8 – Double
9 – Sarabande
10 – Double
11 – Tempo di Borea
12 – Double

Sonata no.2 in Lá menor para violino solo, BWV 1003
13 – Grave
14 – Fuga
15 – Andante
16 – Allegro

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DISCO 2

Partita no. 2 em Ré menor para violino solo, BWV 1004
1 – Allemanda
2 – Corrente
3 – Sarabanda
4 – Giga
5 – Ciaccona

Sonata no.3 em Dó maior para violino solo, BWV 1005
6 – Adagio
7 – Fuga
8 – Largo
9 – Allegro assai

Partita no.3 em Mi maior para violino solo, BWV 1006
10 – Preludio
11 – Loure
12 – Gavotte en Rondeau
13 – Menuet I
14 – Menuet II
15 – Bourrée
16 – Gigue

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Haroutune Bedelian, violino
Lorna Griffitt, piano


Para quem odiou o bedelho de Schumann e quiser ouvir Johann Sebastian sans Robert, recomendo “Bach in Tiradentes”, o primeiro registro em DVD das Sonatas e Partitas completas do Colosso de Eisenach, em que o mesmo Haroutune Bedelian interpreta, sem piano, as mesmas obras na belíssima igreja de Santo Antônio em Tiradentes, Minas Gerais.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Liederkreis, Op. 39 – Frauenliebe und -leben, Op. 42 – Norman – Gage

1840 foi o Liederjahr (“Ano das Canções”) de Schumann, marcado pela impressionante enxurrada de dezenas de Lieder do mais alto nível. O motivo para tamanha torrente de canções, numa carreira até então dedicada quase que exclusivamente a composições para o piano, foi certamente o desenlace da longa batalha judicial para casar-se com Clara, filha de Friedrich Wieck, que se opunha com ferocidade hidrófoba à união dos dois. Os poemas escolhidos por Schumann exprimem com constrição e frequente desesperança as incertezas quanto aos seus rumos com Clara, bem como os ideais que tinha para a vida com a amada. Seu empenho em casar-se foi enfim recompensado em 12 de setembro de 1840 – a véspera do aniversário de 21 anos de Clara e de sua maioridade legal. A postura de casar-se no último dia em que ela precisaria do consentimento do pai foi uma das incontáveis demonstrações do teimoso apego de Robert a seus princípios e de sua disposição em encarar todas contendas para defendê-los.

A amada, certamente, foi a inspiração para Frauenliebe und -Leben, o primeiro dos frutos daquele milagroso 1840 que lhes oferecemos hoje. Baseado em poemas do pitoresco poeta-botânico-milico franco-alemão Adelbert von Chamisso, o ciclo conta, do ponto de vista feminino, a história de uma relação desde o primeiro encontro (“Desde que eu o vi”) até a viuvez (“Hoje me causaste dor pela primeira vez”). Essas oito canções devem ter soado dolorosamente irônicas para Clara, a cuja carreira Robert muito se opôs, ainda que ela fosse o arrimo da casa e dos sete filhos, e a quem Robert muitas dores causou antes de perder seu juízo e sua vida. A dor da ironia só deve ter aumentado nos quarenta anos de viuvez, em que nunca largou as cores de luto e muito se dedicou à preservação do legado do marido.

O outro ciclo, redundantemente conhecido como Liederkreis (er, “Ciclo de Canções”), é uma das duas coleções de canções com esse título na schumanniana. O que alcanço hoje a vocês, do Op. 39, é conhecido como “Eichendorff Liederkreis”, por basear-se na coleção de poemas “Intermezzo” de Joseph Eichendorff, um dos grandes nomes do romantismo alemão. As doze canções descrevem as impressões do poeta sobre diferentes paisagens, que Schumann consegue evocar com muita sutileza, lançando mão duma rica e independente escritura pianística que não só acompanha, mas sublinha, comenta e – nos frequentes poslúdios em que o piano encerra sozinho uma canção – amplifica e arremata as evocações feitas pela voz.

E, já que falamos em voz, esta que ora lhes trago é das mais extraordinárias que já vieram a este pobre globo cacofônico. Sim, Jessye Norman (1945-2019) era tudo isso e, paralelamente à brilhante carreira em ópera, foi uma camerista muito versátil. É incrível ouvi-la modular seu poderoso instrumento vocal para exprimir com tanta delicadeza, e tão fascinante dicção, os tantos constritos sussurros prescritos por Schumann ao cantor que lhe empresta a voz. Quem só conhece Jessye pela potência de Carmens, Salomés e Isoldes ficará surpreso com essa faceta mais comedida de seu talento, aqui congenialmente acompanhado pelo também saudoso Irwin Gage (1939-2018).

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Frauenliebe und -Leben, ciclo de canções sobre poemas de Adelbert von Chamisso, Op. 42

1 – Seit ich ihn gesehen
2 – Er, der herrlichste von Allen
3 – Ich kann’s nicht fassen, nicht glauben
4 – Du Ring an meinem Finger
5 – Helft mir, Ihr Schwestern
6 – Süßer Freund, du blickest mich verwundert an
7 – An meinem Herzen, an meiner Brust
8 – Nun hast du mir den ersten Schmerz getan

Liederkreis, ciclo de canções sobre poemas de Joseph Eichendorff, Op. 39 (“Eichendorff-Liederkreis”)

9 – In der Fremde
10 – Intermezzo
11 – Waldesgespräch
12 – Die Stille
13 – Mondnacht
14 – Schöne Fremde
15 – Auf einer Burg
16 – In der Fremde
17 – Wehmut
18 – Zwielicht
19 – Im Walde
20 – Frühlingsnacht

Jessye Norman, soprano
Irwin Gage, piano

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Saudades – atrozes saudades

Vassily