#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Obra completa para violino e orquestra – Wallin – Beermann

As três obras desse disco foram compostas no final da carreira de Schumann, um pouco antes de seu internamento no hospício em que terminou seus dias. Elas, que são tudo o que Robert escreveu para violino e orquestra, foram decisivamente inspiradas por Joseph Joachim, amigo seu e de Clara, maior violinista da época e, claro, dedicatário delas.

A primeira delas a ser composta, e a única a ser tocada na vida do compositor, foi a fantasia em Dó maior, estreada por Joachim com imenso sucesso em 1853. Lamentavelmente, acabou por cair em esquecimento, muito por conta da tendência então prevalente de rejeitar as obras tardias de Schumann como fruto de insanidade, praxe reforçada por Clara, que escondeu muitas delas e destruiu algumas. Joachim, por sua vez, foi decisivo pelo chá de sumiço das duas obras restantes. Ele chegou a ensaiar o concerto em Ré menor, pelo qual nunca teve qualquer entusiasmo, para logo em seguida, ante a deterioração da saúde mental e subsequente tentativa de suicídio do compositor, escondê-lo para sempre. Já na velhice – na mesma época em que fez algumas gravações fonográficas – legou o manuscrito a uma biblioteca, com instruções expressas de que só viesse a público cem anos após a morte de Schumann. A redescoberta do concerto – uma trama inacreditável que envolve vozes do além, Yehudi Menuhin  e as sobrinhas-netas de Joachim – parece produto de muita psilocibina e já foi descrita aqui. Pior sorte ainda teve o arranjo de Schumann de seu concerto para violoncelo, que aparentemente estava fora do alcance das vozes do além e foi tão bem escondido por Joachim que só foi descoberto em 1987 – ano em que o mundo estava mais preocupado em escutar isso:

E isso:

Para nossa sorte, leitores-ouvintes, há nesse globo cacofônico gente como Ulf Wallin, que estudou os manuscritos de Schumann e se esmerou para produzir estas gravações que, assegura, são tão fiéis às intenções do compositor quanto possível. Sua companhia aqui é muito boa: a Robert-Schumann-Philharmonie, uma ótima orquestra alemã sediada na cidade saxã de Chemnitz, que fica a um pulinho só de Zwickau, onde Robert veio ao mundo da manhã de 8 de junho de 1810.


Robert Alexander SCHUMANN
 (1810-1856)

Concerto em Lá menor para violino e orquestra
(arranjo do compositor para seu concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129)

1 – Nicht zu schnell
2 – Langsam
3 – Sehr lebhaft

Fantasia em Dó maior para violino e orquestra, Op. 131

4- In mässigen Tempo

Concerto em Ré menor para violino e orquestra, WoO 23

5 – In kräftigem, nicht zu schnellem Tempo
6 – Langsam
7 – Lebhaft, doch nicht schnell

Ulf Wallin, violino
Robert-Schumann-Philharmonie
Frank Beermann, regência

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Sou só eu que acho as fotos do casal Schumann perturbadoras?

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Concerto para violoncelo e orquestra, Op. 129 – Obras para violoncelo e piano – Woldemar Bargiel (1828-1897) – Adagio para violoncelo e orquestra – Isserlis – Eschenbach

Sim, prometera uma quinzena só de Schumann para então voltar com nosso Projeto Beethoven, mas tem sido tão bom escrever sobre o saxão que peço ao renano mais uma semana de licença para alcançar-lhes mais algumas coisas do tão triste Robert.

Lembrei desse disco de Steven Isserlis, sempre alguém que vale a pena ser ouvido, que incluía não só o concerto para violoncelo e as obras “oficiais” para violoncelo e piano, como também trechos alternativos do concerto, arranjos de outras obras e, de lambujem, um trecho da Missa de Schumann e uma obra do obscuro Woldemar Bargiel, obliquamente relacionado a Robert (tentem entender: era filho da primeira esposa do sogro dele). E lembrei, também, dum artigo que Isserlis – que escreve espirituosamente e sempre é garantia de boa leitura nos encartes de suas gravações – publicou na Gramophone em 2010, quando do bicentenário do compositor. Recordo vivamente de como, na época, pensei em traduzir o artigo e enviá-lo ao PQP Bach, do qual já era contumaz leitor. Agora que estou do lado de cá do portal, resolvi enfim colocar meu velho plano em prática. De antemão, reconhecendo a máxima do traduttore, traditore, peço desculpas por qualquer inacurácia em minha tradução muito livre do texto de Isserlis.

O complicado gênio musical de Robert Schumann
Steven Isserlis

“A ele, acima de tudo, pertence o meu coração; eu o amo como um honrado amigo, a ele devo minhas horas mais bonitas – lamento profundamente por ele também, pelas trevas da tristeza – a tristeza que sentimos em suas canções – que caiu cada vez mais sobre ele … O que sabemos de seu ser interior, o que podemos conhecer ali, onde a razão cessa e a loucura começa?”

As palavras poéticas de Edwin Fischer falam a todos que amam Schumann – o compositor e o homem. Schumann parece um amigo íntimo, talvez mais do que qualquer outro compositor. Estranho que alguém possa se sentir tão próximo de um homem morto há mais de 150 anos e que, durante sua vida, era famoso por ser taciturno e tímido; através de sua música, no entanto, Schumann nos confessa seus segredos mais profundos – nos trata, os ouvintes, como companheiros de fé em todos os seus humores. Ele é talvez o mais autobiográfico de todos os compositores, confidenciando-nos coisas duma maneira que compositores anteriores teriam considerado impensável. Entretanto, apesar dessa abertura, há muitas facetas de Schumann, o homem e o músico, que eu sinto serem frequentemente mal compreendidas. Até as palavras de Fischer, por mais afetuosas que sejam, parecem-me um pouco ambíguas.

Certamente, trevas caíram sobre Schumann, e há uma grande tristeza em algumas de suas músicas tardias, assim como em seus primeiros trabalhos; mas também há alegria, humor, esperança. É significativo que Schumann tendesse a não compor durante seus períodos de depressão: ele esperaria até se sentir melhor, ou usaria a música como um caminho de volta à saúde. Descrever qualquer uma de suas obras como o produto da loucura, implicando assim que ele não estava no controle total do processo de composição, é enganoso. O resultado mais sério desse equívoco é que apenas cerca de um terço das obras de Schumann são ouvidas regularmente nas salas de concerto hoje em dia; é justo dizer que ele, provavelmente, é o menos valorizado dos grandes compositores.

Schumann e o passado

A visão de Schumann como a personificação do romantismo ignora seu profundo conhecimento da música e das tradições do passado. Como toda música verdadeiramente inovadora, a dele tem fortes raízes no mundo de seus antecessores. Em muitas das principais obras de Schumann – as sinfonias, por exemplo, e grande parte da música de câmara – pode-se ouvir como ele estava mergulhado nas grandes tradições clássicas alemãs, influenciado particularmente por Händel, Beethoven, Schubert, e seu próprio amigo e douto contemporâneo, Mendelssohn. Sua dívida com Bach também é óbvia: suas muitas fugas, incluindo um conjunto com o nome de Bach, prestam um tributo claro ao grande mestre. Mas outros trabalhos, particularmente alguns dos últimos, olham para trás ainda mais. A Missa em Dó menor, Op 147, e o Réquiem, Op 148, por exemplo, devem algo de seu espírito ao da música da igreja primitiva, às obras de Palestrina e outros, cuja música ele gostava de reger com seu coro em Dresden. Ouvindo essas belas obras tardias, é difícil identificar seu criador como o compositor de Carnaval, Dichterliebe – ou mesmo a música de câmara e para piano que ele escrevia nesses mesmos anos.

E depois há as baladas corais de 1851-53 – “Des Sängers Fluch” (“A maldição do cantor”), e outras. Estranho pensar em Schumann como companheiro de jornada de Wagner – os dois homens dificilmente poderiam ter sido mais diferentes em todos os aspectos; mas há aqui um elo definido, nessas composições poderosamente nacionalistas, baseadas em lendas alemãs. Também se pode ouvir mais evidências do fascínio de Schumann pelo mundo do mito antigo em outras obras – em canções como “Der Handschuh”, Op 87 (sobre texto de Schiller) ou até (acredito) nos ecos de melodias semelhantes às de trovadores na Quarta Sinfonia.

Schumann e o futuro

É impressionante – e traz alegria ao coração dos devotos schumannianos de todo o mundo – observar como compositores de quase todos os movimentos nacionais reverenciaram Schumann. Mesmo aqueles que tendiam a rejeitar Beethoven (e detestavam Brahms) – Debussy, Ravel, Tchaikovsky e Britten, por exemplo – amavam Schumann. Em nossos dias, inúmeros compositores prestaram homenagem a ele em suas composições – certamente mais do que a qualquer outro compositor.

Por que isso acontece? Minha explicação é que Schumann, apesar de toda a sua disciplina clássica, parece compor sem regras. Se em uma obra ele está escrevendo em formas (aparentemente) conservadoras, na próxima ele estará escrevendo músicas em fluxo de consciência que nos levam a reinos não sonhados por outros compositores de seu tempo. Tomemos, como um exemplo, a abertura do movimento lento do Primeiro Trio para Piano, Op 63: nesta passagem extraordinária, somos levados ao mundo da depressão, a uma sala misteriosa sem uma janela de esperança (e ainda impregnada de extraordinária beleza )

Ou o Gesänge der Frühe, Op 133, para piano solo: sobre essas peças, Schumann escreveu que “descrevem as emoções na proximidade do amanhecer e na alvorada, embora mais como sentimentos do que como pintura”. Para nossos ouvidos, eles soam futuristas – mahlerianos ou além. Como eles devem ter soado para seus contemporâneos? Não admira que Clara nunca as tenha apresentado em público. Mesmo quando em sua música posterior Schumann escolheu escrever dentro das formas das disciplinas clássicas, sempre há experiências escondidas logo abaixo da superfície. Seu espírito inquieto está constantemente procurando, sondando, encontrando – ou demandando – novas maneiras de expressar sua estranha vida interior. Talvez mais do que qualquer outro compositor, Schumann consegue levar-nos à terra dos sonhos.

Schumann e as crianças

Embora muitos compositores tenham escrito música para crianças, Schumann talvez tenha sido o primeiro a realmente entrar na mente e na alma dos jovens, às vezes retratando, às vezes revivendo a experiência de ser criança. De fato, Cyril Scott chegou ao ponto de sugerir que a música de Schumann para jovens havia afetado toda a atitude dos alemães em relação às crianças. O “Álbum para a Juventude” para piano é o exemplo mais famoso de sua escrita para (e não sobre) crianças, mas também há um álbum de Lieder para jovens, três Kindersonaten para piano e assim por diante. Em todos eles, ele combina humor, ternura e um domínio que garante que ele nunca dando sermões a seu jovem público ou intérprete. Quando ele retrata a infância do ponto de vista do adulto (como em Kinderszenen), é com um profundo entendimento da alegria e tristeza da juventude.

Schumann, o escritor

O jovem Schumann foi talvez o mais influente – e certamente o mais perspicaz – crítico de sua época. De fato, sua formação era literária, e não musical, embora não se pudesse supor isso a partir desse trecho duma história escrita no final da adolescência de Schumann:

– Ela correu pelo cemitério, de seios nus, e com uma camisola branca comprida, pendurada descuidadamente em seu corpo, para ler uma inscrição na lápide. “Aqui está um coração partido.” Sorrindo, ela se sentou na sepultura. Então um esqueleto… sentou-se ao lado dela e passou o braço em sua volta. “Você quer um beijo”, ela disse timidamente. O esqueleto riu, deu-lhe um beijo gélido e foi embora. “Eu devo ter pecado”, ela gritou, e foi para a igreja, onde o esqueleto estava sentado no órgão, tocando uma valsa.”

Hmm… ainda mais embaraçoso que sua música escrita na mesma época (como o primeiro quarteto de piano em dó menor – não exatamente uma obra-prima). Mas, a partir daqueles inícios pouco promissores, ele rapidamente desenvolveu um estilo literário que, embora ainda um pouco estranho aos nossos olhos, teve em seu tempo (e ainda tem, até certo ponto) um efeito poderoso. Sua famosa primeira resenha, das variações de Chopin no “Là ci darem la mano” de Mozart, nos dá um forte sabor dele:

“Eusebius abriu silenciosamente a porta outro dia. Você conhece o sorriso irônico em seu rosto pálido, com o qual ele chama a atenção. Eu estava sentado ao piano com Florestan. Como você sabe, ele é uma daquelas raras personalidades musicais que parecem antecipar tudo o que é novo, extraordinário e destinado ao futuro. Mas hoje ele teve uma surpresa. Eusébio nos mostrou uma peça musical e exclamou: ‘Tirem o chapéu, senhores, um gênio’.”

Gostaria de saber como o editor da Gramophone reagiria a um crítico que lhe entregasse uma crítica desse tipo, hoje. Com um amável discurso sobre os perigos da bebida, talvez. Mas esse artigo transformou a reputação de Chopin no mundo de língua alemã. A perspicácia de Schumann é ainda mais impressionante, já que essas variações iniciais de Chopin dão ao ouvinte médio pouca pista do que estava por vir em seus trabalhos maduros. Igualmente impressionante é a gigantesca crítica que ele fez da Symphonie fantastique de Berlioz, dispondo apenas do arranjo para piano de Liszt. Seus escritos sobre compositores menores são também instrutivos – sempre gentis, mas firmes, apontando amavelmente suas falhas e incentivando-os a fazer melhor. Interessante lembrar, também, que nessa fase a própria música de Schumann era quase totalmente desconhecida. Tendo ouvido compositores atuais discutindo as obras de seus colegas de maior sucesso, posso atestar que, a menos que a natureza humana básica tenha mudado consideravelmente ao longo dos anos, a generosidade de Schumann é – bem, incomum!

O estilo literário de Schumann – e o estilo de escritores que ele amava – transplanta-se para sua música de uma maneira única. O Carnaval é fortemente influenciado pelos escritos fantásticos de Jean-Paul; Kreisleriana baseia-se numa invenção literária de E. T. A. Hoffmann – e assim por diante. Obviamente, essas conexões são bem conhecidas hoje; mas lembre-se de quão longe essa sensibilidade literária/musical está de praticamente qualquer outra música escrita naquela época (de meados a final da década de 1830), e o frescor do gênio de Schumann brilha novamente.

Relacionamentos com seu círculo interno

Um homem complicado, Schumann tinha com seus amigos mais próximos relacionamentos muitas vezes profundamente enrolados. Sua figura paterna musical, o pai de Clara, Friedrich Wieck, azedou-se além da conta quando o jovem casal ficou noivo (embora ainda se mudassem para Dresden, onde Wieck estava morando, em 1845 – curioso). Outra figura paterna (ou pelo menos de irmão mais velho) era Mendelssohn, apenas um ano mais velho que Schumann, mas anos-luz à frente em termos de sucesso e confiança. “Ele é um deus real”, escreveu Schumann sobre seu colega mais velho, seu empregador e divulgador.

Mas havia tensões, também. Alguém se pergunta se Mendelssohn – a quem, como muitos contemporâneos, encontrou Schumann pela primeira vez como crítico – já conhecia completamente a extensão do gênio de Schumann? Ficamos com a nítida impressão de que os dois compositores ficariam bastante surpresos ao saber que a estrela de Schumann anda um pouco mais alta atualmente do que a de Mendelssohn. No entanto, Schumann foi lealmente dedicado, devastado pela morte tragicamente precoce de Mendelssohn, e ficou encantado quando Clara chamou o último filho dos Schumann (a quem Robert nunca viu) de Felix, em homenagem ao homem que ambos reverenciavam.

O famoso triângulo Robert/Clara/Brahms já foi discutido o suficiente. Frequentemente esquecido, porém, é o curto espaço de tempo da amizade entre os dois homens. Eles se conheceram apenas cinco meses antes de Schumann ser levado para o asilo. Torna-se ainda mais comovente, portanto, ler sobre o quão importante Brahms se tornou para seu ex-mentor, tanto pessoal quanto musicalmente. Ele foi um dos poucos a visitá-lo no asilo e manteve Schumann atualizado com suas últimas composições – uma tábua de salvação para aquele pobre fantasma esquecido de um compositor.

A influência de Schumann em Brahms também é fascinante. A música que Brahms tocou para os Schumanns durante seu primeiro encontro foi quase completamente diferente da música pela qual ele agora é mais famoso. Era selvagem, cheio de fantasia demoníaca – adolescente, até (embora um adolescente dotado de extraordinária genialidade). Mais tarde, tendo estudado incessantemente o conteúdo da enorme biblioteca musical de Schumann, Brahms metamorfoseou-se do romântico comparativamente desenfreado ao grande clássico musical da segunda metade do século XIX.

Também se pergunta se não foi apenas a biblioteca de Schumann, mas seu destino trágico e a profunda mágoa que isso causou a Brahms em tantos níveis que causou essa transformação. Poucas obras de Brahms escritas após a morte de Schumann têm aquela sensação distintamente “inacabada”, que é tão típica de Schumann. Vão-se também, na maior parte, as mensagens pessoais para amigos próximos, na forma de citações musicais; sua música amadurece [no original, grows a beard, “cresce-lhe uma barba”], por assim dizer, o romantismo mantido firmemente sob controle, como é fortemente sentido no mundo emocional subjacente. É como se o Brahms maduro devesse ter vivido antes do Schumann maduro, e não o contrário – uma curiosidade intrigante da história musical.

Robert e Clara

Bem, esse relacionamento é muito complicado para ser retratado agora com qualquer autoridade real. No entanto, o modo como é frequentemente descrito – como o casamento romântico ideal – está claramente equivocado. As tensões eram enormes. A ambição de Clara e sua frustração compreensível com o papel de assistente de Robert e como dona de casa/mãe foram certamente fatores da tensão conjugal. Mas Robert, por mais gentil que fosse, também era extremamente difícil e, às vezes, passivo-agressivo. Além disso, ele se recusou a compartilhar seus novos projetos de composição com sua antiga musa; quão doloroso isso deve ter sido para Clara! É claro que houve diferenças crescentes entre eles.

As composições de Clara, por mais adoráveis ​​que sejam, habitam firmemente o mundo de Mendelssohn; as de Robert vêm de um planeta diferente – ou melhor, de muitos planetas diferentes. Sua recusa em tocar a música tardia do marido e as tentativas dela (às vezes bem-sucedidas) de destruí-la dizem tudo.

De fato, havia mundos a separá-los até o final de seu tempo juntos. A vida sexual deles ainda parece bastante animada (de acordo com os diários de Schumann, talvez-por-demais-cheios-de-informação), enquanto emocionalmente, porém, a impressão é de quase desespero entre eles. Numa ironia hollywoodiana, na mesma época em que Brahms apareceu pela primeira vez em cena, Schumann estava lendo Siebenkas de Jean-Paul, um romance em que um homem foge de um casamento infeliz, deixando um amigo mais compatível em seu lugar. Chegando ao asilo em Endenich em 1854, Schumann informou o médico que sua primeira esposa estava morta; lembrado de que ele tinha apenas uma esposa e que ela ainda estava muito viva, ele aparentemente “riu com gosto”. Tudo muito estranho. Eu tenho que confessar que sou menos que um fã de Clara – não apenas porque ela destruiu o penúltimo trabalho de Schumann, os Cinco Romances para violoncelo e piano, mas por causa de sua (a meu ver) extrema frieza para com as crianças. A carta que ela escreveu às duas filhas mais velhas no dia seguinte à morte de Schumann não é exatamente uma lição de sensibilidade: “Ele era uma pessoa maravilhosa – que vocês, que o amavam tanto, se tornem dignas de um pai assim. Elise, você pode mudar sua maneira de ser, vocês podem tentar me fazer o mais feliz possível”. Não é a maneira mais gentil de dar notícias trágicas. No entanto, isso foi há muito tempo. É impossível entender todas as complexidades dessas personalidades e suas interações umas com as outras.

Então, por que isso importa? Por que nos interessamos tanto por Schumann – não apenas pelo compositor, mas também pelo homem e seu destino? Porque ele nos faz interessar. Ele nos interessa ao atrair-nos através de sua música, convidando-nos a compreendê-lo, a amá-lo. Como ele próprio descrever: “Ame-me bastante… Eu exijo muito, porque muito eu dou”

Steven Isserlis, junho de 2010
Traduzido por Vassily em junho de 2020

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129

1 – Nicht zu schnell
2 – Langsam
3 – Sehr lebhaft
4 – Cadenza

Woldemar BARGIEL (1828-1897)

5 – Adagio para violoncelo e orquestra

Steven Isserlis, violoncelo
Deutsche Kammerphilharmonie
Christoph Eschenbach, regência

Robert Alexander SCHUMANN

Fantasiestücke (Peças de Fantasia), para piano e clarinete (ou violino ou violoncelo), Op. 73

6 – Zart und mit Ausdruck
7 – Lebhaft, leicht
8 – Rasch und mit Feuer

Adagio e Allegro para piano e trompa (ou violino ou violoncelo), Op. 70

9 – Adagio
10 – Allegro

Fünf Stücke im Volkston (Cinco peças em tom popular), para violoncelo e piano, Op. 102

11 – Mit Humor
12 – Langsam
13 – Nicht schnell, mit viel Ton zu spielen
14 – Nicht zu rasch
15 – Stark und markiert

Steven Isserlis, violoncelo
Christoph Eschenbach, piano

Missa em Dó menor para solistas, coro e orquestra, Op. 147

16 – Offertorium

Dame Felicity Lott, soprano
David King, órgão
Steven Isserlis, violoncelo

17 – Faixa silenciosa (3 minutos)

Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129

18 – Cadenza e final original

Steven Isserlis, violoncelo
Deutsche Kammerphilharmonie
Christoph Eschenbach, regência

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Steven Isserlis é apaixonado por Schumann, e suas interpretações das obras do mestre alemão são condizentes com essa paixão. Além do repertório do disco de hoje, ele e o pianista húngaro Dénes Várjon (foto) gravaram um outro álbum com peças para violoncelo e piano, incluindo um arranjo de Isserlis da sonata no. 3 para violino – numa tentativa de compensação, conforme descreve no livreto, pelos cinco romances para violoncelo e piano que Clara destruiu após a morte de Robert. Essa bela gravação já foi publicada no PQP Bach. Como seus links estavam inativos, eu a restaurei para que a possam apreciar.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Lieder – Fischer-Dieskau


Tinha outros planos para contribuir com mais Lieder nesse minifestival Schumann, até dar-me conta de que, com a exceção duma gravação sui generis de Dichterliebe (mais sobre ela adiante), não havia em nosso acervo qualquer dos preciosos registros  dessas obras que a maior voz do século passado, Dietrich Fischer-Dieskau, legou a nós outros, felizardos que o podemos ouvir.

Isso, claro, não poderia continuar assim, de modo que tratarei de expiar com juros e correções esse incompreensível lapso nosso. Para tanto, trago-lhes quatro gravações que abrangem os três grandes ciclos (Dichterliebe e os Liederkreise de Heine e Eichendorff, Opp. 24 e 39) e várias canções e baladas que abrangem tanto aquele milagroso “Ano das Canções” (Liederjahr) de 1840 quanto obras tardias e menos escutadas.

As imensas qualidades de Fischer-Dieskau estão sempre lá – a entonação e dicção impecáveis, o belíssimo timbre, o controle incomparável sobre todos requintes da expressão. Como os voos desse maravilhoso artista são sempre muito altos, e quase nada resta para lhe falar em termos de reparos (o único, talvez, é que suas expressões de dor e pesar são menos convincentes que as de júbilo, o que é ademais natural para quem tem um timbre tão brilhante e caloroso), falemos então dos pianistas. Jörg Demus e Christoph Eschenbach são bem acostumados ao afã de acompanhista, e eu os achei muito bem escalados ao longo desses álbuns: Eschenbach nos ciclos, que requerem um pouco mais de músculo pianístico, e Demus no Liederkreis de Heine e em obras de escritura pianística relativamente mais concisa, embora ele saiba lançar bem mão da pujança, como na famosa balada d’Os Dois Granadeiros. Esta, aliás, é uma das obras que aparecerão em duplicata, assim como a sublime Widmung (“Dedicatória”), o que espero que não lhes seja um problema.

O terceiro acompanhista é uma atração à parte: Vladimir Horowitz, que eu nunca antes ouvira acompanhar cantores, prestou-se a essa função junto a Fischer-Dieskau num concerto festivo em homenagem aos 85 anos do Carnegie Hall. Sinceramente, não sei como alguém ainda não teve a de lançá-lo comercialmente em separado, pois a parceria entre Fischer-Dieskau e Horowitz resultou na minha gravação favorita do ciclo. Como talvez o Dichterliebe tenha passado despercebido no miolo da colcha de retalhos daquele álbum, ou provavelmente alguns entre vós outros sentiram-se intimidados pela perspectiva de baixar um disco com Volodya, Rostropovich, Menuhin e Stern cantando, resolvi postar Dichterliebe separadamente para vocês.


Não – não estávamos exagerando.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Ciclo de canções sobre poemas de Joseph Eichendorff, Op. 39 (“Eichendorff-Liederkreis”)

1 – In der Fremde
2 – Intermezzo
3 – Waldesgespräch
4 – Die Stille
5 – Mondnacht
6 – Schöne Fremde
7 – Auf einer Burg
8 – In der Fremde
9 – Wehmut
10 – Zwielicht
11 – Im Walde
12 – Frühlingsnacht

Dichterliebe, ciclo de canções sobre textos do Lyrisches Intermezzo de Das Buch der Lieder de Heinrich Heine, Op. 48

13 – Im wunderschönen Monat Mai
14 – Aus meinen Tränen sprießen
15 – Die Rose, die Lilie, die Taube, die Sonne
16 – Wenn ich in deine Augen seh’
17 – Ich will meine Seele tauchen
18- Im Rhein, im heiligen Strome
19 – Ich grolle nicht
20 – Und wüßten’s die Blumen, die kleinen

Ciclo de canções sobre poemas de Heinrich Heine, Op. 24 (“Heine-Liederkreis”)

21 -Morgens steh’ ich auf
22 – Es treibt mich hin
23 – Ich wandelte unter den Bäumen
24 – Lieb’ Liebchen
25 – Schöne Wiege meine Leiden
26 – Warte, warte, wilder Schiffsmann
27 – Berg und Burgen schau’n herunter
28 – Anfangs wollt’ ich fast verzagen
29 – Mit Myrthen und Rosen

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Christoph Eschenbach, piano

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De Sechs Gedichte aus dem Liederbuch eines Malers, Op. 36
1 – No. 6: Liebesbotschaft
2 – No. 3: Nichts schöneres
3 – No. 4: An den Sonnenschein
4 – No. 1: Sonntags am Rhein, op. 36
5 – No. 5: Dichters Genesung

De Lieder und Gesänge, Op. 27
6 – No. 3: Was soll ich sagen?

De Drei Gesänge, op. 31
7 – No. 1: Die Löwenbraut

De Drei Gedichte, Op. 30
8 – No. 1: Der Knabe mit dem Wunderhorn
9 – No. 2: Der Page

De Myrthen, Op. 25
10 – No. 16: Rätsel, op.25
11 – No. 17: Venezianische Lieder
12 – No. 18: Venezianische Lieder

De Lieder und Gesänge, Op. 27
13 – No. 1: “Sag an, o lieber Vogel mein”
14 – No. 4: Jasminenstrauch, op. 27

De Myrthen, Op. 25
15 – No. 25: Aus den östlichen Rosen

De Lieder und Gesänge, Op. 27
16 – No. 5: “Nur ein laechelnder Blick”
17 – No. 2: “Dem roten Roesslein gleicht mein Lieb”

De Myrthen, Op. 25
18 – No. 22: Niemand
19 – No. 13: Hochländers Abschied
20 – No. 19: Hauptmanns Weib
21 – No. 2: Freisinn
22 – No. 8: Talismane
23 – No. 1: Widmung
24 – No. 3: Der Nussbaum
25 – No. 7: Die Lotosblume

De Vier Gesänge, Op. 142
26 – No. 2: “Lehn deine Wang”

De Romanzen und Balladen, Op. 64
27 – No. 3: Tragödie

De Fünf Lieder und Gesänge, Op. 127
28 – No. 2: Dein Angesicht

De Romanzen und Balladen, Op. 53
29 – No. 3: Der arme Peter

De Fünf Lieder und Gesänge, Op. 127
30 – No. 3: “Es leuchtet die Liebe”

31 – Belsatzar, Op. 57

De Romanzen und Balladen, Op. 49
32 – No. 1: “Die beiden Grenadiere”

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Jörg Demus, piano

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Heine-Liederkreis, Op. 24

1 -Morgens steh’ ich auf
2 – Es treibt mich hin
3 – Ich wandelte unter den Bäumen
4 – Lieb’ Liebchen
5 – Schöne Wiege meine Leiden
6 – Warte, warte, wilder Schiffsmann
7 – Berg und Burgen schau’n herunter
8 – Anfangs wollt’ ich fast verzagen
9 – Mit Myrthen und Rosen

De Spanisches Liederspiel, Op. 74
10 – No. 10: Der Kontrabandiste

De Liederalbum für die Jugend, Op. 74
11 – No. 7a: Zigeunerliedchen I (Unter die Soldaten)
12 – No. 7b: Zigeunerliedchen II (Jeden Morgen, in der Frühe)

De Spanische Liebeslieder, Op. 138
13 – No. 4: Tief im Herzen trag ich Pein

De Spanisches Liederspiel, Op. 74
14 – No. 6: Melancholie

De Lieder und Gesänge, Op. 51
15 – No. 6: Sehnsucht

De Spanisches Liederspiel, Op. 74
16 – No. 7: Geständnis

De Spanische Liebeslieder, Op. 138
17 – No. 3: O wie lieblich ist das Mädchen
18 – No. 7: Weh, wie zornig ist das Mädchen

De Drei Gedichte, Op. 30
19 – No. 3: Der Hidalgo

De Spanische Liebeslieder, Op. 138
20 – No. 5: Romanze

De Myrten, Op. 25
21 – No. 1: Widmung
22 – No. 3: Der Nussbaum
23 – No. 5: Lied aus dem Schenkenbuch I
24 – No. 6: Lied aus dem Schenkenbuch II
25 – No. 7: Die Lotosblume
26 – No. 24: Du bist wie eine Blume
27 – No. 15: Mein Herz ist schwer
28 – No. 21: Was will die einsame Träne
29 – No. 26: Zum Schluss

De Romanzen und Balladen, Op. 49
30 – No. 2: “Die feindlichen Brüder”

De Romanzen und Balladen, Op. 45
31 – No. 3: Abends am Strand

De Romanzen und Balladen, Op. 49
32 – No. 1: “Die beiden Grenadiere”

De Minnespiel, Op. 101
33 – No. 4: Mein schöner Stern

De Vier Gesänge, Op. 142
34 – No. 4: Wein Wagen rollet langsam

Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Jörg Demus, piano

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Dichterliebe, Op. 48

01 – Im wunderschönen Monat Mai
02 – Aus meinen Tränen sprießen
03 – Die Rose, die Lilie, die Taube, die Sonne
04 – Wenn ich in deine Augen seh’
05 – Ich will meine Seele tauchen
06- Im Rhein, im heiligen Strome
07 – Ich grolle nicht
08 – Und wüßten’s die Blumen, die kleinen

Dietrich Fischer-Dieskau,barítono
Vladimir Horowitz,
piano

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No centenário de Schumann, em 1956, a Alemanha Oriental lançou um selo comemorativo (acima) que trazia o retrato de Robert sobre, num célebre engano filatélico uma peça de Schubert. O erro foi corrigido, e o selo foi emitido com uma partitura de Schumann (abaixo). A canção de Schubert foi relativamente fácil de identificar: pela tonalidade incomum e pela letra, vi que era “Wandrers Nachtlied I”, D. 224. Será que algum dos leitores-ouvintes consegue descobrir qual das canções de Schumann ilustra o selo sem erros? Dica: ela faz parte de um dos ciclos que postamos hoje.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Obra completa para piano com pedaleira – Schmeding/Obra completa para órgão – Rothkopf – Zerfass

Em 1844, depois de acompanhar Clara numa turnê pela Rússia, Robert Schumann mergulhou outra vez em crise pessoal. Os sintomas depressivos agravaram-se e, tanto quanto eles, suas incertezas acerca de seu rumo profissional. A esposa, uma pianista de imenso sucesso e ocupadíssima carreira internacional, era a provedora da casa, e isso o incomodava muito. Do mesmo modo, duvidava de sua capacidade como compositor. Como panaceia para todas essas dificuldades, mergulhou em estudos de contraponto, debruçando-se especialmente sobre obras de Johann Sebastian Bach. Na mesma época, o conservatório de Leipzig adquirira um piano com pedaleira – um piano com uma série extra de cordas graves acionadas por um pedal, no feitio dos cravos e clavicórdios com pedaleira que já existiam há muito tempo, usados por organistas para estudos em casa. A coincidência entre seu interesse pelo contraponto e a descoberta desse novo instrumento inspirou Robert a um breve surto de composição para o mesmo, o que resultou em três séries de peças: os seis estudos, Op. 56; os quatro esboços, Op. 58; e seis fugas sobre o tema B-A-C-H (na notação alemã, si bemol-lá-dó-si natural), Op. 60.

O piano com pedaleira caiu rapidamente em desuso e, embora Schumann tenha declarado que esperava ser lembrado por apenas uma composição, e que ela era o Op. 60, as três coleções de peças para o instrumento também caíram no vale do oblívio, de lá resgatadas apenas por um que outro organista mais aventuroso. Com o advento da gravação fonográfica e o aperfeiçoamento de suas técnicas, que permitiram o registro da complexidade dos sons do órgão, as obras de Schumann para teclado com pedaleira tiveram alguma voga, mesmo porque seu conjunto cabia comodamente num LP.

O organista Martin Schmeding, que já as tinha no repertório, nunca se satisfez completamente com tocá-las em seu instrumento. Apesar das seis fugas soarem bastante idiomáticas ao órgão, com suas notas longas e muitos legatos, as duas outras séries pareciam exigir o piano, especialmente as do Op. 58, com seus mui pianísticos acordes em staccato. Além disso, sua experiência com o piano com pedaleiras restringia-se a algumas tentativas, que pouco o entusiasmaram, numa engenhoca moderna em que, diferentemente do instrumento que Schumann tinha em mente, dois imensos pianos de cauda são acoplados por um mecanismo bolado por alguém que certamente tem muita imaginação e pianos de sobra em sua casa.

 

Fala sério

O desinteresse de Schmeding pelo piano com pedaleira durou até que, numa viagem a Bélgica, ele encontrou um piano de desenho semelhante àquele do conservatório de Leipzig e, melhor ainda, em condições de ser tocado. Rapidamente, então, organizou esta gravação, que é a primeira integral das obras de Schumann para esse raro instrumento, mais de cento e sessenta anos depois de sua composição.


Schmeding decidiu colocar os microfones dentro do instrumento, perto dos pedais. Isso ajudaria os ouvintes a apreciarem as qualidades únicas do piano com pedaleira, a despeito de um que outro ruído de marcenaria e o dos próprios pés do pianista. Para termos de comparação, incluiu também três versões da mesma peça – o breve cânone das “Folhas de Álbum”, Op. 124 – com diferentes posições do microfone, para demonstrar as diferenças na captação do som e dos efeitos atingidos pelo instrumento. A interpretação é muito competente e clara, extremamente desromantizada, e deixa claro que as fugas, como já dissemos, soam bem melhor quando realizadas no órgão.

Dessa feita, também resolvi trazer-lhes duas gravações feitas em órgãos. A primeira é a de Andreas Rothkopf, no órgão histórico da igrejinha de Hoffenheim, com muita clareza na execução e tino na escolha dos registros, preferindo aqueles evocativos dos sopros de madeira, resultando numa interpretação muito bonita e calorosa, sem grandes arroubos. Quem preferir órgãos com baixos poderosos e mais tonitruância preferirá a gravação de Dan Zerfaß no instrumento moderno da grande catedral de Worms, com maior variedade de registros e uma ressonância bem mais parruda. Embora a primeira seja minha preferida, acho que a segunda tem mais potencial de conquistar novos ouvintes para essas obras tão pouco conhecidas. Assim, recomendo que comecem por Schmeding, sigam com Zerfaß, concluam com Rothkopf, e depois me digam se não é mesmo de se lamentar que Schumann não tenha escrito mais para esses instrumentos.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Studien für den Pedalflügel, Op. 56
01 – No. 1 em Dó maior
02 – No. 2 em Lá menor
03 – No. 3 em Mi maior
04 – No. 4 em Lá bemol maior
05 – No. 5 em Si menor
06 – No. 6 em Si maior

De Albumblätter, Op. 124
07 – No. 20: Canon

Skizzen für den Pedalflügel, Op. 58
08 – No. 1: Nicht schnell und sehr markiert
09 – No. 2: Nicht schnell und sehr markiert
10 – No. 3: Lebhaft
11 – No. 4: Allegretto

De Albumblätter, Op. 124
12 – No. 20: Canon

Seis fugas sobre B-A-C-H, Op. 60
13 – No. 1: Langsam
14 – No. 2: Lebhaft
15 – No. 3: Mit sanften Stimmen
16 – No. 4: Mässig, doch nicht zu langsam
17 – No. 5: Lebhaft
18 – No. 6. Mässig, nach und nach schneller

De Albumblätter, Op. 124
19 – No. 20: Canon

Martin Schmeding, piano com pedaleira

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Skizzen für den Pedalflügel, Op. 58
01 – No. 1: Nicht schnell und sehr markiert
02 – No. 2: Nicht schnell und sehr markiert
03 – No. 3: Lebhaft
04 – No. 4: Allegretto

Studien für den Pedalflügel, Op. 56
05 – No. 1 em Dó maior
06 – No. 2 em Lá menor
07 – No. 3 em Mi maior
08 – No. 4 em Lá bemol maior
09 – No. 5 em Si menor
10 – No. 6 em Si maior

Seis fugas sobre B-A-C-H, Op. 60
11 – No. 1: Langsam
12 – No. 2: Lebhaft
13 – No. 3: Mit sanften Stimmen
14 – No. 4: Mässig, doch nicht zu langsam
15 – No. 5: Lebhaft
16 – No. 6. Mässig, nach und nach schneller

Andreas Rothkopf, órgão da igreja evangélica de Hoffenheim, Alemanha (1846)
Construtor: Eberhard Friedrich Walcker (1794-1872)

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Studien für den Pedalflügel, Op. 56
01 – No. 1 em Dó maior
02 – No. 2 em Lá menor
03 – No. 3 em Mi maior
04 – No. 4 em Lá bemol maior
05 – No. 5 em Si menor
06 – No. 6 em Si maior

Skizzen für den Pedalflügel, Op. 58
07 – No. 1: Nicht schnell und sehr markiert
08 – No. 2: Nicht schnell und sehr markiert
09 – No. 3: Lebhaft
10 – No. 4: Allegretto

Seis fugas sobre B-A-C-H, Op. 60
11 – No. 1: Langsam
12 – No. 2: Lebhaft
13 – No. 3: Mit sanften Stimmen
14 – No. 4: Mässig, doch nicht zu langsam
15 – No. 5: Lebhaft
16 – No. 6. Mässig, nach und nach schneller

Dan Zerfaß, órgão da catedral de São Pedro em Worms, Alemanha (1985)
Construtor: Johannes Klais Orgelbau GmbH, Bonn

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Isso a Globo não mostra

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Lieder, transcritos para piano por Clara Schumann (1819-1896) – Garben


Dia dos Namorados? Nah, só aqui no Brasil. É véspera do dia de Santo Antônio e, mais que isso, aquela efeméride marqueteira inventada para que as pessoas consumam alguma coisa em junho, pois o Dia de São Valentim é em fevereiro, no meio das férias, época ruim para consumo, e porque abril já tem a Páscoa e maio já tem as noivas e o Dia das Mães, e julho… Bem, julho já é de férias de novo, então o melhor seria que realmente os casais enchessem os restaurantes e fizessem fila no motel em junho mesmo, nem que fosse para dar o pretexto a Vassily para, pela primeira e provavelmente última vez, escrever a palavra “motel” aqui no PQP Bach.

Eu ligo tchongas para o Dia dos Namorados, mas já que estamos em nosso minifestival Schumann, escolhi como música de fundo para os arrulhos dos pombinhos que o celebram essas bonitas canções de Robert, habilmente transcritas por Clara para o piano, e aqui interpretadas por Cord Garben, um bom pianista que ficou mais conhecido como produtor e gerente de egos da Deutsche Grammophon.

Apesar de todas aparências, e de toda fama que granjearam como Casal 20 (termo que atesta minha velhice) da música de concerto, a relação entre Clara e Robert não tinha calmarias. A casa dos Schumann sempre oscilou entre brasas e chamas: Robert era devotamente apaixonado pela esposa, mas extremamente possessivo, o que se agravava ainda mais pelo fato de Clara, uma das melhores pianistas da Europa, excursionar extensamente e com muita frequência. Dóia-lhe em especial na machidão, também, o fato da esposa ser tanto a provedora da casa quanto a Schumann famosa no mundo da época. Clara, por sua vez, sempre teve foi muito crítica a Robert como compositor, e a tal ponto que, com algumas exceções, só incorporou as obras dele ao seu repertório depois de enviuvar. Nos quarenta anos em que viveu sem ele, dedicou-se à preservação de seu legado, não sem dar chá de sumiço em algumas partituras que considerava indignas de serem lembradas, o que levou muito papel para a fogueira, enquanto batalhava para sustentar os sete filhos que sobreviveram à infância, e aos netos que os filhos lhe traziam.

Essas transcrições que ora lhes alcanço, em sua maior parte feitas depois da morte de Robert, são tão fiéis ao seu texto e essenciais quanto poderiam ser. Não há aqui a grandiloquência, nem os arroubos prestidigitadores de tantas das transcrições de Liszt, feitas para o húngaro brilhar nos palcos. Clara, ao contrário, lançou mão de sua sabedoria pianística para incorporar a melodia do canto àquele que é, com raras exceções, o acompanhamento original de Schumann. Essas apaixonadas canções sem palavras, muitas delas compostas naquele incrível “Ano das Canções” do 1840, são um sensível memorial de Clara para Robert – talvez a sonhar com um amor como o de “Widmung”, poema que abre a coleção “Myrthen”:

“Du meine Seele, du mein Herz,
Du meine Wonn’, O du mein Schmerz,
Du meine Welt, in der ich lebe,
Mein Himmel du, darein ich schwebe,
O du mein Grab, in das hinab
Ich ewig meinen Kummer gab”

 

“Tu, minha alma; tu, meu coração,
Tu, meu prazer; oh tu, minha dor,
Tu, meu mundo, no qual eu vivo,
Meu céu, tu – no qual flutuo,
Tu és o túmulo onde sepultei
Minhas mágoas para sempre”

 

 

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Transcrições para piano de Clara Josephine SCHUMANN (1819-1896)

1 – Widmung, Op. 25 no.1: “Du meine Seele, du mein Herz”
2 – Dein Angesicht, Op. 127 no. 2: “Dein Angesicht, so lieb und schön”
3 – Er, der Herrlichste von allen, Op. 42 no. 2
4 – Du bist wie eine Blume, Op. 25 no. 24
5 – Der Nussbaum, Op. 25 no. 3: “Es grünet ein Nussbaum vor dem Haus”
6 – Singet nicht in Trauertönen, Op. 98a no. 7 (Philinens Lied)
7 – Ich wandre nicht, Op. 51 no. 3
8 – Sehnsucht, Op. 51 no. 1: “Ich blick in mein Herz und ich blick in die Welt”
9 – Helft mir, ihr Schwestern, Op. 42 no. 5
10 – Die Lotosblume, Op. 25 no. 7: “Die Lotosblume ängstigt sich vor der Sonne Pracht”
11 – Nichts schöneres, Op. 36 no. 3: “Als ich zuerst dich hab gesehn”
12 – Märzveilchen, Op. 40 no. 1: “Der Himmel wölbt sich rein und blau”
13 – Sonntags am Rhein, Op. 36 no. 1: “Des Sonntags in der Morgenstund”
14 – Mit Myrthen und Rosen, Op. 24 no. 9
15 – Berg und Burgen schau’n herunter, Op. 27 no. 7
16 – Dem roten Röslein gleicht mein Lieb, Op. 27 no. 2
17 – In der Fremde, Op. 39 no. 1: “Aus der Heimat hinter den Blitzen rot”
18 – Intermezzo, Op. 39 no. 2: “Dein Bildnis wunderselig”
19 – Mondnacht, Op. 39 no. 5: “Es war, als hätt’ der Himmel”
20 – Frühlingsnacht, Op. 39 no. 12: “Über’n Garten durch die Lüfte”
21 – Rose, Meer und Sonne, Op. 37 no. 9: “Rose, Meer und Sonne sind ein Bild der Liebsten mein”
22 – Der Knabe mit dem Wunderhorn, Op. 30 no. 1: “Ich bin ein lust’ger Geselle”
23 – Er ist’s, Op. 79 no. 23: “Frühling läßt sein blaues Band'”
24 – An den Sonnenschein, Op. 36 no. 4: “O Sonnenschein! Wie scheinst du mir…”
25 – Ständchen, Op. 36 no. 2: “Komm in die stille Nacht…”
26 – Die Stille, Op. 39/4: “Es weiß und rät es doch keiner”
27 – Volksliedchen, Op. 51 no. 2: “Wenn ich früh in den Garten geh'”
28 – Geständnis, Op. 74 no. 7: “Also lieb ich euch”

Cord Garben, piano

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Para que não fiquem achando que eu não gosto das transcrições de Liszt, aqui está Nelson Freire tocando – à primeira vista! – a bonita transcrição de Franz para “Widmung”. Quem lhe vira as páginas é sua ultra-amiga Martha Argerich, que faz uma participação muito especial do documentário “Nelson Freire”, de Walter Salles, do qual esse vídeo é um extra.

 


Instigada por Nelson, Martha incorporou a transcrição de “Widmung” a seu repertório e passou a tocá-lo como bis – como fez no ano passado para esses felizardos na Itália. Sua leitura, expressiva e brilhante, é extraordinária – como tudo o que vem dela…


… e que não reparem nas águas-vivas no fundo e nos cortes no começo e no fim do vídeo: Jessye Norman era o de que melhor havia no planeta, e sua interpretação de “Widmung” nunca deixa meus olhos secos.

Vassily

#SCHMNN210 – Niccolò Paganini (1782-1840): Caprichos para violino, Op. 1, com acompanhamento de piano por Robert Schumann – Garrett – Canino

Depois da tomatina que deve ter chovido sobre Robert ontem, quando aqui revelamos sua inana, ainda que bem intencionada tentativa de engrossar um pouco o que se achava ser o ralo caldo das sonatas e partitas para violino de J. S. Bach, vocês tirarão esse CD de letra.

Uma porque os caprichos de Paganini, apesar de todas suas qualidades, não merecem ser mencionados na mesma frase que as supremas obras-primas que ontem publicamos, também com um acompanhamento para piano proposto por Schumann.

Outra porque Paganini, mesmo ao criar praticamente uma enciclopédia dos recursos então conhecidos ao instrumento, não teve interesse particular em explorar sua escrita polifônica, como Bach fez genialmente em suas seis criaturas, de modo que um acompanhamento para piano para os caprichos parece mais útil e muito menos redundante.

Inda outra porque Schumann, aqui, se deu o trabalho de elaborar um pouco mais a parte para piano, que sublinha e comenta – algo pachorrentamente, é verdade – as ideias expostas pelo violino, enquanto este se estrebucha em suas cordas e quase arrebenta suas costuras para dar voz às medonhas dificuldades propostas por Paganini.

E a última, talvez a mais importante: o violinista da gravação que ora lhes apresentamos, David Garrett, é muito competente e, depois que deixou de lado o terno furta-cor e o cabelinho nerd da capa do disco e arranjou um megahair e um nicho na milionária indústria do crossover, ficou realmente muito gato – tão gato que faz uma cara igual à do meu bichano quando fareja ferormônios.


O gatão Garrett, claro, passa muito mais trabalho que seu colega Canino (trocadilho do ano, hein?), e o resultado acaba sendo mais recomendável que a gravação que postamos ontem. Talvez o próprio Garrett tenha se enfastiado com a contribuição de Schumann e, por isso, decidiu tocar sozinho o célebre capricho final. Antes que os completistas fiquem contrariados, informamos que o inesquecível Jascha Heifetz será convidado a tocar, com Emanuel Bay, a peça faltante e fechar a fatura. Ok, eu sei que é sabotagem botar qualquer violinista para tocar antes de Heifetz, mas Garrett é lindo e rico, e eu nada disso, de modo que uso as pobres armas que tenho para destilar minha amarga inveja.

A quem estranhar as diferenças na parte de violino, peço que não culpem o grande Jascha, e sim Leopold Auer, seu professor e editor da publicação dos caprichos usada neste filme. E para quem quiser conhecer os caprichos in natura, ou refrescar os ouvidos revisitando-os após a intervenção de Schumann, restaurei os links para duas das melhores gravações que deles temos no acervo pequepiano: aquela com o brilhante Ilya Kaler, um mestre que é menos conhecido do que merece, e a outra, com Shlomo Mintz (uma terceira, minha favorita, com a incrível Julia Fischer, segue firme no ar).

Niccolò PAGANINI (1782-1840)

Vinte e quatro caprichos para violino solo, Op. 1

Acompanhamento para piano composto por
Robert Alexander SCHUMANN
(1810-1856)

01 – Andante (Mi maior)
02 – Moderato (Si menor)
03 – Sostenuto – Presto – Sostenuto (Mi menor)
04 – Maestoso (Dó menor)
05 – Agitato (Lá menor)
06 – Lento (Sol menor)
07 – Posato (Lá menor)
08 – Maestoso (Mi bemol maior)
09 – Allegretto (Mi menor)
10 – Vivace (Sol menor)
11 – Andante – Presto – Tempo I (Dó maior)
12 – Allegro (Lá bemol maior)
13 – Allegro (Si bemol maior)
14 – Moderato (Mi bemol maior)
15 – Posato (Mi menor)
16 – Presto (Sol menor)
17 – Sostenuto – Andante (Mi bemol maior)
18 – Corrente – Allegro (Dó maior)
19 – Lento – Allegro assai (Mi bemol maior)
20 – Allegretto (Ré maior)
21 – Amoroso – Presto (Lá maior)
22 – Marcato (Fá maior)
23 – Posato (Mi bemol maior)
24 – Tema, quasi Presto – Variazioni – Finale (Lá menor)

David Garrett, violino
Bruno Canino, piano

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Vassily

#SCHMNN210 – Johann Sebastian Bach (1685-1750): Sonatas e Partitas para violino, com acompanhamento de piano por Robert Schumann – Bedelian – Griffitt

Nenhuma festa de aniversário é completa sem que se fale mal do aniversariante, não é mesmo?

Então vamos falar mal de Robert: em algum momento de sua vida, ele resolveu seguir a voga e adicionar acompanhamento de piano a obras alheias. Não contente, olhou para sua prateleira de partituras e, fuçando a aba “Bach, J. S.”, dela catou um volume em que toda música se resumia a uma parte em clave de sol e, incontinenti, pôs-se a completar aquela paçoca com as carninhas de acordes e baixos que, pensava ele, tanto lhe faltavam.

O resultado é o que vocês aqui ouvem: do Alfa e do Ômega da Música, do maior gênio que já viveu neste triste planeta, do imenso Johann Sebastian Bach, as sacrossantas sonatas e partitas para violino – às quais não se pode apor o “solo”, porque aqui estão com… acompanhamento de piano.

Admito que o conceito, que me sugeriu uma ultrajante pichação, me foi muito pior que o que de fato ouvi: uma parte para piano realmente supérflua, a realizar alguns dos acordes e notas que o Demiurgo, numa de suas obras supremas, um exercício de contingências ao compor polifonicamente para um instrumento mormente monófono, resolvera tão só sugerir ao ouvinte.

Se há algum mérito nela, é o de que a contribuição de Schumann não é pervasiva. Com alguns minutos de audição, conseguimos nos acostumar a elas e pescar, vá lá, um que outro arroubo criativo nela. Advirto, no entanto, que é especialmente duro ouvir as geniais fugas das sonatas com a camada de pichação pianística – ao passo que a Chacona, talvez o ponto mais alto de toda Música, é menos pior do que se espera.

Para quem não me acusem de anacronismos, dou o braço a torcer: Schumann adorava Bach e escreveu o acompanhamento para suas obras com as melhores intenções. Apesar de amplamente reconhecido entre seus colegas músicos como um dos maiores mestres do passado, a redescoberta de suas obras para o público musical em geral – impulsionada por Felix Mendelssohn, que apresentou a Paixão segundo Mateus com imenso sucesso em Berlim – ainda era incipiente. Muitas das obras para instrumentos solo, incluindo quase toda literatura para teclado e as suítes, sonatas e partitas para cordas, eram tidas como obras-primas e valioso material de estudo, mas pouco apeteciam às plateias acostumadas a ver Liszts e Paganinis (mais sobre ele em breve) rugirem com seus instrumentos. Assim, entendemos os esforços de Robert como uma amorosa e, a meu ouvir, inana tentativa de tornar as grandes obras do velho Bach mais atraentes e, quiçá, menos estranhas aos ouvidos de sua época. Sua reverência ao mestre era tão grande que seu acompanhamento foi publicado exatamente como tal: somente uma partitura para piano, com pequenos excertos da parte de violino impressos em tipo miúdo para servirem como deixas ao intérprete. E, se vocês perceberem alguma diferença entre o que o violinista aqui tocar e o que estão acostumados a ouvir, não culpem o pobre Robert, e sim a edição das obras de Bach que ele tinha à disposição na época, com indicações dinâmicas e interpretativas acrescentadas por outrem, à qual ainda não se adicionara o valioso produto do trabalho musicológico que culminaria com as primeiras edições críticas da obra do Maior de Todos.

Os intérpretes nesta gravação desincumbem-se direitinho da tarefa inglória. O violinista Bedelian, cuja nacionalidade não descobri, mas que é de origem armênia e fez carreira no Reino Unido e nos Estados Unidos, dá algum tempero romântico – ma non troppo – aos frutos de Bach, a despeito de algumas barbeiradinhas, enquanto Lorna (adoro o nome!) Griffitt transpira bastante menos com a parte de Schumann. Baixem, ouçam, odeiem – e aproveitem para falar mal do aniversariante, que em breve voltamos com suas obras-primas. Ah – e quem achar que precisa de desinfetante para os ouvidos depois do que escutar, ofereço a restauração de duas postagens das sonatas e partitas in natura: uma com violino barroco, por John Holloway, e outra com violino moderno, por Christian Tetzlaff.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Sonatas e partitas para violino solo, BWV 1001-1006

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Acompanhamento para as sonatas e partitas de J. S. Bach para piano, WoO 8

Sonata no.1 em Sol menor para violino solo, BWV 1001
1 – Adagio
2 – Fuga
3 – Siciliana
4 – Presto

Partita no.1 in Si menor para violino solo, BWV 1002
5 – Allemanda
6 – Double
7 – Corrente
8 – Double
9 – Sarabande
10 – Double
11 – Tempo di Borea
12 – Double

Sonata no.2 in Lá menor para violino solo, BWV 1003
13 – Grave
14 – Fuga
15 – Andante
16 – Allegro

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DISCO 2

Partita no. 2 em Ré menor para violino solo, BWV 1004
1 – Allemanda
2 – Corrente
3 – Sarabanda
4 – Giga
5 – Ciaccona

Sonata no.3 em Dó maior para violino solo, BWV 1005
6 – Adagio
7 – Fuga
8 – Largo
9 – Allegro assai

Partita no.3 em Mi maior para violino solo, BWV 1006
10 – Preludio
11 – Loure
12 – Gavotte en Rondeau
13 – Menuet I
14 – Menuet II
15 – Bourrée
16 – Gigue

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Haroutune Bedelian, violino
Lorna Griffitt, piano


Para quem odiou o bedelho de Schumann e quiser ouvir Johann Sebastian sans Robert, recomendo “Bach in Tiradentes”, o primeiro registro em DVD das Sonatas e Partitas completas do Colosso de Eisenach, em que o mesmo Haroutune Bedelian interpreta, sem piano, as mesmas obras na belíssima igreja de Santo Antônio em Tiradentes, Minas Gerais.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Liederkreis, Op. 39 – Frauenliebe und -leben, Op. 42 – Norman – Gage

1840 foi o Liederjahr (“Ano das Canções”) de Schumann, marcado pela impressionante enxurrada de dezenas de Lieder do mais alto nível. O motivo para tamanha torrente de canções, numa carreira até então dedicada quase que exclusivamente a composições para o piano, foi certamente o desenlace da longa batalha judicial para casar-se com Clara, filha de Friedrich Wieck, que se opunha com ferocidade hidrófoba à união dos dois. Os poemas escolhidos por Schumann exprimem com constrição e frequente desesperança as incertezas quanto aos seus rumos com Clara, bem como os ideais que tinha para a vida com a amada. Seu empenho em casar-se foi enfim recompensado em 12 de setembro de 1840 – a véspera do aniversário de 21 anos de Clara e de sua maioridade legal. A postura de casar-se no último dia em que ela precisaria do consentimento do pai foi uma das incontáveis demonstrações do teimoso apego de Robert a seus princípios e de sua disposição em encarar todas contendas para defendê-los.

A amada, certamente, foi a inspiração para Frauenliebe und -Leben, o primeiro dos frutos daquele milagroso 1840 que lhes oferecemos hoje. Baseado em poemas do pitoresco poeta-botânico-milico franco-alemão Adelbert von Chamisso, o ciclo conta, do ponto de vista feminino, a história de uma relação desde o primeiro encontro (“Desde que eu o vi”) até a viuvez (“Hoje me causaste dor pela primeira vez”). Essas oito canções devem ter soado dolorosamente irônicas para Clara, a cuja carreira Robert muito se opôs, ainda que ela fosse o arrimo da casa e dos sete filhos, e a quem Robert muitas dores causou antes de perder seu juízo e sua vida. A dor da ironia só deve ter aumentado nos quarenta anos de viuvez, em que nunca largou as cores de luto e muito se dedicou à preservação do legado do marido.

O outro ciclo, redundantemente conhecido como Liederkreis (er, “Ciclo de Canções”), é uma das duas coleções de canções com esse título na schumanniana. O que alcanço hoje a vocês, do Op. 39, é conhecido como “Eichendorff Liederkreis”, por basear-se na coleção de poemas “Intermezzo” de Joseph Eichendorff, um dos grandes nomes do romantismo alemão. As doze canções descrevem as impressões do poeta sobre diferentes paisagens, que Schumann consegue evocar com muita sutileza, lançando mão duma rica e independente escritura pianística que não só acompanha, mas sublinha, comenta e – nos frequentes poslúdios em que o piano encerra sozinho uma canção – amplifica e arremata as evocações feitas pela voz.

E, já que falamos em voz, esta que ora lhes trago é das mais extraordinárias que já vieram a este pobre globo cacofônico. Sim, Jessye Norman (1945-2019) era tudo isso e, paralelamente à brilhante carreira em ópera, foi uma camerista muito versátil. É incrível ouvi-la modular seu poderoso instrumento vocal para exprimir com tanta delicadeza, e tão fascinante dicção, os tantos constritos sussurros prescritos por Schumann ao cantor que lhe empresta a voz. Quem só conhece Jessye pela potência de Carmens, Salomés e Isoldes ficará surpreso com essa faceta mais comedida de seu talento, aqui congenialmente acompanhado pelo também saudoso Irwin Gage (1939-2018).

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Frauenliebe und -Leben, ciclo de canções sobre poemas de Adelbert von Chamisso, Op. 42

1 – Seit ich ihn gesehen
2 – Er, der herrlichste von Allen
3 – Ich kann’s nicht fassen, nicht glauben
4 – Du Ring an meinem Finger
5 – Helft mir, Ihr Schwestern
6 – Süßer Freund, du blickest mich verwundert an
7 – An meinem Herzen, an meiner Brust
8 – Nun hast du mir den ersten Schmerz getan

Liederkreis, ciclo de canções sobre poemas de Joseph Eichendorff, Op. 39 (“Eichendorff-Liederkreis”)

9 – In der Fremde
10 – Intermezzo
11 – Waldesgespräch
12 – Die Stille
13 – Mondnacht
14 – Schöne Fremde
15 – Auf einer Burg
16 – In der Fremde
17 – Wehmut
18 – Zwielicht
19 – Im Walde
20 – Frühlingsnacht

Jessye Norman, soprano
Irwin Gage, piano

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Saudades – atrozes saudades

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Dichterliebe, Op. 48 – Ludwig van Beethoven (1770-1827): Lieder – Franz Schubert (1797-1828): Lieder – Wunderlich – Giesen #BTHVN250

Hoje, aniversário de Schumann, nosso bolo de duzentas e dez velinhas vai-lhe na forma duma das mais preciosas gravações de sua obra-prima: os divinos Lieder do Dichterliebe no mais lindo instrumento vocal que a Alemanha já pariu.

Sim, Fritz Wunderlich era tudo isso, e nós outros, seus tietes, ficamos aqui a imaginar o que ele teria sido se tivesse atingido a maturidade artística, e não sucumbido a um acidente doméstico idiota antes de completar 36 anos. Seu Dichterliebe está à altura da elevada poesia de Heine e da música congenial do aniversariante de hoje e, mesmo que eu tenha conhecido a obra através da voz emblemática de Fischer-Dieskau, certamente o maior camerista de todos os tempos, o expressivo tenor de Wunderlich me deu a mais amada gravação deste ciclo que eu tanto amo.

Fica difícil ouvir qualquer outra coisa depois dum Dichterliebe desses, mas a gravação segue com alguns dos melhores Lieder de duas feras. Primeiramente, do herói de nossa saga BTHVN250, vocês escutarão a mesma seleção que vocês já ouviram aqui, mas com um som um pouquinho melhor, com destaque para a maravilhosa Adelaide e para a pérola cômica Der Kuss, uma arieta a narrar a história dum beijo roubado, composta entre os trabalhos das intrincadas Variações Diabelli e da mastodôntica Missa Solemnis. Por fim, uma significativa seleção do mestre maior do gênero, Franz Schubert, que encerra com meu Lied favorito, An die Musik, que aqueles entre vocês que não me odeiam poderão cantar em minha tumba – isso, claro, se eu tiver direito a uma, e se dela não brotar uma flor púrpura a gritar “Adelaide”.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Dichterliebe, ciclo de canções sobre textos do Lyrisches Intermezzo de Das Buch der Lieder de Heinrich Heine, Op. 48

1 – Im wunderschönen Monat Mai
2 – Aus meinen Tränen sprießen
3 – Die Rose, die Lilie, die Taube, die Sonne
4 – Wenn ich in deine Augen seh’
5 – Ich will meine Seele tauchen
6 – Im Rhein, im heiligen Strome
7 – Ich grolle nicht
8 – Und wüßten’s die Blumen, die kleinen
9 – Das ist ein Flöten und Geigen
10 – Hör ich das Liedchen klingen
11 – Ein Jüngling liebt ein Mädchen
12 – Am leuchtenden Sommermorgen
13 – Ich hab’ im Traum geweinet
14 – Allnächtlich im Traume
15 – Aus alten Märchen
16 – Die alten, bösen Lieder

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

17 – Zärtliche Liebe, WoO 123
18 – Adelaïde, Op.46
19 – Resignation, WoO 149
20 – Der Kuss, Op.128

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)

21  – An Sylvia, Op. 106 No. 4, D. 891
22 – Lied eines Schiffers an die Dioskuren, Op.65, D.360
23 – Liebhaber in allen Gestalten, D.558
24 – Der Einsame, Op.14, D.800
25 – Im Abendrot, D.799
26 – Schwanengesang, D. 957 – Ständchen “Leise flehen meine Lieder”
27 – An die Laute, Op.81, No.2, D. 905
28 – Der Musensohn, Op.92, No.1, D. 764
29 – An die Musik, Op.88, No.4, D.547

Fritz Wunderlich, tenor
Hubert Giesen, piano

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Wie geht’s, Hund?

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Genoveva, Op. 81 – Ziesak – Widmer – van der Walt – Lipovšek – Quasthoff – Harnoncourt


Muito estranho que uma das pessoas que mais lindamente escreveram para a voz humana tenha escrito apenas uma ópera, e que ela tenha sido um retumbante fracasso.

“Genoveva”, baseada numa lenda medieval, ocupou a imaginação de Schumann depois de sua mudança de Leipzig para Dresden. Na nova cidade, conheceu Richard Wagner, que trabalhava em seu “Lohengrin”. Apesar de desencorajar Robert em seus intentos operísticos por conta da precariedade do libreto, Wagner acabou por ter importante influência na concepção da peça, inteiramente posta em música, com temas que, se não são Leitmotive estritos, associam-se frouxamente a personagens, e sem grandes árias e duetos para o brilho dos solistas.

Por não a conseguir estrear em Dresden, conduziu-a em Leipzig,  no mesmo 1850 em que o “Lohengrin” estreou com imenso sucesso em Weimar. “Genoveva” teve uma acolhida gélida e foi tirada de cartaz após meras três apresentações, jogando uma pá de cal, sepultando e selando com concreto quaisquer outros planos operísticos de Schumann.

Se “Genoveva” é cheia das belíssimas melodias dum genial compositor de Lieder – Schumann chega mesmo a acrescentar poslúdios aos números vocais, da mesma forma que em muitas de suas maiores canções -, por outro lado ela padece dum enredo esquemático e de frouxidão dramática. O libreto, iniciado por seu amigo Robert Reinick e terminado pelo próprio compositor, é amplamente apontado como seu maior problema. Schumann, afinal, nunca se interessou realmente por ópera e, desconhecendo o gênero, o meio e os bastidores, não se surpreende que não tivesse a menor ideia de como escrever para o palco. Há quem defenda que “Genoveva” talvez funcionasse melhor como oratório, mas seu relativo esquecimento torna difícil de trazer a questão a qualquer mérito. As raras encenações modernas foram bem sucedidas, e houve um número razoável de gravações nas últimas décadas, de modo que podemos estender a “Genoveva” nossa generosa mão para tirá-la do fosso do fracassos e dar-lhe uma merecida chance, cheia de bons momentos e muitas belezas que ela é.

Um dos mais entusiasmados defensores de “Genoveva” foi Nikolaus Harnoncourt, que conduziu várias montagens, das quais minha favorita é esta, com Ruth Ziesak no papel-título, uma voz delicada e angelical que parece criada à medida para a mocinha. Oliver Widmer, como Siegfried, lembra Fischer-Dieskau, se não no timbre, na ótima articulação e dicção impecável. O time de vilões inclui, incomumente, um tenor, aqui o sul-africano Deon van der Walt, infelizmente falecido numa tragédia familiar, e pela imensa voz da eslovena Marjana Lipovšek, que quase engole o luminoso Heldentenor de van der Walt como a feiticeiresca Margaretha. O ponto alto, para mim, como sói acontecer com tudo o que envolve esse maravilhoso artista, é a infelizmente breve participação de Thomas Quasthoff num papel secundário, o do mordomo Drago. Harnoncourt garante que tudo fique bem redondinho, numa performance muito bem ensaiada, com notáveis participações do ótimo Arnold Schoenberg Chor.

O enredo: na metade do século VIII, Siegfried, Eleitor do Palatinado, vai lutar com Charles Martel, rei dos francos, e deixa sua esposa Genoveva sob os cuidados de seu criado e amigo Golo, que secretamente a deseja. Quando Genoveva rechaça seu assédio, Golo monta uma cilada para acusá-la de adultério, com a assistência de sua antiga babá, Margaretha, e do mordomo Drago, que é morto por Golo e acusado de ser o amante de Genoveva. Siegfried retorna das batalhas e, acreditando no embuste, condena a esposa à morte. No entanto, o fantasma (!) de Drago aterroriza Margarethe a ponto de fazê-la confessar a verdade, o que leva Siegfried a comutar a sentença de Genoveva, que o perdoa, enquanto Golo se suicida. O libreto, que como já foi dito não é lá grandes coisas, não fará lá muita falta a vocês. Quem entender alemão poderá acompanhá-lo aqui, enquanto os hispanohablantes poderão se divertir ali.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

“Genoveva”, ópera em quatro atos, Op. 81

Libreto de Robert Reinick e do compositor, baseado em “Genoveva” de Friedrich Hebbel e “Leben und Tod der heiligen Genoveva” de Ludwig Tieck

1 – Abertura

PRIMEIRO ATO

2 – “Erhebet Herz und Hande” (Hidulfus)
3 – “Könnt ich mit ihnen” (Golo)
4 – “So wenig Monden erst, dass ich dich fand” (Siegfried, Genoveva)
5 – “Dies gilt uns!” (Siegfried, Drago, Genoveva, Golo)
6 – “Auf, auf, in das Feld!” (Genoveva, Siegfried, Golo)
7 – “Der rauhe Kriegsmann!”
8 – “Sieh da, welch feiner Rittersmann!” (Margaretha, Golo)

SEGUNDO ATO

9 – “O weh des Scheidens, das er tat!” (Genoveva, Golo)
10 – “Wenn ich ein Vöglein war” (Genoveva, Golo)
11 – “Dem Himmel dank, dass ich Euch finde” (Drago, Golo, Margaretha, Genoveva)
12 – “O Du, der über alle wacht” (Genoveva)
13 – “Sacht, sacht, aufgemacht!” (Balthasar, Genoveva, Golo, Drago, Margaretha)

TERCEIRO ATO

14 – “Nichts halt mich mehr” (Siegfried, Margaretha)
15 – “Ja, wart du bis zum jungsten Tag” (Siegfried, Golo)
16 – “Ich sah ein Kind im Traum” (Margaretha, Siegfried, Golo)
17 – “Erscheint! … Abendlufte kuhlend weh’n” (Margaretha, Siegfried, Golo, Fantasma de Drago)

QUARTO ATO

18 – “Steil und steiler ragen die Felsen” (Genoveva, Balthasar, Caspar)
19 – “Kennt Ihr den Ring?” (Golo, Genoveva, Caspar, Balthasar)
20 – “Weib, heuchelt nicht” (Balthasar, Genoveva, Caspar, Margaretha, Siegfried)
21 – “O lass es ruh’n, dein Aug, auf mir!” (Siegfried, Genoveva)
22 – “Bestreut den Weg mit grunen Mai’n”
23 – “Seid mir gegrüsst nach schwerer Prufung” (Hidulfus, Genoveva, Siegfried)

Genoveva, esposa de Siegfried –  Ruth Ziesak, soprano
Golo, mordomo de Siegfried – Deon van der Walt, tenor
Siegfried, Conde de Brabant – Oliver Widmer, barítono
Hidulfus, bispo de Trier – Rodney Gilfry, barítono
Margaretha, uma criada –  Marjana Lipovšek, soprano
Drago, um velho criado – Thomas Quasthoff, baixo
Arnold Schoenberg Chor
Chamber Orchestra of Europe
Nikolaus Harnoncourt, regência

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Uma montagem bastante hemática de “Genoveva” em Zurique.

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): «Manfred», poema dramático em três partes, de Lord Byron, com música, Op. 115 – Schwab – Weil

Apesar de sua belíssima, soturna abertura permanecer no repertório – a única obra orquestral tardia de Schumann a conseguir a proeza – , o “Manfred”, Op. 115, vai muito além dela. Inspirado pelo poema de Lord Byron, numa tradução alemã de Karl Adolf Suckow, Robert escreveu-lhe um prólogo e compôs quinze peças de música incidental para acompanhar sua leitura dramática. O ultrarromântico “Manfred” original, terminado logo quando do exílio de Byron na Suíça, narra a jornada dum homem afligido por uma terrível culpa ligada a uma amada perdida, suas interações com diferentes espíritos que não a conseguem redimir, sua contemplação do suicídio e, enfim, sua morte sem qualquer redenção. O amargurado poema, considerado praticamente uma confissão da culpa de Byron acerca do escandaloso relacionamento com sua meia-irmã, certamente ecoou com força em Schumann, também oprimido por vários fantasmas, fossem eles os de seus desejos inconfessos, ou, então, as várias vozes de espíritos que escutava em suas cada vez mais frequentes alucinações.

Quem não entende alemão, ou entende e não gosta de sua música e prosódia, poderá pular o prólogo, essencialmente uma contextualização acerca do texto que virá a seguir, e todas as partes declamadas, indicadas por títulos entre aspas logo abaixo. As quinze peças de música incidental, que estão numeradas, contêm muitas belezas, embora não cheguem à concisão da marcante abertura. Quem entende alemão provavelmente apreciará a expressiva leitura de Martin Schwab, muito bem entremeada à música de Schumann, e a excelente qualidade da gravação, muito bem ensaiada e conduzida por Bruno Weil, mais conhecido por seu meticuloso trabalho com aquele excelente conjunto de música antiga, o Tafelmusik. Infelizmente, não achei o libreto em português – assim, peço-lhes que acompanhem esta versão em alemão e italiano e, se necessário, apelem para São Google:

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

“Manfred”, Dramatisches Gedicht in drei Abteilungen von Lord Byron mit Musik, Op. 115

1 – Ouvertüre
2 – Prolog

PRIMEIRA PARTE

3 – “Die Geschichte könnte ungefähr so beginnen…”
4 – No. 1: Gesang der Geister
5 – “Vergessen sucht Manfred…”
6 – No. 2: Erscheinung eines Zauberbildes
7 – No. 3: Geisterbannfluch
8 – “Manfred erwacht…”
9 – No. 4: Alpenkruhreigen

SEGUNDA PARTE

10 – No. 5: Zwischenaktmusik
11 – “In der Hütte des Jägers…”
12 – No. 6: Rufung der Alpenfee
13 – “Die Alpenfee…”
14 – No. 7: Hymnus der Geister Arimans
15 – “Ariman auf seinem Thron…”
16 – No. 8: Wirf in den Staub dich
17 – No. 9: Zermalmt den Wurm
18 – No. 10: Beschwörung der Astarte
19 – No. 11: Manfreds Ansprache an Astarte

TERCEIRA PARTE

20 – “Die Abenddämmerung naht…”
21 – No. 12: Ein Friede kam auf mich
22 – “Eine Besucher unterbricht seine Gedanken…”
23 – No. 13: Abschied von der Sonne
24 – “Noch einmal naht ihm der Abt…”
25 – No. 14: Nichts. – Blick nur hierher
26 – No. 15: Schluss-Szene (Klostergesang)

Rainer Guggenberger, baixo
Sigrid Plundrich, soprano
Michelle Breedt, mezzo-soprano
Johannes Chum, tenor
Florian Boesch, baixo
Martin Schwab, narrador

Wiener Singverein
Tonkünstler Orchestra
Theresia Melichar, corne-inglês
Bruno Weil, regência

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“Poderias resmungar esse pouquinho menos, Manfred?”

Vassily

[Restaurado] Aniversário da Rainha: Martha Argerich, 79 anos – Robert Schumann (1810-1856) – Concerto para piano em Lá menor, Op. 54 – Concerto para violino em Ré menor, WoO 23 – Argerich – Kremer – Harnoncourt #SCHMNN210

Uma mesma gravação, duas capas medonhas: uma que parece ter sido feita no Paint por minha tia-avó que me mandava PowerPoints de bom-dia, outra semelhante a uma colagem que eu fiz, de braço quebrado, para o Dia das Mães de 1986. Ainda assim, e mesmo com o montão de concertos para piano de Schumann que temos em nosso acervo pequepiano, não poderia deixar de homenagear Martha Argerich, nossa musa pianística máxima, pelo seu aniversário, e com essa obra-prima que ela toca como ninguém. Confesso que não esperava muito de sua parceria com um regente de temperamento artístico tão diametralmente oposto, mas o conde d’Harnoncourt-Unverzagt desincumbe-se bem da tarefa de seguir Marthinha (ou Marthula, como a chamavam na Argentina) de bem perto.  Quem não esperar grandes arroubos da orquestra, que me parecem ademais pouco apropriados neste mais camerístico dos concertos românticos para piano, gostará desta gravação.


Marthinhazinha, aos 11 anos, tocando Schumann para nosso assombro.

Seu par no disco, o concerto para violino de Schumann, tem provavelmente a mais bizarra história entre todos os concertos. Composto no final de sua vida para o amigo Joseph Joachim, nunca foi tocado em público pelo dedicatário. Este, pelo contrário, considerando-o fruto da insanidade do compositor, talvez fruto das vozes de comando que o perturbaram nos últimos anos da vida, ou mesmo uma relíquia macabra depois da tentativa de suicídio, do internamento voluntário num hospício e da solitária morte de Schumann, resolveu guardar o concerto entre seus papéis e, no final de sua própria vida, legá-lo a uma biblioteca com instruções expressas de não o trazer a público até 1956 – cem anos após a morte do amigo. A história seria somente funérea, e não bizarra, se uma voz atribuída ao compositor não tivesse solicitado às irmãs Adila e Jelly Aranyi, durante uma sessão espírita, que a obra fosse recuperada. A voz de Joachim, tio-avô das moças, teria então encaminhado as duas para a biblioteca em que ele depositara o concerto. Jelly ainda disputaria com Yehudi Menuhin – a cujas mãos o concerto chegara por vias não mediúnicas – a primazia pela estreia da obra, que acabou acontecendo, mais de oitenta anos após sua composição, pelo arco de nenhum dos dois, e sim o do alemão Robert Kulenkampff. O concerto em si, algo constrito, está num estilo muito econômico e afeito ao das últimas obras do mestre, e integra admiravelmente a parte do solista à escritura sinfônica do acompanhamento orquestral. Na primeira vez que o escutei na rádio, ouvindo-o a partir da metade do primeiro movimento, tive a impressão de que fosse alguma composição de Max Bruch, por evocar em meus toscos tímpanos vários cacoetes daquele famoso concerto em Sol menor. A revelação do verdadeiro autor me chocou, até porque, já conhecendo a história do concerto, também supus que ele fosse ruim por ser fruto de insanidade (suposição muito preconceituosa e idiota, aliás), e as audições subsequentes, se não me o trouxeram ao patamar dos melhores concertos para violino, me trouxeram ainda mais gosto.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Concerto em Lá menor para piano e orquestra, Op. 54

1 – Allegro affettuoso
2 – Intermezzo: Andantino grazioso
3 – Allegro vivace

Martha Argerich, piano
Chamber Orchestra of Europe
Nikolaus Harnoncourt, regência

Concerto em Ré menor para violino e orquestra, WoO 23

4 – In kräftigem, nicht zu schnellem Tempo
5 – Langsam
6 – Lebhaft, doch nicht schnell

Gidon Kremer, violino
Chamber Orchestra of Europe
Nikolaus Harnoncourt, regência

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Feliz cumple, Marthita

Vassily

[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Sonatas para violino e piano – Tetzlaff/Vogt



O interesse de Schumann pelo violino surgiu tardiamente, por instigação de dois virtuoses. O primeiro, Ferdinand David, era o celebrado spalla da prestigiosa orquestra do Gewandhaus de Leipzig, cujo diretor artístico era Felix Mendelssohn – ninguém menos. David, que estreara o concerto de Mendelssohn sob a batuta do compositor, era amigo dos Schumanns a ponto de poder ser pidão assim a Robert numa carta:

“Sou incomumente apaixonado por suas Fantasiestücke para piano e clarinete; por que você não escreve algo para violino e piano? Quão esplêndido seria se você pudesse escrever algo do tipo, para que sua esposa e eu tocássemos para você!”

O pedido foi prontamente atendido, e Schumann lhe compôs uma sonata em Lá menor em uma semana, que Clara e o próprio David estreariam alguns meses depois.

O segundo virtuose foi Joseph Joachim, então com vinte e pouco anos, já amplamente reconhecido como o melhor violinista da Europa. Seu cavalo de batalha era até então esquecido concerto de Beethoven, cuja reputação de obra-prima ele e Mendelssohn muito se empenharam em resgatar. O jovem violinista incendiou a já febril criatividade de Robert, que lhe escreveu e dedicou em rápida sucessão uma fantasia para violino e orquestra, um concerto que ele nunca tocou, e um arranjo do concerto para violoncelo que só foi descoberto em 1987 (!). De lambujem, Schumann, que ficara insatisfeito com a sonata em Lá menor, escreveu uma outra sonata para David, que foi estreada por Clara e Joachim no primeiro entre as centenas de recitais que fariam juntos ao longo de mais de quarenta anos de amizade e colaboração.

Para apresentar-lhes estas obras ardentes, que certamente são mais sonatas para o piano tão familiar ao compositor do que para o violino, eu escolheria minha musa suprema, Martha Argerich. A deusa do teclado toca Schumann como ninguém e tem uma parceria muito afinada com seu amigo Gidon Kremer, o que resulta num registro redondinho e cativante dessas obras pouco conhecidas. Só que essa postagem já foi feita pelo colega FDP Bach em 2017, então eu a restaurei para que vocês a aproveitem.

Faltou-lhes, no entanto, tocar a terceira sonata, de modo que resolvi também alcançar-lhes a excelente gravação de Christian Tetzlaff e Lars Vogt, que abocanharam a trinca completa. Publicada postumamente, obscura e pouquíssimo tocada, a sonata WoO 2 tem sua raiz em outra peça quase esquecida, a chamada sonata F-A-E, que restaurei em nossa discografia na interpretação de Isabelle Faust e Alexander Melnikov. Essa composição colaborativa foi dedicada a Joseph Joachim – sempre ele! – por três de seus amigos: o próprio Schumann, seu aluno Albert Dietrich (1829-1908), e o recém-chegado Johannes Brahms, que conhecera os Schumanns algumas semanas antes por intermédio de Joachim e estava a morar na casa deles. Conta-se que, ao receber a sonata-presente em seu aniversário, Joachim tocou-a à primeira vista com Clara e foi instigado a adivinhar os compositores de cada movimento, acertando todos sem qualquer dificuldade – e, para quem pergunta o que raios é o “F-A-E” do título, respondo que, além dum fragmento melódico correspondente a “Fá-Lá-Mi” que aparece em todos movimentos, ele é a abreviatura de Frei aber einsam (“Livre, mas só”), o moto de Joachim, o qual certamente hei de tatuar na fronte se voltar a ficar solteiro.

Schumann, que escrevera o intermezzo e o finale, resolveu compor, num de seus arroubos de criatividade, um allegro (que coubera a Dietrich) e um scherzo (que sobrara para Brahms) e completou sua sonata, a última obra de alguma importância que nos legou antes do colapso mental, a tentativa de suicídio e o internamento voluntário no hospício em que terminaria seus dias. Assim como quase toda produção dos últimos anos do compositor, a sonata foi considerada maldita, produto duma mente enlouquecida e, muito pelo zelo de Clara, Joachim e Brahms em resguardar a memória da sanidade de Robert, eficientemente escondida dos palcos através da destruição dos originais. Décadas depois, foram descobertos manuscritos que escaparam à fogueira, o que possibilitou a reconstrução da sonata no. 3, publicada somente em 1956, no centenário da morte do compositor.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Sonata para violino e piano no. 1 em Lá menor, Op. 105

1 – Mit leidenschaftlichem Ausdruck
2 – Allegretto
3 – Lebhaft

Sonata para violino e piano no. 2 em Ré menor, Op. 121

4 – Ziemlich langsam – Lebhaft
5 – Sehr lebhaft
6 – Leise, einfach
7 – Bewegt

Sonata para violino e piano no. 3 em Lá menor, WoO 2

8 – Ziemlich langsam
9 – Intermezzo. Bewegt, doch nicht zu schnell
10 – Lebhaft
11 – Markiertes, ziemlich lebhaftes Tempo

Christian Tetzlaff, violino
Lars Vogt, piano

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Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Quarteto de cordas, Op. 41 no. 3 – Quinteto para piano e cordas, Op. 44 – Hamelin, Takács Quartet

Que o bonito quarteto Op. 41 no. 3 me perdoe, mas só terei aqui palavras para a maravilhosa obra que o acompanha neste disco.

Que coisa mais impressionante, esse quinteto de Schumann! Lembro-me da primeira vez que o ouvi, sob Rubinstein e o quarteto Guarneri, aquela pujança do Allegro inicial a arrebatar-me e, pela força mesmerizante da Marcha e do Scherzo, devolver-me à consciência só no brilhante Mi bemol final. A paixão à primeira audição que nunca arrefeceu, inda mais porque sua superposição magistral de um quarteto em chamas e uma brilhante parte para piano torna-o veículo ideal para aventuras de grandes virtuoses em suas empreitadas de câmara, e são formações como essas – e não com cameristas-raiz – que o tenho preferido escutar ao longo dessas décadas.

Essa pujança toda do teclado não foi, claro, por acaso, pois Schumann dividia lençóis com uma das melhores pianistas de seu tempo. Clara foi não só a dedicatária da obra como a pianista em sua estreia pública, e certamente a difícil parte para teclado é um retrato fiel de seu pianismo. Na estreia privada do quinteto, entretanto, ela adoeceu e foi substituída na penúltima hora por um rapaz chamado Felix Mendelssohn, que desconhecia a obra e teve que lê-la à primeira vista, informação que me fez invejar molto assai o círculo de amizades desses Schumanns, e só não me matou de inveja porque a morte viria depois, ao me dar conta de que, onze anos depois do quinteto, um outro rapazote chamado Johannes Brahms bateria à porta de sua casa em Düsseldorf!

Essa combinação incomum de brilho e robustez, de espontaneidade e rigor – o que é aquele fugato no finale? -, fez do quinteto um imediato sucesso. Ele é, com folgas, a mais conhecida das obras de câmara de Schumann e a pedra fundamental de uma extensa linhagem de quintetos com piano que passaria pelo supracitado Brahms e Dvořák e chegaria a Shostakovich. Seu êxito foi tamanho que até Clara, que durante a vida de Robert relutou em incorporar a seu repertório as obras do marido, o tocou com muita frequência. Tenho certeza de que os dois adorariam esta versão que lhes apresento, tanto pelo brilhante Takács Quartet, de tanta força sinfônica, quanto por Marc-André Hamelin, talvez o pianista de técnica mais deslumbrante entre aqueles em atividade e que sempre a põe com extremo bom gosto a serviço de sua arte. Hamelin é um desbravador de repertórios tão complicados como pouco conhecidos, com especial predileção pela obra de pianistas-compositores com Alkan, Busoni e Godowsky, de modo que é relativamente raro poder ouvi-lo tocar uma obra assim, mais consagrada. Quem se impressionar com a cintilância de sua participação no Allegro brillante terá que guardar um pouco de pasmo para o movimento seguinte: o que ele faz na Marcia, frequentemente entendida como uma marcha fúnebre e que aqui soa como um solene cortejo, é de fazer os olhos suarem.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Lá maior, Op. 41 no. 3

1 – Andante espressivo – Allegro molto moderato
2 – Assai agitato – Un poco adagio – Tempo risoluto
3 – Adagio molto
4 – Allegro molto vivace

Quinteto em Mi bemol maior para piano, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 44

5 – Allegro brillante
6 – In modo d’una Marcia: un poco largamente – Agitato
7 – Scherzo: Molto vivace
8 – Allegro, ma non troppo

Marc-André Hamelin, piano
Tákacs Quartet:
Edward Dusinberre e Károly Schranz
, violinos
Geraldine Walther
, viola
András Fejér, 
violoncelo

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Além de pianista de supremos poderes, Hamelin também compõe e arranja tanto
obras de grandes dimensões quanto melodias tão irritantemente familiares como
esta, que ele pôs em pauta para tentar sublimar um pouco da irritação que ela
sempre lhe trazia quando a ouvia em seus recitais.

Vassily

Postagens restauradas – #SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856) – Integral das Sinfonias – Gardiner – Karajan – Szell – Bernstein – Nézet-Séguin – Herreweghe

Para fim de comparação com as versões retocadas por Mahler, que postei ontem, ou para quem não ainda não está familiarizado com as versões originais dessas obras cheias de cruezas e belezas melhor poder conhecê-las, resgatei do éter algumas integrais que já tinham sido publicadas aqui no PQP, reativando seus links:

Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner

Sinfonia em Sol menor – Sinfonia no. 1 – Abertura, Scherzo & Finale
Sinfonia no. 4 (1ª versão) – Sinfonia no. 2
Konzertstück para quatro trompas – Sinfonia no. 3 – Sinfonia no. 4 (versão de 1851)
[esta última, já restaurada pelo patrão PQP]

Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan

Sinfonias nos. 1-4

 

The Cleveland Orchestra
George Szell

Sinfonias nos. 1-4 – Abertura “Manfred”

 

Wiener Philharmoniker
Leonard Bernstein

Sinfonias nos. 1 & 4
Sinfonia no. 3 – Concerto para piano (com Justus Franz)
Sinfonia no. 2 – Concerto para violoncelo (com Mischa Maisky)

 

Chamber Orchestra of Europe
Yannick Nézet-Séguin

Sinfonias nos. 1-4

 

Orchestre des Champs-Élysées
Philippe Herreweghe

Sinfonias nos. 1 & 3

[O segundo disco da integral, nunca postado antes, aqui está para arredondar a segunda-feira de vocês]
Sinfonias nos. 2 & 4

Schumann só olhando vocês compararem as orquestrações dele com as de Mahler

Vassily

#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Integral das Sinfonias, retocadas por Gustav Mahler – Chailly

Nossas contribuições às celebrações do ducentésimo décimo aniversário de Schumann, que foram instigadas entre os pequepianos pelo colega Pleyel, tomarão emprestado pela próxima quinzena este espaço que, nos últimos meses, vínhamos dedicando à música do duzentosecinquentão Beethoven, que por aqui voltará na quinzena seguinte.

Tentarei trazer algumas obras da vasta e admitidamente desigual produção schumanniana ainda inéditas neste blog, bem como algumas gravações de obras já muitas vezes publicadas que, bem, eu amo e gostaria de compartilhar com vocês.

De alguma forma, esta gravação que ora lhes apresento se encaixa nos dois critérios. Se já há um número razoável de gravações das sinfonias de Schumann aqui no PQP Bach, de modo que não seria louco de dizê-las inéditas, elas nunca aqui estiveram nesta roupagem, num arranjo de ninguém menos que Gustav Mahler.

“Arranjo”, talvez, seja um termo que lhes faça esperar diferenças mais marcantes do que as que de fato encontrarão. Mahler, hoje certamente lembrado como um compositor do primeiríssimo escalão, ganhava sua vida como regente – certamente o mais célebre e influente de sua época – e adotava com frequência o expediente de retocar as obras de outros compositores, para obter efeitos que considerava mais apropriados às grandes salas de concerto e aos avantajados conjuntos orquestrais que conduzia. E, se fez isso com obras e compositores sacrossantos como Ludwig e sua Nona, por que não faria com as sinfonias de Schumann, achincalhadas desde suas primeiras audições pelo que se considerava a orquestração incompetente de um homem que sempre pensava em termos pianísticos?

Os retoques de Mahler, no entanto, não incluem alterações importantes em harmonia e em linhas melódicas, que seguem puro Schumann. As mudanças mais notáveis são na orquestração, que dá aos instrumentos de sopros a considerável proeminência que conquistaram na música orquestral na segunda metade do século XIX, em algumas alterações de ritmo, especialmente nos metais, e nas detalhadas indicações dinâmicas. A impressão geral é de um Schumann com menos cordas e mais sopros, mais enérgico e límpido, que lhes poderá soar estranho, mas certamente muito convincente – ainda que a grandiloquência dos clímaxes e dos tímpanos tonitruantes volta e meia delatem quem está por trás da coisa toda.

Para encarar a empreitada de gravar a mahlerização destas sinfonias, esta gravação lhes traz talvez os melhores intérpretes concebíveis: uma veneranda orquestra alemã de imensa tradição, que responde como talvez nenhuma outra orquestra no mundo de hoje a seu regente, um mestre que tem em Mahler e Schumann duas de suas especialidades. Por isso, tenho certeza de que Riccardo Chailly e a orquestra do Gewandhaus de Leipzig não hão de os decepcionar.

Robert Alexander SCHUMANN
(1810-1856)

Arranjo de Gustav MAHLER (1860-1911)

Sinfonia no. 1 em Si bemol maior, Op. 38, “Primavera”

1 -Andante un poco maestoso – Allegro molto vivace
2 – Larghetto
3 – Scherzo: molto vivace – Trio I: Molto più vivace – Tempo I – Trio II: (Molto vivace) – Tempo I – Coda
4 – Allegro animato e grazioso

Sinfonia no. 2 em Dó maior, Op. 61

5 – Sostenuto assai – Un poco più vivace – Allegro ma non troppo
6 – Scherzo – Trio I – Trio II – Coda: Allegro vivace
7 – Adagio espressivo
8 – Allegro molto vivace

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Sinfonia no. 3 em Mi bemol maior, Op. 97, “Renana”

1 – Lebhaft
2 – Scherzo: Sehr Mäßig
3 – Nicht schnell
4 – Feierlich
5 – Lebhaft – Schneller

Sinfonia no. 4 em Ré menor, Op. 120

6 – Ziemlich langsam – Lebhaft
7 – Romanze: Ziemlich langsam
8 – Scherzo & Trio: Lebhaft
9 – Langsam – Lebhaft – Schneller – Presto

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Gewandhausorchester
Riccardo Chailly, regência

Nessa foto, que eu adoro, está não só o retrato do semblante, mas de toda zelosa arte de Chailly.

Vassily

POSTAGENS RESSURRECTAS – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concertos para piano e orquestra (Pollini/Abbado) – Sinfonias (Bernstein) – Sinfonias (Harnoncourt) #BTHVN250

Seguindo a praxe de restaurar parte de nosso acervo beethoveniano perdido nos colapsos dos Rapidshares da vida, alcanço-lhes três séries muito importantes, que estão entre as primeiras postagens dedicadas por nosso blog ao compositor, doze anos atrás. Para não as dessacrar, mantive as datas originais e limitei-me a acrescentar alguns alertas sobre seu estado agora ativo.

LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)

CONCERTOS PARA PIANO E ORQUESTRA por
MAURIZIO POLLINI com a BERLINER PHILHARMONIKER sob CLAUDIO ABBADO

Disco 1 – Concertos nos. 1 & 2
Disco 2 – Concertos nos. 3 & 4
Disco 3 – Concerto no. 5
Disco 4 – Fantasia Coral

SINFONIAS 1-9 com a WIENER PHILHARMONIKER sob LEONARD BERNSTEIN

Discos 1 e 2 – Sinfonias nos. 1, 2, 3 & 4
Disco 3 – Sinfonias nos. 5 & 6
Disco 4 – Sinfonias nos. 7 & 8
Disco 5 – Sinfonia no. 9 

 

SINFONIAS 1-9 com a CHAMBER ORCHESTRA OF EUROPE sob NIKOLAUS HARNONCOURT

Disco 1 – Sinfonias nos. 1 & 3
Disco 2 – Sinfonias nos. 2 & 5
Disco 3 – Sinfonias nos. 4 & 7
Disco 4 – Sinfonias nos. 6 & 8
Disco 5 – Sinfonia no. 9

Espero que desfrutem.

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra em Ré maior, Op. 61a – Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) – Concerto para piano e orquestra em Dó menor, Wq. 43/4 – Bashkirov

Por mais que o amemos hoje, o concerto para violino de Ludwig foi recebido com frieza e logo esquecido. O fracasso da estreia, pelo que se conta, deveu-se a ensaios insuficientes por atrasos na cópia das partes da orquestra – entregues, para variar, na penúltima hora pelo compositor – e pela necessidade do primeiro solista, Franz Clement, de tocar quase todo o solo à primeira vista.

Apesar do desinteresse pela obra, que só teria sua grandeza reconhecida pelo empenho de Mendelssohn e Joseph Joachim, quarenta anos depois, esse estranho arranjo para piano que ouvirão a seguir foi publicado, alguns anos após o original, pela firma de Muzio Clementi em Londres. Clementi, que teve que visitar Viena várias vezes antes de enfim encontrar Beethoven, comprou do compositor os direitos da publicação inglesa de seus Opp. 58-62, e incluiu no pacote um arranjo do concerto para violino, com o pedido expresso de “algumas notas adicionais”, talvez porque achasse o original insosso por ter tão poucas.

Um tal arranjo, que não seria estranho a Johann Sebastian Bach, acostumado a verter para o teclado seus concertos para cordas solo, também não espantaria os contemporâneos de Ludwig, que viram concertos para violino de Viotti e Spohr transcritos para o piano por virtuoses como Dussek e Steibelt – este, famoso por perder um duelo de improvisação que, como veremos mais adiante nesta série, insensatamente aceitou fazer com Beethoven. Embora a edição inglesa indique que o arranjo foi feito pelo próprio compositor, há vigorosos indícios de que ele o delegou a terceiros, talvez a um aluno como Czerny ou Ries, limitando-se a revisá-lo e aprová-lo. Não tinha o menor interesse tanto pela obra quanto pela encomenda de Clementi, e também estava, para variar, atrasado na importante encomenda do príncipe Nikolaus Esterházy, que seria a Missa em Dó maior. No próprio manuscrito autógrafo do concerto para violino há anotações para partes da mão esquerda do solo, que talvez tenham servido como orientações do compositor para o arranjador.

Qualquer que seja a verdade acerca do autor, é certo que o arranjo foi feito com bastante pressa e algum desleixo: as partes da orquestra são idênticas ao original, a mão direita toca quase que exatamente a parte do violino solista, sem qualquer acorde, e não há qualquer solução minimamente satisfatória para emular as longas e sustentadas notas tão essenciais ao solo do original. O resultado é duma qualidade que achamos difícil até de mencionar na mesma frase que o sublime original, e que contrasta grosseiramente com as quatro cadenze que Beethoven – que não nos legou uma cadenza sequer para o violino – resolveu lhe escrever. Vigorosas, criativas e muito idiomáticas ao piano, elas são talvez o melhor motivo para escutarmos esse arranjo, particularmente aquela para piano e tímpanos, tão instigante que violinistas como Schneiderhan, Kremer e Kopatchinskaja a roubaram do piano e a transcreveram para seu instrumento.

Para apresentar-lhes o arranjo, que é ainda hoje negligenciado por público e intérpretes, pensei primeiramente em trazer uma de suas poucas gravações feitas por um pianista de primeira linha, aquela com Daniel Barenboim tocando e regendo a English Chamber Orchestra. Como ela já tinha sido aqui divulgada, encontrei uma alternativa que, coincidentemente, traz o sogro de Barenboim, o pianista russo Dmitri Bashkirov. Nascido na Geórgia, construiu uma considerável discografia na União Soviética, mas é hoje mais lembrado pelo trabalho como pedagogo em Moscou e Madrid. Sua gravação completa-se com um concerto de C. P. E. Bach – um mestre grandemente admirado por Beethoven, que certamente estudou seu clássico tratado Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen (“Ensaio sobre a verdadeira arte de tocar o teclado”) – que parece curiosamente próximo, apesar das décadas que os apartam, do bizarro híbrido que é o Op. 61a.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Ré maior para piano e orquestra, Op. 61a
Arranjo do próprio compositor de seu concerto para violino, Op. 61
Original composto em 1806 e p
ublicado em 1808
Arranjo publicado em 1810

1 – Allegro ma non troppo
2 – Larghett0
3 – Rondo: Allegro

Carl Philipp Emanuel BACH (1714-1788)

Concerto em Dó menor, Wq. 43, no. 4

4 – Allegro assai
5 – Poco adagio
6 – Tempo di minuetto
7 – Allegro assai

Dmitri Bashkirov, piano
Orchestre de Chambre de Lausanne
Péter Csaba, regência

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Um belo homem, esse CPE
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para violino e orquestra, Op. 61 (cadência: Alfred Schnittke) – Kremer – Marriner

Dois erros seguidos – no link e com a gravação – fizeram-me por esta postagem atrás de tapumes e republicá-la só depois de conferir várias vezes se tudo estava certo. Peço desculpas aos leitores-ouvintes, enquanto agradeço pela gentileza dos que souberam apontar os problemas com a civilidade que tanto apreciamos.

Juro que lhes queria trazer essa gravação para mostrar-lhes a tremenda musicalidade de Gidon Kremer a serviço do concerto de Beethoven na companhia dum conjunto quase camerístico, a Academy of St. Martin-in-the-Fields, sob o comando daquele que sempre deixa tudo melífluo e redondinho, o Neville Marriner. Só que a cadenza de Schnittke, esse fascinante espantalho, é meu verdadeiro, e ademais confesso motivo para trazer-lhes hoje Kremer e Marriner.

Nota-se, pelo incomum anúncio da cadenza tanto no título da postagem quanto na própria capa do CD, que ela não é tão só uma vinheta inserida para o virtuose demonstrar um tanto boçalmente suas malandragens. Essa nota de advertência, como se uma tarja preta fosse sobre entorpecentes, ou um tapa-sexo a cobrir as vergonhas do bom-gosto, a exercer marotamente o efeito contrário sobre aqueles atraídos por tudo que é maldito, tornou-se necessária pelo escândalo que ela causou, quando de sua primeira audição. À parte de algum interesse meio constrangido, devido mais à projeção de Schnittke  como o mais conhecido compositor soviético pós-Shostakovich e como notório dissidente do regime que caminhava para o colapso, essa estranha criatura foi execrada, odiada e esculachada a ponto de “pichação!” ser uma das coisas mais gentis que se escreveu sobre ela. Encomendada ao compositor pelo próprio Kremer, foi aqui gravada uma vez e, salvo um que outro estrebucho ou gravação, abandonada ao oblívio.

A vida é curta, a Arte é longa e, ainda bem, aberta. O poliestilismo de Schnittke aqui está, cru e escarrado, sem dúvidas incongruente com a serenidade clássica do Beethoven que envolve suas cadenze, e recheada de citações explícitas de várias obras. Na minha desimportante opinião, ela comenta e transforma o concerto duma maneira sensacional, o que justifica a inclusão desta gravação em nosso repositório pequepiano. Se a odiarem, como ademais quase todo o resto do planeta, restar-lhes-á ao menos o passatempo de, ao passar o pente fino na pelagem da besta schnittkeana, identificar as obras citadas e mencioná-las nos comentários.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Ré maior para violino e orquestra, Op. 61
Composto em 1806
Publicado em 1808
Dedicado a Stephan von Breuning

1 – Allegro ma non troppo
2 – Larghett0
3 – Rondo: Allegro

Gidon Kremer, violino
Academy of St. Martin-in-the-Fields
Neville Marriner, regência

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A quem ouvir a cadenza e desejar a morte de Alfred Schnittke, lamento informar que seu desejo é redundante, porque ele já empacotou em 1998, e que seu epitáfio é, provavelmente, o maior de todos os tempos.

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para violino e orquestra, Op. 61 – Romances, Opp. 40 & 50 – Zehetmair – Brüggen

Sim, mais uma gravação do concerto para violino – fazer o quê, se eu o amo tanto quanto aquele quarto concerto? Cresci ouvindo as maravilhosas gravações de Oistrakh, enquanto conhecia outras não menos belas, como as de Ferras, Menuhin e Stern. Quando chegou Heifetz, a concorrência pareceu liquidada, e eu quase perfurei o CD daquela gravação com Munch de tanto que a escutei. Com o tempo, percebi que não havia concorrência, e sim alternativas ao que propôs o maior de todos os violinistas, e me permiti apreciar outras versões: Kremer, Mintz, Mutter. Aí vi que a turma da interpretação historicamente informada tinha feito uma gravação, mas não conhecia o violinista e, por mais que gostasse de Frans Brüggen regendo Bach e tivesse sua “Die Schöpfung” de Haydn sem parar em meu toca-discos laser, tinha dificuldades de imaginá-lo a conduzir aquela peça que aprendera a ouvir nos andamentos frenéticos do ídolo Jascha. Só muito tempo depois, depois de descobrir a maestria de Brüggen como acompanhador e suas estimulantes leituras para as sinfonias de Beethoven, e de escutar os ótimos registros de Thomas Zehetmair nas sonatas e partitas de J. S. Bach, que enfim me permiti experimentar aquele Op. 61 que deixara por tanto tempo de lado, e…

O que lhes posso dizer foi que me senti um completo idiota por não a ter escutado antes. Chamá-la de impecável, apesar de ser verdade, seria apenas parte dela. Há a um só tempo um senso de concisão e uma serenidade que não consigo comparar a qualquer outra, um acompanhamento tão preciso que faz a Orchestra of the 18th Century soar não como um conjunto, mas sim como um colorido órgão, e uma precisão de entonação e de graça rítmica que fazem Zehetmair me ser inconfundível. Há brilho nas cadenze – outra vez adaptadas daquelas, anabólicas e com tímpanos, que Beethoven escreveu para o arranjo pianístico deste concerto – e vários achados, como a transição do Larghetto para o faceiro rondó final. Escutem-na e, depois, venham juntar-se ao coro a me chamar de completo idiota, de idiota completo.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Romance no. 2 para violino e orquestra em Fá maior, Op. 50
Composto em 1798
Publicado em 1805

1 – Adagio cantabile

Romance no. 1 para violino e orquestra em Sol maior, Op. 40
Composto em 1802
Publicado em 1803

2 – Adagio cantabile

Concerto em Ré maior para violino e orquestra, Op. 61
Composto em 1806
Publicado em 1808
Dedicado a Stephan von Breuning

3 – Allegro ma non troppo
4 – Larghett0
5 – Rondo: Allegro

Thomas Zehetmair, violino
Orchestra of the 18th Century
Frans Brüggen, regência

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Mais um episódio da série “Grandes Momentos Capilares”

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para violino e orquestra, Op. 61 – Kavakos

Depois de amar as maravilhosas gravações de Leonidas Kavakos para as sonatas de Lud Van, iniciou-se uma espera que admito ter sido ansiosa em demasia por este seu concerto de Beethoven com os bávaros da Rádio. Fruto de sua atuação como artista-em-residência da Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks, doravante denominada SOBR, ela foi tão boa que rendeu, além do Op. 61, um delicioso registro do septeto Op. 20, que atesta o deleite que foi para alemães e grego fazer música no período. A SOBR, conjunto lapidado durante décadas por regentes do calibre de Jochum, Kubelík e Maazel, era então conduzida havia dezesseis anos pelo gigante Mariss Jansons, um grande formador de conjuntos, o que é facilmente percebido na resposta que ela dá a Kavakos em sua dupla tarefa de solista e regente. Os leitores-ouvintes que amam este concerto certamente perceberão que se trata de uma de suas mais longas interpretações em toda discografia, graças à escolha de andamentos muito comedidos que valorizam, assim como nas sonatas supracitadas, o belíssimo timbre de Kavakos, que saboreia sem pressa todos os fraseados. Acusaram-no de parir um concerto romantizado, no que eu o defendo: eu o achei muito clássico no respeito à partitura e na discrição dos contrastes dinâmicos, com toques românticos no uso do rubato e, como perceberão também, em várias notas longas, prolongadas ad libitum. As cadências foram adaptadas pelo solista a partir daquelas escrita por Beethoven para a versão pianística do concerto. A cadência principal, no primeiro movimento, chega a destoar da serenidade prevalecente com seu virtuosismo desenfreado, uma exibição quase boçal de técnica, como se Kavakos quisesse botar suas asinhas de mestre dos truques de fora depois de tantos minutos cantando com o arco. As demais são mais sossegadas e afeitas ao estilo da obra, e serão surpresas muito interessantes para aqueles que amam este concerto e o conhecem de cor. Trata-se dum registro a ser ouvido dentro do mesmo espírito daqueles últimos, visionários quartetos do Op. 130 em diante: sem pressa, sem comparações, e sem distratores mundanos.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Ré maior para violino e orquestra, Op. 61
Composto em 1806
Publicado em 1808
Dedicado a Stephan von Breuning

1 – Allegro ma non troppo
2 – Larghett0
3 – Rondo: Allegro

Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Leonidas Kavakos, violino e regência

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“How you doin’?”
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 4 em Si bemol maior, Op. 60 – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Goodman – Haitink – Jansons – Karajan – Rattle – Reiner – Solti – Toscanini – Wand

“Acanhada”.
“Diminuta”.
“Um retrocesso”.

Disso, e de muito mais, chamaram a delicada Op. 60, porque acharam que ela fora menos, e muito menor, do que esperavam duma sinfonia de Beethoven que viesse em seguida do portento da “Eroica”. A posteridade, por já conhecer a sinfonia seguinte, a impetuosa joia em Dó menor, considerou a Quarta uma obra menor, um bombom, uma bagatela entre duas obras de fôlego. A comparação atribuída a Schumann (“uma donzela grega entre dois gigantes nórdicos”) não contribuiu, infelizmente, para lhe melhorar a reputação entre um público a que, pelo jeito, apetecessem mais os colossos. Uma pena: essa sinfonia é um primor de concisão, um exercício radical de economia de meios que não tem tempo para, como sua predecessora, se deter em fugatos, e flui inexoravelmente, com um pulso crescente que se faz sentir inclusive em seu movimento lento, e até o moto perpétuo final. Se lhe tivessem ao menos arranjado um apelido grudento como “Sinfonia Solar” ou “a Radiante”, talvez ela fosse ouvida como merece. No entanto, como nem os editores se impressionaram com essa joia, e o próprio compositor perdeu-se no seu propósito, prometendo-a para um dedicatário, mas estreando-a pela orquestra dum outro, em mais um atrapalhado pregão de produtos beethovenianos, acabou por faltar-lhe uma alcunha à altura. “Pequena Notável”? Chamemo-la assim, e que alguma entre a dúzia de gravações que lhes alcanço a seguir possa fazer os leitores-ouvintes lhe darem o devido valor.

Sinfonia no. 4 em Si bemol maior, Op. 60
Composta em 1806
Publicada em 1812
Dedicada ao conde Franz von Oppersdorff

1 – Adagio – Allegro vivace
2 – Adagio
3 – Scherzo – Trio
4 – Finale. Allegro ma non troppo

Wiener Philarmoniker
Wilhelm Furtwängler
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NBC Symphony Orchestra
Arturo Toscanini
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Chicago Symphony Orchestra
Fritz Reiner
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Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan
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Chicago Symphony Orchestra
Sir Georg Solti
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Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks
Günter Wand
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Koninklijk Concertgebouworkest
Bernard Haitink
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The Hanover Band
Roy Goodman
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Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner
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Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Mariss Jansons
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Gewandhausorchester Leipzig
Riccardo Chailly
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Berliner Philharmoniker
Sir Simon Rattle
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https://wagnerebeethoven.wordpress.com/

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Três quartetos para cordas, Op. 59, “Razumovsky” – Tokyo String Quartet

Acho que é a história natural do melômano: começas pelo que te é mais próximo, e depois expandes teus horizontes (ou não). Eu, que comecei torturando a família com um piano velho em casa, derretia em gozo com a literatura pianística que escutava na rádio e reescutava em fitas cassete (googleiem, garotada!) que da rádio gravava, e com o que conseguia nas esporádicas compras na loja de Shylock Simpson (porque minha adolescência, ahimè!, foi em cruzados). Enquanto isso, calculava a quantidade de encarnações que levaria para coordenar meus incapazes dedos a ponto de tocar aquela segunda Rapsódia Húngara de Liszt como Horowitz, ou desembrutecê-los a ponto fazer o piano cantar em pianíssimo com acompanhamento em pianissíssimo como Rubinstein fazia nos noturnos de Chopin.

Esse inexorável círculo vicioso de incompetência e frustração ao teclado, que foi de modo inapelável sepultado quando fui buscar uma profissão menos frustrante (no que também fracassei), abriu-me ao menos a porteira do conhecimento da música para piano e, posteriormente, para música COM piano – fosse em duos ou em conjuntos de câmara, e daí para a música de câmara e suas diversas combinações de instrumentos. Havia, no entanto, uma fronteira – aquela que não conseguia transpor de JEITO MANEIRA, a dos quartetos de cordas.

Por mais que tentasse, não conseguia escutá-los. Cheguei a pensar que fossem um gosto adquirido, feito chimarrão, dobradinha ou hákarl, mas não adiantava: não os compreendia. Aquelas cordas, que pareciam fanhosas ou estridentes se comparadas aos seus ricos naipes em orquestra, não me pareciam capazes de agradar. E já desistira do caso quando, na rádio, ouvi uma música irresistivelmente ebuliente. Contei suas partes: um violino, dois violinos, um violoncelo e uma viola. Eureka – um quarteto de cordas que me agradou! E não só isso, me deixou embevecido com sua energia maníaca e encerramento furioso – fui conferir, e o locutor me contou que aquele era o finale do Razumovsky no. 3, exatamente na primeira das gravações que lhes apresento agora.

Corri à loja, não à de Shylock Simpson, porque era careiro e cobrava em dólares, e ademais já quase não tinha mais lanches a sacrificar por gravações naquele mês. Meu destino era uma salinha subterrânea onde uma doce senhorinha, com a voz da Marge Simpson (talvez fosse parente de Shylock) e apropriadamente chamada Margarida, recebia-me com afeto e cafezinhos. Para lá me atirei porque lembrava-me de ter visto uma caixa de CDs com o nome de Beethoven e alguns cavalheiros japoneses a brandirem seus instrumentos. Acertei: era o Tokyo String Quartet, eles tocavam os Razumovsky e aquela caixa (saudades, RCA Victor Red Seal!) estava ao alcance de meu famélico orçamento.

Eu, que sempre temi que o feixe de laser do que chamada “toca-discos laser” acabasse por furar o CD, convenci-me do contrário, porque passei horas e dias a ouvir aquele fugato em loop e o CD aqui ainda está, tanto que eu o ripei para compartilhar com vocês. Depois de calejar os tímpanos com aquele movimento, aventurei-me nas outras faixas, enquanto aprendia que aqueles quartetos tinham o nome do embaixador russo, que para o agrado do tal Razumovsky tinham cada qual um tema russo (explícito em títulos de movimentos nos dois primeiros, e supostamente embutido no Andantino do terceiro), e que eram possivelmente os quartetos mais sinfônicos escritos até então – razão, talvez, deles terem me fisgado.

Adorei-os por muito tempo e, mesmo vindo a conhecer outras gravações, sempre guardei a melhor memória possível da leitura do Tokyo String Quartet. Bem mais tarde, quando eu já era um barbudo a pagar meus próprios boletos, veio à luz uma nova gravação dos mesmos quartetos com o mesmo conjunto, parcialmente renovado, e com dois daqueles cavalheiros nipônicos já bastante grisalhos. Um tanto cabreiro, gerei mais um boleto e levei-os para casa. Tudo muito diferente, melhor trabalhado, ataques menos agressivos, vibratos menos pungentes. Gostei tanto que, na dúvida entre qual das gravações eu lhes ofereceria, resolvi oferecer as duas, para que possam compará-las e que me façam saber o que acharam delas.

E o que acho hoje dos Razumovsky? Continuo a apreciá-los, e aquele fugato segue firme em minha lista de movimentos irresistíveis, mas hoje escuto mais os últimos quartetos de Beethoven. Talvez sejam meus próprios grisalhos – ou, então, seja a história natural do melômano.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três quartetos para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 59, “Razumovsky”
Compostos em 1806
Publicados em 1808
Dedicados ao conde Andrei Kirillovich Razumovsky

No. 1 em Fá maior

1 – Allegro
2 – Allegretto vivace e sempre scherzando
3 – Adagio molto e mesto – attacca
4 – “Thème Russe”: Allegro

No. 2 em Mi menor

5 – Allegro
6 – Molto adagio (si tratta questo pezzo con molto di sentimento)
7 – Allegretto – Maggiore: Thème russe
8 – Finale. Presto

No. 3 em Dó maior

9 – Andante con moto – Allegro vivace
10 – Andante con moto quasi allegretto
11 – Menuetto (Grazioso)
12 – Allegro molto

Tokyo String Quartet, em duas formações:

1ª formação:

Peter Oundjian, 1º violino
Kikuei Ikeda, 2º violino
Kazuhide Isomura, viola
Sadao Harada, violoncelo

Gravado em 1990-91

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2ª formação:

Martin Beaver, 1º violino
Kikuei Ikeda,
2º violino
Kazuhide Isomura,
viola
Clive Greensmith,
violoncelo

Gravado em 2005

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Mergulhando com o Borealis String Quartet no finale do terceiro Razumovsky

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra no. 4 em Sol maior, Op. 58 – Guiomar Novaes – Klemperer/Swarowsky/Szell/Previn

Prometo que é a última postagem com o Op. 58 que eu tanto amo (enquanto também prometo que é minha última declaração de amor a ele), mas eu simplesmente não poderia seguir adiante nesta série sem mencionar as interpretações dessa obra a nós legadas pela inesquecível Guiomar Novaes (1894-1979). Não cogitara publicá-las aqui, pois elas já tinham sido escopo de duas postagens, uma do monge Ranulfus, outra do patrão PQP. Verifiquei, entretanto, que elas já não levavam a qualquer arquivo funcionante, de modo que resolvi restaurá-las e, de lambujem, publicar outras duas versões da genial Narizinho, ambas gravadasvivo em New York, e que vieram a público depois das postagens dos colegas: com a Filarmônica local sob George Szell, e com a American Symphony Orchestra (cria de Leopold Stokowski) sob André Previn. Ranulfus comentou o quão impressionante é que uma mesma pianista consiga dar interpretações tão distintas e consistentemente magníficas de uma obra tão rica, o que reitero, em dobro, depois de ouvir os registros de Guiomar ao vivo, ambos com a mesma precisão e expressividade das gravações vienenses e com uma verve que, sinceramente, não ouvi em qualquer das versões em estúdio. Escutem e ardam em brasas de dor ao perceberem o quanto Guiomar nos faz falta!

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto para piano e orquestra no. 4 em Sol maior, Op. 58
Composto entre 1804-1807
Publicado em 1808
Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Allegro moderato
2 – Andante con moto
3 – Rondo – Vivace

Guiomar Novaes, piano

Em quatro interpretações:

Wiener Symphoniker
Otto Klemperer, regência
Gravado em 1951

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BÔNUS 1: link restaurado na postagem de Ranulfus
BÔNUS 2: link restaurado na postagem de PQP Bach


New York Philharmonic

George Szell, regência
Gravado em 1952

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(gravação ao vivo)

 

Pro Musica Orchester Wien
Hans Swarowsky, regência
Gravado em 1962

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BÔNUS: link restaurado na postagem de Ranulfus, lá também com a Sonata Op. 27 no. 2


American Symphony Orchestra

André Previn,
regência
Gravado em 1968

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[gravação de transmissão radiofônica, roubada
do YouTube, a quem efusivamente agradeço]



O maravilhoso Nelson Freire, com os olhos suados, fala de sua ídola Guiomar

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano no. 4, Op. 58 – Sinfonia no. 2 em Ré maior, Op. 36 (versões de câmara) – Levin

Não é todo dia que se ouve uma estreia mundial de algo de Beethoven, nem que seja a reinvenção de algo que bem conhecemos e, como é o meu caso – porque eu ainda não declarei a vocês hoje meu amor a esse concerto! -, que também amamos.

Trata-se dum arranjo para piano e quinteto de cordas do próprio Beethoven para seu concerto Op. 58. A obra foi um imenso sucesso, de modo que era natural que fosse rapidamente adaptado a formações de câmara e publicado para vendas ao público, como era praxe da época para a divulgação de composições bem-sucedidas. O arranjo, no entanto, parece não ter sido destinado às prensas, e sim encomendado pelo príncipe Lobkowitz, mecenas de Ludwig, em cuja residência o concerto tivera sua estreia privada, alguns anos antes. Os originais, em estado deplorável, quase ilegíveis pela caligrafia e desorganização medonhas do compositor, serviram de base para a reconstrução que aqui escutarão. Habilmente realizada pelo musicólogo Hans-Werner Küthen e descrita com detalhes no encarte desta gravação, ela mostra que Beethoven não se limitou somente a dividir as partes da orquestra entre as cordas. Ele foi bastante além, e reescreveu trechos consideráveis da parte do piano, tornando-a mais complexa que a original e dando ao instrumento uma proeminência que não tem no concerto, que é notório pelo admirável equilibrio entre solista e orquestra. Para os que conhecem bem a obra, é divertido perceber as alterações, mais notáveis no primeiro movimento, e muito estimulante ouvir o que Robert Levin, também distinto musicólogo, numa leitura surpreendentemente anabólica do ademais sereno concerto, para o qual escreveu suas próprias cadenze. Completa a gravação o trio para piano, violino e violoncelo baseado na sinfonia no. 2, que vocês já ouviram numa versão bastante camerística, e que sob Levin e seus talentosos comparsas soa tremendamente sinfônica.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto para piano e orquestra no. 4 em Sol maior, Op. 58
Arranjo para piano e quinteto de cordas do próprio compositor
Reconstruído por Hans-Werner Küthen
Cadenze de Robert Levin
Original composto entre 1804-1807

Publicado em 1808
Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Allegro moderato
2 – Andante con moto
3 – Rondo – Vivace

Robert Levin, piano
Lucy Howard e Peter Hanson, violinos
Anette Isserlis e Alan George, violas
David Watkin, violoncelo

Sinfonia no. 2 em Ré maior, Op. 36 (arranjo para piano, violino e violoncelo pelo próprio compositor)
Composta entre 1801-02
Arranjo para trio publicado em 1803
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

4 – Adagio molto – Allegro con brio
5 – Larghetto quasi andante
6 – Scherzo: Allegro
7 – Allegro molto

Robert Levin, piano
Peter Hanson, violino
David Watkin, violoncelo

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Lembram do professor Mariotti? Ei-lo de novo, explicando por que Levin tem
licença para arpejar tanto os acordes de Beethoven

#BTHVN250, por René Denon

Vassily