In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 11 de 11: Volumes 23, 39 & 41 (Chopin VII, X & XII)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicamos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até hoje, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a última das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


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Depois de escrever o maior dos capítulos da história da Música Brasileira, Arthur depôs a pena.

Entre seu primeiro cachê no Theatro da Paz em Belém e o derradeiro recital de “Um Piano pela Estrada”, passaram-se sete décadas. Do Carnegie Hall em Nova York ao coreto de Itapecuru-Mirim, vivera tudo. De Emil Gilels de Odessa a Seu Walter de Casinhas, encontrara todos.

Missão cumprida. Era hora de descansar.

O guerreiro recolheu-se a seu lar, num dos mais belos nacos do litoral brasileiro, e saboreou a vida em família.

Deixou seu repouso para pouquíssimas aparições públicas. Na mais significativa delas, em 5 de abril de 2023, fez-se acompanhar da Sinfônica de Minas Gerais, de cujo Concurso para Jovens Solistas aceitara ser padrinho. O programa era puro sumo de arthurzice: abriu com o Hino do Fluminense, em arranjo de sua lavra; prosseguiu com o Adagio do Concerto K. 488 de Mozart; e concluiu com O Despertar da Montanha, pérola de Eduardo Souto que ele sempre soube transformar em épico.

A escolha do K. 488 foi especialmente significativa, pois fora com ele que Arthurzinho, aos oito anos, vencera seu primeiro concurso de jovem solista, com a Sinfônica Brasileira sob Eleazar de Carvalho, quase setenta e cinco anos antes. Com aquele Adagio, um grande arco se fechava, depois de três quartos de um século a encantar o mundo, de suas grandes salas de concerto até as pracetas de suas mais remotas bibocas.

Seria seu canto de cisne.

Nada mais soube dele até que, em setembro do ano passado, a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro lhe conferiu o título de Doutor Honoris Causa. Durante a cerimônia de outorga, acompanhada remotamente pelo homenageado, desde Florianópolis, o diploma foi recebido por seu neto, o pianista Chico.

Conjurando todas as forças que lhe restavam para emitir cada uma de suas palavras, nosso herói agradeceu com os mesmos modos despretensiosos que permearam sua gloriosa jornada:

A essa altura da vida, não sei se eu sou merecedor dessa homenagem. Deixo a resposta dessa pergunta para aquelas pessoas que ouvirem meus discos”.

Espero que as quarenta e uma pistas que lhes alcancei os ajudem a responder.


Algumas semanas depois, em exatamente um ano antes do instante em que essa postagem foi ao ar, Arthur Moreira Lima Júnior partiu para as esferas. Decerto ao encontro de Frederico e de Ernesto; para reencontrar Dona Dulce e Arthur Pai; rever Lúcia, Marguerite e Rudolf; tocar com Astor e Radamés; e contar as novas a Cláudio, Sérgio e Millôr.

Em meio à comoção ante a infelizmente esperada notícia, as vozes mais audíveis eram unânimes em darem conta do quão grande ele fora e do quanto seu país lhe devia. No velório, enquanto depositava flores ao lado de muitas bandeiras do Fluminense, eu pude assim escutar:

– Um velório tão singelo para um tão grande homem! Por tudo o que ele fez, ele mereceria um funeral de Estado! Ele foi um dos maiores pianistas do mundo…

“… e um dos maiores brasileiros de todos os tempos”, completei mentalmente.

De volta para casa, depois de me despedir de Arthur, corri ao Grand Bazaar da interné e comprei os volumes que me faltavam de seu generoso testamento musical aos brasileiros. Estava desde então decidido a compartilhar a coleção “Meu Piano” com todos que a quisessem conhecer. Sentia que devia isso a Arthur, para que talvez, ainda que tardiamente, o mundo pudesse sentir algo da cratera que sua partida deixara cá em mim. Mais que isso: que os brasileiros algum dia tivessem tanto orgulho desse herói quanto ele teve de amor por eles.

Quero que jamais o esqueçam.

Como lhes prometi já na primeira postagem, essa minha homenagem nada teria de crítico: ela foi tão só carinho e saudade. Deixo a crítica para vocês, enquanto espero que minhas publicações lhes tenham dado alguma ideia do espetáculo que foi a vida desse brasileiro incomparável.

Em seus textos de apresentação aos álbuns de Arthur lançados sob seu selo, Marcus Pereira escreveu espirituosamente:

Conforme sabido e lamentado, Chopin não nasceu no Brasil, mas deveria”,

E também:

Revive também o piano, através de Arthur Moreira Lima, pianista patrício conhecido no mundo inteiro. Afinal (glosando Ferreira Gullar) o piano não foi inventado para humilhar o Brasil.

Não, e não mesmo:

Nenhum piano surrou mais nossa viralatice que o do nosso querido Chopin do Estácio.

Obrigado por tanto, Arthur.

 


Em memória de Arthur Moreira Lima Júnior

Rio de Janeiro, 16 de julho de 1940 – 30 de outubro de 2024, Florianópolis


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


VOLUME 23: CHOPIN VI

Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)

Polonaises para piano, Op. Póstumo:

1 – Polonaise em Sol Menor
2 – Polonaise em Si bemol maior
3 – Polonaise em Lá bemol maior
4 – Polonaise em Sol sustenido menor
5 – Polonaise em Si bemol menor

Três Polonaises para piano, Op. 71
6 – No. 1 em Ré menor
7 – No. 2 em Si bemol maior
8 – No. 3 em Fá menor

9 – Polonaise em Sol bemol maior

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: American Academy Hall, Nova York, Estados Unidos, 1983.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Supervisão: Jay K. Hoffman
Piano: Steinway & Sons, Nova York
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima 

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VOLUME 39 – CHOPIN XI – AS SONATAS

Fryderyk CHOPIN

Sonata para piano no. 2 em Si bemol menor, Op. 35
1 – Grave – Agitato
2 – Scherzo
3 – Marche Funèbre: Lento)
4 – Finale: Presto

Sonata para piano no. 3 em Si menor, Op. 58
5 – Allegro maestoso
6 – Scherzo: Molto Vivace
7 – Largo
8 – Finale: Presto non tanto

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: All Saints Church, Tooting, Londres, Reino Unido, 1999
Piano: Steinway and Sons
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.

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VOLUME 41 – CHOPIN XII

Fryderyk CHOPIN

Quatro Baladas para piano:
1 – No. 1 em Sol menor, Op. 23
2 – No. 2 em Fá maior, Op. 38
3 – No. 3 em Lá bemol maior, Op. 47
4 – No. 4 em Fá menor, Op. 52

Quatro Mazurcas para piano, Op. 33
5 – No. 1 em Sol sustenido menor
6 – No. 2 em Ré maior
7 – No. 3 em Dó maior
8 – No. 4 em Si menor

Trois Nouvelles Études pour le “Méthode des Méthodes” de Moschelles et Fétis:
9 – No. 1 em Fá menor
10 – No. 2 em Ré bemol menor
11 – No. 3 em Lá bemol maior

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: All Saints Church, Tooting, Londres, Reino Unido, 1999
Piano: Steinway and Sons
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.

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Nossa homenagem a Arthur deve tudo a dois mananciais.

O primeiro é O Piano e a Estrada (2009), livro-reportagem de Marcelo Mazuras, infelizmente fora de catálogo, mas facilmente disponível no Grand Bazaar da Interné. O autor, cuidadosamente, nunca o chamou de biografia, porque Arthur rechaçava o termo, que “no Brasil tem um ar solene, de testamento, de coisa definitiva”, e sua Coluna Prestes pianística ainda teria mais oito anos de estradas e rios pela frente.
Recomendamos fortemente sua aquisição e leitura, nem que seja para estimular sua reedição, talvez ampliada, dando conta dos quinze anos posteriores da jornada de nosso herói entre nós, esses sortudos.

Mazuras, que participou da Caravana Arthurzinho pelo sem-fim do Brasil, também dirigiu o documentário Um Piano para Todos (2022), disponível em várias plataformas de streaming. As imagens do caminhão-teatro sobre balsas a singrar os vastos rios amazônicos devem ter enchido Arthur de orgulho. Dir-se-ia nosso Fitzcarraldo do piano.

O outro manancial, já tantas vezes mencionado ao longo das postagens, foi o do Instituto Piano Brasileiro (IPB), para o qual Arthur generosamente enviou uma grande parte de seu acervo, com muitas gravações inéditas. O IPB digitalizou esses tesouros e os vem publicando em seus diversos canais, dentro do Projeto Arthur Moreira Lima, que visa a disponibilizar pela cyberesfera toda a discografia do gigante em vídeo-partituras. Além disso, nosso herói concedeu ao diretor do IPB, o multitalentoso Alexandre Dias, a mais extensa série de entrevistas de sua longa vida, ao longo de diversas madrugadas pandêmicas (pois Arthur, como já apontamos, sempre viveu no fuso horário de Honolulu). Reunidas em onze episódios e divulgadas no podcast Conversa de Pianista, elas ajudaram a abastecer de fatos e causos nossa homenagem.

O trabalho inestimável do IPB é inteiramente mantido por financiamento coletivo e só é possível graças ao apoio de seus assinantes. Convidamos nossos leitores-ouvintes a se juntarem a esse rol.

Mensagem de Arthur a Alexandre Dias, a agradecer pelo Projeto Arthur Moreira Lima. Que tal homenagear Arthur apoiando o IPB?


“Nesta última parte das entrevistas que Arthur Moreira Lima concedeu a Alexandre Dias em 2020, ele falou sobre a necessidade de um pianista desenvolver cultura geral, e os livros que o marcaram. Falou também sobre sua filosofia como intérprete, e sobre a arte de se montar programas de recitais.”


Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, concluímos o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952 com o maior ídolo de Arthur: Waldir Pereira, o Príncipe Etíope, o mago Didi (1928-2001)

 

 

Glosando Marcus Pereira, eu não sei se o moleque é Arthur – mas deveria.

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 10 de 11: Volumes 7, 22, 29 & 36 (Schumann & Liszt I & II, Brahms, O Romantismo Alemão)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a décima das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII  |   IX   |   X   |   XI


Um povo impedido do belo fica embotado.

Arthur Moreira Lima

E como desimpedi-lo?

Arthur, veterano polinizador de beleza planeta afora, queria agora levá-la a seu povo. Depois do sucesso de seus recitais no Morro da Mangueira e no icônico Rocinha in Concert, sonhava alto em se tornar camelô da cultura. Inda bem, talvez pensasse, que não nascera no diminuto Liechtenstein: seu Brasil, afinal, tinha vastidão, pujança, variedade. Por outro lado, os pesadelos logísticos inerentes a qualquer incursão fora das metrópoles faziam-no invejar aquele principadinho do tamanho dum pequi e com estradas de camurça. Lembrava de seu ídolo, Sviatoslav Richter, que ao completar setenta anos partiu com seu piano para uma turnê de seis meses pela Sibéria, tocando para qualquer dúzia de viventes que encontrasse pelo caminho. Nosso herói, que completara sessenta, via urgir seu chamado sem que pudesse contar com Trans-Siberianas e com o estoicismo casca-grossa dos russos.

Tentou começar, e fez uma breve incursão pelo interior do estado do Rio de Janeiro. Voltou derrotado: tocou pianos horrorosos em palcos desabantes, fosse em salas medíocres, fosse em áreas abertas que deglutiam o som toscamente amplificado. Precisava de bons pianos; era de mister que estivessem bem mantidos e afinados; mesmo que os encontrasse num raro teatro de boa acústica, não queria tocar em teatros, pois buscava as massas que o esperavam fora deles; e, se quisesse que elas o ouvissem, tinha que ser com alto e muito bom som. E isso tudo, que era o mínimo, não encontrou em lugar algum. Tudo errado.

Num desses retornos resmunguentos de mais um recital abaixo de qualquer crítica, parou com o motorista para comer um bagulho na beira da estrada. Ao ver passar um possante a rosnar com sua suspensão a ar, veio-lhe o clique:

– E se eu arrumasse um CAMINHÃO-TEATRO?

Comprou um caminhão, transformou seu baú num palco e um dos lados do baú num proscênio dobrável: ali estava seu caminhão-teatro. Evocando seus anos de formação no Colégio Militar, Arthur deu à sua criatura o miliquíssimo nome de DIPCAM, Dispositivo Pianístico de Concerto de Alta Mobilidade, e estava doido para lançar sua Coluna Prestes da Cultura. Acompanhado de outros veículos para transporte de pessoal  e equipamentos, incluindo um piano de concerto extra, a caravana estava a postos. Seu criador, sempre afeito à singeleza na hora de denominar seus projetos, batizou-a de Um Piano pela Estrada. Composta por cinco veículos e até quinze pessoas, ela incluía afinador, técnico de som, seu factotum e motoristas. Mais adiante, somar-se-iam duas dentistas: Margareth, sua esposa, e a enteada Grasiela, que desenvolveriam um projeto paralelo de Saúde Bucal. Intitulado Um Sorriso pela Estrada, ele incluía oficinas de escovação, distribuição de kits de higiene oral e, com a participação eventual de Arthur e seu piano de armário (incluso na bagagem), palestras em escolas.

A viagem inaugural do DIPCAM e o pontapé inicial do projeto ocorreram em 2002, com um concerto em Mendes, no interior do Rio de Janeiro, seguido de apresentações em Araxá e Uberaba. Afora os eventuais ajustes, como a confecção de tocos de peroba para calçar o caminhão-teatro nas nunca planas praças onde o estacionavam, outra mudança mostrou-se premente. Dadas as dificuldades de conseguir patrocínios para cada um dos eventos na miríade de rincões visitados, logo se tornou óbvio que a viabilidade do projeto dependeria de desdobrá-lo em rotas, com patrocinadores robustos para cada uma delas. Com “São Francisco – Um Rio de Música”, turnê que desceu o Velho Chico de sua nascente, em São Roque de Minas, até a alagoana Penedo, num total de 4800 km, Um Piano pela Estrada finalmente deslanchou. Seguiram-se outras rotas, inspiradas tanto em ídolos de Arthur (“Nos Caminhos de JK”) quanto em sua paixão feroz por Geografia (“Nos Caminhos da Fronteira”, que visitou cidades fronteiriças irmanadas com vizinhas estrangeiras, de Chuí a Xapuri). Nos quase dezesseis anos que se passariam até o último concerto, em 2018, Arthur e sua trupe levaram o caminhão-teatro por estradas e balsas a mais de seiscentas cidades brasileiras, e seu odômetro a superar os 400 mil quilômetros – dez voltas em torno do globo, ou muitas trans-siberianas.

Após alguns meses de ajustes, o espetáculo tomou suas formas finais. O DIPCAM estacionava numa área central da localidade, e seu palco era montado (algumas vezes, em mera hora e meia), bem como a estrutura de som e iluminação. Os concertos começavam às 21h, depois do pior do calor, com o público de barriga cheia e novela vista. A abertura ficava a cargo do talento local: cantores, instrumentistas, conjuntos, bandas, charangas e fanfarras revezaram-se na função, mas apenas Seu Lu da Gaita, flautista autodidata de Bom Jesus da Lapa (BA), teve o privilégio de dividir o palco com o protagonista. O recital, com cerca de noventa minutos, intercalava obras com comentários sobre elas. O programa, que fora uma das maiores preocupações de Arthur (em suas palavras, “o programa tem que ser um convite, não um susto”), mesclava “clássicos populares e os clássicos entre os populares”: Sonata ao Luar e Asa Branca, Rondó alla Turca e Carinhoso, Rapsódia Húngara no. 2 e Apanhei-te, Cavaquinho. Um telão mostraria tudo mesmo para quem estivesse longe, talvez trepado em muros e árvores, auxiliado por microcâmeras instaladas no teclado, que mostravam as mãos do astro em ação. No final, autógrafos, visitas ao palco, espiadas no piano e, muito para o gosto do Sr. Pau de Enchente, charla livre. Em seguida, restava desmontar a estrutura, encher os baús e cair na cama para, na manhã seguinte, voltar à estrada.

Queria ter sido um daqueles calços de peroba para acompanhar a epopeia. Os percalços dos caminhos, a descoberta de incontáveis brasis, as anedotas da estrada, os momentos mágicos da interação com o público, e o virtuosismo de Arthur em evocar o melhor que há nos seres humanos, eles todos encheriam tantas páginas quanto foram os quilômetros de estrada. O ótimo livro de Marcelo Mazuras dedica a maior parte das suas a contar-nos a experiência do autor como integrante da trupe. Entre suas muitas histórias memoráveis, nenhuma me tocou mais que aquela que começa com esse recado manuscrito, enviado a Arthur numa das paradas da turnê pelo Nordeste:

Caro pianista Arthur. Sou de uma cidade nordestina onde mais de 50% da população vive de bolsa família ou de aposentadorias rurais. Cultura só aquela que nossos antepassados nos encinarão, tais quais ciranda, coco de roda, quadrilha juninas, bunba meu boi, banda de pifanos, sanfoneiros e o tradicional forro pé de serra. Piano é um bicho que nós do nordeste só conhecemos pela televisão. Se tratando de nossa cidade que nem asfalto tem. Esperamos o ano toda até que venha o São João, e as festa dos padroeiros. E ter que aguentar axé e suing, em pleno São João e a cultura nordestina morrendo. Mas o que tem haver o piano com o nordeste? Ai é onde entra o meu pedido de coração para você. Sou matuto semi analfabeto mas gosto e aprecio o que é bom e olha não é só eu muitos nordestinos. Mas o grande problema é que só escutamos o que não queremos. Porque digo isso, nós não temos condições de se dirigir até a capital Recife que fica a 150km de distância. Pagar um ingresso para te assistir é outro problema e ai é ou não complicado, como já dizia o mestre Ariano Suassuna. Muitas musicas se torna um estrondo porque nós não temos opções de escolher o que queremos. A TV só leva o que elas querem, o rádio só toca o que quer e ai somos obrigados há ter que engolir. Mas caro Arthur, nossa cidade é bem acolhedora e te peço que analise com carinho este pedido e venha nos brindar com o seu talento e fazer com que a cidade de Casinhas tenha também o direito de ter em seu solo uma das mais respeitadas personalidades do mundo artistico internacional. Até porque somos muito carente de cultura em especial. O piano que só temos o direito de ver em televisão e porque não ao vivo e em especial com você. Pode ter a certeza que voce ira sair daqui com o coração muito mas feliz do que já é, e olha que você vai emocionar a todos e com certeza saira muito mais em ser aclamado por muitos daqueles que a caneta é a enxada e o caderno é o chão. Que deus te abençoe e atenda este pedido.”

Meses mais tarde, quando Arthur e o DIPCAM chegaram a uma cidadezinha no interior de Pernambuco, havia alguém especialmente feliz à sua espera. Era Seu Walter, o autor do bilhete, com um sorriso de gaita e os olhos suados. O pianista Arthur chegara a Casinhas, e ele e seu povo, enfim, escutariam o que queriam.

Nada pode ser maior.


NADA.


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


VOLUME 7: SCHUMANN & LISZT

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Estudos Sinfônicos em Forma de Variações, Op. 13
1 – Tema: Andante
2 – Estudo Nº 1: Un poco più vivo
3 – Estudo Nº 2: Marcato il canto
4 – Estudo Nº 3: Vivace
5 – Estudo Nº 4: Allegro marcato
6 – Estudo Nº 5: Scherzando
7 – Estudo Nº 6: Agitato
8 – Estudo Nº 7: Allegro molto
9 – Estudo Nº 8: Sempre marcatissimo
10 – Estudo Nº 9: Presto possibile
11 – Estudo Nº 10: Allegro con energia
12 – Estudo Nº 11 : Con espressione
13 – Nº 12 – Finale: Allegro brillante

Ferenc LISZT (1811-1886)

Sonata para piano em Si menor, S. 178
14 – Lento assai – Allegro energico – Grandioso – Cantando espressivo  – Pesante – Recitativo – Andante Sostenuto – Quasi adagio – Allegro energico – Più mosso – Cantando espressivo senza slentare – Stretta quasi presto – Presto – Prestissimo – Andante Sostenuto – Allegro Moderato – Lento Assai

Dos Estudos de Execução Transcendental, S. 139:
15 – No. 10 em Fá menor: Allegro agitato molto

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Estúdio no. 1 da Rádio de Moscou, na Casa Estatal de Radiodifusão e Gravação de Som da União Soviética em Moscou, 1970.
Engenheiro de som: Valentin Sklobo
Piano: Steinway and Sons, Hamburg
Remasterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1998.

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VOLUME 22: BRAHMS

Johannes BRAHMS (1833-1897)

Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 83
1 – Allegro non troppo
2 – Allegro appassionato
3 – Andante
4 – Allegretto

Arthur Moreira Lima, piano
Berliner Symphoniker
Otto Mayer, regência

Gravação: Berlim Oriental, República Democrática Alemã, 1976
Piano: Steinway and Sons, Hamburgo
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.

Das Duas Rapsódias para piano, Op. 79:
5 – No. 2 em Sol menor

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1999
Piano: Steinway and Sons
Engenheiro de som: Peter Nichols
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.

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VOLUME 29: O ROMANTISMO ALEMÃO

Robert SCHUMANN

Cenas Infantis, Op. 15
1 – De Povos E Terras Distantes
2 – Uma História Curiosa
3 – Cabra-Cega
4 – A Criança Implorando
5 –  Felicidade Perfeita
6 – Um Grande Acontecimento
7 – Rêverie
8 -Na Lareira
9 – O Cavaleiro de Pau
10 – Quase Sério Demais
11 – A Criança com Medo
12 – A Criança Adormece
13 – O Poeta Fala

Johannes BRAHMS

Sonata para piano no. 3 em Fá menor, Op. 5
14 – Allegro maestoso
15 – Andante espressivo
16 – Scherzo
17 – Intermezzo
18 – Finale

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1999
Piano: Steinway and Sons
Engenheiro de som: Peter Nichols
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.

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VOLUME 36: SCHUMANN & LISZT II

Robert SCHUMANN

Carnaval, Op. 9
1  – Preâmbulo
2 – Pierrô
3 – Arlequim
4 – Valsa Nobre
5 – Eusebius
6 – Florestan
7 – Coquette
8 Réplica
9 – Borboletas
10 – A.S.C.H. – S.C.H.A. (Letras Dançantes)
11 – Chiarina
12 – Chopin
13 – Estrella
14 – Reconhecimento
15 – Pantalon e Colombina
16 – Valsa Alemã/Paganini/Valsa Alemã
17 – Confidência
18 – Passeio
19 – Pausa
20 – Marcha dos Companheiros de Davi contra os Filisteus

Ferenc LISZT

Das Rapsódias Húngaras para piano, S. 244:
 21 – Nº 2 em Dó sustenido menor

Das Consolações para piano, S. 172:
22 – No. 3 em Ré bemol menor: Lento placido

Das Valses Oubliées, S. 215:
23 – No. 1: Allegro

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1998
Piano: Steinway and Sons, Hamburgo
Engenheiro de som: Peter Nichols
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.

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10ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele abordou seu importante projeto ‘Um piano pela estrada’, que levou recitais de piano a mais de 500 cidades do Brasil. Arthur fala sobre suas motivações iniciais, os desafios, e as conquistas ligadas a este projeto histórico

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o ponta-direita Telê Santana da Silva, o Fio de Esperança (1931-2006)

Vassily

 

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 9 de 11: Volumes 24, 28, 38 e 40 (Clássicos Favoritos V, VI, IX & X)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a nona das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII  |   IX   |   X   |   XI

Arthurzinho das massas estava em todas nos anos 80.

O embrião de tal onipresença foi sua participação no Circuito Universitário, iniciativa que desde o começo da década anterior levava grandes nomes da MPB para campi, teatros, ginásios e quaisquer outros espaços em que eles coubessem. Sempre destemido, Arthur foi o primeiro músico de concerto a embarcar  numa turnê do Circuito – e, convenhamos, o único capaz de aceitar um convite desses. Partiu de São Paulo, onde então morava, e prosseguiu de Kombi para Campinas e outras dez cidades do interior do estado. A experiência foi-lhe como um Caminho de Damasco: habitué de tantas paragens mundo afora, conhecedor de cada parada ao longo da Trans-Siberiana, Arthur enfim começava a descobrir seu país e a acolhida que as massas nos ginásios davam àquele pianista de raríssima figura, com cabeleira roqueira, calças de brim e a inseparável jaqueta de couro de alce.

Ó lá ela, a guerreira.

Não que tenha deixado a casaca de lado, como atesta, entre outros, o projeto Bach-Chopin que realizou com  João Carlos Martins. Tampouco deixou de ter preocupações fonográficas: farto da miríade de percalços para que seus discos fossem distribuídos pelas gravadoras e decidido decerto a cultivar mais uma úlcera, fundou o selo L’Art, tendo como sócio Lauro Henrique Alves Pinto, um dos “Filhos da Pauta”. Inda assim, preferia os mocassins e os pés na estrada. Xodó das multidões, para as quais era quase sinônimo de piano brasileiro, desfrutava uma liberdade incomum de escolher onde, como e com quem aparecer: mais que arroz de festa, o rei do rolê aleatório.

Até no gibi.

Se não, vejamos: depois de quase tocar com Elomar no formigueiro humano de Serra Pelada – com direito a transporte em avião da FAB, piano incluso -, acabou na não menor muvuca do Festival de Águas Claras, o “Woodstock” brasileiro, onde dividiu palco com Luiz Gonzaga (“esse cabra é tão bom que toca até Luiz Gonzaga”, foi o veredito do próprio) numa noite encerrada por João Gilberto. Às línguas de trapo que o acusavam de buscar as massas por estar em decadência técnica, respondia dando um tempo às turbas para, numa visita à Polônia, tocar (e gravar) Rachmaninoff desse jeito:

Sossegou? Claro que não: deixou São Paulo e mudou-se para o Rio, o qual voltou a chamar de morada depois de vinte anos. Foi fagocitado quase que de imediato pela boemia e requisitado em cada cantina, restaurante ou boteco onde, entre biritas, se cultivasse a boa prosa. Na confraria conhecida como “Clube do Rio”, aproximou-se de Millôr Fernandes, que prontamente reconheceu o potencial da avis rara e lhe escreveu um show, que também dirigiu – e assim, não mais que de repente, nascia “De Repente”.

Alternando textos de Millôr com bitacos de Arthur e grande música dos dois lados do muro da infâmia entre o dito “erudito” do assim chamado “popular”, o show foi um triunfo. Não demoraria para que o showman chegasse às telinhas, a convite de Adolpho Bloch, fundador da Rede Manchete. Conhecera-o em Moscou, nos seus tempos de Conservatório, mas estreitaram o convívio no Rio, frequentando o mesmo barbeiro, praticando o idioma russo e divertindo-se a falar, sem que ninguém mais compreendesse, bandalheiras impublicáveis.  Conquistado por aquele tipo maravilhoso que parecia pronto para TV, Bloch ofereceu-lhe carta branca para criar um programa semanal. Arthur pediu alto e levou: recebeu duas orquestras, dirigidas por Paulo Moura, que também lhe fazia os arranjos, e a crème de la crème  da música brasileira no rol de convidados. Nascia Um Toque de Classe, carregado daqueles momentos que, ao imaginá-los na TV aberta, fazem-me questionar em que sentido, enfim, roda a fita da civilização:

Arthur, que nunca foi muito afeito ao canto, ficou especialmente impressionado com a voz de Ney Matogrosso, que buscava novos rumos para sua carreira depois do frisson que causou com suas performances no extinto conjunto Secos & Molhados:

Ney, inacreditavelmente, ainda não se convencera de que era cantor. Arthur sugeriu que deixasse de lado a maquiagem e figurinos estrambólicos que até então tinham marcado sua carreira e que, de cara lavada, apostasse em sua rara voz. Não demorou até que o belíssimo contralto de Ney, tratado como afinado instrumento, estivesse a dividir o palco com outros quatro virtuoses.

Assim, na luxuosa companhia de Arthur, Paulo Moura (saxofone), Chacal (percussão) e Raphael Rabello (violão de sete cordas), Ney inaugurou uma nova fase em sua carreira com o show O Pescador de Pérolas. De lambujem, aproximou-se de Rabello, há já muitos anos um dos maiores violonistas do mundo, com quem mais adiante gravaria À Flor da Pele, que, em minha desimportante opinião, é um dos álbuns mais sensacionais que Pindorama deu ao mundo. O Pescador de Pérolas também virou disco, ainda que se lamente que o som do piano de Arthur, aparentemente, tenha sido captado do fundo duma lata de azeite:

Lambuzado de mel pelas massas e com saudades, talvez, de ferroadas, Arthur resolveu atirar-se no vespeiro: instigado por seu guru Darcy Ribeiro, aceitou a nomeação para alguns cargos públicos no Governo do Rio. Sob sua direção, o Theatro Municipal e a Sala Cecília Meireles receberam em seus palcos muita gente que seus habitués não deixariam nem entrar pela porta dos fundos, como a Velha Guarda da Portela. Divertindo-se com o previsível reproche de quem via violados seus espaços exclusivos e sacrossantos. Arthur ligou aquele famoso botão e prosseguiu: tocou em favelas (uma imagem de “Rocinha in Concert”está no cabeçalho dessa postagem) e chamou a Orquestra de Câmara de Moscou para tocar com ele em teatros, ao ar livre e em presídios. Quem o chamava de decadente – nem sempre por méritos artísticos – acabava por ter que deglutir cenas como as do Projeto Aquarius, em que o suposto ex-pianista e a Sinfônica Brasileira tocavam para Fla-Flus de gente:

Sim, 200 mil

Para refrescar-se das saraivadas de tomates, o Rei do Rolê Aleatório foi harmonizar seu piano com uma das vozes mais distintas do Brasil, o barítono de Nelson Gonçalves. Com alguns milhares de canções no repertório, escolher o que iria para o álbum foi por si só uma empreitada. O mais difícil, com sobras, era a incompatibilidade de relógios biológicos: Nelson acordava na hora em que Arthur ia dormir. Ainda assim, com cantor no fuso horário de Bagdá e pianista no de Honolulu, a parceria deu liga e rendeu um dos melhores álbuns de suas imensas discografias, O Boêmio e o Pianista:


Miacabo com Arthur e sua cara de “acordei agora”

Durante a extensa turnê com Nelson por mais de trinta cidades brasileiras, Arthur encantou-se com a tranquilidade e o clima ameno de Florianópolis e resolveu, enfim, lançar nela sua âncora. Trouxe seus pianos para perto do mar e até deve ter contemplado a ideia de sossegar. O sucesso da coleção “Meu Piano”, que vendeu um milhão de CDs a preços módicos em bancas de revistas, mostrou-lhe que o público não queria seu sossego. Pelo contrário: ainda havia muito mais gente a conquistar, nos vastos horizontes brasileiros, a ser buscada em seus últimos recantos, mesmo nas grotas que nunca tinham visto um piano. Assim, o rei das harmonizações improváveis juntou um Steinway com uma caçamba de Scania e partiu, como orgulhoso Camelô da Música (o termo é dele), para a mais épica jornada jamais empreendida por um artista brasileiro.


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 24: CLÁSSICOS FAVORITOS V

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Do Pequeno Caderno para Anna Magdalena Bach:

Christian PETZOLD (1677–1733)
1 – No. 2: Minueto em Sol maior, BWV Anh. 114

Johann Sebastian BACH
2 – No. 20: Minueto em Ré menor, BWV Anh. 132

Anton DIABELLI (1781-1858)

Das Sonatinas para piano, Op. 168:
3 – Moderato cantabile
4 – Andantino

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Das Duas Sonatinas para piano, WoO Anh. 5
5 – Sonatina em Sol maior

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Do Álbum para Jovens, Op. 68
6 – O Camponês Alegre
7 – O Cavaleiro Selvagem
8 – Siciliana
9 – Um Pequeno Romance
10 – São Nicolau

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)

Seis Danças Populares Romenas, Sz. 56
11 – Do Bastão
12 -Do Lenço
13 – Sem Sair Do Lugar
14 – Da Trompa
15 – Polka Romena
16 – Finale: Presto

Heitor VILLA-LOBOS (1887-1959)

Do Guia Prático para Piano, Primeiro Álbum:
,17 – Acordei de Madrugada
18 -A Maré Encheu
19 – A Roseira
20 -Manquinha
21 – Na Corda Da Viola

[as obras de Villa-Lobos não estão disponíveis pelos motivos aqui listados]

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Das Doze Peças para piano, Op. 40:
22 – No. 2: Chanson triste

Enrique GRANADOS Campiña (1867-1916)

Das Doze Danças Espanholas:
23 – No. 5, “Andaluza”

Edvard Hagerup GRIEG (1843-1907)

Das Peças Líricas, Op. 43:
24 – No. 6: “À Primavera”

Achille Claude DEBUSSY (1862-1918)

Dos Prelúdios, Primeiro Livro:
25 – No. 8: La fille aux cheveux de lin

Dmitry Dmitryievich SHOSTAKOVICH (1906-1975)

Das Danças das Bonecas, Op. 91:
26 – No. 1: Valsa Lírica
27 – No. 4: Polka
28 – No. 5: Valsa-Scherzo

Scott JOPLIN (1868-1917)
29 – The Entertainer

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998-99
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999.

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Volume 28: CLÁSSICOS FAVORITOS VI

Antônio CARLOS GOMES (1836-1896)
Transcrição de Nicolò Celega (1846-1906)

Da ópera Il Guarany:
1 – Protofonia

Carl Maria Friedrich Ernst von WEBER (1786-1826)

2 – Convite à Dança, Op. 65

Franz Peter SCHUBERT (1979-1828)

Dos Quatro Improvisos para piano, D. 899:
3 – No. 4 em Lá bemol maior

Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847)
4 – Rondo Capriccioso, Op. 14

Johannes BRAHMS (1833-1897)

Das Valsas para piano, Op. 39:
5 – No. 1 em Si maior
6 – No. 2 em Mi maior
7 – No. 3 em Sol sustenido menor
8 – No. 6 em Dó sustenido maior
9 – No. 15 em Lá bemol maior

George GERSHWIN (1898-1937)

10 – Rhapsody in Blue

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1999
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999.

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Volume 38: CLÁSSICOS FAVORITOS IX – TRANSCRIÇÕES CÉLEBRES

Ferenc LISZT (1811-1886)

Dos Doze Lieder de Franz Schubert, S. 558:
1 – No. 9: Ständchen

2 – Miserere du Trovatore de Giuseppe Verdi, S. 433

Do Wagner-Liszt Album:
3 – Isoldes Liebestod

4 – Liebeslied, S. 566 (baseada em Widmung, Op. 25 no. 1 de Robert Schumann)

De Années de Pèlerinage – Deuxième Année: Italie, S. 161:
5 – No. 5: Sonetto 104 del Petrarca

Johannes BRAHMS
Transcrição de Percy Grainger (1882-1961)

Das Cinco Canções, Op. 49:
6 – No. 4: Wiegenlied

Aleksandr Porfirevich BORODIN (1833-1887)
Transcrição de Felix Blumenfeld (1863-1931)

De Príncipe Igor, ópera em quatro atos:
7 – Dança Polovetsiana no. 17

George GERSHWIN
Transcrição de Percy Grainger
8 – The Man I Love

Oscar Lorenzo FERNÁNDEZ (1897-1948)
Transcrição de João de Souza Lima (1898-1982)

Da Suíte Reisado do Pastoreio:
9 – No. 3: Batuque

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: All Saints Church, Tooting, Londres, Reino Unido, 1999
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999

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Volume 40: CLÁSSICOS FAVORITOS X

Charles-François GOUNOD (1818-1893)

1 – Ave Maria (Meditação sobre o Primeiro Prelúdio para piano de Johann Sebastian Bach)

Johann Sebastian BACH

Da Fantasia e Fuga em Dó menor, BVW 906:
2 – Fantasia

Franz SCHUBERT

Três Valsas:
3 – Op. 9 nº 1
4 – Op. 9 nº 2
5 –  Op. 77 nº 10

Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)

Dos Doze Estudos para piano, Op. 10:
6 – No. 3 em Mi maior

Ferenc LISZT

Dos Três Estudos de Concerto, S. 144:
7 – No. 3: Un Sospiro

Johannes BRAHMS

Dos Três Intermezzi para piano, Op. 117:
8 – No. 2 em Si bemol menor

Leopold Mordkhelovich GODOWSKY (1870-1938)

9 – Alt-Wien

Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)

De Chants d’Espagne, Op. 232:
10 – No. 1: Prélude (Asturias)

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)

11 – Pavane pour une infante défunte

Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)
Transcrição do compositor

Do balé El Sombrero de Tres Picos:
12 – Danza del Molinero

Gabriel Urbain FAURÉ (1845-1924)
Transcrição de Percy Grainger

Das Três Melodias, Op. 7:
13 – No. 1: Après un Rêve

Ludomir RÓŻYCKI (1883-1953)
Transcrição de Grigory Ginzburg (1904-1961)

14 – Valsa da Opereta Casanova

Antônio CARLOS GOMES

15 – Quem Sabe?

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: All Saints Church, Tooting, e Rosslyn Hill Chapel, Londres, Reino Unido, 1999
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999

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9ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele abordou os seguintes tópicos, sobre sua carreira na década de 1990: concertos que tocou no morro da Mangueira e na Rocinha; período em que foi diretor da Sala Cecília Meireles; período em que foi subsecretário de cultura do estado do RJ, encarregado do interior; sua colaboração com o cantor Nelson Gonçalves; o recital que realizou juntamente com Ana Botafogo; seu disco dedicado ao compositor Brasílio Itiberê; a grande coleção de 41 CDs “Meu piano”, lançada pela Caras em 1998; a caixa de 6 CDs “MPB – Piano collection”, dedicada a Dorival Caymmi, Chico Buarque, Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Roberto Carlos; disco dedicado a Astor Piazzolla, com arranjos de Laércio de Freitas

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Eis o ponta-esquerda Joaquim Albino, o Quincas (1931-2000).

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 8 de 11: Volumes 20, 27, 30 & 35 (Música Popular Brasileira, Radamés Gnattali, Brazílio Itiberê & Valsas Brasileiras)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a oitava das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |   X   |   XI

A relativa linearidade da trajetória de Arthur como estudante e pianista de concerto – da juventude no Rio nos anos 40 e 50, passando pelos períodos formativos em Paris e Moscou nos 60, até a década de 70, vivida mormente em turnês com bases em Viena e Barcelona – até que tornou fácil minha tarefa de contar suas muitas proezas ao longo das sete postagens anteriores. Como se diz nas conversas de boteco:

– Até aqui, tudo bem.

O que, sim, me tirou o sono desde que comecei essa série foi a perspectiva de ter que lhes explicar como um multilaureado pianista de concerto, que praticamente tinha cosidas a si a casaca e a gravata-borboleta, mergulhou num mundo povoado por chorões e bardos nordestinos, fardado da inseparável jaqueta de couro de alce finlandês, que usou quase até a desintegração completa.

Ei-la.

Esse longo arco, que começou com o horror de uma mestra – Lúcia Branco, mortificada com o conjunto “Filhos da Pauta”, que tinha Arthur como pianeiro e seus colegas de Colégio Militar a animarem aniversários com boleros e sambas-canção -, terminou com o muxoxo de outro mestre: Rudolf Kehrer, um ardente fã do ex-pupilo que, não obstante, fez saber através de amigos em comum da decepção com os rumos que sua carreira tomara.

Foto totalmente fora de contexto, mas não perderíamos a oportunidade de compartilhar esse registro maravilhoso de Arthurzinho e Nelsim tocando a quatro mãos e, parece, num concurso de semblante mais blasé.

Não que Arthur se importasse: morando na Europa e exasperado pela rotina de turnês, contemplou longamente a ideia de dar um cavalo de pau na sua vida. Sua guinada foi catalisada pela morte precoce de um grande amigo, Cláudio Mauriz, seu colega no Liceu Francês e ex-goleiro do Santos Futebol Clube, que mal conseguira rever entre as andanças de ambos pelo globo. De que lhe valiam suas conquistas, pensava, se não conseguia estar perto dos que mais lhe importavam? Enfim decidira: não só voltaria ao Brasil, como também começaria, aos poucos, a deixar a doideira da rotina de concertista internacional para embarcar em outras doideiras.

E põe doideira nisso.

Em pouco tempo, enquanto colhia sucessos plantados com a jaqueta de alce e a calçar mocassins, já tinha que se defender assim da previsível chuva de tomates críticos:

O músico não pode ficar restrito a um instrumento, a um gênero musical. Ele tem de errar. Tem de ensaiar, tentar atingir novos universos. O essencial não é brilhar, mas tentar e fazer”

Não faltaram tentativas, e a elas – tomates à parte – tampouco faltou brilho. Arthur estreou no choro em grandíssimo estilo, com o Época de Ouro, conjunto fundado por seu ídolo, Jacob do Bandolim. Mario de Aratanha, fundador da Kuarup Discos, assim nos conta em suas notas ao LP “Chorando Baixinho”:

O envolvimento de Arthur Moreira Lima com a música popular carioca foi gradual, e partiu de seu amor pelo choro e de seus antológicos álbuns dedicados a Ernesto Nazareth. O sucesso que se seguiu levou Albino Pinheiro [um dos fundadores da Banda de Ipanema] a convidá-lo para o famoso Seis e Meia, em setembro de 77. Lá, no [Teatro] João Caetano, Arthur tocou pela primeira vez com um regional: duas músicas com o conjunto do Dadinho, que ele mesmo havia trazido de Santos para a Praça Tiradentes.

Em maio de 78, recém chegado da Europa, Arthur topou fazer seu primeiro show só de música popular, ao lado do conjunto Galo Preto, reforçado na época pelo [violão de] 7 cordas de Raphael Rabello, o Rafa. Foi no MAM do Rio, sob a direção do Paulo Moura, quando ele lançou o Choro de Mãe do Wagner Tiso, tocou Tom e Luizinho Eça, e ‘chorou’ à vontade durante cinco noites. Numa esticada na Churrascaria Jardim, Arthur desabafou seu grande sonho: tocar com os maiores cobrões do choro:

– Imagina eu tocando com o Abel Ferreira? E com o Copinha? E o Época de Ouro em peso lá atrás, com o Dino na baixaria? Hein? Hein? – e voltou a atacar uma nova fatia de maminha de alcatra.

[…]  E tudo deu certo. Além de Abel, Copinha e o Época de Ouro, chamou-se o Zé da Velha. No último momento, o Ronaldo do Época de Ouro ficou com hepatite, e o Jorginho então chamou o Joel Nascimento para os solos de bandolim. O Airton Barbosa reuniu o pessoal na casa da Maliza, tia do Arthur, na Avenida Atlântica, e os ensaios viraram roda de choro em volta do piano de sarau. Foi um espetáculo só […] E o sonho virou disco.”

Treinado, dir-se-ia adestrado, desde os tempos de calças curtas a seguir estritamente a música depositada em pautas, Arthur via-se compelido a reinventar-se fora delas, tanto para acompanhar músicos que nunca as precisaram seguir, como para também improvisar com eles. Nesse afã de encontrar um caminho do meio entre a música posta em papel e ouvida em teatros e tudo o mais que havia fora deles, ele soube exatamente a quem recorrer.

Radamés Gnattali, um dos músicos brasileiros mais versáteis de todos os tempos, era dotado duma capacidade única de transitar entre universos e de aproximá-los, com harmonia e orquestração refinadíssimas, de forma sofisticada e inovadora. Tremendo pianista, que Arthur sempre colocou na lista dos maiores que conheceu, Gnattali tivera planos de se tornar concertista, mas foi premido a ganhar o pão como operário da Música. Despendeu décadas como maestro, pianista e prolífico arranjador para rádio e televisão e mostrou que o samba e o choro podiam ser material de música de concerto cheia de verve e elegância.

Para aquela traiçoeira navegação por universos musicais ditos dicotômicos não poderia haver farol melhor. O veterano, por sua vez, ao ver achegar-se aquele virtuose que conhecia desde menino e se enfadara com a vida que ele sonhara para si mesmo, viu a oportunidade de realizar através dele muito do melhor que imaginou para o piano. Sabendo do imenso amor do ex-moscovita por Noel Rosa (ele chegou a declarar ao Pasquim que, se fosse mulher e vivesse no tempo dele, estariam feitos), dedicou-lhe um concerto baseado em seus temas favoritos do mestre de Vila Isabel, que já lhes oferecemos aqui. A morte de Radamés, em 1988, reviveu em Arthur os sentimentos de orfandade que tanto lhe marcaram a infância. Crendo firmemente que jamais fora grato o bastante ao falecido, e sabedor do quão rapidamente o Brasil esquecia seus gênios, teve urgência em lhe fazer um tributo. Em tempo recorde, sob os auspícios da então pujante Varig, viria a público a homenagem ao demiurgo recém-chegado ao céu:

O improvável encontro com Marcus Pereira, que levou à gravação dos álbuns nazarethianos e todos seus desdobramentos, levaria a outro, ainda menos plausível. Dessa vez, foi Marcus quem fez as honras e lhe apresentou o bardo Elomar, o raríssimo combo de músico, poeta e criador de bodes de quem, obviamente, tornou-se instantaneamente amigo. Logo no primeiro encontro, Elomar – doravante “Bodão”, que era como todos amigos o chamavam – assegurou ao pianista que sua música não tinha “nada dessa suvaqueira de bossa nova”. E não tinha mesmo: Arthur achou-a quase medieval e teve a sacada de acompanhá-la ao cravo, que tomou emprestado ao cravista e luthier Roberto de Regina. Não tardou para a parceria, que tantos diriam esdrúxula como siri com Toddy, virasse show e álbum:

Arthur e Bodão planejavam algo ainda maior e, antes que pudessem acionar seu mentor, viram-se devastados pela morte de Marcus Pereira. Enquanto secavam o choro, uniram-se a dois outros virtuoses – Paulo Moura e Heraldo do Monte – e lançaram seu tributo a Marcus na forma do ConSertão, que virou show e também um álbum que vocês já ouviram aqui no PQP.

 

Arthur é ótimo; o que estraga são os amigos.

Se até críticos que normalmente o reverenciavam, como José Tinhorão, autor do aforismo acima, torciam o nariz ao verem o Arthur de Jaqueta Velha a tocar “André de Sapato Novo“, que diriam aqueles que desde sempre o desancaram? Mesmo alguns fãs rezavam segundo o adágio corrente, o de que Arthur era tão só um ex-pianista que buscara refúgio no ecletismo para disfarçar sua incapacidade de atender aos rigores do pianismo de concerto.

Deixarei que o defenda Luis Fernando Veríssimo, que assim escreveu para o álbum-tributo a Radamés Gnattali:


O eclético, coitado, seria o cara obrigado a se diminuir, dispersando o seu talento. A versatilidade seria a marca da concessão, da rendição ao mercado, do abandono da seriedade. Mesmo os que não são ecléticos por necessidade, mas por gosto, sofrem com este tipo de preconceito. Uma produção musical muito abrangente – segundo o preconceito – só é feita com o sacrificio do rigor que separa o verdadeiro artista do menos verdadeiro. Incrivelmente, o academicismo brasileiro ainda não decidiu se Villa-Lobos, por ter experimentado tanto com formas populares, foi um grande compositor ou apenas um bom gigolô do exótico. Nunca se ouviu discussão parecida sobre o que Béla Bartók fez com o folclore da terra dele. Até o Arthur Moreira Lima é discutido. Haveria algo de errado, de não muito respeitável, com tanta abertura para tantas formas de prazer musical. No Brasil, depois de dizer ‘eclético’ você precisa acrescentar: ‘no bom sentido. Para ficar claro que é elogio.”

Não que nosso eclético herói, que sempre sonhou grande, se importasse com isso. Pelo contrário: adotou com orgulho o epíteto cunhado por Verissimo e, como bom gigolô do exótico, foi mostrar sua surrada jaqueta de alce para as massas.

 


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 20: CLÁSSICOS FAVORITOS IV/MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

José Gomes “ZEQUINHA” DE ABREU (1880-1935)
1 – Tico-Tico no Fubá

Eduardo José Alves SOUTO (1882-1942)
2- O Despertar da Montanha

Alfredo da Rocha Vianna Filho, dito PIXINGUINHA (1897-1973)
3 – Lamento
4 – Carinhoso

Antônio Carlos “TOM” Brasileiro de Almeida JOBIM (1927-1994)
5 – Luiza

Laércio de FREITAS (1941-2024)
6 – Teclas e Dedos

Francisco “CHICO” BUARQUE DE HOLLANDA (1944)
Marcus VINÍCIUS da Cruz de Mello MORAES (1913-1980)
7 – Valsinha

ARISTIDES Manuel BORGES (1884-1946)
8 – Subindo ao Céu

EROTIDES Jonas de CAMPOS Neves (1896-1945)
9 – Ave Maria

Joaquim Antônio da Silva CALLADO (1848-1880)
10 – Flor Amorosa

Henrique Alves de MESQUITA (1830-1906)
11 – La Brésilienne

Francisca Edviges Neves “CHIQUINHA” GONZAGA (1847-1935)
12 – Gaúcho

Paulo MOURA (1932-2010)
13 – Mão Esquerda

Heraldo do MONTE (1935)
14 – Chuva Morna

Arthur Moreira Lima, piano

Faixas 1, 6, 7 & 9:
Gravações: American Institute of Music, Nova York, Estados Unidos, 1984.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Coordenação geral: Jay K. Hoffman
Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo

Faixas 2, 8 & 10-14:
Gravações: Sala Cecília Meirelles, Rio de Janeiro, Brasil, 1980 e 1982
Piano: Steinway & Sons, Nova York

Faixa 3:
Gravação: Multistudios, Rio de Janeiro, Brasil, 1983.
Piano: Steinway & Sons, Nova York.

Faixas 4 & 5:
Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998.
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo

Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Volume 27: RADAMÉS GNATTALI

Radamés GNATTALI (1906-1988)

1 – Uma Rosa para o Pixinguinha

Oito Estudos em Ritmo de Choro
2 – Alma Brasileira
3 – Noturno (com Joel Nascimento, bandolim)
4 – Capoeirando
5 – Duas Contas (com Zeca Assumpção, contrabaixo)
6 – Encontro com a Saudade (com Zeca Assumpção, contrabaixo)
7 – Guriatan de Coqueiro
8 – Por Quê?
9 – Nova Ilusão

10 – Homenagem A Ernesto Nazareth
11 – Canhoto
12 – Vaidosa nº 1

Brasiliana nº 8 para dois pianos
13 – Schottisch
14 – Valsa
15 – Choro

Arthur Moreira Lima, piano
(nas faixas 13-15, Arthur toca as partes dos dois pianos)

Gravação: Master Studios, Rio de Janeiro, Brasil, janeiro de 1989.
Produção musical: João Pedro Borges

Engenheiro de som: Carlos Eduardo de Andrade (Carlão)
Técnicos de gravação: Mario Roberto Doria Possollo (Leco) e Luiz Felipe (Mequinho)
Afinação, regulagem e afinação dos Pianos: Olivio Valarini
Edição musical: Carlos Eduardo de Andrade (Carlão) e João Pedro Borges
Supervisão do projeto: Lúcio Ricardo Marques da Silva
Idealização, direção artística e produção executiva: Arthur Moreira Lima
Coordenação da produção: Manuel Luis da Silva
Pianos: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998

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Volume 30: HINO NACIONAL BRASILEIRO/BRAZÍLIO ITIBERÊ

BRASÍLIO ITIBERÊ da Cunha (1846-1913)

01 – A Sertaneja, Fantasia Característica, Op. 15
02 – Poème d’Amour, Fantaisie, Op. 22
03 – Étude de Concert d’Après C.P.E. Bach
04 – Caprices à La Mazurka, Op. 32 nº 3
05 –  Une Larme, Méditation, Op. 19
06 – Grande Mazurka de Salão, Op. 41
07 – A Serrana, Fantasia Característica
08 –  La Dahabieh (La Gondole du Nil), Barcarolle de la Suite “Nuits Orientales”, Op. 27

Louis Moreau GOTTSCHALK (1829-1869)

09 – Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, para piano

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Teatro Álvaro de Carvalho, Florianópolis, Brasil, 1995
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Engenheiro de Som: Carlos Eduardo de Andrade (Carlão)
Idealização do projeto: Rafael Greca de Macedo
Direção artística e produção executiva: Arthur Moreira Lima
Produção musical e supervisão da gravação: Rosana Martins Moreira Lima
Supervisão do projeto: Geraldo Pougy de Rezende Martins
Coordenação da produção: Manuel Luis da Silva
Edição e masterização: Estúdio Visom (Rio de Janeiro) por Rosana Martins Moreira Lima e Rodrigo Lopes
Masterização final: Estúdio Mondo di Cromo (São Paulo) por Luiz Ferreira e Vanderlei Quintino

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A edição original deste álbum já fora disponibilizada aqui pelo colega Bisnaga.


 

Volume 35: CLÁSSICOS FAVORITOS VIII – VALSAS BRASILEIRAS

Zequinha de Abreu
Arranjo de Arthur Moreira Lima

1 – Branca

Alberto MARINO (1902-1967)
Arranjo de Laércio de Freitas

2 – Rapaziada do Brás

Ernesto Júlio de NAZARETH (1863-1934)

3 – Epônina

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998.
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

Francisco MIGNONE (1897-1986)

Doze Valsas de Esquina, para piano

4 – Nº 1 em Dó menor: Soturno e seresteiro
5 – Nº 2 em Mi bemol menor: Lento e mavioso
6 –  Nº 3 em Lá menor: Com entusiasmo
7 – Nº 4 em Si bemol menor: Vagaroso e seresteiro
8 – Nº 5 em Mi menor: Cantando, e com naturalidade
9 – Nº 6 em Fá sustenido menor: Tempo de valsa movimentada
10 – Nº 7 em Sol menor: Moderadamente
11 –  Nº 8 em Dó sustenido menor: Tempo de valsa caipira
12 – Nº 9 em Lá bemol menor: Andantino mosso
13 – Nº 10 em Si menor: Lento, romântico e contemplativo
14 – Nº 11 em Ré menor: Moderato
15 – Nº 12 em Fá menor: Moderato – Vivo

Gravação: Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro, Brasil, julho de 1980 (valsas nos. 1, 2, 7, 8 & 12) & janeiro de 1982
Engenheiro de gravação e edição: Carlos Fontenelle
Assessoria acústica: Américo Brito
Produção musical: João Pedro Borges
Assistência da direção: Janine Houard
Assistência da gravação: Homero Moraes
Assistência da produção: Heloisa Freire, Paulo Barbosa e Grace Elizabeth
Produção executiva e direção geral: Mario de Aratanha

Arthur Moreira Lima, piano

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A gravação das Valsas de Esquina já aparecera no blog nesta publicação do colega Pleyel.


“8ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele abordou os seguintes tópicos: LP “Com licença”, e os shows de lançamento por várias cidades do Brasil; LP “De Repente”; sua amizade com Adolpho Bloch o programa de TV “Um toque de classe”, que ele apresentou na Manchete; sua ligação com Raphael Rabello; o show “O pescador de pérolas”, com Ney Matogrosso; os 3 discos de Villa-Lobos, de 1988; suas gravações que ele gosta reouvir; as diferenças entre as gravações de Ernesto Nazareth que ele fez em 1975 e 1982; as diferenças entre gravar um disco e tocar um recital ao vivo; os 8 Estudos em ritmo de choro, de Radamés Gnattali, que ele gravou no final da década de 1980″

Já coletou sua pérola pianística brasileira diária no Instituto Piano Brasileiro? Então vai lá e aproveita para se tornar um seu apoiador.

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Eis o meia-esquerda Orlando de Azevedo Viana, o Orlando Pingo de Ouro (1923-2004).

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 7 de 11: Volumes 9, 10, 16 & 32 (Ernesto Nazareth I/Johann Sebastian Bach/Astor Piazzolla/Ernesto Nazareth II)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a sétima das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |     |   XI

Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1966. Depois de iniciar seu exigente programa com a Fantasia de Schumann e a Sexta Sonata de Prokofiev, e antes de fechá-lo com os vinte e quatro Prelúdios de Chopin, o quase moscovita Arthur Moreira Lima, de visita ao pago, viu-se compelido pela bruta força da lei a tocar uma cota de peças brasileiras. Inimigo do óbvio, como sempre, guardou seus muitos Villa-Lobos nas mangas da casaca e tascou as notas inventadas por um seu conterrâneo nascido não tão longe dali, no morro do Nheco. Era a valsa de um pianeiro – pois assim chamavam os pianistas populares, ou de “bossa”, em seu tempo -, de um operário do piano que sonhara com as ribaltas dos grandes teatros, mas tivera que ganhar a vida a dar aulas e tocar em saraus, alguns dos quais frequentados por Luísa, a avó de Arthur. E assim, décadas depois de ser barrada daquele mesmo palco, por ser fruto de um pianeiro e, portanto, acharem-na indigna das salas de concerto, que a grande música de Ernesto Nazareth foi ouvida pela primeira vez no Municipal e o nosso herói começou a dar o maior cavalo de pau de sua vida.

Tocar Nazareth no Municipal era tão improvável que o redator se embananou na descrição do programa e criou um compositor híbrido polono-brasileiro, Ernesto N. Chopin.

Além de “Coração que Sente“, Arthur tocou o “Batuque“. A plateia veio abaixo e a crítica, surpreendentemente, guardou seus tomates. “Com a mesma independência que moveu Moreira Lima a colocar Nazareth entre Schumann, Prokofieff e Chopin”, escreveu um deles, “deve-se assinalar aqui que foram essas breves composições as mais comoventes de toda a noite”. Arthur lembraria, décadas mais tarde, da sensação causada por seu arrojo:

Me orgulho de ter podido contribuir para esse revival de Nazareth numa época em que ele andava meio esquecido, meio fora de moda. Mas como eu ia esquecer, se cresci ouvindo minha avó tocar aqueles tangos todos? É uma imagem que guardo viva comigo: eu pequeno, na casa da rua Dois de Dezembro, no Catete, ouvindo minha avó tocar o piano de armário dela: ‘Famoso’, ‘Escorregando’, ‘Odeon’, ‘Brejeiro’ e o próprio ‘Coração que sente'”

Na década seguinte, o então semivienense estava em nova visita à terrinha. Seu amigo, o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral, chamou-o para almoçar. Entre chopes e ante um bobó de camarão, apresentou-lhe um outro amigo, um publicitário que se urdira da túnica de produtor fonográfico e embarcara na mais ambiciosa, desenfreada e maravilhosa iniciativa até então vista de criar uma gravadora movida tão só a grande Música Brasileira. Arthur Moreira Lima e Marcus Pereira se adoraram à primeira vista, e bastou a centelha de duas palavras de Cabral – “Ernesto Nazareth” – para que recém-amigos se incendiassem com a ideia de gravar aquela grande música. Saíram de lá com o plano firme de um álbum duplo com obras do Mestre do Morro do Nheco, cuja lista preliminar Arthur já rabiscara no primeiro papel que encontrou. Em alguns meses, naquele mesmo ano da graça de 1974, ele adentraria um estúdio londrino para de lá sair, em meros dois dias, com vinte e cinco faixas gravadas. “Arthur Moreira Lima Interpreta Ernesto Nazareth”, lançado no ano seguinte, vendeu sensacionais duzentas mil cópias, e rendeu um segundo tomo, lançado em 1977, com outras vinte e quatro obras e o seguinte veredito do crítico José Ramos Tinhorão, do Jornal do Brasil:

[O disco cumpre o papel de] exorcizar, definitivamente, o preconceito de dependência cultural europeia da elite brasileira, segundo a qual somente autores consagrados merecem interpretação recitalista”

Óbvio que assinamos com o relator.


O sucesso da dobradinha Ernesto/Arthur transformou aquele carioca que tocava mais russamente que os próprios russos no xodó de chorões do Brasil inteiro, e no glúteo favorito dos pontapés de tanta gente obtusa. Inaugurava-se, assim, um dos passatempos favoritos de seus pares no Brasil: falar dele com desdém, certamente incensado pela inveja, a que Arthur, às gargalhadas, sempre deu de ombros até o fim de seus dias.  “Dizem que vou ao cinema para torcer pelo bandido”, ria nosso herói, talvez a reconhecer que, para muitos compatriotas incompreensivos, ele próprio era um pouco bandido – um gauche da Música.

Os gauches, claro, sempre se atraem. Em inda outra visita à terrinha, em 1979, já nas saideiras de Barcelona, quase com um pé de volta ao Rio, o novo Rei do Tango Brasileiro encontrou o Demiurgo do Tango Argentino. Astor Piazzolla estava em turnê pelo Brasil, e Arthur aproveitou o ensejo para realizou o antigo sonho de conhecer o ídolo. Não deixaria de fazê-lo, por óbvio, em grande estilo: ofereceu seus préstimos de fã, melômano e afiado hispanohablante a uma emissora de televisão e dela ganhou a incumbência de, com credenciais de repórter impromptu, entrevistar a azeda fera. O que era para ser um curto encontro acabou virando, entre incontáveis veja-bens e che-boludos, uma noite virada em animada charla. Adoraram-se instantaneamente e tornaram-se amigos para toda a vida. Ainda mais que a admiração pela grande música do mestre argentino, Arthur identificava-se com o longo exílio e, sobretudo, com a incompreensão experimentada por Astor em seu país natal, onde era, entre outros impropérios, “el asesino del tango“, acusado de distorcer aquele sacrossanto tesouro cultural argentino com tacapes de música de concerto e de corroê-lo com ácidos jazzísticos.

A devoção a Piazzolla, pensava ele ao sair do memorável encontro, teria que ser eternizada em disco. Levou quase vinte anos para gravá-lo. Astor, que morrera em 1991, chegou mesmo a legar ao amigo brasileiro a distinta dedicatória de uma peça inédita, para que dela fizesse a primeira gravação: um tango para piano solo composto em 1953 em Paris, nos tempos em estudara com Nadia Boulanger, e que deveria chamar-se “Tango” (“sencillamente ‘Tango’, Arthur, nada más“), mas acabou publicada como “Tango Preludio”. Tocá-la, claro, não seria qualquer problema – o que lhe tirava o sono era preencher o restante do álbum, transpondo para um teclado e tão só dez dedos toda a complexidade das composições de Piazzolla para o bandoneón e seu conjunto. Ao conhecer o genial Laércio de Freitas, suspirou em alívio: não só descobriu a quem confiaria a tarefa, com também fez outro amigo para o resto de seus dias:


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 9: ERNESTO NAZARETH I

Ernesto Júlio de NAZARETH (1863-1934)

1 – Odeon
2 – Escorregando
3 – Duvidoso
4 – Batuque
5 – Fon-Fon
6 – Apanhei-Te Cavaquinho
7 – Brejeiro
8 – Pássaros em Festa
9 – Bambino
10 – Sarambeque
11 – Carioca
12 – Turuna
13 – Quebradinha
14 – Dirce
15 – Improviso

Arthur Moreira Lima, piano

Gravações: American Institute of Arts, Nova York, Estados Unidos, 1982.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Coordenação geral: Jay K. Hoffman
Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Volume 10: JOHANN SEBASTIAN BACH

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

1 – Prelúdio em Dó Menor, BWV 999
2 – Prelúdio para órgão em Sol menor, BWV 535 (transcrição para piano de Aleksandr Siloti)

Partita no. 1 em Si bemol maior, BWV 825
3 – Praeludium
4 – Allemande
5 – Courante
6 – Sarabande
7 – Menuet I & II
8 – Gigue

9 – Invenção a duas vozes em Ré menor, BWV 775

Fantasia Cromática e Fuga em Ré menor, BWV 903
10 – Fantasia
11 -Fuga

Partita no. 2 em Dó menor, BWV 826
12 – Sinfonia
13 – Allemande
14 – Courande
15 – Sarabande
16 – Rondeau
17 – Capriccio

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998.
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Volume 16: ASTOR PIAZZOLLA

Astor Pantaleón PIAZZOLLA (1921-1992)
Arranjos de Laércio de Freitas (1941-2024)

Tangata, Silfo y Ondina
1 – Fugata
2 – Soledad
3 – Finale

4 – Libertango

Das Cuatro Estaciones Porteñas:
5 – Invierno Porteño

6 – Decarisimo
7 – Oblivion

Astor PIAZZOLLA

8 – Tango-Preludio (dedicado a Arthur Moreira Lima)

Astor PIAZZOLLA
Arranjos de Laércio de Freitas

9 – Onda Nueve
10 – Balada para un Loco
11 – Adiós, Nonino

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1997.
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Álbum publicado originalmente no PQP Bach pelo colega CVL em 2008, nessa postagem aqui, que não lhe mostrava a capa e contracapa maravilhosas:


 


Volume 32: ERNESTO NAZARETH II

Ernesto NAZARETH

1 – Elegantíssima
2 – Ameno Resedá
3 – Tenebroso
4 – Ouro sobre Azul
5 – Nenê
6 – Labirinto
7 – Confidências
8 – Famoso
9 – Mercedes
10 – Vem cá, Branquinha
11 – Turbilhão de Beijos
12 – Você bem Sabe
13 – Pinguim
14 – Floraux
15 – Coração que Sente

Arthur Moreira Lima, piano

Gravações: American Institute of Arts, Nova York, Estados Unidos, 1982.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Coordenação geral: Jay K. Hoffman
Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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BÔNUS: as históricas gravações de Ernesto Nazareth para o selo Discos Marcus Pereira, que já tínhamos publicado aqui, em ripagens muito melhores que as anteriormente disponibilizadas.

ARTHUR MOREIRA LIMA INTERPRETA ERNESTO NAZARETH, VOLUME 1 (1975)

Disco 1
Fon Fon
Confidências
Retumbante
Faceira
Turuna
Ameno Resedá
Batuque
Coração que sente
Duvidoso
Turbilhão de Beijos
Labirinto
Apanhei-te Cavaquinho

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Disco 2
Famoso
Fidalga
Floraux
Nenê
Mercedes
Odeon
Brejeiro
Eponina
Escovado
Passaros em festa
Sarambeque
Vem cá, branquinha
Você bem sabe

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ARTHUR MOREIRA LIMA INTERPRETA ERNESTO NAZARETH, VOLUME 2 (1977)

Disco 1
Bambino
Crê e Espera
Tenebroso
Favorito
Perigoso
O Futurista
Plangente
Dirce
Subtil
Quebradinha
Meigo
Espalhafatoso

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Disco 2
Carioca
Escorregando
Adieu
Sustenta a… Nota
Yolanda
Elegantíssima
Expansiva
Janota
Ouro sobre azul
Improviso
Dora
Pinguin

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“7ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre sua participação como jurado em um concurso de choro no final da década de 1970, época em que presenciou o renascimento do choro. Falou sobre sua parceria com Elomar, que resultou nos discos Parcelada malunga e ConSertão, e também comentou sobre seu LP Com licença, lançado no início da década de 1980, consolidando sua dedicação à música brasileira. Também mencionou o recital e disco “Bach Meets Chopin” que realizou com João Carlos Martins, e as gravações que ele fez de obras de Chopin, que resultando na gravação da maior parte de seus ciclos, e todas suas obras para piano e orquestra. Falou sobre sua histórica regravação de obras de Ernesto Nazareth em 1982, que teve reconhecimento internacional, e comentou sobre sobre a sua participação na gravadora independente L’Art, da qual ele era um dos sócios.”

 

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, estamos a montar um álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o atacante Mário Pedro, o Marinho (1926-2005).

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 6 de 11: Volumes 4, 8, 21 e 26 (Beethoven/Mozart & Haydn/Mozart/Mozart II)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a sexta das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |     |   XI

No minuto derradeiro do concerto [no. 3] de Rachmaninoff, durante a coda, em meio ao crescendo da orquestra rumo ao apoteótico final da peça, Arthur levantou os olhos do piano e se deixou levar. Admirou entorpecido aquela deslumbrante sala lotada, como quem sonha acordado. Atrás de si, era fitado por um gigantesco retrato de Tchaikovsky. Os dedos agiam por conta própria no teclado. Nesses segundos, ele teve a dimensão do momento, a exata sensação de que uma fase de sua vida terminava, num espetacular rito, diante dos melhores do planeta. Desceu a mão com força descomunal no último acorde, levantou-se quase saltando e foi aplaudido com furor. Quase vinte minutos. Soltou um grito primal, entre lágrimas, mandando a modéstia, e o resultado do concurso, às favas:

– P***a, consegui… Eu cheguei até aqui…, repetia, enquanto se curvava em agradecimentos.


Nesse trecho de “O Piano e a Estrada” (Casa Maior Editora, 2009 – fora de catálogo, mas facilmente disponível no grande brique da interné), Marcelo Mazuras descreve a epifania que abraçou Arthur Moreira Lima nos momentos derradeiros de sua gloriosa participação no Concurso Tchaikovsky de 1970, na Grande Sala do Conservatório de Moscou. Favorito do público (“Arthur – nosso“, lembram?), aclamado pelos pares (como o gigante Emil Gilels, que o chamou de “um artista maduro, com sua própria paleta de sons” num edital do Pravda para os 250 milhões de soviéticos), e veterano de mais vivências do que parecia caber em seus recém-feitos trinta anos, nosso herói punha assim um fim a seu período formativo para dar partida no resto de sua vida.

Com duas filhas pequenas, Beatriz e Martha (um nome que é prova cabal de que a disputa com La Argerich em 1965 não deixou qualquer ressentimento, só admiração), e sem a bolsa do Ministério da Cultura da União Soviética, poderia haver alguma preocupação com carnês a pagar. Arthur, todavia, parece ter dispensado o anticlimático ritual de passagem que aflige todos os formandos, aquela memorável noite em que se vai dormir estudante e se acorda desempregado. Afinal, as muitas láureas nos concursos, aqueles moedores implacáveis de tantos bons pianistas, garantiram chuvas de convites. Seu equipamento era o melhor possível: a reputação de virtuoso jovem e carismático; mãos que coriscavam um repertório de vinte e quatro concertos e tantos quantos programas de recitais solo; um som tão russo quanto o dos grandes mestres daquela Escola; e um passaporte brasileiro que permitia uma liberdade de movimentos muito maior que a de seus colegas soviéticos, sempre amarrados por autorizações de saída, vistos de entrada e arapongas de butuca.

A supernova do piano contemplou brevemente a possibilidade de voltar ao Brasil, mas os prantos e o tilintar do chumbo que de cá ouvia disseram-lhe que não, não era ainda hora de voltar. Disposto a afinal colocar em seus bornais algo além de rublos, e já com alguns anos de gravações e concertos programados em várias repúblicas da União Soviética, Arthur escolheu então sua nova morada: seria Viena, uma metrópole tão encharcada de Arte quanto Moscou, donde poderia com facilidade lançar incursões para os dois lados da férrea Cortina.

Deu muito certo, certo até demais: sua agenda abarrotada fez seu apartamento vienense receber quase mais pernoites de colegas ilustres, como o amigo Emil Gilels e a supracitada Martha Argerich, que dele próprio. Em alguns anos, talvez saudoso de algo do calor e da radiação ultravioleta de sua São Sebastião natal, o carioca zarparia para Barcelona, acompanhando a esposa, a diplomata e pianista Eliana. Mal conseguiu gastar os solados das chinelas catalãs, ocupadíssimo que estava com intensas turnês. Numa delas, num dia de clima especialmente miserável na brumenta Glasgow, rodeado por escoceses de sotaque tão espesso que não conseguia entender, enfim perguntou-se:

– O que eu tô fazendo aqui???

A grande ficha caíra. No final da Década de Sangue e Chumbo, o Brasil estava cada vez mais a chamar de volta sua tanta gente que partira em aviões e rabos de foguete. Nosso herói, enfim, atenderia seu chamado, não sem antes iniciar uma guinada de repertório e rumos que culminaria, anos mais tarde, na boleia dum caminhão-teatro, com o mais épico capítulo da história do Piano Brasileiro.


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 4: BEETHOVEN – SONATAS FAMOSAS

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano no. 8 em Dó menor, Op. 13, “Patética”
1 – Grave – Allegro di molto e con brio
2 – Andante cantabile
3 – Rondo: Allegro

Sonata para piano no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Luar”
4 – Adagio sostenuto
5 – Allegretto
6 – Presto agitato

Sonata para piano no. 23 em Fá menor, Op. 57, “Appassionata”
7 – Allegro assai
8 – Andante con moto
9 – Allegro ma non troppo

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1997
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Idealização e direção musical: Arthur Moreira Lima
Idealização, direção musical, produção e edição: Rosana Martins Moreira Lima
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima

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Volume 8: MOZART & HAYDN

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Concerto para piano e orquestra n° 22 em Mi bemol maior, K. 482
1 – Allegro (cadenza: Arthur Moreira Lima)
2 – Andante
3 – Allegro (cadenza: Arthur Moreira Lima)

Franz Joseph HAYDN (1732-1809)

Concerto para piano e orquestra em Sol maior, Hob. XVIII:4
4 – Allegro moderato
5 – Adagio
6 – Rondo: Presto

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra de Câmara de Moscou
Rudolf Barshai, regência

Gravações: Estúdio no. 1 da Rádio de Moscou, União Soviética, 1971 (Mozart) e 1974 (Haydn)
Engenheiro de som: Igor Veprintsev
Produção: Larysa Abelyan
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Volume 21: MOZART – SONATAS CÉLEBRES

Wolfgang Amadeus Mozart

Sonata para piano em Lá menor, K. 310
1 –  Allegro maestoso
2 -Andante cantabile con espressione
3 – Presto

Sonata para piano em Fá maior, K. 332
4 – Allegro
5 – Adagio
6 – Allegro assai

Sonata para piano em Ré maior, K. 576
7 – Allegro
8 – Adagio
9 – Allegretto

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1999
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Idealização e direção musical: Arthur Moreira Lima
Idealização, direção musical, produção e edição: Rosana Martins Moreira Lima
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima

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Volume 26: MOZART II

Wolfgang Amadeus MOZART

Concerto para piano e orquestra n° 23 em Lá maior, K. 488
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Allegro assai

Rondó em Ré maior para piano e orquestra, K. 382
4 – Allegretto grazioso

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra de Câmara de Moscou
Rudolf Barshai, regência

Gravações: Estúdio no. 1 da Rádio de Moscou, União Soviética, 1971
Engenheiro de som: Igor Veprintsev
Produção: Larysa Abelyan
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima

Sonata para piano em Lá menor, K. 331
5 – Andante grazioso – Tema con variazioni
6 – Menuetto
7 – Alla turca: Allegretto

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1999
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Idealização e direção musical: Arthur Moreira Lima
Idealização, direção musical, produção e edição: Rosana Martins Moreira Lima
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Dentro da insana agenda de Arthur como astro internacional nos anos 70, destaca-se sua relação muito especial com o Japão. A notória devoção japonesa ao Chopin polonês – que outro país do mundo tem uma Revista Chopin mensal? – converteu-se, naturalmente, em muito apetite pela arte do Chopin de Estácio, que voltaria ao país por doze anos consecutivos, legando-nos, entre outros, estes frutos colhidos do pomar do – quem mais? – Instituto Piano Brasileiro:



Um primoroso LP da Denon/Nippon Columbia (1976) com som imaculado e uma leitura das valsas de Chopin ainda melhor que sua outra, lançada na década seguinte.


Um dos recitais da maratona (doze concertos em vinte dias) da primeira visita de Arthur ao Japão, em 1976, que também rendeu o álbum acima.



Outro álbum primoroso da Denon/Nippon Columbia, totalmente dedicado a Chopin (1978)



Outro recital, de inda outra maratona japonesa, no mesmo 1984 em que Arthur fez sua gravação legendária do Rach 3.


Shopan wa suki desu ka?

 


“6ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre o disco de Chopin que gravou pela Marcus Pereira em 1976, sua ligação com o Japão nesta época, e o novo repertório que passou a explorar nesta época, ligando-se a músicos populares, incluindo músicos de choro, como Época de Ouro e Waldir Azevedo. Comentou sobre como foi sua volta ao Brasil, em meio a uma plena carreira internacional de sucesso, falou sobre outros LPs que gravou pela Marcus Pereira e Kuarup, e sobre sua admiração por Radamés Gnattali, com quem teve bastante contato, chegando a gravar e estrear obras suas. Por fim, falou sobre sua admiração por outro grande mestre, o Laércio de Freitas, que fez os arranjos de músicas de Piazzolla que Arthur depois gravou em disco.”

 

 

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o  imberbe lateral-esquerdo João Ferreira, vulgo Bigode (1922-2003). Escalado para a infame tarefa de marcar Alcides Ghigghia no Maracanazo de 16 de julho de 1950, só não foi mais massacrado pela opinião pública que o arqueiro Barbosa após o tento da virada uruguaia. A conquista da Copa Rio, em 1952, foi sua redenção no mesmo gramado que antes o condenara – e, não, não encontrei qualquer imagem do moço com o adereço piloso homônimo.

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 5 de 11: Volumes 6, 15, 17 & 33 (Chopin II, IV, V & IX)

 

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a quinta das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |   X   |   XI

Nem como o general de pijama que sempre brincava que seria, se tivesse largado a Música e seguido feito um Dodge a partir do Colégio Militar, nem assim Arthur Moreira Lima teria colecionado tantas medalhas – o que se torna no mínimo curioso quando nos apercebemos do quão cético ele, de longe e com sobras o mais laureado pianista brasileiro, era quanto a capacidade da diminuta janela de um concurso mostrar com justiça os horizontes artísticos dos jovens aspirantes que, sob os tomates do júri, passam por sua esteira rolante…

… ou corredor-polonês.

O corredor-polonês de Arthur foi, por óbvio, o VII Concurso Internacional Chopin em Varsóvia, realizado em 1965 durante um inverno de trincar os dentes. Durante os dois anos em que se preparou, sob a supervisão de vários veteranos do concurso e do onipresente mestre Rudolf Kehrer, nosso herói estudou até dez horas por dia e submeteu-se a simulações das etapas da competição, tocando seu programa completo ante auditórios lotados de exigentes plateias moscovitas.  O carioca de Estácio chegou a Varsóvia, em suas próprias palavras, na ponta dos cascos, e já nos teria enchido de orgulho por tão só capitanear a delegação de concorrentes do mítico Conservatório de Moscou naquela competição amplamente dominada por pianistas da sovietosfera até a edição anterior, vencida por um socialista milanês de 18 anos que, nas palavras do jurado Arthur Rubinstein, tocava “mais que qualquer um de nós”.

Ecce puer

Arthur, que sempre estranhou o silêncio de seus compatriotas enquanto estudava em Moscou, foi surpreendido por um convite, a meros dois meses do embarque para Varsóvia, para representar o Brasil no Chopin’65. O jovem até então inscrito, um mineirinho de tenros vinte anos, desistira de participar, e só então se lembraram do mais tricolor dos moscovitas, a quem ofereceram uma ajuda de custo que sumiu no éter tão rapidamente quanto o próprio convite.

Levava jeito, o mineirim.

Especialista no extraordinário, o carismático brasileiro que tocava mais russamente que os próprios russos  tornou-se instantaneamente o favorito das plateias de Varsóvia, tão pouco afeitas a russos quanto prontas a acolher quem honrasse a arte de seu mais célebre gênio. Bem mais que um concurso para jovens músicos, o Concurso Chopin é sobretudo uma festa nacional polonesa, uma celebração de orgulho de uma nação que uma vez mais se reconstruía após agressão estrangeira, e era um cenário ideal para que o rapaz de mãos destemidas e pontiagudo e chopiniano perfil causasse sensação cada vez que pisava o palco.

Arthur toca, Frederico observa.

Arthur venceu com facilidade a primeira etapa, que selecionou 36 candidatos, e classificou-se em segunda posição na segunda, ao fim da qual restaram doze candidatos. A terceira etapa, que previa a execução da peça de confronto, obrigatória a todos os candidatos (o Noturno em Mi bemol maior, Op. 55 no. 2), e de uma Sonata a escolher, foi um triunfo. Enquanto todos os concorrentes preferiram a brilhante Sonata em Si menor, Arthur foi o único a tocar a doída Sonata em Si bemol menor. A Marcha Fúnebre e o Finale, com as frenéticas figurações em oitavas paralelas, causaram frenesi no público, cujos aplausos chamaram o Chopinzinho de volta ao palco quatorze vezes. Nosso homem em Varsóvia venceu a etapa, o prêmio especial do júri pela melhor interpretação de uma sonata, e qualquer resistência que ainda pudesse haver a ele na imprensa polonesa:

Interpretou [a Sonata] de maneira extremamente bela, dir-se-ia fantástica”
“Não foram ouvidos [no Concurso] concentração e silêncio iguais (…) ao decorrer de sua execução da Marcha Fúnebre da Sonata em Si bemol menor”
“Tocou o Noturno de maneira formidável, e a Sonata (…) ultrapassou todas as previsões”
“Incomparável (…) o som parecia sair acima do piano, sem toques ao teclado”
“Foi o herói principal de ontem”
“… em sua interpretação da ‘Sonata em Si bemol menor’ somos forçados a usar a palavra ‘genial'”

Chegou favoritíssimo entre os seis finalistas e, para a prova final com orquestra, também fez uma escolha muito pessoal: em lugar do Concerto em Mi menor, algo mais brilhante, tocado por nove entre dez finalistas do Concurso, preferiu o Concerto em Fá menor, camerístico e intimista, e seu favorito desde que o estudara sob sua mestra em Paris, Marguerite Long. Arthur não foi nada mal, mas cometeu alguns erros, e seu piano, engolido pela orquestra, não brilhou como nas etapas anteriores. Classificou-se em quinto na final e conquistou o segundo lugar geral. Entre 2100 pontos possíveis, ficou apenas meio ponto atrás da vencedora, uma argentina que era um verdadeiro huracán e, a despeito duma preparação tumultuada após maternidade, divórcio, disputas pela guarda da filha e alguns anos longe do piano, era uma máquina de acertar e, como muitos já sabiam, uma das maiores pianistas de todos os tempos.

“¿Qué mirás, bobo?”

Ficar com a prata e apenas meio ponto atrás duma figura tão genial em nada chateou Arthur. Ao final do corredor-polonês, viu-se catapultado, juntamente com a guapísima bonaerense, para a fama mundial. Qualquer ressaca que restasse após vinte e três dias de tanta tensão e concentração teria sido liquidificada pela turnê pós-concurso, em que, aliviado pelo dever cumprido, deu com imensa alegria dez recitais, todos abarrotados de poloneses ansiosos para ver e ouvir o brazylijski Szopen. O retrogosto deixado por aqueles quase dois meses em Varsóvia renderia numerosos retornos ao país para concertos e recitais, uma das mais estupendas gravação do Rach 3 em todos os tempos (que já publicamos aqui) e outras duas participações no Concurso Chopin. Na primeira delas, em 1975, deu um recital como pianista convidado – e façam um favor a si mesmos e escutem esse noturno, que nunca ouvi mais lindo em minha vida:

Na outra, em 2021, participou como jurado, substituindo Martha Argerich e Nelson Freire. Sua ex-concorrente, de quem se tornara amigo, estava no Rio para cuidar de Nelson no que infelizmente seriam as últimas semanas de vida do mestre brasileiro, e indicou Arthur para as cadeiras que deixaram no júri.

Jurado em ação

De sua participação sensacional na sétima edição do Concurso Chopin conheciam-se, por muito tempo, apenas as gravações publicadas na coleção da Caras em 1999, que encontrarão no final dessa postagem. Posteriormente, o Instituto Nacional Fryderyk Chopin de Varsóvia (NIFC) traria a conta-gotas algumas outras, incluindo o lançamento comercial da eletrizante prova final do duelo portenho-carioca, que lhes ofereço aqui. Os ouvidos do mundo precisaram aguardar sessenta anos para que a integral das provas de Arthur viesse à tona, numa parceria entre o NIFC e – sempre ele – o Instituto Piano Brasileiro, do inestimável Alexandre Dias:


O “Chopin Brasileiro” também brilharia no Concurso Internacional de Leeds em 1969. Muito mais descontraído que suas disputadas contrapartes no Leste Europeu (Arthur sempre se lembrava dum jurado que dizia aos concorrentes que tivessem calma, porque a vida era bem mais que tão só tocar piano), o Concurso adolescente recém chegava a sua terceira edição. Cheio de idiossincrasias, em especial pelo fato dos concertos na final não serem tocados na íntegra, acabou marcado por uma decisão controversa: em lugar dos três finalistas previstos no regulamento, a última etapa incluiu cinco participantes. Virada de mesa ou marmelada? Deixo para vocês decidirem. Apenas lhes digo que ela aconteceu por pressão dos patronos do Concurso para corrigir o que consideraram um erro crasso dos jurados, que eliminaram um jovem pianista romeno que era o favorito do público e, no final, sairia vencedor:

Nunca dissemos que a vida de Arthur foi fácil em concursos…

Nosso herói, que estava entre os três finalistas originais, escolheu tocar uma vez mais o fatídico Fá menor de Chopin, e classificou-se em terceiro lugar. Não conhecemos qualquer gravação das provas, mas parte do repertório do Concurso foi gravado pelos laureados em estúdio logo após a premiação, e veio à tona graças a – cornucópia de tesouros do (de quem mais?) Instituto Piano Brasileiro. Amo as interpretações de Arthur, mas são os Improvisos de Schubert sob o mago Lupu – seu amigo e colega no Conservatório de Moscou – que me assombram e me fazem quase assinar embaixo da virada de mesa. É ouvir para crer:


A glória final de Arthurzinho, o Concurseiro, dar-se-ia em território muito familiar: a Grande Sala do Conservatório Tchaikovsky de Moscou, onde ele – para usar um dos termos futebolísticos que lhe eram tão caros – “jogaria em casa” no Concurso com o nome de Pyotr Ilyich, que chegava à sua quarta edição em 1970. Com trinta anos e já no limite superior da idade para esse tipo de evento, ele participou da equipe do Conservatório, capitaneada por Vladimir Krainev, que acabaria por dividir o primeiro prêmio com o britânico John Lill. Não obstante, fez bonito num repertório que tocaria de olhos vendados, e conquistou o terceiro lugar. De sua participação conservaram-se gravações de duas etapas – incluindo a final, uma supermaratona pianística com o Concerto no. 1 de Tchaikovsky e o no. 3 de Rachmaninov tocados em sequência, e que nos foi trazida pelo – surpresa, surpresa – Instituto Piano Brasileiro:

IV Concurso Internacional Tchaikovsky – Primeira Etapa (e eu miacabo com a expressão de Rudolf Kehrer)

IV Concurso Internacional Tchaikovsky – Terceira etapa (final)


Ingresso para a primeira etapa do Concurso Internacional Chopin de 1965
Capa do livro de candidatos do Concurso Internacional Chopin de 1965


Biografia de Arthur Moreira Lima no livro de candidatos do Concurso Internacional Chopin de 1965, com o programa de sua participação.
Diploma de Arthur Moreira Lima como vencedor do Segundo Prêmio do Concurso Internacional Chopin de 1965. Essa imagem, bem como todas as outras que envolvem Arthur nessa postagem, foi fornecida pelo próprio artista ao Instituto Piano Brasileiro, que gentilmente autorizou sua divulgação.

ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 6: CHOPIN II

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)

Grande Valsa Brilhante para piano em Mi bemol maior, Op. 18
1 – Vivo

Grandes Valsas Brilhantes para piano, Op. 34
2 – No. 1 em Lá bemol maior
3 – No. 2 em Lá menor
4 – No. 3 em Fá maior

Grande Valsa para piano em Lá bemol maior, Op. 42
5 – Vivace

Três Valsas para piano, Op. 64
6 – No. 1 em Ré bemol maior
7 – No. 2 em Dó sustenido menor
8 – No. 3 em Lá bemol maior

Duas Valsas para piano, Op. 69
9 – No. 1 em Lá bemol maior
10 – No. 2 em Si menor

Três Valsas para piano, Op. 70
11 – No. 1 em Sol bemol maior
12 – No. 2 em Fá menor
13 – No. 3 em Ré bemol maior

Valsas para piano, Opus póstumo
14 – Em Mi menor, Op. Posth., B. 56
15 – Em Mi maior, B. 44
16 – Em Lá bemol maior, B. 21
17 – Em Mi bemol maior, B. 46
18 – Em Mi bemol maior, B. 133
19 – Em Lá menor, B. 150

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: American Academy Hall, Nova York, Estados Unidos, 1982
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Supervisão: Jay K. Hoffman
Piano: Steinway & Sons, Nova York
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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Volume 15: CHOPIN IV

Fryderyk CHOPIN

Dos Três Noturnos para piano, Op. 9:
1 – No. 2 em Mi bemol maior
2 – No. 3 em Si maior

Dos Três Noturnos para piano, Op. 15:
3 – No. 2 em Fá sustenido maior

Dois Noturnos para piano, Op. 27
4 – No. 1 em Dó sustenido menor
5 – NO. 2 em Ré bemol maior

Dos Dois Noturnos para piano, Op. 48:
6 – No. 1 em Dó menor

Dois Noturnos para piano, Op. 55
7 – No. 1 em Fá menor
8 – No. 2 em Mi bemol maior

Dos Dois Noturnos para piano, Op. 62:
9 – No. 1 em Si maior

Noturno para piano em Dó sustenido menor, Op. Póstumo
10 – Lento con gran espressione

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1998
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Idealização e direção musical: Arthur Moreira Lima
Idealização, direção musical, produção e edição: Rosana Martins Moreira Lima
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima

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Volume 17: CHOPIN V

Fryderyk CHOPIN

Duas Polonaises para piano, Op. 26
1 – No. 1 em Dó sustenido menor
2 – No. 2 em Mi bemol menor

Duas Polonaises para piano, Op. 40
3 – No. 1 em Lá maior, “Militar”
4 – No. 2 em Dó menor, “Fúnebre”

Polonaise para piano em Fá sustenido menor, Op. 44
5 – Moderato

Polonaise para piano em Lá bemol maior, Op. 53, “Heroica”
6 – Maestoso

Polonaise-Fantaisie para piano em Lá bemol maior, Op. 61
7 – Allegro maestoso

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: American Academy Hall, Nova York, Estados Unidos, 1983
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Supervisão: Jay K. Hoffman
Piano: Steinway & Sons, Nova York
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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Volume 33: CHOPIN IX

Fryderyk CHOPIN

Dos Doze Estudos para piano, Op. 10:
1 – No. 8 em Fá maior
2 – No. 12 em Dó menor, “Revolucionário”

DosDoze Estudos para piano, Op. 25:
3 – No. 5 em Mi menor
4 – No. 10 em Si menor

Sonata para piano no. 2 em Si bemol menor, Op. 35
5 – Grave – Doppio movimento
6 – Scherzo
7 – Marche funèbre: Lento
8 – Finale: Presto

Dos Vinte e quatro Prelúdios para piano, Op. 28:
9 – No. 21 em Si bemol maior
10 – No. 22 em Sol menor
11 – No. 23 em Fá maior

Scherzo para piano no. 2 em Si bemol menor, Op. 31
12 – Presto

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação ao vivo no VII Concurso Internacional Fryderyk Chopin, na Grande Sala da Filarmônica de Varsóvia, Polônia, entre fevereiro e março de 1965.
Remasterização: Carlos Freitas (1998)

Das Quatro Mazurcas para piano, Op. 17:
13 – No. 4 em Lá menor

Das Quatro Mazurcas para piano, Op. 30:
14 – No. 4 em Dó sustenido menor

Das Quatro Mazurcas para piano, Op. 68:
15 – No. 4 em Fá menor

Das Quatro Mazurcas para piano, Op. 41:
16 – No. 1 em Dó sustenido menor

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Moscou, União Soviética, 1971
Remasterização: Carlos Freitas, 1999

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“5ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre como foi participar de grandes concursos de piano entre 1965 e 1970, e sobre sua histórica premiação no IV Concurso Tchaikovsky, em Moscou, Rússia, em que tocou na final o 1º Concerto de Tchaikovsky e o 3º Concerto de Rachmaninoff, sendo aclamado pelo público. Falou sobre o efeito que isto teve sua carreira, abrindo novas oportunidades para tocar na URSS e na Europa, e comentou algumas importantes gravações que realizou no início da década de 1970, incluindo o Concerto No.1 de Villa-Lobos. Além disso, mencionou alguns recitais de grandes pianistas a que assistiu na época, como por exemplo Rubinstein e Michelangeli, e falou um pouco sobre sua própria filosofia como intérprete. Comentou sobre sua mudança para Viena, Áustria, tendo tocado inclusive no Musikverein. Por fim, falou sobre a gravação antológica que realizou em 1975 de músicas de Ernesto Nazareth para a gravadora Marcus Pereira, mudando a história deste compositor, do piano brasileiro, e de sua própria carreira, devido aos novos caminhos que lhe foram abertos. Arthur comentou sobre como foi o processo de gravação em Londres, a escolha de repertório com a colaboração do pesquisador Mozart de Araújo e do próprio Marcus Pereira, e a repercussão que os discos causaram no Brasil.”

 

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o meia Edson Caires de Souza, o Edson Pão Duro.

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 4 de 11: Volumes 13, 14, 31 & 34 (A Grande Escola Russa/Rachmaninov/Dois Retratos da Rússia/Meu Tchaikovsky Preferido)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a quarta das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |   X   |   XI

– Mais de duzentos milhões de seres humanos falam russo. Só uns poucos tocam bem piano. Não deve ser difícil aprender russo.

Com essa voadora à queima-roupa, recebida como resposta à sua preocupação com o aprendizado do idioma do país ao qual acabara de chegar, Arthur Moreira Lima Júnior foi devidamente apresentado a Rudolf Rikhardovich Kerer (doravante Kehrer), para cuja classe fora designado durante os cinco anos de sua bolsa no Conservatório Pyotr Ilyich Tchaikovsky de Moscou, sob os auspícios do Ministério da Cultura da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, no ano da graça de 1963.

Ao mostrar-lhe a caixa de ferramentas, à maneira do que o famigerado beque Gum faria no Fluminense de quatro décadas depois, Kehrer apresentava o recém-chegado ao modus russicus. No entanto, e por mais dura que imaginássemos a adaptação do carioca bonachão ao planeta soviético, com todas cores tragicômicas das histórias de peixes fora d’água, nosso herói a tirou de letra. Safo, flexível e de ouvido afiado, Arthur Arthurovich transpôs com rapidez as temidas dificuldades de adaptação a território, cultura e idioma. Não tardou para que o novo moscovita estivesse, sob temperaturas dúzias de graus abaixo daquelas de seu habitat, a desfrutar muito a experiência mais decisiva de sua vida – e também, naturalmente, a jogar muita conversa fora po-russki.

Arthur Arthurovich e Rudolf Rikhardovich: sempre no limiar entre a lição e o entrevero.

Enquanto o Brasil marchava para suas décadas de sangue e chumbo, a União Soviética experimentava um minúsculo relaxamento de tensões. Ainda que todas paredes enxergassem, que qualquer moita tivesse muitos ouvidos, e que a Guerra Fria tivesse ebulido com a Crise dos Mísseis do ano anterior, os níveis de paranoia na Moscou de Khruschev eram baixos o suficiente para que a fauna humana vinda do exterior fosse recebida com curiosidade e acolhimento.  Ciente de sua posição privilegiada dentro dum regime que controlava todas as instâncias da sociedade, Arthur guardava para si suas críticas e, driblando sensores e censores, aproveitou o que o Regime de melhor tinha a lhe oferecer. O transporte público milagrosamente eficiente e a segurança agradaram-lhe tanto quanto o pervasivo senso de coletividade em tudo e de todos. Mesmo no mítico Conservatório, possivelmente o maior centro formador de músicos do seu tempo, o que em outras paragens seria um ambiente propício a canibalismo entre concorrentes era, na prática, imbuído tão só de camaradagem. Os colegas estudavam juntos, ajudavam-se, retroalimentavam-se, sem vislumbres da competitividade entre pianistas, que Arthur adorava comparar à dos jóqueis nos saudosos páreos da Gávea. Sua maior satisfação, por certo, era com formação holística oferecida aos estudantes. Muito além da Música e de sua História, eles eram instruídos num amplo escopo de disciplinas, da Economia à Política, com doses generosas da doutrina que fundamentava o onipresente Regime. As dezenas de salas do Conservatório vertiam música em todas as vozes e instrumentos, e de suas portas saíam figuras legendárias – gente do naipe de Gilels, de Rostropovich, de Oistrakh – a formarem, por trás delas, novas lendas.

Naquela usina de pianistas em que até os faxineiros assoviavam Rachmaninov, no cerne da então Capital de Todas as Rússias, ninguém o marcaria mais que Rudolf Kehrer. Admirado expoente da Grande Escola Russa, Kehrer incutiu-lhe com eficiência seus fundamentos e prática, que muito divergiam da Escola de Liszt – que fora professor do professor de dona Lúcia Branco – e da Escola Francesa de Mme. Marguerite Long. Os incontáveis arranca-rabos, que Arthur contaria às gargalhadas aos amigos pelo resto da vida, até que foram poucos, se levarmos em conta as culturas e temperamentos diametralmente opostos. Era óbvio ao mestre que o pupilo era uma gema rara, e o talentoso aprendiz sorvia as lições por todas suas terminações nervosas. O resultado não tardou: o pianismo do moço ficou russíssimo, mais russo que os próprios russos (e aqui citamos o crítico e tradutor Irineu Franco Perpétuo, “he outrusses the Russians”). Não perderei tempo tentando convencê-los disso com inda mais verborreia – apenas ouçam, por exemplo, a gravação do Concerto no. 3 de Rachmaninov que incluímos nessa postagem, uma das maiores que existem para essa obra icônica. Ou, talvez, esses Quadros de uma Exposição de Mussorgsky, gravados na Grande Sala do Conservatório de Moscou, seguidos dos Prelúdios de Chopin e de nada menos que OITO peças de bis (porque, sim, recitais mastodônticos são especialidades da Grande Escola Russa)…

 

… ou esse outro recital-maratona, com duas sonatas de Chopin, a integral de suas valsas, e mais alguns punhados de bis:

 

Quem ainda não se convenceu poderá mudar de ideia com esse incrível combo Schubert + Barber…

.

.. ou com essa gravação feita pelo próprio Kehrer da plateia, talvez o ponto alto do pianorrussismo de Arthur Arthurovich, com uma Rapsódia Espanhola antológica, a melhor que já ouvi:

Rudolf Rikhardovich, o Estoico, só sorriria uma vez para Arthur. Foi na mesma tarde em que, após concluir os cinco anos de estudos sob sua supervisão, o mais meridional de seus pupilos o recebeu em seu apartamento e lhe tocou a Sonata de Liszt – ao que o mestre, notório por nunca elogiar os alunos, por acreditar que a bajulação era danosa à formação de artistas, então tascou:

– Isso foi muito bonito.

E deve ter sido, pois Kehrer convidou Arthur para ser seu assistente na cátedra de piano. Por três anos, sempre o titular viajava, quem assumia suas classes era um carioca de Estácio que, em russo fluente, ensinava pianistas russos como tocar mais russamente que os próprios russos.

Isso é russo o bastante? Para Arthur, ainda não. Sempre mais atento à voz do povo que às academias, ele receberia sua certidão definitiva junto com outro sorriso difícil de conquistar: o daquela rubicunda babushka que, depois de mais um recital abarrotado, veio cumprimentá-lo com um singelo:

–  Artur ― nash!

“Arthur é nosso”. E é deles, sim – tanto quanto orgulhosamente nosso. ❤️

 


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 13: A GRANDE ESCOLA RUSSA

Aleksandr Nikolayevich SCRIABIN (1872-1915)

Das Três Peças para piano, Op. 2:
1 – No. 1: Estudo em Dó sustenido menor

Oito Estudos para piano, Op. 42
2 – No. 1 em Ré bemol Maior: Presto
3 – No. 2 em Fá sustenido menor
4 – No. 3 em Fá sustenido maior: Prestissimo
5 – No. 4 em Fá sustenido maior: Andante
6 – No. 5 em Dó sustenido menor: Affanato
7 – No. 6 em Ré bemol maior: Esaltado
8 – No. 7 em Fá menor: Agitato
9 – No. 8 em Mi bemol maior: Allegro

Dos Doze Estudos para piano, Op. 8:
10 – No. 5 em Mi maior: Brioso
11 – No. 11 em Si bemol menor: Andante
12 – No. 12 em Ré sustenido menor: Patetico

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986

Engenheiro de som: Georgi Harizanov
Produção: Nikola Mirchev
Piano Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

 

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Dumka, Cena Rústica Russa em Dó menor, para piano, Op. 59
13 – Andantino cantabile

 

Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)

Sonata para piano no. 2 em Ré menor, Op. 14
14 – Allegro non troppo
15 – Allegro moderato
16 – Andante
17 – Vivace

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Moscou, União Soviética, 1970.
Produtor: Valentin Skoblo
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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Volume 14: RACHMANINOV

Sergey Vasilyevich RACHMANINOV (1873-1943)

Concerto para piano e orquestra no. 3 em Ré menor, Op. 30
1 – Allegro ma non tanto
2 – Adagio
3 – Alla breve

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional da Polônia
Thomas Michalak, regência

Gravação: Katowice, Polônia, 1984
Produção: Thomas Frost
Engenheiro de som: Tom Lazarus
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo

Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

Dos Dez Prelúdios para piano, Op. 23:
4 – No. 4 em Ré maior: Andante cantabile
5 – No. 5  em Sol menor: Alla marcia)

Dos Nove Études-Tableaux, Op. 39:
6 – no. 5 em Mi bemol menor: Appassionato

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986

Engenheiro de som: Georgi Harizanov
Produção: Nikola Mirchev
Piano Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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Volume 31 – DOIS RETRATOS DA RÚSSIA

Modest Petrovich MUSSORGSKY (1839-1881)

Quadros de uma Exposição, para piano
1 – Promenade [I]
2 – Gnomus
3 – [Promenade II] Moderato commodo assai e con delicatezza
4 – Il Vecchio Castello
5 – [Promenade III]. Moderato non tanto, pesamente
6 – Tuileries (Dispute d’enfants après jeux)
7 – Bydło
8 – [Promenade IV]. Tranquillo
9 – Balé dos Pintinhos nas Cascas
10 – Dois Judeus Poloneses: um rico, outro pobre (Samuel Goldenberg und Schmuÿle)
11 – Promenade [V]
12 – Limoges, le marché (La grande nouvelle)
13 – Catacombæ (Sepulcrum romanum) –  Cum mortuis in lingua mortua
14 – Baba-Yaga: A Cabana sobre Pernas de Galinha
15 – A Porta de Bogatyr na Antiga Capital de Kiev

 

Sergey PROKOFIEV
Transcrição livre para piano de Tatiana Nikolayeva (1924-1993)

Suíte do Conto Sinfônico Pedro e o Lobo, Op. 67
16 – Pedro (Tema com Variações)
17 – O Passarinho
18 – O Pato
19 – O Gato
20 – O Avô de Pedro
21 – O Lobo
22 – O Sexteto Final: Todas as Personagens

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Londres, Reino Unido, 1999
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo

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Volume 34 – MEU TCHAIKOVSKY PREFERIDO

Pyotr TCHAIKOVSKY

As Estações do Ano, Suíte para piano, Op. 37a
1 – Janeiro: Junto à Lareira
2 – Fevereiro: Carnaval
3 – Março: O Canto da Cotovia
4 – Abril: Flor da Primavera
5 – Maio: Noites Brancas
6 – Junho: Barcarola
7 – Julho: O Canto do Ceifeiro
8 – Agosto: Colheita
9 – Setembro: Caça
10 – Outubro: O Canto do Outono
11 – Novembro: Troika
12 – Dezembro: Natal

Pyotr TCHAIKOVSKY
Transcrições de Arthur Moreira Lima (1940-2024)

Quatro Romances para piano
13 – Apenas Um Coração Solitário, Op. 6 No. 6
14 – Ode às Florestas, Op. 47 No. 5
15 – Janela Escancarada, Op. 63 No. 2
16 – Sozinho outra Vez, Op. 73 No. 6

Pyotr TCHAIKOVSKY

Das Seis Peças para piano, Op. 51
17 – No. 6: Valsa Sentimental

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Londres, Reino Unido, 1999
Engenheiro de som: Peter Nicholls
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo

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“4ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre algumas filmagens raras que está encontrando em seu acervo, que incluem seu programa apresentado na Manchete na década de 1980. Depois relembrou o recital de Arnaldo Estrella a que assistiu em Moscou na década de 1960 e do contato que teve com ele nesta época. Mencionou um raro disco que gravou com obras de Chopin em 1969, o que acabou resultando em um convite de Arturo Michelangeli para ser um de seus alunos neste ano, e comentou o motivo que o levou a declinar. Também falou sobre russos célebres que conheceu na época, como Dimitri Shostakovich e Maya Plisetskaya. Depois relembrou recitais e concertos que tocou no Brasil após sua premiação no Concurso Chopin de 1965, incluindo o histórico recital em que tocou pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio de Janeiro músicas de Ernesto Nazareth em 1966, anos antes dos discos antológicos que viria a gravar com obras deste compositor. Nesse contexto, falou sobre o contato que teve com o grande pesquisador Mozart de Araújo. Também comentou sobre quando se tornou assistente de Rudolf Kehrer depois que se formou no Conservatório de Moscou, e relembrou outros concursos de que participou na época, como o Concurso de Montreal em 1968, e o Concurso de Leeds em 1969, no qual ficou classificado em 3º lugar, e falou sobre os problemas que houve nesta edição. Também mencionou as vantagens e desvantagens de se tocar o Concerto No. 2 de Chopin em concursos.”


BÔNUS:

Nossa homenagem a Arthur abre vastos parênteses para estender nossa gratidão a seu professor, Rudolf Kehrer (1923-2013), por tudo que compartilhou com nosso herói. Nascido em Tbilisi, capital da Geórgia, Kehrer teve sua trajetória interrompida pela Segunda Guerra Mundial, quando sua família, de origem alemã, foi deportada para o Cazaquistão. Proibido de tocar piano durante o seu exílio, e autorizado a tão-só dedilhar o acordeão, manteve a destreza tanto quanto pôde tocando um teclado falso feito de um pedaço de madeira. Foi somente após a morte de Stalin, em 1953, que conseguiu retomar seus estudos no ainda remoto Conservatório de Tashkent, no Uzbequistão. Em 1961, viu sua carreira de concertista ser enfim lançada após vencer o Concurso de Toda-União em Moscou – cujo vencedor anterior fora também um brilhante pianista de origem alemã, de nome Sviatoslav Richter, e para o qual obtivera, aos 37 anos, a autorização excepcional para competir com pianistas mais jovens. Ainda proibido de se apresentar no Ocidente, assumiu uma cátedra no Conservatório de Moscou e fez muitas gravações para o selo Melodiya que, por muito tempo, só circularam pela sovietosfera. Eu as desconhecia completamente, até encontrar essa enorme coletânea da Doremi. O que ouvi derrubou meu queixo. Apesar da capinha safada, que parece ter sido feita pelo Paint duma babushka, o som é bom, e Kehrer, melhor ainda. Ainda mais que uma máquina de vencer na vida (vide seus retratos, que seriam bastantes para ilustrar todos os verbetes duma Enciclopédia do Estoicismo), ele foi um pianista MONSTRUOSO, tão imenso quanto seu repertório. É ouvir para crer.


 

CD 1

Johannes BRAHMS (1833-1897)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré menor, Op. 15

Grande Orquestra Sinfônica da Rádio de Moscou
Gennady Rozhdestvensky, regência
Gravado em 1969

Sergei RACHMANINOFF
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Dó menor, Op. 18

Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1963

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CD 2

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Concerto para piano e orquestra no. 21 em Dó maior, K. 467
Orquestra Filarmônica de Moscou
Viktor Dubrovsky, regência
Gravado em 1965

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no.5 em Mi bemol maior, Op. 73
Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1963

Franz LISZT (1811-1881)
Valsa Mephisto no. 1, S. 514
Gravada em 1961

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CD 3

Franz LISZT
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi bemol maior, S. 124
Orquestra Filarmônica de Moscou
Viktor Dubrovsky, regência
Gravado em 1965

Sergei PROKOFIEV (1891-1953)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré bemol maior, Op. 10
Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1961

Georgy Aleksandrovich MUSHEL (1909-1989)
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Lá menor
Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1963

Wilhelm Richard WAGNER (1813-1883)
Arranjo de Franz LISZT
Abertura de “Tannhäuser”, S.442 (1848)
Gravada em 1961

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CD4

Wolfgang Amadeus MOZART

Sonata para piano em Lá menor, K. 310
Gravada em 1975

Ludwig van BEETHOVEN
Sonata para piano no. 8 em Dó menor, Op. 13, “Patética”
Sonata para piano no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Ao Luar”
Gravadas em 1975

Georgy Vasilyevich SVIRIDOV (1915-1998)
Sonata para piano
Gravada em 1975

Franz LISZT
Estudo Transcendental no. 10 em Fá menor, S. 139 (1852)
Gravado em 1961
Années de Pèlerinage, Livro 2, S. 161 – No. 1, “Sposalizio”
Gravado em 1975

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CD 5

Georgy SVIRIDOV
Trio para violino, violoncelo e piano
Viktor Pikaizen, violino
Lev Evgrafov, violoncelo
Gravado em 1984

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Estudos Sinfônicos para piano, Op. 13
Gravados em 1978
Arabesque em Dó maior para piano, Op. 18 
Gravada em 1978

Rudolf Kehrer, piano

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Любимому мастеру — с любовью ♡

 

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952, . Eis o volante Jair Florêncio de Santana, ou, simplesmente, Jair (1929-2014).

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 3 de 11: Volumes 5, 18 & 37 (Villa-Lobos I/Villa-Lobos & Radamés Gnattali/Villa-Lobos III)


Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a terceira das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |   X   |   XI

Ainda que desembarcasse em Paris com 18 anos, Arthur buscava em Lutécia resolver sua adolescência musical. Idos eram seus tempos de menino-prodígio, e longínqua lhe parecia ainda a perspectiva de viver de Arte. Ademais, deixara para trás o renome que tinha em seu país, imenso, esparso, periférico, para adentrar anônimo uma Meca cultural em que qualquer pedra que se levantasse do calçamento revelaria um punhado de artistas aspirantes – aos quais, agora, se somaria ele próprio. E aquele formigueiro artístico, percebia-se, já vestira roupas melhores: com a Revolução Argelina de vento em popa, a Quarta República ruía, e o vasto império colonial francês colapsava enquanto secavam seus cofres nutridos por riquezas sanguinolentas. Mesmo assim, a turbulenta Paris oferecia um cardápio vasto ao mocetão sedento de experiências que, com o idioma afiado pelos muitos anos no Liceu Francês, logo se jogaria de corpo inteiro ao seu desporto favorito: conversar sobre tudo e com todos, como um dos mais virtuosos paus-de-enchente que seu planeta viria a conhecer.

Tão animada era a entrega de Arthur à hedonia que seria fácil esquecer o piano. Quem garantiu que o esquecimento ficasse por ali mesmo, no futuro do pretérito, foi a responsável pela importação de Monsieur Le Bâton d’Inondation: Madame Marguerite Long. A mestra, sempre muito exigente, não demorou a corroborar a ótima impressão que tivera dele no Concurso Internacional do Rio e, sobretudo, a solidez da formação que tivera sob Lúcia Branco. O jovem boêmio manteve-se na linha, expandiu seu repertório – para antes e para muito além das obras do Alto Romantismo que eram cada vez mais seus xodós – e, só para variar, agregou mais alguns diplomas à coleção que, com folga, o tornaria o mais laureado pianista brasileiro: o primeiro prêmio da Academia Marguerite Long e a menção honrosa no Concurso Internacional Marguerite Long-Jacques Thibaud.

Depois do biênio na França, a volta ao Rio não poderia ter sido mais anticlimática. Afora aqueles que morriam de saudades, não houve comoção alguma com a sua chegada. Sentia-se um João-Ninguém, tocando para a indiferença, um pinto oprimido no ovo que era o circuito da música de concerto em seu país. Logo ficou claro que sua bússola teria que, novamente, apontar para o Exterior. Arthurzinho, o Concurseiro Virtuoso, buscou uma vez mais catapultar-se através de triunfos e, claro, conseguiu: o terceiro lugar na nova edição do Concurso Internacional do Rio de Janeiro rendeu-lhe uma viagem aos Estados Unidos. Participou do Primeiro Concurso Internacional Van Cliburn no Texas, e, ainda mais importante, conheceu seu jovem patrono, então o mais célebre pianista do planeta, ainda a surfar o tsunami de sua vitória da edição de estreia do Concurso Tchaikovsky em Moscou. Cliburn, impressionado com o Chopin que saía das mãos-sósias de Arthur, apresentou-lhe sua própria mestra, a russa Rosina Lhévinne, que o convidou a estudar por dois anos na Juilliard School, em Nova York. Nosso herói, sempre disposto a profundos mergulhos de cabeça, queria beber direto da fonte: a estudar com uma russa no Novo Mundo, preferiu a própria Escola Russa de piano, in loco. Assim, e muito estimulado por Cliburn, reuniu rapidamente um rol notável de recomendações – de professores do Conservatório de Moscou, que conhecera em concursos mundo afora, até Luís Carlos Prestes, com quem seu tio Lourenço lutara nos dois anos da Coluna Invicta – e as enviou à então Capital de Todas as Rússias. O telegrama de resposta o encheu de alegria: o Ministério da Cultura da União Soviética concedera-lhe uma bolsa de cinco anos para, sob Rudolf Kehrer, estudar no Conservatório Tchaikovsky e, de quebra,  charlar em inda outro idioma pelo maior país do planeta.

ooOoo

Falar de Villa-Lobos neste blogue carrega sempre a frustração de não compartilhar Villa-Lobos, pelos curtos e grossos motivos apontados aqui. Compensaremos essas clareiras com fontes alternativas das mesmas gravações nas plataformas de transmissão, enquanto esperamos – em chamas – pelo glorioso 1° de janeiro de 2030, quando por aqui retumbará um VILLA-LOBAÇO tamanho que será ouvido até lá nas Esferas de onde Heitor ora nos olha.

Oremos.


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 5: VILLA-LOBOS I

Heitor VILLA-LOBOS (1887-1959)

Dezesseis Cirandas para piano, W220
1 – Therezinha de Jesus
2 – A Condessa
3 – Senhora Dona Sancha
4 – O Cravo brigou com a Rosa
5 – Cobra-Cega (Toada da Rede)
6 – Passa, Passa, Gavião
7 – Xô, Xô, Passarinho
8 – Vamos Atrás da Serra, Calunga
9 – Fui no Itororó
10 – O Pintor de Cannahy
11 – Nesta Rua, nesta Rua
12 – Olha o Passarinho, Dominé
13 – À Procura de uma Agulha
14 – A Canoa Virou
15 – Que Lindos Olhos
16 – Có, Có, Có

Bachianas Brasileiras no. 4, para piano, W264
17 – Prelúdio (Introdução)
18 – Coral (Canto do Sertão)
19 – Ária (Cantiga)
20 – Dança (Miudinho)

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Master Studios, Rio de Janeiro, 1988
Produção: João Pedro Borges e Carlos E. de Andrade (Carlão)
Engenheiro de som: Denílson Campos.
Coordenação de produção: Manuel Luiz da Silva
Remasterização digital: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo (1995)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE 


Volume 18: VILLA-LOBOS & RADAMÉS GNATTALI

Heitor VILLA-LOBOS

Concerto no. 1 para piano e orquestra, W453
1 – Allegro/Allegro
2 – Andante
3 – Allegro non troppo

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Sinfônica da Rádio de Moscou
Vladimir Fedoseyev, regência

Gravado no estúdio central da Rádio de Moscou, União Soviética, 1974

Noel de Medeiros ROSA (1910-1937)
Arranjos para piano de Radamés Gnattali (1906-1988)

4 – Feitiço da Vila (em parceria com Osvaldo Gogliano, o Vadico)
5 – Último Desejo/Três Apitos
6 – Fita Amarela/Silêncio de um Minuto
7 – De Babado Sim (parceria com João Mina)/Até Amanhã

Arthur Moreira Lima, piano

Radamés GNATTALI (1906-1988)

Concerto para Noel Rosa, para piano e orquestra
8 – As Pastorinhas (sobre um tema de Noel Rosa e João de Barro)
9 – Em Feitio de Oração  (sobre um tema de Noel Rosa e Vadico)
10 – Conversa de Botequim (sobre um tema de Noel Rosa e Vadico)

Arthur Moreira Lima, piano
Radamés Gnattali, regência

Gravação: Estúdios Vice-Versa, São Paulo, 1978.
Produção: Marcus Vinícius
Engenheiros de som: Renato Viola e Wilson Gonçalves
Coordenação: Manuel Luiz da Silva

Remasterização digital: Rosana Martins Moreira Lima e Peter Nicholls, Londres, 1998.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (sem/without Villa-Lobos)


Volume 37: VILLA-LOBOS III

Heitor VILLA-LOBOS

A Prole do Bebê nº 1, W140
1 – Branquinha (A Boneca de Louça)
2 – Moreninha (A Boneca de Massa)
3 – Caboclinha (A Boneca de Barro)
4 – Mulatinha (A Boneca de Borracha)
5 – Negrinha (A Boneca de Pau)
6 – Pobrezinha (A Boneca de Trapo)
7 – O Polichinelo
8 – Bruxa (A Boneca de Pano)

Ciclo Brasileiro, para piano, W374
9 – Plantio do Caboclo
10 – Impressões Seresteiras
11 – Festa no Sertão
12 – Dança do Índio Branco
13 – Chôros No.5, “Alma Brasileira”, para piano, W207

14 – Rudepoêma, para piano, W184

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Master Studios, Rio de Janeiro, 1988
Produção: João Pedro Borges e Carlos E. de Andrade (Carlão)
Engenheiro de som: Denílson Campos.
Coordenação de produção: Manuel Luiz da Silva
Remasterização digital: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo (1995).

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Até que irrompa a alvorada do VILLA-LOBAÇO de 1° de janeiro de 2030, as sensacionais leituras de Arthur estarão legalmente disponíveis nas seguintes (e em outras) plataformas, rendendo aos responsáveis a bagatela de  (assim estimamos) 0,0000000001 centavo por audição. Vamos torná-los ricos? 


Heitor Villa-Lobos por Arthur Moreira Lima – Cirandas

16 Cirandas para piano

 

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Heitor Villa-Lobos por Arthur Moreira Lima
Rudepoema – A Prole do Bebê no. 1

Rudepoema
New York Skyline
A Lenda do Caboclo
A Prole do Bebê no. 1
Choros no. 5, “Alma Brasileira”

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Heitor Villa-Lobos por Arthur Moreira Lima
Bachianas Brasileiras no. 4 – Ciclo Brasileiro

Bachianas Brasileiras no. 4
Tristorosa (Valsa)
Ciclo Brasileiro
Valsa da Dor

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Como a gravação do Concerto no. 1 de Villa não está nas plataformas, a cornucópia do Instituto Piano Brasileiro veio, como sempre, em nosso socorro:

Digna de nota é a capa da edição soviética dessa gravação, em que se vê que a orquestra, listada modestamente em português como “Sinfônica da Rádio de Moscou”, era em verdade a GRANDE ORQUESTRA SINFÔNICA DA RÁDIO DE TODA A UNIÃO – pelo menos em nome, um Leviatã capaz de encarar as insanas dificuldades da partitura de Villa.


Já que recorremos à cornucópia do IPB, aproveitei para colher dela três outros lindos pomos com a música de Villa:


Esse álbum lançado somente no Japão em 1977 é um dos melhores na imensa discografia de Arthur. Certamente ciente da qualidade maravilhosa do som, ele parece aproveitar a oportunidade para saborear até os últimos harmônicos de cada nota. A Valsa da Dor tem, aqui, minha interpretação favorita em todos os tempos.

 

As incursões búlgaras de Arthur, que renderam as gravações da integral de Chopin para piano e orquestra, também nos deixaram esse álbum com peças brasileiras em que Villa predomina. Digno de nota o heroísmo do tradutor búlgaro, que transformou “Apanhei-te, Cavaquinho” em “Tenho tempo pra ti, Ukulele”.

E não sabemos se Arthur foi visto dormindo em Sofia, pois é impressionante que, além de todo resto, tenha também tido tempo para dar esse recital mastodôntico (um costume que criou na União Soviética, como veremos em breve).


BÔNUS: como compensação por nada podermos postar de Heitor, o Proibidão, ofereceremos algo da mestra francesa de Arthur. Muito próxima de Ravel, Marguerite Long foi honrada com o convite para ser a solista da première do Concerto em Sol, em 1932, sob a batuta do compositor. A primeira gravação da obra, que apresentaremos a seguir, aconteceria algumas semanas depois, com o português Freitas Branco no pódio e o compositor a supervisionar dos bastidores (e não regendo, a despeito de muitas afirmações em contrário, inclusive da capa do álbum). Inclusas, também, a regravação que Long fez do Concerto em 1952, alguns anos antes de conhecer Arthur, e a primeira gravação do Concerto no. 1 de Milhaud, com a regência do próprio.

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)

Concerto em Sol maior para piano e orquestra, M. 83
1 – Allegramente
2 – Adagio assai
3 – Presto

Marguerite Long, piano
Pedro de Freitas Branco, regência

Gravado em Paris em 1932, sob supervisão do compositor

Darius MILHAUD (1892-1974)

Concerto para piano e orquestra no. 1, Op. 127
4 – Très vif
5 – Mouvement de Barcarolle
6 – Final (Animé)

Marguerite Long, piano
Darius Milhaud, regência

Gravado em Paris em 1935

Maurice RAVEL

Concerto em Sol maior para piano e orquestra, M. 83
7 – Allegramente
8 – Adagio assai
9 – Presto

Marguerite Long, piano
Orchestre de la Société des Concerts du Conservatoire
Georges Tzipine,
regência

Gravado em Paris, 1952

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Terceira parte do podcast “Conversa de Pianista”, com as entrevistas que Alexandre Dias conduziu com Arthur em 2020. Nessa parte, “ele falou sobre sua ida em 1963 para a cidade de Moscou, e como foi sua experiência na União Soviética em plena Guerra Fria, tanto suas vantagens como desvantagens. Comentou sobre as matérias que cursou no Conservatório Tchaikovsky, e suas aulas de piano com o professor Rudolf Kehrer. Falou sobre a necessidade de um pianista ter uma formação humanista, interessando-se por várias áreas do conhecimento – neste contexto, falou sobre como os russos valorizam muito a cultura. Relembrou nomes de gigantes do piano russo, como Heinrich Neuhaus, Emil Gilels e Sviatoslav Richter, alguns dos quais ele chegou a assistir em concertos. Depois, falou sobre sua preparação para participar do Concurso Chopin de 1965, no qual viria a ficar em 2º lugar, tornando-se favorito do público e obtendo fama mundial, e detalhou o repertório que estudou, e a rotina intensa de estudos a que se submeteu, com grande antecedência. Também relembrou como foi a experiência no concurso em si, em que conheceu Martha Argerich, e onde também encontrou Magda Tagliaferro, como membro do júri. Por fim, mencionou vários países em que realizou gravações nesta época, e que ainda não foram encontradas”.

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Eis o zagueirão João Carlos Batista Pinheiro, o Pinheiro (1932-2011), que formou com o goleiro Castilho e o capitão Píndaro a “Santíssima Trindade” da defesa tricolor.

Vassily

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 2 de 11: Volumes 2, 11, 19 e 25 (Chopin I, III, VI & VIII)


Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a segunda das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |   X   |   XI

Arthur, desde o começo, foi Arthurzinho – não só por ser notável prodígio antes mesmo que suas perninhas em calças curtas alcançassem os pedais do piano, mas também por ter recebido o nome do pai e isso tornar de mister um diminutivo para que em sua casa não se confundissem os Arthures.

Arthurzinho, ou Juninho?

Arthurzinho tinha três anos quando, desgraçadamente, perdeu Arthur. A tristeza da orfandade marcaria seus primeiros anos de vida, nos quais mambembou entre cidades e casas de familiares, e esse turbilhão de inconstância o propeliu, desde muito cedo, a buscar um melhor futuro. Sua dedicação encarniçada aos estudos – primeiro como bolsista no Liceu Francês, e depois no Colégio Militar do Rio de Janeiro – sempre o manteve entre os mais condecorados estudantes. Vislumbrava, até graduar-se, um horizonte como engenheiro militar do Instituto Técnico da Aeronáutica, e provavelmente teria tomado esse rumo, não fosse o chamado daquela irresistível intercorrência que tanto amamos, a Música.

Depois de muito ouvir três gerações de mulheres – sua avó Lulu, a mãe Dulce e a irmã Luiza – a tocarem o piano alemão da matriarca, estreou na grande Arte em ainda maior estilo: pedindo para tocá-lo ele mesmo e, do mais puro nada, sair de seus dedinhos de seis anos a peça que a mãe estudava. Recobrando-se do pasmo, as parentes fizeram o possível para instrui-lo no teclado. O moleque, no entanto, era mais rápido, e já tinha esgotado os recursos pedagógicos das pianistas da família quando tocou o primeiro recital solo, aos oito anos. Em seguida, tornou-se aluno da grande professora Lúcia Branco. Sob essa orientadora formidável, Arthurzinho começou a dar de ombros a suas aspirações engenheiras e sua carreira seguiu, como costumava dizer, feito um Dodge: aos nove anos, deu seu primeiro recital profissional, no Theatro da Paz de Belém, e venceu o Concurso Jovens Solistas da Orquestra Sinfônica Brasileira, feito que repetiria aos doze; aos dezesseis, ganhou uma bolsa de estudos em Paris, após vencer o concurso da Rádio Ministério da Educação, que postergou para concluir seus estudos no Colégio Militar; e aos dezessete, após chegar às finais do Primeiro Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro, um novo convite para Paris veio da maneira mais irrecusável, ao partir da mítica Marguerite Long, membra do júri e muito impressionada com o jovem aluno-tenente.

– Est-ce que vous parlez de moi?

Se esses seus primeiros anos pianísticos foram muito calcados no repertório do classicismo vienense, tanto pelas preferências de Dona Lúcia quanto pelos ditames dos concursos da época, as estrelas do Alto Romantismo haveriam de prover-lhe todo repertório, se assim o deixassem – e Chopin, seu favorito, era a Alfa dessa constelação. Desde os Noturnos, que tocou praticamente desde o marco zero de sua trajetória como artista, até a participação histórica no Concurso que leva o nome do gênio de Żelazowa Wola, Arthurzinho sempre foi fortemente associado à música de Chopin, veículo apropriado a seu pianismo sempre temperamental e destemido. Além de seu grande intérprete, o mestre de São Sebastião do Rio de Janeiro também foi notório sósia de Frederico, não só pelas semelhanças entre seus perfis pontiagudos, prontamente percebidas pelo público de Varsóvia, de quem era o candidato favorito, mas também pelas mãos, como descobriu, quase em epifania, quando uma das suas encaixou-se exatamente ao molde da do polonês. O que há de Chopin na discografia de Arthur está entre o melhor que ele nos deixou, e é parte dessa beleza que, com muito gosto, lhes ofereço a seguir.

Arthurzinho – ou Frederico?


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima

 

Volume 2: CHOPIN I

Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)

Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
1 – Allegro maestoso
2 – Romanze: Larghetto
3 – Rondo – Vivace

Krakowiak, Grande Rondó em Fá maior para piano e orquestra, Op. 14
4 – Introduzione: Andantino quasi Allegretto – Rondo: Allegro non troppo – poco meno mosso

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Filarmônica de Sofia
Dimitar Manolov, regência

Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986
Idealização: Aleksandr Yossifov
Engenheiro de som: Georgi Harizanov
Produção: Nikola Mirchev
Piano Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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Volume 11: CHOPIN III

Fryderyk CHOPIN

Concerto no. 2 para piano e orquestra em Fá menor, Op. 21
1 – Maestoso
2 – Larghetto
3 – Allegro vivace

Variações em Si bemol maior sobre “Là Ci Darem La Mano”, da ópera “Don Giovanni” de Mozart, para piano e orquestra, Op. 2
4 – Introduction: Largo—Poco piu mosso –  Thema: Allegretto – Variation 1: Brillante – Variation 2: Veloce, ma accuratamente – Variation 3: Sempre sostenuto – Variation 4: Con bravura – Variation 5: Adagio
– Coda: Alla Polacca

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Filarmônica de Sofia
Dimitar Manolov, regência

Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986
Idealização: Aleksandr Yossifov
Engenheiro de som: Georgi Harizanov
Produção: Nikola Mirchev
Piano Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

Barcarola em Fá sustenido maior para piano, Op. 60
5 – Allegretto

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Pomona College, Califórnia, Estados Unidos, 1981
Engenheiro de som: Mitch Tannenbaum
Produção: Heiner Stadler
Piano: Blüthner, Leipzig
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1999)

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Volume 19: CHOPIN VI

Fryderyk CHOPIN

Vinte e quatro Prelúdios para piano, Op. 28
1 – Prelúdio em Dó maior
2 – Prelúdio em Lá menor
3 – Prelúdio em Sol maior
4 – Prelúdio em Mi menor
5 – Prelúdio em Ré maior
6 – Prelúdio em Si menor
7 – Prelúdio em Lá maior
8 – Prelúdio em Fá sustenido menor
9 – Prelúdio em Mi maior
10 – Prelúdio em Dó sustenido menor
11 – Prelúdio em Si maior
12 – Prelúdio em Sol sustenido menor
13 – Prelúdio em Fá sustenido maior
14 – Prelúdio em Mi bemol menor
15 – Prelúdio em Ré bemol maior
16 – Prelúdio em Si bemol maior
17 – Prelúdio em Lá bemol maior
18 – Prelúdio em Fá menor
19 – Prelúdio em Mi bemol maior
20 – Prelúdio em Dó menor
21 – Prelúdio em Si bemol maior
22 – Prelúdio em Sol menor
23 – Prelúdio em Fá maior
24 – Prelúdio em Ré Menor

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Pomona College, Califórnia, Estados Unidos, 1981
Engenheiro de som: Mitch Tannenbaum
Produção: Heiner Stadler
Piano: Blüthner, Leipzig
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1999)

Grande Fantasia em Lá maior sobre Canções Polonesas, para piano e orquestra, Op. 13
25 – Largo non troppo – Andantino – Allegretto – Lento quasi adagio – Molto più mosso – Vivace

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Filarmônica de Sofia
Dimitar Manolov, regência

Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986
Idealização: Aleksandr Yossifov
Engenheiro de som: Georgi Harizanov
Produção: Nikola Mirchev
Piano Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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Volume 25: CHOPIN VII

Fryderyk CHOPIN

Quatro Scherzi para piano:

1 – No. 1 em Si menor, Op. 20
2 – No. 2 em Si bemol menor, Op. 31
3 – No. 3 em Dó sustenido menor, Op. 39
4 – No. 4 em Mi maior, Op. 54

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: Pomona College, Califórnia, Estados Unidos, 1981
Engenheiro de som: Mitch Tannenbaum
Produção: Heiner Stadler
Piano: Blüthner, Leipzig
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1999)

Andante Spianato e Grande Polonaise Brilhante para piano e orquestra, Op. 22
5 – Andante spianato em Sol maior
6 – Grande Polonaise Brilhante em Mi bemol maior

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Filarmônica de Sofia
Dimitar Manolov, regência

Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986
Idealização: Aleksandr Yossifov
Engenheiro de som: Georgi Harizanov
Produção: Nikola Mirchev
Piano Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)

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BÔNUS (?)

Eu não tinha nem um mês como chapeiro-júnior nesse blogue quando, movido pela admiração à arte de Arthur, ripei os álbuns que lhes apresentarei a seguir. Pretendia que eles estivessem entre as minhas primeiras postagens, no que fracassei retumbantemente, tragado por um pendor pelo ecletismo que marcou meu primeiro surto de atividade por aqui. O título da coleção alinha-se com o projeto do saudoso mestre, iniciado ainda nos anos 70, de gravar a integral do que Frederico nos deixou. Concluiu o torso da empreitada até o final da década de 80, adicionando a ele algumas obras com as gravações que fez especialmente para a coleção lançada pela Editora Caras, e que seriam as últimas de sua carreira. A qualidade dessas ripagens é, bem, tanto um tributo à tortura que era ouvir CDs nacionais por boa parte da década de 90 – tua máxima culpa, Movieplay – quanto à qualidade da remasterização feita por Rosana Martins (então também Moreira Lima), que nos permitiu ouvir essas mesmas gravações com a qualidade que merecem, nos links que postamos mais acima. O simples fato de trazê-las à tona, entretanto, depois de dez anos de tanta doideira, convulsão e cacofonia, atira-me num estranho pufe com cheiro de missão cumprida que me faz até me emocionar com esse sonzinho safado que parece vindo do fundo dum balde.

Julguem-me.


CHOPIN – OBRA COMPLETA PARA PIANO E ORQUESTRA

Arthur Moreira Lima, piano
Orquestra Filarmônica de Sofia
Dimitar Manolov, regência


Volume I

Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11

Allegro maestoso
Romanze: Larghetto
Rondo – Vivace

 


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Volume II

Concerto no. 2 para piano e orquestra em Fá menor, Op. 21

Maestoso
Larghetto
Allegro vivace

Krakowiak, Grande Rondó em Fá maior para piano e orquestra, Op. 14

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Volume III

Variações em Si bemol maior sobre “Là Ci Darem La Mano”, da ópera “Don Giovanni” de Mozart, para piano e orquestra, Op. 2

Andante Spianato e Grande Polonaise Brilhante para piano e orquestra, Op. 22

Grande Fantasia em Lá maior sobre Canções Polonesas, para piano e orquestra, Op. 13


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Para Arthur, os mestres foram-lhe tudo. Em homenagem à sua primeira mestra, dona Lúcia Branco (1903-1973), publicamos sua única gravação conhecida, em que ela toca em sua residência o Scherzo no. 3 de Chopin. Essa preciosidade, mais uma da cornucópia do Instituto Piano Brasileiro, atesta claramente que Lúcia, aluna de Arthur De Greef (1862-1940) – por sua vez, aluno de Liszt -, foi uma das maiores pianistas que Pindorama deu ao mundo:


Segue vigente a intimação aos fãs de Arthur para escutarem sua participação no podcast “Conversa de Pianista”, do Instituto Piano Brasileiro, comandado por Alexandre Dias e que foi ao ar em 2020:

“2ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele trouxe mais memórias sobre sua professora Lúcia Branco, e sobre o conjunto de bailes que ele integrava quando adolescente, chamado “Os filhos da pauta”. Depois falou como foi sua transição para Paris, onde passou a ter aulas com Marguerite Long e Jean Doyen, vindo a vencer o Concurso Long–Thibaud. Também mencionou sua participação em outros concursos de piano como a 1ª edição do Concurso Van Cliburn, 1º Concurso Nacional de Piano da Bahia, e 3º Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro, mencionando grandes personalidades que conheceu. Por fim, mencionou sua mudança para a Rússia no começo da década de 1960, onde viria a estudar com Rudolf Kehrer no Conservatório Tchaikovsky de Moscou, fato que transformaria sua vida para sempre.”

 

Frederico – ou Arthurzinho?

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, estamos a lhe oferecer um álbum de figurinhas com os heróis da final da Copa Rio de 1952, que certamente fizeram o moleque Arthurzinho chorar de alegria. Eis o lateral-direito Píndaro Possidonti Marconi, o Píndaro (1925-2008), capitão do escrete tricolor.

 

Vassily

Parabéns, IPB! – Dez Anos do Instituto Piano Brasileiro [Hermeto Pascoal – Calendário do Som: Janeiro – Uaná Barreto]

Polinizar beleza pela cyberesfera é padecer no paraíso, sabemos bem, e manter-se vivo é um fenômeno, sabemos melhor ainda. Por isso, a Irmandade Mundial de Polinizadores Culturais aprecia por demais constatar que, em sua contagem anual das cabeças, e a despeito da crescente cavalaria do Apocalipse, a maior parte delas siga em riste. E eu, humilde chapeiro-sênior neste blogue já penalmente maior, saúdo que há já dez anos esteja entre elas a do inestimável Instituto Piano Brasileiro.

Fundado em 17 de agosto de 2015 pelo incansável, imparável, inesgotável Alexandre Dias, o Instituto Piano Brasileiro, doravante chamado IPB, busca pesquisar o piano brasileiro em suas múltiplas faces e inúmeras camadas, dedicando-se a investigar discografias e repertórios, a recompor trajetórias de pianistas e compositores, a recuperar e digitalizar acervos, e divulgar suas descobertas ao público através das plataformas de polinização da cyberesfera. Mantido desde sua criação tão só por financiamento coletivo de seus assinantes no Brasil e no exterior, o manancial com que o IPB nos provê é tão generoso quanto imenso é o trabalho que dá a seu fundador. Nas palavras do próprio:


Nosso trabalho é calcado na compreensão de que o Brasil possui uma das culturas mais ricas do mundo, e isso se reflete na cultura pianística. Todos os dias aparecem coisas incríveis em nosso trabalho, e confesso que essa sensação de realização anda lado a lado com um certo desespero por ver tantas coisas desaparecendo, como partituras, gravações, e documentos de nossa história pianística. Uma boa parte de nosso trabalho é dar sobrevida para este material, para que ele se multiplique nas mãos de pianistas, professores e pesquisadores interessados.

Entre momentos surreais, como o resgate de um acervo de Guiomar Novaes duma caçamba de lixo, e a glória de ter um recital do titã Nelson Freire generosamente dedicado ao IPB, além do reconhecimento e do abraço de Minha-Nossa-Sua Majestade, a Rainha, o legado construído ao longo desses dez anos é fruto dum trabalho indispensável que devemos não só reconhecer e homenagear, mas também apoiar. Além de sermos, o IPB e o PQP, sócios de carteirinha da Irmandade Polinizadora supracitada, sinto-me muito próximo do Instituto desde sua criação. Alexandre é nosso leitor-ouvinte há muitos anos, e eu mal tinha completado minhas primeiras semanas como chapeiro na PQP Corp. quando ele surgiu nos comentários duma postagem minha, com um IPB de sete dias no colo, oferecendo apoio para nossa empreitada de resgatar do esquecimento o mestre Antonio Guedes Barbosa. Hoje, para nossa felicidade,  o acervo fonográfico de Antonio, doado pela família, está integralmente disponibilizado para a cyberesfera, totalizando horas de gravações inéditas – muitas a mais que sua infelizmente minúscula discografia – a provarem que seu repertório era muito maior e mais complexo do que sabíamos.

Os números do IPB impressionam: em dez anos, foram 7.300 vídeos vídeos postados no canal do YouTube, dos quais cerca de 5.000 vídeos-partituras), com mais de 62 mil inscritos e 14 milhões de visualizações; no Instagram, são 48 mil seguidores e 1628 postagens, e, no Facebook, 38 mil seguidores e milhares de publicações. Sem desejar restringir os caminhos dos leitores-ouvintes na navegação dessa exuberância amazônica, listaremos a seguir alguns pontos especialmente altos do acervo do Instituto para que com eles se deleitem enquanto vocês escolhem seus igarapés:


Arnaldo Estrella – Tchaikovsky: Concerto no. 1 – Bruno Walter/Filarmônica de Nova York (1943)

Entre tantas relíquias, há vários candidatos a Santo Graal – e este é, para mim, o mais forte entre elas: Arnaldo Estrella sob o legendário Bruno Walter a tocar o primeiro movimento do Concerto no. 1 de Tchaikovsky, em pleno Carnegie Hall, com a Filarmônica de Nova York. Difícil algo mais épico.


Guiomar Novaes – Beethoven: Sonata para piano, Op. 111 e Andante Favori – Ao vivo na Sala Cecília Meirelles (1967)

Um dos mais importantes acervos digitalizados pelo IPB é o de Frank Justo Acker. Gaúcho radicado no Rio de Janeiro, Frank capturou ao longo de décadas o som da crème de la crème da Música em palcos cariocas. Suas gravações têm uma calidez e um senso de proximidade do artista que a tornam ímpares entre os registros de sua época. Um exemplo sensacional do talento de Frank é este registro de Guiomar Novaes tocando a derradeira sonata de Beethoven no mesmo ano em que realizou sua única gravação comercial da mesma:

Do mesmo recital, e igualmente preciosa, é a gravação de Frank para a única leitura deixada por Guiomar do Andante favori, WoO 57, de Beethoven – obra que ela nunca gravou comercialmente:


Nelson Freire: entrevistas (2015 e 2019) e recital em prol do Instituto Piano Brasileiro (2019)

Nosso saudoso gigante colaborou intensamente com Alexandre Dias desde antes da fundação do IPB e lhe concedeu duas memoráveis entrevistas. A primeira delas, algumas semanas antes da inauguração do Instituto, foi gravada na casa do Mestre no Rio de Janeiro, e chama a atenção pela extensão, ademais impensável para o mineirinho taciturno, que denota a cumplicidade com o entrevistador e o tamanho de seu amor em comum pelo piano brasileiro. Publicada em texto em 2015, teve seu áudio divulgado pela primeira vez em novembro de 2021, enquanto nós (e o mundo) ainda tentávamos nos recolocar de pé depois daquele dia primeiro tão triste:

A segunda entrevista aconteceu durante a última visita de Nelson a Brasília, especialmente para dar, num imenso gesto de generosidade, um recital em prol do IPB. Produzido por Alexandre Dias e realizado em 17 de janeiro de 2019, o presente de Nelsim ao Instituto foi gravado e – claro – disponibilizado para a cyberesfera. Sempre que tento imaginar o que passou pela mente de Alexandre enquanto um dos maiores pianistas do mundo tocava em prol de seu sonho, eu fracasso clamorosamente -em seu lugar, acho, eu teria virado suco. O que sei lhes dizer é que, sob as mãos de Nelson, a Barcarola de Chopin (a partir de 25:04) acaricia cada fibra do miocárdio, e que há algo entre a preparação para a coda e o acorde final que faz meus olhos suarem sempre:

Logo após o recital, Nelson – feliz como poucas vezes o veríamos diante de uma câmera – conversou descontraidamente com Alexandre na sede do Instituto:


Projeto Nelson Freire

A generosidade de Nelson para com o IPB também refletiu-se na transferência, ainda em vida, de seu acervo pessoal para digitalização. Ele forma a base do colossal Projeto Nelson Freire, ora em andamento, que levará a integral das gravações de seu imenso repertório para a cyberesfera na forma de vídeo-partituras. A vastidão do material já publicado é proporcional à facilidade com que Nelson e sua memória eidética expandiam repertórios. Ainda tenho muita coisa para conhecer, mas poucas descobertas me impressionaram tanto quanto essa gravação do prelúdio Ondine de Debussy, realizada no quarto do garoto de 15 anos durante seus difíceis anos de estudo em Viena sob Bruno Seidlhofer – uma demonstração de sua assombrosa capacidade de leitura à primeira vista, que derrubou o queixo até da Rainha em pessoa, sua alma-gêmea por mais de sessenta anos:

Essa Balada no. 4 de Chopin, gravada ao vivo no Rio de Janeiro por Frank Justo Acker, é a melhor leitura que conheço para essa peça tão visionária quanto difícil de realizar duma maneira convincente:

Nelson dificilmente é lembrado como camerista, fato que gravações como a desse Trio no. 1 de Mendelssohn praticamente nos berram para lamentar:

Esses dois temas recorrentes – o talento de Nelson como camerista e sua generosidade – combinam-se nessa outra gravação rara: um recital com Antonio Meneses, então estudante na Europa, em prol do custeio de seus estudos. Se sua preparação envolveu emergências violoncelísticas, relatadas na descrição do vídeo, a interpretação desse duo em nada as deixou transparecer:


Martha Argerich – Gravações inéditas: em casa em Buenos Aires (1955) – Peças brasileiras com Nelson Freire – Concerto em São Paulo (1979)

Algumas vezes a enxurrada de descobertas do IPB transborda para pianistas de outros países. Da Rainha Martha, orgulhosamente argentina e ligada ao Brasil por muitos amigos (sobretudo por Nelson, seu alter-ego ao piano, como ela conta aqui), surgiu essa gravação doméstica entremeada por conversas com seu pai, Juan Manuel, e seu irmão de mesmo nome, apelidado Cacique (e, sim, é um descalabro o que ela já tocava aos 14 anos):

Apesar da forte ligação com brasileiros, Martha tocou muito poucas obras de nossos compositores. O IPB publicou duas peças de Francisco Mignone em duo com Nelson Freire – a segunda, até então, inédita:


O nocaute do ano, óbvio, também veio de Martha: o combo Prokofiev 3/Chopin 1 sob a regência da fera Eleazar de Carvalho,  que não deixou a Rainha, aparentemente alada e em chamas naquele dia, escapar da orquestra nos dois vertiginosos finales. É ouvir para crer:


Eleazar de Carvalho – Villa-Lobos: Choros no. 10 (1976)

Além das eventuais surpresas estrangeiras, o IPB volta e meia rasga corações com publicações sem a participação do piano. Essa dilacerante gravação ao vivo do Choros no. 10 de Villa-Lobos sob Eleazar de Carvalho no Rio de Janeiro entrou para minha Antologia de Coisas Impressionantes que Todos Deveríamos Ouvir. Escutem e tentem manter-se num só pedaço (porque eu nunca consegui):


Sonia Rubinsky – Villa-Lobos: Suíte para piano e orquestra – primeira gravação mundial

Como pôde uma obra do naipe dessa Suíte para piano e orquestra de Villa-Lobos, estreada há mais de cem anos, não ter sido gravada até o ano passado? Quem sabe um pouco do modus vivendi de Heitor e da consideração que seu país costuma ter para com a preservação do seu patrimônio cultural provavelmente já sabe a resposta. Graças ao IPB, que articulou para que uma extensa lista de autorizações fosse concedida, ela foi tirada do limbo:


Acervo de Jacques Klein (1930-1982)

Um dos mais importantes acervos doados ao IPB foi o do filho mais brilhante de Aracati, cujo punhado de gravações comerciais não dá ideia com a vastidão de seu repertório. Os registros publicados pelo Instituto permitem, com toda tranquilidade, colocar Jacques entre os maiores pianistas de seu tempo no mundo todo. Escutem esse monstro a tocar Beethoven – e com especial carinho o finale da Appassionata –  e tentem não concordar comigo:



Acervo de Antonio Guedes Barbosa (1943-1993)

Levei anos para concluir a integral da discografia do gênio paraibano por aqui, e levaria outros tantos para comentar suas gravações que o IPB ajudou a trazer à tona. Pouparei os leitores-ouvintes de tanta delonga, limitando-me a compartilhar duas delas que provam que, quando tudo dava certo, Antonio nada devia a qualquer lenda do piano, viva ou morta. No Concerto de Chopin, o primeiro ré bemol da entrada do solista já anuncia a grandeza que vem a seguir; para a Totentanz, a única descrição possível é (as maiúsculas e o negrito se justificam) ÉPICA:


Recital de José Vieira Brandão (1952)

A posteridade registrou a importante trajetória de Brandão como compositor e regente, enquanto sua grandeza como pianista, que eu desconhecia completamente, viveu somente na memória de algumas testemunhas, até seu filho doar seu acervo para o IPB e este recital vir à tona. Meu já enorme sombrero de ignorante cresceu inda mais com a descoberta de que houve no Brasil um pianista desses e que dele eu nunca tinha ouvido falar. Atenção especial às peças de Chopin, com leituras especialmente inventivas e marcantes, entre as melhores que escutei na vida:


Fritz Jank – Brahms: Concerto no. 2  (1962)

Nossa já muito longa lista se encerra com um talento alemão adotado pelo piano brasileiro: Fritz Jank, que se notabilizou por gravar a primeira integral brasileira das sonatas de Beethoven, era ainda maior ao vivo, como atesta este registro absolutamente destemido do Concerto no. 2 de Brahms, sob a batuta de outra lenda cujo acervo foi digitalizado pelo IPB, o pianista, compositor, maestro e pedagogo João de Souza Lima:


Além da cornucópia de tesouros como os que mostramos acima, Alexandre, o Imparável, trouxe para a realidade outro antigo projeto: o lançamento do Selo IPB, que estreou em maio passado com o primeiro dos doze álbuns que dedicará ao Calendário do Som composto pelo Bruxo, Demiurgo, Mestre dos Magos, [insira aqui sua alcunha hiperbólica favorita e provavelmente insuficiente] pelo Campeão Hermeto Pascoal, hoje com mais aniversários na conta do que há teclas no piano, seu velho amigo, que trata como ninguém mais sabe tratar no Universo conhecido.

Hermeto, a Joia d’Olho d’Água Grande, compôs o Calendário entre os junhos de 1996 e 1997, como uma “homenagem a todos os aniversariantes do mundo, indistintamente”, escrevendo uma peça para cada dia do calendário, sem esquecer de quem nasceu em 29 de fevereiro de anos bissextos. Cada partitura de Hermeto, com sua caligrafia característica e ocupação da pauta tão livre quanto é o gênio do Campeão, é uma obra de arte à parte. A responsabilidade de transpor esses 366 jorros de desenfreada criatividade para o teclado coube a alguém à altura dela: o brilhante pianista paraibano Uaná Barreto, que os arranjará e gravará especialmente para o Selo IPB. Nas palavras do comunicado de imprensa divulgado quando do lançamento do primeiro álbum, Janeiro, “com liberdade criativa plena, Uaná soube valorizar cada detalhe presente nas partituras, transformando-as em interpretações vivas e singulares, em sintonia com o espírito inventivo da obra. Cada música traz um pouco da alma brasileira, mas sempre falando para o universo – é o termo que Hermeto cunhou: ‘Música Universal Brasileira’. A direção artística do projeto é de Alexandre Dias, diretor do Instituto Piano Brasileiro. Esse álbum traz muitas camadas de significado:

– é uma homenagem a Hermeto Pascoal, uma glória indescritível para a música brasileira;

– ⁠nós procuramos destacar o lado pianístico do Hermeto, reforçando-o como uma de nossas grandes referências no universo do piano;

–  o Calendário do Som representa uma diversidade imensa de ritmos, estilos e referências, trazendo esse verdadeiro caleidoscópio que é a música brasileira.”

A vida é como o som que nunca para, nem aqui e nem lá. Viva ela sempre!” Hermeto Pascoal, 11 de janeiro.


Que viva ela sempre, Hermeto. Viva a Música, viva o Som! E que viva você, Campeão! Que vivam Alexandre Dias e o IPB, e que esses sejam apenas o primeiros dez entre muitos anos de belezas com que nos presentearão, e que todos leitores-ouvintes que se embriaguem com a grande música d’O Bruxo realizada por Uaná se tornem assinantes do IPB e o ajudem a polinizar a riqueza do piano brasileiro por esse mundo tão carente de beleza.

 


HERMETO PASCOAL (1936-∞)

Do Calendário do Som (1997):

1 – 1° de janeiro
2 – 2 de janeiro
3 – 3 de janeiro
4 – 4 de janeiro
5 – 5 de janeiro
6 – 6 de janeiro
7 – 7 de janeiro
8 – 8 de janeiro
9 –  9 de janeiro
10 – 10 de janeiro
11 – 11 de janeiro
12 – 12 de janeiro
13 – 13 de janeiro
14 – 14 de janeiro
15 – 15 de janeiro
16 – 16 de janeiro
17 – 17 de janeiro
18 – 18 de janeiro
19 – 19 de janeiro
20 – 20 de janeiro
21 – 21 de janeiro
22 – 22 de janeiro
23 – 23 de janeiro
24 – 24 de janeiro
25 – 25 de janeiro
26 – 26 de janeiro
27 – 27 de janeiro
28 – 28 de janeiro
29 – 29 de janeiro
30 – 30 de janeiro
31 – 31 de janeiro

Uaná Barreto, arranjos e piano

Direção artística: Alexandre Dias.
Gravação, mixagem e masterização: Estúdio Carranca, Recife
Arte da capa: Pedro Francisco
Diagramação: Max Lima
Selo Instituto Piano Brasileiro

BAIXE AQUI AS 366 PARTITURAS DO CALENDÁRIO DO SOM, EM MANUSCRITOS DO COMPOSITOR (PDF)


OUÇA “JANEIRO”, DO “CALENDÁRIO DO SOM” DE HERMETO PASCOAL NO YOUTUBE:

OUÇA “JANEIRO”, DO “CALENDÁRIO DO SOM” DE HERMETO PASCOAL NO SPOTIFY:

OUÇA “JANEIRO”, DO “CALENDÁRIO DO SOM” DE HERMETO PASCOAL NO TIDAL:


Documento em que Hermeto, de próprio punho, libera suas composições disponíveis em seu site para usufruto da Humanidade e das demais civilizações que, assim desejamos, venham a ter o privilégio de encontrá-las

Vassily é assinante do IPB e veste sua camiseta – e também seu moletom. Além de se tornar um assinante, poderíamos também sugerir uma visita à lojinha do Instituto para apoiar seu trabalho?

A Rainha assina embaixo!

Vassily

Nagasaki, Ano 80 – A Música dos Gaikokujin [Schnittke – Schafer – Haitzeg – Offermans – Schubert]

9.8.1945 11:02 [Foto do autor]

Abençoada por um clima ameno e uma localização privilegiada, a linda Nagasaki já tinha para contar uma longa história de interação com forasteiros antes de, há exatos oitenta anos, receber de seus céus a mais hedionda das surpresas.

Os primeiros a chegar foram os portugueses, a quem chamaram nanbanjin (“bárbaros do sul”). Depois, os ingleses e neerlandeses foram algo melhor recebidos, decididamente não por sua aparência (que os levou a serem denominados kōmōjin,“gente ruiva”), e sim porque em sua pauta costumava estar só o comércio, e não o proselitismo católico que acompanhava os lusos, reprimido ao longo de vários xogunatos com uma violência que transformou o Japão numa usina de mártires. A reabertura dos portos japoneses, já no século XIX, trouxe ao maravilhoso porto natural de Nagasaki uma variada fauna estrangeira que aquela nação, provavelmente a de maior homogeneidade étnica de todos os tempos, perplexamente denominou ijin (“pessoas diferentes”). Com o tempo, consolidou-se o termo gaijin (“pessoa de fora”), que, aos poucos, ganhou uma conotação pejorativa que o faz ser preterido em conversas educadas em prol do polido gaikokujin (“pessoa de país estrangeiro”).

 

IX – YAIZU

A primeira bomba atômica foi lançada sobre Hiroshima em 1945, seguida por uma segunda bomba sobre Nagasaki.
Em 1954, uma bomba de hidrogênio explodiu no atol de Bikini. A tripulação do Daigo Fukuryu Maru, um barco de pesca do porto de Yaizu, foi coberta pelas cinzas da morte. Seis meses depois, Kuboyama Aikichi morreu. Os japoneses foram vítimas de armas nucleares três vezes.

[Posfácio, maio de 1983]
Não apenas os japoneses, mas também os micronésios próximos ao atol de Bikini foram atingidos pela precipitação radioativa mortal da bomba de hidrogênio. Toda a ilha foi poluída. Aqueles que fugiram retornaram posteriormente à sua terra natal, Bikini, apenas para desenvolver câncer e leucemia devido à radiação residual. Muitos ainda sofrem.
Yaizu e Bikini — um destino compartilhado.

[1955]

Atacada meros três dias depois de Hiroshima, Nagasaki pareceu sempre tocar segundo violino para sua icônica irmã de desgraça. Hiroshima foi, desde o começo, a primeiríssima da infame lista de alvos escolhidos a dedo pelos perpetradores entre as mui poucas cidades japonesas de algum tamanho que ainda não tinham sido arrasadas por bombardeios incendiários (porque de nada valeria, segundo suas mentes brilhantes, testar o poder de destruição da arma nova onde só houvesse escombros). Já Nagasaki e suas duzentas e cinquenta mil almas não eram sequer o alvo preferencial da alegre trupe do Bockscar naquela quinta-feira de tempo casmurro: a ordem era de atacar a cidade de Kokura (hoje distrito de Kita-Kyushu), mas os céus encobertos fizeram a carga mortífera ser transportada ao alvo alternativo. As nuvens que salvaram Kokura quase repetiram a dose sobre Nagasaki, até que uma infeliz brecha entre elas permitiu o despejo de Fat Man diretamente sobre a Catedral de Urakami, aniquilando imediatamente quarenta mil pessoas e outras tantas nos meses seguintes.

Se Hiroshima, plana como uma panqueca, fora arrasada por completo por um artefato menos poderoso que Fat Man, Nagasaki acabou relativamente poupada pelo relevo montanhoso e pela localização periférica do hipocentro da explosão. Além disso, o ataque, que atingiu em cheio o subúrbio católico de Urakami, fez um número desproporcional de vítimas entre dois grupos tradicionalmente segregados: os supracitados cristãos, e os burakumin, casta associada a profissões consideradas impuras, em especial aquelas ligadas à morte, como coveiros, açougueiros e trabalhadores de curtumes. Assim, com o fardo mais letal caindo sobre lombos já marginalizados, Nagasaki nunca considerou o ataque, ao contrário de Hiroshima, como parte central de sua identidade. “A bomba caiu em Urakami, não em Nagasaki”, dizia-se na época, enquanto os jornais mostravam a catedral destruída, na tentativa de associar a desgraça às suas vítimas cristãs, e alguns praticantes do xintoísmo, então religião oficial do Império, insinuavam que a destruição vinha como castigo pela aceitação da religião agourenta trazida do estrangeiro.


X – PETIÇÃO
Parem a bomba atômica! Parem a bomba de hidrogênio! Parem a guerra!
O apelo das mães do bairro de Suginami, em Tóquio, espalhou-se por todo o Japão. Crianças, mães, pais, idosos e trabalhadores de todos os tipos assinaram a petição.
Pela primeira vez, o clamor abafado do povo foi ouvido, e milhões assinaram a petição pela paz.

[1955]


Takashi Nagai (1908-1951)

Os cristãos de Nagasaki, uma vez mais acuados, não demorariam a encontrar seu ícone em meio às ruínas: Takashi Nagai, um médico que sobreviveu a explosão e, a despeito de seus graves ferimentos, dedicou-se de maneira abnegada a cuidar dos feridos. Ao retornar à sua casa, dias depois do ataque, encontrou, de sua esposa, apenas alguns ossos e o rosário derretido. Católico devoto, tido como santo pelos correligionários, Nagai foi uma figura controversa por afirmar que a destruição da comunidade cristã fora um sacrifício divinamente inspirado que, aceito por Deus, teria posto um fim à guerra – o que, para seus muitos críticos, privava as vítimas do ataque, dentre outros, do direito à ira, à revolta e à busca de reparação. Antes de morrer de leucemia aos quarenta e três anos, certamente em consequência da radiação, publicou suas memórias, intituladas “Os Sinos de Nagasaki”, que foram levadas às telas do cinema num longa-metragem homônimo de grande sucesso. Sua canção-título, Nagasaki no Kane, composta pelo veterano Yuji Koseki em 1949, viria a ser a primeira obra musical a citar o ataque, ainda que de maneira muito tangencial: à sombra da ferrenha censura das forças ocupantes, a canção, discorre sobre os sentimentos de Nagai, enlutado e mortalmente doente, a alentar-se de esperança ao ouvir os sinos da catedral reconstruída – sem que haja qualquer menção ao que a destruiu:


Mesmo olhando para o céu mais brilhante,
sinto dolorosamente a tristeza mais profunda.
No mundo humano sempre ondulante,
sou apenas uma flor silvestre passageira:
Tranquilamente, alegremente, em Nagasaki,
Soam os sinos de Nagasaki.

Convocada por Deus, minha esposa
Voltou para o céu, me deixando só neste mundo.
Quando olho para o rosário que deixou de lembrança,
Só encontro os traços das minhas lágrimas:
Tranquilamente, alegremente, em Nagasaki,
Soam os sinos de Nagasaki”

[traduzido livremente pelo autor]


Nagai também publicou vários poemas que foram postos em música. Seu principal parceiro foi o hibakusha Fumio Kino, um músico amador que, como ele, perdera a casa e a família no ataque. Uma das composições da dupla, Ano ko (“Aquela criança”, 1949), homenageia os trezentos alunos da Escola Primária Yamasato incinerados pela explosão, ao contemplar os vestígios deixados por um deles:


Os rabiscos permanecem na parede,
O nome daquela criança,
rabiscado em letras infantis.

Grito em voz baixa e
me esforço para ouvir:

Ah, se aquela criança ainda estivesse viva…

[traduzido livremente pelo autor]


A escola foi reconstruída, e Ano Ko é anualmente cantada por seus alunos nas cerimônias de 9 de agosto em Nagasaki, assim como outra composição de Kino, Kora no mitama yo (“As Almas das Crianças”), homenagem à Escola Primária Shiroyama e suas quatrocentas vítimas, também honradas em coro por seus colegas de hoje em dia.


XI – MÃE E UMA CRIANÇA

Pais foram forçados a abandonar filhos presos sob casas destruídas, filhos abandonaram pais, maridos abandonaram esposas e esposas abandonaram maridos, todos em fuga frenética do incêndio. Essa era a realidade na época da bomba atômica.
Ainda assim, em meio a tudo isso, muitos testemunharam a visão milagrosa de crianças que sobreviveram, seguras firmemente nos braços de suas mães mortas.

[1959]


Afora esses tributos pequenos, ainda que muito célebres, houve poucas outras contribuições de compositores japoneses em honra às vítimas do ataque a Nagasaki. A mais significativa delas viria quase trinta anos depois de Fat Man: em 1974, a cidade encomendou um poema sinfônico com seu nome a Ikuma Dan, que regeu a estreia e, aparentemente, perdeu sua partitura. Nagasaki passou cinquenta anos sem reapresentações até ser reconstruído e novamente executado ano passado, vinte e três anos após a morte do compositor. Outra contribuição, muito singela, é a canção Senbazuru (“Mil Grous”), composta por Michiru Ōshima com letra da hibakusha Kanae Yokoyama. Nascida em Nagasaki, Ōshima estreou-a na cerimônia do quinquagésimo aniversário do ataque à sua cidade, dedicando-a à menina Sadako Sasaki. Exposta à radiação em Hiroshima e desenganada pela leucemia, Sadako acreditava poder salvar-se se completasse mil tsuru (grous, símbolos tradicionais de convalescência e longevidade) em origami, a arte japonesa de dobraduras em papel. Sadako faleceu ao completar 646, e seus colegas providenciaram para seu funeral os tsuru que faltavam. Desde então, centenas de milhares de tsuru são anualmente enviados ao memorial consagrado a Sadako em sua cidade por gente do mundo todo – inclusive este escriba.


Reafirmando o compromisso com a paz,
Nós dobramos grous escarlates.

Almas de coração puro,
Nós dobramos grous brancos.

Em emoções ardentes,
Nós dobramos grous vermelhos.


Como puderam perceber, a indignação e as evocações cataclísmicas tão prevalentes nas composições japonesas inspiradas pelo ataque a Hiroshima estão virtualmente ausentes naquelas alusivas a Nagasaki. “Hiroshima se enfurece, Nagasaki reza”, diz-se no Japão. E parece mesmo que sim: ao reconstruir-se como a cidade aberta ao mundo que sempre almejou ser, Nagasaki tentou dar de ombros para as lembranças dolorosas da guerra. Seus visitantes de hoje em dia, diferentemente de quem vai a Hiroshima, só encontram indícios dos horrores de 9 de agosto de 1945 se os buscarem muito ativamente. Por isso, talvez, a maior parte dos tributos musicais que lhe foram prestados não veio de compositores japoneses, e sim de dedicados gaikokujin.

O primeiro entre eles (e, por muito tempo, também o único) foi o enfant terrible Alfred Schnittke, que apresentou seu oratório Nagasaki (1958) como peça de formatura aos catedráticos de composição do Conservatório de Moscou. Levou tomates, como sempre, e foi acusado de formalismo – o que lhe deve ter inspirado gargalhadas histéricas pelo resto de sua vida, cada vez que imaginava como a sisuda banca examinadora reagiria ao poliestilismo que marcaria seu estilo maduro. Mais ainda: foi obrigado a aguar as tintas sonoras com que descreveu a explosão e suas consequências, o que descaracterizou tanto a obra que o levou a renegá-la e esquecê-la. O oratório só voltaria a ser apresentado na forma original quarenta e oito anos após sua estreia, em sua primeira apresentação pública, na magnífica Cidade do Cabo. Felizmente para nós outros, a sorte resolveu sorrir um pouco para Schnittke depois de sua morte, e hoje há em sua Rússia natal tanto um Instituto Musical como uma orquestra e um coro que levam seu nome, e são eles que lhes trarão Nagasaki na gravação que ofereço, exatamente como seu autor a concebeu.

Hic iacet Alfredus

Ao contrário daquela peça homônima mais célebre (baixe-a aqui), escrita por Penderecki num exercício de abstração e dedicada à vítimas de Hiroshima somente a posteriori,  o canadense R. Murray Schafer (autor do interessantíssimo livretinho A Nova Paisagem Sonora) tinha em mente os gritos, queimaduras e ventos nucleares que assolaram Nagasaki ao compor sua Trenodia (1970). Nas palavras do autor:

Os textos lidos pelos jovens narradores em ‘Trenodia’ são relatos de crianças testemunhando o bombardeio atômico de Nagasaki em 9 de agosto de 1945. A orquestra e os coros ilustram essa cena aterrorizante. Recebi a encomenda de uma peça para a Orquestra Sinfônica Júnior de Vancouver logo após chegar para lecionar na Universidade Simon Fraser.

Eu queria escrever uma peça para aqueles jovens intérpretes que os fizesse refletir sobre questões sociais. A Guerra Fria estava a todo vapor em 1967, e os estoques de armas nucleares estavam crescendo rapidamente. Eu sabia que esses relatos extremamente explícitos de sofrimento e morte afetariam tanto os intérpretes quanto seus pais, forçando-os a considerar seriamente as consequências de uma guerra nuclear. Como havia inúmeras passagens em que os intérpretes eram obrigados a criar sua própria música para acompanhar textos específicos, eles tinham um papel mais sério a desempenhar do que se tivessem simplesmente herdado uma expressão pronta do compositor. Houve lágrimas após a apresentação.

Mas também me lembro de um homem que se aproximou de mim, desafiador, e disse: ‘Vamos lançar de novo!’. Remoí por meses que uma obra dedicada à causa da paz tenha provocado sentimentos tão raivosos. Mas, graças a Deus, nenhuma bomba atômica foi lançada desde então“.


XII – LANTERNAS FLUTUANTES
Em 6 de agosto, os sete rios de Hiroshima enchem-se de lanternas flutuantes, com os nomes de pais, mães e irmãs gravados.
A maré muda antes que as lanternas cheguem ao mar, e elas são levadas de volta para a cidade pelas ondas. Agora apagadas, a massa de lanternas amassadas flutua nas correntes escuras do rio.
Naquele dia, no passado, esses mesmos rios fluíam densos de cadáveres.

[1968]



Igualmente inventiva é a composição Vozes de Nagasaki, do flautista neerlandês Wil Offermans, que faz parte da Suíte Dejima, criada por Offermans em conjunto com o Templo Kofuku-ji em Nagasaki para celebrar os 400 anos de relações entre os Países Baixos e o Japão. Inspirada pela longa tradição de interações culturais da cidade, a peça descreve sua beleza e a da natureza circundante. As “vozes aleatórias” humanas previstas na partitura representam vozes do passado e, por isso, são expressões de alegria, de medo, de amor e da existência humana em geral. Para a apresentação, as várias partes de flauta também podem ser duplicadas, com um grupo maior, de preferência o público, assumindo as “vozes aleatórias”. O resultado é encantador.


XIII – MORTE DO PRISIONEIRO DE GUERRA

Cerca de trezentos mil japoneses morreram devido às bombas atômicas que vocês lançaram. Mas suas bombas atômicas também mataram 23 jovens do seu próprio país. Americanos que haviam saltado de paraquedas em ataques aéreos antes do bombardeio de Hiroshima foram mantidos lá como prisioneiros de guerra. Alguns disseram que também havia mulheres prisioneiras de guerra.
Nós nos perguntamos como elas eram quando morreram, que roupas, que sapatos usavam.
Fomos a Hiroshima e ficamos chocados com o que descobrimos. Como os prisioneiros de guerra americanos estavam mantidos em abrigos subterrâneos perto do centro da explosão, eles provavelmente teriam morrido em pouco tempo. Ou, talvez, alguns pudessem ter sobrevivido. Mas, antes que seu destino pudesse ser conhecido, os japoneses os massacraram, soubemos.
Tremíamos enquanto pintávamos a morte dos prisioneiros de guerra americanos.
[1971]


A obra mais significativa em cinco décadas a se inspirar em Nagasaki veio a público ano passado. Encomendada pela Orquestra Sinfônica de Saint Paul, capital do estado norte-americano de Minnesota e cidade-irmã de Nagasaki desde 1955, Green Hope after Black Rain (“Esperança Verde após Chuva Negra”) foi composta por Steve Heitzeg em tributo não só às vítimas dos ataques ao Japão, mas também aos japoneses e seus descendentes que foram confinados em campos de concentração nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra. Seu título faz referência às imensas canforeiras do santuário Sannō de Nagasaki, que, arrancadas e calcinadas pela explosão, foram dadas como mortas até que lhe surgissem brotos. Replantadas no seu lugar original, servem desde então de símbolo da reconstrução da cidade e da esperança de seus moradores em que da devastação, por fim, algum dia ressurgiria a vida. Nas palavras de seu compositor:

Compus ‘Esperança Verde Após a Chuva Negra’ (Sinfonia para os Sobreviventes de Manzanar, Hiroshima e Nagasaki) em homenagem aos sobreviventes dos campos de concentração nipo-americanos (o maior dos quais foi Manzanar, no estado da Califórnia] e às pessoas e árvores bombardeadas em Hiroshima e Nagasaki.

A sinfonia é um apelo à paz e um protesto contra a injustiça, a bomba atômica e outras armas de destruição em massa, e a insanidade da guerra.

A partitura inclui vários instrumentos de percussão natural, como galhos, folhas, flores de cerejeira secas e vagens de sementes de ginkgo biloba, eucalipto, cânfora e cerejeiras de Hiroshima e Nagasaki, um tambor taiko, pedras do campo de concentração nipo-americano de Manzanar e de Hiroshima, um sino de templo e guirlandas de tsuru de origami.”

A gravação que compartilho foi feita a partir da transmissão por rádio da estreia mundial da obra, dada pela orquestra de Saint Paul no ano passado. Para minha grata surpresa, quando esta postagem já estava no prelo, soube que a première japonesa aconteceu há algumas semanas, quando as Orquestras de Saint Paul e de Nagasaki tocaram juntas no Japão. Melhor ainda: ela foi gravada em vídeo e está disponível na cyberesfera:

Minha homenagem às vítimas de Nagasaki encerra-se com a mais improvável das contribuições. Afinal, enquanto o garoto Franz Schubert escrevia Heidenröslein em 1815, aos dezoito anos, o Japão vivia o isolamento do período Edo, samurais singravam seu território a serviço de senhores feudais, e tanto aeronaves quanto a fissão nuclear estavam ainda muito distantes dos céus japoneses. Na segunda metade daquele século, a abertura dos portos às nações estrangeiras levaria a organização política e a sociedade do país a rápidas transformações. A música europeia tomou de assalto os salões recém-formados, e a educação musical foi incorporada ao currículo das escolas. A urgência em criar e expandir um repertório para os conjuntos vocais escolares levou não só a arranjos de canções tradicionais, como também a versões japonesas de canções europeias – entre elas, a da pequena rosa baldia imaginada por Goethe, transformada em japonês numa rosa selvagem (Nobara), que se tornou imensamente popular entre as crianças do Japão, muitas das quais sequer imaginam que a música foi composta por um genial gaikokujin.

Os leitores-ouvintes que assistiram a Rapsódia em Agosto (1991), o penúltimo filme do demiurgo Akira Kurosawa, talvez tenham reconhecido nele a melodia da rosa baldia, cantada pelas crianças que visitam a avó hibakusha em Nagasaki e ouvem da anciã suas reminiscências de luto e ressentimento. Talvez também tenham, como eu, achado a primeira hora e tanto do filme algo simplória e esquemática, e assim mordido a isca deixada pelo velho Kurosawa, mestre consumado do movimento e da manipulação, só para serem conduzidos àquela cena final que…

Bem, que nunca mais lhes permitirá escutar Nobara sem que ela lhes rasgue os corações.

XIV – CORVOS

Japoneses e coreanos se parecem. Como distinguir um rosto impiedosamente queimado do outro?
‘Após a bomba, os últimos cadáveres a serem eliminados foram os coreanos. Muitos japoneses sobreviveram à bomba, mas pouquíssimos coreanos. Não havia nada que pudéssemos fazer. Corvos vieram voando, muitos deles. Os corvos vieram e comeram os globos oculares dos cadáveres coreanos. Eles comeram os globos oculares.’ (Dos escritos de Ishimure Michiko.)
Os coreanos foram discriminados até mesmo na morte. Os japoneses discriminaram até mesmo os cadáveres. Ambos foram vítimas asiáticas da bomba.
Lindos chima-jeogori [traje nacional coreano], voem de volta para a Coreia, para o céu sobre a pátria. Humildemente oferecemos esta pintura. Rezamos.
Cerca de cinco mil coreanos morreram em massa em Nagasaki, para onde foram levados como trabalho forçado para os estaleiros da Mitsubishi. Há histórias semelhantes sobre coreanos em Hiroshima.
Somente na Coreia do Sul, quase quinze mil hibakusha vivem hoje sem reconhecimento oficial de seu status como sobreviventes da bomba atômica.
[1972]

 

NAGASAKI, ANO 80

Yūji KOSEKI (1909-1989)
Letra de Hachirō Satō

1 – Nagasaki no Kane (“Os Sinos de Nagasaki”)

Yumi Aikawa, contralto
Meisterbrass Quartett


Fumio KINO (1907-1970)
Poemas de Takashi Nagai (1908-1951)

2 – Ano ko (“Aquela Criança”)
3 – Shirayuri otome (“Virgens como os Lírios Brancos”)

Ensemble Vocal Ephémère

Fumio KINO
Poema de Hachirō Shimauchi

4 – Kora no mitama yo (“As Almas das Crianças”)

Coro dos alunos da Escola Municipal Shiroyama de Nagasaki


Alfred Garrievich SCHNITTKE (1934-1998)

Nagasaki, oratório para coro misto, mezzo-soprano, orquestra sinfônica e órgão, Op. 19

5 – “Nagasaki, cidade da dor” (poema de Anatoly Sofronov )
6 – “A Manhã” (poema de Tōson Shimazaki )
7 – “Naquele dia fatídico” (poema de A. Sofronov)
8 – “Nas Cinzas” (poema de Eisaku Yoneda)
9 – “O Sol da Paz” (poema de Georgy Fere)

Ksenia Vyaznikova, mezzo-soprano
Evgenia Krivitskaya, órgão
Coro e Orquestra Sinfônica do Instituto Estatal de Música “Schnittke” de Moscou
Igor Gromov, regência


Raymond Murray SCHAFER (1933-2021)

10 – Threnody (“Trenodia”), para coro e orquestra de jovens, cinco narradores e música eletrônica (1970)

Carole Hoskins, Elizabeth Luther, Ellen Procunier, Eric Mah e Marg Turl, narradores
Lawrence Park Collegiate Choir
Lawrence Park Collegiate Orchestra
North Toronto Collegiate Orchestra
John P. Barron, regência


Steve HEITZEG (1959)

Green Hope After Black Rain (“Esperança Verde após Chuva Negra), Sinfonia para os sobreviventes de Manzanar, Hiroshima e Nagasaki (2024)

11 – Peregrinação ao Campo de Internação de Manzanar (um conjunto de variações contra a injustiça, dedicado à memória de Sue Kunitomi Embrey): “Remoção Forçada” – “Na Entrada do Campo de Internação de Manzanar” – “Ireito (Torre de Consolação da Alma)” – “No Túmulo do Bebê Toshiro ‘Jerry’ Ogata” – “Relembrando Manzanar (Nidoto Nai Yoni: ‘Que isso não aconteça novamente.’)” – “Os fantasmas de Manzanar”
12 – Vento sem Retorno (para os hibakusha – o povo bombardeado), dedicado a Setsuko Thurlow: “Sombras Nucleares” – “Guirlandas de tsuru de Papel de Origami” – “Rumo a Mil tsuru de Origami”
13 – Sementes da Paz (para as hibakujumoku — as árvores bombardeadas de Hiroshima e Nagasaki), dedicada a Nassrine Azimi e Tomoko Watanabe: “Dança das Sementes” — “Entre Árvores Sagradas” — “Testemunha das Árvores” — “As Cerejeiras de Kayoko” (21 notas para os 21 dias de busca de Tsue Hayashi por sua filha Kayoko) — “A Cura das Folhas”

The Saint Paul Civic Symphony Orchestra
Jeffrey Stirling, regência

Gravação da estreia mundial


Wil OFFERMANS (1959)

14 – Voices of Nagasaki (“Vozes de Nagasaki”) para conjunto de flautas

Conjunto de Flautas de Zagreb


Ikuma DAN (1924-2001)

15 – Nagasaki, Poema Sinfônico para coro misto e orquestra (1974)

Coro da Federação Coral de Nagasaki
Orquestra Sinfônica de Kyushu
Ikuma Dan, regência

Gravação da estreia mundial


Michiru ŌSHIMA (1961)
Letra de Kanae Yokoyama

16 – Senbazuru (“Mil Grous”)

Coro da Federação Coral de Nagasaki
Orquestra Sinfônica de Nagasaki
Masanori Mikawa, regência

17 – Senbazuru

Amane Machida, soprano


Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Poema de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), traduzido por Sakufu Kondo (1880-1915)
Arranjo de Shin’ichirō Ikebe (1943) para a trilha sonora do filme Hachigatsu no Kyōshikyoku (“Rapsódia em Agosto”) de Akira Kurosawa (1991)

18 – Nobara (“Rosa Selvagem”), versão japonesa de Heidenröslein, D. 257

Coro Infantil Hibari (Hibari Jido Gasshodan)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


XV – NAGASAKI
A cidade-alvo de Kokura estava coberta por nuvens espessas, e os dois B-29 voaram para o alvo alternativo, o porto de Nagasaki. A visibilidade também era ruim, então a bomba atômica foi lançada sobre a siderúrgica Mitsubishi, nos arredores da cidade.
A bomba explodiu diretamente acima da catedral católica em Urakami, matando os padres e aqueles que ali se reuniam para o culto. Os mortos foram espalhados em círculos concêntricos infinitos, com a catedral no centro.
A bomba de Nagasaki era feita de plutônio e era mais poderosa que a bomba de Hiroshima. Mais uma bomba atômica. Nagasaki foi devastada. Cento e quarenta mil pessoas morreram.

[1982]

 

As pinturas e legendas que ilustram esta postagem são parte da série de quinze Painéis de Hiroshima, realizada entre 1950 e 1982 pelo casal  Iri e Toshi Maruki, e que se encontra em exibição permanente na Galeria Maruki, em Saitama, Japão (exceto o último painel, intitulado Nagasaki, doado ao Museu da Bomba Atômica daquela cidade). Convido os leitores-ouvintes uma vez mais a me acompanharem numa doação em prol da preservação dessas inestimáveis obras de arte, bem como em outra para apoiar a ICAN (Campanha Internacional para Abolição das Armas Nucleares), recipiente do Prêmio Nobel da Paz de 2017, e ajudar a manter, entre outras iniciativas, seu Memorial às 38 mil crianças mortas nos ataques.


Publicado no 80° aniversário do ataque criminoso a Nagasaki e dedicado à memória de suas dezenas de milhares de vítimas inocentes.

Nunca as esqueceremos.

Vassily

Hiroshima, Ano 80 – A Música dos Hibakusha [Dan – Hayashi – Hosokawa – Kawasaki – Kōjiba – Ōki – Takemitsu – Yamamoto]

Hiroshima, Ano 80 – A Música dos Hibakusha [Dan – Hayashi – Hosokawa – Kawasaki – Kōjiba – Ōki – Takemitsu – Yamamoto]
6.8.1945
8:15
[Foto do autor]

No dia em que lembramos os oitenta anos da estreia da mais avassaladora obra-prima da psicopatia humana, não tentarei evocar a hecatombe daquela manhã de verão em Hiroshima. Minha voz jamais voaria tão alto e, ademais, duvido de que haverá um humano sequer, de qualquer ofício, capaz de pintar com total acurácia o variado buffet servido pela Morte em 6 de agosto de 1945. Dito isso, e enquanto me equilibro entre o dever doloroso de recordar a miséria sem precedentes trazida pelo ataque criminoso e o anseio por que ela nunca mais se repita, chamarei a atenção dos leitores-ouvintes para algumas obras dedicadas a seus sobreviventes por compositores japoneses.


I – FANTASMAS
Era uma procissão de fantasmas.
Roupas queimadas num instante. Mãos, rostos e peitos incharam; bolhas roxas logo estouravam e a pele pendia como trapos.
Uma procissão de fantasmas, com as mãos estendidas à frente. Arrastando a pele dilacerada, caíram exaustos, amontoando-se uns sobre os outros, gemendo e morrendo.
No centro da explosão, a temperatura atingiu 6.000 graus. Uma sombra humana foi gravada em degraus de pedra. O corpo daquela pessoa vaporizou? Foi levado pelo vento? Ninguém nos conta como era perto do hipocentro.
Não havia como distinguir um rosto carbonizado e cheio de bolhas do outro. As vozes ficaram ressecadas e roucas. Amigos diziam seus nomes, mas ainda não se reconheciam.
Um bebê solitário dormia inocentemente, com uma pele linda. Talvez tenha sobrevivido, abrigado pelo seio da mãe. Esperamos que pelo menos esta criança desperte para continuar vivendo.
[1950]

Chamadas em japonês de hibakusha, essas centenas de milhares de pessoas carregariam pelo que lhes restou das vidas não só as escaras físicas do calor e da radiação de Little Boy, como também a culpa dos sobreviventes – o remorso de serem as gotas vivas no meio dum mar de mortos – e um sem-fim de estigmas: aos olhos dos preconceituosos, seriam radioativos e malditos, contagiosos e letais. Isso tudo, somado à rigorosa censura imposta pela potência vitoriosa – antes bombardeante, depois ocupante -, manteve por muitos anos sob mordaça a voz dos hibakusha. As primeiras cerimônias em memória às vítimas eram feitas em silêncio quase total, interrompido brevemente por orações apenas balbuciadas. Com o tempo, e enquanto se recriavam as popularíssimas associações corais que tomaram de assalto o Japão a partir da abertura de seus portos na metade do século XIX, esses eventos passaram também a incluir canto, ainda que simbolicamente amordaçado –  como na letra da “Canção da Paz de Hiroshima”, que parece falar de qualquer coisa, menos duma desgraça infligida pelo homem a humanos:


Onde nuvens brancas flutuam –
Até os confins do céu, de leste a oeste
Ecoa no alto o som do Sino da Paz.
Pois agora nos levantamos bravamente
E aqui construímos nosso futuro próspero.
De onde crescem ondas azuis
Até os confins do mar, de sul a norte,
Ecoamos nossas preces por toda parte
Ao som do Sino da Paz.
Pois agora superamos nossas dificuldades
E daqui olhamos para o futuro
Onde os ventos frescos e brilhantes sopram
Até os confins do Japão e para nossos amigos no exterior
Ecoamos nossa vontade fervorosa
Ao som do Sino da Paz
Pois aqui cantamos em harmonia
E agora estendemos nossas mãos”

[traduzido livremente pelo autor]


II – FOGO
“‘Pikah!’ [onomatopeia japonesa para ‘clarão’] Um forte clarão azul-esbranquiçado. A explosão, a pressão, a tempestade de fogo — nunca na Terra ou no Céu a Humanidade havia experimentado tal explosão. Chamas irromperam no instante seguinte e saltaram para o céu. Quebrando o silêncio sobre as ruínas sem limites, o fogo rugiu.
Alguns jaziam inconscientes, presos por vigas caídas. Outros, recuperando os sentidos, tentavam se libertar, apenas para serem envolvidos pelas chamas carmesim.
Cacos de vidro perfuravam barrigas, braços eram torcidos, pernas se dobravam, pessoas caíam e eram queimadas vivas.
Abraçando seu filho, uma mulher lutava para se libertar de debaixo de um poste caído.
‘Depressa! Depressa!’, gritou alguém. ‘É tarde demais.’ ‘Então nos entreguem a criança.’ ‘Não, corra você. Eu vou morrer com minha filha. Ela ficaria vagando só pelas ruas.’
A mulher empurrou as mãos que a ajudavam e foi consumida pelas chamas.”
[1950]

Foi somente com o final da ocupação estrangeira, em 1952, que a mordaça foi afrouxada. As memórias dos hibakusha começaram, por fim, a vir à tona com a dor e a indignação devidas – dentro, por óbvio, das proporções possíveis a uma cultura que promove tanto o estoicismo quando o asco pela derrota. Enquanto as cerimônias em memória às vítimas passavam a lembrar do ataque e seus horrores, alguns hibakusha saíam reticentemente do ostracismo para compartilhar suas experiências com audiências a cada ano maiores, mais jovens e, por isso, mais alijadas de suas memórias do ataque a Hiroshima. Cada vez maiores, também, eram os grupos convidados a cantar nas cerimônias, e esse contexto levou, naturalmente, a que a música coral predominasse entre as primeiras composições dedicadas à memória do 6 de agosto.

A mais célebre entre elas, e merecidamente, é a suíte Genbaku Shokei (“Cenas da Bomba Atômica”), composta pelo toquiota Hikaru Hayashi em três movimentos em 1958 e concluída, com a adição do quarto movimento, apenas em 2001. Pondo em música poemas da coletânea homônima do hibakusha Tamiki Hara (1905-1951), que vagou por dias pela cidade devastada, essas “Cenas” são especialmente tocantes na simplicidade crua de seu primeiro movimento, Mizu o kudasai (“Me dá água”), que evoca as cenas dantescas de moribundos, com a pele esfarrapada, arrastando-se até os sete rios de Hiroshima para tentar saciar sua sede mortal. O texto, escrito em japonês fragmentário e com o silabário katakana, reservado a telegramas e palavras estrangeiras, faz suarem até os mais secos dos olhos:


Me dá água
Ah, me dá água
Me deixa beber
Morrer seria melhor
Morrer seria
Aaah
Ajuda ajuda
Água…
Água
Alguma
Alguém
Oh oh oh oh oh
Oh oh oh oh oh

O céu partiu ao meio
A cidade sumiu
O rio
Está correndo…

[traduzido livremente pelo autor]


III – ÁGUA
“Havia montanhas de cadáveres, com cabeças empilhadas no centro do monte. Estavam empilhados de forma que seus olhos, bocas e narizes pudessem ser vistos o mínimo possível.
Em um monte ainda não cremado, o globo ocular de um homem se movia e observava. Ele ainda estaria vivo? Ou um verme teria mexido em seu olho morto?
Água! Água! Pessoas vagavam por ali, procurando água. Fugindo das chamas, clamando por água para molhar seus lábios moribundos. Uma mãe ferida com seu filho fugiu para a margem do rio. Ela escorregou em águas profundas, se arrastou pelas águas rasas. Correndo enquanto o fogo violento engolfava o rio, parando de vez em quando para molhar o rosto, ela continuou correndo até finalmente chegar a este local. Ela ofereceu um seio ao filho, apenas para descobrir que ele havia dado seu último suspiro.
A imagem do século XX de Nossa Senhora e o Filho: uma mãe ferida embalando seu bebê morto. Não é uma imagem de desespero? Mãe e filho devem ser, devem ser, um símbolo de esperança.”
[1950]

Numa escala muito maior, as composições de Masao Ōki usam vastos recursos corais e orquestrais para responder à inspiração trazida pelos artistas hibakusha. Sua imensa cantata Ningen o kaese (“Devolvam-nos a Humanidade”), em duas partes, faz jus aos indignados versos do poeta Sankichi Tōge (1917-1953), um ativista que nunca mediu palavras para descrever tanto as consequências macabras do ataque quanto seu ódio profundo por seus perpetradores:

Vocês, meninas,
chorando mesmo sem ter de onde virem as lágrimas;
gritando mesmo sem ter lábios para formar palavras;
lutando mesmo sem ter pele nos dedos para agarrar
qualquer coisa dentro de vocês, meninas.
Seus membros se contraem, escorrendo sangue, suor gorduroso e linfa;
seus olhos, fendas inchadas, rebrilham brancos;
apenas os elásticos de suas calcinhas seguram suas barrigas inchadas;
vocês estão completamente além da vergonha,
mesmo com suas vergonhas expostas:
quem poderia imaginar que há pouco tempo todas vocês eram lindas colegiais?
Emergindo das chamas que tremulavam sombriamente na Hiroshima queimada,
não mais vocês mesmas,
vocês correram para fora,
rastejaram uma após a outra,
lutaram para chegar até este descampado,
em agonia deitaram suas cabeças,
carecas, exceto por alguns fios de cabelo, no chão.
Por que vocês devem sofrer assim?
Por que vocês devem sofrer assim?
Por qual motivo?
Por qual motivo?
Vocês, meninas, não sabem o quão desesperadora é a sua condição,
o quanto vocês se transfiguraram em relação ao humano.
Vocês estão simplesmente pensando,
pensando naqueles que até esta manhã
foram seus pais, mães, irmãos, irmãs
(algum deles as reconheceria agora?)
e nas casas em que vocês dormiram, acordaram, comeram
(naquele instante, as flores da cerca viva foram arrancadas;
agora nem mesmo suas cinzas foram encontradas),
pensando, pensando
enquanto estão deitadas ali entre amigas que,
uma após a outra,
param de se mover,
pensando em quando vocês eram, meninas,
seres humanos.

[traduzido livremente pelo autor]


IV – ARCO-ÍRIS
“Um soldado nu estava de pé, apenas com suas botas e espada. Jovens soldados com braços quebrados e pernas esmagadas. Os feridos corriam sem rumo, com a pele esfarrapada coberta por cobertores.
Não havia som algum, apenas um silêncio mortal. Então, um soldado enlouquecido apontou para o céu e gritou repetidamente: ‘Um avião! Um B-29!’. Não havia sombra de avião à vista. Cavalos feridos, cavalos frenéticos, corriam descontroladamente.
Aviadores americanos, que vieram bombardear o Japão, haviam sido capturados e colocados em um quartel em Hiroshima. A bomba atômica matou amigos e inimigos. Dois soldados jaziam encolhidos na estrada perto do domo, com os pulsos ainda algemados.
A fumaça e a poeira sopradas para o alto formaram uma nuvem, e logo grandes gotas de chuva caíram do céu, que antes estava limpo. Um arco-íris arqueava-se sobre este domo enegrecido. O arco-íris de sete cores brilhava intensamente.”
[1951]

Nascido dez anos depois do ataque, Toshio Hosokawa teve educação musical esmerada em seu país e na Alemanha. Quando retornou ao Japão, no trigésimo aniversário do bombardeio, chocou-se com a teimosa, envergonhada relutância de sua família e de seu país em tocarem no assunto. Em resposta a essa opressão do silêncio, produziu dois réquiens para quebrar o silêncio em seu derredor: o Réquiem de Hiroshima (1989-92) e o oratório Koe Nakigoe (“A Voz dos Sem Voz”, 1989-2001), em homenagem aos hibakusha perpetuamente degredados à mordaça em sua cidade natal.


V – MENINOS E MENINAS
“Elas jaziam mortas em montes ao longo da margem do rio, com as cabeças apontando para a água que procuravam. Ao chegarem ao rio, a água permaneceu fora de alcance, abaixo da margem íngreme, e elas morreram sem saciar a sede. Crianças em idade escolar foram mobilizadas para ajudar a construir aceiros. Muitas turmas foram completamente aniquiladas. Duas irmãs seguravam as figuras transformadas uma da outra. Outras meninas morreram sem um único arranhão no corpo. Quando viu esta pintura, um carpinteiro que havia sido exposto à bomba nos disse: ‘Minha filha é a única sobrevivente de sua turma. Mas seus dedos foram torcidos e queimados, seu rosto se fundiu à garganta e ela não consegue andar. Seu corpo não cresceu desde então, quando ela tinha treze anos.’
[1951]

Com a reconstrução de Hiroshima e o restabelecimento de suas casas de concerto e seus conjuntos orquestrais, a música instrumental também passou a prestar tributos aos hibakusha. Masaru Kawasaki tinha 21 anos quando a sorridente tripulação do Enola Gay pulverizou sua cidade. Apesar de estar a menos de dois quilômetros do hipocentro da explosão, ele sobreviveu, com sequelas que trataria até o final da vida. Dedicou-se principalmente ao repertório para banda sinfônica e foi o primeiro compositor hibakusha a ver sua obra popularizada: um triunfo considerável sobre o estigma e o preconceito. Sua série mais conhecida, Inori no kyoku dai (“Música de Oração”), é bastante executada no Japão, e sua primeira peça, “Dirge”, composta em 1975 e estreada no trigésimo aniversário do ataque, tem feito parte de todas as cerimônias de 6 de agosto desde então.


VI – DESERTO ATÔMICO
“Nada para comer, nenhum remédio. Nenhum abrigo contra a chuva. Sem eletricidade, sem jornais, sem rádio, sem médicos. Larvas se reproduziam em cadáveres e feridos, nuvens de moscas zumbiam e enxameavam. O cheiro de cadáveres pairava no vento.
As pessoas não estavam apenas feridas fisicamente, seus espíritos também estavam profundamente feridos.
Uma mulher, sem se importar em cobrir sua pele esfarrapada, procurou seu filho. Ela vagou por dias a fio.
Ainda hoje, ossos humanos são às vezes desenterrados em Hiroshima.”
[1952]

Entre todas as obras que ora lhes apresento, compiladas ao longo de quase três décadas e resgatadas de meios tão diferentes quanto cassetes, rolos, CD-Rs e DVDs, aquelas da hiroshimense Tomiko Kōjiba estão as que mais me agradam. Sua Trilogia de Hiroshima, composta pelo Réquiem de Hiroshima, pela suíte Sete Perfis Intocados (expressão de sua vontade de retratar o caráter dos hibakusha duma maneira que resistisse à erosão do esquecimento) e por O Futuro a 4000 ºC (referência à temperatura sob o hipocentro nos primeiros segundos após a explosão) atestam sua fascinante originalidade, cujos frutos, infelizmente, não nos chegam tão frequentemente aqui nestes rincões tão tristes.


VII – BAMBUZAL
“Muitos se abrigaram em um bambuzal. — Não foi um terremoto, mas o que foi? — Poderia ter sido um conjunto de bombas incendiárias? — Foi uma bomba, não, um raio da morte. — De qualquer forma, houve um clarão — pikah! — e depois um trovão estrondoso — don! — Não. Em Hiroshima, não ouvimos nenhum trovão. Foi tão grande que houve apenas um clarão.
Eles continuaram falando sobre aquele momento. Havia muitos bambuzais nos arredores de Hiroshima, e a bomba atômica queimou o bambu de um lado. Os moradores de rua se abrigaram nos bambuzais. E um por um, deram seu último suspiro.
As pessoas nos chamavam por socorro, mas não tínhamos coragem de ir até elas. Não havia mais espaço para os feridos em nossa casa.
Sob a Ponte Mitaki, havia uma pilha de cadáveres. Uma pessoa agachada ali parecia estar viva, mas não conseguimos determinar sua idade ou sexo. Na manhã de 26 de agosto, a cabeça da pessoa caiu para a frente e ela morreu. A bomba foi lançada em 6 de agosto, então essa pessoa suportou em silêncio por vinte dias. Não havia ninguém para se livrar desses corpos, e eles não foram removidos até que um tufão os arrastou para o mar em setembro.””
[1954]

Muito mais projeção tem a obra de Ikuma Dan, compositor de origem aristocrática, descendente duma longa linhagem de samurais, que viveu uma grande parte de sua vida na China, onde viria a falecer. Dan gravou a integral de suas sinfonias com orquestras europeias, e a sexta delas, intitulada Sinfonia Hiroshima, combina elementos composicionais europeus e japoneses, alguns mesmo em tom de pastiche, e incorpora dois  instrumentos tradicionais – o nōkan e o shinobue, respectivamente um flautim e uma flauta de bambu – a uma grande massa orquestral da qual, sublimemente, emerge também a voz duma soprano.


VIII – RESGATE
“Os incêndios queimavam sem parar.
Pessoas do campo vieram em busca de parentes e os levaram para fora da cidade. Muitos morreram no caminho.
Longas filas se formaram para receber rações. Uma menina morreu perto, ainda segurando sua porção de biscoito.
Cacos de vidro estavam incrustados nos corpos dos pais do marido da nossa irmã. Seus tornozelos incharam tanto quanto suas coxas. Eles haviam se refugiado em nossa casa, e decidimos levá-los para o filho mais velho. Colocamos os dois em uma carroça e a puxamos até Kaita, passando pelo centro da explosão. Uma chuva fina caía.
Depois da bomba, choveu com frequência em Hiroshima. Mesmo sendo agosto, um dia frio se seguiu ao outro.
Alguém nos disse em meio a soluços: ‘Abandonei minha mãe. Gritei: ‘Perdoem-me!” No esforço frenético para escapar, esposas e maridos tiveram que se abandonar, pais tiveram que abandonar seus filhos.
Muitos dias se passaram antes que a ajuda humanitária fosse organizada.”
[1954]

Concluo meu tributo aos hibakusha com outra obra de Masao Ōki: sua Quinta Sinfonia, intitulada Genbaku (“Bomba Atômica”) e conhecida mais simples e amplamente como Hiroshima, foi inspirada nos oito primeiros Painéis de Hiroshima – exatamente as pinturas que ilustram essa publicação. Ōki também foi um prolífico compositor de trilhas sonoras para filmes, atendendo tanto à demanda por romances escapistas quanto a épicos sobre samurais, passando ao largo de temas nucleares. A censura das forças de ocupação e a complicada relação da sociedade japonesa com o legado da guerra explica o pequeno número de produções do país dedicadas aos hibakusha. A mais importante delas, surgida quarenta e cinco anos depois do ataque, foi sem dúvidas Kuroi Ame (“Chuva Negra“, 1989), de Shōhei Imamura (não confundir com a tolice homônima lançada no mesmo ano, estrelada por Michael Douglas), para cuja trilha sonora o mestre Tōru Takemitsu forneceu duas peças baseadas em seu Réquiem para Cordas (1957), e que acabou por lhe inspirar uma peça original, que recebeu o nome do filme e encerra esta nossa homenagem.


HIROSHIMA, ANO 80

Minoru YAMAMOTO (1912-1996)
Poema de Yoshio Shigezono

1 – Canção da Paz de Hiroshima

Coral e Banda Sinfônica da Cidade de Hiroshima


Hikaru HAYASHI (1931-2012)
Poemas de Tamiki Hara (1905-1951)

Cenas da Bomba Atômica
(1958-2001), para coro
2 – Me dá água
3 – Crepúsculo
4 – Noite
5 – Verde perene

Ensemble PVD
Hiroki Fujii, regência


Masao ŌKI (1901-1971)
Poemas de Sankichi Tōge (1917-1953)

“Devolvam-nos a Humanidade”, cantata para solistas, coro e orquestra

6 – Parte I (1961) – Prólogo: “Devolva-nos a nossa humanidade” – Capítulo 1: 6 de agosto; Morte – Capítulo 2: Na estação de curativos – Capítulo 3: Olhos – Capítulo 4: A criança pequena – Capítulo 5: Uma chamada  –  Final: “Devolva-nos a nossa humanidade”

Mieko Takizawa, soprano
Echiko Narita, contralto
Akio Amano, tenor
Koichi Tajima, baixo
Coro da Associação Musical Ro-on de Tokyo
Orquestra Sinfônica de Tóquio
Kikuo Sato, regência

7 – Parte II (1963): “Declaração” – “Lápide” – “Manhã” – “Passos”

Kiyoshi Oda, barítono
Coral Infantil da Associação de Música dos Trabalhadores de Tóquio
Orquestra Sinfônica de Tóquio
Hitoshi Ueda, regência


Toshio HOSOKAWA (1955)

8 – Réquiem de Hiroshima, para vozes, coro infantil e adulto, orquestra e fita pré-gravada (1989)

Ryo Akiyama, Miyuki Katayama e Jon Brokering, vozes
The Tokyo Little Singers
Coros da OMP e da NHK
Orquestra Sinfônica Japonesa
Kazuyoshi Akiyama, regência

De “A Voz dos Sem Voz”, oratório para solistas, coro e orquestra (1989-2000):

9 – Finale: A Voz dos Sinos do Templo

Chor- und Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Sylvain Cambreling,
regência


 

Masaru KAWASAKI (1924-2018)

Da série “Música de Oração”:

10 – No. 1, “Dirge“, para banda sinfônica

Orquestra de Sopros de Hiroshima
Yoshihiro Kimura, regência

11 – No. 2, “Elegia”, para banda sinfônica

Orquestra de Sopros Tokyo Kosei
Kazuyoshi Akiyama, regência

12 – No. 3, “Canção de Hiroshima”, para banda sinfônica

Clube de Música Instrumental da Escola  Motomachi de Hiroshima
Akira Doi, regência

13 – No. 4, “Prece”, para viola solo

Margareth Miller, viola

14 – No. 5, “Matinas”, para flauta e piano

Nancy Brown, flauta
Yumiko Womack, piano


Tomiko KŌJIBA (1952)

15 – Réquiem de Hiroshima, para orquestra de cordas (1979)

Orquestra Sinfônica de Hiroshima
Kazuyoshi Akiyama, regência

16 – Sete Perfis Intocados, para piano (2005)

Kōhei Fujimoto, piano

17 – “Futuro a 4000 °C”, para orquestra (2005)

Orquestra Sinfônica de Hiroshima
Kazuyoshi Akiyama, regência


Ikuma DAN (1924-2001)

Sinfonia no. 6, para soprano e orquestra, “Hiroshima” (1985)

18 – Andante ma non troppo. Quasi andante sostenuto
19 – Allegro ritmico
20 – Andante sostenuto e funebre

Anna Pusar, soprano
Michiko Akao, nōkan e shinobue
Wiener Symphoniker
Ikuma Dan, regência


Masao ŌKI

Sinfonia no. 5, “Hiroshima” (1953)

21 – Prelúdio
22 – Fantasmas
23 – Fogo
24 – Água
25 – Arco-íris
26 – Meninos e meninas
27 – Deserto Atômico
28 – Elegia

Nova Orquestra Filarmônica do Japão
Takuo Yuasa,
regência


Tōru TAKEMITSU (1930-1996)

Da Trilha sonora para o filmeChuva Negra“, de Shōhei Imamura (1989):
29 – Morte e Ressurreição
30 – Música Fúnebre

I Fiamminghi
Rudolf Werthen, regência

31 – Chuva Negra, para orquestra de cordas (1989)

Orquestra Metropolitana de Tokyo
Tōru Takemitsu, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE 


As pinturas e legendas que ilustram esta postagem são parte da série de quinze Painéis de Hiroshima, realizada entre 1950 e 1982 pelo casal  Iri e Toshi Maruki, e que se encontra em exibição permanente na Galeria Maruki, em Saitama, Japão. Convido os leitores-ouvintes a me acompanharem numa doação em prol da preservação dessas inestimáveis obras de arte, bem como em outra para apoiar a ICAN (Campanha Internacional para Abolição das Armas Nucleares), recipiente do Prêmio Nobel da Paz de 2017, e ajudar a manter, entre outras iniciativas, seu Memorial às 38 mil crianças mortas nos ataques.


Publicado no 80° aniversário do ataque criminoso a Hiroshima e dedicado à memória de suas dezenas de milhares de vítimas inocentes.

Vassily

 


 

In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 1 de 11: Volumes 1, 3 & 12 (Clássicos Favoritos I, II & III)

Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos (e percebam que nem mencionei seu instrumento!), completaria hoje 85 anos. Para celebrar seu legado extraordinário e honrar sua memória, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de hoje até 30 de outubro, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a primeira das onze partes de nossa eulogia ao gigante.

Partes:     |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |   X   |   XI


Se me perguntassem qual minha primeira memória de Arthur Moreira Lima, eu provavelmente lhes diria que ela é tão remota quanto a que eu tenho de um pianista. Nasci sob o Terror e cresci entre os ventos da Abertura que traziam de volta quem partira em rabos de foguete. Em minha casa ouvia-se muita música – nenhuma que atraísse cassetetes, e quase sempre daquela prevalente em elevadores e consultórios odontológicos. Ainda assim, era música bastante para que a aparição de um pianista na tela da TV, daquelas de antenas finamente ajustadas com palha de aço, não fosse sumariamente rechaçada por uma mudança de canal para a novela da vez. E o pianista, bem, ele era sempre o mesmo: aquele tipo de perfil pontiagudo, olhos a um só tempo alheios e dardejantes, de postura algo gibosa ao teclado e a drapejar sua cabeleira enquanto debulhava com os dedos coisas que eu não imaginava possíveis a mim, menino telespectador. Ele tocava de tudo, e em todo lugar, e ante centenas, milhares, dezenas de milhares de pessoas, e sozinho, e com orquestras, e em toda e qualquer companhia. No programa que teve na TV aberta, inimaginável nesses nossos tristes tempos de Tigrinho, dividiu a ribalta com chorões e roqueiros, seresteiros e jazzistas; mostrou-me Ney Matogrosso pela primeira vez de cara limpa e apresentou-me o semideus Raphael Rabello, que toca, como Gardel canta para os argentinos, cada dia melhor. Entre um número e outro, com o maroto sotaque que nunca renegou seu berço, entrevistava seus convidados com muita descontração – tanta que promoveu o seguinte diálogo entre meus genitores:

– Esse é aquele pianista?
– É.
– Bem informal, hein?
– Sim.
– Nem parece pianista…

O programa saiu do ar sem-cerimoniosamente, e eu, exceto por um LP e outro que encontrava em briques, fiquei sem saber do madeixudo carismático, até o dia em que, exaurido por um plantão no pronto-socorro e disposto a tudo para ver algo que não fosse sangue ou pus, encontrei um palco montado no meio do maior parque de minha Dogville natal. Sobre ele, um piano, e ante este – sim, adivinharam! – o pianista que nem parecia pianista, e que, contrariando tudo o que se dizia dele – que não estudava, que não se levava a sério, que estava decadente – despachava com segurança os arpejos do Estudo Op. 10 no. 1 de Chopin sob o olhar tietante duns gatos-pingados aos quais me juntei, lá na fila do gargarejo. Emendou, em seguida, o “Revolucionário“, o “Tristesse“, o das teclas pretas, e foi esgotando o Op. 10, estudo a estudo, inteiros ou em parte, até que faltou somente…

– O número 2, Arthur.
– Hein?
– Faltou o número 2.
– Cê me odeia, né? – gargalhava – Mas certamente não tanto quanto eu odeio o número 2.

E atacou o temido Op. 10 no. 2, com aquelas escalas rapidíssimas todinhas com os dedos fracos da mão direita, enquanto resmungava das tendinites que ele lhe trouxera.

– Que mais cês querem?
– …
– Digam logo, que daqui a pouco vão me levar à força pro camarim.
– Piazzolla, então!

E nos deu um Adiós Nonino com a mesma eletricidade que pôs suas madeixas em riste na memorável capa do álbum que dedicou a Astor. Ao terminar, com o produtor já a olhar com ganas de arrancá-lo do palco, um dos gatos-pingados lhe alcançou um número de telefone:

– Volto hoje para o Rio – explicava-se, enquanto guardava o papelucho na casaca – mas não deixo de te ligar.
– A costela está assando desde que saí de casa. Eu e ela te aguardamos.
– E a cerveja?
– Ela também. Mais gelada que em Moscou.

E foi arrastado para as coxias, de onde voltou para tocar um Tchaikovsky furioso com a Sinfônica de Dogville. Nunca soube se ele, enfim, telefonou para o churrasqueiro. Imagino que sim. Afinal, aquele ex-menino prodígio, de nobre arte forjada no Brasil e burilada na França e na União Soviética, capaz de dialogar com bolcheviques e mencheviques, maragatos e chimangos, cronópios e famas, sempre foi também um perfeito exemplo do que em minha terra se chama de “pau de enchente” –  aquele tipo que, como os galhos de árvores levados pelas enxurradas, vai parando aqui e ali – e nunca perdeu qualquer oportunidade de falar, de ouvir e de aprender.

– Decadente.
– Quê?
– Sim. Olha aí: tá vendendo disco na Caras!
– Eita…

O brasileiro não é gentil com seus heróis, e desancaram o heroico Sr. Pau de Enchente quando ele lançou sua antologia pianística a preços módicos e acessível em qualquer banca de revistas. Onde outros viam dinheirismo e decadência, eu, seu desde sempre tiete, só via generosidade – a mesma que o fez tocar para aquelas centenas, aqueles milhares, aquelas dezenas de milhares de gentes, a brilhar na TV e matar de inveja tantos colegas de ofício, a implodir o Muro da Vergonha entre os assim chamados “erudito” e “popular’, e que o levaria, em seu caminhão-teatro feito Caravana Rolidei, a tocar para compatriotas que nunca tinham visto um piano na vida.

Eu nunca consegui lhe agradecer, que se dirá o bastante – se é que haveria gratidão suficiente para tanta dedicação aos ouvidos de seu país! Até tive oportunidades: afinal, tanto eu quanto Sr. De Enchente escolhemos a mesma ilha para passar nossos últimos anos. Por algum tempo, inclusive, compartimos a mesma praia em que, vez que outra, nossos percursos se cruzavam. Numa delas, ele jogava bola com uma criança que, com um pontapé somado ao vigor do Vento Sul, mandou a redondinha na minha direção. Eu, que tenho dois pés esquerdos, devolvi-a com uma vergonhosa rosca para os devidos donos. Já me conformava com a ideia de ir buscá-la ainda mais longe, quando, antes mesmo dela quicar no chão, aquele torcedor doente do Fluminense Football Club aparou a pelota com um golpe seco que orgulharia o Príncipe Etíope e, com um toque de letra digno de Super Ézio, devolveu-a à remetente.

– Valeu, meu bom!

Craque com as mãos e com os pés, o Pelé e o Garrincha do Piano Brasileiro, gênio da raça: também tocas cada dia melhor! Venero-te tanto que jamais te conseguirei ser crítico. Se os leitores-ouvintes o quiserem, que assim sejam – mas minha homenagem aqui, ela terá só carinho e saudade ❤️.

Em memória de Fluminense Moreira Lima (16 de julho de 1940, Rio de Janeiro – Florianópolis, 30 de outubro de 2024) em seu 85º aniversário.


 

ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima

Volume 1: CLÁSSICOS FAVORITOS I

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Transcrição de Myra Hess (1890-1965)
Da Cantata “Herz und Mund und Tat und Leben“, BWV 147:
1 – Coral: Jesus bleibet meine Freude

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Da Sonata para piano no. 11 em Lá maior, K. 331:
2 –  Alla Turca: Allegretto

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Bagatela em Lá menor, WoO 59, “Für Elise”
3 – Poco moto

Carl Maria Friedrich Ernst Freiherr von WEBER (1786-1826)
Da Sonata para piano no. 1 em Dó maior, Op. 24:
4 – Rondo: Presto (“Perpetuum mobile“)

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Das Fantasiestücke, Op. 12:
5 – No. 3: “Warum?”

Ferenc LISZT (1810-1886)
Dos Grandes Estudos de Paganini, S. 141:
6 – No. 3: La Campanella

Jules Émile Frédéric MASSENET (1842-1912)
De Thaïs, ópera em três atos:
7 – Méditation (transcrição do compositor)

Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847)
Da Música Incidental para Ein Sommernachtstraum (“Sonho de uma Noite de Verão”), de William Shakespeare, Op. 61:
8 – No. 9: Marcha nupcial (transcrição do compositor)

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Das Dezoito Peças para piano, Op. 72:
9 – No. 2: Berceuse

Sergei Vasilievich RACHMANINOFF (1873-1943)
Dos Morceaux de Fantaisie, Op. 3:
10 – No. 2: Prelúdio em Dó sustenido menor

Anton Grigorevich RUBINSTEIN (1829-1894)
Das Duas Melodias, Op. 3:
11 – No. 1: Melodia em Fá maior

Alexander Nikolayevich SCRIABIN (1872-1915)
Dos Doze Estudos, Op. 8:
12 – No. 12 em Ré sustenido menor, “Patético”

Achille Claude DEBUSSY (1862-1918)
Da Suite Bergamasque, L. 75:
13 – No. 3: Clair de Lune

Manuel DE FALLA y Matheu (1876-1946)
De El Amor Brujo, balé em um ato:
14 – Dança Ritual do Fogo (transcrição do compositor)

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Volume 3: CLÁSSICOS FAVORITOS II

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Transcrição de Ferruccio Busoni (1866-1924)

Da Toccata e Fuga em Ré menor para órgão, BWV 565:
1 – Toccata

Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)
2 – Sonata em Mi Maior, L. 23 (K. 380)

Carl Philipp Emanuel BACH (1714-1788)
3 – Solfeggietto em Dó menor, H 220, Wq. 117:2

Georg Friedrich HÄNDEL
Da Suíte para Teclado no. 5 em Mi maior, HWV 430:
4 – No. 4: Ária com Variações, “The Harmonious Blacksmith”

Ludwig van BEETHOVEN
5 – Seis Escocesas, WoO 83

Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
6 – Fantasia-Improviso em Dó sustenido menor, Op. 66

Gioachino Antonio ROSSINI (1792-1868)
Das Soirées Musicales:
7 – No. 8: La Danza (Tarantella Napolitana)

Felix MENDELSSOHN
Das Canções sem Palavras:
8 – Allegro non troppo (Op. 53 no. 2) – Allegretto grazioso (Op. 62 no. 6, Frühlingslied) – Presto (Op. 67 no. 4, La Fileuse)

Ferenc LISZT
Dos Liebesträume, Noturnos para piano, S. 541:
9 – No. 3 em Lá bemol maior

Edvard Hagerup GRIEG (1843-1907)
Do Peças Líricas, Livro III, Op. 43:
10 – No. 1: Papillon

Antonín Leopold DVOŘÁK (1841-1904)
Das Oito Humoresques, Op. 101:
11 – No. 7 em Sol bemol maior

Pyotr TCHAIKOVSKY
Das Estações, Op. 37a:
12 – No. 11: Novembro (Troika)

Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)
Das Dez Peças para piano, Op. 12:
13 – No. 2: Gavota em Sol menor

Claude DEBUSSY
14 – La Plus que Lente, L. 121

Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
Da Suíte Espanhola no. 1, Op. 47:
15 – No. 3: Sevilla

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Volume 12: CLÁSSICOS FAVORITOS III

Johann Sebastian BACH
Concerto em Ré menor, BWV 974 (transcrição do Concerto para oboé de Alessandro Marcello):
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Allegro

Ludwig van BEETHOVEN
Transcrição de Ferenc Liszt (S. 464)
Da Sinfonia no. 5 em Dó menor, Op. 67:
4 – Allegro con brio

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Dos Improvisos para piano, Op. 90 (D. 899):
5 – No. 2 em Mi bemol maior

Robert SCHUMANN
6 – Arabeske em Dó maior, Op. 18

Ferenc LISZT
Das Soirées de Vienne d’après Schubert, S. 427:
7 – No. 6: Valse-caprice

Claude DEBUSSY
Das Deux Arabesques, L. 66:
8 – No. 1 em Mi maior

Christian August SINDING (1856-1941)
Das Seis Peças, Op. 32:
9 – No. 3: Frühlingsrauschen

Manuel de FALLA
De La Vida Breve, ópera em dois atos:
10 – Dança Espanhola no. 1 (arranjo do compositor)

Pyotr TCHAIKOVSKY
Das Estações, Op. 37:
11 – No. 6: Junho (Barcarola)

Sergei RACHMANINOFF
Dos Études-Tableaux, Op. 39:
12 – No. 9 em Ré maior

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Arthur Moreira Lima, piano

Gravações realizadas na Saint Philip’s Church em Londres, Reino Unido, em 1998
Piano Steinway and Sons
Engenheiro de som: Peter Nichols
Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima



Fãs de Arthur encontram-se doravante INTIMADOS a ouvir o podcast “Conversa de Pianista”, do Instituto Piano Brasileiro, em que nosso ídolo conversa com o incrível Alexandre Dias, e que foi ao ar em 2020:

“1ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre como o piano começou em sua vida, suas primeiras aulas em família, seus primeiros recitais quando criança prodígio, e suas aulas com a grande professora Lúcia Branco, que o levou a participar do I Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro do 1957. Também comentou sobre grandes pianistas a que assistiu nas décadas de 1940 e 1950. Foram mencionados alguns dos assuntos que serão conversados nos próximos episódios, com especial atenção para sua rica discografia, e também sua premiação em importantes concursos internacionais de piano, como o Concurso Chopin (1965), Concurso de Leeds (1969) e o Concurso Tchaikovsky (1970). Nossa homenagem e agradecimento ao grande pianista Arthur Moreira Lima, que em 2020 completa 80 anos”.

Quem apreciar a entrevista encontra-se também intimado a apoiar o Instituto Piano Brasileiro, desde o Brasil ou do Exterior.

Em mais uma homenagem a Fluminense Moreira Lima, oferecer-lhe-emos um álbum de figurinhas com os heróis da final da Copa Rio de 1952, que certamente fizeram Arthurzinho chorar de alegria. Eis o arqueiro Carlos José Castilho, o Castilho (1927-1987).

Vassily

¡Que viva la Reina! – Martha Argerich, 84 anos [Rendez-vous with Martha Argerich, vol. 3]

Mais um outono para a Rainha, e desta feita ela nos presenteia com gravações novas – tão novas, claro, quanto podem ser as de alguém tão avessa aos estúdios e afeita a dividir a ribalta com jovens colegas e os parceiros de sempre. Estas que ora lhes apresento foram feitas algumas semanas depois do seu octagésimo aniversário, em junho de 2021, no festival que Martha vem consolidando em Hamburgo e no qual desfruta do privilégio de selecionar a pinça o tradicional petit comité que tem garantido muito de sua longeva alegria em pisar palcos.

No que tange a Sua Majestade, o melhor que ela nos oferece nesses volumes são a leitura da sonata Op. 30 no. 3 de Beethoven, com Renaud Capuçon – seu mais frequente e afiado parceiro ao arco, nos últimos anos -, um ebuliente Segundo Concerto de Ludwig, e o belíssimo Trio de Mendelssohn, ao lado de Mischa Maisky e da über-diva Anne-Sophie Mutter. A família Margulis – Jura, Alissa e Natalia – traz um azeitadíssimo Trio “Fantasma” e um mui tocante “Canto dos Pássaros”, joia folclórica catalã posta em pauta por Pau Casals. O variado cardápio também inclui as “Canções e Danças da Morte” de Mussorgsky, com o ótimo baixo Michael Volle, e uma Sonata para dois pianos e percussão de Bartók para a qual a Rainha, que tanto a tocou com nosso Nelson Freire, convidou seu outro Nelson favorito, o compatriota Goerner. O melhor retrogosto, entretanto, não foi o que veio de dedos hermanos, e sim das diminutas mãos de Maria João em Schubert – que maravilhosos, os dois improvisos! – e da última apresentação pública de Nicholas Angelich, um brahmsiano que sempre honrou o grande hamburguense e fez da Segunda Sonata para viola e piano seu canto de cisne.

ooOoo

Uma breve nota: a partir de hoje, mudarei a maneira de compartilhar música com os leitores-ouvintes. Cansei de ver a pedra rolar tantas vezes morro abaixo. Não farei mais comentários. Que venham os tomates.

Disco 1

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sete Variações para violoncelo e piano sobre “Bei Männern, welche Liebe fühlen”, da ópera “Die Zauberflöte” de Wolfgang Amadeus Mozart, WoO 46
1 – Thema. Andante
2 – Variation I
3 – Variation II
4 – Variation III
5 – Variation IV
6 – Variation V: Si prenda il tempo un poco più vivace
7 – Variation VI. Adagio
8 – Variation VII. Allegro ma non troppo

Mischa Maisky, violoncelo
Martha Argerich,
piano

Das Três Sonatas para violino e piano, Op. 30:
Sonata no. 3 em Sol maior
9 – Allegro assai
10 – Tempo di Minuetto, ma molto moderato e grazioso
11 – Allegro vivace

Renaud Capuçon,
violino
Martha Argerich,
piano

Dos Dois Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 70:
No. 1 em Ré maior, “Fantasma”
12 – Allegro vivace e con brio
13 – Largo assai ed espressivo
14 – Presto

Alissa Margulis, violino
Natalia Margulis, violoncelo
Jura Margulis, piano


Disco 2

Ludwig van BEETHOVEN

Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 19
1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Rondo. Molto allegro

Martha Argerich, piano
Symphoniker Hamburg
Sylvain Cambreling
, regência

Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN-Bartholdy (1809-1847)

Trio para piano, violino e violoncelo no. 1 em Ré menor, Op. 49
4 – Molto allegro agitato
5 – Andante con moto tranquillo
6 – Scherzo: Leggiero e vivace
7 – Finale: Allegro assai appassionato

Anne-Sophie Mutter, violino
Mischa Maisky
, violoncelo
Martha Argerich
, piano

Johannes BRAHMS (1833-1897)

Das Duas Sonatas para clarinete e piano, Op. 120 (transcritas para viola e piano pelo compositor):
Sonata no. 2 em Mi bemol maior
8 – Allegro amabile
9 – Allegro appassionato
10 – Andante con moto – Allegro – Più tranquillo

Gérard Caussé, viola
Nicholas Angelich,
piano


Disco 3

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)

Dos Improvisos para piano, D. 935 (Op. Posth. 142):
No. 2 em Lá bemol maior
1 – Allegretto
No. 3 em Si bemol maior, “Rosamunde”
2 – Andante

Sonata para piano em Lá maior, D. 664
3 – Allegro moderato
4 – Andante
5 – Allegro

Maria João Pires, piano

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Sonata para piano a quatro mãos em Dó maior, K. 521
6 – Allegro
7 – Andante
8 – Allegretto

Martha Argerich e Maria João Pires, piano


Disco 4

Pau CASALS i Defilló (1876-1973)

1 – El Cant dels Ocells, para violino, violoncelo e piano

Alissa Margulis, violino
Natalia Margulis,
violoncelo
Jura Margulis,
piano

Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)

Suite Popular Espanhola, para violino e piano
2 – El Paño Moruno
3 – Nana
4 – Canción
5 – Polo
6 – Asturiana
7 – Jota

Tedi Papavrami, violino
Maki Okada, piano

César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890)

Quinteto em Fá menor para dois violinos, viola, violoncelo e piano
8 – Molto moderato quasi lento – Allegro
9 – Lento, con molto sentimento
10 – Allegro non troppo ma con fuoco

Akiko Suwanai e Tedi Papavrami, violinos
Lyda Chen, viola
Alexander Kniazev, violoncelo
Evgeni Bozhanov, piano


Disco 5

Astor Pantaleón PIAZZOLLA (1921-1992)

1 – Le Grand Tango

Gidon Kremer, violino
Georgijs Osokins, piano

Leonard BERNSTEIN (1918-1990)

Danças Sinfônicas de West Side Story, para dois pianos
2 – Prologue
3 – Somewhere
4 – Scherzo
5 – Mambo
6 – Cha-cha
7 – Meeting Scen
8 – Cool Fugue
9 – Rumble Track
10 – Finale

Anton Gerzenberg e Daniel Gerzenberg, pianos

Astor PIAZZOLLA

[Las] Estaciones Porteñas,para violino, violoncelo e piano
11 – Invierno Porteño
12 – Verano Porteño
13 – Otoño Porteño
14 – Primavera Porteña

Tedi Papavrami, violino
Eugene Lifschitz, violoncelo
Alexander Gurning, piano


Disco 6

Modest Petrovich MUSSORGSKY (1839-1881)

“Canções e Danças da Morte”
1 – Kolybel’naya [“Acalanto”]
2 – Serenada [Serenata]
3 – Trepak
4 – Polkovodets [“O Marechal de Campo”]

Michael Volle, baixo-barítono
Daniel Gerzenberg, piano

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)

Sonata para dois pianos e percussão, Sz 110
5 – Assai lento
6 – Lento, ma non troppo
7 – Allegro non troppo

Martha Argerich e Nelson Goerner, pianos
Alexej Gerassimez e Lukas Böhm, percussão

Arno Harutyuni BABAJANYAN (1921-1983)

Trio em Fá sustenido menor para violino, violoncelo e piano
8 – Largo – Allegro espressivo – Maestoso
9 – Andante
10 – Allegro vivace

Michael Guttman, violino
Jing Zhao, violoncelo
Elena Lisitsian, piano

Disco 7

Dmitri Dmitriyevich SHOSTAKOVICH (1906-1975)

Sonata em Ré menor para violoncelo e piano, Op. 40
1 – Allegro non troppo
2 – Allegro
3 – Largo
4 – Allegro

Mischa Maisky, violoncelo
Martha Argerich, piano

Sergei Sergeiyevich PROKOFIEV (1891-1953)

Sonata em Ré maior para flauta e piano, Op. 94
5 – Moderato
6 – Presto – poco meno mosso
7 – Andante
8 – Allegro con brio – poco meno mosso

Susanne Barner, flauta
Martha Argerich, piano

Dmitri SHOSTAKOVICH

9 – Concertino em Lá menor para dois pianos, Op. 94

Martha Argerich e Lilya Zilberstein, pianos

Mieczysław WEINBERG (1919-1996)

Doze Miniaturas para flauta e piano, Op. 29
10 – Improvisação
11 – Arietta
12 – Burlesque
13 – Capriccio
14 – Noturno
15 – Valsa
16 – Ode
17 – Duo
18 – Étude
19  – Intermezzo
20 – Pastorale

Susanne Barner, flauta
Akane Sakai, piano

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Vassily

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Esquecer é repetir: 110 anos do Genocídio Armênio [Sergey e Lusine Khachatryan – My Armenia]

Ainda que esta gravação, lançada no centenário do Genocídio Armênio, chegue-lhes com dez anos de atraso, não se pode dela reclamar: a hoje diminuta Armênia é terra de rica música, o repertório faz abrangente justiça ao último século e tanto de sua longa tradição, e os irmãos Khachatryan tocam com brio, brilho e evidente amor a música do pago. Tampouco se a pode chamar inoportuna, pois, quando esta postagem for ao ar, os armênios – tanto em sua terra ancestral quando em sua imensa diáspora – estarão a honrar as vítimas do monstruoso aparato de extermínio brandido pelos turcos contra seus ancestrais.

Não há família armênia que não tenha sido marcada a sangue e trauma por tão imenso crime. Os Khachatryan não foram exceção: o bisavô dos músicos, Daniel, era uma criança quando viu seus pais e irmãos serem despedaçados. Tampouco foram os compositores das obras do álbum. Do mais célebre entre eles, Khachaturian (cujo sobrenome armênio é exatamente Khachatryan, apenas transliterado de forma diferente através do russo), ouve-se a criação mais famosa, a Dança de Sabres, no arranjo ebuliente de Jascha Heifetz, e também uma grata surpresa, o Poema-Canção, repleto das angulosidades de que a música da Armênia é tão pródiga quando os semblantes estatuescos de sua gente. Já o maior entre eles, Soghomon Soghomonyan, estava entre as centenas de intelectuais armênios presos em Constantinopla em 24 de abril de 1915 e deportados, através da primeira entre inúmeras “marchas da morte” pelo inclemente deserto sírio, no que se considera o marco zero do Genocídio e levou à escolha da data para comemorar suas vítimas. Soghomonyan, mais conhecido por seu nome eclesiástico, Komitas, já teve sua história contada neste blog pelo colega Wellbach, que nunca aparece por aqui sem nos deixar algo de memorável. Sua obra como compositor e legado como pioneiro da etnomusicologia merecerão nossa revisita. Até ela, espero que a beleza acachapante de Krunk e das Sete Danças Folclóricas – dignas de Bartók, ninguém menos! – marque os leitores-ouvintes com seu toque de gênio. Acima de tudo, desejo que dediquem hoje um instante de meditação e solidariedade aos armênios e seus ancestrais, e – se não for lhes pedir muito – evocar-lhes também a denúncia e indignação colérica contra todos os genocídios, tanto os do passado quanto aqueles em curso.


KOMITAS Vardapet (1869-1935)

1 – Krunk (“A Garça”), para violino e piano (arranjo de Sergei Aslamazyan)
2 – Tsirani Tsar (“O Damasqueiro”), para violino e piano (arranjo de Avet Gabrielyan)

Sete Danças Folclóricas, para piano
3 – Manushaki
4 – Yerangi
5 – Unabi
6 – Marali
7 – Shushiki
8 – Het u Aradj
9 – Shoror

10 – Garun-a (“É Primavera”), para piano (arranjo de Robert Andreasyan)

Eduard BAGHDASARYAN (1922 -1987)

11 – Rapsódia, para violino e piano
12 – Noturno, para violino e piano

Edvard Mik’aeli MIRZOYAN (1921-2012)

13 – Introdução e Moto Perpétuo, para violino e piano

Aram KHACHATURIAN (1903-1978)

14 – Poema-canção, para violino e piano

Duas Danças do balé Gayaneh, para violino e piano
15 – Usundara (arranjo de Mikhail Fichtenholz)
16 – Suserov par (“Dança de sabres”) (arranjo de Jascha Heifetz)

Arno Harutyuni BABADJANIAN (1921-1983)

Seis Quadros, para piano solo
17 – Improvisação
18 – Dança folclórica
19 – Toccatina
20 – Intermezzo
21 – Coral
22 – Dança de Sassoun

Sergey Khachatryan, violino
Lusine Khachatryan, piano

Gravado no Stadtcasino da Basileia, Suíça, de 4 a 7 de agosto de 2014

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Esta jovem, Arshaluys Mardiganyan, tinha 14 anos quando testemunhou o massacre de sua família, foi forçada a atravessar o deserto da Síria e repetidamente torturada e violentada. Foi vendida num mercado de escravizados, fugiu de um harém e conseguiu, com apoio de refugiados armênios, chegar a Nova York. Sob o nome Aurora, publicou em 1918 suas memórias, intituladas “Armênia Devastada”, que chegaram ao cinemas, com grande repercussão e tendo a própria autora como protagonista, no ano seguinte. A incrível história de Aurora e seu filme trouxeram imensa visibilidade ao Genocídio Armênio e ajudaram a arrecadar o equivalente a 2 bilhões de dólares de hoje para o apoio às suas vítimas.

Depoimento de Aurora Mardiganyan sobre o Genocídio Armênio. Somente em idade avançada ela revelou que a violência mostrada no filme – incluindo a crucifixão de meninas – foi muito abrandada. “Os turcos não faziam suas cruzes assim. Os turcos faziam pequenas cruzes pontiagudas. Tiravam as roupas das meninas. Faziam com que elas se abaixassem e, depois de estuprá-las, as faziam sentar na madeira pontiaguda, que lhes atravessava as vaginas. Era assim que eles matavam, os turcos. Os americanos fizeram isso de uma forma mais civilizada. Eles não podem mostrar coisas tão terríveis”


Situação do reconhecimento do Genocídio Armênio mundo afora. Em verde, os países que o reconhecem oficialmente, a maioria com votações em seus parlamentos e aprovação de seus chefes de Estado (o Uruguai, em 1965, foi o primeiro a fazê-lo). Em laranja, os três países que negam explicitamente o Genocídio: a Turquia, estado sucessor do Império Otomano, onde há monumentos que insinuam que foram os armênios que cometeram genocídio sobre os turcos; o Azerbaijão, aliado incondicional da Turquia; e o Paquistão, que sequer reconhece a Armênia como nação soberana.
Situação do reconhecimento do Genocídio Armênio mundo afora. Em verde, os países que o reconhecem oficialmente, a maioria com chancelas de seus parlamentos e chefes de Estado (nosso querido hermanito Uruguai, de influente comunidade armênia, foi o primeiro a fazê-lo, em 1965). Em laranja, os três países que negam explicitamente o Genocídio: a Turquia, estado sucessor do Império Otomano, onde há monumentos que insinuam que foram os armênios que cometeram genocídio contra os turcos; o Azerbaijão, aliado incondicional da Turquia e, como ela, arqui-inimiga da Armênia; e o Paquistão, que sequer reconhece a Armênia como nação soberana.

A Iniciativa Humanitária Aurora, ONG sem fins lucrativos, recebeu o nome da heroína-emblema das vítimas do Genocídio Armênio e, suportada em grande parte pela diáspora armênia, apoia o enfrentamento de desafios humanitários mundo afora, incluindo genocídios em curso. Estimulo fortemente aqueles que de alguma forma se sensibilizaram pela causa que conheçam mais sobre a iniciativa e, se lhes for possível, lhe façam uma contribuição:

O Instituto Nacional Armênio dedica-se ao estudo, à pesquisa e a reasserção da ocorrência do Genocídio Armênio contra todas as forças que o pretendem negar. Seu sítio dispõe de abundantes fontes de estudo, em vários idiomas, disponíveis àqueles que desejarem aprofundar-se sobre o tema.

O Escritório de Prevenção de Genocídio e da Responsabilidade de Proteger é o organismo das Nações Unidas dedicado à causa autoevidente. Sabemos muito bem a quem interessa desmoralizar organismos internacionais enquanto viola todas as convenções, sejam as diplomáticas, sejam as de mínima decência. Somente o estudo crítico sobre a causa nos protege do triste fim de sermos omissos ou, pior ainda, de servirmos de massa de manipulação. Não sejam.
Placa na entrada do Museu Estatal Auschwitz-Birkenau, em Oświęcim, Polônia. A citação original de George Santayana (1863-1952) difere das duas versões mostradas na imagem: “Aqueles que não conseguem se lembrar do passado estão condenados a repeti-lo”. Para tatuar nas retinas. E já.

Vassily

PQP BACH, 18 ANOS – COLLOQVIVM PAVLISTANVM INTER VIKINGVM ET BASILIVM [Johann Sebastian Bach – Variações Goldberg – Víkingur Ólafsson]

PQP BACH, 18 ANOS – COLLOQVIVM PAVLISTANVM INTER VIKINGVM ET BASILIVM [Johann Sebastian Bach – Variações Goldberg – Víkingur Ólafsson]

Que os próximos dezoito anos possam ser tão delirantes quanto os primeiros – e que a maioridade penal lhe seja leve. Obrigado por tudo, PQP Bach!


COLLOQVIVM PAVLISTANUM (VERVM)
(homenagem a este outro colóquio, tão ficto quanto maravilhoso)

Cai o pano da noite sobre Babilônia. Todos quantos conseguiram sobreviver mais um dia à maior urbe do hemisfério buscam seus abrigos. Há exceções: boêmios e trabalhadores noturnos, noctívagos e morcegos, aqueles tantos que dormirão outra vez em desamparo, e este punhado de melômanos no átrio duma estação férrea desativada, transformada numa das mais soberbas salas de concerto do planeta. Nesta bolha acusticamente isolada e casseteticamente separada da cacofonia e desespero violentos do derredor, eles esperam.

Não é uma espera aflita: seus ouvidos experimentaram, por setenta e cinco minutos, a schopenhaueriana libertação do sofrimento da vida através da Arte, e agora encaravam aquele drama maior que há na Música, o do silêncio que se segue ao som. Algumas centenas de outros bípedes compartilharam esse deleite, mas Babilônia não faz reféns, e, sabedora disso, a turba ouvinte debandou rapidamente, intimidada pelo duríssimo entorno da gare, onde há brigas pelas sobras (e pelas sobras das sobras) e aqui e ali espocam cachimbos de metal. Restou só aquele punhado de conhecedores, imbuídos da certeza de que guardariam para sempre as memórias daquele exercício para teclado, composto por um certo Sebastião Ribeiro para refrescar seus espíritos, e vertido em seus ouvidos pelo mesmo cabra pelo qual esperavam. Ao redor deles, os olhos dos agentes de evacuação do edifício ebulem de impaciência, e entornam em frustração quase audível quando, por uma portinhola do átrio, surge um sujeito impossivelmente longilíneo: enfim, o tão aguardado cabra, astro internacional da Música, que – tinham certeza disso – nunca deixaria de vir atender seus fãs. A breve fila que se forma é fechada por outro cabra, um tipo atarracado, de roupas amarrotadas, cabelos em desordem e barba à Velho do Saco. Digo-lhes mais: ele sua em bicas, tem os sapatos decorados pelos pombos de Babilônia, e parece vir da galáxia mais diametralmente oposta à do astro, um irretocável cavalheiro de terno bem cortado, semblante de bebê e, assim parece, incapaz de suar.

Afora a inicial do nome, o sobrenome patronímico e a coincidência de morarem em ilhas, estes cabras têm em comum o amor por Sebastião Ribeiro e a disposição de viajar pelas Variações Goldberg. Um deles, o comprido, partiu de sua ilha natal para uma turnê de oitenta e oito recitais, tantos quantos as teclas de seu instrumento, a verter as Goldberg nos ouvidos mais sortudos do planeta; já o suabundo viajou de sua ilha adotiva especialmente para escutá-las em Babilônia. A fila andou, e agora apenas quatro fãs separam estes dois homens de seu breve colóquio. O primeiro é Víkingur Ólafsson; o outro, Vassily Genrikhovich.

Jovem de preto: Boa noite, Sr. Ólafsson. Muito obrigada pelo recital maravilhoso.
Víkingur Ólafsson: Boa noite, pode me chamar de Víkingur. Que bom que gostou!
JdP: Eu amei, Víkingur, muito obrigada. Comprei o CD logo que foi lançado. Eu o escutei muitas vezes, e ainda assim o recital superou minhas expectativas. Adorei a energia, a virtuosidade, e a capacidade que você tem de parecer um pianista diferente a cada variação – inclusive nas repetições.
VO: Obrigado, muito gentil. Essa capacidade tímbrica infinita do piano me fascina e me faz adorar ser pianista. Tenho muita sorte de ter um instrumento como esse para me expressar.
JdP: Algumas pessoas acham que não se deve tocar Bach ao piano…
VO: Eu tento entendê-las, mas então me lembro que Bach foi um explorador incansável dos teclados do seu tempo. Seu instrumento era o órgão, ele explorava seus registros, as combinações entre eles, os contrastes dinâmicos. Por isso, não é difícil para mim imaginar Bach servindo-se de todos os recursos do piano moderno para trazer ainda mais variedade a essas variações.
JdP: A propósito, amei seu bis de anteontem. Obrigada pela homenagem a Nelson Freire [Ólafsson tocara um incandescente concerto de Schumann nos três dias anteriores, e dedicara o bis de uma das récitas  – o Andante da Sonata no. 4 para órgão – à memória de Nelson].
VO: Eu adoro Nelson Freire. Sinto muito por ele e pelo que a perda dele significa para seu país. Seu álbum de música brasileira foi uma revelação para mim.
JdP: Você já tocou música brasileira?
VO: Sim, já estudei peças de Villa-Lobos enquanto estava na Juilliard. Nunca as toquei em público, mas cogitei incluir partes de “A Prole do Bebê” em meu álbum From Afar [em breve no PQP Bach].
JdP: Adoraria ouvir você tocar Villa-Lobos. Quem sabe quando voltar, em 2027? [Ólafsson despediu-se do público, após as Variações Goldberg, prometendo voltar em 2027]
VO: Eu espero que sim. É um compositor que merece ser tão conhecido quanto Bartók. Um orgulho para seu povo, verdadeiramente brilhante.
JdP: Mal posso esperar. Posso tirar uma foto com você?

[…]

Calvo cabeludo de sapatênis: Olá! Obrigado pelas Goldberg e também pelo Schumann ontem. Nunca vou esquecer deles. Pode me dar seu autógrafo?
VO: Olá, claro! [autografa o programa]
CCdS: Eu li que chamaram você de “Glenn Gould da Islândia”…
VO [rindo]: Muito lisonjeiro, mas injusto com Gould. Ele é inigualável. Mas sem dúvidas foi uma grande inspiração.
CCdS: Sua gravação das Goldberg parece uma óbvia homenagem a Gould.
VO: A gravação de 1955 é uma força que nenhum pianista deveria ignorar. Eu gastei o vinil de meu pai de tanto escutá-lo. Desde que comecei a estudar as Goldberg, vinte e cinco anos antes de gravá-las, tive a clareza e a energia de Glenn como um horizonte.
CCdS: No recital você as tocou de maneira muito diferente do álbum e ainda mais surpreendente.
VO: Muito obrigado. Eu tento aproveitar as peculiaridades da acústica de cada sala de concertos em que toco. Essa sala aqui é espetacular, e acho que não conseguiria tocar as Goldberg como toquei hoje em muitos outros lugares do mundo.
CCdS: Foi por causa da acústica que você decidiu tocar também com a orquestra?
VO: Sim, exatamente. Imagino que você tenha visto a entrevista [essa aqui]. A turnê das Goldberg demanda muito e fica difícil encontrar tempo e energia para ensaiar com orquestra. Escolhi só fazer exceções para duas salas de concerto de acústica extraordinária onde eu nunca tinha tocado antes [a outra foi a incrível Ópera de Sydney].

[…]

Senhora de cabelo rosa [muito emocionada]: Foi magnífico. Estou em estupor. Penso no que vou conseguir escutar depois desse seu recital das Goldberg.
VO: Muito obrigado. Por favor, não deixe de ouvir música por causa de mim…
SdCR: Certamente não deixarei. Tem alguma sugestão do que devo ouvir a seguir?
VO [sorrindo]: Tenho outros álbuns disponíveis.
SdCR: Hahaha, já ouvi todos. Quero ouvir você mais vezes, e também tocando com orquestras.
VO: Estou estudando os dois concertos de Brahms. Talvez você possa ir me ouvir tocá-los em algum lugar do mundo?
CCdS [rindo]: Gould também é seu modelo no concerto de Brahms?
VO [rindo também, e certamente também lembrando dessa infame gravação]: Nesses concertos meu modelo é Gilels – outro cujos vinis eu gastei de tanto escutar.

[…]

Tio de bigode [acompanhado de uma jovem que traduzia]: Boa noite! Muito obrigado pelo inesquecível recital. Gostaria, por favor, que autografasse as Goldbergs para mim [alcança a Ólafsson uma partitura da obra].
VO [autografando]: Boa noite! Espero não ter esquecido de nenhuma nota. O senhor conferiu se toquei todas?
TdB: As notas que você tocou são as que me importam!
VO [suspirando jocosamente de alívio]: Fico muito contente com que pense assim, senhor. Obrigado por vir!
TdB: Adoro suas gravações. Sou pianista e admiro muito sua atenção ao detalhe. Amo seus álbuns com as pequenas peças. Nas Goldberg, pela primeira vez, ouvi seu talento a serviço de uma obra mais longa. Fiquei muito impressionado.
VO: Muito obrigado.
TdB: O que vem a seguir?
VO: Estou estudando as últimas sonatas de Beethoven.
TdB: Pretende gravá-las?
VO: Quem sabe? Será um grande desafio.
TdB: Como fez Gould? [que gravou as três últimas sonatas de Beethoven logo após seu legendário álbum de estreia com as Goldberg]
VO [sorrindo]: Dizem que sou o Glenn Gould islandês…

[…]

Vassily Genrikhovich: Gott kvöld!
VO [contendo o bocejo]: Gott kvöld! Muito bom seu islandês!
VG: Obrigado, mas ele vai só até aqui.
VO: Seu islandês vai muito mais longe que meu português…
VG [sorrindo] Acho que iremos mais longe em inglês. Muito grato pelo recital. Nenhuma palavra pode descrever o que você me fez sentir hoje.
VO: Muito obrigado. Muito gentil de sua parte.
VG: É meio bobo dizer que palavras não podem descrever o que senti e ainda assim usar palavras para lhe falar isso. E sou o último fã da fila, você deve estar cansado, e a turnê não termina aqui. Só queria mesmo expressar o quão profundamente você me impressionou e agradecer muito pela generosidade de incluir meu país em seu roteiro pelo mundo. Não são todas as chamadas “turnês mundiais” que nos colocam em suas rotas.
VO: Este país é extraordinário, e a música dele, também. Pena que tenho tão pouco tempo aqui.
VG: Muito obrigado. Eu também acho isso. E sua música também é extraordinária. Viajei da minha cidade apenas para assistir suas apresentações.
VO: Isso me faz sentir muito especial! Sou especialmente grato aos ouvintes peregrinos – eu os chamo “meus turistas Goldberg”. Ouço muitas histórias bonitas de suas viagens e fico muito honrado com sua confiança no que tento lhes oferecer. Muito obrigado pela sua dedicação em comparecer!
VG: Sou um “turista Goldberg”? Isso me orgulha!
VO [sorrindo]: Sim, você é, e espero contar com sua presença em outras ocasiões.
VG: No que depender de mim, pode ter certeza. Quero ouvir você tocando as últimas sonatas de Beethoven, como falou ao cavalheiro antes de mim, e explorando novos repertórios.
VO: Há muita grande música a explorar, e tão pouco tempo para isso!
VG: … e eu não quero mais tomar o seu. Obrigado por tudo, pela gentileza conosco, pelas Goldberg, pelo Quodlibet.
VO [sorrindo]: Você gostou do Quodlibet?
VG: Eu adorei. Tanta gente o toca de uma maneira quadrada, constrita, como um coral para iniciantes. Você o transforma numa apoteose, numa reafirmação da energia das primeiras variações, depois da intensidade emocionante das variações em tonalidade menor.
VO: Fico feliz com que gostou! Eu penso que, depois das variações em menor, só um Quodlibet muito assertivo pode preparar o momento mágico que é a Aria da capo.
VG [pensando em perguntar por que Ólafsson escolheu iniciar a variação XVI com aquele curioso arpejo descendente, mas mudando de ideia]: Teria muito a lhe perguntar, mas você merece descansar. É a segunda vez que digo que você merece descansar. Só falta deixá-lo ir.
VO: Obrigado por vir ao recital. Encontro você novamente em algum lugar do mundo – ou aqui mesmo, em três anos.
VG: Você me daria a imensa honra de tirar uma foto comigo?
VO: Com muito prazer!
VG [à jovem de preto]: Moça, faria a gentileza?

“Claro!”

VG: Boa continuação da turnê, que seus caminhos sejam felizes – e bom descanso. Eu também tenho sinestesia e imagino a sua saturação sensorial depois de cada recital.
VO [interessado]: Você também tem sinestesia?
VG: Sim – e também prometi deixá-lo ir.

Os dois se cumprimentam e, entre acenos aos poucos presentes, o suave astro some pela mesma portinhola da qual surgira. O esquadrão de evacuação predial, já nos estrebuchos da impaciência, fecha barulhentamente as penúltimas portas. A última delas vê enfim sair o teimoso punhado de melômanos, incluindo aquele rapaz de sapatos adornados por pombos, que toma o rumo do metrô a saborear o retrogosto do tanto que acabara de viver.

Enquanto compartilhava com os amigos a foto que tirara com Ólafsson, lembrou-se do blogue de que era colaborador – sim, vocês adivinharam qual – e imaginou o jovem Víkingur em seus tempos de Juilliard, aquele comprido fiapo de gente, tão cheio de planos quanto vazio de bolsos, que parava em longas filas, como declarou em entrevistas, para conseguir as xepas dos ingressos para concertos, e se perguntou se aquele Ólafsson-mirim, sedento por mais Villa-Lobos, não teria porventura navegado do PC de sua república pela cyberesfera, e se em suas expedições por ela chegado ao mesmo lugar de que ora escrevo a vós outros, para então bradar, como outros tantos antes dele:

– Who in hell is PQP Bach and why the heck are all Villa-Lobos links dead?

Se alguém encontrar o moço antes de nós, pedimos a gentileza de lhe explicar.


Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Ária e variações para teclado, BWV 988, “Variações Goldberg” 
[Exercício de teclado / composto / por uma ÁRIA / com diversas variações / para cravo / com dois manuais. / Composta para conhecedores / para refrescar os seus espíritos, por /Johann Sebastian Bach / compositor da Corte Real da Polônia e da Corte Eleitoral da Saxônia / Kapellmeister e Diretor de/ Música Coral em Leipzig. / Nuremberg, Balthasar Schmid, editor / 1741]

1 – Aria
2 – Variatio 1. a 1 Clav.
3 – Variatio 2. a 1 Clav.
4 – Variatio 3. Canone All’Unisuono a 1 Clav.
5 – Variatio 4. a 1 Clav.
6 – Variatio 5. a 1 Ovvero 2 Clav.
7 – Variatio 6. Canone alla Seconda a 1 Clav.
8 – Variatio 7. a 1 Ovvero 2 Clav.
9 – Variatio 8. a 2 Clav.
10 – Variatio 9. Canone alla Terza. a 1 Clav.
11 – Variatio 10. Fughetta a 1 Clav.
12 – Variatio 11. a 2 Clav.
13 – Variatio 12. Canone alla Quarta
14 – Variatio 13. a 2 Clav.
15 – Variatio 14. a 2 Clav.
16 – Variatio 15. Canone alla Quinta a 1 Clav. Andante
17 – Variatio 16. Ouverture a 1 Clav.
18 – Variatio 17. a 2 Clav.
19 – Variatio 18. Canone alla Sexta a 1 Clav.
20 – Variatio 19. a 1 Clav.
21 – Variatio 20. a 2 Clav.
22 – Variatio 21. Canone alla Settima a 1 Clav.
23 – Variatio 22. a 1 Clav. Alla Breve
24 – Variatio 23. a 2 Clav.
25 – Variatio 24. Canone all’Ottava a 1 Clav.
26 – Variatio 25. a 2 Clav.
27 – Variatio 26. a 2 Clav.
28 – Variatio 27. Canone alla Nona a 2 Clav.
39 – Variatio 28. a 2 Clav.
30 – Variatio 29. A 1 Ovvero 2 Clav.
31 – Variatio 30. Quodlibet a 1 Clav.
32 – Aria da Capo

Víkingur Ólafsson, piano

Gravado no Salão Norðurljós da Sala de Concertos Harpa em Reykjavík, Islândia, de 7 a 12 de abril de 2023.

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“1 ano, 88 concertos. Eu desfrutei cada um deles! Alguns de vocês vieram a um concerto, outros a cinco, outros até a dez! Eu amo meu público – e ninguém mais que meus turistas Goldberg” ❤️ 

Vassily “Turista Goldberg” Genrikhovich

 

 

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012, nas três gravações de Antonio Meneses

Antonio Meneses em 2010 (https://flickr.com/photos/tvbrasil/5257503493/, CC BY-NC-SA 2.0)

I
Grand Théâtre de Genève, Suíça, década de 90

Antonio Meneses [em inglês]: Oi! Para quem é o autógrafo?
Vassily Genrikhovich [em português]: Olá, Antonio! É para [o nome do impostor que está em meu RG], por favor.
AM: Rapaz, eu nunca diria que você é brasileiro! [sorri enquanto autografa o CD do Don Quixote com os filarmônicos de Berlim sob Karajan]
VG: Às vezes até eu tenho dúvidas.
AM [em inglês, dirigindo-se à então esposa, a pianista filipina Cecile Licad, que o acompanhara no recital]: Eu achei que ele era filipino.
Cecile Licad [interessadíssima, em tagalog]: Você é pinoy? [termo tagalog para “filipino”]
VG [em inglês, porque fala lhufas de tagalog] Sou brasileiro.
CL [sem mais qualquer interesse no semblante]:
AM [em português, rindo]: Acho que ela não gosta de brasileiros [devolvendo-me o CD autografado] Ainda bem que ela me abriu uma exceção…

II
Philharmonie de Colônia, Alemanha, primeira década do século XXI

VG [em português]: Olá, Antonio! Para [o nome do impostor, novamente], por favor.
AM [sorrindo]: Brasileiro tem todas as caras, mesmo! [autografa o programa, em que tocara o primeiro concerto de Haydn]
VG: Há uns dez anos, em Genebra, você achou que eu fosse filipino.
AM: É mesmo? Hoje eu diria que você é japonês!
VG [rindo]: Fui rebaixado?
AM [com um sorriso maroto]: Foi promovido!

[a ficha só cairia depois do Google me contar que Antonio, divorciado de Cecile, se casara com a japonesa Satoko]

III
Sala São Paulo, exatamente cinco 3-de-agostos antes deste último e tão triste 3 de agosto

AM: Oi!
VG: Olá, Antonio! Sou [nome do impostor, uma vez mais].
AM [autografando o programa do concerto da Osesp com a estreia mundial do Concerto para violoncelo de Marlos Nobre, dedicado a ele próprio]: Gostou do concerto?
VG: Adorei!
AM: O Marlos não teve pena de mim, não.
VG: Sou seu fã há décadas, desde que ouvi seu Don Quixote com Karajan.
AM: Que bacana! Obrigado por vir!
VG: Fico imaginando o que era tocar com Karajan.
AM: Karajan era tranquilo. Mas o…
VG: ?
AM [gargalhando e devolvendo o programa autografado]: Deixa quieto…


Não conseguirei escrever seu obituário. Partiu cedo demais e com muito ainda a oferecer ao Som. E, porque eu o sinto vivo, farei com que ele viva também entre os leitores-ouvintes através das três gravações que nos deixou das eudaimônicas suítes do Demiurgo da Música, cada uma delas mais ou menos contemporânea das breves janelas que se me abriram para ele e que me deram a medida da falta que o virtuose da Música e das panelas, professor zeloso e querido amigo fará aos que lhe foram próximos.

Em memória de Antonio Meneses Neto (23 de agosto de 1957, Recife – Basileia, 3 de agosto de 2024).

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012 

No. 1 em Sol maior, BWV 1007
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuets I & II
Gigue

No. 2 em Ré menor, BWV 1008
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuets I & II
Gigue

No. 3 em Dó maior, BWV 1009
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrées I & II
Gigue

No. 4 em Mi bemol maior, BWV 1010
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrées I & II
Gigue

No. 5 em Dó menor, BWV 1011
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue

No. 6 em Ré maior, BWV 1012
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue

Antonio Meneses, violoncelo


Primeiro registro:

Gravado na Sala Casals em Tokyo, Japão,
de 14 a 16 de outubro e em 18 e 19 de dezembro de 1993.

Lançado em 25 de abril de 1994 pelo selo Philips, somente no mercado japonês.

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Segundo registro:

Gravado na Igreja Saint Martin, East Woodhay, Hampshire, Reino Unido, de 2 a 5 de junho de 2004.

Lançada em 2004 pelo selo Avie.

 

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Terceiro registro:

Gravado no Estúdio Arsis de São Paulo (SP) em 2023.

Lançado em 15 de dezembro de 2023 – seu canto do cisne discográfico – pelo selo Azul.

 

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Recomendo fortemente que, ao ouvirem estas gravações, escutem também as seis primeiras faixas do álbum a seguir, que servem como preâmbulos às Suítes do Maior de Todos:

Antonio Meneses – Suítes brasileiras

Do saudoso Antonio vocês já me viram postar aqui:

Richard Strauss (1864-1949) – Don Quixote – Till Eulenspiegel – Meneses – Karajan

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violoncelo e piano, Op. 102 [Beethoven – Complete Works for Cello and Piano – Meneses – Pressler]

AM e VG em São Paulo, no último encontro que tiveram

Vassily

In memoriam Antonio Meneses (1957-2024) – 23 de agosto: Dia do Violoncelista Brasileiro

In memoriam Antonio Meneses (1957-2024) – 23 de agosto: Dia do Violoncelista Brasileiro

 

No que seria o sexagésimo sétimo aniversário de Antonio Meneses, eu abraço – com a certeza de que meus colegas também o fazem – a proposta da Associação Brasileira de Violoncelistas (Abracello) de que o 23 de agosto se torne o Dia do Violoncelista Brasileiro. Mais sobre a iniciativa no Instagram da Abracello.

Vassily

 

Dia Internacional da Mulher – Myriam Marbé (1931-1997) – In memoriam

Se já tão pouco se ouve a música de concerto contemporânea nos palcos e plataformas mundo afora, escuta-se ainda menos a obra de suas compositoras – e se Gubaidulina, amplamente considerada a maior entre as que vivem, é menos ouvida que merece e mais admirada que apreciada, que se dirá duma compositora já falecida, que viveu seu período mais produtivo sob o jugo duma ditadura que reprimiu a vanguarda artística de seu país?

Nascida na mesma Bucareste em que passou toda sua vida, a extraordinária Myriam Marbé viveu os duríssimos tempos da Romênia entre guerras, do desastroso alinhamento com o Eixo na Segunda Guerra e, por fim, do isolamento duma ditadura paranoica. Parte da “Geração de Ouro” de compositores romenos – aquela, entre outros, de Ștefan Niculescu e Anatol Vieru -, Marbé estudou com muito interesse a música folclórica de seu país e, tanto quanto pôde, o que faziam seus colegas no restante da Europa, através de partituras e gravações que cruzavam secretamente aquelas estritas fronteiras. Sustentou-se como pianista, editando filmes (!) e dando aulas no Conservatório de sua cidade natal, ainda que nunca tenha conseguido efetivar-se em seu corpo docente devido à recusa em filiar-se ao Partido Comunista. Pelo mesmo motivo, suas composições só eram conhecidas na Romênia em círculos muito restritos, praticamente secretos, pois nada que não fosse aprovado pela Comissão Estatal para Regulamentação da Criação Artística podia ser ouvido em público, e a filiação ao Partido era pré-requisito para tal. Essas imensas dificuldades de congregação, talvez, explicam a notável individualidade de estilos dos compositores daquela vanguarda romena, entre os quais a voz de Marbé é, decididamente, uma das mais distintas.

Mesmo ante tanta repressão, os membros da “Geração de Ouro” foram professores profundamente influentes, e seus alunos que emigravam traziam consigo quase tudo o que o resto do mundo deles soube por muito tempo. As poucas e invariavelmente curtas viagens que Marbé foi autorizada a fazer, sob vigilância estrita de agentes do governo, foram suficientes para que suas obras fossem recebidas com entusiasmo e crivadas de prêmios em outros países, sobretudo na Alemanha. Seu estilo único, inspirado em estruturas arcaicas, no folclore romeno e nas ricas tradições do canto bizantino, explora as possibilidades tímbricas de conjuntos instrumentais muito peculiares e experimenta com a disposição espacial de seus integrantes. Suas obras são praticamente desprovidas de grandes gestos e cacoetes, e tudo soa tão radicalmente livre que parece buscar a abolição do compasso e da própria métrica. Ainda assim, suas composições parecem-me, se me permitem o jogo de palavras, mais extáticas que estáticas e, muito mais que acabar, simplesmente evanescer.

Fui apresentado à sua esplêndida arte através da obra que abre o álbum duplo que lhes trarei a seguir, gravado durante um seminário em sua memória, e que reúne composições de Marbé e de alguns de seus alunos e colaboradores. Eu nada sabia de Trommelbass antes de escutá-la pela primeira vez, e por isso mesmo ela levou-me à lona. Da estranheza trazida pelo seu título (que não traduzirei, para poupar a quem puder de spoilers) a quem inicialmente só escuta o áspero tecido do trio de cordas, até o momento em que o título se justifica e, antes que nos recuperemos da surpresa, percebamos a peça dissipar-se no Éter, a jornada impressiona tanto quanto o contraste entre o impacto que ela nos causa e os sucintos recursos instrumentais empregados. As peças seguintes nada ficam a lhe dever. Adoro Le Jardin Enchanté (“O Jardim Encantado”), aqui executada por sua dedicatária, Carin Levine, que explora os timbres de toda família das flautas, do flautim à flauta contrabaixo, à qual se somam alguns instrumentos de percussão, também a cargo da flautista, dispostos em oito locais diferentes. Le Parabole du Grenier (“A Parábola do Sótão”, uma referência ao “Tratado de Objetos Musicais” de Pierre Schaeffer) também foi composta para um multi-instrumentista, que aqui se reparte entre piano, cravo, celesta, glockenspiel e, ainda, carrilhão. After Nau homenageia Nausicaa, filha única de Myriam, que viveu exilada durante os últimos anos da ditadura de Ceauşescu, com uma rica trama tecida por violoncelo e órgão, a inconfundível exploração tímbrica marbeiana e um notável trabalho de transfiguração (bem mais que variação) de seus temas. Song of Ruth (“Canção de Rute”), uma de suas últimas obras, lança mão de um quinteto de violoncelos para entoar uma salmódia sefardita num estilo afeito ao da Europa Ocidental, numa referência tanto à história bíblica da moabita que veio viver como estrangeira entre os israelitas, quanto às raízes do pai de Marbé, um médico microbiologista que (nenhuma surpresa) quis que ela também fosse médica, do que foi salva pela mãe pianista. Acima de todas, é Le Temps Retrouvé (“O Tempo Reencontrado”) sua composição que mais me entusiasma. O título remete ao último tomo de “Em Busca do Tempo Perdido” de Proust, e o tempo reencontrado, nas palavras da própria compositora, é aquele “livre e longo, que se desenvolve vagarosamente, e não é governado por qualquer indicação específica de andamento, nem por proporções métricas”. Escrita para um coro de voz, flauta doce e violas (de braço e da gamba) na companhia dum cravo, é duma beleza acachapante e, para mim, a mais emblemática dessa mestra maior da Música do século XX. A grandeza e sua obra e sua corajosa resistência a um regime totalitário justificam sua escolha para receber, em nome de todas as mulheres e de suas tantas lutas, nossa homenagem nesse 8 de março – e também, assim esperamos, a atenção de nossos leitores-ouvintes.

Myriam Lucia MARBÉ (1931-1997)

1 – Trommelbass (1985), para trio de cordas e tambor

Katharinen-Trio
Andreas Csibi, tambor

2 – Le Jardin Enchanté (1991), para flautas e percussão ad libitum

Carin Levine, flautas transversas

3 – Le Parabole du Grenier (1975-76), para um intérprete

Cristian Niculescu, piano, cravo, celesta, glockenspiel e carrilhão

4 – Le Temps Retrouvé (1982), para mezzo-soprano, flauta doce, três violas, violas da gamba contralto e tenor e cravo

Maria Jonas, soprano
Jeremias Schwarzer, flauta doce
Thomas Beimel, Larissa Gromotka e Sebastian Thien, violas
Verena Kronseder e Michael Vebert, violas da gamba
Oscar Milani, cravo

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Volker BLUMENTHALER (1951)

1 – Tableaux fugitives (1988) para contralto e orquestra de câmara, sobre texto de Charles Baudelaire

Marion Steingötter, contralto
Kammerensemble der Musikhochschule Nürnberg-Augsburg
Franz Killer, regência

Dinu GHEZZO (1941-2011)

2 – Footsteps of Cassandra (1996), para eletrônicos e três intérpretes

Dinu Ghezzo, piano
Jeremias Schwarzer, flauta doce
Guenter Priesner, saxofone

Thomas BEIMEL (1967-2016)

3 – SAETA (1998), para seis vozes femininas

Vokalsextett der Musikhochschule Nürnberg-Augsburg
Bernd Dietrich, regência

Myriam MARBÉ

4 – After Nau (1987), sonata para violoncelo e órgão

Cornelius Boensch, violoncelo
Gunther Rost, órgão

Violeta DINESCU (1953)

5 – Zeitglocken für Myriam (2000), para duas vozes e conjunto instrumental

Anne-Marie Wirz, declamação
Maria Jonas, mezzo-soprano
Trio Diritto, flautas doces
Carin Levine, flauta transversa
Verena Kronseder e Michael Weber, violas da gamba
Thomas Beimel, Larissa Gromotka e Sebastian Thien, violas
Oscar Milani, cravo

Myriam MARBÉ

6 – Song of Ruth (1997), para cinco violoncelos

Violoncelloquintett der Musikhochschule Nürnberg-Augsburg

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Gravações realizadas entre 18 e 21 de novembro de 2000 na Igreja Santa Martha em Nürnberg, Alemanha, durante o simpósio “Myriam Marbé”, organizado pela Escola Superior de Música Nürnberg-Augsburg.

Meus agradecimentos ao colega itadakimasu, que não só me alcançou gentilmente uma cópia desse raro álbum como também a mim confiou sua divulgação neste blog.

Myriam em Haarlem, Países Baixos, em 1994. Foto de Camilla van Zuylen, fornecida pelo Instituto Sophie Drinker de Bremen, Alemanha, para uso gratuito, com indicação dos direitos autorais para uso em domínio público (https://www.sophie-drinker-institut.de/galerie)

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três Variações sobre uma Valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – Mitsuko Uchida #BTVHN253

 

Admito: quase que não demos os parabéns a Ludwig. Ontem mesmo nosso colega René apontou que o aniversário de quem chamou de vice-padroeiro do blog passara em branco, pelo que resolvi antecipar essa postagem que já tinha no prelo, e ainda em tempo de lhe render homenagem. Afinal, presume-se que Beethoven, batizado em 17 de dezembro de 1770, nasceu um dia antes, mas nem ele próprio sabia em que dia sua querida mãe o trouxera ao mundo, de modo que celebrava seu natalício no dia 17 e, alemão que era, provavelmente não apreciasse a ideia de receber parabéns na véspera, esperando com isso agouros ainda piores que os tantos desgostos que teve na vida.

Não foi só para não fazer desfeitas, entretanto, que lhes apresento esta gravação. Faço-o porque desde que foi lançada, há já ano e meio, ela quase só encontrou, entre um e outro resmunguinho, bramidos de aclamação. Não me importaria com eles, claro, e jamais haveria de compartilhá-la, por óbvio, se um desses bramidos não fosse meu – e porque sim, meus caros, essa leitura de Dame Mitsuko para as Variações Diabelli é realmente transcendental.

Admito, também, enquanto ainda surfo a mesma onda sincericida com que abri essa postagem, que esperava algo bem diferente quando me coloquei a ouvi-la pela primeira vez. Talvez mais o fogo e a fúria com que Mitsuko-san atacara, por exemplo, a leviatânica Hammerklavier, que demonstrações da sabedoria amealhada em quase sete décadas a debulhar os caroços do repertório beethoveniano. Estranhei, por exemplo, as diminutas cisuras na apresentação do tema e a acentuação peculiar dos tempos da valsinha (ou, mais apropriadamente, do Ländler) de Diabelli, só para, algumas variações adiante, ouvir essa acentuação fazer todo sentido, ao reaparecer como um dos poucos elementos reconhecíveis do tema, então  transfigurado por completo. Quando dei por mim, uma fabulosa hora já tinha passado e me vi a recomeçar a jornada com Uchida, a reencontrar a valsinha de Diabelli e reconhecer a coerência sobre-humana que a arte dela concedera àquele longo arco de trinta e três transformações.

[Poucas vezes, aliás – se me permitem não só parênteses, mas também colchetes -, a preferência de Beethoven pelo termo Veränderungen (“transformações”) em lugar do consolidado Variationen para o título da primeira edição soou-me tão sobejamente honrada numa gravação dessa sua última grande obra para piano, testamento da dedicação de uma vida inteira, e desde a tenra idade, tanto ao piano quanto à forma das variações]

Escutei-a inda outra vez – a terceira em sequência -, com a partitura em mãos, e me maravilhei com a atenção da intérprete às indicações precisas de articulação e dinâmica que Beethoven lhe deixou, a despeito de toda minha (agora reconhecia) insensata estranheza inicial. Estava, e isso vocês já perceberam, inteiramente arrebatado pela gravação. Passei então alguns meses sem ouvi-la, para tentar ganhar dela algum distanciamento, e então reencontrá-la, talvez, com ouvidos mais críticos. Teria eu, perguntava-me, embriagado pelo hype dos bramidos supracitados, realmente exagerado em minha reação? Ou teria tão só, doente de tanta dor, doideira e feiúra que testemunhara no Brasil dos anos anteriores, me deixado emocionar por um encontro schopenhaueriano com a Arte ante o sofrimento da vida?

“Não”, respondi – e foi um “não” tão cabal, e tanto, e a tal ponto, que hesito até em revisitar as minhas gravações outrora prediletas das Diabelli. Teriam sido elas menos convincentes? Não lhes sei responder. Talvez haja algumas com mais colorido, ademais fundamental para sustentar quase uma hora toda em Dó maior (pois apenas quatro das variações, todas no final da série, não são nessa tonalidade), mas, se aqui a cores não faltam, tampouco Mitsuko-san as exagera. Talvez outras realcem mais os bruscos contrastes de temperamento que permeiam, com sugestões da legendária rabugice do compositor, a maior parte da obra. Uchida, sabiamente, consegue realçar tais contrastes e o abundante humor da partitura sem que isso soe como histrionismo raso. Mais ainda: ela supera sem taquicardias aparentes as medonhas exigências técnicas para nos oferecer uma sequência de tours de force que jamais exaspera  e nos deixa, ao final de cada variação, sempre doidos de vontade pelo que vem a seguir (e sua maestria é tamanha que eu convido os leitores-ouvintes a perceberem que até as durações dos intervalos entre as variações parecem escolhidos à perfeição).

Ouço-a uma vez mais, enquanto preparo esta postagem, e ela me reforça a impressão de que esse registro está para esse K-2 (e não Everest, porque é ainda mais repleto de despenhadeiros) da literatura pianística como a lendária gravação de Carlos Kleiber está para a Quinta do renano: uma interpretação reveladora, tão rica em atenção ao detalhe, ao pulso e à arquitetura de uma obra-prima que nos fará ouvir com ouvidos novos, e ainda mais aguçados, tudo o que vier depois.

Mesmo depois de tanta rasgação de seda, não serei capaz de recomendar-lhes essa gravação o bastante. Reconheço que há poucos frutos mais espinhudos dos visionários anos finais da carreira de Beethoven (sim, Grosse Fuge: estou olhando para ti!) e que as Diabelli são de difícil digestão a muitos ouvintes. Convido-os, ainda assim, a arriscar o repasto: talvez o que lhes tenha faltado até hoje, enfim, fosse alguém com os afiados dedos de Uchida para perfurar-lhe a carapaça e remover-lhe os caroços.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
1 – Tema: Vivace
2 – Variação I: Alla marcia maestoso
3 – Variação II: Poco allegro
4 – Variação III: L’istesso tempo
5 – Variação IV: Un poco più vivace
6 – Variação V: Allegro vivace
7 – Variação VI: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variação VII: Un poco più allegro
9 – Variação VIII: Poco vivace
10 – Variação IX: Allegro pesante e risoluto
11 – Variação X: Presto
12 – Variação XI: Allegretto
13 – Variação XII: Un poco più moto
14 – Variação XIII: Vivace
15 – Variação XIV: Grave e maestoso
16 – Variação XV: Presto scherzando
17 – Variação XVI: Allegro
18 – Variação XVII: Allegro
19 – Variação XVIII: Poco moderato
20 – Variação XIX: Presto
21 – Variação XX: Andante
22 – Variação XXI: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variação XXII: Allegro molto, alla «Notte e giorno faticar» di Mozart
24 – Variação XXIII: Allegro assai
25 – Variação XXIV: Fughetta (Andante)
26 – Variação XXV: Allegro
27 – Variação XXVI: (Piacevole)
28 – Variação XXVII: Vivace
29 – Variação XXVIII: Allegro
30 – Variação XXIX: Adagio ma non troppo
31 – Variação XXX: Andante, sempre cantabile
32 – Variação XXXI: Largo, molto espressivo
33 – Variação XXXII: Fuga: Allegro
34 – Variação XXXIII: Tempo di Menuetto moderato

Mitsuko Uchida, piano

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Outra sugestão de René Denon

Vassily

O Mestre Relembrado – Antonio Guedes Barbosa, 80 anos

Há oitenta anos, Antonio Guedes Barbosa nascia na capital da Paraíba. Sua trajetória, desde sua João Pessoa – lá na proa das Américas, onde o sol lhes nasce primeiro – até os mais míticos palcos do mundo, foi desgraçadamente interrompida pelo infarto que o tirou de nós e de sua arte antes que completasse cinquenta anos.

Além de queridas lembranças para quem o conheceu como familiar ou amigo, da gratidão de quem o teve como professor, e da impressão mais profunda em quem teve o privilégio de escutá-lo ao vivo, Antonio legou-nos um pequeno tesouro discográfico, que resgatamos lenta e devotamente ao longo da série de publicações que já lhe consagramos por aqui.

Quando a começamos, e nisso já se vão mais de oito anos, não o fizemos sem resmungos. O mestre pessoense do teclado, afinal, de interpretações tão lapidares e som granítico, parecia esquecido. Depois que lançamos a primeira publicação, os comentários que recebemos foram unânimes em apontar-lhe tanto a grandeza quanto o inexplicável oblívio – para espanto até de um certo rapaz nova-iorquino, de sobrenome Perahia, que, segundo consta, também toca direitinho o piano.

Desde então, felizmente, algo mudou. O mundo e o som, por óbvio, seguem tristes sem Antonio, assim como tristes seguimos nós a imaginar – porque isso é tudo o que podemos, infelizmente – as belezas tantas que ele teria cometido ao longo desses trinta anos. Entre um lamento e outro, no entanto, fomos trazendo sua discografia, que estava toda fora de catálogo, para o acervo deste blog, até que ela fosse quase (mais sobre esse “quase” logo adiante) toda resgatada e disponibilizada aqui – o que jamais teríamos conseguido sem a colaboração decisiva de alguns de seus fãs no Brasil e no exterior, que preferem permanecer anônimos, e a quem nunca conseguiremos ser gratos o bastante.

Melhor ainda: a família do Mestre confiou o acervo do artista ao Instituto Piano Brasileiro (ainda não apoia o IPB? Pois faça-o JÁ!), que o está digitalizando com o zelo customeiro para, sob a curadoria de seu diretor, Alexandre Dias, disponibilizá-lo para o público. Por ora, o mundo que tanto pranteia o Mestre já pode se assombrar com a playlist de gravações inéditas divulgadas pelo IPB, que prova que o repertório dele era ainda mais vasto e complexo do que já se sabia.

Para celebrar os oitenta anos de Antonio, rendo-lhe uma homenagem que corrige um lapso e alcança-lhes um presente.

O lapso que corrijo foi o de ter, presunçosamente, dado por completa a tarefa de publicar a discografia do Mestre. Tolinho que sou, chamei de epílogo o capítulo XIII da série, para só perceber que errara feio, que errara rude, e que faltara aquela sua gravação mais difícil de encontrar, cuja raridade só reflete o contexto invulgar, com toques de esdruxulidade, em que foi feita.

O invulgar? Reunirem-se num mesmo palco, em 1979, a Orquestra Sinfônica Brasileira, sob seu titular Isaac Karabtchevsky, e cinco dos maiores pianistas brasileiros – Antonio, Arthur Moreira Lima, Nelson Freire, João Carlos Martins e Jacques Klein -, e todos tocarem o raríssimo arranjo para seis pianos, provavelmente feito por Czerny, do Héxameron que Liszt compôs em colaboração com o restante do panteão pianístico parisiense de sua época.

O toque esdrúxulo? Que o sexto piano fosse tocado não por um concertista, e sim por Paulo Maluf, então governador de São Paulo, que, instigado por uma récita desse arranjo do Héxameron no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em novembro de 1979, resolveu organizar uma outra no Anhembi. E foi além, modificando o rol de solistas: substituiu Yara Bernette e Fernando Lopes, que tinham tocado no Rio, por seu amigo, o grande João Carlos Martins, e por ele próprio, tocando seus solos num arranjo em que as dificuldades pianísticas sobraram para Arthur Moreira Lima.

É ouvir para crer.

Franz LISZT (1811-1886)
Hexaméron, Morceau de concert,
 sobre a Marcha de “I Puritani” de Bellini, S. 392
composto em colaboração com Sigismond THALBERG (1812-1871),  Johann Peter PIXIS (1788-1874), Heinrich HERZ (1803-1888), Carl CZERNY (1791-1857) e Fryderyk CHOPIN (1810-1849)

1 – Introduction: Extremement lent (Liszt)
2 – Tema: Allegro marziale (transcrito por Liszt)
3 – Variation I: Ben marcato (Thalberg)
4 – Variation II: Moderato (Liszt)
5 – Variation III: di bravura (Pixis)
6 – Ritornello (Liszt)
7 – Variation IV: Legato e grazioso (Herz)
8 – Variation V: Vivo e brillante (Czerny)
9 – Fuocoso molto energico; Lento quasi recitativo (Liszt)
10 – Variation VI: Largo (Chopin)
11 – Coda (Liszt)
12 – Finale: Molto vivace quasi prestissimo (Liszt)

Antonio Guedes Barbosa (2, 3, 12), Arthur Moreira Lima (1, 2, 4, 9, 10, 11, 12), , Jacques Klein (2, 8, 12), João Carlos Martins (2, 5, 12), Nelson Freire (2, 7, 12), Paulo Salim Maluf (2, 10, 12), pianos
Orquestra Sinfônica Brasileira
Isaac Karatchevsky,
regência

Gravado no Palácio das Convenções do Anhembi (SP) em 15 de dezembro de 1979.

Nota: A identificação das partes correspondentes a cada pianista baseou-se na publicação desta gravação pelo Instituto Piano Brasileiro, cujo primoroso trabalho de pesquisa, curadoria e divulgação capitaneado pelo incansável Alexandre Dias cada um de nós deveria apoiar.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (MP3)

Encontre o estranho no ninho (e, sim, erraram o nome de Antonio)

Por fim, o presente.

Numa discografia tão pequena, inda que fabulosa, como a de Antonio, chama atenção que ele nos tenha legado duas integrais das mazurcas de Chopin. Suas leituras delas são realmente impressionantes e demonstram sua maestria sobre as complexidades rítmicas dessa aparentemente ingênua dança polonesa, uma Costa dos Esqueletos musical em que já naufragaram tantos virtuoses.

Esqueçam, no entanto, minha desimportante opinião, e atentem para as desses dois rapazes:

Estimado Sr. Rodrigues [Presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro],
Escrevo-lhe com o propósito de comunicar-lhe direta e pessoalmente minha opinião, reiterada publicamente várias vezes, sobre Antonio Barbosa, a quem considero entre os cinco maiores pianistas de sua geração.
Seria muito conveniente e necessário que as autoridades e instituições oficiais do Brasil dessem toda sua a ajuda a este extraordinário artista – do qual seu país natal pode sentir-se legitimamente orgulhoso -, contribuindo assim para impulsionar sua carreira num nível internacional.

Cordialmente,

Claudio Arrau

 


A quem possa interessar: ouvi pessoalmente Antonio Barbosa tocar as mazurcas de Chopin, e gostei muito mesmo de sua interpretação.

Sinto que sua interpretação dessas peças merece uma grande gravação.

Sinceramente,
Vladimir Horowitz


Alguém resolveu lhes dar ouvidos, e, para nossa alegria, a primeira gravação de Antonio a tocar as mazurcas aconteceria naquele mesmo 1983 em que o tal Arrau se manifestou. A alegria, no entanto, teve algo de agridoce, dada a distribuição muito limitada do álbum triplo, do qual restam alguns poucos exemplares, quase invariavelmente muito deteriorados. Hoje, quarenta anos depois de seu lançamento, temos o prazer de devolver à alegria sua plena doçura, compartilhando uma restauração primorosa da gravação do Mestre, a quem homenageamos com admiração e saudades imorredouras nos oitenta anos de seu nascimento.


Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)

AS 51 MAZURCAS

LP 1

Quatro Mazurcas para piano, Op. 6
1 – No. 1 em Fá sustenido menor
2 – No. 2 em Dó sustenido menor
3 – No. 3 em Mi maior
4 –  No. 4 em Mi bemol menor

Cinco Mazurcas para piano, Op. 7
5 – No. 1 em Si maior
6 – No. 2 em Lá menor
7 – No. 3 em Fá menor
8 – No. 4 em Lá bemol maior
9 – No. 5 em Dó Maior

Quatro Mazurcas para piano, Op. 17
10 – No. 1 em Si maior
11 – No. 2 em Mi menor
12 – No. 3 em Lá bemol maior
13 – No. 4 em Lá menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 24
14 – No. 1 em Sol menor
15 – No. 2 em Dó maior
16 – No. 3 em Lá bemol maior
17 – No. 4 em Si bemol menor

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LP 2

Quatro Mazurcas para piano, Op. 30
1 – No. 1 em Dó menor
2 – No. 2 em Si menor
3 – No. 3 em Ré bemol maior
4 – No. 4 em Dó sustenido menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 33
5 – No. 1 em Sol sustenido menor
6 – No. 2 em Dó maior
7 – No. 3 em Ré maior
8 – No. 4 em Si menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 41
9 – No. 1 em Mi menor
10 – No. 2 em Si maior
11 – No. 3 em Lá bemol maior
12 – No. 4 em Dó sustenido menor

Três  Mazurcas para piano, Op. 50
13 – No. 1 em Sol maior
14 – No. 2 em Lá bemol maior
15 – No. 3 em Sol sustenido menor

Das Três Mazurcas para piano, Op. 56
16 – No. 1 em Si maior

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LP 3

Das Três Mazurcas para piano, Op. 56
1 – No. 2 em Dó maior
2 – No. 3 em Dó menor

Três Mazurcas para piano, Op. 59
3 – No. 1 em Lá menor
4 – No. 2 em Lá bemol maior
5 – No. 3 em Fá sustenido menor
Três Mazurcas para piano, Op. 63
6 – No. 1 em Si maior
7– No. 2 em Fá menor
8 – No. 3 em Dó sustenido menor

9 – Mazurca em Lá menor, Op. póstumo
10 – Mazurca em Lá menor, ‘Notre Temps’

Quatro Mazurcas para piano, Op. 67
11 – No. 1 em Sol maior
12 – No. 2 em Sol menor
13 – No. 3 em Dó maior
14 – No. 4 em Lá menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 68
15 – No. 1 em Dó maior
16 – No. 2 em Lá menor
17– No. 3 em Fá maior
18 – No. 4 em Fá maior

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Antonio Guedes Barbosa, piano
Gravações feitas no Estúdio Intersom (São Paulo), em 1983
LPs distribuídos em 1983, em circulação limitada, pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Todas as imagens usadas nesta publicação provêm do acervo do artista, doado por sua família ao Instituto Piano Brasileiro, que gentilmente autorizou sua divulgação.


Antes que nos chamem de mentirosos, assumimos que a discografia de Antonio ainda não está completa aqui no PQP Bach: pelos motivos aqui expostos, esta segunda de suas duas leituras das Bachianas Brasileiras n° 4 de Villa-Lobos só pode ser ouvida em outros sítios, como o acima. Mas não desistiremos – voltaremos ao assunto em 2030 [gargalhada insana]

 

Ao Mestre, com carinho

Vassily

Dia Internacional do Orgulho – Uma celebração do legado de artistas LGBTQIA+

Ainda assopro as feridas e conto os hematomas das trevas de que ora emergimos, enquanto ardo em sanhas de justiça às vítimas dos anos mortíferos em que a ignorância e a truculência foram políticas de Estado no Brasil. Nesse contexto pós-traumático, e instigado pela iniciativa de minha alma mater, eu saúdo e celebro o Dia Internacional do Orgulho trazendo-lhes um punhadinho das muitas lindezas legadas ao mundo por compositores LGBTQIA+.

Uma seleção assim jamais poderá ser inclusiva o bastante para o imenso escopo dessa homenagem, pelo que lhes peço desculpas antecipadas pelas necessárias omissões. Ainda assim, faço questão de oferecê-la à totalidade de vocês – tanto a quem está do lado de cá da luta quanto a quem, desgraçadamente, a rechaça pelos motivos mesmos  que a tornam tão necessária. Se a Arte, afinal, é livre, o legado dessa linda gente também é – e deve chegar a todos, mesmo a quem lhes quer dar pontapés.

E a quem é indiferente essa luta diuturna por crer que ela não seja sua, lembro as palavras de Audre Lorde – mulher, lésbica e preta – sobre os grilhões impostos pelo racismo e o machismo…


Não serei livre enquanto alguma mulher não for livre, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas. E não estarei livre enquanto qualquer pessoa de cor estiver acorrentada – e nem estará qualquer de vocês”


… e os convido a constatarem que, pelos mesmos motivos, todos os seres humanos privados de quaisquer de seus direitos fundamentais merecem essa luta, e que ela, portanto, é de todos nós.

Celebremos e protestemos, protejamos e respeitemos – e melhoremos, sempre.

Vassily


A londrina Ethel Smyth (1858-1944) sempre seguiu briosamente seus próprios rumos, o que implicou, como sói acontecer com as mulheres desde bem antes de seus tempos, uma vida de rompimentos: com o pai (que a proibiu de estudar Música), com a sociedade (que dela esperava casamento com um homem e uma penca de filhos) e com o governo (que a impedia, assim como todas as mulheres, de qualquer atividade política). Ethel foi uma ativa sufragista, que compôs o hino do movimento e chegou a ser presa por depredar um prédio público de onde um burocrata afirmara que mulheres só poderiam votar se fossem “submissas como a minha”. Essa criatura porreta estreia no PQP Bach com três álbuns: uma seleção de suas numerosas peças vocais, muitas delas cantadas em alemão, graças a sua temporada de estudos no Conservatório de Leipzig; um robusto trio e sonatas para violino e violoncelo, todos com piano; e sua obra mais inclassificável, The Prison, uma espécie de sinfonia-oratório (pois vocês ouvirão que é muito mais que isso) em que um prisioneiro (baixo-barítono) que contempla o suicídio divaga com sua alma (soprano), que tenta lhe trazer conforto, entre comentários metafísicos do coro.

Quatro canções para voz e orquestra de câmara
Lieder und Balladen, Op. 3
Lieder, Op.4
Três canções

Lucy Stevens, contralto
Elizabeth Marcus, piano
Berkeley Ensemble
Odaline de la Martinez, regência

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Trio para piano, violino e violoncelo em Ré menor
Sonata para violino e piano em Lá menor, Op. 7
Sonata para violoncelo e piano em Lá menor, Op. 5

Chagall Trio:
Nikoline Kraamwinkel, violino
Tim Gill, violoncelo
Julian Rolton, piano

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The Prison, para solistas, coro e orquestra (1930)

Sarah Brailey, soprano
Dashon Burton, baixo-barítono
Experiential Orchestra and Chorus
James Blachly, regência

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Hans Werner Henze (1926-2012), perseguido em sua Alemanha natal por ser gay e marxista, radicou-se na Itália, onde filiou-se ao Partido Comunista e desenvolveu sua carreira, retornando posteriormente a seu país de origem. Sua variada, riquíssima produção torna especialmente complicada a tarefa de escolher uma fatia que lhe seja mais representativa, de modo que escolhi oferecer-lhes três: a primeira com suas sinfonias de 1 a 6, conduzidas por ele próprio; a seguinte com sua leitura para o oratório Das Floß der Medusa (“A Balsa de Medusa”), inspirado numa célebre pintura mas, em verdade, composto como um réquiem para Ernesto “Che” Guevara, o que levou alguns descontentes a impedirem  sua estreia em Hamburgo, em 1968; e a trilha sonora para o filme “Um Amor de Swann”, inspirado no romance de Proust, que eu adorei desde a primeira audição e só descobri ser de Henze ao revisitá-la recentemente.

Sinfonia no. 1 (1947)
Sinfonia no. 2 (1949)
Sinfonia no. 3 (1949-50)
Sinfonia no. 4 (1955)
Sinfonia no. 5 (1962)
Sinfonia no. 6 (1969)

Berliner Philharmoniker
London Symphony Orchestra (sinfonia no. 6)
Hans Werner Henze, regência

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Das Floß der Medusa, oratório para solistas, coro e orquestra (1968)

Charles Régnier, narrador
Edda Moser, soprano
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Chor des Norddeutschen Rundfunks
RIAS-Kammerchor Chorus
Mitglieder Des Hamburger Knabenchores St. Nikolai
Symphonie-Orchester Des Norddeutschen Rundfunks
Hans Werner Henze, regência

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Trilha sonora original para o filme Ein Liebe von Swann, de Völker Schlöndorff (1984)

Orchestre Symphonique de la Radio Bâle
Hans Werner Henze, regência

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Ninguém estava melhor preparada que Wendy Carlos (1939) para trazer o sintetizador para a ribalta: diplomas em Música e Física, longa experiência em estúdios, colaborações com Robert Moog, inventor do sintetizador homônimo, e uma combinação incomum de meticulosidade e perseverança que a fez, entre outras proezas, montar um estúdio repleto de inventos e cheinho de soluções. Mesmo assim, quando Switched-On Bach  (1968) tornou-se o surpreendente maremoto de sucesso que vendeu mais de um milhão de cópias e fez ninguém menos que Glenn Gould chamá-lo de “uma das conquistas mais surpreendentes da indústria fonográfica nesta geração e certamente um dos grandes feitos na história da performance de teclado”, a mui discreta Wendy viu-se jogada ao escrutínio do mundo – e em plena transição. Os fãs pediram mais, e o mundo acabou ganhando outros volumes Switched-On, que acabaram eclipsando outras vertentes do trabalho dela, como a composição de trilhas sonoras (mais famosamente para “A Laranja Mecânica” e “O Iluminado”, do genial e complicadinho Stanley Kubrick, que aproveitou nos filmes muito pouco do que Wendy lhe criou) e seu verdadeiro xodó, suas composições originais que exploram, em altos voos, os recursos que ela própria tanto ajudou a expandir no instrumento. Homenageio esta visionária, brilhante criatura com três álbuns que cobrem o escopo das décadas seguintes a Switched-On Bach : Sonic Seasonings (1972), volume duplo com quatro peças inspiradas nas estações do ano; Digital Moonscapes (1984), em que ela emula uma grande orquestra sinfônica em peças inspiradas em Astronomia, outra de suas paixões; e o eletrizante Tales of Heaven and Hell (1998), uma jornada sônica por um inferno pós-dantesco e neoboschiano. Aproveito o ensejo para fazer-lhes um convite para visitar seu site oficial, deliciosamente antiquado (mesmo porque não é atualizado desde 2009!), com muitas colaborações da própria Wendy, na esperança de que um influxo de visitantes faça a genial reclusa pelo menos  reaparecer para nos dar um oi 🙂

Spring
Summer
Fall
Winter
Winter (Outtake)
Aurora Borealis
Midnight Sun

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Cosmological Impressions
Genesis – Eden – I.C. (Intergalactic Communications)

Moonscapes
Luna – Phobos and Deimos – Ganymede – Europa  – Io – Callisto – Rhea – Titan -Iapetus

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Transitional
HeavenScent
Clockwork Black
City of Temptation
Memories
Afterlife
Seraphim

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BÔNUS:
de lambujem, alcanço-lhes também o único álbum infantil composto por Wendy, lançado em 1988, numa colaboração com outra figura única – Weird Al Yankovic. As tramas de “Pedro e o Lobo” e “O Carnaval dos Animais” são aqui recontadas sem uma nota sequer de Prokofiev e Saint-Saëns, com música totalmente nova e alguns aditivos curiosos, como o peculiar instrumento usado por Pedro para capturar o lobo, e alguns seres tão invulgares quanto os intérpretes, como o aardvark e o unicórnio. É ouvir para crer.

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Dia Internacional do Orgulho – Um convite da Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), minha querida alma mater, encheu-me de orgulho ao tornar a mítica Elza Soares doutora honoris causa em plena era de trevas, e antes mesmo da era da morte, vaticinada por um comentarista da homenagem que fiz a Elza: “Tamanho inverno, como estamos passando, ainda matará muita vida, mas há de passar”. Pois, se o inverno passou, ficaram suas sequelas, e seguem bem vivos os violentos e intolerantes ventos que nos levaram a ele. Por isso, saúdo a iniciativa da alma mater de marcar o 54° aniversário dos levantes de Stonewall e o Dia Internacional do Orgulho com a celebração, em sua rádio, da música e da trajetória de artistas LGBTQIAPN+.

Enquanto prometo voltar mais tarde com uma postagem, estendo-lhes o convite feito pela Universidade:

“Nesta quarta-feira, 28 de junho, a Rádio da Universidade apresenta o “Especial LGBTQIAPN+”. Ocupando praticamente toda a sua programação, o especial é um convite da emissora à celebração e uma forma de chamar atenção para a importância desta data, o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+.

🏳️‍🌈 A seleção musical, organizada em sete blocos temáticos, cada um com um texto introdutório, traz mais de 60 obras de musicistas LGBTQIAPN+, do século XVI aos nossos dias, totalizando mais de 40 nomes! Dentre os blocos, estão: “Wendy Carlos, mulher trans, compositora e pioneira da música eletrônica”, “Musicistas LGBTQIAPN+ do passado: compondo e lidando com o preconceito” e “Anos 80-90: o impacto do fantasma da AIDS no trabalho de compositores gays”.

📌 Confira, na quarta-feira, dia 28, a partir das 7h da manhã, nos 1080 AM [na região de Porto Alegre] ou em www.radio.ufrgs.br. A programação do especial está disponível em https://www.ufrgs.br/radio/programacao/.

Créditos da programação musical do Especial:
Coordenação, pesquisa, seleção musical e textos: Cláudio Remião.
Locução: Cláudia Rocca e Liz de Bortoli
Técnica: Jorge D’ávila, Luiz Fogassi e Vladimir Fontoura.
Apoio na divulgação: Mariana Sirena”

 

 

Vassily

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Nona Década (2021-) [Martha Argerich, 82 anos]

1941-1950 | 1951-1960 | 1961-1970 | 1971-1980 | 1981-1990 | 1991-2000 | 2001-2010 | 2011-2020 | 2021-

Celebramos mais um aniversário da Rainha, e ela não dá sinais de arrefecer o radiador. Vá lá, volta e meia a assombrosa octogenária nos dá um susto, só para daí voltar com tudo – cancelando um concerto ou outro, naturalmente, como sói acontecer desde que Martha é Martha – e nos fazer sonhar com mais uma década todinha (a nona de sua vida, e a oitava como pianista) com ela a forrar nossos tímpanos de deleite.

Já é meu bem surrado costume cantar-lhe parabéns pelo cumple e celebrar a data gaiatamente, compartilhando presentes gravados pela própria aniversariante. Marthinha segue tão ativa fazendo música  quanto afastada dos estúdios, de modo que todos os novos registros de sua arte, como há já algumas décadas, provêm somente de apresentações ao vivo. Entre as adições à discografia marthinhiana lançadas desde o 5 de junho passado – as quais passo a lhes oferecer a seguir -, apenas uma foi gravada, conforme a promessa do título desta postagem, na nona década de vida da Rainha. Trata-se de um recital em duo com o violinista Renaud Capuçon, gravado no ano passado, em que ela nos serve algumas de suas especialidades: além de uma das sonatas de Schumann, que a mantém entre os poucos grandes intérpretes a prestigiá-las em
seu repertório, ela demonstra seguir afiada como sempre na realização das eletrizantes partes pianísticas da “Kreutzer” e da sonata de Franck.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Sonata para violino e piano no. 1 em Lá menor, Op. 105
1 – Mit leidenschaftlichem Ausdruck
2 – Allegretto
3 – Lebhaft

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para violino e piano no. 9 em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
4 – Adagio sostenuto – Presto
5 – Andante con variazioni
6 – Finale. Presto

César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890)
Sonata em Lá maior para violino e piano
7 – Allegretto ben moderato
8 – Allegro
9 – Recitativo – Fantasia. Ben moderato
10 – Allegretto poco mosso

Renaud Capuçon, violino

Gravado ao vivo no Grand Théâtre de Provence em Aix-en Provence (França) em 22 de abril de 2022.

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