PQP BACH, 18 ANOS – COLLOQVIVM PAVLISTANVM INTER VIKINGVM ET BASILIVM [Johann Sebastian Bach – Variações Goldberg – Víkingur Ólafsson]

PQP BACH, 18 ANOS – COLLOQVIVM PAVLISTANVM INTER VIKINGVM ET BASILIVM [Johann Sebastian Bach – Variações Goldberg – Víkingur Ólafsson]

Que os próximos dezoito anos possam ser tão delirantes quanto os primeiros – e que a maioridade penal lhe seja leve. Obrigado por tudo, PQP Bach!


COLLOQVIVM PAVLISTANUM (VERVM)
(homenagem a este outro colóquio, tão ficto quanto maravilhoso)

Cai o pano da noite sobre Babilônia. Todos quantos conseguiram sobreviver mais um dia à maior urbe do hemisfério buscam seus abrigos. Há exceções: boêmios e trabalhadores noturnos, noctívagos e morcegos, aqueles tantos que dormirão outra vez em desamparo, e este punhado de melômanos no átrio duma estação férrea desativada, transformada numa das mais soberbas salas de concerto do planeta. Nesta bolha acusticamente isolada e casseteticamente separada da cacofonia e desespero violentos do derredor, eles esperam.

Não é uma espera aflita: seus ouvidos experimentaram, por setenta e cinco minutos, a schopenhaueriana libertação do sofrimento da vida através da Arte, e agora encaravam aquele drama maior que há na Música, o do silêncio que se segue ao som. Algumas centenas de outros bípedes compartilharam esse deleite, mas Babilônia não faz reféns, e, sabedora disso, a turba ouvinte debandou rapidamente, intimidada pelo duríssimo entorno da gare, onde há brigas pelas sobras (e pelas sobras das sobras) e aqui e ali espocam cachimbos de metal. Restou só aquele punhado de conhecedores, imbuídos da certeza de que guardariam para sempre as memórias daquele exercício para teclado, composto por um certo Sebastião Ribeiro para refrescar seus espíritos, e vertido em seus ouvidos pelo mesmo cabra pelo qual esperavam. Ao redor deles, os olhos dos agentes de evacuação do edifício ebulem de impaciência, e entornam em frustração quase audível quando, por uma portinhola do átrio, surge um sujeito impossivelmente longilíneo: enfim, o tão aguardado cabra, astro internacional da Música, que – tinham certeza disso – nunca deixaria de vir atender seus fãs. A breve fila que se forma é fechada por outro cabra, um tipo atarracado, de roupas amarrotadas, cabelos em desordem e barba à Velho do Saco. Digo-lhes mais: ele sua em bicas, tem os sapatos decorados pelos pombos de Babilônia, e parece vir da galáxia mais diametralmente oposta à do astro, um irretocável cavalheiro de terno bem cortado, semblante de bebê e, assim parece, incapaz de suar.

Afora a inicial do nome, o sobrenome patronímico e a coincidência de morarem em ilhas, estes cabras têm em comum o amor por Sebastião Ribeiro e a disposição de viajar pelas Variações Goldberg. Um deles, o comprido, partiu de sua ilha natal para uma turnê de oitenta e oito recitais, tantos quantos as teclas de seu instrumento, a verter as Goldberg nos ouvidos mais sortudos do planeta; já o suabundo viajou de sua ilha adotiva especialmente para escutá-las em Babilônia. A fila andou, e agora apenas quatro fãs separam estes dois homens de seu breve colóquio. O primeiro é Víkingur Ólafsson; o outro, Vassily Genrikhovich.

Jovem de preto: Boa noite, Sr. Ólafsson. Muito obrigada pelo recital maravilhoso.
Víkingur Ólafsson: Boa noite, pode me chamar de Víkingur. Que bom que gostou!
JdP: Eu amei, Víkingur, muito obrigada. Comprei o CD logo que foi lançado. Eu o escutei muitas vezes, e ainda assim o recital superou minhas expectativas. Adorei a energia, a virtuosidade, e a capacidade que você tem de parecer um pianista diferente a cada variação – inclusive nas repetições.
VO: Obrigado, muito gentil. Essa capacidade tímbrica infinita do piano me fascina e me faz adorar ser pianista. Tenho muita sorte de ter um instrumento como esse para me expressar.
JdP: Algumas pessoas acham que não se deve tocar Bach ao piano…
VO: Eu tento entendê-las, mas então me lembro que Bach foi um explorador incansável dos teclados do seu tempo. Seu instrumento era o órgão, ele explorava seus registros, as combinações entre eles, os contrastes dinâmicos. Por isso, não é difícil para mim imaginar Bach servindo-se de todos os recursos do piano moderno para trazer ainda mais variedade a essas variações.
JdP: A propósito, amei seu bis de anteontem. Obrigada pela homenagem a Nelson Freire [Ólafsson tocara um incandescente concerto de Schumann nos três dias anteriores, e dedicara o bis de uma das récitas  – o Andante da Sonata no. 4 para órgão – à memória de Nelson].
VO: Eu adoro Nelson Freire. Sinto muito por ele e pelo que a perda dele significa para seu país. Seu álbum de música brasileira foi uma revelação para mim.
JdP: Você já tocou música brasileira?
VO: Sim, já estudei peças de Villa-Lobos enquanto estava na Juilliard. Nunca as toquei em público, mas cogitei incluir partes de “A Prole do Bebê” em meu álbum From Afar [em breve no PQP Bach].
JdP: Adoraria ouvir você tocar Villa-Lobos. Quem sabe quando voltar, em 2027? [Ólafsson despediu-se do público, após as Variações Goldberg, prometendo voltar em 2027]
VO: Eu espero que sim. É um compositor que merece ser tão conhecido quanto Bartók. Um orgulho para seu povo, verdadeiramente brilhante.
JdP: Mal posso esperar. Posso tirar uma foto com você?

[…]

Calvo cabeludo de sapatênis: Olá! Obrigado pelas Goldberg e também pelo Schumann ontem. Nunca vou esquecer deles. Pode me dar seu autógrafo?
VO: Olá, claro! [autografa o programa]
CCdS: Eu li que chamaram você de “Glenn Gould da Islândia”…
VO [rindo]: Muito lisonjeiro, mas injusto com Gould. Ele é inigualável. Mas sem dúvidas foi uma grande inspiração.
CCdS: Sua gravação das Goldberg parece uma óbvia homenagem a Gould.
VO: A gravação de 1955 é uma força que nenhum pianista deveria ignorar. Eu gastei o vinil de meu pai de tanto escutá-lo. Desde que comecei a estudar as Goldberg, vinte e cinco anos antes de gravá-las, tive a clareza e a energia de Glenn como um horizonte.
CCdS: No recital você as tocou de maneira muito diferente do álbum e ainda mais surpreendente.
VO: Muito obrigado. Eu tento aproveitar as peculiaridades da acústica de cada sala de concertos em que toco. Essa sala aqui é espetacular, e acho que não conseguiria tocar as Goldberg como toquei hoje em muitos outros lugares do mundo.
CCdS: Foi por causa da acústica que você decidiu tocar também com a orquestra?
VO: Sim, exatamente. Imagino que você tenha visto a entrevista [essa aqui]. A turnê das Goldberg demanda muito e fica difícil encontrar tempo e energia para ensaiar com orquestra. Escolhi só fazer exceções para duas salas de concerto de acústica extraordinária onde eu nunca tinha tocado antes [a outra foi a incrível Ópera de Sydney].

[…]

Senhora de cabelo rosa [muito emocionada]: Foi magnífico. Estou em estupor. Penso no que vou conseguir escutar depois desse seu recital das Goldberg.
VO: Muito obrigado. Por favor, não deixe de ouvir música por causa de mim…
SdCR: Certamente não deixarei. Tem alguma sugestão do que devo ouvir a seguir?
VO [sorrindo]: Tenho outros álbuns disponíveis.
SdCR: Hahaha, já ouvi todos. Quero ouvir você mais vezes, e também tocando com orquestras.
VO: Estou estudando os dois concertos de Brahms. Talvez você possa ir me ouvir tocá-los em algum lugar do mundo?
CCdS [rindo]: Gould também é seu modelo no concerto de Brahms?
VO [rindo também, e certamente também lembrando dessa infame gravação]: Nesses concertos meu modelo é Gilels – outro cujos vinis eu gastei de tanto escutar.

[…]

Tio de bigode [acompanhado de uma jovem que traduzia]: Boa noite! Muito obrigado pelo inesquecível recital. Gostaria, por favor, que autografasse as Goldbergs para mim [alcança a Ólafsson uma partitura da obra].
VO [autografando]: Boa noite! Espero não ter esquecido de nenhuma nota. O senhor conferiu se toquei todas?
TdB: As notas que você tocou são as que me importam!
VO [suspirando jocosamente de alívio]: Fico muito contente com que pense assim, senhor. Obrigado por vir!
TdB: Adoro suas gravações. Sou pianista e admiro muito sua atenção ao detalhe. Amo seus álbuns com as pequenas peças. Nas Goldberg, pela primeira vez, ouvi seu talento a serviço de uma obra mais longa. Fiquei muito impressionado.
VO: Muito obrigado.
TdB: O que vem a seguir?
VO: Estou estudando as últimas sonatas de Beethoven.
TdB: Pretende gravá-las?
VO: Quem sabe? Será um grande desafio.
TdB: Como fez Gould? [que gravou as três últimas sonatas de Beethoven logo após seu legendário álbum de estreia com as Goldberg]
VO [sorrindo]: Dizem que sou o Glenn Gould islandês…

[…]

Vassily Genrikhovich: Gott kvöld!
VO [contendo o bocejo]: Gott kvöld! Muito bom seu islandês!
VG: Obrigado, mas ele vai só até aqui.
VO: Seu islandês vai muito mais longe que meu português…
VG [sorrindo] Acho que iremos mais longe em inglês. Muito grato pelo recital. Nenhuma palavra pode descrever o que você me fez sentir hoje.
VO: Muito obrigado. Muito gentil de sua parte.
VG: É meio bobo dizer que palavras não podem descrever o que senti e ainda assim usar palavras para lhe falar isso. E sou o último fã da fila, você deve estar cansado, e a turnê não termina aqui. Só queria mesmo expressar o quão profundamente você me impressionou e agradecer muito pela generosidade de incluir meu país em seu roteiro pelo mundo. Não são todas as chamadas “turnês mundiais” que nos colocam em suas rotas.
VO: Este país é extraordinário, e a música dele, também. Pena que tenho tão pouco tempo aqui.
VG: Muito obrigado. Eu também acho isso. E sua música também é extraordinária. Viajei da minha cidade apenas para assistir suas apresentações.
VO: Isso me faz sentir muito especial! Sou especialmente grato aos ouvintes peregrinos – eu os chamo “meus turistas Goldberg”. Ouço muitas histórias bonitas de suas viagens e fico muito honrado com sua confiança no que tento lhes oferecer. Muito obrigado pela sua dedicação em comparecer!
VG: Sou um “turista Goldberg”? Isso me orgulha!
VO [sorrindo]: Sim, você é, e espero contar com sua presença em outras ocasiões.
VG: No que depender de mim, pode ter certeza. Quero ouvir você tocando as últimas sonatas de Beethoven, como falou ao cavalheiro antes de mim, e explorando novos repertórios.
VO: Há muita grande música a explorar, e tão pouco tempo para isso!
VG: … e eu não quero mais tomar o seu. Obrigado por tudo, pela gentileza conosco, pelas Goldberg, pelo Quodlibet.
VO [sorrindo]: Você gostou do Quodlibet?
VG: Eu adorei. Tanta gente o toca de uma maneira quadrada, constrita, como um coral para iniciantes. Você o transforma numa apoteose, numa reafirmação da energia das primeiras variações, depois da intensidade emocionante das variações em tonalidade menor.
VO: Fico feliz com que gostou! Eu penso que, depois das variações em menor, só um Quodlibet muito assertivo pode preparar o momento mágico que é a Aria da capo.
VG [pensando em perguntar por que Ólafsson escolheu iniciar a variação XVI com aquele curioso arpejo descendente, mas mudando de ideia]: Teria muito a lhe perguntar, mas você merece descansar. É a segunda vez que digo que você merece descansar. Só falta deixá-lo ir.
VO: Obrigado por vir ao recital. Encontro você novamente em algum lugar do mundo – ou aqui mesmo, em três anos.
VG: Você me daria a imensa honra de tirar uma foto comigo?
VO: Com muito prazer!
VG [à jovem de preto]: Moça, faria a gentileza?

“Claro!”

VG: Boa continuação da turnê, que seus caminhos sejam felizes – e bom descanso. Eu também tenho sinestesia e imagino a sua saturação sensorial depois de cada recital.
VO [interessado]: Você também tem sinestesia?
VG: Sim – e também prometi deixá-lo ir.

Os dois se cumprimentam e, entre acenos aos poucos presentes, o suave astro some pela mesma portinhola da qual surgira. O esquadrão de evacuação predial, já nos estrebuchos da impaciência, fecha barulhentamente as penúltimas portas. A última delas vê enfim sair o teimoso punhado de melômanos, incluindo aquele rapaz de sapatos adornados por pombos, que toma o rumo do metrô a saborear o retrogosto do tanto que acabara de viver.

Enquanto compartilhava com os amigos a foto que tirara com Ólafsson, lembrou-se do blogue de que era colaborador – sim, vocês adivinharam qual – e imaginou o jovem Víkingur em seus tempos de Juilliard, aquele comprido fiapo de gente, tão cheio de planos quanto vazio de bolsos, que parava em longas filas, como declarou em entrevistas, para conseguir as xepas dos ingressos para concertos, e se perguntou se aquele Ólafsson-mirim, sedento por mais Villa-Lobos, não teria porventura navegado do PC de sua república pela cyberesfera, e se em suas expedições por ela chegado ao mesmo lugar de que ora escrevo a vós outros, para então bradar, como outros tantos antes dele:

– Who in hell is PQP Bach and why the heck are all Villa-Lobos links dead?

Se alguém encontrar o moço antes de nós, pedimos a gentileza de lhe explicar.


Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Ária e variações para teclado, BWV 988, “Variações Goldberg” 
[Exercício de teclado / composto / por uma ÁRIA / com diversas variações / para cravo / com dois manuais. / Composta para conhecedores / para refrescar os seus espíritos, por /Johann Sebastian Bach / compositor da Corte Real da Polônia e da Corte Eleitoral da Saxônia / Kapellmeister e Diretor de/ Música Coral em Leipzig. / Nuremberg, Balthasar Schmid, editor / 1741]

1 – Aria
2 – Variatio 1. a 1 Clav.
3 – Variatio 2. a 1 Clav.
4 – Variatio 3. Canone All’Unisuono a 1 Clav.
5 – Variatio 4. a 1 Clav.
6 – Variatio 5. a 1 Ovvero 2 Clav.
7 – Variatio 6. Canone alla Seconda a 1 Clav.
8 – Variatio 7. a 1 Ovvero 2 Clav.
9 – Variatio 8. a 2 Clav.
10 – Variatio 9. Canone alla Terza. a 1 Clav.
11 – Variatio 10. Fughetta a 1 Clav.
12 – Variatio 11. a 2 Clav.
13 – Variatio 12. Canone alla Quarta
14 – Variatio 13. a 2 Clav.
15 – Variatio 14. a 2 Clav.
16 – Variatio 15. Canone alla Quinta a 1 Clav. Andante
17 – Variatio 16. Ouverture a 1 Clav.
18 – Variatio 17. a 2 Clav.
19 – Variatio 18. Canone alla Sexta a 1 Clav.
20 – Variatio 19. a 1 Clav.
21 – Variatio 20. a 2 Clav.
22 – Variatio 21. Canone alla Settima a 1 Clav.
23 – Variatio 22. a 1 Clav. Alla Breve
24 – Variatio 23. a 2 Clav.
25 – Variatio 24. Canone all’Ottava a 1 Clav.
26 – Variatio 25. a 2 Clav.
27 – Variatio 26. a 2 Clav.
28 – Variatio 27. Canone alla Nona a 2 Clav.
39 – Variatio 28. a 2 Clav.
30 – Variatio 29. A 1 Ovvero 2 Clav.
31 – Variatio 30. Quodlibet a 1 Clav.
32 – Aria da Capo

Víkingur Ólafsson, piano

Gravado na Sala Norðurljós da Sala de Concertos Harpa em Reykjavík, Islândia, de 7 a 12 de abril de 2023.

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“1 ano, 88 concertos. Eu desfrutei cada um deles! Alguns vieram a um concerto, outros a cinco, outros até a dez! Eu amo meu público – e ninguém mais que meus turistas Goldberg” ❤️ 

Vassily

 

 

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012, nas três gravações de Antonio Meneses

Antonio Meneses em 2010 (https://flickr.com/photos/tvbrasil/5257503493/, CC BY-NC-SA 2.0)

I
Grand Théâtre de Genève, Suíça, década de 90

Antonio Meneses [em inglês]: Oi! Para quem é o autógrafo?
Vassily Genrikhovich [em português]: Olá, Antonio! É para [o nome do impostor que está em meu RG], por favor.
AM: Rapaz, eu nunca diria que você é brasileiro! [sorri enquanto autografa o CD do Don Quixote com os filarmônicos de Berlim sob Karajan]
VG: Às vezes até eu tenho dúvidas.
AM [em inglês, dirigindo-se à então esposa, a pianista filipina Cecile Licad, que o acompanhara no recital]: Eu achei que ele era filipino.
Cecile Licad [interessadíssima, em tagalog]: Você é pinoy? [termo tagalog para “filipino”]
VG [em inglês, porque fala lhufas de tagalog] Sou brasileiro.
CL [sem mais qualquer interesse no semblante]:
AM [em português, rindo]: Acho que ela não gosta de brasileiros [devolvendo-me o CD autografado] Ainda bem que ela me abriu uma exceção…

II
Philharmonie de Colônia, Alemanha, primeira década do século XXI

VG [em português]: Olá, Antonio! Para [o nome do impostor, novamente], por favor.
AM [sorrindo]: Brasileiro tem todas as caras, mesmo! [autografa o programa, em que tocara o primeiro concerto de Haydn]
VG: Há uns dez anos, em Genebra, você achou que eu fosse filipino.
AM: É mesmo? Hoje eu diria que você é japonês!
VG [rindo]: Fui rebaixado?
AM [com um sorriso maroto]: Foi promovido!

[a ficha só cairia depois do Google me contar que Antonio, divorciado de Cecile, se casara com a japonesa Satoko]

III
Sala São Paulo, exatamente cinco 3-de-agostos antes deste último e tão triste 3 de agosto

AM: Oi!
VG: Olá, Antonio! Sou [nome do impostor, uma vez mais].
AM [autografando o programa do concerto da Osesp com a estreia mundial do Concerto para violoncelo de Marlos Nobre, dedicado a ele próprio]: Gostou do concerto?
VG: Adorei!
AM: O Marlos não teve pena de mim, não.
VG: Sou seu fã há décadas, desde que ouvi seu Don Quixote com Karajan.
AM: Que bacana! Obrigado por vir!
VG: Fico imaginando o que era tocar com Karajan.
AM: Karajan era tranquilo. Mas o…
VG: ?
AM [gargalhando e devolvendo o programa autografado]: Deixa quieto…


Não conseguirei escrever seu obituário. Partiu cedo demais e com muito ainda a oferecer ao Som. E, porque eu o sinto vivo, farei com que ele viva também entre os leitores-ouvintes através das três gravações que nos deixou das eudaimônicas suítes do Demiurgo da Música, cada uma delas mais ou menos contemporânea das breves janelas que se me abriram para ele e que me deram a medida da falta que o virtuose da Música e das panelas, professor zeloso e querido amigo fará aos que lhe foram próximos.

Em memória de Antonio Meneses Neto (23 de agosto de 1957, Recife – Basileia, 3 de agosto de 2024).

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Suítes para violoncelo solo, BWV 1007-1012 

No. 1 em Sol maior, BWV 1007
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuets I & II
Gigue

No. 2 em Ré menor, BWV 1008
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuets I & II
Gigue

No. 3 em Dó maior, BWV 1009
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrées I & II
Gigue

No. 4 em Mi bemol maior, BWV 1010
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrées I & II
Gigue

No. 5 em Dó menor, BWV 1011
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue

No. 6 em Ré maior, BWV 1012
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Gavottes I & II
Gigue

Antonio Meneses, violoncelo


Primeiro registro:

Gravado na Sala Casals em Tokyo, Japão,
de 14 a 16 de outubro e em 18 e 19 de dezembro de 1993.

Lançado em 25 de abril de 1994 pelo selo Philips, somente no mercado japonês.

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Segundo registro:

Gravado na Igreja Saint Martin, East Woodhay, Hampshire, Reino Unido, de 2 a 5 de junho de 2004.

Lançada em 2004 pelo selo Avie.

 

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Terceiro registro:

Gravado no Estúdio Arsis de São Paulo (SP) em 2023.

Lançado em 15 de dezembro de 2023 – seu canto do cisne discográfico – pelo selo Azul.

 

 

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Recomendo fortemente que, ao ouvirem estas gravações, escutem também as seis primeiras faixas do álbum a seguir, que servem como preâmbulos às Suítes do Maior de Todos:

Antonio Meneses – Suítes brasileiras

Do saudoso Antonio vocês já me viram postar aqui:

Richard Strauss (1864-1949) – Don Quixote – Till Eulenspiegel – Meneses – Karajan

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violoncelo e piano, Op. 102 [Beethoven – Complete Works for Cello and Piano – Meneses – Pressler]

AM e VG em São Paulo, no último encontro que tiveram

Vassily

In memoriam Antonio Meneses (1957-2024) – 23 de agosto: Dia do Violoncelista Brasileiro

In memoriam Antonio Meneses (1957-2024) – 23 de agosto: Dia do Violoncelista Brasileiro

 

No que seria o sexagésimo sétimo aniversário de Antonio Meneses, eu abraço – com a certeza de que meus colegas também o fazem – a proposta da Associação Brasileira de Violoncelistas (Abracello) de que o 23 de agosto se torne o Dia do Violoncelista Brasileiro. Mais sobre a iniciativa no Instagram da Abracello.

Vassily

 

Dia Internacional da Mulher – Myriam Marbé (1931-1997) – In memoriam

Se já tão pouco se ouve a música de concerto contemporânea nos palcos e plataformas mundo afora, escuta-se ainda menos a obra de suas compositoras – e se Gubaidulina, amplamente considerada a maior entre as que vivem, é menos ouvida que merece e mais admirada que apreciada, que se dirá duma compositora já falecida, que viveu seu período mais produtivo sob o jugo duma ditadura que reprimiu a vanguarda artística de seu país?

Nascida na mesma Bucareste em que passou toda sua vida, a extraordinária Myriam Marbé viveu os duríssimos tempos da Romênia entre guerras, do desastroso alinhamento com o Eixo na Segunda Guerra e, por fim, do isolamento duma ditadura paranoica. Parte da “Geração de Ouro” de compositores romenos – aquela, entre outros, de Ștefan Niculescu e Anatol Vieru -, Marbé estudou com muito interesse a música folclórica de seu país e, tanto quanto pôde, o que faziam seus colegas no restante da Europa, através de partituras e gravações que cruzavam secretamente aquelas estritas fronteiras. Sustentou-se como pianista, editando filmes (!) e dando aulas no Conservatório de sua cidade natal, ainda que nunca tenha conseguido efetivar-se em seu corpo docente devido à recusa em filiar-se ao Partido Comunista. Pelo mesmo motivo, suas composições só eram conhecidas na Romênia em círculos muito restritos, praticamente secretos, pois nada que não fosse aprovado pela Comissão Estatal para Regulamentação da Criação Artística podia ser ouvido em público, e a filiação ao Partido era pré-requisito para tal. Essas imensas dificuldades de congregação, talvez, explicam a notável individualidade de estilos dos compositores daquela vanguarda romena, entre os quais a voz de Marbé é, decididamente, uma das mais distintas.

Mesmo ante tanta repressão, os membros da “Geração de Ouro” foram professores profundamente influentes, e seus alunos que emigravam traziam consigo quase tudo o que o resto do mundo deles soube por muito tempo. As poucas e invariavelmente curtas viagens que Marbé foi autorizada a fazer, sob vigilância estrita de agentes do governo, foram suficientes para que suas obras fossem recebidas com entusiasmo e crivadas de prêmios em outros países, sobretudo na Alemanha. Seu estilo único, inspirado em estruturas arcaicas, no folclore romeno e nas ricas tradições do canto bizantino, explora as possibilidades tímbricas de conjuntos instrumentais muito peculiares e experimenta com a disposição espacial de seus integrantes. Suas obras são praticamente desprovidas de grandes gestos e cacoetes, e tudo soa tão radicalmente livre que parece buscar a abolição do compasso e da própria métrica. Ainda assim, suas composições parecem-me, se me permitem o jogo de palavras, mais extáticas que estáticas e, muito mais que acabar, simplesmente evanescer.

Fui apresentado à sua esplêndida arte através da obra que abre o álbum duplo que lhes trarei a seguir, gravado durante um seminário em sua memória, e que reúne composições de Marbé e de alguns de seus alunos e colaboradores. Eu nada sabia de Trommelbass antes de escutá-la pela primeira vez, e por isso mesmo ela levou-me à lona. Da estranheza trazida pelo seu título (que não traduzirei, para poupar a quem puder de spoilers) a quem inicialmente só escuta o áspero tecido do trio de cordas, até o momento em que o título se justifica e, antes que nos recuperemos da surpresa, percebamos a peça dissipar-se no Éter, a jornada impressiona tanto quanto o contraste entre o impacto que ela nos causa e os sucintos recursos instrumentais empregados. As peças seguintes nada ficam a lhe dever. Adoro Le Jardin Enchanté (“O Jardim Encantado”), aqui executada por sua dedicatária, Carin Levine, que explora os timbres de toda família das flautas, do flautim à flauta contrabaixo, à qual se somam alguns instrumentos de percussão, também a cargo da flautista, dispostos em oito locais diferentes. Le Parabole du Grenier (“A Parábola do Sótão”, uma referência ao “Tratado de Objetos Musicais” de Pierre Schaeffer) também foi composta para um multi-instrumentista, que aqui se reparte entre piano, cravo, celesta, glockenspiel e, ainda, carrilhão. After Nau homenageia Nausicaa, filha única de Myriam, que viveu exilada durante os últimos anos da ditadura de Ceauşescu, com uma rica trama tecida por violoncelo e órgão, a inconfundível exploração tímbrica marbeiana e um notável trabalho de transfiguração (bem mais que variação) de seus temas. Song of Ruth (“Canção de Rute”), uma de suas últimas obras, lança mão de um quinteto de violoncelos para entoar uma salmódia sefardita num estilo afeito ao da Europa Ocidental, numa referência tanto à história bíblica da moabita que veio viver como estrangeira entre os israelitas, quanto às raízes do pai de Marbé, um médico microbiologista que (nenhuma surpresa) quis que ela também fosse médica, do que foi salva pela mãe pianista. Acima de todas, é Le Temps Retrouvé (“O Tempo Reencontrado”) sua composição que mais me entusiasma. O título remete ao último tomo de “Em Busca do Tempo Perdido” de Proust, e o tempo reencontrado, nas palavras da própria compositora, é aquele “livre e longo, que se desenvolve vagarosamente, e não é governado por qualquer indicação específica de andamento, nem por proporções métricas”. Escrita para um coro de voz, flauta doce e violas (de braço e da gamba) na companhia dum cravo, é duma beleza acachapante e, para mim, a mais emblemática dessa mestra maior da Música do século XX. A grandeza e sua obra e sua corajosa resistência a um regime totalitário justificam sua escolha para receber, em nome de todas as mulheres e de suas tantas lutas, nossa homenagem nesse 8 de março – e também, assim esperamos, a atenção de nossos leitores-ouvintes.

Myriam Lucia MARBÉ (1931-1997)

1 – Trommelbass (1985), para trio de cordas e tambor

Katharinen-Trio
Andreas Csibi, tambor

2 – Le Jardin Enchanté (1991), para flautas e percussão ad libitum

Carin Levine, flautas transversas

3 – Le Parabole du Grenier (1975-76), para um intérprete

Cristian Niculescu, piano, cravo, celesta, glockenspiel e carrilhão

4 – Le Temps Retrouvé (1982), para mezzo-soprano, flauta doce, três violas, violas da gamba contralto e tenor e cravo

Maria Jonas, soprano
Jeremias Schwarzer, flauta doce
Thomas Beimel, Larissa Gromotka e Sebastian Thien, violas
Verena Kronseder e Michael Vebert, violas da gamba
Oscar Milani, cravo

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Volker BLUMENTHALER (1951)

1 – Tableaux fugitives (1988) para contralto e orquestra de câmara, sobre texto de Charles Baudelaire

Marion Steingötter, contralto
Kammerensemble der Musikhochschule Nürnberg-Augsburg
Franz Killer, regência

Dinu GHEZZO (1941-2011)

2 – Footsteps of Cassandra (1996), para eletrônicos e três intérpretes

Dinu Ghezzo, piano
Jeremias Schwarzer, flauta doce
Guenter Priesner, saxofone

Thomas BEIMEL (1967-2016)

3 – SAETA (1998), para seis vozes femininas

Vokalsextett der Musikhochschule Nürnberg-Augsburg
Bernd Dietrich, regência

Myriam MARBÉ

4 – After Nau (1987), sonata para violoncelo e órgão

Cornelius Boensch, violoncelo
Gunther Rost, órgão

Violeta DINESCU (1953)

5 – Zeitglocken für Myriam (2000), para duas vozes e conjunto instrumental

Anne-Marie Wirz, declamação
Maria Jonas, mezzo-soprano
Trio Diritto, flautas doces
Carin Levine, flauta transversa
Verena Kronseder e Michael Weber, violas da gamba
Thomas Beimel, Larissa Gromotka e Sebastian Thien, violas
Oscar Milani, cravo

Myriam MARBÉ

6 – Song of Ruth (1997), para cinco violoncelos

Violoncelloquintett der Musikhochschule Nürnberg-Augsburg

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Gravações realizadas entre 18 e 21 de novembro de 2000 na Igreja Santa Martha em Nürnberg, Alemanha, durante o simpósio “Myriam Marbé”, organizado pela Escola Superior de Música Nürnberg-Augsburg.

Meus agradecimentos ao colega itadakimasu, que não só me alcançou gentilmente uma cópia desse raro álbum como também a mim confiou sua divulgação neste blog.

Myriam em Haarlem, Países Baixos, em 1994. Foto de Camilla van Zuylen, fornecida pelo Instituto Sophie Drinker de Bremen, Alemanha, para uso gratuito, com indicação dos direitos autorais para uso em domínio público (https://www.sophie-drinker-institut.de/galerie)

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três Variações sobre uma Valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – Mitsuko Uchida #BTVHN253

 

Admito: quase que não demos os parabéns a Ludwig. Ontem mesmo nosso colega René apontou que o aniversário de quem chamou de vice-padroeiro do blog passara em branco, pelo que resolvi antecipar essa postagem que já tinha no prelo, e ainda em tempo de lhe render homenagem. Afinal, presume-se que Beethoven, batizado em 17 de dezembro de 1770, nasceu um dia antes, mas nem ele próprio sabia em que dia sua querida mãe o trouxera ao mundo, de modo que celebrava seu natalício no dia 17 e, alemão que era, provavelmente não apreciasse a ideia de receber parabéns na véspera, esperando com isso agouros ainda piores que os tantos desgostos que teve na vida.

Não foi só para não fazer desfeitas, entretanto, que lhes apresento esta gravação. Faço-o porque desde que foi lançada, há já ano e meio, ela quase só encontrou, entre um e outro resmunguinho, bramidos de aclamação. Não me importaria com eles, claro, e jamais haveria de compartilhá-la, por óbvio, se um desses bramidos não fosse meu – e porque sim, meus caros, essa leitura de Dame Mitsuko para as Variações Diabelli é realmente transcendental.

Admito, também, enquanto ainda surfo a mesma onda sincericida com que abri essa postagem, que esperava algo bem diferente quando me coloquei a ouvi-la pela primeira vez. Talvez mais o fogo e a fúria com que Mitsuko-san atacara, por exemplo, a leviatânica Hammerklavier, que demonstrações da sabedoria amealhada em quase sete décadas a debulhar os caroços do repertório beethoveniano. Estranhei, por exemplo, as diminutas cisuras na apresentação do tema e a acentuação peculiar dos tempos da valsinha (ou, mais apropriadamente, do Ländler) de Diabelli, só para, algumas variações adiante, ouvir essa acentuação fazer todo sentido, ao reaparecer como um dos poucos elementos reconhecíveis do tema, então  transfigurado por completo. Quando dei por mim, uma fabulosa hora já tinha passado e me vi a recomeçar a jornada com Uchida, a reencontrar a valsinha de Diabelli e reconhecer a coerência sobre-humana que a arte dela concedera àquele longo arco de trinta e três transformações.

[Poucas vezes, aliás – se me permitem não só parênteses, mas também colchetes -, a preferência de Beethoven pelo termo Veränderungen (“transformações”) em lugar do consolidado Variationen para o título da primeira edição soou-me tão sobejamente honrada numa gravação dessa sua última grande obra para piano, testamento da dedicação de uma vida inteira, e desde a tenra idade, tanto ao piano quanto à forma das variações]

Escutei-a inda outra vez – a terceira em sequência -, com a partitura em mãos, e me maravilhei com a atenção da intérprete às indicações precisas de articulação e dinâmica que Beethoven lhe deixou, a despeito de toda minha (agora reconhecia) insensata estranheza inicial. Estava, e isso vocês já perceberam, inteiramente arrebatado pela gravação. Passei então alguns meses sem ouvi-la, para tentar ganhar dela algum distanciamento, e então reencontrá-la, talvez, com ouvidos mais críticos. Teria eu, perguntava-me, embriagado pelo hype dos bramidos supracitados, realmente exagerado em minha reação? Ou teria tão só, doente de tanta dor, doideira e feiúra que testemunhara no Brasil dos anos anteriores, me deixado emocionar por um encontro schopenhaueriano com a Arte ante o sofrimento da vida?

“Não”, respondi – e foi um “não” tão cabal, e tanto, e a tal ponto, que hesito até em revisitar as minhas gravações outrora prediletas das Diabelli. Teriam sido elas menos convincentes? Não lhes sei responder. Talvez haja algumas com mais colorido, ademais fundamental para sustentar quase uma hora toda em Dó maior (pois apenas quatro das variações, todas no final da série, não são nessa tonalidade), mas, se aqui a cores não faltam, tampouco Mitsuko-san as exagera. Talvez outras realcem mais os bruscos contrastes de temperamento que permeiam, com sugestões da legendária rabugice do compositor, a maior parte da obra. Uchida, sabiamente, consegue realçar tais contrastes e o abundante humor da partitura sem que isso soe como histrionismo raso. Mais ainda: ela supera sem taquicardias aparentes as medonhas exigências técnicas para nos oferecer uma sequência de tours de force que jamais exaspera  e nos deixa, ao final de cada variação, sempre doidos de vontade pelo que vem a seguir (e sua maestria é tamanha que eu convido os leitores-ouvintes a perceberem que até as durações dos intervalos entre as variações parecem escolhidos à perfeição).

Ouço-a uma vez mais, enquanto preparo esta postagem, e ela me reforça a impressão de que esse registro está para esse K-2 (e não Everest, porque é ainda mais repleto de despenhadeiros) da literatura pianística como a lendária gravação de Carlos Kleiber está para a Quinta do renano: uma interpretação reveladora, tão rica em atenção ao detalhe, ao pulso e à arquitetura de uma obra-prima que nos fará ouvir com ouvidos novos, e ainda mais aguçados, tudo o que vier depois.

Mesmo depois de tanta rasgação de seda, não serei capaz de recomendar-lhes essa gravação o bastante. Reconheço que há poucos frutos mais espinhudos dos visionários anos finais da carreira de Beethoven (sim, Grosse Fuge: estou olhando para ti!) e que as Diabelli são de difícil digestão a muitos ouvintes. Convido-os, ainda assim, a arriscar o repasto: talvez o que lhes tenha faltado até hoje, enfim, fosse alguém com os afiados dedos de Uchida para perfurar-lhe a carapaça e remover-lhe os caroços.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
1 – Tema: Vivace
2 – Variação I: Alla marcia maestoso
3 – Variação II: Poco allegro
4 – Variação III: L’istesso tempo
5 – Variação IV: Un poco più vivace
6 – Variação V: Allegro vivace
7 – Variação VI: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variação VII: Un poco più allegro
9 – Variação VIII: Poco vivace
10 – Variação IX: Allegro pesante e risoluto
11 – Variação X: Presto
12 – Variação XI: Allegretto
13 – Variação XII: Un poco più moto
14 – Variação XIII: Vivace
15 – Variação XIV: Grave e maestoso
16 – Variação XV: Presto scherzando
17 – Variação XVI: Allegro
18 – Variação XVII: Allegro
19 – Variação XVIII: Poco moderato
20 – Variação XIX: Presto
21 – Variação XX: Andante
22 – Variação XXI: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variação XXII: Allegro molto, alla «Notte e giorno faticar» di Mozart
24 – Variação XXIII: Allegro assai
25 – Variação XXIV: Fughetta (Andante)
26 – Variação XXV: Allegro
27 – Variação XXVI: (Piacevole)
28 – Variação XXVII: Vivace
29 – Variação XXVIII: Allegro
30 – Variação XXIX: Adagio ma non troppo
31 – Variação XXX: Andante, sempre cantabile
32 – Variação XXXI: Largo, molto espressivo
33 – Variação XXXII: Fuga: Allegro
34 – Variação XXXIII: Tempo di Menuetto moderato

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Mitsuko Uchida, piano

Outra sugestão de René Denon

Vassily

O Mestre Relembrado – Antonio Guedes Barbosa, 80 anos

Há oitenta anos, Antonio Guedes Barbosa nascia na capital da Paraíba. Sua trajetória, desde sua João Pessoa – lá na proa das Américas, onde o sol lhes nasce primeiro – até os mais míticos palcos do mundo, foi desgraçadamente interrompida pelo infarto que o tirou de nós e de sua arte antes que completasse cinquenta anos.

Além de queridas lembranças para quem o conheceu como familiar ou amigo, da gratidão de quem o teve como professor, e da impressão mais profunda em quem teve o privilégio de escutá-lo ao vivo, Antonio legou-nos um pequeno tesouro discográfico, que resgatamos lenta e devotamente ao longo da série de publicações que já lhe consagramos por aqui.

Quando a começamos, e nisso já se vão mais de oito anos, não o fizemos sem resmungos. O mestre pessoense do teclado, afinal, de interpretações tão lapidares e som granítico, parecia esquecido. Depois que lançamos a primeira publicação, os comentários que recebemos foram unânimes em apontar-lhe tanto a grandeza quanto o inexplicável oblívio – para espanto até de um certo rapaz nova-iorquino, de sobrenome Perahia, que, segundo consta, também toca direitinho o piano.

Desde então, felizmente, algo mudou. O mundo e o som, por óbvio, seguem tristes sem Antonio, assim como tristes seguimos nós a imaginar – porque isso é tudo o que podemos, infelizmente – as belezas tantas que ele teria cometido ao longo desses trinta anos. Entre um lamento e outro, no entanto, fomos trazendo sua discografia, que estava toda fora de catálogo, para o acervo deste blog, até que ela fosse quase (mais sobre esse “quase” logo adiante) toda resgatada e disponibilizada aqui – o que jamais teríamos conseguido sem a colaboração decisiva de alguns de seus fãs no Brasil e no exterior, que preferem permanecer anônimos, e a quem nunca conseguiremos ser gratos o bastante.

Melhor ainda: a família do Mestre confiou o acervo do artista ao Instituto Piano Brasileiro (ainda não apoia o IPB? Pois faça-o JÁ!), que o está digitalizando com o zelo customeiro para, sob a curadoria de seu diretor, Alexandre Dias, disponibilizá-lo para o público. Por ora, o mundo que tanto pranteia o Mestre já pode se assombrar com a playlist de gravações inéditas divulgadas pelo IPB, que prova que o repertório dele era ainda mais vasto e complexo do que já se sabia.

Para celebrar os oitenta anos de Antonio, rendo-lhe uma homenagem que corrige um lapso e alcança-lhes um presente.

O lapso que corrijo foi o de ter, presunçosamente, dado por completa a tarefa de publicar a discografia do Mestre. Tolinho que sou, chamei de epílogo o capítulo XIII da série, para só perceber que errara feio, que errara rude, e que faltara aquela sua gravação mais difícil de encontrar, cuja raridade só reflete o contexto invulgar, com toques de esdruxulidade, em que foi feita.

O invulgar? Reunirem-se num mesmo palco, em 1979, a Orquestra Sinfônica Brasileira, sob seu titular Isaac Karabtchevsky, e cinco dos maiores pianistas brasileiros – Antonio, Arthur Moreira Lima, Nelson Freire, João Carlos Martins e Jacques Klein -, e todos tocarem o raríssimo arranjo para seis pianos, provavelmente feito por Czerny, do Héxameron que Liszt compôs em colaboração com o restante do panteão pianístico parisiense de sua época.

O toque esdrúxulo? Que o sexto piano fosse tocado não por um concertista, e sim por Paulo Maluf, então governador de São Paulo, que, instigado por uma récita desse arranjo do Héxameron no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em novembro de 1979, resolveu organizar uma outra no Anhembi. E foi além, modificando o rol de solistas: substituiu Yara Bernette e Fernando Lopes, que tinham tocado no Rio, por seu amigo, o grande João Carlos Martins, e por ele próprio, tocando seus solos num arranjo em que as dificuldades pianísticas sobraram para Arthur Moreira Lima.

É ouvir para crer.

Franz LISZT (1811-1886)
Hexaméron, Morceau de concert,
 sobre a Marcha de “I Puritani” de Bellini, S. 392
composto em colaboração com Sigismond THALBERG (1812-1871),  Johann Peter PIXIS (1788-1874), Heinrich HERZ (1803-1888), Carl CZERNY (1791-1857) e Fryderyk CHOPIN (1810-1849)

1 – Introduction: Extremement lent (Liszt)
2 – Tema: Allegro marziale (transcrito por Liszt)
3 – Variation I: Ben marcato (Thalberg)
4 – Variation II: Moderato (Liszt)
5 – Variation III: di bravura (Pixis)
6 – Ritornello (Liszt)
7 – Variation IV: Legato e grazioso (Herz)
8 – Variation V: Vivo e brillante (Czerny)
9 – Fuocoso molto energico; Lento quasi recitativo (Liszt)
10 – Variation VI: Largo (Chopin)
11 – Coda (Liszt)
12 – Finale: Molto vivace quasi prestissimo (Liszt)

Antonio Guedes Barbosa (2, 3, 12), Arthur Moreira Lima (1, 2, 4, 9, 10, 11, 12), , Jacques Klein (2, 8, 12), João Carlos Martins (2, 5, 12), Nelson Freire (2, 7, 12), Paulo Salim Maluf (2, 10, 12), pianos
Orquestra Sinfônica Brasileira
Isaac Karatchevsky,
regência

Gravado no Palácio das Convenções do Anhembi (SP) em 15 de dezembro de 1979.

Nota: A identificação das partes correspondentes a cada pianista baseou-se na publicação desta gravação pelo Instituto Piano Brasileiro, cujo primoroso trabalho de pesquisa, curadoria e divulgação capitaneado pelo incansável Alexandre Dias cada um de nós deveria apoiar.

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Encontre o estranho no ninho (e, sim, erraram o nome de Antonio)

Por fim, o presente.

Numa discografia tão pequena, inda que fabulosa, como a de Antonio, chama atenção que ele nos tenha legado duas integrais das mazurcas de Chopin. Suas leituras delas são realmente impressionantes e demonstram sua maestria sobre as complexidades rítmicas dessa aparentemente ingênua dança polonesa, uma Costa dos Esqueletos musical em que já naufragaram tantos virtuoses.

Esqueçam, no entanto, minha desimportante opinião, e atentem para as desses dois rapazes:

Estimado Sr. Rodrigues [Presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro],
Escrevo-lhe com o propósito de comunicar-lhe direta e pessoalmente minha opinião, reiterada publicamente várias vezes, sobre Antonio Barbosa, a quem considero entre os cinco maiores pianistas de sua geração.
Seria muito conveniente e necessário que as autoridades e instituições oficiais do Brasil dessem toda sua a ajuda a este extraordinário artista – do qual seu país natal pode sentir-se legitimamente orgulhoso -, contribuindo assim para impulsionar sua carreira num nível internacional.

Cordialmente,

Claudio Arrau

 


A quem possa interessar: ouvi pessoalmente Antonio Barbosa tocar as mazurcas de Chopin, e gostei muito mesmo de sua interpretação.

Sinto que sua interpretação dessas peças merece uma grande gravação.

Sinceramente,
Vladimir Horowitz


Alguém resolveu lhes dar ouvidos, e, para nossa alegria, a primeira gravação de Antonio a tocar as mazurcas aconteceria naquele mesmo 1983 em que o tal Arrau se manifestou. A alegria, no entanto, teve algo de agridoce, dada a distribuição muito limitada do álbum triplo, do qual restam alguns poucos exemplares, quase invariavelmente muito deteriorados. Hoje, quarenta anos depois de seu lançamento, temos o prazer de devolver à alegria sua plena doçura, compartilhando uma restauração primorosa da gravação do Mestre, a quem homenageamos com admiração e saudades imorredouras nos oitenta anos de seu nascimento.


Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)

AS 51 MAZURCAS

LP 1

Quatro Mazurcas para piano, Op. 6
1 – No. 1 em Fá sustenido menor
2 – No. 2 em Dó sustenido menor
3 – No. 3 em Mi maior
4 –  No. 4 em Mi bemol menor

Cinco Mazurcas para piano, Op. 7
5 – No. 1 em Si maior
6 – No. 2 em Lá menor
7 – No. 3 em Fá menor
8 – No. 4 em Lá bemol maior
9 – No. 5 em Dó Maior

Quatro Mazurcas para piano, Op. 17
10 – No. 1 em Si maior
11 – No. 2 em Mi menor
12 – No. 3 em Lá bemol maior
13 – No. 4 em Lá menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 24
14 – No. 1 em Sol menor
15 – No. 2 em Dó maior
16 – No. 3 em Lá bemol maior
17 – No. 4 em Si bemol menor

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LP 2

Quatro Mazurcas para piano, Op. 30
1 – No. 1 em Dó menor
2 – No. 2 em Si menor
3 – No. 3 em Ré bemol maior
4 – No. 4 em Dó sustenido menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 33
5 – No. 1 em Sol sustenido menor
6 – No. 2 em Dó maior
7 – No. 3 em Ré maior
8 – No. 4 em Si menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 41
9 – No. 1 em Mi menor
10 – No. 2 em Si maior
11 – No. 3 em Lá bemol maior
12 – No. 4 em Dó sustenido menor

Três  Mazurcas para piano, Op. 50
13 – No. 1 em Sol maior
14 – No. 2 em Lá bemol maior
15 – No. 3 em Sol sustenido menor

Das Três Mazurcas para piano, Op. 56
16 – No. 1 em Si maior

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LP 3

Das Três Mazurcas para piano, Op. 56
1 – No. 2 em Dó maior
2 – No. 3 em Dó menor

Três Mazurcas para piano, Op. 59
3 – No. 1 em Lá menor
4 – No. 2 em Lá bemol maior
5 – No. 3 em Fá sustenido menor
Três Mazurcas para piano, Op. 63
6 – No. 1 em Si maior
7– No. 2 em Fá menor
8 – No. 3 em Dó sustenido menor

9 – Mazurca em Lá menor, Op. póstumo
10 – Mazurca em Lá menor, ‘Notre Temps’

Quatro Mazurcas para piano, Op. 67
11 – No. 1 em Sol maior
12 – No. 2 em Sol menor
13 – No. 3 em Dó maior
14 – No. 4 em Lá menor

Quatro Mazurcas para piano, Op. 68
15 – No. 1 em Dó maior
16 – No. 2 em Lá menor
17– No. 3 em Fá maior
18 – No. 4 em Fá maior

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Antonio Guedes Barbosa, piano
Gravações feitas no Estúdio Intersom (São Paulo), em 1983
LPs distribuídos em 1983, em circulação limitada, pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Todas as imagens usadas nesta publicação provêm do acervo do artista, doado por sua família ao Instituto Piano Brasileiro, que gentilmente autorizou sua divulgação.


Antes que nos chamem de mentirosos, assumimos que a discografia de Antonio ainda não está completa aqui no PQP Bach: pelos motivos aqui expostos, esta segunda de suas duas leituras das Bachianas Brasileiras n° 4 de Villa-Lobos só pode ser ouvida em outros sítios, como o acima. Mas não desistiremos – voltaremos ao assunto em 2030 [gargalhada insana]

 

Ao Mestre, com carinho

Vassily

Dia Internacional do Orgulho – Uma celebração do legado de artistas LGBTQIA+

Ainda assopro as feridas e conto os hematomas das trevas de que ora emergimos, enquanto ardo em sanhas de justiça às vítimas dos anos mortíferos em que a ignorância e a truculência foram políticas de Estado no Brasil. Nesse contexto pós-traumático, e instigado pela iniciativa de minha alma mater, eu saúdo e celebro o Dia Internacional do Orgulho trazendo-lhes um punhadinho das muitas lindezas legadas ao mundo por compositores LGBTQIA+.

Uma seleção assim jamais poderá ser inclusiva o bastante para o imenso escopo dessa homenagem, pelo que lhes peço desculpas antecipadas pelas necessárias omissões. Ainda assim, faço questão de oferecê-la à totalidade de vocês – tanto a quem está do lado de cá da luta quanto a quem, desgraçadamente, a rechaça pelos motivos mesmos  que a tornam tão necessária. Se a Arte, afinal, é livre, o legado dessa linda gente também é – e deve chegar a todos, mesmo a quem lhes quer dar pontapés.

E a quem é indiferente essa luta diuturna por crer que ela não seja sua, lembro as palavras de Audre Lorde – mulher, lésbica e preta – sobre os grilhões impostos pelo racismo e o machismo…


Não serei livre enquanto alguma mulher não for livre, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas. E não estarei livre enquanto qualquer pessoa de cor estiver acorrentada – e nem estará qualquer de vocês”


… e os convido a constatarem que, pelos mesmos motivos, todos os seres humanos privados de quaisquer de seus direitos fundamentais merecem essa luta, e que ela, portanto, é de todos nós.

Celebremos e protestemos, protejamos e respeitemos – e melhoremos, sempre.

Vassily


A londrina Ethel Smyth (1858-1944) sempre seguiu briosamente seus próprios rumos, o que implicou, como sói acontecer com as mulheres desde bem antes de seus tempos, uma vida de rompimentos: com o pai (que a proibiu de estudar Música), com a sociedade (que dela esperava casamento com um homem e uma penca de filhos) e com o governo (que a impedia, assim como todas as mulheres, de qualquer atividade política). Ethel foi uma ativa sufragista, que compôs o hino do movimento e chegou a ser presa por depredar um prédio público de onde um burocrata afirmara que mulheres só poderiam votar se fossem “submissas como a minha”. Essa criatura porreta estreia no PQP Bach com três álbuns: uma seleção de suas numerosas peças vocais, muitas delas cantadas em alemão, graças a sua temporada de estudos no Conservatório de Leipzig; um robusto trio e sonatas para violino e violoncelo, todos com piano; e sua obra mais inclassificável, The Prison, uma espécie de sinfonia-oratório (pois vocês ouvirão que é muito mais que isso) em que um prisioneiro (baixo-barítono) que contempla o suicídio divaga com sua alma (soprano), que tenta lhe trazer conforto, entre comentários metafísicos do coro.

Quatro canções para voz e orquestra de câmara
Lieder und Balladen, Op. 3
Lieder, Op.4
Três canções

Lucy Stevens, contralto
Elizabeth Marcus, piano
Berkeley Ensemble
Odaline de la Martinez, regência

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Trio para piano, violino e violoncelo em Ré menor
Sonata para violino e piano em Lá menor, Op. 7
Sonata para violoncelo e piano em Lá menor, Op. 5

Chagall Trio:
Nikoline Kraamwinkel, violino
Tim Gill, violoncelo
Julian Rolton, piano

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The Prison, para solistas, coro e orquestra (1930)

Sarah Brailey, soprano
Dashon Burton, baixo-barítono
Experiential Orchestra and Chorus
James Blachly, regência

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Hans Werner Henze (1926-2012), perseguido em sua Alemanha natal por ser gay e marxista, radicou-se na Itália, onde filiou-se ao Partido Comunista e desenvolveu sua carreira, retornando posteriormente a seu país de origem. Sua variada, riquíssima produção torna especialmente complicada a tarefa de escolher uma fatia que lhe seja mais representativa, de modo que escolhi oferecer-lhes três: a primeira com suas sinfonias de 1 a 6, conduzidas por ele próprio; a seguinte com sua leitura para o oratório Das Floß der Medusa (“A Balsa de Medusa”), inspirado numa célebre pintura mas, em verdade, composto como um réquiem para Ernesto “Che” Guevara, o que levou alguns descontentes a impedirem  sua estreia em Hamburgo, em 1968; e a trilha sonora para o filme “Um Amor de Swann”, inspirado no romance de Proust, que eu adorei desde a primeira audição e só descobri ser de Henze ao revisitá-la recentemente.

Sinfonia no. 1 (1947)
Sinfonia no. 2 (1949)
Sinfonia no. 3 (1949-50)
Sinfonia no. 4 (1955)
Sinfonia no. 5 (1962)
Sinfonia no. 6 (1969)

Berliner Philharmoniker
London Symphony Orchestra (sinfonia no. 6)
Hans Werner Henze, regência

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Das Floß der Medusa, oratório para solistas, coro e orquestra (1968)

Charles Régnier, narrador
Edda Moser, soprano
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Chor des Norddeutschen Rundfunks
RIAS-Kammerchor Chorus
Mitglieder Des Hamburger Knabenchores St. Nikolai
Symphonie-Orchester Des Norddeutschen Rundfunks
Hans Werner Henze, regência

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Trilha sonora original para o filme Ein Liebe von Swann, de Völker Schlöndorff (1984)

Orchestre Symphonique de la Radio Bâle
Hans Werner Henze, regência

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Ninguém estava melhor preparada que Wendy Carlos (1939) para trazer o sintetizador para a ribalta: diplomas em Música e Física, longa experiência em estúdios, colaborações com Robert Moog, inventor do sintetizador homônimo, e uma combinação incomum de meticulosidade e perseverança que a fez, entre outras proezas, montar um estúdio repleto de inventos e cheinho de soluções. Mesmo assim, quando Switched-On Bach  (1968) tornou-se o surpreendente maremoto de sucesso que vendeu mais de um milhão de cópias e fez ninguém menos que Glenn Gould chamá-lo de “uma das conquistas mais surpreendentes da indústria fonográfica nesta geração e certamente um dos grandes feitos na história da performance de teclado”, a mui discreta Wendy viu-se jogada ao escrutínio do mundo – e em plena transição. Os fãs pediram mais, e o mundo acabou ganhando outros volumes Switched-On, que acabaram eclipsando outras vertentes do trabalho dela, como a composição de trilhas sonoras (mais famosamente para “A Laranja Mecânica” e “O Iluminado”, do genial e complicadinho Stanley Kubrick, que aproveitou nos filmes muito pouco do que Wendy lhe criou) e seu verdadeiro xodó, suas composições originais que exploram, em altos voos, os recursos que ela própria tanto ajudou a expandir no instrumento. Homenageio esta visionária, brilhante criatura com três álbuns que cobrem o escopo das décadas seguintes a Switched-On Bach : Sonic Seasonings (1972), volume duplo com quatro peças inspiradas nas estações do ano; Digital Moonscapes (1984), em que ela emula uma grande orquestra sinfônica em peças inspiradas em Astronomia, outra de suas paixões; e o eletrizante Tales of Heaven and Hell (1998), uma jornada sônica por um inferno pós-dantesco e neoboschiano. Aproveito o ensejo para fazer-lhes um convite para visitar seu site oficial, deliciosamente antiquado (mesmo porque não é atualizado desde 2009!), com muitas colaborações da própria Wendy, na esperança de que um influxo de visitantes faça a genial reclusa pelo menos  reaparecer para nos dar um oi 🙂

Spring
Summer
Fall
Winter
Winter (Outtake)
Aurora Borealis
Midnight Sun

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Cosmological Impressions
Genesis – Eden – I.C. (Intergalactic Communications)

Moonscapes
Luna – Phobos and Deimos – Ganymede – Europa  – Io – Callisto – Rhea – Titan -Iapetus

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Transitional
HeavenScent
Clockwork Black
City of Temptation
Memories
Afterlife
Seraphim

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BÔNUS:
de lambujem, alcanço-lhes também o único álbum infantil composto por Wendy, lançado em 1988, numa colaboração com outra figura única – Weird Al Yankovic. As tramas de “Pedro e o Lobo” e “O Carnaval dos Animais” são aqui recontadas sem uma nota sequer de Prokofiev e Saint-Saëns, com música totalmente nova e alguns aditivos curiosos, como o peculiar instrumento usado por Pedro para capturar o lobo, e alguns seres tão invulgares quanto os intérpretes, como o aardvark e o unicórnio. É ouvir para crer.

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Dia Internacional do Orgulho – Um convite da Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), minha querida alma mater, encheu-me de orgulho ao tornar a mítica Elza Soares doutora honoris causa em plena era de trevas, e antes mesmo da era da morte, vaticinada por um comentarista da homenagem que fiz a Elza: “Tamanho inverno, como estamos passando, ainda matará muita vida, mas há de passar”. Pois, se o inverno passou, ficaram suas sequelas, e seguem bem vivos os violentos e intolerantes ventos que nos levaram a ele. Por isso, saúdo a iniciativa da alma mater de marcar o 54° aniversário dos levantes de Stonewall e o Dia Internacional do Orgulho com a celebração, em sua rádio, da música e da trajetória de artistas LGBTQIAPN+.

Enquanto prometo voltar mais tarde com uma postagem, estendo-lhes o convite feito pela Universidade:

“Nesta quarta-feira, 28 de junho, a Rádio da Universidade apresenta o “Especial LGBTQIAPN+”. Ocupando praticamente toda a sua programação, o especial é um convite da emissora à celebração e uma forma de chamar atenção para a importância desta data, o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+.

🏳️‍🌈 A seleção musical, organizada em sete blocos temáticos, cada um com um texto introdutório, traz mais de 60 obras de musicistas LGBTQIAPN+, do século XVI aos nossos dias, totalizando mais de 40 nomes! Dentre os blocos, estão: “Wendy Carlos, mulher trans, compositora e pioneira da música eletrônica”, “Musicistas LGBTQIAPN+ do passado: compondo e lidando com o preconceito” e “Anos 80-90: o impacto do fantasma da AIDS no trabalho de compositores gays”.

📌 Confira, na quarta-feira, dia 28, a partir das 7h da manhã, nos 1080 AM [na região de Porto Alegre] ou em www.radio.ufrgs.br. A programação do especial está disponível em https://www.ufrgs.br/radio/programacao/.

Créditos da programação musical do Especial:
Coordenação, pesquisa, seleção musical e textos: Cláudio Remião.
Locução: Cláudia Rocca e Liz de Bortoli
Técnica: Jorge D’ávila, Luiz Fogassi e Vladimir Fontoura.
Apoio na divulgação: Mariana Sirena”

 

 

Vassily

Viva a Rainha! – As Idades de Marthinha: a Nona Década (2021-) [Martha Argerich, 82 anos]

1941-1950 | 1951-1960 | 1961-1970 | 1971-1980 | 1981-1990 | 1991-2000 | 2001-2010 | 2011-2020 | 2021-

Celebramos mais um aniversário da Rainha, e ela não dá sinais de arrefecer o radiador. Vá lá, volta e meia a assombrosa octogenária nos dá um susto, só para daí voltar com tudo – cancelando um concerto ou outro, naturalmente, como sói acontecer desde que Martha é Martha – e nos fazer sonhar com mais uma década todinha (a nona de sua vida, e a oitava como pianista) com ela a forrar nossos tímpanos de deleite.

Já é meu bem surrado costume cantar-lhe parabéns pelo cumple e celebrar a data gaiatamente, compartilhando presentes gravados pela própria aniversariante. Marthinha segue tão ativa fazendo música  quanto afastada dos estúdios, de modo que todos os novos registros de sua arte, como há já algumas décadas, provêm somente de apresentações ao vivo. Entre as adições à discografia marthinhiana lançadas desde o 5 de junho passado – as quais passo a lhes oferecer a seguir -, apenas uma foi gravada, conforme a promessa do título desta postagem, na nona década de vida da Rainha. Trata-se de um recital em duo com o violinista Renaud Capuçon, gravado no ano passado, em que ela nos serve algumas de suas especialidades: além de uma das sonatas de Schumann, que a mantém entre os poucos grandes intérpretes a prestigiá-las em
seu repertório, ela demonstra seguir afiada como sempre na realização das eletrizantes partes pianísticas da “Kreutzer” e da sonata de Franck.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Sonata para violino e piano no. 1 em Lá menor, Op. 105
1 – Mit leidenschaftlichem Ausdruck
2 – Allegretto
3 – Lebhaft

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para violino e piano no. 9 em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
4 – Adagio sostenuto – Presto
5 – Andante con variazioni
6 – Finale. Presto

César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890)
Sonata em Lá maior para violino e piano
7 – Allegretto ben moderato
8 – Allegro
9 – Recitativo – Fantasia. Ben moderato
10 – Allegretto poco mosso

Renaud Capuçon, violino

Gravado ao vivo no Grand Théâtre de Provence em Aix-en Provence (França) em 22 de abril de 2022.

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Johann Sebastian Bach (1685-1750): Das wohltemperierte Klavier, livro I – Pierre Hantaï [O Teclado bem Temperado, 300 anos] #WTC300

Das Wohltemperirte Clavier
oder
Præludia, und
Fugen durch alle Tone und Semitonia,
so wohl tertiam majorem oder Ut Re Mi anlan-gend, als auch tertiam minorem oder Re
Mi Fa betreffend. Zum
Nutzen und Gebrauch der Lehrbegierigen
Musicalischen Jugend, als auch derer in diesem stu-
dio schon habil seyenden besonderem
Zeitvertreib auffgesetzet
und verfertiget von
Johann Sebastian Bach.
p.t. Hochfürstlich
Anhalt-Cöthenischen Capel-
Meistern und Di-
rectore derer Camer Mu-
siquen
Anno 1722. 
ooOoo


[“O Teclado bem Temperado, ou Prelúdios e fugas através de todos os tons e semitons, tanto sobre terças maiores ou Dó Ré Mi, quanto sobre terças menores ou Ré Mi Fá. Idealizado e preparado para o benefício e uso da juventude musical ávida por aprender, bem como para o passatempo dos já qualificados neste estudo, por Johann Sebastian Bach, pro tempore Mestre de Capela da Corte Principesca de Anhalt-Cöthen e Diretor de sua Música de Câmara. Ano 1722″]


Em 1722, o príncipe Leopold de Anhalt-Cöthen, patrão de Bach e melômano inveterado, casou-se com uma senhora pouquíssimo afeita às artes, e o Demiurgo da Música, talvez já ouvindo chiar a banha em que seria frito, resolveu buscar novos rumos para si e sua já numerosa prole. Seu próximo emprego, como sabemos,  seria o de Thomaskantor em Leipzig e o último de sua vida, e enquanto iniciava as tratativas para a mudança e lidava com a ocupadíssima rotina de compor e ensaiar música instrumental para o recém-casado empregador, nosso incansável herói achou tempo para trazer a público uma coleção de vinte e quatro prelúdios e fugas, em todas tonalidades maiores e menores, muitos dos quais composições anteriores retrabalhadas, transportas e expandidas, sob o título que todos já conhecemos, e que doravante preferirei, de maneira talvez antipática, provavelmente purista, mas sem dúvidas atenta ao original, chamar de “O Teclado bem Temperado”, ou TbT (e notem que, se daqui por diante eu usarei o termo “publicação”, esta foi tão só no sentido de torná-la pública, pois a obra seria conhecida somente por manuscritos, entusiasticamente copiados e compartilhados tanto por diletantes quanto por mestres, até seu encontro com a prensa, mais de meio século depois).

2022, por sua vez, e entre tantas outras coisas, marca tanto o tricentenário da publicação do primeiro volume d’O TbT quanto meu descalabro em deixar para o apagar das luzes do ano minha postagem alusiva à efeméride. Poderia alegar, como contribuinte cada vez mais bissexto deste blog, a estafa decorrente da devoção à mais sensacional das octogenárias – ou, como todo brasileiro, os paraefeitos do tremendo moedor de carne que se tornou respirar neste covidári…, er, atribulado país. Mas, nah: ninguém ligará para isso, muito menos para mim, e quiçá ninguém mesmo me lerá antes de 2023 – nem eu próprio, elevado que estarei à mesosfera pelo simples fato de despertar num Brasil em que ser boçal, racista e misógino (para deixar por pouco) não será mais política de Estado. Assim, enquanto os deixo na companhia de Pierre Hantaï, esse Midas do cravo que parece saído duma pintura de El Greco e cujo som maravilhoso conjura truques e feitiços de que ninguém mais parecer capaz em seu instrumento, faço-lhes a frouxa, inda que sincera, promessa de inaugurar com essa postagem uma série dedicada ao que de mais melífluo e significativo a discografia d’O TbT trouxe aos embrutecidos ouvidos do homem – e tão genuína quanto será minha alegria por encontrar, vivo, a primeira luz de 2023.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Das wohltemperierte Klavier (O Teclado Bem Temperado), Prelúdios e Fugas sobre todas as tonalidades maiores e menores, Primeiro Livro, BWV 846-869

01-02 – Prelúdio e Fuga em Dó maior, BWV 846
03-04 – Prelúdio e Fuga em Dó menor, BWV 847
05-06 – Prelúdio e Fuga em Dó sustenido maior, BWV 848
07-08 – Prelúdio e Fuga em Dó sustenido menor, BWV 849
09-10 – Prelúdio e Fuga em Ré maior, BWV 850
11-12 – Prelúdio e Fuga em Ré menor, BWV 851
13-14 – Prelúdio e Fuga em Mi bemol maior, BWV 852
15-16 – Prelúdio e Fuga em Mi bemol menor, BWV 853
17-18 – Prelúdio e Fuga em Mi maior, BWV 854
19-20 – Prelúdio e Fuga em Mi menor, BWV 855
21-22 – Prelúdio e Fuga em Fá maior, BWV 856
23-24 – Prelúdio e Fuga em Fá menor, BWV 857
25-26 – Prelúdio e Fuga em Fá sustenido maior, BWV 858
27-28 – Prelúdio e Fuga em Fá sustenido menor, BWV 859
29-30 – Prelúdio e Fuga em Sol maior, BWV 860
31-32 – Prelúdio e Fuga em Sol menor, BWV 861
33-34 – Prelúdio e Fuga em Lá bemol maior, BWV 862
35-36 – Prelúdio e Fuga em Sol sustenido menor, BWV 863
37-38 – Prelúdio e Fuga em Lá maior, BWV 864
39-40 – Prelúdio e Fuga em Lá menor, BWV 865
41-42 – Prelúdio e Fuga em Si bemol maior, BWV 866
43-44 – Prelúdio e Fuga em Si bemol menor, BWV 867
45-46 – Prelúdio e Fuga em Si maior, BWV 868
47-48 – Prelúdio e Fuga em Si menor, BWV 869

Pierre Hantaï, cravo

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Vassily

.: interlúdio :. Ellington – Strayhorn – Tchaikovsky – The Nutcracker Suites

Tentar atender um chavão como postar “O Quebra-Nozes” no Natal ao mesmo tempo que se o subverte marotamente é puro sumo deste blogue, pelo que resolvi trazer-lhes hoje estas gravações. Se certamente há na discografia de “Duke” álbuns mais brilhantes, também há muita beleza e humor nessas transmutações do balé de Tchaikovsky que fizeram tanto e tão tremendo sucesso em sua época quanto foram rapidamente esquecidas entre os jorros da cornucópia criativa de Ellington. Digno de nota é o destaque então inédito dado a seu braço direito: o incansável Billy Strayhorn, compositor de “Take the ‘A’ Train” e de “Chelsea Bridge”, excelente pianista e, sobretudo, arranjador responsável por muito do que de imediatamente reconhecível há no som de “Duke” e sua orquestra. Seu sobrenome aparece, merecidamente, entre os de “Duke” e Pyotr na capa do LP original, da mesma forma que seu nome ganha as mesmas maiúsculas que o dos colegas mais velhos na capa do álbum que lhes apresentamos na sequência, aquele que interrompeu inacreditáveis cinquenta anos até que tivessem a ideia de lançar o “Quebra-Nozes” de Tchai ao lado de sua suingueira recriação pelos talentos do Novo Mundo.


THE NUTCRACKER SUITE (1960)
Ellington – Strayhorn – Tchaikovsky

Música de Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893)
Arranjos de Duke Ellington e Billy Strayhorn

1 – Overture
2 – Toot Toot Tootie Toot (Dance of the Reed-Pipes)
3 – Peanut Brittle Brigade (March)
4 – Sugar Rum Cherry (Dance of the Sugar-Plum Fairy)
5 – Entr’acte
6 – Volga Vouty (Russian Dance)
7 – Chinoiserie (Chinese Dance)
8 – Danse of the Floreadores (Waltz of the Flowers)
9 – Arabesque Cookie (Arabian Dance)

Duke Ellington, piano
Willie Cook, Fats Ford, Ray Nance e Clark Terry, trompetes
Lawrence Brown, Booty Wood e Britt Woodman, trombones
Juan Tizol, trombone valvulado
Jimmy Hamilton, clarinete e sax tenor
Johnny Hodges, sax contralto
Russell Procope, sax contralto e clarinet
Paul Gonsalves, sax tenor
Harry Carney, sax barítono, clarinete e clarone
Aaron Bell, contrabaixo
Sam Woodyard, bateria

Gravado em 26 e 31 de maio e 3, 21 e 22 de junho de 1960 nos estúdios Radio Recorders, Los Angeles, Estados Unidos.

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NUTCRACKER SUITES (2013)
Harmonie Ensemble New York

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Suíte do balé Shchelkuntchik (“O Quebra-Nozes”), Op. 71a
1 – Abertura
2 – Marcha
3 – Dança da Fada Açucarada
4 – Trépak (Dança Russa)
5 – Dança Árabe
6 – Dança Chinesa
7 – Dança das Flautas de Bambu
8 – Valsa das Flores

The Nutcracker Suite
Arranjo de Billy Strayhorn e Duke Ellington para a Suíte do balé “Quebra-Nozes” de Tchaikovsky
9 – Overture 3:19
10 – Toot Toot Tootie Toot (Dance of the Reed Pipes)
11 – Peanut Brittle Brigade (March)
12 – Sugar Rum Cherry (Dance Of The Sugar Plum Fairy)
13 – Entr’acte 1:56
14 – The Volga Vouty (Russian Dance)
15 – Chinoiserie (Chinese Dance)
16 – Dance of the Floreadores (Waltz of the Flowers)
17 – Arabesque Cookie (Arabian Dance)

George Cables, piano
Lew Soloff, Robert Millikan e Steve Bernstein, trompetes
Art Baron, Curtis Fowlkes e Wayne Goodman, trombones
Scott Robinson, clarinete, sax contralto e flauta de bambu
Mark Gross, sax contralto
Bill Easley, clarinete e sax tenor
Bobby Lavell e Lew Tabackin, sax tenor
Ron Janelli, sax barítono e clarone
Hassan Shakur, contrabaixo
Victor Lewis, bateria

Harmonie Ensemble New York
Steven Richman, regência

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Por Thomate (http://thomate.blogspot.com/)

 

Claude Debussy: The Composer as Pianist – Debussy por ele mesmo [com participações especiais de Maurice Ravel e grande elenco] #DEBUSSY160

Ao encerrarmos esse jubileu de Debussy, nada mais natural que o próprio moço dê as caras por aqui para celebrar conosco, mesmo que seja só para apagar as luzes. Claude, afinal, deixou-nos um diminuto, mas historicamente inestimável legado fonográfico, que passaremos a compartilhar sem muitas delongas.

As delongas: além de quatro gravações acústicas de 1904, acompanhando ao piano a soprano escocesa Mary Garden (a primeira Mélisande), e que também encontrarão no disco a seguir, a discografia de Debussy como intérprete também inclui seis rolos registrados em Paris pelo processo Welte-Mignon (WM), com um total de quatorze peças:

WM 2733: Children’s Corner (a suíte completa);
WM 2734: D’un cahier d’esquisses;
WM 2735: La Soirée dans Grenade (de Estampes);
WM 2736: La plus que lente;
WM 2738: Danseuses de Delphes, La Cathédrale engloutie, La Danse de Puck (do primeiro livro de Préludes);
WM 2739: Le Vent dans la plaine, Minstrels (também do primeiro livro de Préludes).

Tais gravações, que datam provavelmente do final de 1912 ou do início de 1913, foram feitas para a firma alemã M. Welte & Söhne de Freiburg. Desde a primeira metade do século XIX, os Welte já se debruçavam sobre a criação e construção de instrumentos musicais automatizados e, na alvorada do século XX, já ofereciam alternativas ao limitado fonógrafo para a gravação e reprodução de música ao piano. Esmiuçar o funcionamento dessas complicadas engenhocas e discutir suas vantagens em relação às relativamente populares – e pouco acuradas – pianolas de então é algo que aumentaria por demais nossas já volumosas delongas, pelo que remeto aqueles entre vós outros que desejem saber mais delas para este vídeo em alemão, sem legendas em outros idiomas, mas suficientemente eloquente em sua dissecção dos aparatos WM.


Um fantasmagórico recital: “La plus que lente”, pelo próprio Debussy, tocada por um piano Steinway-Welte a partir de um dos rolos gravados em 1913.

Tampouco cabem em nossas delongas as muitas reservas que os conhecedores têm para com a capacidade do sistema Welte de registrar e reproduzir fidedignamente algo tão inefável e rico em nuances como uma interpretação ao piano. Fascinado que sou pelo simples privilégio de escutar algo muito parecido, inda que não idêntico, à concepção de um mestre da Música acerca da própria obra, admito minha incapacidade de lhe ter reservas. Por isso, enquanto os convido a evitarem anacronismos e a entenderem essas palavras dentro da devida perspectiva – no caso, os registros distorcidos e cheio de estalidos dos fonógrafos de então -, penso que aqui caiba o depoimento do próprio Claude-Achille, sempre um crítico incansável de si, de tudo e de todos, depois de ouvir a reprodução de seus próprios rolos feitos para a M. Welte & Söhne:

 É impossível alcançar perfeição maior na reprodução [de música] do que com o aparato Welte. O que escutei maravilhou-me, e afirmo-o alegremente nessas poucas linhas”

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)

Dos Prelúdios para piano, livro 1, L. 117:
1 – No. 1: Danseuses de Delphes
2 – No. 10: La cathédrale engloutie
3 – No. 11: La danse de Puck
4 – No. 12: Minstrels
5 – No. 3: Le vent dans la plaine

La plus que lente, valsa para piano, L. 121
6 – Lent (molto rubato con morbidezza)

De Estampes, para piano, L. 100:
7 – No. 2: La soirée dans Grenade

Children’s Corner, suíte para piano, L. 113
8 – Doctor Gradus ad Parnassum
9 – Jimbo’s Lullaby
10 – Serenade for the Doll
11 – The Snow is Dancing
12 – The Little Shepherd
13- Golliwog’s Cake Walk

D’un cahier d’esquisses, para piano, L. 99
14 – Très lent

Claude Debussy, piano Welte-Mignon

Gravado pelo processo Welte para M. Welte & Söhne, entre 1912-1913

De Pelléas et Mélisande, ópera em cinco atos, L. 88:
15 – Mes longs cheveux

Das Ariettes oubliées, ciclo de canções para voz e piano, L. 60:
16 – Green
17 – L’ombre des Arbres
18 – Il pleure dans mon coeur

Mary Garden, soprano
Claude Debussy, piano

Gravação fonográfica de 1904 para a Gramophone & Typewriter Co.

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Ainda dentro das delongas, posso afirmar que há muito mais discussões – e textos, e tratados – acerca da relação pessoal e artística entre Claude Debussy e Maurice Ravel do que cabe nessa paupérrima postagem de moi. Se eles certamente nunca foram amigos, também é óbvio que mantiveram uma admiração artística mútua. Claude-Achille, e isso também é claro, não a demonstrou tão explicitamente quanto Maurice, que considerava Debussy “o gênio mais fenomenal da Música Francesa” e declarou que seu maior desejo seria “morrer delicadamente embalado pelo suave e voluptuoso colo do Prélude à l’après-midi d’un Faune” – o que não o impediu de também afirmar que, se pudesse, reorquestraria La Mer inteirinho!

Embora ambos tenham estudado piano no Conservatório de Paris, seus rumos ao teclado foram muito diferentes: Debussy poderia ter sido concertista se não desleixasse tanto seus estudos, e no final da vida ganhou alguns muito necessários francos editando o dedilhado de composições de Chopin para as Éditions Durand; Ravel, por sua vez, não deu ao instrumento, como intérprete, a mesma atenção que lhe dedicaria como compositor, criando algumas das mais suntuosas peças de seu repertório. Depois de ganhar um primeiro prêmio de piano em seus primeiros anos no Conservatório de Paris, suas pretensões tecladísticas  perderam pujança e, salvo algumas recaídas – como a intenção de estrear ele próprio seu Concerto em Sol, tarefa de que acabou depois incumbindo a Marguerite Long, limitando-se a reger a orquestra em sua estreia -, ele nunca mais as alimentou. Não obstante, os Deutsche Marken da M. Welte & Söhne, ainda atraentes em 1913, no limiar da Grande Guerra, conseguiram convencê-lo a gravar-lhe alguns rolos, que ouvirão a seguir. Completa o disco a única gravação legítima de Ravel como regente, uma realização do Boléro pra lá de esquisita, e que muitos ouvintes já chamaram de incompetente. Ainda que o próprio compositor tenha desdenhado a obra, dando-lhe de ombros no melhor estilo gálico e chamando-a de “dezessete minutos inteiramente de tecido orquestral sem música, apenas um crescendo muito longo e gradual”, surpreende que ele tenha escolhido gravá-la com a orquestra Lamoureux logo depois – algumas fontes afirmam que foi um só dia depois – de Piero Coppola fazer a primeira de todas suas gravações, com a Grand Orchestre Symphonique du Gramophone, na presença do compositor. Quem sempre quis achar um calcanhar de Aquiles na armadura do genial Maurice, bem, terá talvez um prato transbordante na última faixa.

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)

Valses Nobles et Sentimentales, para piano
1 – Modéré, très franc
2 – Assez lent, avec une expression intense
3 – Modéré – Assez animé
4 – Presque lent, dans un sentiment intime
5 – Vif
6 – Moins vif
7 – Epilogue: Lent

Da Sonatine para piano:
8 – Modéré
9 – Mouvement de Menuet

De Miroirs, para piano:
10 – No. 2: Oiseaux tristes
11 – No. 5: La vallée des cloches

Pavane pour une infante défunte, para piano
12 – Assez doux, mais d’une sonorité large

Maurice Ravel, piano
Gravadas em Paris pelo processo Welte-Mignon, 1913 (faixas 1-9), e em Londres pelo processo Duo-Art, 1922 (10-12)

Boléro, para orquestra
13 – Tempo di bolero moderato assai

Orchestre Lamoureux
Maurice Ravel, regência
Gravado em Paris em janeiro de 1930

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Igor Stravinsky, que viveu até a década de 70 e nos pode, por isso, parecer por demais contemporâneo, entra nesse nosso rolê não só por também ter gravado rolos, mas também por ter sido amigo de Debussy, como inequivocamente atestam tanto a dedicatória da terceira peça da suíte En Blanc et Noir (“À mon ami Igor Stravinsky”) quanto a fotografia a seguir, tirada no apartamento de Claude-Achille em 1910:

Nossos agradecimentos ao fotógrafo, Erik Satie (!)

O maniacamente incansável Stravinsky, que tanto cartaz fizera durante a Belle Époque com suas partituras para os Ballets Russes de Diaghilev, tentou durante os anos 20 uma carreira como compositor-virtuose, parindo intrincadas peças para exibir-se, e que, por isso mesmo, relutava em levar à prensa e ao conhecimento de potenciais rivais. Curioso e multiúso que era, interessou-se pelos pianos automáticos a ponto de compor uma peça, incompatível com mãos humanas, especificamente para a pianola, e a gravar algumas de suas composições para concorrentes da M. Welte & Söhne: a parisiense Pleyel (que lançou uma pianola chamada, sem surpresa e criatividade, Pleyela) e a nova-iorquina Aeolian, patenteadora do processo Duo-Art, que viria a se tornar o mais popular de todos. No disco a seguir, ouvem-se as realizações de alguns dos milhares de rolos do imenso acervo do australiano Denis Condon (1933-2012), hoje albergado pela Universidade Stanford, com Stravinsky tocando a duas mãos sua Sonata de 1924 e depois, a quatro (por sobregravação, naturalmente), uma redução de seu Concerto para piano e sopros e outra de seu mais bem-sucedido balé, O Pássaro de Fogo.

Igor Feodorovich STRAVINSKY (1882-1971)

Sonata para piano (1924)
1 – ♩=112
2 – Adagietto
3 – ♩= 112

Do Concerto para piano e sopros (redução para piano a quatro mãos do próprio compositor):
4 – Largo

5 – “O Pássaro de Fogo”, balé completo (redução para piano do próprio compositor)

Igor Stravinsky, piano

Gravado pelo processo Welte-Mignon em 1925

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O catalão Ricard Viñes (1875-1943) foi contemporâneo de Ravel e Alfred Cortot nas classes de piano no Conservatório de Paris e participa de nossa homenagem a Debussy por muito bons motivos. Afinal, intérprete de muito sucesso e grande amigo de Claude-Achille, teve importância fundamental para que muitas de suas composições para o teclado obtivessem a atenção do público parisiense. Assim como Ravel (e, por um breve período, Stravinsky), Viñes foi membro muito ativo do célebre grupo Les Apaches, uma confraria de músicos dedicada à apresentação de novas composições e, sobretudo, à discussão e promoção de novas ideias musicais, e o principal responsável pela interlocução entre o grupo e Debussy, que, mais velho e um tanto blasé, tanto inspirava os Apaches quanto desdenhava os rumos que escolhiam.

Falando em desdém, Viñes – um homem extremamente vaidoso que adorava atenção e chuvas de confetes – nunca se interessou pela solidão dos estúdios e pelo então novo e bastante bizarro afã do processo de gravação. Somente no final da carreira rendeu-se ao dinheiro da HMV/His Master’s Voice e gravou a seleção a seguir, curiosa pelo repertório, que inclui peças de compositores sul-americanos muito pouco conhecidos. O que torna o disco impagável, no entanto, é o depoimento do pianista a Henri Malherbe, por ocasião do vigésimo aniversário do falecimento de Debussy (1938), e que tentei transcrever e traduzir do francês, mantendo seu tom coloquial (as repetidas referências a “Claude Debussy”, por exemplo, estão todas presentes no original):

Como posso falar de Claude Debussy, meu querido Henri Malherbe? Em primeiro lugar, não sou falante e, em segundo lugar, embora viva em Paris desde a minha infância, ainda tenho um leve sotaque espanhol do qual nunca consegui me livrar e, em terceiro lugar, tenho inúmeras lembranças de Claude Debussy, e não sei quais devo escolher dentre todas as que fluem em minha mente. Mas não posso recusar o pedido que você fez, caro amigo, para recordar e honrar a memória daquele glorioso músico cuja morte ocorreu há vinte anos, a quem eu tanto amava e a quem admirava mais do que a qualquer outro. Sou muito orgulhoso e eternamente grato a Claude Debussy por ele ter me escolhido para tocar as primeiras apresentações de quase todas as obras que ele escreveu para piano. Fui por muitos anos seu intérprete oficial, era conhecido como amigo e confidente de Claude Debussy. Ele me pediu para fazer as primeiras apresentações públicas de Prélude, Sarabande et Toccata, Pagodes, Jardins sous la pluie, La soirée dans Grenade, Masques, L’isle joyeuse, Reflets dans l’eau, Hommage à Rameau, Mouvement, Cloche à travers les feuilles, Et la lune descend sur le temple qui fut, Poissons d’or, etc. Esta última peça, Poissons d’or, foi até dedicada a mim. Fiquei ainda mais emocionado com a honra porque Claude Debussy nunca havia dedicado qualquer de suas obras a um pianista.

Uma noite, Debussy e Mme. Debussy me convidaram para jantar. Eu podia ver que ele estava agitado, envergonhado, e gesticulando para sua esposa. Ele era um amigo encantador, mas terrivelmente difícil de se conviver. Esperava uma reprimenda amigável, e aguardava com alguma apreensão o que ia acontecer, mas Debussy sentou-se ao piano e começou a tocar, no seu estilo flexível e aveludado, Poissons d’or. Então ele me contou, rindo-se, que a havia dedicado a mim. Agradeci, tomado de emoção. O único outro pianista a quem ele concedera essa distinção foi Chopin, a cuja memória ele dedicou uma coleção de peças para piano.

Claude Debussy era bastante inspirador, com sua cabeça grande, rosto magnificamente feio, sua testa estranha e saliente à maneira de Verlaine, e seus olhos felinos intimidantes olhando para você de baixo, com seu olhar bastante irônico e ambíguo. Essa imagem romântica lembrava algum condottière, ou se me permite a ousadia de dizer, algum ilustre bandoleiro calabrês.

Havia algo em Debussy – e mais de dois terços de sua obra testemunham isso -, algo mágico, algo extraordinariamente encantador, diáfano dizia-se, que vinha de outro mundo. A arte de Debussy era casada com os poderes da alma, como Stanislas Fumet afirmou sobre o Romantismo. Esse casamento místico dá à música de Claude Debussy seu caráter mais misterioso, essa nota de estranheza poética, que a tornava algo irreal, um antessabor do paraíso, se assim posso dizer, e um potencial de emoção persuasiva.

E não pense que Debussy fosse, de forma alguma, pesado ou austero. Em certos momentos, ele conseguia se divertir como criança.”


 Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)

1 – Sonata em Ré maior, K. 29 (L. 461)

Christoph Willibald GLUCK (1714-1787)
Arranjo para piano de Johannes Brahms (1833-1897)
De Iphigénie en Aulide, Wq. 40
2 – Gavotte

Manuel BLANCAFORT de Roselló (1897-1987)
De El parc d’atraccions:
4 – L’orgue dels cavallets
5 – Polca de l’equilibrista

Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
Das Doce Piezas Características, Op. 92:
5 – No. 12: Torre Bermeja. Serenata.

Joaquín TURINA Pérez (1882-1949)
De Cuentos de España, Historia en siete cuadros, para piano, Op. 20:
6 – No. 3: Miramar (Valencia)
7 – No. 4: Dans les Jardins de Murcia

Claude DEBUSSY
De Estampes, para piano, L. 100:
8 – No. 2: La soirée dans Grenade

De Images, livro II, L. 111:
9 – No. 3: Poissons d’Or

Aleksandr Porfiryevich BORODIN (1833-1887)
10 – Scherzo em Lá bemol maior para piano

Isaac ALBÉNIZ
De Cantos de España, Op. 232:
11 – No. 2: Oriental
12 – No. 5: Seguidillas

Da Suite Española no. 1, Op. 47:
13 – Granada – Serenata

Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)
De El Amor Brujo:
14 – Calmo e Misterioso – El Aparecido
15 – Danza del Terror
16 – El Círculo Mágico (Romance del Pescador)
17 – A Medianoche: Los Sortilegios
18 – Danza Ritual del Fuego

Isaac ALBÉNIZ
De Deux Morceaux Caractéristiques, Op. 164:
19 – No. 2: Tango

20 – Célèbre Sérénade Espagnole, Op. 181

Pedro Humberto ALLENDE (1885-1959)
21-22 – Dos Tonadas De Carácter Popular Chileno

Carlos Félix LÓPEZ BUCHARDO (1881-1948)
23 – Bailecito

Cayetano TROIANI (1873-1942)
De Ritmos argentinos, para piano:
24 – No. 5: Milonga

25 – Ricard Viñes fala de Claude Debussy (1938)

FAIXAS-BÔNUS:

Claude DEBUSSY
De Images, livro I, L. 110:
No. 2: Hommage à Rameau (incompleto, compassos 31-76)

Dos Douze Études para piano, L. 136:
No. 10: Pour les sonorités opposées (incompleto, compassos 31-75)

Ricard Viñes, piano

BÔNUS:

Enrique Granados (1867-1916) foi contemporâneo de Debussy e sua trajetória não tangenciou a do francês, a despeito de alguns anos passados em Paris, onde teve aulas privadas de piano, e do interesse comum pela música espanhola (que para Granados era paixão nativa, e para Debussy, inspiração tão exótica como a do gamelão indonésio que famosamente escutou na Exposição Universal de 1889). Ainda assim, decidi incluí-lo na homenagem a Claude-Achille, não só porque ele tinha um bigode tão frondoso quanto o do seu contemporâneo Viñes, ou por respeito a seu fim tão trágico, vitimado por um naufrágio decorrente dum torpedo alemão no Canal da Mancha. Granados aqui está, sobretudo, porque sua música é excelente, suas gravações são supimpas, e porque no disco a seguir os leitores-ouvintes poderão comparar a mesma composição – uma sonata de Scarlatti – gravada por Pantaléon Enrique tanto pelo processo Welte-Mignon quanto pelo fonógrafo, o que lhes permitirá (ou, pelo menos, assim espero) tirarem suas próprias conclusões acerca da capacidade do WM de registrar acuradamente as intenções do intérprete.

Pantaleón Enrique Joaquín GRANADOS Campiña (1867-1916)

De Goyescas, Los Majos Enamorados, suíte para piano, Op. 11:
1 – No. 1: Los requiebros
2 – No. 2: Coloquio en la reja, duo de amor
3 – No. 3: El fandango de candil
4 – No. 4: Quejas, o La maja y el ruiseñor

Das Doce Danzas españolas para piano, Op. 37:
5 – No. 5: Andaluza
6 – No. 7: Valenciana
7 – No. 10: Melancólica

8 – Ocho Valses Poéticos para piano

Domenico SCARLATTI
Arranjo de Enrique GRANADOS

Sonata para piano no. 9 em Sol menor, DLR VI:1.9 (arranjo da Sonata K. 190/ L. 250 de Scarlatti)

9 – Gravação pelo processo Welte-Mignon
10 – Gravação acústica

Enrique Granados, piano

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Vassily

Hiroshima, ano 77 [Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano no. 1, Op. 15 – Argerich / Dai Fujikura (1977): Concerto para piano no. 4, “Akiko’s Piano” – Hagiwara]

Hiroshima, ano 77 [Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano no. 1, Op. 15 – Argerich / Dai Fujikura (1977): Concerto para piano no. 4, “Akiko’s Piano” – Hagiwara]

O pequeno piano de armário acima, da marca Ellington, foi feito pela Baldwin Piano Company em Cincinatti, nos Estados Unidos. Sua proprietária, uma japonesa de nome Shizuko, emigrou para os Estados Unidos sozinha depois de se formar em uma escola para moças. Isso não era comum no Japão da época, pois a sociedade fortemente patriarcal oferecia poucas oportunidades para que as mulheres pudessem viajar desacompanhadas, quanto mais para um outro país. Shizuko estabeleceu-se na Califórnia e casou-se com Genkichi Kawamoto, um imigrante japonês, em 1922.

Genkichi trabalhava em uma companhia de seguros e tinha o hábito de levar sua esposa, que ele amava muito, em suas viagens pela empresa. O piano foi um presente de Genkichi para ela, e Shizuko logo nele buscou conforto para os longos períodos de solidão e para os desafios de viver numa terra estranha. Em 25 de maio de 1926, algo da solidão dos Kawamoto arrefeceu: nasceu sua primeira filha, no Hospital Japonês de Los Angeles. “Esperamos tanto por ela!”, escreveu Genkichi em seu diário, “Espero que ela seja inteligente. Chamei-a de Akiko”.

O casal Kawamoto haveria de criar a primogênita com muito cuidado, quanto mais num ambiente crescentemente hostil aos japoneses e seus descendentes. Genkichi registrava seu peso e altura a cada poucos dias e anotou todos os sinais de seu crescimento. Em 1929, nasceria seu segundo filho, Nobuhiro. Em 1932, a família retornou ao Japão, que experimentava forte crescimento econômico e, também, vivia sob uma violenta retórica militarista que levara o país, no ano anterior, a invadir a Manchúria e, subsequentemente, a uma expansão imperialista que ocuparia – com muita truculência e a expensas de imenso sofrimento às populações locais – grande parte do Extremo Oriente e do Sudeste Asiático.

Os Kawamoto estabeleceram-se em Hiroshima, onde Akiko começou a frequentar a escola primária. Embora ela tivesse passado seus primeiros anos em um país anglófono, Genkichi e Shizuko fizeram o possível para que sua filha pudesse aprender japonês. Para praticar o idioma, a menina iniciou um diário, que manteria por onze anos e no qual anotaria, entre outras coisas, sua dedicação ao piano Ellington que os pais trouxeram dos Estados Unidos.

Em 1933, a família de Akiko mudou-se para uma casa localizada no Monte Mitaki, a noroeste de Hiroshima. Naquela época, poucas famílias tinham um piano em casa e, porque moravam num lugar remoto, eles pediram ao professor de piano que viesse à casa deles para aulas particulares. Durante a guerra, já nos anos 40, as condições de vida da família pioraram. Os Kawamoto alugaram um cômodo de sua casa para um conhecido, e a falta de espaço e de privacidade tirou-lhes muito da alegria com que celebravam festivais e aniversários. Em 1943, Akiko ingressou no curso de Economia Doméstica da Universidade de Hiroshima, o que a deixou radiante, embora viesse a se aborrecer com o pouco tempo para dedicar-se ao piano: além das exigências acadêmicas, havia aquelas, compulsórias e crescentes, para com os esforços de guerra, que incluíam trabalhar no Hospital do Exército, participar de exercícios antiaéreos e ajudar a cuidar de plantações.


9 de abril de 1944: Papai quer que eu continue meus estudos, mas mamãe, não. Isso me deixa confusa. É trabalho da mulher passar o dia todo preparando comida? Se sim, qual é o propósito da minha vida? Eu não teria tempo para estudar, e isso me deixaria infeliz”


Em 1944, ela começou a se preocupar com a saúde dos pais. Ela passou a tentar comer menos para que seus irmãos pudessem comer mais:


3 de maio de 1944: Minhas medidas do terceiro período: altura 159,1 cm; peso 51,5 kg; busto 73 cm. Estou 0,5 cm mais alta que no ano passado, mas perdi 1,5 kg e meu busto está 3,5 cm menor. Sinto-me mal, mas sou a única a tentar reduzir o arroz”


O trabalho nas plantações consumia todo tempo livre de Akiko, que largou o piano e, também, seu diário, no qual anotou, no final de 1944:


Tenho 19 anos. Sou estudante do segundo ano do Departamento de Economia Doméstica. Um terço ou um quarto da minha vida já passou”


Em 6 de agosto de 1945, o dia tórrido de verão começou como qualquer outra segunda-feira, e a população de Hiroshima, que se deslocava para o trabalho os estudos, pouco se impressionou com as sirenes que anunciaram a chegada de três bombardeiros B-29 sobre aqueles céus sem nuvens. Às 8h15, um clarão como nunca antes fora visto fez-se seguir duma violentíssima explosão, que pulverizou imediatamente vinte mil pessoas, mataria outras quarenta mil nos dias seguintes, e fecharia sua conta macabra em cento e vinte mil mortos nas décadas subsequentes. Akiko estava a poucos quilômetros do hipocentro, trabalhando como estudante mobilizada nos esforços de guerra. Sobreviveu à explosão por estar num prédio que não colapsou, e poucas horas depois começou a voltar a pé para casa. A devastação sem precedentes, que não preservara nem a alicerçagem das construções, deve tê-la impressionado. Como as pontes foram destruídas, ela foi forçada a atravessar o rio a nado. Quando chegou ao sopé do Monte Mitaki e avistou sua casa, sua energia se acabou, e ela não conseguia mais andar.

Shizuko não sabia da situação de Akiko e estava cuidando da casa, que desabou na explosão da bomba atômica. O piano sofrera danos no lado esquerdo e fora cravejado de fragmentos de vidro, mas estava inteiro. Foi quando um vizinho lhe avisou: “Sua filha está ali e não pode se mexer!”. Shizuko então correu para Akiko e a trouxe para casa. A menina parecia ter escapado por pouco da morte, mas logo perdeu a consciência: ela tinha sido exposta a níveis letais da radiação que chovia invisivelmente sobre Hiroshima, enquanto o “cogumelo atômico” gerado pela explosão se dissipava.


Mamãe, eu quero um tomate vermelho…


… implorou Akiko, em suas últimas palavras antes de morrer na manhã seguinte, depois de viver apenas “um terço de sua vida”.

ooOoo

Havia, na época, muitos tomates vermelhos no jardim dos Kawamoto, e, a cada verão depois do de 1945, até o final de seus 103 anos de vida, Shizuko cultivou tomates vermelhos, próximos ao imenso caquizeiro sob o qual sepultou as cinzas de Akiko.

O piano, que perdera aquela que mais o amou, passou grande parte dos sessenta anos seguintes em silêncio.  De vez em quando algumas crianças da vizinhança visitavam Shizuko e o tocavam, mas aos poucos algumas das teclas foram perdendo seu movimento e, por fim, seu som.

Uma menina e um piano, ambos nascidos nos Estados Unidos. Uma perdeu a vida; o outro perdeu o som.

O silêncio do piano Ellington durou até 2005, quando Tomie Futakuchi decidiu restaurá-lo. Ela foi vizinha dos Kawamoto e, quando criança, costumava visitá-los e receber o carinho de Shizuko, que lhe contava histórias sobre Akiko e seu amado amigo musical. Quando a casa da família foi demolida, em 2004, muitas lembranças da jovem, guardadas como tesouros por Shizuko, foram doadas ao Memorial da Paz de Hiroshima. O piano foi legado a Tomie, que, na esperança de que as crianças de Hiroshima pudessem transmitir uma mensagem de paz através do precioso instrumento, chamou o restaurador Hiroshi Sakaibara.

Tomie, Hiroshi e o Ellington, em 2005

O piano foi restaurado com todas as peças originais, e mantido nas condições em que estava imediatamente após o ataque a Hiroshima – incluindo os danos em seu lado esquerdo e os incontáveis pedaços de vidro que nele se incrustaram. Em 6 de agosto de 2005, no sexagésimo aniversário da desgraça, ele foi tocado em público pela primeira vez, e desde então encontra-se em exibição num salão do Parque Memorial da Paz.

A pianista Mami Hagiwara e a Sra. Futakuchi com o piano de Akiko, em seu local de exibição permanente, no Parque Memorial da Paz.

Martha Argerich, nossa Rainha, adora o Japão e não deve ter hesitado sequer um instante para aceitar o convite que a Orquestra Sinfônica de Hiroshima lhe fez para tocar na icônica cidade em 5 de agosto de 2015 – véspera do 70º aniversário do criminoso ataque à sua população. A apresentação da deusa do piano, que incluiu seu tradicional cavalo de batalha – aquele primeiro concerto de Ludwig que ela toca desde sempre -, foi o esperado sucesso, e ela permaneceu na cidade para a sentidas cerimônias do dia seguinte, que culminaram com a tradicional procissão das velas flutuantes que os cidadãos de Hiroshima e os visitantes largam ao sabor da corrente do rio Motoyasu, em memória das vítimas.

A procissão das velas flutuantes passa em frente ao Domo da Bomba Atômica – que abrigava a Exposição Comercial da Prefeitura de Hiroshima e foi o prédio mais próximo do hipocentro a permanecer de pé (foto do autor)

Durante as cerimônias, Martha foi apresentada a Tomie Futakuchi, que lhe contou a história de Akiko e de seu piano, e nossa Rainha, num arroubo de sua impetuosidade tão típica, decidiu fazer uma visita surpresa ao Memorial da Paz no dia seguinte, 7 de agosto, para conhecer e tocar o instrumento.

Martha não sabia disso, mas estava a tocar o piano de Akiko na hora e no dia exatos em que a menina falecera, setenta anos antes.


O encontro entre a estrela mundial do piano e o inestimável instrumento calou fundo no compositor Dai Fujikura, que se pôs imediatamente a compor um concerto, que foi oferecido a Martha e à memória de Akiko. A Rainha ficou muito lisonjeada com a dedicatória e, uma vez mais, aceitou sem titubear um novo convite para tocar em Hiroshima, dessa feita para estrear o concerto de Fujikura com a sinfônica local em agosto de 2020, por ocasião do septuagésimo quinto aniversário da morte de Akiko.

Nas palavras do compositor,


Este concerto muito especial para piano e orquestra, chamado “O Piano de Akiko”, foi escrito e dedicado à Embaixadora da Paz e da Música da Orquestra Sinfônica de Hiroshima, Martha Argerich.
(…)
Embora naturalmente este concerto tenha a ‘música para a paz’ como mensagem principal, eu, como compositor, gosto de concentrar nos pontos de vista pessoais. Sinto que essa visão microscópica, para a partir daí contar sobre assuntos universais, deve ser o caminho a percorrer em minhas composições: a visão de Akiko, uma garota comum de 19 anos que não tinha nenhum poder sobre a política (…) Deve haver histórias semelhantes à dessa garota de 19 anos em todas as guerras da história e em todos os países do mundo. Toda guerra deve ter uma Akiko.
(…)
Neste concerto, faço uso de dois pianos: um é o piano de cauda principal, e outro, o Piano de Akiko, o piano que sobreviveu à bomba atômica, tocado na cadenza do final, ambos pelo solista.

Para expressar um tema tão universal quanto a  ‘música para a paz’, a peça deve retratar o ponto de vista mais pessoal. Acho que esse é o caminho mais poderoso, e só através da Música se pode segui-lo.”


Em agosto de 2020, a pandemia impediu Martha de viajar o Japão. De sua casa na Suíça, ela gravou o vídeo seguinte, em inglês, no qual expressa seus sentimentos acerca da obra que lhe foi dedicada, do honroso convite que lhe foi feito, e de sua desolação por não poder honrá-lo:

O concerto de Fujikura foi, então, estreado na data prevista pela pianista Mami Hagiwara, juntamente com obras de J. S. Bach, Beethoven, Mahler e Penderecki – e a integral de sua première, incluindo a cadenza tocada no piano de Akiko, vocês podem conferir a seguir:

Todos os principais envolvidos na celebração da memória de Akiko Kawamoto – Martha Argerich, Dai Fujikura, Mami Hagiwara e os músicos da Orquestra Sinfônica de Hiroshima – autorizaram generosamente a publicação das gravações dos concertos supracitados em dois álbuns, cuja venda em linha, por período limitado, viu sua renda integralmente revertida para a preservação dos memoriais de Hiroshima e do piano de Akiko. E são essas as gravações, que adquiri na ocasião, que ora compartilho com nossos leitores-ouvintes, no septuagésimo sétimo aniversário do criminoso ataque a Hiroshima, em memória de suas dezenas de milhares de vítimas inocentes.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Dó maior, Op. 15
1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondó: Allegro scherzando

Martha Argerich, piano
Hiroshima Symphony Orchestra
Kazuyoshi Akiyama, regência


BIS:
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Das Fantasiestücke para piano, Op. 12
4 – No. 7: Traumes Wirren

Martha Argerich, piano

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Gravado ao vivo na Hiroshima Bunka Gakuen Hall, Hiroshima, Japão, em 5 de agosto de 2015


Dai FUJIKURA (1977)
1 – Concerto para piano e orquestra no. 4, “Akiko’s Piano” (estreia mundial)

Mami Hagiwara, pianos: Steinway & Sons, Hamburgo; e Baldwin, Cincinatti (cadenza, a partir de 16:45)

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Do Quarteto de cordas no. 13 em Si bemol maior, Op. 130
2 – Cavatina: Adagio molto espressivo (arranjo para orquestra de cordas)

Gustav MAHLER (1860-1911)
Kindertotenlieder, para voz e orquestra (1904)
3 –
Nun will die Sonn’ so hell aufgeh’n
4 –
Nun seh’ ich wohl, warum so dunkle Flammen
5 –
Wenn dein Mutterlein
6 –
Oft denk’ ich, sie sind nur ausgegangen!
7 –
In diesem Wetter!

Mihoko Fujimura, mezzo-soprano

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Orquestração de Hideo Saito (1902-1974)
Da Partita no. 2 em Ré menor para violino solo, BWV 1004
8 – Ciaccona

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FAIXA-BÔNUS (não consta no CD original, e foi extraída da transmissão radiofônica do concerto):

Krzysztof Eugeniusz PENDERECKI (1933-2020)
Do Réquiem Polonês (Polskie Requiem):
1 – Ciaccona

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Hiroshima Symphony Orchestra
Tatsuya Shimono, regência

Gravado ao vivo na Hiroshima Bunka Gakuen Hall, Hiroshima, Japão, em 5 e 6 de agosto de 2020


 

Vassily

¡Larga vida a la Reina! – Carte Blanche [Martha Argerich, 81 anos]


Nossa Rainha completou hoje 81 anos, antes que eu completasse a tarefa de lhe prestar homenagem pelas oitenta primaveras. Vá lá que a intenção original, que era a de tão só trazer um apanhado geral do que de mais significativo ela legou a cada década, expandiu por demais seu escopo e acabou por se tornar um tremendo trampo que desembocará numa discografia completa de Marthinha. E venha lá, também, que não é nem o hábito deste blogue, nem condizente com o tempo de que disponho, promover um imenso derramamento de gravações a cada poucos dias. Ainda assim, e enquanto lhes prometo que As Idades de Marthinha em breve estarão completas, desejo redimir-me junto à homenageada. Para isso, e na falta de qualquer lançamento com gravações inéditas desde seu último aniversário, alcanço-lhes um álbum duplo lançado em 2015, mas gravado naquele que ora nos parece incrivelmente distante 2007, durante o Festival de Verbier, Suíça.

Carte Blanche é o registro duma luxuosa noite de recitais para a qual Martha teve carta branca (e os xerloques de plantão já deduziram o porquê do título) para escolher quem quisesse para com ela tocar. Ao abrir os trabalhos, a Rainha adotou a praxe de rodear-se de músicos bálticos para tocar trios com piano, ainda que, em lugar do violinista habitué, o letão Gidon Kremer, seja o lituano Julian Rachlin que se some à dona da festa e ao outro letão quase compulsório, o violoncelista Mischa Maisky, para uma leitura marcante do trio “Fantasma” de Beethoven. Em seguida, a anfitriã abre uma raríssima exceção à sua moratória de recitais solo (tão rara que eu só a posso atribuir ao cancelamento de última hora de algum convidado) para recriar, com aquele estilo espontâneo, quase improvisatório que lhe é tão peculiar, as Cenas Infantis de Schumann. Quando ela termina, Lang Lang senta-se a seu lado e começam a tocar uma peça improvável para o repertório de ambos, o Rondó a quatro mãos de Schubert. Parece faltar um tanto de entendimento entre eles (quem ouvir Martha e Barenboim tocando a mesma peça concordará), o que talvez não deva surpreender num duo de músicos de tanta verve e impulsividade. Tudo melhora – e demais – na peça seguinte, a Mamãe Gansa de Ravel, em que a verve e impulsividade supracitadas vêm bem a calhar para encerrar de maneira estimulante a obra e seu Jardim Feérico. Não tenho muito a falar de bom do item seguinte, a Arpeggione de Schubert, na qual o brilhante Yuri Bashmet parece padecer, pela imprecisão de sua performance, do mal que muitas vezes aflige os grandes instrumentistas quando se dedicam à regência: se falta de tempo, ou de estudo, ou de ambos, deixo para vocês me dizerem. Na continuação, a irresistível sonata no. 1 de Bártok está ótima, por menos acostumados que estejamos a ouvir o timbre redondinho, caloroso de Renaud Capuçon a serviço dos ferrenhos ataques bartokianos às cordas e à mesmice rítmica. Os trabalhos se encerram com uma estimulante interpretação daquele cavalo de batalha dos recitais de Martha e Nelson Freire, as Variações Paganini de Lutosławski, com a venezuelana Gabriela Montero no lugar de nosso saudoso compatriota. Como bis, à guisa de cafezinho e petit four, Gabriela dá uma palhinha de sua impressionante capacidade de improvisação (confiram no YouTube, que vale a pena!) e faz a batidíssima “Parabéns a você” passar por vários ritmos e roupagens para homenagear a pianista Lily Maisky, filha de Mischa, que estava de aniversário no dia da Carte Blanche – mas é claro que os xerloques também já se deram conta de que eu desejei que, enquanto ouvíssemos Montero, nós todos déssemos os parabéns à Rainha.


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Dos Dois trios para piano, violino e violoncelo, Op. 70 – no. 1 em Ré maior, “Fantasma”
1 – Allegro vivace e con brio
2 – Largo assai ed espressivo
3 – Presto

Martha Argerich, piano
Julian Rachlin, violino
Mischa Maisky, violoncelo

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Kinderszenen, para piano, Op. 15
4 – Von fremden Ländern und Menschen
5 – Kuriose Geschichte
6 – Hasche-Mann
7 – Bittendes Kind
8 – Glückes genug
9 – Wichtige Begebenheit
10 – Träumerei
11 – Am Kamin
12 – Ritter vom Steckenpferd
13 – Fast zu ernst
14 – Fürchtenmachen
15 – Kind im Einschlummern
16 – Der Dichter spricht

Martha Argerich, piano

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Rondó em Lá maior para piano a quatro mãos, D. 951, “Grand Rondeau”
17 – Allegretto quasi andantino

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
Ma Mère l’Oye, suíte para piano a quatro mãos, M. 62
18 – Pavane de la Belle au Bois Dormant: Lent
19 – Petit Poucet: Très modéré
20 – Laideronnette, Impératrice des Pagodes: Mouvement de Marche
21 – Les Entretiens de la Belle et de la Bête: Mouvement de Valse très modéré
22 – Le Jardin Féerique: Lent et Grave

Martha Argerich e Lang Lang, piano

Franz SCHUBERT
Sonata para arpeggione e piano em Lá menor, D. 821
(transcrita para viola e piano)
23 – Allegro moderato
24 – Adagio
25 – Allegretto

Yuri Bashmet, viola
Martha Argerich, piano

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Sonata para violino e piano no. 1, Sz. 75
26 – Allegro appassionato
27 – Adagio
28 -Allegro

Renaud Capuçon, violino
Martha Argerich, piano

Witold Roman LUTOSŁAWSKI (1913-1994)
Variações sobre um tema de Paganini, para dois pianos
29 –  Tema – Variações I-XII – Coda

Martha Argerich e Gabriela Montero, pianos

Gabriela MONTERO (1970)
30 – Improvisação sobre “Parabéns a você”

Gabriela Montero, piano

Gravado ao vivo em 27 de julho de 2007, durante o Festival de Verbier, Suíça

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Vassily

Arthur Honegger (1892-1955): Jeanne d’Arc au Bûcher – Marion Cotillard – Marc Soustrot

Há 591 anos, num trinta de maio, uma garota que talvez não tivesse dezenove primaveras foi sorvida por uma fogueira na praça central de Rouen. Queimaram-lhe as carnes e os ossos, mas não a reputação: acusada de heresia após inspirar as tropas francesas em vitórias importantes na Guerra dos Cem Anos, julgada com parcialidade por uma corte eclesiástica francesa submissa aos invasores ingleses, e incinerada por estes, Jeanne de Domrémy, dita Joana d’Arc, seria absolvida post mortem, reabilitada, e elevada a santa, heroína e símbolo de sua França natal.

A história extraordinária de Joana, que foge ao escopo de um blogue e, talvez, duma vida toda a contá-la, inspirou um sem-número de biografias e obras em todas as artes. Afora a obra-prima que encontrarão no apêndice dessa postagem, nenhuma outra me é mais instigante que este oratório de Arthur Honegger, composto para Ida Rubinstein – a mesma bailarina e atriz que encomendou o “Bolero” a Maurice Ravel –  sobre um poema de Paul Claudel, hoje talvez mais famoso como irmão de Camille. Após recusar o convite de Honegger, por acreditar que Joana e suas palavras eram famosas demais para que ele lhe compusesse outras, Claudel mudou de ideia após ter uma visão com duas mãos atadas em cruz e deu seu trabalho por completo ao fim dum só jorro criativo, de pouco mais de duas semanas. A engenhosa estrutura do poema, que conduz a heroína a vários flashbacks a partir da fogueira de seu suplício, permite a Honegger dispor de várias formas e estilos – do cantochão a sugestões jazzísticas – para compor seus painéis, lançando mão de coros e de uma peculiar orquestra com saxofones em lugar de trompas, reforçada de dois pianos e uma célebre parte para ondas Martenot, em vivo contraste com os papeis dos protagonistas, totalmente declamados.

Tive o privilégio de assistir a Jeanne d’Arc au Bûcher ao vivo com a maravilhosa Marion Cotillard, a mesmíssima Joana dessa gravação que lhes alcanço. Preparado que estava para me embevecer com a atriz, que me conquistara irremediavelmente com sua atuação quase mediúnica na cinebiografia de Édith Piaf, acabei por me prostrar tanto ante Cotillard quanto ao impacto emocional da composição. Assim, quando soube dessa gravação da Alpha, eu esperei pelo sublime. Acabei, por fim, um tanto frustrado, não com os atores – pois tanto Marion quanto Xavier Gallais estão soberbos -, mas com alguns cantores, em especial no clímax da obra, quando Joana encontra o martírio e as vozes do firmamento a acolhem, desgraçadamente sem muita afinação. Ainda assim, recomendo-lhes a gravação para celebrar a memória da heroína em seu dia, para que se permitam encantar por Cotillard, e prestigiem a grande arte de Honegger e de Claudel tanto quanto eles, relativamente esquecidos, certamente o merecem.


Arthur HONEGGER (1892-1955)

Jeanne d’Arc au Bûcher, oratório dramático em onze cenas e um prólogo (1935)
Libreto: Paul Claudel (1868-1955)

1 – Prologue
2 -Scène I: Les voix du ciel
3 – Scène II: Le livre
4 – Scène III: Les voix de la terre
5 – Scène IV: Jeanne livrée aux bêtes
6 – Scène V: Jeanne au poteau
7 – Scène VI: Les Rois, ou l’invention du jeu de cartes
8 – Scène VII: Catherine et Marguerite
9 – Scène VIII: Le Roi qui va-t-à Rheims
10 – Scène IX: L’épée de Jeanne
11 – Scène X: Trimazo
12 -Scène XI: Jeanne d’Arc en flammes

Marion Cotillard (Jeanne d’Arc)
Xavier Gallais (Frère Dominique)
Yann Beuron, tenor (Porcus, Héraut I, Le Clerc)
Maria Hinojosa (La Vierge)
Aude Extrémo, mezzo-soprano (Catherine)
Anna Moreno-Lasalle (La mère aux tonneaux)
Eric Martin-Bonnet, baixo (Une Voix, Héraut II, Paysan)
Carles Romero Vidal (Héraut, L’âne, Bedford, Jean de Luxembourg)

Cor Vivaldi – Petits Cantors de Catalunya
Cor Madrigal
Cor de Càmera Lieder
Orquestra Simfònica de Barcelona i Nacional de Catalunya
Marc Soustrot, regência

Gravado ao vivo na Sala Pau Casals – L’Auditori, Barcelona, Catalunha, em 17 de novembro de 2012

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (libreto em francês e inglês)


Bônus: uma rara gravação da versão italiana do oratório, intitulada Giovanna d’Arco al Rogo, numa produção dirigida por Roberto Rossellini e estrelada por sua então esposa, Ingrid Bergman. Ingrid, que era fascinada pela história de Joana e já vivera a heroína no cinema, convenceu Rosselini a levar o oratório de Honegger para os palcos da Itália, sob direção musical do experiente maestro Gianandrea Gavazzeni, onde estreou com sucesso. A encenação foi filmada no Teatro San Carlo de Nápoles e, levada às telas, naufragou nas bilheterias, o que levou ao cancelamento dos planos do casal de apresentar a versão original em palcos franceses. A gravação a seguir, extraído duma gravação em fita e de qualidade medíocre, vale pelo interesse histórico e pela possibilidade de escutar a divina Bergman brilhando em italiano, uma das cinco línguas em que atuava.

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La Passion de Jeanne d’Arc, C.T. Dreyer, 1928 – Lamentate, Arvo Pärt, 2002 from trineor on Vimeo.

Bônus 2: Por fim, como prometera, alcanço-lhes a maior obra-prima já inspirada pela história da heroína. Realizado por Carl Theodor Dreyer (1889-1968) em 1928 e baseado nas transcrições originais de seu julgamento, La Passion de Jeanne d’Arc acompanha os dias finais da vida de Joana. Um dos últimos grandes filmes mudos, rodado já no advento do cinema falado, La Passion deve tudo ao arrojo de Dreyer e a sua protagonista, Renée Falconetti (1892-1946), que nos alcança aquela que é, talvez, a maior atuação já levada à tela.


Vassily

 

In memoriam Radu Lupu (1945-2022)

O som e o mundo perderam Radu Lupu no último dia 17, e novamente vejo-me aqui a tentar homenagear, com minha escrita capenga, alguém que era tremendamente mais do que ela. E, se não podemos dizer que a morte nos privou de um artista que ainda teria o que nos legar – pois o Mestre, que não gravava havia décadas, escolhera deixar os palcos há três anos -, eu reconheço que seu desaparecimento frustrou a nesguinha de esperança que eu ainda tinha de ouvi-lo ao vivo. Quem teve esse privilégio – entre eles, muitos de seus colegas de instrumento, que invariavelmente o idolatravam – conta que ninguém, vivo ou morto, se comparava a Lupu.

 

(Lupu) transcende qualquer questão técnica ou musical e cria uma certa magia que ele evoca na sala de concertos. Ele consegue criar uma atmosfera muito íntima”

(Kirill Gerstein)


[Lupu] tem o dom incomum de iluminar tudo que ele toca com rara inteligência musical”

(András Schiff)


Lupu tem o raro dom de deixar a música falar por si mesma”

(Nikolai Lugansky)

As eulogias que recebeu nos últimos dias não foram menos enfáticas. A minha preferida é


Surreal e sensível”

 

… que chega bem perto de definir o Mestre que, no entanto, era muito inseguro acerca de suas tremendas capacidades. Ao amigo Kirill Gerstein, afirmou que não era realmente um pianista, mas que sabia “tocar frases musicais”. A um produtor, tascou: “você gosta de boa articulação? Ouça Perahia“! À insegurança, que o fazia odiar estúdios de gravação e a perenidade de seus registros, somava-se um perfeccionismo notório, ainda que mais preocupado com a coerência da narrativa musical do que com a perfeição nota a nota: o mesmo produtor que foi mandado ouvir Perahia afirmou, em sua eulogia, que “suas gravações quase sempre foram sensacionalmente bem recebidas, mas tendo ouvido os takes que ele rejeitou, só posso recomendar que, se você encontrar suas gravações ao vivo, é nelas que você ouvirá o autêntico Lupu”.

(o Mestre, infelizmente, não se deixava gravar ao vivo – a não ser que o desobedecessem, como foi no caso dessa gravação do concerto no. 27 de Amadeus que o Pleyel conseguiu, e que FDP Bach publicou ontem, juntamente com, vejam só, um disco do duo Lupu-Perahia)

Um “pianista dos pianistas”? Provavelmente, a julgar pelos tantos nomes célebres que se apinhavam em seu camarim nos raríssimos recitais, e pela frequência com que sua figura hirsuta e brahmsiana, mas também sorridente e bonachona, aparecia nas redes sociais de outros músicos menos afeitos à reclusão, como vemos acima. E também aos completos diletantes, aos tocadoresdepiano como eu, Lupu soava como nenhum outro: era, mais que músico maiúsculo, um consumado poeta do piano. Se não acreditam em mim, hão de se convencer por este punhado de gravações que ora lhes alcanço, que se juntará ao outro punhado que já existia aqui no PQP Bach, e que não estará muito longe de formar a discografia completa desse gênio tão bissexto aos estúdios. A primeira, com os improvisos de Schubert, foi a que me tornou lupumaníaco para sempre: nunca escutei qualquer gravação que se lhe comparasse. A segunda, com a impressionante sonata que Brahms escreveu aos tenros 20 anos, já tinha sido recomendada até pelo patrão, mas ainda não aparecera aqui. Completo meu tributo a mostrar-lhes outros veios do talento do Mestre: seu camerismo nos quintetos para piano e sopros de Mozart e Beethoven; prestando um acompanhamento de luxo para Barbara Hendricks num belo CD com Lieder de Schubert, que faz par com outro que o chefinho já postara aqui; e como concertista, tocando um Primeiro de Brahms cheio de nuances que, como sói acontecer sob seus dedos, soa igual a nenhum outro.

In memoriam Radu Lupu (Galaţi, Romênia, 30/11/1945 – Lausanne, Suíça, 17/4/2022)


Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)

Improvisos para piano, D. 899 (Op. 90)
1 – No. 1 em Dó menor: Allegro molto moderato
2 – No. 2 em Mi bemol maior: Allegro
3 – No. 3 em Sol bemol maior: Andante
4 – No. 4 em Lá bemol maior: Allegretto

Improvisos para piano, D.935 (Op. 142)
5 – No. 1 em Fá menor: Allegro moderato
6 – No. 2 em Lá bemol maior: Allegretto
7 – No. 3 em Si bemol maior: Tema e variações
8 – No. 4 em Fá menor: Allegro scherzando

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Johannes BRAHMS (1833-1897)

Sonata para piano no. 3 em Fá menor, Op. 5
1 – Allegro maestoso
2 – Andante espressivo
3 – Scherzo. Allegro energic
4 – Intermezzo. Andante molto
5 – Allegro moderato ma rubato

6 – Tema e Variações em Ré menor (arranjo do Sexteto para cordas em Si bemol maior, Op. 18)

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Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Quinteto em Mi bemol maior para piano e sopros, K. 452
1 – Largo – Allegro moderato
2 – Larghetto
3 – Rondo: Allegretto

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quinteto em Mi bemol maior para piano e sopros, Op. 16
4 – Grave – Allegro ma non troppo
5 – Andante cantabile
6 – Rondo: Allegro ma non troppo

Han de Vries, oboé
George Pieterson, clarinete
Vicente Zarzo, trompa
Brian Pollard, fagote

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Franz SCHUBERT

De Schwanengesang, D. 957
1 – No. 1: Liebesbotschaft (Rellstab)
2 – No. 2: Ständchen (Rellstab)

3 – Lachen und weinen, D. 777 (Rückert)

De Refrainlieder, D. 866
4 – No. 3: Die Männer sind mechant! (Seidl)

5 – Auf dem Strom, D. 943 (Rellstab)
com Bruno Schneider, trompa

6 – Sehnsucht, D. 879 (Seidl)
7 – An den Mond, D. 193 (Hölty)
8 – Versunken, D. 715 (Goethe)

9 – Der Hirt Auf Dem Felsen, D. 965 (von Chézy/Müller)
com Sabine Meyer, clarinete

10 – Du liebst mich nicht, D. 756  (von Platen-Hallermünde)
11 – Die Liebe hat gelogen, D. 751 (von Platen-Hallermünde)
12 – Die junge Nonne, D. 828 (Jachelutta)
13 – Klaglied, D. 23  (Rochlitz)
14 – Ellen’s Dritter Gesang (Ave Maria), D. 839 (Scott)

De Zwei Szenen aus dem Schauspiel ‘Lacrimas’, D. 857:
15 – No. 1: Delphine (Schütz)

16 – Heidenröslein, D. 257 (Goethe)

Barbara Hendricks, soprano

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Johannes BRAHMS

Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré menor, Op. 15
1 – Maestoso
2 – Adagio
3 – Rondo: Allegro non troppo

London Philharmonic Orchestra
Edo de Waart, regência

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Radu Lupu, piano


Para completar a homenagem, restaurei alguns links com o precioso som de Lupu, que estavam inativos…

Edvard Grieg – Piano Concerto in A minor, op. 16, Robert Schumann – Piano Concerto in A Minor, op. 54 – Radu Lupu, London Symphony Orchestra, André Previn

Cesar Franck – Sonata in A Major for Violin & Piano, Claude Debussy – Sonata for Violin & Piano – Kyung Wha Chung and Radu Lupu

… e lhes recomendo fortemente esta postagem do colega René Denon, com um Schumann para a eternidade:

Schumann (1810-1856): Peças para Piano – Radu Lupu

Radu Lupu por Reinhold Möller, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=117004371

Vassily

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Paixão segundo João – Gardiner

Há um ano, na Sexta-Feira da Paixão de 2021, John Eliot Gardiner adentrava o esplêndido Sheldonian Theatre da Universidade de Oxford para gravar, com a parceria costumeira do Coro Monteverdi e os English Baroque Soloists, sua terceira e mais sensacional leitura da “Paixão segundo João”, de J. S. Bach – esta que lhes apresentamos hoje.

Observado desde os primeiros passos pelo Demiurgo da Música, e imbuído de seu legado desde que se fez seu colega de arte, Gardiner sempre me faz esperar o sublime quando apresenta mais uma realização bachiana. Dessa vez, no entanto, ele resolveu se superar. Nessa gravação ao vivo que lhes apresento, que é o áudio do magnífico filme lançado juntamente ao CD, os solistas e o coro cantam suas partes de cor, e o conjunto nos impinge de maneira poderosa, irresistível mesmo, o drama da Paixão. À perfeição nota por nota, Gardiner prefere provocar e emocionar, e o time de solistas – com destaque para o excelente Evangelista de Nick Pritchard – responde à altura. As árias são lindamente buriladas, e as intervenções da turba, ebulientes. Eu, que não sou religioso, nem tenho o mais impressionável dos corações, me flagrei aos prantos umas quantas vezes ao longo da audição. Antes não os tivesse contido, pois, depois de quase duas horas de pura manipulação emocional, à mercê das magistrais rédeas de Gardiner, o coro final, em sua singeleza e radiante tonalidade maior, fez meus olhos fundirem pela derradeira vez: ao fim de tanto pathos, quase se palpa a esperança que, aos cristãos, irromperá no domingo de Páscoa. Uma “Paixão” para ateus e crentes, e Bach para a Eternidade.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Johannes-Passion (Paixão segundo João), para solistas, coro e orquestra, BWV 245

Parte I
1 – “Herr, unser Herrscher”
2 – “Jesus ging mit seinen Jüngern”
3 – “O große Lieb, o Lieb ohn’ alle Maße”
4 – “Auf daß das Wort erfüllet würde”
5 – “Dein Will gescheh, Herr Gott, zugleich”
6 – “Die Schar aber und der Oberhauptmann”
7 – “Von den Stricken meiner Sünden”
8 – “Simon Petrus aber folgete Jesu nach”
9 – “Ich folge dir gleichfalls”
10 – “Derselbige Jünger war dem Hohenpriester bekannt”
11 – “Wer hat dich so geschlagen”
12 – “Und Hannas sandte ihn gebunden”
13 – “Ach mein Sinn”
14 – “Petrus, der nicht denkt zurück”

Parte II

15 – “Christus, der uns selig macht”
16 – “Da führeten sie Jesum”
17 – “Ach großer König, groß zu allen Zeiten”
18 – “Da sprach Pilatus zu ihm”
19 – “Betrachte, meine Seele”
20 – “Erwäge, wie sein blutgefärbter Rücken”
21 – “Und die Kriegsknechte flochten eine Krone von Dornen”
22 – “Durch dein Gefängnis, Gottes Sohn”
23 – “Die Jüden aber schrieen und sprachen”
24 – “Eilt, ihr angefochtnen Seelen”
25 – “Allda kreuzigten sie ihn”
26 – “In meines Herzens Grunde”
27 – “Die Kriegsknechte aber”
28 – “Er nahm alles wohl in Acht”
29 – “Und von Stund an nahm sie der Jünger zu sich”
30 – “Es ist vollbracht!”
31 – “Und neiget das Haupt und verschied”
32 – “Mein teurer Heiland, lass dich fragen”
33 – “Und siehe da, der Vorhang im Tempel”
34 – “Mein Herz, in dem die ganze Welt”
35 – “Zerfließe, mein Herze, in Fluten der Zähren”
36 – “Die Juden aber”
37 – “O hilf, Christe, Gottes Sohn”
38 – “Darnach bat Pilatum Joseph von Arimathia”
39 – “Ruht wohl, ihr heiligen Gebeine”
40 – “Ach Herr, laß dein lieb Engelein”

Nick Pritchard, tenor (Evangelista)
William Thomas, baixo (Cristo)
Alex Ashworth, barítono (Pilatos)
Julia Doyle, soprano
Alexander Chance, contratenor
Peter Davoren, tenor
Monteverdi Choir
English Baroque Soloists
Sir John Eliot Gardiner, regência

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Cristo de San Juan de la Cruz, por Salvador Dalí (1951)

A quem se interessou pelas gravações anteriores de Gardiner para a Paixão segundo João, ambas excelentes, ei-las, de lambujem:


Gravação de 1986

Anthony Rolfe Johnson, tenor (Evangelista)
Nancy Argenta e Ruth Holton,
sopranos
Michael Chance,
contralto
Neill Archer e Rufus Müller,
tenores
Stephen Varcoe e Cornelius Hauptmann, baixos
The English Baroque Soloists
The Monteverdi Choir
John Eliot Gardiner,
regência

Gravado na All Saints’ Church de  Tooting, Londres, Reino Unido
Selo Archiv Produktion

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Gravação de 2011

Joanne Lunn e Katharine Fuge, sopranos
Bernarda Fink,
contralto
Mark Padmore,
tenor
Hanno Müller-Brachmann e Peter Harvey,
baixos
The Monteverdi Choir
The English Baroque Soloists
John Eliot Gardiner,
regência

Gravado na Kaiserdom de Königslutter, Alemanha
Selo Soli Deo Gloria

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Caso tanto Gardiner ainda não lhes baste, recomendo essa (por óbvio) belíssima récita da Paixão durante o Festival Proms, no Royal Albert Hall de Londres, em 2008.

 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

In memoriam Ammiratore (1970-2021) – Gabriel Fauré (1845-1924): Requiem

In memoriam Ammiratore (1970-2021) – Gabriel Fauré (1845-1924): Requiem

Hoje, quando lembramos que faz um ano que o Ammiratore nos deixou, vítima de uma Covid-19 que já era uma doença prevenível em nações não negacionistas e da necropolítica que matou outros 661.000 brasileiros, nada tenho de muito inteligente para lhes dizer, pois nada há que possa aplacar a tristeza e a revolta com a perda de nosso querido amigo e o morticínio promovido por tão dolosas negligências.

Por isso, hei de lhes oferecer música.

Pensei, primeiramente, em alcançar-lhes alguma gravação do portentoso Requiem de Giuseppe Verdi, até me dar conta de que suas tonitruâncias apocalípticas ornam melhor com meu ódio a todos perpetradores desse hediondo crime sanitário contra os brasileiros do que com a índole de nosso pacato Ammiratore. Ele amava Verdi, sim, e certamente haveria de nos proporcionar uma entusiasmada aula sobre o Requiem dentro de seu projeto de aqui publicar a obra completa do mestre de Roncole. Por isso mesmo – em respeito a nosso amigo, à sua devoção ao Progetto Verdi, e ao colega Alex DeLarge, que tanta dedicação enciclopédica tem empenhado em sua continuidade – resolvi deixar que o Requiem de Giuseppe aqui apareça no devido momento, provavelmente entre AidaOtello, dessa longa travessia.

Em lugar da tonitruância, oferecer-lhes-ei uma obra muito mais afeita à suavidade do homenageado: o Requiem que Gabriel Fauré escreveu entre 1887 e 1890 e revisou algumas vezes. Nessa obra-prima, a sequência Dies Irae, que costuma proporcionar aos compositores os melhores pretextos para derramar magma nos ouvintes, é substituída pela mui branda Pie Jesu, e o sublime In Paradisum que a encerra atesta quão bem-sucedido foi o compositor em suas intenções, aqui expressas em suas próprias palavras:


Tudo o que consegui acalentar por meio de ilusão religiosa coloquei no meu Réquiem, que, além disso, é dominado do começo ao fim pelo sentimento muito humano de fé no descanso eterno.”


E nada mais lhes contarei, além das saudades que tenho de meu amigo, e da vontade de que, em seu eterno descanso, haja muita música.


Gabriel Urbain FAURÉ (1845-1924)

Requiem em Ré menor, para solistas, coro e orquestra, Op. 48
Versão original, publicada em 1893

1 – Introït
2 – Kyrie
3 – Offertoire
4 – Sanctus
5 – Pie Jesu
6 – Agnus Dei
7 – Libera Me
8 – In Paradisum

9 – Cantique de Jean Racine, Op. 11

Sandrine Piau, soprano
Stéphane Degout, barítono
Maîtrise de Paris
Membros da Orchestre National de France
Luc Héry,
violino solo
Christophe Henry, órgão
Laurence Equilbey, regência

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A chegada do Ammiratore ao céu (adulteração de Vassily sobre original de Otto Böhler)

Vassily

Boldog születésnapot! – Béla Bartók, 141 anos [Bartók – Obra completa para violino – André Gertler]

Incrível que já se tenha passado um ano desde que, antes da gafe de deixar o patrão PQP tocar sozinho a série de postagens com a obra completa de Béla Bartók, assumi o papel de mestre de cerimônias no 140º natalício do grande homem e mostrei-lhes algumas de suas muitas façanhas como compositor, pianista, pedagogo e colecionador.

Pois hoje, enquanto colocamos mais uma velinha no bolo do mestre, voltarei àquele que é, talvez, o mais suculento gomo de sua obra. Entre todas suas composição, são as peças para violino – solo, em duo, com piano e acompanhadas por orquestra – que me parecem mais dependentes do “sotaque húngaro”, aquela tecla em que batemos obsessivamente ao longo da série de postagens do ano passado. Claro que há exceções, mas é muito difícil que elas – com seus modos, ataques e efeitos tão calcados no folclore da “Grande Hungria”, estudados à minúcia pelo compositor –  sejam executadas a contento por intérpretes não magiares.

Endre Gertler (1907-1998), natural de Budapest, tinha, além de todo esse sotacão, uma tremenda familiaridade com essas obras, advinda da familiaridade com seu próprio autor: ele colaborou com Bartók em recitais ao longo dos anos 20 e 30 e foi, juntamente com József Szigeti, seu consultor para assuntos de técnica violinística. Mesmo depois de se radicar na Bélgica, tornar-se professor do Real Conservatório de Bruxelas e adotar o prenome “André”, o sotaque não se perdeu. Gertler já beliscava os sessenta anos quando foi à Tchecoslováquia, acompanhado dum regente patrício (János Ferencsik) e da esposa, a pianista dinamarquesa Diane Andersen, registrar a integral de Bartók para violino solista, ao lado de orquestras e solistas tchecos. O resultado foi essa gravação emblemática que ora lhes apresento e que, para mim, ainda é a referência nesse repertório, mais de cinquenta anos depois de ser dada ao mundo. O ótimo selo Supraphon é notório pelo cuidado de seus engenheiros de som, e a remasterização para a edição em CD fez jus ao material original. Se tiverem que escolher apenas um disco, sugiro-lhes o segundo: além duma eletrizante leitura da sonata para violino solo, vocês encontrarão minha interpretação predileta dos quarenta e quatro duos, em que o excelente Josef Suk – neto do compositor homônimo e bisneto de Antonín Dvořák – parece trocar de pedigree para tagarelar em magiar com o violino de Gertler.

Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)

A Obra Completa para Violino
André Gertler, violino
Gravações realizadas em 1966


Disco 1

01 – Rapsódia no. 1 para violino e orquestra, Sz. 87
02 – Rapsódia no. 2 para violino e orquestra, Sz. 90

Com a Filharmonie Brno (Orquestra Filarmônica de Brno)
János Ferencsik, regência

Concerto para violino e orquestra no. 2, Sz. 112
03 – Allegro non troppo
04 – Andante tranquillo – Lento – Allegro scherzando – Comodo – Tempo I
05 – Allegro molto

Com a Česká Filharmonie (Orquestra Filarmônica Tcheca)
Karel Ančerl, regência


Disco 2

Quarenta e quatro duos para dois violinos, Sz. 98

1 – Livro I: Párosíto – Kalamajkó – Menuetto – Szentivánéji – Tót nóta – Magyar nóta – Oláh nóta – Tót nóta –  Játék – Rutén nóta – Gyermekrengetéskor – Szénagyűjtéskor – Lakodalmas – Párnás tánc
2 – Livro II: Katonanóta – Burleszk – Menetelő nóta 1 – Menetelő nóta 2 – Mese – Dal – Újévköszöntő –  Szunyogtánc – Mennyasszonybúcsútató – Tréfás nóta – Magyar nóta
3 – Livro III: “Ugyan édes komámasszony…” – Sánta-tánc – Bánkódás – Újévköszöntő – Újévköszöntő – [3] Újévköszöntő –  Máramarosi tánc – Ara táskor – Számláló nóta – Rutén kolomejka – Szól a duda – A 36 Sz. Változata
4 – Livro IV: Preludium és kanon – Forgatós – Szerb tánc – Oláh tánc – Scherzo – Arab dal – Pizzicato “Erdélyi” tánc

Com Josef Suk, violino

Sonata para violino solo, Sz. 117
5 – Tempo di ciaccona
6 – Fuga. Risoluto, non troppo vivo
7 – Melodia. Adagio
8 – Presto


Disco 3

Sonata no. 1 para violino e piano, Sz. 75
1 – Allegro appassionato
2 – Adagio
3 – Allegro

Sonata no. 2 para violino e piano, Sz. 76

4 – Molto moderato (attacca)
5 – Allegretto

Com Diane Andersen, piano

Contrasts, para clarinete, violino e piano, Sz. 111

6 – Verbunkos
7 – Pihenő
8 – Sebes

Com Milan Etlík, clarinete e Diane Andersen, piano


Disco 4

Concerto no. 1 para violino e orquestra, Sz. 36
1 – Andante sostenuto – attacca:
2 – Allegro giocoso

Com a Filharmonie Brno (Orquestra Filarmônica de Brno)
János Ferencsik, regência

Sonata em Mi menor para violino e piano, Op. póstumo
3 – Allegro moderato (molto rubato)
4 – Andante
5 – Vivace

Sonatina para violino e piano sobre temas folclóricos da Transilvânia
(arranjo de André Gertler para a Sonatina para piano, Sz. 55)
6 – Allegretto – attacca:
7 – Moderato – attacca:
8 – Finale. Allegro vivace

9 – Canções folclóricas húngaras para violino e piano, Sz. 42

Com Diane Andersen, piano

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BÔNUS: toda festa de aniversário que se preza tem sua dose de constrangimento ao aniversariante, então não poderíamos deixar de servir-lhe uma bela torta de climão. Quem sairá de dentro dela será sua antiga paixão de juventude, a violinista Stefi Geyer, que inspirou seu primeiro concerto para violino, prontamente engavetado por cinquenta anos depois que ela deu o fora em Béla, e publicado só treze anos depois da morte do compositor. Para piorar o constrangimento, Stefi sairá da torta a tocar o concerto para violino – também dedicado a ela – composto por Othmar Schoeck, que era ninguém menos que o rival de Bartók no embate pelo coraçãozinho da moça. Se me acham perverso por isso, tsc, eu lhes peço que escondam suas venenosas línguas: Geyer é ótima violinista, e melhor ainda é Dennis Brain, o genial trompista que executa o idiomático concerto que completa o disco.

Othmar SCHOECK (1886-1957)

Concerto para violino e orquestra “quasi una fantasia” em Si bemol menor, Op. 21
1 – Allegretto
2 – Grave, non troppo lento
3 – Allegro con spirito

Stefi Geyer, violino
Tonhalle Orchester Zurich
Volkmar Andreae, regência

Concerto para trompa e orquestra, Op. 65
4 – Lebhaft, energisch bewegt
5 – Ruhig fliessend
6 – Rondo

Dennis Brain, trompa
Collegium Musicum Zurich
Paul Sacher, regência

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VASSILYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY!!!

 

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

O Retrato de Haussmann, ou Johann & John [J. S. Bach, 337 anos]

O Retrato de Haussmann, ou Johann & John [J. S. Bach, 337 anos]

O turíngio Elias Gottlob Haußmann (1695-1774) aprendeu, como era a praxe em sua época, o ofício de seu pai, pintor da corte de Hesse, e serviu ele próprio as cortes do Eleitor da Saxônia e de Dresden antes de se tornar o retratista oficial de Leipzig. Nos quase quarenta anos em que exerceu essa função, Haußmann levou para as telas praticamente todos os figurões e figurinhas da cidade saxã, imortalizando-os em poses idealizadas que, frequentemente, aludiam a seu poder ou ofício na cidade.

Poupá-los-ei, portanto, de spoilers sobre a função do trompetudo Gottfried Reiche

A despeito de todo trabalho que lhe passou pelo ateliê, pode-se supor que o nome de Haußmann estaria hoje na mesma vala do oblívio em que jazem quase todos seus retratados, não fosse pelo mais célebre deles. Era um músico prolífico (tanto em obra quanto em rebentos) e tão próspero em seu ofício que assumira o prestigioso cargo de Kantor na Igreja de São Tomás – cujas responsabilidades envolviam todas as outras igrejas da cidade e diversas funções do fazer musical, e equivalia, portanto, ao de Diretor Geral de Música em Leipzig.

O laborioso cidadão, pai de vinte e um filhos (os vinte que a História lhes conta, mais o patrãozinho) e ocupadíssimo pela maior parte de seus sessenta e um anos, decidira adicionar inda outra camada de atividades à sua já abarrotada vida. Assim, e por desejar ocupar uma rara vaga na (tentem dizer num só fôlego) Correspondierende Societät der musicalischen Wissenschaften (“Sociedade Correspondente das Ciências Musicais”), fundada por Lorenz Michler, o dito-cujo resolveu cumprir os dois pré-requisitos para a admissão: submeter-lhes uma composição de bom fundamento (no caso, as Variações Canônicas sobre Vom Himmel hoch da komm’ ich her) e arranjar um retrato digno de um figurão daquela exclusiva sociedade, que tinha Händel e Telemann entre seu punhado de membros.

O nome do cidadão, bem, eu não o direi, pois vocês já o adivinharam.

Ecce homo

Não sabemos se o respeitado Thomaskantor, que morreria poucos anos depois em consequência duma cirurgia realizada pelo mesmo charlatão que cegaria Händel, imaginava que aquele seria seu único retrato indubitavelmente legítimo a chegar ao século XXI.  O fato é que, ao posar para Haußmann e para a eternidade, ele – que foi o maior tecladista de seu tempo, e um organista cuja fama extrapolou os vastos limites do então Sacro Império Romano-Germânico – não quis ser retratado ao lado de qualquer um de seus muitos instrumentos. Preferiu, em vez disso, ostentar em sua mão direita o símbolo de seu outro ofício: um breve cânone enigmático a demonstrar sua maestria como compositor (ouça-o aqui), a mesma que haveria de imortalizá-lo, através do mais impressionante conjunto de obras de toda a Música.

Ainda que não se saibam muito bem os motivos, há duas versões autênticas do célebre “retrato de Haußmann”. Talvez o retratado quisesse deixar um dos quadros em exibição pública – quem sabe junto à Sociedade supracitada – e guardar o outro consigo, quiçá a salvo das traquinagens da prole. O fato é que, embora devessem ser idênticos, eles sofreram de maneira muito diferente com a passagem do tempo.

O primeiro, datado de 1746, nunca deixou a Alemanha e passou por restaurações que, embora bem intencionadas e ainda que não desfigurassem por completo o retratado (e sim, estamos pensando no mesmo péssimo exemplo), chegou aos nossos dias sem impressionar: é opaco, neutro, e passa despercebido por aqueles que o visitam onde está há muitos anos, na Altes Rathaus de Leipzig.

Já o segundo, que foi o que lhes mostramos acima, tem a data de 1748 e está vívido como se suas tintas ainda estivessem a secar. Ele é, para todos os efeitos, O “retrato de Haußmann”. Nele, o Thomaskantor encara a posteridade com a sisudez esperada de alguém com o cargo da espessura do seu, enquanto suas bochechas rosadas, o queixo duplo e os dedos roliços  atestam o bom garfo e o copo fundo com que sorvia aquela estabilidade de finanças que nunca antes tivera em sua vida. Mais ainda: uma vez que se lhe percebe o discreto sorriso, ele nunca mais deixa de sorrir.

O espantoso estado de conservação desse retrato não dá ideia de seu rocambolesco itinerário continentes afora. Após a morte do retratado, em 1750, há razoável consenso de que a pintura ficou com seu filho mais célebre, Carl Philipp Emanuel. O que se fez dele entre a morte do Bach mais moço e seu reaparecimento, já no século XIX, nas mãos da família Jenke de Breslávia (hoje Wrocław, Polônia), ninguém o sabe ao certo. O que sabemos é que, em 1936, o Jenke da vez, chamado Walter, percebeu que algo de muito errado estava a acontecer na Europa e, judeu que era, temeu que os nazistas lhe confiscassem o inestimável retrato. Assim, em 1938, ele o deixou aos cuidados de amigos na Inglaterra, que tinham uma propriedade rural no pacato condado de Dorset, onde a obra ficaria até que pudesse reavê-la com segurança. Jenke, infelizmente, acertou suas previsões: a guerra incendiaria boa parte do mundo, e ele próprio seria prisioneiro na ilha de Man (um destino menos pior, certamente, do que experimentaria na Europa Central). Enquanto isso, a partir da sala de estar dos Gardiners, o retrato de Haußmann contemplava impavidamente a rotina da família e, com especial rigor, o caçula da casa, um menino que deu seus primeiros passos sob os olhos severos daquele futuro colega de arte, o Thomaskantor falecido quase dois séculos antes.

O nome do menino?

John Eliot.

Tóin! (Maciej Schumacher ,CC BY-SA 4.0)

ooOoo

Talvez eu tenha sido o último bípede a saber dessa história improvável, e é bem possível que vocês estejam todos a rir de mim por conta disso. Não me importo: descobrir que o único retrato autêntico de Johann Sebastian Bach esteve, e por vias tão convolutas, tão intimamente próximo da infância de seu maior intérprete vivo fez-me (e ainda faz!) olhar para os lados a procurar a câmera escondida e sacudir os miolos com incredulidade. Nem o próprio Gardiner acredita em coincidência: chama tudo de serendipidade e reconhece, entre sorrisos, que o olhar de Sebastião Ribeiro não lhe foi, nos primeiros anos, nem um pouco estimulante. Foi-lhe difícil, reconhece, conciliar a ideia de que tanta beleza, e tanta grande música fosse cria de alguém de olhar tão severo. Com o passar dos anos, no entanto, o jovem John conseguiu enxergar naquelas bochechas rosadas, no queixo duplo e nos dedos roliços os sinais bonachões de quem, afinal, deixara para a posteridade um legado artístico sem qualquer paralelo. Mais que isso: ao desenvolver sua brilhante carreira musical, Gardiner soube retribuir ao Demiurgo da Música toda sua generosidade, tornando-se presidente do Arquivo Bach de Leipzig e, nessa condição, contribuindo decisivamente para que o retrato de Haußmann, que passou quase sessenta anos numa coleção particular nos Estados Unidos, voltasse para seu lar em Leipzig, mais de dois séculos e meio depois de deixá-lo.

Se essa história inacreditável não lhes fez vibrar qualquer corda, tenho certeza de que a grande música do aniversariante (que tem dois aniversários, o primeiro dos quais é hoje) o fará.

Dedicado a J. S. Bach, maior gênio criador que já respirou nessa atmosfera, no seu tricentésimo trigésimo sétimo aniversário.

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Johann Sebastian BACH (1685-1750)

1 – Lobet den Herrn, alle Heiden, BWV 230
2 – Komm, Jesu, komm, BWV 229
3 – Der Geist hilft unser Schwachheit auf, BWV 226

Jesu, Meine Freude, BWV 227
4 – Jesu, meine Freude
5 – Es ist nun nichts Verdammliches
6 – Unter deinem Schirmen
7 – Denn das Gesetz des Geistes
8 – Trotz dem Alten Drachen
9 – Ihr aber seid nicht Fleischlich
10 – Weg mit allen Schätzen!
11 – So aber Christus in euch ist
12 – Gute Nacht, O Wesen
13 – So nun der Geist
14 – Weicht, ihr Trauergeister

15 – Fürchte dich Nicht, ich bin bei Dir, BWV 228

Singet dem Herrn ein neues Lied, BWV 225
16 – Singet dem Herrn ein neues Lied
17 – Wie sich ein Vater erbarmet
18 – Lobet den Herrn in seinen Taten

19 – Ich lasse dich, du segnest mich denn, BWV Anh. 159

Olaf Reimers, violoncelo
Valerie Botwright, contrabaixo
György Farkas, fagote
James Johnstone, órgão
The Monteverdi Choir
John Eliot Gardiner, regência

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Si bemol – Lá – Dó – Si = B – A – C – H
PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

Valentyn Vasylyovych Silvestrov (1937): Sacred Songs


Enquanto lhes escrevo isso, o grande compositor ucraniano Valentyn Silvestrov, em sua avançada idade, deve lamentar ter vivido para testemunhar outra invasão a seu país.  E, enquanto Silvestrov pranteia, seus compatriotas – incluindo muitos amigos meus e, provavelmente, os cantores e o regente dessa gravação – novamente protegem-se em abrigos ou escapam, com a roupa do corpo, da fúria de um sanguinário invasor.

Não é hora de escrever.

É hora de se informar, de se posicionar, de agir, de cobrar posições.

Afinal, ante qualquer agressão, a hesitação e a dita neutralidade só servem um dos lados – que vocês bem sabem qual é.

O gigante Evgeny Kissin também sabe

Se puder, faça uma doação às seguintes instituições, que seguramente saberão levar ao povo ucraniano o apoio que você lhe quiser alcançar:

Cruz Vermelha Ucraniana, que atua numa vasta gama de serviços humanitários, de apoio a refugiados ao treinamento de pessoal de saúde para atuação nas áreas de conflito. Doe aqui.

Revived Soldiers Ukraine, que banca medicamentos e suprimentos médicos para hospitais de campanha na linha do front. Doe aqui.

Nova Ukraine, uma ONG que auxilia a população civil com itens essenciais, de alimentos infantis a produtos de higiene, passando por roupas e utensílios domésticos. Doe aqui.

Sunflower for Peace, que disponibiliza mochilas de primeiros socorros a médicos e paramédicos no front. Doe aqui.

Voices of Children, que ajuda crianças a se recuperarem dos traumas psicológicos da guerra. Mais informações aqui.

Save the Children, de destacada atuação na proteção às crianças nas áreas mais pobres da Ucrânia, nas áreas atingidas pelo conflito na região de Donbass e, agora, em todas as áreas atingidas pela invasão russa. Doe aqui.

United Help Ukraine, que distribui alimentos e suprimentos de saúde a deslocados internos na Ucrânia. Doe aqui.

Médicos sem Fronteiras, cuja base na Ucrânia provê tratamento para endemias locais e, agora, no apoio às vítimas da invasão russa. Mais informações aqui.

Dedicado a meus amigos ucranianos, a seus compatriotas, e aos russos que não apoiam a barbárie.

SLAVA UKRAINI!


Valentyn Vasylyovych SILVESTROV (1937)

SACRED SONGS

Songs for Vespers
1 – Come, Let Us Worship
2 – World of Peace
3 – Holy God
4 – O Virgin Mother Of God
5 – Today You Release (Your Servant)
6 – Many Years (Vivat)
7 – Silent Night

Psalms and Prayers
8 – Praise God All Ye Nations (Psalm 116)
9 – Lord, My Heart Swells Not With Pride (Psalm 130)
10 – Lord Jesus Christ
11 – Blessed Is He (Psalm 1)
12 – O King Of Heaven
13 – With The Saints Grant Eternal Peace
14 – Our Father

Two Psalms Of David
15 – You, O Lord, I Call (Psalm 27)
16 – The Lord Is My Shepher (Psalm 22)

Two Spiritual Refrains
17 – Do Not Forsake Me
18 – Alleluia

Two Spiritual Songs
19 – Cherubic Hymn
20 – Many Years (Vivat)

Three Spiritual Songs
21  – Cherubic Hymn
22 – Many Years (Vivat)
23 – Alleluia

Coro de Câmara de Kyiv
Mykola Hobdych, regência

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Campo de colza no oblast de Odessa, Ucrânia, 2013 (foto do autor)

Vassily

Jascha Heifetz – It Ain’t Necessarily So: Legendary Classic & Jazz Studio Takes

 

O inesquecível Jascha Heifetz, que completaria hoje 121 anos, adorava jazz. Sua mansão em Beverly Hills recebia músicos de várias vertentes, que frequentemente mergulhavam em jam sessions, e os estudantes para os quais organizava animadas festas em Malibu testemunhavam o mestre improvisar, tanto ao violino quanto ao piano, sobre as canções populares que amava.

Descobrir que o jazz era o xodó de Heifetz me surpreendeu. Afinal, tiete incondicional do gigante desde que o conheci, acostumara-me com seu semblante estoico nas capas de discos, que nada mudava nos tantos filmes em que, para meu assombro, eu o via enfrentar e vencer, impávido, os trechos mais medonhos da literatura violinística. Foi só ao ler suas biografias e, principalmente, assistir aos documentários e aos preciosos registros de suas masterclasses que conheci seu senso de humor, seu rigor cordial para com os alunos e, não menos importante, constatei que ele era um músico extraordinário o bastante para convencer como mau músico, imitando à perfeição um jovem estudante em pânico durante uma prova:

Jascha também foi um contumaz viajante, legando-nos inúmeros mementos que são verdadeiras pérolas do humor involuntário, como essa sua foto duma visita ao México, em que seu tradicional olhar blasé parece nada impressionado com a indumentária local…


… e também um homem corajoso e cidadão muito grato ao país que o acolheu, percorrendo o front europeu a tocar voluntariamente para as tropas aliadas, além de arrecadar, com concertos beneficentes, vultosos valores para os esforços de guerra.

Perenemente acusado por um ou outro crítico de ser um tecnicista frio, indiferente às intenções do compositor, Heifetz é uma deidade de devoção unânime entre seus colegas: dir-se-ia um “violinista dos violinistas”. Ainda assim, mesmo que todos sonhem em tocar como ele, nem tantos acham que devam. Jascha cresceu imbuído das tradições da Velha Escola russa no Conservatório de São Petersburgo, onde foi discípulo de Leopold Auer – aquele mesmo com quem Tchaikovsky se estranhou por conta de seu concerto para violino. Seria inevitável, pois, que seu estilo, moldado por gente do século XIX, pareça-nos um tanto antiquado, a despeito da tanta beleza que tange. Além disso, suas gravações das peças fundamentais do repertório concertístico, normalmente despachadas em velocidade lúbrica, são referências incontestes que poucos violinistas de hoje tentariam imitar: mesmo o próprio ídolo de Heifetz, Fritz Kreisler, após escutar o prodígio de onze anos de idade, afirmou que todos os violinistas presentes no recinto poderiam quebrar seus instrumentos nos joelhos.

Aqui, Kreisler (à direita) relaxa num lago com Heifetz (à esquerda), que se apoia num trapiche feito, provavelmente, da madeira de violinos quebrados.

Em minha desimportante opinião, será através das pequenas peças que a grandeza de Heifetz rebrilhará aos ouvidos dos séculos vindouros. Esta compilação que ora lhes apresento, com algumas dúzias delas, inclui vários de seus números de bis mais famosos, algumas canções folclóricas e várias composições de George Gershwin, que Jascha muito admirava.  Os arranjos, como verão, são quase todos de sua própria lavra e, se privilegiam o timbre inconfundível do mestre e a elegância de seu fraseado, também lhe dão amplas oportunidades para demonstrar seu deleite em tocar, como mais célebre rebento da Velha Escola russa, a música do Novo Mundo em que escolheu viver.


Uma atração em especial para nós, brasileiros, é escutar “Ao Pé da Fogueira”, um dos prelúdios do genial Flausino Valle, aqui abordado por Heifetz numa masterclass.

A grande surpresa, talvez, esteja na última faixa do álbum. Depois de alguns açucarados bombons em que acompanha o cantor Bing Crosby, Heifetz dá-nos a rara oportunidade de escutá-lo ao piano (!), instrumento em que era, por todos os relatos, muito proficiente. Ele toca “When You Make Love to Me (Don’t Make Believe)”, uma canção que fez sucesso na voz do próprio Crosby, frequentemente pareada com outra, “So Much in Love“. Ainda mais surpreendente é que o autor de ambas, um certo Jim Hoyl, só existia na capa das partituras, pois era tão só o pseudônimo que o próprio Jascha Heifetz (“J.H.”, captaram?) usava para publicar canções populares.

“Um brinde a Jim Hoyl!”

Que a imagem sisuda que dele tiverem liquide-se para sempre, e que a inigualável musicalidade do aniversariante consiga entretê-los tanto quanto espero.

Grato por tanto, Mestre!

In memoriam Iosif Ruvimovich Kheyfets, dito Jascha Heifetz (Vilnius, 2.2.1901 – Los Angeles, 10.12.1987)



Jascha Heifetz – It Ain’t Necessarily So: Legendary Classic & Jazz Studio Takes

DISCO 1

Samuel GARDNER (1891-1984)

1 – From The Canebrake, Op. 5 no. 1

Arthur Leslie BENJAMIN (1893-1960)
2 – Jamaican Rumba (arranjo de William Primrose)

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
3 – Beau Soir (arranjo de Jascha Heifetz)

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
4 – Pièce en Forme de Habanera (arranjo de Georges Catherine)

Clarence CAMERON White (1880-1960)
5 – Levee Dance, Op. 27 No. 2 (baseada em “Go Down, Moses”)

Mario CASTELNUOVO-TEDESCO (1895-1968)
6 – Figaro, Rapsódia de Concerto sobre “Il Barbiere di Siviglia”, de Rossini

Stephen Collins FOSTER (1826-1864)
7 – Jeanie With The Light Brown Hair (arranjo de Heifetz)

Victor August HERBERT (1859-1924)
8 – À la Valse

Antonín Leopold DVOŘÁK (1841-1904)
9 – Humoresques, Op. 101 – No. 1 em Sol bemol maior (arranjo de Heifetz)

Folclore irlandês
10 – Gweedore Brae (arranjo de John Crowther)

Stephen FOSTER
11 – Old Folks at Home (arranjo de Heifetz)

Anônimo
12 – Deep River (arranjo de Heifetz)

Leopold GODOWSKY (1870-1938)
13 – Doze Impressões para violino e piano: no. 12, Wienerissh (arranjo de Heifetz)

Jascha Heifetz, violino
Milton Kaye, piano

Irving BERLIN (1888-1989)
14 – White Christmas

Jascha Heifetz, violino
Salvator Camarata and his Orchestra

George GERSHWIN (1898-1937)
Da ópera “Porgy and Bess” (arranjos de Heifetz)
15 – Summertime
16 – A Woman is a Sometime Thing
17 – My Man’s Gone Now
18 – It Ain’t Necessarily So
19 – Tempo Di Blues (There’s a Boat That’s Leaving Soon for New York)
20 – Bess, You is my Woman Now

Três prelúdios para piano solo (arranjos de Heifetz)
21 – I. Allegro ben ritmato e deciso
22 – II. Andante con moto e poco rubato
23 – III. Allegro ben ritmato e deciso

Jascha Heifetz, violino
Emanuel Bay, piano

DISCO 2

Susan Hart DYER (1880-1922)
1 – An Outlandish Suite, para violino e piano: Florida Night Song

Claude DEBUSSY
2 – Children’s Corner L. 115 – 6. Golliwogg’s Cakewalk (arranjo de Heifetz)
3 – Suite Bergamasque L. 75 – 3. Clair de Lune (arranjo de Alexandre Roelens)

Flausino Rodrigues do VALLE (1894-1954)
4 – Vinte e seis prelúdios característicos e concertantes para violino só – no. 15, “Ao Pé da Fogueira” (arranjo de Heifetz)

Julián Antonio Tomás AGUIRRE (1868-1924)
5 – Huella, Op. 49 (arranjo de Heifetz)

Dmitri Dmitrievich SHOSTAKOVICH (1906-1975)
Dos Vinte e quatro prelúdios para piano, Op. 34 (arranjo de Dmitri Tziganov e Quinto Maganini)
6 – No. 10 em Dó sustenido menor
7 – No. 15 em Ré bemol maior

Edwin GRASSE (1884-1954)
8 – Waves At Play (Wellenspiel) (arranjo de Heifetz)

Sergei Sergeieivich PROFOKIEV (1891-1953)
9 – O Amor das Três Laranjas, Op. 33 – Marcha (arranjo de Heifetz)
10 – Suíte do balé “Romeu e Julieta”, para piano, Op. 75 – Máscaras (arranjo de Heifetz)

Robert Russell BENNETT (1894-1981)
Hexapoda (five studies in Jitteroptera), para violino e piano
11 – Gut-Bucket Gus
12 – Jane Shakes Her Hair
13 – Betty and Harold Close Their Eyes
14 – Jim Jives
15 – …Till Dawn Sunday

Kurt Julian WEILL (1900-1950)
16 – Die Dreigroschenoper – Mack The Knife (Moderato assai) (arranjo de Stefan Frenkel)

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
17 – Souvenir d’un Lieu Cher, para violino e piano, Op. 42 – no. 3: Mélodie em Mi bemol maior

Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849)
18 – Noturnos para piano, Op. 55 – no. 2 em Mi bemol maior (arranjo de Heifetz)

Christoph Willibald von GLUCK (1717-1784)
19 – Orfeo ed Euridice – Dança dos Espíritos Abençoados (arranjo de Fritz Kreisler)

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
20 – Waldszenen, Op. 82 – no. 7: Vogel als Prophet (arranjo de Heifetz)

Nikolai Andreievich RIMSKY KORSAKOV (1844-1908)
21 – O Galo de Ouro – Hino ao Sol (arranjo de Kreisler)

Alexander Abramovich KREIN (1883-1951)
22 – Dança no. 4 (arranjo de Heifetz)

Johannes BRAHMS (1833-1897)
23 – Danças Húngaras – no. 7 em Lá maior (arranjo de Joseph Joachim)

Charles-Camille SAINT-SAËNS (1835-1921)
24 – Le Carnaval Des Animaux – Le Cygne (arranjo de Heifetz)

Cecil BURLEIGH (1885-1980)
25 – Six Pictures, Op. 30 – no. 4: Hills
26 – Small Concert Pieces, Op. 21 – no. 4: Moto Perpetuo

Jascha Heifetz, violino
Emanuel Bay, piano


Benjamin Louis Paul GODARD (1849-1895)
27 – Jocelyn – Berceuse (arranjo de Ernest R. Ball)

Hermann LÖHR (1871-1943)
28 – Where my Caravan has Rested  (arranjo de Edward Teschemacher)

Bing Crosby, voz
Jascha Heifetz, violino
Victor Young and his Orchestra


Jim HOYL, pseudônimo de Jascha HEIFETZ (1901-1987)
29 – When You Make Love to Me (Don’t Make Believe)

Jascha Heifetz, piano

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Querem mais Heifetz? Confiram-no em ação, então, na sua imbatível gravação do concerto de Sibelius (juntamente com o de Glazunov e o segundo de Prokofiev)…

Concertos para Violino de Sibelius, Prokofiev e Glazunov com Jascha Heifetz

… e na frenética leitura do concerto de Beethoven com os sinfônicos de Boston sob Charles Munch:

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Violin Concerto in D – Heifetz, Munch, BSO

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

 

Homenagem a Ammiratore [Verdi/Beethoven: Quartetos em arranjos para orquestra de cordas – Previn]

Hoje é aniversário de nosso querido, saudoso Ammiratore e, por mais que quiséssemos, não conseguiríamos colocar em palavras a falta que ele nos faz. Assim, claro, vamos homenageá-lo com música.

Eu lhe alcancei esta gravação algumas semanas dele inaugurar sua imensa empreitada de publicar e comentar a obra completa de seu amado Verdi, que prossegue com o empenho e a minúcia do colega Alex DeLarge. Eu a recomendei primordialmente, como já decerto perceberam, pela presença da única obra de câmara deixada por Verdi: seu quarteto de cordas, uma peça despretensiosa, competentemente escrita durante um hiato ocioso na produção de “Aida”, e estreada diante de tão só alguns amigos. Aqui, ela tem uma roupagem orquestral dada por Arturo Toscanini e uma leitura muito hábil por André Previn, que mantém as texturas límpidas e muito afeitas à graça do original.

Menos óbvia, mas igualmente significativa, é a ligação entre Ammiratore e a obra que abre a gravação. O quarteto de cordas em Dó sustenido menor de Beethoven – certamente sua mais extensa, e provavelmente sua mais ambiciosa obra do gênero – não escapou ao projeto BTHVN 250, que nosso amável amigo acompanhou e comentou com entusiasmo durante todo 2020. Ele gostou tanto das publicações que teve a gentileza de me escrever em privado, agradecendo pelo empenho em completar o projeto, que muito o inspirou a encarar seu extenso Projeto Verdi. Além disso, ele também me era grato por apresentar-lhe obras de Ludwig que ele nunca antes conseguira antes acessar, como os últimos quartetos de Beethoven, que lhe teriam sido revelados (vejam como era gentil!) pelas minhas publicações. Passamos algum tempo a comentar pormenores dessas obras visionárias, até que ele mencionou que nenhuma delas lhe parecia tão sinfônica quanto o imenso Op. 131. Alcancei-lhe então esta gravação de Previn, que conduz o arranjo de Dmitri Mitropoulos ante os filarmônicos de Viena, para que pudesse experimentar a obra tocada pelas forças de uma orquestra.

Se não sei se ele a chegou a escutá-la, certamente nós outros o faremos agora, em sua memória – para que, enquanto a escutamos, também a escute o Ammiratore, lá nas Esferas.

Em nome de todos colaboradores do PQP Bach,

Vassily Genrikhovich


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Dó sustenido menor, Op. 131
Arranjo para orquestra de cordas por Dmitri Mitropoulos (1896-1960)

1 –  Adagio, ma non troppo e molto espressivo
2 – Allegro molto vivace – attaca:
3 – Allegro moderato – attaca:
4 – Andante, ma non troppo e molto cantible – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto – attaca:
5 – Presto – Molto poco adagio – attaca:
6 – Adagio quase un poco andante – attaca:
7 – Allegro

Giuseppe Fortunino Francesco VERDI (1813-1901)
Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Mi menor
Arranjo para orquestra de cordas por Arturo Toscanini (1867-1957)

8 – Allegro
9 – Andantino
10 – Prestissimo
11 – Scherzo – Fuga

Wiener Philharmoniker
André Previn, regência

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PQP Bach, pelo querido Ammiratore (1970-2021)

 

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Weihnachts-Oratorium, BWV 248 – Savall

“Tsc”, diriam alguns, enquanto palitam dos dentes os resíduos do peru de quatrocentos guedes, “eis Vassily a aplicar o velho e preguiçoso golpe de postar o Oratório de Natal no dia do Natal!”

“Não vos afobeis”, replicaria eu, “oh, soldados de Herodes: este não é qualquer Oratório de Natal, nem tampouco deveríeis escutá-lo todo agora, enquanto contemplais as faturas de janeiro e as fraturas familiares expostas pelos arranca-rabos da ceia”.

E falo sério: nem o próprio João Sebastião Ribeiro pretendia que as seis cantatas de seu Oratório – quase todas provindas de material brilhantemente parodiado de obras suas anteriores – fossem todas escutadas num só dia de Natal. Havia uma cantata para cada uma das noites festivas de Natal, que eram três (25, 26 e 27 de dezembro) em Leipzig; também uma para o primeiro domingo após o Natal, e outra para a Festa da Epifania, que conhecemos como Dia de Reis (6 de janeiro); e até uma, vejam só, para o primeiro dia do ano, não porque ela fosse celebrar o Ano Novo, mas para honrar a dita Festa da Circuncisão de Jesus.

Parabéns, Jesus

 

 

 

O fato de Sebastião ter preparado esse banquete sonoro para seis dias e noites (pois sabe-se que ele, o bicho-carpinteiro, estreou o oratório tanto na Thomaskirche quanto na Nikolaikirche) não os deve demover, tampouco, de ouvir o oratório de uma só vez. Eu próprio, que tenho um fraco pelo eletrizante coro inicial, com o toque dos tímpanos a abrir-lhe os trabalhos, as fanfarras e a brilhante parte vocal, facilmente me deixo levar pela torrente de grande música.

Por óbvio, não seria diferente quando ao ouvi-lo nessa gravação de Jordi Savall. O Midas catalão, que sempre me captura com suas criativas, estimulantes leituras do repertório barroco, operou novamente o milagre de me levar enxurrada abaixo feito pauzinho de enchente e fazer essas duas horas e meia passarem com muito deleite. Há, mais que competência, muito frescor na concepção e precisão na execução, que garantem a clareza mesmo com os rápidos andamentos escolhidos. Ainda que devesse destacar os ótimos solistas, em particular o Evangelista de Martin Platz e o contratenor Raffaele Pé, afirmo que o mais importante retrogosto dessa gravação é o de caloroso aconchego, principalmente nos belíssimos corais, que aqui trazem o habitual repouso dos números mais lépidos, sem no entanto sedarem o ouvinte, nem quebrarem o fluxo da narrativa da Natividade. A gravação, feita ao vivo no Palau de la Música Catalana em Barcelona, tem o som um tanto cavernoso, típico dos registros feitos naquele magnífico auditório, mas haverá, tenho certeza, de soar-lhes como tudo com que Savall nos presenteia: com uma pujança aventureira, e como nenhuma outra que ouviram antes.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Oratório de Natal (Weihnachts-Oratorium), para solistas, coro e orquestra, BWV 248

DISCO 1

Primeira parte: Para a Primeira Noite do Natal
1 – Coro: Jauchzet, frohlocket, auf preiset die Tage
2 – Recitativo (Evangelista): Es begab sich aber zu der Zeit
3 – Recitativo (contralto): Nun wird mein liebster Brautigam
4 –  Ária (contralto): Bereite dich, Zion, mit herrlichen Trieben
5 – Coral: Wie soll ich dich empfangen
6 – Recitativo (Evangelista): Und sie gebar ihren ersten Sohn
7 – Coral (soprano) e recitativo (baixo): Er ist auf Erden kimmen arm
8 – Ária (baixo): Grosser Herr, o starker König
9 – Coral: Ach, mein herzliebes Jesulein

Segunda parte: Para a Segunda Noite do Natal
10 – Sinfonia
11 – Recitativo (Evangelista): Und es waren Hirten in derselben Gegend
12 – Coral: Brich an, o schönes Morgenlicht
13 – Recitativo (Evangelista, soprano): Und der Engel sprach zu ihnen/Fürchtet euch nicht
14 – Recitativo (baixo): Was Gott dem Abraham verheißen
15 – Ária (tenor): Frohe Hirten, eilt, ach eilet
16 – Recitativo (soprano): Und das habt zum Zeichen
17 – Coral: Schaut hin, dort liegt im finstern Stall
18 – Recitativo (baixo): Sogeht denn hin, ihr Hirten, geht
19 – Ária (contralto): Schlafe, mein Liebster, genieße der Ruh
20 – Recitativo (Evangelista): Und alsobald war da bei dem Engel
21 – Coro: Ehre sei Gott in der Höhe
22 – Recitativo (baixo): So recht, ihr Engel, jauchzet und singet
23 –  Coral: Wir singen dir in deinem Heer

Terceira parte: Para a Terceira Noite do Natal
24 – Coro: Herrscher des Himmels, erhöre das Lallen
25 – Recitativo (Evangelista): Und da die Engel von ihnen gen Himmel führen
26 -Coro: Lasset uns nun gehen gen Bethlehem
27 –  Recitativo (baixo): Er hat sein Volk getröst
28 – Coral: Dies hat er alles uns getan
29 – Dueto (soprano, baixo): Herr, dein Mitleid, dein Erbarmen
30 –  Recitativo (Evangelista): Und sie Kamen eilend
31 – Ária (contralto): Schließe, mein Herze, dies selige Wunder
32 – Recitativo (contralto): Ja, ja, mein Herz soll es bewahren
33 – Coral: Ich will dich mit Fleiss bewarhen
34 – Recitativo (Evangelista): Und die Hirten kehrten wieder um
35 – Coral: Seid froh
36 – Coro (da capo): Herrscher des Himmels, erhöre das Lallen

DISCO 2

Quarta Parte: Para a Festa da Circuncisão
1 – Coro: Fallt mit Danken, fallt mit Loben
2 – Recitativo (Evangelista): Und da acht Tage um waren
3 – Recitativo (baixo) com Coral (soprano): Immanuel, o süßes Wort/Jesu, du mein liebstes Leben
4 – Ária (soprano, eco): Flößst, mein Heiland, flößt dein Namen
5 – Recitativo (baixo) com coral (soprano): Wohlan, dein Name soll allein/Jesu, mein Freud und Wonne
6 – Ária (tenor): Ich will nur zu Ehren leben
7 – Coral: Jesus, richte mein Beginnen

Quinta Parte: Para o Domingo após o Natal
8 – Coro: Ehre sei dir, Gott, gesungen
9 – Recitativo (Evangelista): Da Jesus geboren war zu Bethlehem
10 – Coro e recitativo (contralto): Wo ist der neugeborne König der Juden?/Sucht ihn in meiner Brust
11 – Coral: Dein Glanz all Finsternis verzehrt
12 – Ária (baixo): Erleucht auch meine finstre Sinnen
13 – Recitativo (Evangelista): Da das der König Herodes hörte
14 – Recitativo (contralto): Warum wollt ihr erschrecken?
15 – Recitativo (Evangelista: Und ließ versammlen alle Hohenpriester
16 – Terceto (soprano, contralto, tenor): Ach, wenn wird die Zeit erscheinen?
17 – Recitativo (alto): Mein Liebster herrschet schon
18 – Coral: Zwar ist solche Herzensstube

Sexta Parte: Para a Festa da Epifania
19 – Coro: Herr, wenn die stolzen Feinde schnauben
20 – Recitativo (Evangelista, baixo): Da berief Herodes die Weisen heimlich/Ziehet hin und forschet Fleißig nach dem Kindlein
21 – Recitativo (soprano): Du Falscher, suche nur den Herrn zu fällen
22 – Ária (S): Nur ein Wink von seinen Händen
23 – Recitativo (Evangelista): Als sie nun den König gehöret hatten
24 – Coral: Ich steh an deiner Krippen hier
25 – Recitativo (Evangelista): Und Gott befahl ihnen im Traum
26 – Recitativo (tenor): So geht! Genung, mein Schatz
27 – Ária (tenor): Nun mogt ihr stolzen Feinde schrecken
28 – Recitativo (soprano, contralto, tenor, baixo): Was will der Höllen Schrecken nun
29 – Coro: Nun seid ihr wohl gerochen

Katja Stuber, soprano
Raffaele Pé, contratenor
Martin Platz, tenor
Thomas Stimmel, baixo
La Capella Reial de Catalunya
Le Concert des Nations
Jordi Savall, regência

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O maravilhoso Palau de la Música Catalana, onde foi feita a gravação que hoje lhes ofereço (fotos do autor)

 

 

 Quem quiser mais do Oratório de Natal saberá encontrar deleite nessa gravação primorosa, e aqui já publicada pelo patrão PQP:

J. S. Bach (1685-1750): Oratório de Natal (Weihnachts-Oratorium / Christmas Oratorio)

Aproveito para reiterar o pedido do colega René Denon, feito ontem: se puder e for de seu agrado, lembre-se também de…

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily

BTHVN251 – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (versão de 1806) – Soustrot

Incrível, mas já faz um ano que lhes alcancei o epílogo do imenso tributo que fiz a Ludwig em seu jubileu. Ainda mais impressionante, parece-me, é que tenhamos resistido a mais um ano de tanatocracia e que tudo o que nos reste para comemorar, talvez, seja tão só não estarmos no rol de suas centenas de milhares de vítimas fatais.

Quem for capaz de comemorar algo mais que esse extraordinário fenômeno que é estar vivo no Brasil de 2021 poderá celebrar, entre hoje e amanhã, mais um natalício do genial renano, que provavelmente nasceu num 16 de dezembro como hoje e foi batizado no dia seguinte, o 17 de dezembro que se convencionou considerar seu aniversário. E, já que suponho que ainda estejam a digerir a fartadela de postagens e gravações beethovenianas com que abarrotei este blogue no ano passado, em vez dum banquete pantagruélico, então, hei de oferecer-lhes somente um digestivo, um fino chocolatinho mentolado.

A despeito do enganoso título de “A Obra Completa de Ludwig van Beethoven”, nosso esforço de alcançar-lhes a integral do grande homem teve algumas desimportantes lacunas, quase todas por conta de obras fragmentárias, ou rascunhos, ou coisas que ele próprio houve por bem não levar à prensa. De significativo, sem dúvidas, faltou apenas a segunda versão de sua única ópera, lançada como “Leonore” e que viria a se tornar “Fidelio”, cuja gravação não encontrara em lugar algum…

… até que a encontrei.

Com um ano de atraso, alcanço-lhes a primeira e até agora única gravação comercial já realizada da segunda versão de “Leonore”. Composta por dois atos, foi estreada em 29 de março de 1806, meros quatro meses depois do naufrágio da versão original em três atos, muito por conta de que o público da première em Viena era composto de invasores franceses que provavelmente entendiam lhufas de alemão e, mesmo que entendessem, não aplaudiriam um libelo daquele naipe contra a opressão. Beethoven, como era seu hábito, tomou para si os engulhos do fracasso e, aconselhado por amigos e com a ajuda de um dos melhores deles, Stephan von Breuning, tratou de podar “Leonore” para deixá-la com um ato a menos.

Nem tudo foram cortes: foi adicionada uma marcha para a entrada do vilão Pizarro e, mais notavelmente, uma poderosa abertura, que se ouve amiúde, por si mesma, nas salas de concertos, e que depois se convencionou chamar de “Leonore no. 3”. Ela é uma adaptação daquela da versão original, transfigurada num portento sinfônico que contrasta, e alguns dirão que não favoravelmente, com o singelo número vocal inicial. Não só este, mas boa parte da tertúlia entre Marzelline e Jaquino por conta de Fidelio, que tomava praticamente todo o primeiro dos atos da versão de 1805, foi sumariamente decepada. Também foram tosadas uma ária inteira de Rocco e a discussão entre Don Fernando e a turba sobre a punição de Pizarro, no final da ópera. O maravilhoso dueto “O namenlose Freude” foi cortado pela metade, e o início da ária “Ach! brich noch nicht!” de Leonore (que se tornaria “Abscheulicher!” na versão de 1814) foi abreviado. As apressadas machetadas surtiram efeito, e a nova “Leonore” foi um sucesso em sua estreia, ainda que a temporada viesse a ter apenas mais uma récita, por conta de brigas (para variar) entre o compositor turrão e a direção do teatro.

Para todos que se interessam por “Leonore”/”Fidelio”, indiscutivelmente a maior fonte de gastura e cabelos brancos para Beethoven entre todas suas obras, essa gravação da versão de 1806 é um pitéu. Reconstruída pelos musicólogos dos Arquivos Beethoven de Bonn, torna-se especialmente fascinante quando cotejada com a versão anterior e a final da ópera. Dessa forma, ela nos mostra como funcionava o estaleiro musical do renano, ao coletar os restos dum naufrágio de bilheterias e transfigurá-lo num razoável, ainda que tardio, sucesso. Ademais, ela se sustenta por si só, em especial pela notável Leonore de Pamela Coburn – uma das melhores Leonores entre todos “Fidelios” e “Leonores” que há no mercado fonográfico -, pelo ótimo coro e pelo competente acompanhamento sob a regência de Marc Soustrot, muito bem gravados por uma orquestra e num teatro conterrâneos do aniversariante de amanhã. O ponto fraco, como sói acontecer em gravações deste Singspiel, são os diálogos, aqui gravados por atores, cujas vozes têm timbres completamente diferentes dos cantores, e cujas intervenções são separadas dos números musicais por pausas que destroem qualquer fluência na trama. Minha sugestão é a habitual: pular os diálogos, indicados abaixo por aspas simples, e ouvir só a grande música do renano.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Leonore, oder Der Triumph der ehelichen Liebe (“Leonore, ou O Triunfo do Amor Conjugal”), ópera em dois atos (versão de 1806, Hess 110)

Libreto de Joseph Sonnleithner, baseado na peça “Leonore, ou L’Amour Conjugal” de Jean-Nicolas Bouilly, editado por Stephan von Breuning

DISCO 1

1 – Abertura em Dó maior, Op. 72b (“Leonore III”)

PRIMEIRO ATO

2 – ‘Fidelio kommt noch nicht zurück!’
3 – No. 1, ária: ‘O war ich schon mit dir vereint’
4 – ‘Wenn ich diese Thüre heute nicht schön’
5 – No. 2, dueto: ‘Jetzt, schatzchen, jetzt sind wir allein’
6 – ‘Es ist hein anderes Mittel übrig’
7 – No. 3, quarteto: ‘Mir ist so wunderbar’
8 – ‘Höre, Fidelio, wenn ich auch nicht weiß’
9 – No. 4, trio: ‘Gut, Sohnchen, gut’
10 – ‘Aber nun es Zeit, daß ich’
11 – No. 5: Marcha
12 – ‘Drey Schildwachen auf den Wall’
13 – No. 6, ária com coro: ‘Ha! Welch ein Augenblick!’
14 – ‘Ich darf keinen Augenblick säumen’
15 – No. 7, dueto: ‘Jetzt, Alter, hat es Eile!’
16 – ‘Ha! Rocco spricht noch immer mit dem Gouverneur!”
17 – No. 8, recitativo e ária: ‘Ach, brich noch nicht, du mattes Herz!…’
18 – ‘Sieh’ doch, da bist du schon wieder allein’
19 – No. 9 dueto: ‘Um in der Ehe froh zu leben’
20 – ‘Sieh’ lieber Fidelio, so anhänglich’

DISCO 2

1 – ‘Ha! so habe ich dich endlich ertappt’ – ‘Was habt ihr beyde dann wieder mit einander zu zanken?’
2 – No. 10, trio: ‘Ein Mann ist bald genommen’
3 – ‘Immer erregt es in mir wohlthätige Empfindung’
4 – No. 11, finale: ‘O welche Lust, in freier Luft’ – ‘Nun sprecht, wie ging’s?’ – ‘Wir müssen gleich zum Werke schreiten’ – ‘Auf euch nur will ich bauen’

SEGUNDO ATO

5 – No. 12: Introdução em Ré maior – Recitativo e ária: ‘Gott! Welch Dunkel hier!…’ – ‘In des Lebens Frühlingstagen’
6 – ‘Wie kalt ist es in diesen unterrdischen Gewölbe!’
7 – No. 13, dueto:  ‘Nur hurtig Fort, nur frisch Gegraben’
8 – ‘Er erwacht!’
9 – No. 14, trio: ‘Euch werde Lohn in bessern Welten’
10 – ‘Alles ist bereit; ich gehe das Signal geben!’
11 – No. 15, quarteto: ‘Er sterbe! Doch er soll erst wissen’
12 – ‘Verlaß uns nicht! O hilf – ‘
13 – No. 16, recitativo e dueto: ‘Ich kann mich noch nicht fassen’ – ‘O namenlose Freude!’
14 – ‘O Leonore, sprich! durch welches Wunder’
15 – No. 17, finale: ‘Zur Rache! Zur Rache!’ – ‘Hinweg mit diesem Bösewicht’

 

Pamela Coburn, soprano (Leonore)
Christine Neithardt-Barbaux, soprano (Marzelline)
Mark Baker, tenor (Florestan)
Jean-Philippe Lafont,  tenor (Pizarro)
Benedikt Kobel, tenor (Jaquino)
Eric Martin-Bonnet, baixo (Don Fernando)
Victor von Halem, baixo (Rocco)
Kölner Rundfunkchor
Orchester der Beethovenhalle Bonn
Marc Soustrot, regência

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 Leonore de 1805/Leonore de 1806

PQP Bach, pelo saudoso Ammiratore (1970-2021)

Vassily