J.S. Bach (1685-1750), F. Gulda (1930-2000): GULDA PLAYS BACH (ao vivo)

Não encontrei a data nem o local desta gravação – só sei que, depois de ouvi-la, reouvi-la e reouvi-la, não tenho como não compartilhar!

Sei, Friedrich Gulda é daqueles pianistas que (à parte seu envolvimento com jazz e sabe-se lá mais o que) não está muito preocupado se seu toque está de acordo com esta ou aquela concepção teórica de como a música deve ser: está interessado em fazer música de acordo com o que seu corpo & coração sentem que seja música – não por isso descuidando da capacitação técnica para realizá-lo. Nem todos gostam disso, eu sei… mas da minha parte, o resultado aqui, é, confesso, o Bach que eu gostaria de tocar (caso não tivesse fugido do trabalhoso caminho que é o da formação pianística).

Os primeiros minutos do recital me surpreenderam soando bastante como Glenn Gould (o que não é necessariamente uma crítica!), mas basta chegar à primeira Sarabande para perceber que estamos ouvindo um pianista que, longe de se ater a uma mesma abordagem programada para toda a vida, se reserva a liberdade de usar uma abordagem diferente para cada peça a que dirige seu coração. Não que essas abordagens sejam arbitrárias: aqui pela primeira vez ouvi algo de inglês nas Suítes Inglesas (especialmente nas Bourrés da 2ª Suíte [faixa 6] e as Gavottes da 3ª [faixa 17]).

Enfim: digo sempre que não gosto de instrumentistas que tocam, e sim dos que dizem a música com seus instrumentos. Pois no Bach de Gulda não encontro nem uma única frase meramente tocada: até a frase aparentemente mais secundária de uma voz de apoio, tudo é dito; cada frase se sustenta como um discurso em si.

Então vamos a esse discursos – depois desta última observação: o Prelúdio e Fuga do próprio Gulda, apresentado como bis, já foi postado aqui há algum tempo em versão de estúdio.

GULDA PLAYS BACH
01 Apresentação

J. S. BACH (1685-1750)
SUÍTE INGLESA nº 2 em la menor – BWV 807
02 I Prelude
03 II Allemande
04 III Courante
05 IV Sarabande
06 V Bourrée I e II
07 VI Gigue

CONCERTO ITALIANO em fa maior – BWV 971
08 I [Allegro]
09 II Andante
10 III Presto

TOCCATA em do menor – BWV 911
11 I Toccata
12 II Fuga

SUÍTE INGLESA nº 3 em sol menor – BWV 808
13 I Prelude
14 II Allemande
15 III Courante
16 IV Sarabande
17 V Gavotte I e II
18 VI Gigue

CAPRICCIO em si bemol maior
“SOPRA LA LONTANANZA DEL SUO FRATELLO DILETTISSIMO” – BWV 992
19 I Arioso (adagio)
20 II —
21 III Adagiosissimo
21 IV —
22 V Aria de Postiglione (allegro poco)
23 VI Fuga all’imitazione di posta

F. GULDA (1930-2000)
PRELÚDIO E FUGA
24 I Preludio
25 II Fuga

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Ranulfus
– com agradecimentos a Carlinus pelo arquivo,
renormalizado para esta postagem.

Friedrich Gulda (1930-2000): Jazz Works – com J.J.Johnson, Freddie Hubbard, Sahib Shihab e Eurojazz Orchestra

IMG_20160602_080123bNão se enganem: isto não é uma “curiosidade” que “talvez valha a pena baixar”… É Música com M Maiúsculo.

Não se costuma pensar em Gulda como compositor e sim como pianista – e muitas vezes como um pianista questionável por suas ousadias heterodoxas, mesmo tendo sido professor de gente como Marta Argerich e Claudio Abbado – mas aqui Gulda comparece não só como pianista, mas também como band leader e autor das três composições, cuja proposta vamos deixar que ele mesmo explique:

    Music for Four Solists and Band No. 1 é uma nova obra em uma série de composições em que venho tentando abrir para o jazz as formas clássicas maiores (sonata, sinfonia, concerto etc.). Creio que até agora o jazz se confinou em formas muito estritas e esquemáticas – quase só a da canção ou balada de 32 compassos e do blues de 12 compassos. Hoje muitos músicos jovens vêm se dando conta da limitação dessas formas, e tentam libertar-se delas de golpe, abrindo mão de toda e qualquer forma e jogando fora tudo o que foi legado pela tradição (free jazz).

    Eu acredito que há outra saída: não é apenas explodindo as formas que o jazz teve até agora que seus limites podem ser dilatados, mas também mediante o seu enriquecimento através das grandes formas clássicas. Europeu que sou, este último caminho me parece o mais frutífero. Tenho a sensação de que simplesmente ainda não foram percebidas as possibilidades que nossa grande tradição musical oferece ao jazz. Longe de esgotadas, essas possibilidades são novas e vigorosas. Os jazzistas europeus se miram em New Orleans, Harlem ou no South Side de Chicago, mas nem assim conseguem assimilar a tradição do negro americano em sua plenitude. Nunca entendi por que não recorrem mais intensamente à sua própria tradição!

    A Music for Four Solists and Band é uma obra para quatro solistas – trompete, trombone, sax barítono alternado com flauta, e piano – na forma clássica de concerto em três movimentos: 1º: Forma-de-sonata com uma introdução lenta, exposição, desenvolvimento, reexposição e coda. – 2º: Balada com um e meio “choruses” (variações), com introdução e cadência do piano. – 3º: Rondó. […]  (Traduzido por Ranulfus)

Ou seja: a cooperação entre tradição clássica e jazz que Gulda propõe e realiza não é um maneirismo: uma descaracterização de composições clássicas interpretando-as à maneira de jazz, nem uma descaracterização do jazz interpretando-o à maneira clássica (p.ex. em arranjos para orquestra sinfônica): trata-se de “jazz de verdade” – em suas características harmônicas, melódicas, rítmicas, tímbricas, prosódicas, etc. – que apenas faz uso complementar de técnicas composicionais originárias da tradição europeia. E a isso este monge só pode voltar o entusiasmo devido a uma realização intelectual do mais alto nível!

Nas duas outras peças do disco vemos um caminho misto: o “Minueto” não se restringe a um uso de forma: este mescla, sim, materiais melódicos, rítmicos, harmônicos, bem como estilos de interpretação, de origem europeia e jazzística. Que cada um avalie como lhe aprouver; da minha parte, não deixo de achar uma peça encantadora.

Já no “Prelúdio e Fuga”, peça para piano solo que conclui o disco, temos um prelúdio (forma livre) em que predomina a vertente europeia, e uma fuga (forma fortemente regrada) onde predomina o jazz: bem o contrário do que seria de esperar, no que talvez possamos ver mais um exemplo da verve intelectual do Sr Friedrich. (Vale ainda notar que mais tarde esta Fuga foi gravada mais de uma vez pelo recém-falecido Keith Emerson – inclusive no álbum ao vivo Welcome back, my friends, to the show that never ends, postado aqui recentemente pelo colega FDP, onde mesmo um fã de E.L.& P., como eu, tem que reconhecer que Keith não se saiu muito bem).

Digno de nota, ainda, que colaborem com Gulda neste seu projeto cinco dos maiores jazzistas estadunidenses da segunda metade do século XX – quatro deles negros: além dos solistas nomeados logo abaixo, Ron Carter foi o baixista e Mel Lewis o baterista da “Eurojazz Band”, ao lado de nove jazzistas nascidos de fato na Europa.

Finalmente: esta postagem marca a volta do “monge Ranulfus” à arte da digitalização do vinil, que aprendeu em 2010 com o colega Avicenna e chegou a praticar até outubro daquele ano, tendo aí que deixá-la de lado devido a contingências da vida. Restabelecidas agora as condições mínimas, Ranulfus ainda não sabe com que frequência conseguirá praticá-la, mas mesmo assim informa que tem cerca de 50 LPs (ou vinis) à espera. Por essa e por muitas outras razões esta postagem vai carinhosamente dedicada ao “decano do PQP”, nosso querido Avicenna!

Friedrich Gulda:
M
USIC FOR 4 SOLOISTS AND BAND No.1   [M4SB1] 
01 Primeiro movimento  9’38”
02 Segundo movimento  8’25”
03 Terceiro movimento  6’44”

04 MINUET (da suíte Les Hommages) 6’47”

05 PRELUDE AND FUGUE 4’11”

Freddie Hubbard (1938-2008), trompete
J. J. Johnson (1924-2001), trombone
Sahib Shihab (Edmond Gregory) (1925-1989), sax barítono e flauta
Friedrich Gulda (1930-2000): piano, composição e direção
Eurojazz Orchestra
Gravado na Áustria em 1965
Digitalizado em 2016 por Ranulfus, com assistência de Daniel S.,
a partir do LP remasterizado em estéreo lançado na Alemanha nos anos 70.

.  .  .  .  .  .  .  BAIXE AQUI – download here – FLAC: 210 MB

.  .  .  .  .  .  .  BAIXE AQUI – download here – MP3 320 kbps: 80 MB

Ranulfus