BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 10 em Mi bemol maior, Unv. 3 (completada por Barry Cooper) – Weller

Propaganda enganosa?

Talvez.

O fato é que Beethoven começou a esboçar uma sinfonia em Mi bemol maior mesmo antes de completar a Nona, assim como iniciou a “Pastoral” durante o obsessivo trabalho na Quinta. No início do mesmo 1827 em que morreria, ele ofereceu o que seria sua Décima Sinfonia à mesma Sociedade Filarmônica de Londres que lhe encomendara a sinfonia anterior. Há relatos de seu sempre inconfiável factotum Schindler – alguém que lhe  foi indiscutivelmente próximo, mas que frequentemente falsificava documentos para dar a impressão de ser mais íntimo do compositor do que de fato era – dando conta de queBeethoven esboçava temas em Mi bemol maior e Dó menor alguns dias antes de cair no leito de morte. Uma outra fonte menos atochadora, o amigo Karl Holz, afirma que Beethoven lhe tocou os esboços duma nova sinfonia naquele mesmo ano cujo fim não chegaria a ver.

Ainda assim, quando o musicólogo e estudioso beethoveniano Barry Cooper surgiu com esquetes da alegada Décima Sinfonia e os planos de publicar uma versão passível de apresentação, houve frenesi e algum escândalo. Segundo Cooper, o material legado pelo renano, mesmo que espalhado por diversos cadernos de esboços e criptografados pela medonha caligrafia do compositor, fazia sentido o bastante para se perceber que  à mesma obra. Ademais, organizavam-se em torno dum Andante em Mi bemol maior e dum Allegro em Dó menor e, assim, correspondiam à descrição daquilo que Beethoven tocara para Holz.

Nas palavras de Cooper,


Como a maioria dos esboços de Beethoven para outras obras, aqueles da Décima sinfonia estão espalhados em vários conjuntos de manuscritos diferentes (quatro principais, e mais alguns acessórios, foram identificados até agora). Como de costume, eles não têm rótulos e são quase ilegíveis para quem não conhece bem a caligrafia idiossincrática de Beethoven. Consequentemente, foi somente na década de 1980 que os primeiros deles foram identificados com alguma certeza. Nesse ínterim, rumores sobre a Décima Sinfonia, iniciados principalmente por Holz e Anton Schindler, alimentaram especulações de que poderia haver um manuscrito completo escondido em algum lugar ou, alternativamente, que a sinfonia nunca havia sido iniciada e que os rumores eram infundados. Agora, porém, temos clareza e mais de 50 esboços são conhecidos, embora muitas perguntas ainda permaneçam sem resposta e seja bastante possível que mais esboços ainda sejam descobertos. Todos os esboços são muito fragmentários, nenhum contendo mais do que cerca de 30 compassos de música contínua; mas, para alguém familiarizado com os métodos normais de rascunho de Beethoven, eles dão uma ideia clara do tipo de movimento que ele tinha em mente. Além disso, eles contêm um material muito bom. Portanto, parece muito valioso tentar torná-los disponíveis para apresentações, preenchendo-os em uma versão de concerto, em vez de deixá-los em arquivos onde podem ser úteis apenas a alguns especialistas. Afinal, os esboços representam sons em vez de formas no papel e não podem ser avaliados completamente até que sejam ouvidos – e de preferência ouvidos num ambiente orquestral apropriado. O presente autor [Cooper] já estudara os esboços de Beethoven para inúmeras outras obras, em conexão com um livro que ele estava a escrever [Beethoven and the Creative Process, Oxford University Press] e, portanto, sentiu que estava em uma posição melhor do que a maioria dos estudiosos para tentar completar o primeiro movimento, embora a tarefa a princípio parecesse impossivelmente assustadora. Ao todo são cerca de 250 compassos de esquetes para o primeiro movimento. Alguns se duplicam ou se contradizem, deixando menos de 200 utilizáveis; mas muitos deles podem ser usados ​​mais de uma vez, por meio de repetições e reprises, como ocorre em todas as sinfonias de Beethoven (por exemplo, um tema esboçado para a exposição recorrerá na recapitulação). Os esboços, portanto, nos fornecem bem mais de 300 compassos, enquanto os 200 ou mais compassos restantes (dum total de 531) tiveram que ser adaptados dos mesmos temas básicos por vários meios (por exemplo, por transposição e sequência) e desenvolvidos da maneira normalmente própria a Beethoven. Assim, todo o material temático básico é de Beethoven; mas a harmonia apropriada teve que ser adicionada em lugares onde estava a faltar, e o movimento teve que ser orquestrado no estilo de Beethoven (com a ajuda de apenas algumas pistas dadas nos esboços), e passagens de ligação baseadas nos temas de Beethoven foram inseridas onde necessário.
O resultado, obviamente, não é o que Beethoven teria escrito e, em certos lugares em particular, ele provavelmente teria sido mais criativo. Também soa mais típico do período intermediário do que o Beethoven tardio, embora isso possa ser devido às conexões estreitas com as primeiros sonatas para piano. Não obstante, minha realização fornece pelo menos uma impressão aproximada do movimento que ele tinha em mente na época dos esboços e certamente está muito mais próxima da Décima Sinfonia de Beethoven do que qualquer coisa ouvida anteriormente. Portanto, é provável que ela seja extremamente interessante para qualquer pessoa que queira saber o que ele planejou para a sinfonia que viria após a Nona; além disso, também pode ser apreciada como uma peça musical, de uma forma que os esquetes fragmentários por si próprios nunca poderiam ser.”

Muito convincente, não?

O trabalho de Cooper foi publicado em 1988 e estreado por Walter Weller e a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, num evento organizado pela Sociedade Filarmônica de Londres que, 161 anos após a oferta de Beethoven, recebia a encomenda que lhe foi proposta. A primeira gravação foi feita por Wyn Morris à frente da London Symphony, acompanhada da gravação duma palestra de Cooper explicando o seu trabalho, e que pode ser encontrada no vídeo mais abaixo. Eu a escutei sem muito entusiasmo: parecia uma coleção de retalhos (o que, enfim, é verdade) com alguns meros gestos que permitiam reconhecer seu compositor, um balão semivazio que não ia a lugar algum.

No começo deste 2020, no entanto, descobri esta gravação do escocês Walter Weller, que teve distinta carreira em Viena antes de assumir a direção de orquestras em sua ilha natal. Weller parece resgatar aquilo de Beethoven que há no considerável esforço feito por Cooper, e chega muitas vezes até a convencer. Esse coto da Décima surge, ainda que sem o desenvolvimento coeso tão próprio do compositor, tanto com acenos para o passado, quanto com cromatismos que flertam com o futuro remoto, como se o Beethoven da “Eroica” e da “Quinta”, e principalmente o da “Pastoral” e da Nona – cujas citações são bastante óbvias nesse movimento – dialogasse com o Beethoven da “Grande Fuga” e o “proto-jazz” da Sonata Op. 111, e ambos tentassem um consenso para seguirem adiante. Se não é uma audição imperdível, parece-me pelo menos recomendável aos beethovemaníacos entre vós outros.

Completando o disco, mais uma gravação – inda outra – do Concerto Triplo, que acabou por ser o “arroz de festa” de nossa série, na qual faz sua quinta e (esperamos!) última aparição.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto em Dó maior para violino, violoncelo, piano e orquestra, Op. 56
Composto entre 1803-05
Publicado em 1807
Dedicado a Joseph Franz Maximilian, príncipe Lobkowitz

1 – Allegro
2 – Largo (attacca)
3 – Rondo alla polacca

Kalichstein–Laredo–Robinson Trio:
Joseph Kalichstein, piano
Jaime Laredo, violino
Sharon Robinson, violoncelo
English Chamber Orchestra
Sir Alexander Gibson, regência

Sinfonia no. 10 em Mi bemol maior, Unv. 3
Completada e orquestrada por Barry Cooper (1949)

4 – Andante – Allegro – Andante

City of Birmingham Symphony Orchestra
Walter Weller, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


O destemido Cooper, que certamente não tem medo de tomates, descreve aqui
(em inglês) o processo de estudo de esboços de Beethoven e da organização de
sua versão da Sinfonia no. 10

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Trios K.502 e K.496 e Divertimento K.254 (Pires / Dumay / Wang)

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Trios K.502 e K.496 e Divertimento K.254 (Pires / Dumay / Wang)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Mozart e Maria João Pires, Maria João Pires e Mozart. O mestre jamais imaginaria que, 200 anos após sua morte, sua grandiosa obra pianística seria interpretada de forma sublime por duas mulheres: a portuguesa Maria João, seguida pela japonesa naturalizada britânica Mitsuko Uchida. Neste CD impecável, MJP vem acompanhada de um habitual colaborador, o violinista Augustin Dumay, e o violoncelista Jian Wang. São obras bastante agradáveis, nada transcendentes, que se tornam muito maiores com a grande Maria João e seus companheiros. Para ouvir e aprender como se faz.

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Trios K.502 e K.496 e Divertimento K.254 (Pires / Dumay / Wang)

Trio in B flat major, K.502
01. I. Allegro
02. II. Larghetto
03. III. Allegretto

Trio in G major, K.496
04. I. Allegro
05. II. Andante
06. III. Allegretto – Var. I – VI

Divertimento in B flat major, K.254
07. I. Allegro assai
08. II. Adagio
09. III. Rondeau-Tempo di Menuetto

Maria João Pires, piano
Augustin Dumay, violino
Jian Wang, violoncelo

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Pires, perfeita individualmente ou em grupo
Pires, perfeita individualmente ou em grupo

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 9 em Ré menor, Op. 125, “Coral” – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Giulini – Goodman – Haitink – Hogwood – Jansons – Karajan – Leibowitz – Rattle – Reiner – Scherchen – Schmidt-Isserstedt – Solti – Szell – Toscanini – Wand

Ao contrário da Missa Solemnis, uma obra-prima que pouca gente sabe amar, a Nona Sinfonia foi ensandecidamente querida desde sua estreia, em 7 de maio de 1824 – no mesmo concerto em que, curiosamente, algumas fatias da Missa foram pela primeira vez ouvidas em Viena.

Embora Beethoven tenha se dedicado à sua composição entre 1822 e 1824, os primeiros gérmens duma sinfonia em Ré menor datam de 1812. Sua obsessão com a “Ode à Alegria” de Friedrich von Schiller, no entanto, era ainda mais antiga: colocá-la em música já estava em seus planos desde 1793, meros oito anos depois da composição do poema. Não é difícil entender por que o texto calou tão fundo no jovem idealista e universalista, que idolatrava tanto a “Ode” e seu poeta que acabou por afogar-se em reticências e inseguranças cada vez que tirava da gaveta os planos de musicá-la.

Tais reticências começaram elas próprias a afogar-se quando, em 1817, a Sociedade Filarmônica de Londres encomendou-lhe uma nova sinfonia. Em verdade, fora Ferdinand Ries, seu aluno e conterrâneo, que o convidara para visitar a cidade com promessas de lucrativas turnês e exibições ao feitio das que enriqueceram o professor de Ludwig, o velho Haydn. Sabendo o quão baixo era o apreço de Beethoven pelas ilhas britânicas e seus músicos, não fica difícil imaginar que a ideia de visitá-las, mesmo para ganhar uma boa grana, o repelia. O contexto geral também não o ajudava: desilusões amorosas, desesperos gerais com a vida, a surdez completa que o afastara das salas de concertos e sepultara sua reputação de melhor pianista de seu tempo – e, acima de tudo, a amarga briga pessoal e judicial com a ex-cunhada Johanna pela custódia de seu sobrinho Karl, filho de seu falecido irmão homônimo. Tudo isso lhe quebrara os nervos e os bolsos, e as preocupações com o sobrinho só cresciam, de maneira que não deixou de ser um alívio abrir mão da turnê para aceitar a encomenda da nova sinfonia.

Ludwig, no entanto, resolvera encerrar seu hiato composicional com a imensa sonata “Hammerklavier”, praticamente uma sinfonia para piano solo, e logo em seguida enrolou-se com outras duas promessas: as três sonatas para piano encomendadas pelo editor Schlesinger (que viriam a ser suas últimas) e, enrolação máxima, a enorme missa para a entrada solene do arquiduque Rudolph como arcebispo de Olomouc. Isso tudo significou que apenas em 1822 – cinco anos após a encomenda da Sociedade Filarmônica – os trabalhos na sinfonia de fato começaram, com dedicação febril e integral a ela entre abril de 1823 e fevereiro de 1824, quando enfim a deu por completa.

Apesar de instigada por londrinos, Beethoven pretendia apresentar sua nova obra em Berlim, por pensar que naquela corte teria melhor acolhida do que em Viena, onde achava-se um tanto demodé, tamanho era o frenesi causado pelas óperas de Rossini, um compositor pelo qual não tinha qualquer apreço. A notícia da nova obra e dos planos berlinenses se espalhou. Em breve, amigos e patronos organizavam-se para demovê-lo da ideia, no que, surpreendemente, tiveram sucesso. A legendária teimosia de Beethoven fora vencida pelo apreço que ele percebeu em seu público, ansioso por ouvir uma sinfonia nova do maior compositor da Europa, depois de mais de doze anos. O hype foi tamanho que, na estreia da obra, o Kärntnertortheater estava abarrotado a ponto de precisarem colocar cadeiras no palco, além de  várias pessoas que ficaram de pé. Beethoven fez questão de reger a première e oficialmente conseguiu, embora o combinado com os músicos fosse que eles seguissem as indicações de Michael Umlauf – que acompanhara, anos antes, o patético desastre de um ensaio geral de Fidelio sob o compositor surdo, e decidira conduzir a obra longe de seu campo de visão. Aplausos irromperam ainda durante o scherzo, durante as intervenções dos tímpanos, que caíram no gosto do público. Ao final do terceiro movimento, ainda mais aplausos – e no fim, enquanto Beethoven ainda julgava estar a reger sua obra, a contralto solista tomou sua mão e mostrou-lhe a plateia que vinha abaixo em aclamação. O maior sucesso de sua vida, que o deixou irreconhecivelmente alegre, acabaria sendo sua última aparição pública ante uma plateia anônima.

Tanto se ama a Nona Sinfonia, e principalmente seu finale coral sem precedentes na história do gênero, que é difícil de imaginar que foi justamente ele o maior alvo de críticas. Muitos críticos e alguns colegas compositores não compartilharam o entusiasmo do público da estreia, e disseram (como Verdi, por exemplo) que Beethoven estragara a forte impressão dos três primeiros movimentos com um dantesco espetáculo de “partes mal escritas para vozes”. Outros, simplesmente, tascavam que, além de surdo, Beethoven ficara gagá e louco.

Não quererei ser eu a concordar com eles, inda mais quando se fala dum patrimônio universalmente amado da Humanidade, mas eu acho que compreendo os reproches. Os três primeiros movimentos, ainda que cheios de radicalidade, comportam-se como uma sinfonia tradicional – com o scherzo adiantado em relação ao movimento lento, como era costumeiro para o Beethoven maduro. Já o movimento coral parece inorgânico, alheio a tudo o que antecedera, rejeitando-o explicitamente, como mostram as breves recapitulações dos três primeiros movimentos – novamente algo sem precedentes – que parecem enxotadas pelos recitativos das cordas, ou a explícita afirmação do barítono, logo em sua entrada, com palavras escritas pelo próprio compositor, a conclamar os amigos a desprezarem “esses sons” entoarem algo mais agradável e alegre. Sem dúvidas, essa apoteose da alegria é uma conclusão convincente para uma obra que parece, no primeiro movimento, surgir dum vazio opressor. Por outro lado, o finale parece ter vida própria – e tanta que muitos que o conhecem de cor não têm ideia dos movimentos que o precederam. Ele funcionaria bem, inclusive, como uma sinfonia independente, pois ele dura mais que muitas das co da época, e não é impossível imaginá-lo com quatro movimentos: uma abertura (da introdução instrumental até “steht vor Gott”); um scherzo (da “música turca” de “Froh, wie seine Sonnen fliegen” até o final da estrofe com o coro, em “Wo dein sanfter Flügel weilt“); um movimento lento (de “Seid umschlungen, Millionen” até o início da fuga dupla); e a própria fuga dupla sobre “Seid umschlungen” e “Freude, schöner Götterfunken”, e tudo que se segue a ela, arrematando a “sinfonia dentro da sinfonia”.

O público de hoje parece não se importar essas picuinhas. Pelo contrário, parece haver uma tendência a supervalorizar o popularíssimo finale, com seu tema da “Alegria” que até meus gatos conhecem, em detrimento dos movimentos precedentes, principalmente o Adagio, um singelo tema com maravilhosas variações, que é o cerne da obra. Lembro duma senhora que, na saída duma récita da Nona, comentava com a filha que “o começo estava chato, mas depois que entraram os cantores ficou bonito”. Com a “Ode à Alegria” em toda parte, usada e abusada como um lugar-comum de tudo que é apoteótico, eu acho que a consigo compreender essa senhora, a buscar esperar o conforto do que lhe era familiar após longos minutos de grande, mas desconhecida música.

É preciso ouvir a Nona com tímpanos frescos, como se fosse a primeira vez – e preferencialmente, claro, desde o começo. Para facilitar-lhes esta experiência, resolvi alcançar-lhes não só as doze gravações que encerram as integrais paralelas que iniciamos há alguns meses, mas também algumas outras, das quais não dispunha quando publiquei a Primeira Sinfonia, lá em abril. Algumas foram pedidas – caso das versões de George Szell e aquela, extraordinária, de Hans Schmidt-Isserstedt. Outras, como as de Hermann Scherchen e René Leibowitz, porque são pioneiras nas tentativas de interpretação historicamente informada, mesmo antes desse movimento se consolidar como tal, com instrumentos originais, Lás diferentes de 440 Hz, e por aí vai. Há também a versão de Christopher Hogwood, que serve como contraponto às duas versões com instrumentos de época que já vínhamos publicando – as de Gardiner e aquelas da Hanover Band. E, por fim, a bonita série daquele discreto mestre da batuta, o versátil e eficiente Carlo Maria Giulini. Como não as imaginava postar por aqui num futuro próximo, tamanha a superdosagem de Beethoven que lhes propusemos neste ano, decidi que elas não trariam mais exagero a este nosso já tão esdrúxulo exagero de apresentar-lhe uma dúzia de versões.

Pretendo completar retrospectivamente a série com as novas-velhas versões em muito breve. Por ora, sugiro começarem pela especialíssima, ainda que jurássica, versão de Furtwängler gravada no Festival de Bayreuth. O legendário maestro nunca gravou a Nona em estúdio, por considerá-la digna tão só dos mais importantes eventos. Por isso, achou apropriado apresentá-la na reabertura do Festival de Bayreuth, em 1951, ocasião que marcava tanto a reestreia da Alemanha como um dínamo cultural, depois da infâmia da guerra, quanto sua própria reabilitação, depois de ter sido (e injustamente, que é o que nos dizem todas evidências razoáveis) considerado colaborador dos nazistas. Ao conduzir a obra no Festspielhaus, Furtwängler seguia o precedente do fundador do Festival: Richard Wagner adorava a Nona, muito por considerá-la uma precursora de sua própria concepção de Arte Total, e a regeu na inauguração da primeira edição, tradição que se manteve em todas edições subsequentes.

Espero que alguma dessas agora dezoito versões consiga lhes entregar o beijo que Schiller e Beethoven mandaram para o mundo inteiro.

Seid umschlungen, Millionen! Tschüss!

 

 


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 9 em Ré menor, Op. 125, “Coral”
Composta entre 1822-1824
Publicada em 1826
Dedicada ao rei Friedrich Wilhelm III da Prússia

1 – Allegro ma non troppo, un poco maestoso
2 – Molto vivace – Presto – Molto vivace – Presto
3 – Adagio molto e cantabile – Andante moderato – Andante moderato – Adagio -Lo stesso tempo
4 – Presto – Allegro assai – Presto (“O Freunde”) – Allegro assai (“Freude, schöner Götterfunken”) – Alla marcia; Allegro assai vivace (“Froh, wie seine Sonnen”) – Andante maestoso (“Seid umschlungen, Millionen!”) – Allegro energico, sempre ben marcato (“Freude, schöner Götterfunken” – “Seid umschlungen, Millionen!”) – Allegro ma non tanto (“Freude, Tochter aus Elysium!”) – Prestissimo (“Seid umschlungen, Millionen!”)


Elisabeth Schwarzkopf, soprano
Elisabeth Höngen,
mezzo-soprano
Hans Hopf,
tenor
Otto Edelmann,
baixo
Bayreuther Festspielorchester und Chor
Wilhelm Furtwängler
, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Jarmila Novotná, soprano
Kerstin Thorborg,
mezzo-soprano
Jan Peerce,
tenor
Nicola Moscona,
baixo
Westminster Choir
NBC Symphony Orchestra

Arturo Toscanini, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Inge Borkh, soprano
Ruth Siewert, contralto
Richard Lewis, tenor
Ludwig Weber, baixo
The Beecham Choral Society
Royal Philharmonic Orchestra
René Leibowitz, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Magda Laszló, soprano
Hilde Rössel-Majdan,
contralto
Petre Munteanu,
 tenor
Richard Standen, baixo
Orchester der Wiener Staatsoper
Hermann Scherchen, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Phyllis Curtin, soprano
Florence Kopleff, contralto
John McCollum,
tenor
Donald Gramm,
baixo
Chicago Symphony Orchestra and Chorus

Fritz Reiner, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Adele Addison, soprano
Jane Hobson,
contralto
Richard Lewis,
tenor
Donald Bell, barítono
Cleveland Orchestra & Choir
George Szell, 
regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Gundula Janowitz, soprano
Hilde Rössel-Majdan,
contralto
Waldemar Kmentt,
tenor
Walter Berry,
baixo
Wiener Singverein
Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan,
regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


 Jessye Norman, soprano
Reinhild Runkel,
mezzo-soprano
Hans Sotin,
tenor
Robert Schunk,
baixo
Chicago Symphony Orchestra and Chorus

Sir Georg Solti, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Joan Sutherland, soprano
Marilyn Horne, contralto
James King, tenor
Martti Talvela, baixo
Wiener Staatsopernchor
Wiener Philharmoniker

Hans Schmidt-Isserstedt, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Julia Várady, soprano
Jard van Nes,
mezzo-soprano
Keith Lewis,
tenor
Simon Estes,
baixo
Ernst Senff Chor
Berliner Philharmoniker
Carlo Maria Giulini

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Edith Wiens, soprano
Hildegard Hartwig,
contralto
Keith Lewis,
tenor
Roland Hermann,
baixo
Chor der Hamburgischen Staatsoper
Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks

Günter Wand, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Lucia Popp, soprano
Carolyn Watkinson,
contralto
Peter Schreier,
tenor
Robert Holl,
baixo
Groot Omroepkoor
Koninklijk Concertgebouworkest

Bernard Haitink, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Arleen Augér, soprano
Catherine Robbin,
contralto
Anthony Rolfe Johnson, tenor
Gregory Reinhart,
baixo
London Symphony Chorus
The Academy of Ancient Music
Christopher Hogwood,
regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Eiddwen Harrhy, soprano
Jean Bailey,
contralto
Andrew Murgatroyd,
tenor
Michael George,
baixo
Oslo Domchor
The Hanover Band

Roy Goodman, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Ľuba Orgonášová, soprano
Anne Sofie von Otter,
contralto
Anthony Rolfe Johnson,
tenor
Gilles Cachemaille,
baixo
Monteverdi Choir
Orchestre Révolutionnaire et Romantique

John Eliot Gardiner, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Krassimira Stoyanová, soprano
Lioba Braun,
contralto
Michael Schade,
tenor
Michael Volle,
barítono
Chor des Bayerischen Rundfunks
Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks

Mariss Jansons, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Kateřina Beranová, soprano
Lilli Paasikivi,
mezzo-soprano
Robert Dean Smith,
tenor
Hanno Müller-Brachmann,
baixo
GewandhausKinderchor
GewandhausChor
MDR Rundfunkchor
Gewandhausorchester Leipzig

Riccardo Chailly, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE



Annette Dasch,
soprano
Eva Vogel,
mezzo-soprano
Christian Elsner,
tenor
Dimitry Ivashchenko,
baixo
Rundfunkchor Berlin
Berliner Philharmoniker

Sir Simon Rattle, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Missa Solemnis, Op. 123 – Gardiner

O dia em que uma missa solene composta por mim for apresentada durante as cerimônias solenizadas para Vossa Alteza Imperial será o dia mais glorioso da minha vida; e Deus me iluminará para que meus pobres talentos possam contribuir para a glorificação desse dia solene.

Ao prometer a seu pupilo e arquiamigo imperial, Rudolph da Áustria, uma composição para marcar sua entrada solene como arcebispo da cidade morávia de Olmütz (hoje Olomouc, República Checa), Beethoven embarcava naquela que seria uma de suas maiores contendas criativas. Fora a campeoníssima Leonore/Fidelio – sua maior usina de desgostos e gastrites -, nenhuma outra obra tomou-lhe tanto tempo e lhe deu tanto trabalho.  É bem verdade que a Quinta Sinfonia, e em especial seu primeiro movimento, lhe foi uma obsessão por quatro anos, mas seu empenho nela foi no sentido de reelaborá-la e refiná-la para buscar aquela qualidade tipicamente beethoveniana de que cada nota pareça seguir-se da única possível. Os quatro anos dedicados à Missa, no entanto, viram a obra expandir constantemente seu escopo e ambição. Quando Rudolph foi investido do cargo, em 1820, Beethoven ainda trabalhava no Credo. Ao enfim dar por encerrados os trabalhos, em 1823 – depois de deixá-los de lado por um bom tempo para escrever as três últimas sonatas para piano e variar a marota valsinha de Diabelli -, enviou ao arquiduque uma composição imensa, repleta de grandes dificuldades técnicas, e totalmente incapaz de ser absorvida por qualquer cerimônia eclesiástica. Beethoven, ademais surdo, nunca testemunharia uma apresentação completa da obra, que foi estreada na distante corte russa em São Petersburgo por instigação de Nikolai Galitsyn – o encomendante dos últimos quartetos de cordas. Viena ouviria três de seus movimentos – o Kyrie, Credo e o Agnus Dei – no mesmo concerto em que a Nona Sinfonia foi estreada com êxito colossal, em 7 de maio de 1824, na presença do compositor.

Ei-los, compositor e missa (Joseph Karl Stieler, óleo sobre tela, 1820)

A Missa Solemnis marcou, assim como a sonata “Hammerklavier” e as Variações Diabelli, as tendências típicas da maturidade artística de Beethoven: abordar formas musicais consolidadas dum modo radicalmente novo e expansivo, quase a ponto de romper-lhes as costuras, sem ter qualquer pudor em propor dificuldades transcendentais a seus intérpretes, e com um inovador uso de formas contrapontísticas, especialmente da fuga. De fato, e exceto pelo Kyrie relativamente convencional, os demais movimentos não têm precedentes em música litúrgica; as exigências da partitura só atestam a total falta de empatia do renano para com seus intérpretes, principalmente os cantores (façam uma enquete para saber qual o compositor mais citado no Livro do Ódio dos coristas, e não se surpreenderão com o resultado); e imensas fugas corais que fazem picadinho das traqueias do coral, em especial na reprise de Et vitam venturi saeculi que conclui o credo, em que o já apressado andamento é retomado com o dobro da velocidade.

Não tenho dúvidas de que a Missa Solemnis seja, com folgas, a menos apreciada das grandes composições da maturidade de Beethoven. Muitos são os que a tratam com respeito, e poucos os que lhe têm devoção. Para mim, ela foi um gosto adquirido. Sempre gostei do Kyrie – que, como já mencionamos, é quase convencional em seu equilíbrio e no que se chamou de “serenidade bizantina” -, mas experimentava uma estranha inquietude ao escutar o restante. Quando percebi que inquietar e provocar talvez fossem exatamente a intenção de Beethoven, consegui apreciá-la melhor.

Ouçamos o Gloria, por exemplo. Depois do Kyrie, esperar-se-ia a habitual expressão de júbilo quase infeccioso com que o Gloria é tratado por outros compositores de missas.  Em seu lugar, Beethoven oferece um furioso fortíssimo do tímpano e instala uma massa sonora maníaca, que parece se resolver com o relaxamento à menção ao Cordeiro de Deus (Agnus Dei, qui tollis peccata mundi), só para, após os sis bemóis mais odiados pelas sopranos dos corais mundo afora (qui sedes ad dexteram patris), encerrar tudo com o verdadeiro clímax: uma gigantesca fuga coral. Tensão, relaxamento, preparação, resolução: tudo o que há habitualmente nas melhores sonatas, e no entanto inédito em música litúrgica.

Também escuto na Missa Solemnis expressões do ambicioso compositor que quis enriquecer com a ópera, mas abandonou-a para sempre após as agruras que viveu com Leonore/Fidelio. Momentos altamente dramáticos, como a constrita prece dos solistas (com a indicação ängstlich, “assustado”) após as distantes fanfarras militares do Agnus Dei, não seriam inapropriados às cenas finais no cárcere de Fidelio. Da mesma maneira, a maravilhosa exclamação Et… Et homo factus est, feita pelo tenor solista durante o Credo, nunca deixa de me emocionar ao prorromper, luminosa, após o idílico Et incarnatus: outra vez o drama, e não a liturgia, levando este homem cínico às genuínas lágrimas.

A abordagem do Credo expressa mais sobre a religiosidade de Beethoven do que qualquer coisa que ele tenha escrito. Alguns dos mais importantes dogmas cristãos são apressadamente escorraçados (trinta e sete palavras em vinte e dois compassos, para ser mais exato), para que a confissão de fé – a própria palavra Credo – se repita muitíssimas vezes: difícil haver maneira mais efetiva de nos contar que a fé, para ele, valia mais que dogmas eclesiásticos. Apesar de ser o mais heterodoxo dos movimentos da Missa, o Credo não suscitou nem uma fração das críticas que a parte seguinte, o Sanctus. Nada no Sanctus propriamente dito, aliás – que aqui começa de maneira pouco convencional, quase em sussurros, até que a esperada exaltação enfim surja em Pleni sunt coeli e no Osanna in excelsis. As críticas recaíram sobre o Benedictus, que Beethoven resolveu unir ao Sanctus através de uma ponte instrumental que imita lindamente o prelúdio habitualmente improvisado pelo organista durante esta transição. Após a referida ponte, um violino, acompanhado de duas flautas, entoa uma frase descendente que representa, explicitamente, a descida do Espírito Santo, para depois acompanhar solistas e coro num elaborado solo concertante. As sensibilidades da época, que conseguiram aturar o Gloria maníaco e o Credo quase alijado de dogmas, não aturaram tanta secularidade e acusaram Ludwig de anticlerical (o que ele de fato era, com orgulho) e pueril. Azar deles: eu acho o Benedictus e seu violino maravilhosos, e volto a eles sempre que posso.

Admito, mesmo com todo meu apreço pela Missa Solemnis, que seu Agnus Dei sempre me inspira sentimentos mistos. Aos movimentos anteriores, com todas suas idiossincrasias, nunca falta o senso de coesão. O Agnus me parece uma colagem e, com suas transições bruscas e o acorde final que parece nada resolver, deixa uma esquisita sensação de incompletude. Mas pode ser que, uma vez mais – desta feita, depois duma citação à Missa In Tempore Belli, do mestre Haydn, e outra, ainda mais explícita, ao He shall reign forever do Messiah de seu ídolo Händel -, Beethoven desejasse isso mesmo. Não tenho dúvidas de que ele fosse um homem em constantes buscas espirituais, capaz de repetir por várias vezes a indicação Mit Andacht (“Com devoção”) e colocar uma outra, Bitte um innern und äussern Frieden (“Rogue pela paz interior e exterior”) na sua mais importante obra de música sacra. Sua maior busca, no entanto, sempre foi a de que sua arte provocasse uma reação significativa em seu ouvinte – e a maior pista nesse sentido, para mim, foi a inscrição que ele quase publicou no frontispício dessa partitura:


Von Herzen – möge es wieder zu Herzen gehen”
(“De coração – que possa voltar ao coração”)


Ludwig, parece, acertou-me em cheio.

ooOoo

Encontrar uma interpretação satisfatória dessa obra desafiadora foi, realmente, muito difícil. A Missa Solemnis é, assim como a Sinfonia “Pastoral”, um calcanhar de Aquiles de muitos bons regentes. Poderia fazer aqui um enfadonho relato de quanto tempo perdi ouvindo gravações ruminativas que, talvez para facilitar a execução, reduziam a marcha dos frenéticos andamentos prescritos por Beethoven e delongavam a já imensa composição até o limiar do soporífero. Há outras tantas que, pouco atentas ao turbilhão de contrastes da partitura, acabam com um nada atraente jeitão rapsódico.

Em 2012, no entanto, John Eliot Gardiner voltou à Missa Solemnis, que já gravara em 1989, e meus problemas acabaram. Os ótimos solistas têm o brilho e a potência vocal para vencerem a imensa massa sonora que Beethoven tantas vezes os manda enfrentarem. É difícil imaginar um coro melhor que o Monteverdi, que não aparenta estrebuchar com as torturas prescritas pelo malvado alemão, e a Orchestre Révolutionnaire et Romantique, apesar do nome esdrúxulo, acerta tudo. Como acertar tudo não é o bastante, Gardiner guia suas forças musicais com segurança ao longo da armadilhada partitura, e a Missa Solemnis soa sanguínea e fresca como aquela madrugada que raiou para as pombas. Baixem agora que, em uma hora e meia, estarão a aplaudi-los de pé.


Ludwig van BEETHOVEN
 (1770-1827)

Missa Solemnis em Ré maior, para solistas, coro e orquestra com órgão, Op. 123
Composta entre 1819-1823
Publicada em 1826
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Kyrie (Assai sostenuto – Mit Andacht – Andante assai bem marcato – Tempo I)
2 – Gloria (Allegro vivace – Meno Allegro – Tempo I – Larghetto – Allegro maestoso – Allegro, ma non troppo e ben marcato – Poco più Allegro – Presto)
3 – Credo (Allegro na non troppo – Adagio – Andante – Adagio expressivo – Allegro – Allegro molto  – Allegro ma non troppo – Allegro ma non troppo- Allegro con moto – Grave)
4 – Sanctus (Adagio. Mit Andacht – Allegro pesante  – Presto) – Praeludium (Sostenuto ma non troppo) – Benedictus (Andante molto cantabile e non troppo mosso)
5 – Agnus Dei (Adagio – Allegretto vivace (Bitte um innern und äussern Frieden) – Allegro assai  – Tempo I –  Presto – Tempo I)

Lucy Crowe, soprano
Jennifer Johnston, contralto
James Gilchrist, tenor
Matthew Rose, baixo
The Monteverdi Choir
Orchestre Révolutionnaire et Romantique
Peter Hanson,
spalla
James Johnstone, órgão
Sir John Eliot Gardiner, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

 

 

BTHVN250, por René Denon

Vassily

Johann Sebastian Bach (1685-1750): Cantatas BWV 82 – 49 – 58 (Kuijken / La Petite Bande)

Johann Sebastian Bach (1685-1750): Cantatas BWV 82 – 49 – 58 (Kuijken / La Petite Bande)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Três notáveis Cantatas de Bach extraordinariamente bem interpretadas por Sigiswald Kuijken, seu grupo La Petite Bande e um time de cantores lotado de supercraques. Não tinha como dar errado e não deu. Claro que a Cantata BWV 82 é superior às outras duas — alguns diriam que ela é superior a todas às outras, opinião da qual discordo –, mas a 82 é uma indiscutível obra-prima que foi um pouco mais esmiuçada aqui.

Com base nos resultados das pesquisas de Joshua Rifkin e Andrew Parrott sobre a execução autêntica das Missas, Cantatas e Paixões de Bach, Sigiswald Kuijken limita a parte vocal a um quarteto vocal solo — que o próprio Bach às vezes estendia a oito cantores — em vez de um coro. Ele também reduziu o número de instrumentistas executando cada cantata. Sigiswald Kuijken adotou essa abordagem em suas gravações para a Accent Records (este é um CD desta coleção) em uma série de 19 CDs intitulada Cantatas of J. S.  Bach, que foi gravada entre 2004 e 2012.

Johann Sebastian Bach (1685-1750): Cantatas BWV  82 – 49 – 58 (Kuijken / La Petite Bande)

Kantate BWV 82 “Ich Habe Genug”
1 Aria: “Ich Habe Genug” 7:42
2 Recitativo: “Ich Habe Genug” 1:12
3 Aria: “Schlummert Ein, Ihr Matten Augen” 9:31
4 Recitative: “Meine Gott” 0:51
5 Aria: “Ich Freue Mich Auf Meinem Gott” 3:38

Kantate BWV 49 “Ich Geh’ Und Suche Mit Verlangen”
6 Sinfonia 6:42
7 Aria: “Ich Geh’ Und Suche Mit Verlangen” 4:58
8 Recitativo: “Mein Mahl Ist Zubereitet” 2:08
9 Aria: “Ich Bin Herrlich, Ich Bin Schön” 5:18
10 Recitativo: “Mein Glaube Hat Mich Selbst..” 1:29
11 Duetto: “Dich Hab Ich Je Und Je Geliebet” 5:02

Kantate BWV 58 “Ach Gott, Wie Manches Herzeleid”
12 “Ach Gott Wie Manches Herzelied” 3:44
13 Recitativo: “Verfolgt Dich Gleich Die Arge Welt” 1:23
14 Aria: “Ich Bin Wergnügt In Meinem Leiden” 4:19
15 Recitativo: “Kann Es Die Welt Nicht Lassen” 1:24
16 Aria: “Nur Getrost, Getrost Ihr Herzen” 2:18

Bass Vocals – Klaus Mertens
Soprano Vocals – Nancy Argenta
Cello, Violoncello Piccolo – Hidemi Suzuki
Oboe,  Oboe d’Amore – Marcel Ponseele
Organ – Pierre Hantaï
Ensemble – La Petite Bande
Violin – Sigiswald Kuijken
Regência – Sigiswald Kuijken

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – Anton Diabelli (1781-1858) et al. – Vaterländischer Künstlerverein – Buchbinder

Certa vez, há muitos anos, o irmão de um amigo estava num bar com um pequeno palco e um violão à disposição daqueles que quisessem fazer um pouco de música. Ele, um bom violonista, animou-se e lá foi tocar algumas coisinhas. Recebeu aplausos sinceros e, enquanto voltava ao seu lugar, viu o dono do estabelecimento afobar-se rumo ao microfone:

– Gurizada, acabo de saber que está aqui conosco uma das maiores revelações da Música brasileira, e queria chamá-lo agora ao palco.

Era Yamandu Costa, que atendeu ao chamado e, claro, logo começou a derramar maravilhas do violão. Enquanto isso, o irmão de meu amigo, sentindo-se um procarionte, saía de fininho e, até onde sei, nunca mais tocou em público.

ooOoo

Sentimento semelhante deve ter tomado conta de cinquenta entre os cinquenta e um colaboradores do projeto Vaterländischer Künstlerverein, quando o colaborador restante, um alemão de nome Beethoven, enviou ao editor Diabelli não somente a variação que este pedira sobre uma sua valsinha, mas trinta e três transfigurações dela que, juntas, formam a maior obra em variações da história da Música.


Ei-las

Ninguém tem certeza sobre os motivos que levaram Diabelli, um pianista e violonista amador cuja notoriedade resumia-se à composição de numerosas bagatelas pedagógicas, a organizar o projeto. Como sócio duma editora, pode-se sempre supor que o motivo fosse caçar bufunfa. Corre a lenda, no entanto, de que ele, horrorizado com a penúria dos órfãos e feridos de guerra em Viena, resolveu convocar a Associação Patriótica de Artistas (uma das traduções possíveis para Vaterländischer Künstlerverein) para aliviar o sofrimento daqueles miseráveis, através duma composição beneficente. O fato é que esse alívio, se de fato houve, demorou a chegar, pois, entre a composição da primeira variação (por Czerny, em 1819) e a da última (por Wittasek, em 1824), cinco anos se passaram. Nesse meio-tempo, Beethoven –  obviamente obcecado pelo tema de Diabelli – pariu trinta e três variações, escritas entre os exigentes trabalhos da Missa Solemnis e das três últimas sonatas para piano, e as publicou antes de todas as demais, em 1823, como o primeiro volume da Vaterländischer Künstlerverein. As cinquenta contribuições restantes só iriam à prensa no ano seguinte, formando seu segundo e obscuro volume.

Ninguém sabe, tampouco, a quantos compositores Diabelli enviou seu convite e a cópia da hoje célebre valsinha. O que houve, e disso já sabemos, foram cinquenta e uma respostas. Afora o renano aberrante com suas trinta e três geniais variações, houve dois outros compositores que se deram ao trabalho de escrever mais de uma variação. Gottfried Rieger e Franz Xaver Wolfgang Mozart (filho de Amadeus e por isso chamado, na primeira edição, de “Wolfgang Amadeus Mozart Filho”) contribuíram cada qual com um par, do qual Diabelli escolheu apenas uma (as outras, que acabaram descartadas, estão inclusas na gravação que ouvirão).

Entre os outros quarenta e oito, há um gênio: o então pouco conhecido Franz Schubert, cuja singela variação praticamente grita sua autoria e soa como um dos seus “moments musicaux”. Há também músicos que fizeram o movimento oposto e desceram do alto do panteão musical para um relativo esquecimento, como o mui competente Johann Nepomuk Hummel, cujo  maior defeito e tremendo azar foi ser contemporâneo de Ludwig. Entre as muitas celebridades pianísticas da época que legaram suas variações, duas eram muito próximas a Beethoven: Carl Czerny, seu aluno de piano e fundador duma linha pedagógica que chegou a nossos tempos, e Ignaz Moscheles, que o auxiliou na organização de Fidelio e lhe foi um amigo extraordinário nos dolorosos anos finais. Outras dessas celebridades hoje mal ocupam notas de rodapé, como Friedrich Kalkbrenner, o mais famoso pianista de Paris quando da chegada de Chopin àquela cidade e dedicatário do primeiro concerto para piano do polonês (Op. 11), e de J. P. Pixis, um artista famoso pelo nariz descomunal e que também recebeu uma dedicatória de Chopin – aquela da Fantasia sobre Temas Poloneses (Op. 13). Escondidos sob a forma alemã de seus sobrenomes – Tomaschek e Worzischek – estão dois bons compositores boêmios, Václav Tomášek e Jan Voříšek. Também encontramos no rol alguns cidadãos de oblíqua fama, como Michael Umlauf, o regente de fato da première da Nona Sinfonia de Beethoven (pois o regente oficial era Beethoven, que nada mais escutava e menos ainda regia), e Anselm Hüttenbrenner, amigo de Schubert e fiel depositário dos manuscritos da Sinfonia Inacabada. Encontramos alguns falsos cognatos – um Czerny que nada tem a ver com o Czerny famoso, autor daquelas centenas de estudos que são o terror dos estudantes de piano, e um Kreutzer sem relações com aquele que esnobou a sonata que imortalizou seu nome. No mais, somente nomes dos quais nada mais sabemos, nem por notas de rodapé, com duas exceções.

A primeira exceção é a sigla S. R. D., que para os íntimos significa Serenissimus Rudolphus Dux e designa o arquiduque Rudolph da Áustria, grande amigo e generoso patrono de Beethoven, de quem foi o único aluno de composição. Rudolph, que se preparava para assumir a arquidiocese de Olmütz (atual Olomouc, Tchéquia), estava um tanto afastado da Música e deve ter, por isso, preferido a discrição.

A segunda é um “menino de onze anos, nascido na Hungria”, de nome…


O então desconhecido moleque de Raiding tinha oito anos quando Czerny, seu influente professor, escreveu sua variação, e treze quando sua própria variação foi publicada. Liszt ainda não sonhava com a fama e a histeria em que surfaria por toda a Europa nas décadas seguintes, e certamente ingressou no rol de Diabelli por  influência de Czerny. Curiosamente, Liszt, Czerny e o supracitado Pixis juntar-se-iam futuramente a Chopin, Thalberg e Herz na publicação duma outra obra colaborativa: o Hexameron(1837), composto por variações sobre uma marcha de Bellini e organizado por Liszt.

Convites enviados, variações recebidas, restava organizá-las para publicação. E qual o critério escolhido para fazê-lo? O mais mocorongo possível: a ordem alfabética.


Francamente, Herr Diabelli!

Para não ficar tão feio, Diabelli pediu a Czerny, seu primeiro colaborador no projeto, que compusesse uma coda que arrematasse a colcha de retalhos. Apesar de seu cuidado, o mexidão pianístico não deu tão certo e, mesmo que lhe concedamos a cortesia de não escutarmos as “Diabelli” de Beethoven primeiro, o segundo volume da Vaterländische Künstlerverein é dureza de ouvir. A posteridade foi rápida no veredito e concedeu-lhe, por fim, a mais definitiva das cortesias: o completo esquecimento.

Não fosse a abnegação de gente como Rudolf Buchbinder a tirar-lhes o bolor, soprar-lhes a poeira e volta e meia tocá-las (Buchbinder significa “encadernador”, e talvez isso explique sua predileção por papel roído por cupins), vocês só saberiam dessas cinquenta outras variações através de poentos volumes e debaixo de violentos acessos de rinite. Por isso, agradeçam a Buchbinder e ao PQP Bach pelo duvidoso privilégio, sem esquecer daquele valeuzinho para mim, que tanto trabalho tive digitando nomes obscuros para identificar as faixas e as categorias na lista de compositores publicados aqui no blog – o qual, certamente, nunca ganhou tantas figurinhas novas num só dia.

De nada.

Anton DIABELLI (1781–1858) [organizador]

Vaterländischer Künstlerverein – Veränderungen für das Piano-Forte über ein vorgelegtes Thema componiert von den vorzüglichsten Tonzetzern und Virtuosen Wiens und der kaiserlichen-königlichen österreichischen Staaten (“Associação Patriótica de Artistas – Variações sobre um tema proposto, compostas pelos mais renomados compositores e virtuosos de Viena e dos estados imperiais e reais da Áustria”)

PARTE I

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

1 – Thema: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


PARTE II

Anton DIABELLI
1 – Thema: Vivace

Ignaz ASSMAYER (1790–1862)
2 – Variação I: Moderato

Carl Maria von BOCKLET (1801–1881)
3 – Variação II: Vivace

Leopold Eustachius CZAPEK (1792–1840)
4 – Variação III: Vivace molto legato

Carl CZERNY (1791–1857)
5 – Variação IV [Sem indicação de andamento]

Joseph CZERNY (1785–1842)
6 – Variação V[Sem indicação de andamento]

Moritz Joseph Johann, Príncipe de DIETRICHSTEIN (1775–1864)
7 –  Variação VI: Tempo vivo del Thema

Joseph DRECHSLER (1782–1852)
8 – Variação VII: Quasi overture: Adagio – Allegro

Emanuel Aloys FÖRSTER (1748–1823
9 – Variação VIII: Capriccio: Allegro

Franz Jakob FREYSTÄDTLER (1761–1841)
10 – Variação IX [Sem indicação de andamento]

Johann Baptist GÄNSBACHER (1778–1844)
11 – Variação X [Sem indicação de andamento]

Joseph GELINEK (1758–1825)
12 – Variação XI: Presto

Anton HALM (1789–1872)
13 – Variação XII: Dolce

Joachim HOFFMANN (1788–1856)
14 – Variação XIII: Fugato: Vivo

Johann HORZALKA (1798–1860)
15 – Variação XIV: Adagio

Joseph HUGLMANN (1768–1839)
16 – Variação XV: Allegro

Johann Nepomuk HUMMEL (1778–1837)
17 – Variação XVI [Sem indicação de andamento]

Anselm HÜTTENBRENNER (1794–1868)
18 – Variação XVII: Allegro

Friedrich KALKBRENNER (1785–1849)
19 – Variação XVIII: Allegro non troppo

Friedrich August KANNE (1778–1833)
20 – Variação XIX [Sem indicação de andamento]

Joseph KERZKOWSKY (1791?)
21 – Variação XX: Moderato con espressione

Conradin KREUTZER (1780–1849)
22  – Variação XXI: Vivace

Eduard, Barão de LANNOY (1787–1853)
23 – Variação XXII [Sem indicação de andamento]

Maximilian Joseph LEIDESDORF (1787–1840)
24 – Variação XXIII: Vivace

Franz LISZT (1811–1886)
25 – Variação XXIV: Allegro

Joseph MAYSEDER (1789–1863)
26 – Variação XXV: Allegro

Ignaz MOSCHELES (1794–1870)
27 – Variação XXVI [Sem indicação de andamento]

Ignaz Franz Edler von MOSEL (1772–1844)
28 – Variação XXVII [Sem indicação de andamento]

Franz Xaver Wolfgang MOZART (1791–1844), listado como “Wolfgang Amadeus Mozart Filho”
29 – Variação XXVIIIa: Con fuoco
30 – Variação XXVIIIb [Sem indicação de andamento]

Joseph PANNY (1796–1838)
31 – Variação XXIX: Allegro con brio

Hieronymus PAYER (1787–1845)
32 – Variação XXX [Sem indicação de andamento]

Johann Peter PIXIS (1788–1874)
33 – Variação XXXI [Sem indicação de andamento]

Wenzel PLACHY (1785–1858)
34 – Variação XXXII: Con fuoco

Gottfried RIEGER (1764–1855)
35 – Variação XXXIIIa: Allegro ma no troppo
36 – Variação XXXIIIb: [Sem indicação de andamento]

Philipp Jakob RIOTTE (1776–1856)
37 – Variação XXXIV: Allegro

Franz de Paula ROSER (1779–1830)
38 – Variação XXXV [Sem indicação de andamento]

Johann Baptist SCHENK (1753–1836)
39 – Variação XXXVI: Caprice: Moderato

Franz SCHOBERLECHNER (1797–1843)
40 – Variação XXXVII [Sem indicação de andamento]

Franz Peter SCHUBERT (1797–1828)
41 – Variação XXXVIII [Sem indicação de andamento] (D. 718)

Simon SECHTER (1788–1867)
42 -Variação XXXIX: Imitatio quasi Canon a 3 voci

“S.R.D.” (Serenissimus Rudolfus Dux, Arquiduque RUDOLPH da Áustria) (1788–1831)
43 – Variação XL: Fuga: Allegro

Maximilian STADLER (1748–1833)
44 – Variação XLI [Sem indicação de andamento]

Joseph von SZALAY (1800–1860)
45 – Variação XLII [Sem indicação de andamento]

Wenzel Johann Tomaschek (Václav Jan TOMÁŠEK) (1774–1850)
46 – Variação XLIII: Polonaise: Tempo giusto

Michael UMLAUF (1781–1842)
47 – Variação XLIV: Presto

Friedrich Dionysius Weber (Bedřich Diviš WEBER) (1766–1842)
48 – Variação XLV: Con fuoco

Franz WEBER (1805–1876)
47 – Variação XLVI: Brillante

Carl Angelus von WINKHLER (1796–1845)
48 – Variação XLVII: Allegro con fuoco

Franz WEISS (1778–1830)
49 – Variação XLVIII [Sem indicação de andamento]

Johann Nepomuk August Wittasek (Jan Nepomuk August VITÁSEK) (1770–1839)
50 – Variação XLIX: Un poco moderato

Johann Hugo Worzischek (Jan Václav VOŘÍŠEK) (1791–1825)
51 – Variação L [Sem indicação de andamento]

Carl CZERNY
52 – Coda

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Rudolf Buchbinder, piano

BTHVN250, por René Denon

Vassily

Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736): Missa S. Emidio | Salve Regina In F Minor | Manca La Guida Al Piè | Laudate Pueri Dominum (Abbado – Orchestra Mozart)

Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736): Missa S. Emidio | Salve Regina In F Minor | Manca La Guida Al Piè | Laudate Pueri Dominum (Abbado – Orchestra Mozart)

Ando por demais barroco nos últimos tempos. Não me perguntem o motivo, não sei explicar. Só sei dizer que minhas próximas postagens serão barroco e mais barroco. Deixarei o romantismo de lado por um tempo. A não ser que apareça alguma coisa me pareça imprescindível por algum motivo.

A incrível capacidade de Claudio Abbado de se reciclar é algo que merece elogios. Quem diria que depois de velho o grande Claudio Abbado, ex poderoso diretor da Filarmônica de Berlim, que gravou discos antológicos de compositores do século XX, iria se tornar um adepto das gravações de época, com orquestras e coros menores, e se dedicar ao classicismo e ao barroco? Pois é, estes cds que ele gravou nos últimos anos, tocando com esta Orchestra Mozart, são imperdíveis. Recomendo todos eles.

Neste CD que ora posto, dando prosseguimento ao “Ciclo Pergolesi” a que me propus, temos uma belíssima “Missa de S. Emidio”, que recomendo com todas as letras. Como sempre, este tipo de CD tem de ser ouvido com calma, de preferência sentado em sua melhor poltrona, e degustando um bom vinho. Serve para refletirmos sobre os mistérios da natureza humana e divina. Um bom livro também faz boa companhia. Tem chovido muito aqui na minha região, e não dá vontade de sair de casa com esse tempo. Pergolesi, desta forma, se torna uma excelente companhia.

Espero que apreciem.

Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736): Missa S. Emidio, Laudate pueri Dominum, Salve Regina (Abbado – Orchestra Mozart)

Missa S. Emidio (30:01)
1 Kyrie Eleison 0:45
2 Christe Eleison 2:28
3 Kyrie Eleison 0:58
4 Gloria In Excelsis Deo 2:41
5 Laudamus Te 2:08
6 Gratias Agimus Tibi 3:48
7 Domine Deus 4:12
8 Qui Tollis Peccata Mundi (I) 2:15
9 Qui Tollis Peccata Mundi (II) 4:04
10 Qui Sedes Ad Dexteram Patris 2:19
11 Quoniam Tu Solus Sanctus 1:48
12 Cum Sancto Spiritu. Amen 2:33

Salve Regina In F Minor (15:20)
13 Salve Regina 4:39
14 Ad Te Clamamus 4:44
15 Eia Ergo 1:33
16 Et Jesum Benedictum 2:18
17 O Clemens, O Pia 2:05

Manca la Guida Al Piè (8:40)
18 Recitativo: “È Dover Che Le Luci” 2:09
19 Aria: “Manca la Guida Al Piè” 6:31

Laudate Pueri Dominum (18:33)
20 Laudate Pueri Dominum 3:05
21 A Solis Ortu 3:38
22 Excelsus Super Omnes 2:06
23 Quis Sicut Dominus 2:05
24 Suscitans A Terra 2:29
25 Gloria Patri 2:53
26 Sicut Erat In Principio 2:15

Choir – Coro Della Radiotelevisione Svizzera* (tracks: 1-12, 20-26)
Chorus Master – Diego Fasolis (tracks: 1-12, 20-26)
Conductor – Claudio Abbado
Contralto Vocals – Sara Mingardo (tracks: 1-17)
Mezzo-soprano Vocals – Teresa Romano (tracks: 21)
Orchestra – Orchestra Mozart
Soprano Vocals – Rachel Harnisch (tracks: 20-26), Veronica Cangemi (tracks: 1-12, 18, 19)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Abbado com a Orquestra Mozart

FDPBach

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – Staier

Sou ávido ouvinte da chamada interpretação historicamente informada, a ponto de ter uma discografia historicamente informada paralela à de interpretações, assim digamos, convencionais. A música de Beethoven, que esteve por décadas além dos limites de exploração da turma dos instrumentos originais, foi por ela enfim acolhida, e a produção pianística de Ludwig, tão fundamental ao repertório, não ficou de fora, e o mundo viu surgirem muitas atraentes leituras das sonatas, tocadas em fortepianos por mestres como Paul Badura-Skoda e Ronald Brautigam.

 

Faltavam, no entanto, as Variações Diabelli.

É bem provável que, por sua transcendência e exigências ao instrumento e ao executante, elas tenham ficado fora da alçada das aventuras dos primeiros fortepianistas contemporâneos. Beethoven, que já estava completamente surdo quando compôs as “Diabelli”, nunca as escutou, exceto em sua imaginação. Suas frequentes  reclamações quanto às limitações dos pianos de sua época, no entanto, permitem-nos supor que ele desejasse para as “Diabelli” um instrumento mais potente, com timbre mais uniforme entre os registros, e vasta gama dinâmica – um instrumento, enfim, como os modernos pianos de concerto.

Entra em cena Andreas Staier, um fortepianista com toque de Midas, disposto a recriar as “Diabelli” dum modo que ninguém antes as ouvira: numa cópia dum instrumento de Conrad Graf, semelhante ao que o compositor mantinha em seu caótico apartamento, e baseado no manuscrito autógrafo que, depois de cento e oitenta anos flanando entre coleções privadas, foi enfim adquirido pela Beethovenhaus em Bonn.

Tão logo anunciaram esse projeto de Staier, passei a esperar, claro, pelo sublime. Não me frustrei: sua gravação, parida em 2012, nasceu clássica. Mesmo se tivesse sido feita num piano moderno, ela seria excelente, pelo afinco com que Staier abraçou o conceito beethoveniano de sintetizar, com as “Diabelli”, o estado da arte pianístico daqueles 1820’s. À sua exploração aventurosa do teclado soma-se o domínio dos timbres do fortepiano, usados em todos seus recursos – incluindo seus pedais de abafamento e efeitos de registros, como o de fagote (que dá um toque fanhoso às notas) e o dito “registro janízaro”, que tenta emular a percussão das bandas de regimentos otomanos, feito para saciar o apetite europeu por “música turca”, naquela época.

Staier não para por aí: ele adiciona ornamentos e ligeiras variações às repetições; usa as pausas de maneira extremamente expressiva – por vezes irônica, noutras muito dramática – tanto durante as variações quanto entre elas; e, não menos importante, abre a gravação com doze das variações que diversos compositores (entre eles Liszt e Schubert) mandaram a Diabelli, para que sirvam de prelúdio à obra-prima de Beethoven. Para arredondar, presenteia-nos com uma introdução improvisada antes da obra de Beethoven, que é sua própria variação sobre a marota valsinha.

Nas palavras de Staier:

Minha intenção com a introdução foi criar um espaço sonoro que separa os doze ‘prelúdios’, de Czerny a Schubert, do grande ciclo de Beethoven. É uma pausa para respirar no meio do que, de outra forma, seria música rigorosamente composta. Por isso, eu acho que o elemento improvisado é aqui perfeitamente apropriado. Dessa forma, pode-se garantir que a valsa de Diabelli tenha o frescor necessário na segunda vez que for tocada. […] Este manuscrito fascinante nos permite inferir o lado colérico e impaciente de Beethoven, mas não o lado irônico de seu caráter. As anotações mostram suas preocupações e dificuldades durante um processo de composição bastante trabalhoso. O que começou como uma cópia limpo se transforma cada vez mais em um manuscrito funcional. Com a dinâmica da caligrafia e as muitas correções e rasuras, ele fornece toda uma gama de indicadores para as intenções do compositor. É um tesouro para o intérprete”

Nada que eu e Staier lhes contemos será capaz de dar-lhes ideia da delícia que é ouvir este álbum, uma apoteose do fortepiano e, acima de tudo, uma afirmação de suas qualidades ante suas potentes contrapartes modernas. Calo-me, portanto, para que vocês se deleitem.

Bom proveito!

Anton DIABELLI (1781–1858) [organizador]

De Vaterländischer Künstlerverein – Veränderungen über ein vorgelegtes Thema componiert von den vorzüglichsten Tonzetzern und Virtuosen Wiens und der kaiserlichen-königlichrn österreichischen Staaten (“Associação de Artistas Patrióticos – Variações sobre um tema proposto, compostas pelos mais renomados compositores e virtuosos de Viena e dos estados imperiais e reais da Áustria”)

Anton DIABELLI
1 – Thema: Vivace

Carl CZERNY (1791–1857)
2 – Variação IV [Sem indicação de andamento]

Johann Nepomuk HUMMEL (1778–1837)
3 – Variação XVI [Sem indicação de andamento]

Friedrich Wilhelm Michael KALKBRENNER (1785–1849)
4 – Variação XVIII: Allegro non troppo

Joseph KERZKOWSKY (1791?)
5 – Variação XX: Moderato con espressione

Conradin KREUTZER (1780–1849)
6 – Variação XXI: Vivace

Franz LISZT (1811–1886)
7- Variação XXIV: Allegro

Ignaz MOSCHELES (1794–1870)
8- Variação XXVI [Sem indicação de andamento]

Johann Peter PIXIS (1788–1874)
9 – Variação XXXI [Sem indicação de andamento]

Franz Xaver Wolfgang MOZART (1791–1844)
10 – Variação XXVIIIa: Con fuoco

Franz Peter SCHUBERT (1797–1828)
11 – Variação XXXVIII [Sem indicação de andamento]


Andreas STAIER (1955)
12 – Introduktion (improvisação)


Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

13 – Thema: Vivace
14 – Variation 1: Alla marcia maestoso
15 – Variation 2: Poco allegro
16 – Variation 3: L’istesso tempo
17 – Variation 4: Un poco più vivace
18 – Variation 5: Allegro vivace
19- Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
20 – Variation 7: Un poco più allegro
21 – Variation 8: Poco vivace
22 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
23 – Variation 10: Presto
24 – Variation 11: Allegretto
25 – Variation 12: Un poco più moto
26 – Variation 13: Vivace
27 – Variation 14: Grave e maestoso
28 – Variation 15: Presto scherzando
29 – Variation 16: Allegro
30 – Variation 17: Allegro
31 – Variation 18: Poco moderato
32 – Variation 19: Presto
33 – Variation 20: Andante
34 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
35 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
36 – Variation 23: Allegro assai
37 – Variation 24: Fughetta (Andante)
38 – Variation 25: Allegro
39 – Variation 26: (Piacevole)
40 – Variation 27: Vivace
41 – Variation 28: Allegro
42 – Variation 29: Adagio ma non troppo
43 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
44 – Variation 31: Largo, molto espressivo
45 – Variation 32: Fuga: Allegro
46 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

Andreas Staier, fortepiano (baseado num modelo de Conrad Graf)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

“Conrad Graf – Fabricante de Fortepianos da Corte Imperial e Real – Viena – Próximo à Igreja de São Carlos, na rua Mondschein [“Luar”], no. 102″
Da coleção do Metropolitan Museum of Art, New York City, Estados Unidos (licença Creative Commons CC0 1.0)
BTHVN250, por René Denon

Vassily

W. A. Mozart (1756-1791): Sinfonias Nros. 39 e 40 (Jacobs / Freiburger)

W. A. Mozart (1756-1791): Sinfonias Nros. 39 e 40 (Jacobs / Freiburger)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

A fim de completar a grande dupla de CDs de Jacobs + Freiburger — que orquestra! que maestro! — interpretando as últimas sinfonias de Mozart (aqui está o irmão gêmeo), postamos agora as de Nº 39 e 40, mesmo que em tempos tão beethovenianos, mesmo duas semanas antes da data máxima.

A Sinfonia nº 39 é a primeira de um conjunto de três (suas últimas sinfonias) que Mozart compôs em rápida sucessão durante o verão de 1788. O nº 40 foi concluído em 25 de julho e o nº 41 em 10 de agosto. Nikolaus Harnoncourt diz que Mozart compôs as três sinfonias como uma obra unificada, apontando, entre outras coisas, para o fato de que a Sinfonia No. 39 ter uma grande introdução e nenhuma coda. Parece ser impossível determinar a data da estreia da 39ª Sinfonia com base nas evidências atualmente disponíveis; na verdade, não pode ser estabelecido se a sinfonia alguma vez foi executada durante a vida do compositor.

O tema inicial do primeiro movimento da Sinfonia Nº 40 já fez grande sucesso como toque de celular. Não obstante esta popular e pequena utilização, a sinfonia é conhecida como a “Grande” sinfonia em sol menor, para distingui-la da “Pequena” sinfonia em sol menor, a n.º 25. Estas são as únicas sinfonias em tons menores compostas por Mozart, com a exceção de uma sinfonia em lá menor redescoberta recentemente, do início de sua carreira, conhecida hoje em dia como a Sinfonia Odense. Os documentos da época não trazem qualquer evidência de que a estreia da 40ª Sinfonia teria ocorrido durante a vida de Mozart, mas… Em 4 ocasiões, entre a composição da sinfonia e a morte do compositor, concertos sinfônicos foram realizados com a música de Mozart, incluindo concertos cujos programas sobreviveram, e incluíam uma sinfonia em sol menor sem maior identificação. Os musicólogos pensam que esta seria a 40. 

W. A. Mozart (1756-1791): Sinfonias Nros. 39 e 40 (Jacobs / Freiburger)

Symphony No.39 In E Flat Major, K.543
1 I. Adagio – Allegro 10:04
2 II. Andante Con Moto 8:05
3 III. Menuetto. Allegretto 3:25
4 IV. Finale. Allegro 8:09

Symphony No.40 In G Minor, K.550
5 I. Molto Allegro 7:15
6 II. Andante 15:08
7 III. Menuetto. Allegretto 3:47
8 IV. Allegro Assai 9:18

Freiburger Barockorchester
René Jacobs

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Mozart ficou espantado com a qualidade da gravação de Jacobs com a Freiburger

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – O’Conor

Nossa travessia da obra beethoveniana chega hoje àquela que é, para mim, sua obra mais genial. Nas palavras de Hans von Bülow, as variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, (doravante chamadas simplesmente de “as Diabelli”) são o “microcosmos da arte de Beethoven”. De fato, elas são um portfólio do poder de sua imaginação e um tour de force de seu incomparável conhecimento do teclado. A maior obra em variações de toda Música também é, na minha desimportante opinião, a maior de todas as obras escritas para piano.

Ninguém imaginaria tantos superlativos quando o editor Diabelli o convidou, juntamente com trocentos outros compositores do Império, a contribuir com uma variação para um compêndio beneficente que estava a organizar (e que será abordado numa próxima publicação) sobre uma faceira valsa de sua lavra. Beethoven, aparentemente, desdenhou o tema que lhe foi proposto, chamando-o de Schusterfleck, o “remendo de sapateiro”, uma referência às repetições de figuras em tons ascendentes a se sobreporem como remendos nas solas de sapatos, e que é um artifício comum em peças de baixo calão.


William Kinderman – um ótimo intérprete e talvez a maior autoridade hoje no
Op. 120 –  demonstra os “Schusterflecker” na valsa de Diabelli

“Tema”, aliás, não parece um termo apropriado à pequenina valsa – ou, mais exatamente, um Ländler – com pouquíssimos gestos melódicos. De qualquer maneira, Beethoven mudou de ideia a seu respeito e, deixando de lado o trabalho na Missa Solemnis, debruçou-se sobre a ninharia de Diabelli no final de 1819. Rapidamente, compôs vinte e três variações sobre ela – vinte e duas além do pedido. Os queimados prazos da Missa e das três últimas sonatas para piano chamaram-no de volta para essas obras, e ele só voltaria às Diabelli em 1823, para acrescentar-lhes mais dez variações e, enfim, mandá-las ao editor.

Diabelli deve ter-se espantado com o contraste entre a singeleza do que pediu e a transcendência do que recebeu. Seu prefácio à primeira edição deixa claro o seu pasmo:


Doravante apresentamos ao mundo Variações em nada ordinárias, e sim uma grande e importante obra-prima digna de ser alinhada com as criações imortais dos antigos clássicos – uma obra tal como apenas Beethoven, o maior representante vivo da verdadeira Arte – apenas Beethoven, e nenhum outro, pode produzir. As estruturas e ideias mais originais, os idiomas e harmonias musicais mais ousados aqui exaurem-se; todo efeito de piano baseado em uma técnica sólida é empregado, e este trabalho torna-se mais interessante pelo fato de que ele é extraído de um tema que ninguém suporia capaz dum desenvolvimento à altura do caráter com que nosso exaltado Mestre se destaca sozinho entre seus contemporâneos. As esplêndidas fugas, nos. 24 e 32, surpreenderão todos os amigos e conhecedores do estilo sério, assim como os nºs 2, 6, 16, 17, 23 &c, os brilhantes pianistas; em verdade, todas essas variações, por meio da novidade de suas idéias, do cuidado na elaboração e da beleza nas mais engenhosas de suas transições, darão à obra um lugar ao lado da famosa obra-prima de Sebastian Bach na mesma forma. Estamos orgulhosos de ter ensejado esta composição e, além disso, nos esforçamos ao máximo na impressão para combinar elegância com o máximo de precisão”

Diabelli estava certo, e as “Diabelli” ganharam um lugar no panteão das grandes obras em variações, ao lado das Goldberg. Mais que isso, foram – a despeito de suas imensas dificuldades técnicas – um instantâneo sucesso que imortalizou seu nome ademais esquecível.

Como se nota pela citação acima, o próprio autor do tema reconhecia sua surpresa com a resposta de Beethoven à sua bagatela. Ludwig, que se interessava por variações desde que usava calças curtas, decompôs a valsa de Diabelli em seus pequenos gestos – como o floreio inicial e as figurações descendentes – e assim encontrou imensas possibilidades de transformá-la (pois o termo “Veränderungen” também significa “transformação”), explorando-os às últimas consequências.

O grande Alfred Brendel assim definiu o resultado:


O tema deixou de mandar sobre sua prole rebelde. Em lugar disso, as variações decidem o que o tema pode ter a lhes oferecer. Em vez de ser reafirmado, adornado e glorificado, é melhorado, parodiado, ridicularizado, negado, transfigurado, lamentado, eliminado e finalmente elevado…

As “Diabelli” são o apogeu duma carreira intimamente ligada ao teclado, um compêndio do estado da arte de um instrumento, e o testamento pianístico de Beethoven, que, fora algumas bagatelas e rabiscos, não voltaria mais a escrever para o piano.

Analisar essa obra monumental foge, claro, ao escopo duma postagem de blog. Recomendo fortemente, nesse sentido, o livro essencial que William Kinderman (o mesmo que mais acima falou sobre a Schusterfleck) escreveu sobre ela: nada menos que sensacional, ou, como diria nosso patrão PQP Bach, IM-PER-DÍ-VEL para os diabellimaníacos entre vós outros. Limitar-me-ei a falar sobre seus intérpretes: cresci ouvindo as legendárias versões de Schnabel e Gulda; aprendi a reverenciar as leituras de Kovacevich, Pollini e Sokolov – mas, desde que o irlandês John O’Conor, talvez o mais exuberante beethoveniano da atualidade, lançou a sua, eu a tenho ouvido sem parar. Há de tudo em suas “Diabelli”: o elã, o humor, a vivacidade; a ironia, o sarcasmo, a paródia; o pathos, a ferocidade, o sublime. Uma gravação, enfim, para a eternidade.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

1 – Thema: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

John O’Conor, piano

 

BTHVN250, por René Denon

Vassily

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 6 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 6 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Este monumento da cultura universal foi estreado em 7 de maio de 1824, no Kärntnertortheater, em Viena, na Áustria. O regente foi Michael Umlauf, diretor musical do teatro, e Beethoven — dissuadido da regência pelo estágio avançado de sua surdez — teve direito a um lugar especial no palco, junto ao maestro. A Sinfonia N° 9, Op. 125, Coral, é a última sinfonia completa composta por Beethoven. É mais conhecida como Nona Sinfonia ou ainda, A Nona, uma das obras mais conhecidas do repertório, considerada tanto ícone quanto predecessora da música romântica, e uma das grandes obras-primas de Beethoven. A Nona incorpora parte do poema An die Freude (“À Alegria“), uma ode escrita por Friedrich Schiller, com o texto cantado por solistas e um coro em seu último movimento. Foi o primeiro exemplo de um compositor importante que tenha utilizado a voz humana com o mesmo destaque que a dos instrumentos, numa sinfonia, criando assim uma obra de grande alcance, que deu o tom para a forma sinfônica que viria a ser adotada pelos compositores românticos. A Sinfonia Nº 9 tem um papel cultural de extrema relevância no mundo atual. Em especial, a música do último movimento que, rearranjada, tornou-se o hino da União Europeia. Outra prova de sua importância na cultura atual foi o valor de 3,3 milhões de dólares atingido pela venda de um dos seus manuscritos originais, feita em 2003 pela Sotheby’s, de Londres. Beethoven alterou o padrão costumeiro das sinfonias clássicas, ao colocar o scherzo antes do movimento lento. Esta foi a primeira vez que ele fez isso numa sinfonia, embora tivesse feito o mesmo em outros gêneros, como os quartetos op. 18 números 4 e 5, o trio para piano “Arquiduque”, Op. 97, e a sonata para piano, Op. 106, “Hammerklavier”). Poucas obras de Beethoven tiveram gênese tão trabalhosa quanto a última das nove sinfonias. Ao que parece, a ideia de pôr música na Ode à Alegria de Schiller já aparece em 1792, poucos anos após o grande poeta romântico ter publicado seus versos. Em 1807, Beethoven concebe a Fantasia Op. 80 para piano, coro e orquestra. Aspectos revelados nessa obra aparecem como uma espécie de ensaio para procedimentos que serão utilizados na Nona. Em 1823, Beethoven já havia composto os três primeiros movimentos da sinfonia, e ao final desse mesmo ano ganha corpo a ideia de concluí-la com o uso de vozes humanas e o emprego do poema de Schiller. O uso das vozes e as citações dos movimentos anteriores, dentre outras “ousadias” estilísticas, são procedimentos que ganharam significado e importância especiais na música instrumental, na música sinfônica e na música dramática do século XIX, não exatamente na geração que sucede a Beethoven, mas numa geração posterior, da qual participam Mahler, Franck, Bruckner e o próprio Wagner. Sem o isolamento do silêncio exterior, porém, Beethoven talvez não chegasse a atingir tal densidade de pensamento musical. Como escreverá mais tarde Victor Hugo: “Esse surdo ouvia o infinito”.

Eu gostei moderadamente da interpretação de Antonini para esta Nona. Tudo está rapidíssimo e bom, mas cá pra nós, aquele Adagio molto e cantabile tocado a toda velocidade ficou ridículo e quebrou o clima.

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 6 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

CD6
01. Symphony No. 9 in D minor, Op. 125: I. Allegro ma non troppo, un poco maestoso
02. Symphony No. 9 in D minor, Op. 125: II. Molto vivace – Presto (Scherzo)
03. Symphony No. 9 in D minor, Op. 125: III. Adagio molto e cantabile
04. Symphony No. 9 in D minor, Op. 125: IV. Presto

Kammerorchester Basel
Giovanni Antonini

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – “Meeresstille und glückliche Fahrt”, Op. 112 – Sinfonia no. 5 em Dó menor, Op. 67 – Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia no. 10 em Fá sustenido maior – Boulez

A cantata “Mar Calmo e Viagem Próspera” está entre as mais concisas e menos conhecidas obras-primas de Beethoven. Dedicada a Goethe, que Ludwig idolatrava, baseou-se em dois breves poemas do mestre de Weimar – porque, sim, “Mar Calmo” não é sinônimo de “Viagem Próspera”, pelo menos para quem depende de velas para propelir suas embarcações. “Mar Calmo” descreve, assim, e com música quase estática, o medo mortal do marinheiro (não me arriscarei a traduções de Goethe, então googleiem aí):


Tiefe Stille herrscht im Wasser,
Ohne Regung ruht das Meer,
Und bekümmert sieht der Schiffer
Glatte Fläche rings umher.
Keine Luft von keiner Seite!
Todesstille fürchterlich!
In der ungeheuern Weite
Reget keine Welle sich”

O contraste com a “Viagem Próspera” não poderia ser mais vivo: uma erupção quase maníaca de euforia com os ventos que encerram a calmaria:

Die Nebel zerreißen,
Der Himmel ist helle,
Und Äolus löset
Das ängstliche Band.
Es säuseln die Winde,
Es rührt sich der Schiffer.
Geschwinde! Geschwinde!
Es teilt sich die Welle,
Es naht sich die Ferne,
Schon seh’ ich das Land!”

As semelhanças da “Viagem Próspera” com o finale da Nona Sinfonia são notáveis, quanto mais por compartilharem a mesma tonalidade (Ré maior) e serem imbuídas do mesmo frenético elã. Beethoven tinha essa breve cantata em muito alta consideração, pois de outra maneira não se arriscaria a dedicá-la a Goethe, que era notoriamente blasé no que tangia às tentativas de colocar seus poemas em música, e a quem escreveu:


… por causa de seus caráteres constrastantes, esses dois poemas me pareceram muito adequados para a expressão desse contraste em música. Ser-me-ia um deleite saber que uni minha harmonia com a sua de maneira apropriada”


Goethe, claro, nunca lhe respondeu.

ooOoo

Admito que esta não seja minha versão favorita da cantata – a favorita, na verdade, está aqui. Eu a trouxe porque ela me serve de pretexto para alcançar-lhes a famosa leitura que Pierre Boulez fez da indefectível Quinta de Beethoven. Fama não significa necessariamente aclamação, e a reputação de lentidão do primeiro movimento é, como ouvirão, justamente merecida. Boulez, sempre o enfant terrible, aborda ruminativa e pontilhisticamente o célebre Allegro con brio, mas comporta-se razoavelmente nos movimentos seguintes. O contraste da Quinta com o Mar Calmo e a Viagem Feliz que a seguem é, para dizer o mínimo, muito peculiar. E, como heterodoxia pouca é bobagem, resolveram que seria necessário preencher com música os vinte e tantos minutos que faltavam ao velho LP ocupar todo um CD, e alguém achou que seria uma boa ideia justapor o Adagio da incompleta sinfonia no. 10 de Mahler.

Pelo jeito, chá de fita era o que não faltava aos produtores da Columbia. E devia estar bem bom.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 5 em Dó menor, Op. 67
Composta entre 1804-8
Publicada em 1809
Dedicada ao príncipe Lobkowitz e ao conde Andreas Razumovsky

1 – Allegro con brio
2 – Andante con moto
3 – Scherzo. Allegro
4 – Allegro

New Philharmonia Orchestra
Pierre Boulez, regência


“Meeresstille und Glückliche Fahrt”, cantata para solistas, coro e orquestra, Op. 112
Composta entre em 1814–5
Publicada em 1822
Dedicada a Johann Wolfgang von Goethe

5 – Meeresstille. Sostenuto – Glückliche Fahrt. Allegro vivace

John Alldis Choir
New Philharmonia Orchestra
Pierre Boulez, regência


Gustav MAHLER (1850-1911)

Sinfonia no. 10 em Fá sustenido maior (1910)
6 – Andante – Adagio

London Symphony Orchestra
Pierre Boulez, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Falando em chá de fita…
BTHVN250, por René Denon

Vassily

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 5 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 5 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Comecei a frequentar os concertos de música erudita com a idade de 4 ou 5 anos. Meu pai me levava. Ele disse que, por uns 5 anos, eu sistematicamente dormia após dez minutos. Ele queria saber quando eu pararia com aquilo, ainda mais porque eu dizia que gostava de ir… Certamente gostava era da companhia dele, claro. Mas houve um dia em que eu passei a não mais dormir. Foi quando assisti uma 7ª Sinfonia de Beethoven regida por Pablo Kómlos. Aquilo era enlouquecedor. Uma sucessão de agitadas danças com aquele Alegretto no meio. (Bem, o Allegretto também é uma dança… É uma pavana, é Beethoven que começa a olhar para trás. A tradição desacelerou esse movimento, dando um aspecto demasiado fúnebre. A pavana é uma dança calma, contida). Ouvi hoje a 7ª e, pela enésima vez… Toda aquela primeira impressão permanece viva. Eu sou o mesmo, de certa forma. De certa forma bem distorcida. O mais louco dessa sinfonia louca é o Finale — um rock pauleira da época e uma das formas-sonata mais estapafúrdias da história da música.

Mas, gente, eu também gosto DEMAIS da subestimada oitava. Eita, sinfonia boa!

Antonini e orquestra dão um show especial aqui. Trata-se de um dos melhores registros que ouvi destas duas obras-primas!

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 5 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

CD5
01. Symphony No. 7 in A major, Op. 92: I. Poco sostenuto – Vivace
02. Symphony No. 7 in A major, Op. 92: II. Allegretto
03. Symphony No. 7 in A major, Op. 92: III. Scherzo – Presto
04. Symphony No. 7 in A major, Op. 92: IV. Allegro con brio

05. Symphony No. 8 in F major, Op. 93: I. Allegro vivace e con brio
06. Symphony No. 8 in F major, Op. 93: II. Allegretto scherzando
07. Symphony No. 8 in F major, Op. 93: III. Tempo di minuetto
08. Symphony No. 8 in F major, Op. 93: IV. Allegro vivace

Kammerorchester Basel
Giovanni Antonini

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 [Beethoven – The Late Piano Sonatas – Hungerford]

A promessa furada de enviar “sem demora” as três sonatas encomendadas por Schlesinger começou a deixar de ser potoca quando Beethoven, já atrasadíssimo, começou a última delas, a Op. 111, antes mesmo de terminar a Op. 110. Depois de muito ruminar sobre o finale de sua antecessora, a rapidez com que escreveu sua derradeira sonata para piano foi impressionante – ela ficou pronta em poucas semanas e, a despeito de várias correções e reformulações que a transformaram no costumeiro caldo de garranchos, foi enviada logo em seguida ao editor Schlesinger. E quem a ouve – ou, como é meu caso, a reouve pela “incontavelésima” vez – fica com a impressão de que esta obra-prima só poderia mesmo ter sido escrita assim, num jorro contínuo de inspiração.

A atrapalhação de que se poupou na composição, Beethoven despendeu-a na dedicatória. Além de encerrar o ciclo de sonatas prometido para Schlesinger em Viena, a Op. 111 foi oferecida à firma de Muzio Clementi em Londres. Para ambos editores, Ludwig enviou o manuscrito com dedicatória a seu aluno, amigo e patrono, o arquiduque Rudolph da Áustria. Enquanto a obra estava no prelo, e talvez para compensar a babada de querer dedicar a sonata anterior a Antonie Brentano e acabar por ver a partitura publicada sem qualquer dedicatória, mudou de ideia e resolveu homenagear Brentano. Clementi mudou a dedicatária; Schlesinger, não. Assim, a sonata surgiu em Londres dedicada a sua talvez-mais-que-amiga, e em Viena, a seu amigo imperial.

A concentrada obra tem apenas dois movimentos, o que levou seus editores a perguntarem se algum outro não fora esquecido. Talvez Beethoven tenha planejado um terceiro, pois há anotações de um Presto seguindo-se à Arietta no primeiro manuscrito do Allegro de abertura. O fato é que nenhuma imaginação conseguiria conceber algo capaz de se seguir à pungente morte das notas finais da Arietta, na qual um longo tema é variado cinco vezes, com várias mudanças no já invulgar compasso de 9/16 que abre o movimento, passando por um notável, sincopado episódio que já foi chamado de proto-jazz, e isso setenta anos antes de qualquer coisa nesse sentido ser criada na Louisiana. Muito já se escreveu sobre a impossibilidade de apor um poslúdio à Op. 111, e de maneira especialmente famosa por Thomas Mann em seu Doutor Fausto, de modo que meu mal-amanhado texto não lhes fará perder mais tempo sobre o assunto.

Meu assunto será outro: o intérprete, talvez a maior descoberta que fiz na tremenda vasculhada que dei na discografia beethoveniana à cata de gravações que pudessem honrar o jubileu que comemoraremos em alguns dias mais.

Bruce Hungerford (1922-1977) era, também, um homem afeito a descobertas. Apesar de ter brilhado cedo ao teclado, suas raízes no improvável lugarejo de Korumburra, e a formação musical na remota Austrália fizeram-no ser visto com pouco caso por muita gente. Assim, e percebendo que talvez seu futuro não passasse pelos teclados, dedicou-se à paleontologia e à egiptologia, que lhe fizeram viajar muito mais do que qualquer coisa que tenha feito com um piano. Seu pedigree musical, no entanto, era dos melhores: estudou com Carl Friedberg, aluno de Clara Schumann e professor, para minha surpresa, da espetacular Nina Simone. Também estudou, inda que brevemente, com Ignaz Friedman, o que o colocou em linha pedagógica direta (através de Theodor Leschetizky e Carl Czerny) com Beethoven. Os rumos de sua carreira mudaram quando o produtor Maynard Solomon, também autor duma influente biografia de Ludwig convidou-o para gravar a obra completa do renano para o selo Vanguard. Hungerford aceitou e mudou-se para os Estados Unidos. Gravou rapidamente vinte e duas das trinta e duas sonatas, e só não completou a série pois, enquanto voltava de uma viagem com a família, um desastre automobilístico os matou.

O desaparecimento precoce e inesperado, somada a seu caráter introvertido e pouco afeito a vaidades, manteve Hungerford praticamente desconhecido a públicos maiores. A julgar pelo torso de integral que nos deixou, imagino que, se tivesse completado o projeto com a Vanguard, sua reputação seria hoje muito diferente. Admito que nada sabia dele até que seu nome me surgiu enquanto buscava um intérprete que pudesse encerrar com a devida autoridade a monumental série das trinta e duas sonatas para piano. Quando eu o ouvi, a impressão foi imediata e profunda. Seu estilo é, se o tivéssemos que descrever numa só palavra, austero, mas a atenção ao detalhe e particularmente, a precisão rítmica tornam suas leituras de Beethoven espetaculares. As duas últimas sonatas, em especial (que o compositor, nunca muito empático com seus intérpretes, descreveu como “não muito difíceis”) são repletas de desafios técnicos e interpretativos que Hungerford tira de letra com sensacional musicalidade. Quem espera um Beethoven colorido e romântico talvez se decepcione com as aparentes frieza e secura dessas versões. Asseguro-lhes, entretanto, que quem ouvir Hungerford não se decepcionará. Arrisco, mesmo, afirmar-lhes que ele é o melhor intérprete de Beethoven que quase ninguém conhece – e digo “quase” porque vocês, leitores-ouvintes, agora terão o privilégio de conhecê-lo.


Ludwig van BEETHOVEN
(1770-1827)

Sonata para piano em Fá sustenido maior, Op. 78
Composta em 1809
Publicada em 1810
Dedicada a Therese von Brunsvik

01 – Adagio cantabile
02 – Allegro vivace

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso
9 – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria (edição vienense) e a Antonie Brentano (edição londrina)

10 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
11 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Bruce Hungerford, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Cheers, mate

BTHVN250, por René Denon

Vassily

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 4 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 4 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Este CD traz dois ícones sinfônicos da humanidade. A afirmativa 5ª Sinfonia e a tranquila Pastoral, a 6ª de Beethoven. A Sinfonia Nº 5, Op. 67, dita Sinfonia do Destino, foi escrita entre 1804 e 1808, é uma das composições mais populares e conhecidas em todo repertório da Música Erudita Europeia, além de ser uma das sinfonias mais executadas nos tempos atuais. Trata-se da primeira sinfonia do autor composta em tonalidade menor, o que só voltaria a acontecer em 1824 com a Sinfonia Nº 9, Op. 125. A Sinfonia Nº 5 é um monumento intocável. Os quatro movimentos são exemplos de alternância: o primeiro movimento tem grande tensão começada pelas cordas e elevada a um dramatismo extremo; o segundo movimento é solene, possuindo uma marcha fúnebre que se eleva pela sua emoção e beleza; o terceiro andamento é silencioso, mas também explosivo e o quarto expressa triunfo e magnificência. A Sinfonia Nº 6, Op. 68, é também chamada Sinfonia Pastoral. Ela é uma obra precursora da música programática. Esta sinfonia foi completada em 1808 e teve a sua primeira apresentação no “Theater an der Wien” em 22 de dezembro de 1808. Dividida em cinco andamentos, tem por propósito descrever a sensação experimentada nos ambientes rurais. Beethoven insistia que essas obras não deveriam ser interpretadas como um “quadro sonoro”, mas como uma expressão de sentimentos. É uma das mais conhecidas obras da fase romântica de Beethoven.

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 4 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

CD4
01. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: I. Allegro con brio
02. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: II. Andante con moto
03. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: III. Allegro
04. Symphony No. 5 in C minor, Op. 67: IV. Allegro

05. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: I. Allegro non troppo
06. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: II. Szene am Bach: Andante molto moto
07. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: III. Lustiges Zusammensein: Allegro
08. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: IV. Donner, Sturm: Allegro
09. Symphony No. 6 in F Major, Op. 68 “Pastorale”: V. Hirtengesang: Allegretto

Kammerorchester Basel
Giovanni Antonini

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110 [Beethoven – The Late Piano Sonatas – Solomon]

Beethoven foi um gênio da Música e mestre não menos consumado da arte de enrolar. Uma de suas obras-primas nessa menos votada arte foi a maneira com que levou a composição das três últimas sonatas para piano. Como vimos ontem, ele recebeu a encomenda dessas sonatas em 1820, enquanto se dedicava à Missa Solemnis. Pois bem: depois de entregar a primeira sonata, já com atraso, avisou ao encomendante que as outras duas se seguiriam “sem demora”, só para – claro – deixá-las de lado e mergulhar novamente no árduo trabalho de composição da Missa, no qual também se atrasara. Só um ano depois de completar a Op. 109, enfim, ele iniciou a Op. 110, concluindo-a no Natal de 1821.

A Sonata em Lá bemol maior, Op. 110, é notável por ser, assim como a Oitava Sinfonia, uma das poucas obras importantes de Beethoven a ser publicada sem dedicatário. O compositor mandou o manuscrito sem qualquer dedicatória, prometendo que ela seria informada posteriormente. O editor, decerto tiririca com o imenso atraso da entrega, publicou-a assim mesmo, e como tal ficou. Ao que tudo indica, a sonata seria dedicada a Antonie Brentano, a mais provável destinatária da famosa correspondência à “Amada Imortal”, e que receberia, mais tarde, a dedicatória das monumentais Variações Diabelli.

Assim como na Op. 109, a maior parte do “peso” da Op. 110 está no final. Os dois primeiros movimentos são concisos e contrastantes. O movimento de abertura, que tem a indicação “com amabilidade”, é belamente contido, seguindo-se um turbulento movimento em menor, fazendo as vezes de scherzo. O finale é tão complexo, e foi tantas vezes reformulado, que Beethoven, num gesto sem precedentes, passou a limpo o original, em vez de enviar ao editor a habitual floresta de garranchos. Não obstante, por motivos que só ele próprio deveria compreender – e porque Beethoven, como já devem ter percebido, era um tipo raro -, ele acabou por reter a cópia “limpa” e mandou a partitura original, cravejada de rasuras. Pois este movimento de gênese tão trabalhosa inicia com um recitativo, que depois ganha ares de uma lamúria cantável, e desemboca numa extraordinária fuga que, quando parece encaminhar-se para a coda, volta à lamúria, que recebe a incomum indicação “exausto, lamentando”. Depois, a fuga retorna, sob a indicação “aos poucos revivendo novamente”, com a inversão do tema, até chegar a um assertivo clímax e a conclusão verdadeira.

O intérprete que lhes apresento é, também, extraordinário. O londrino Solomon Cutner (1902-1988) iniciou a carreira como criança-prodígio, interrompeu-a por toda adolescência para dedicar-se aos estudos com uma aluna de Clara Schumann, e retomou-a somente como adulto jovem, adotando o monônimo Solomon.

Ecce puer

Solomon foi uma estrela fulgurante que embarcou em extensas turnês mundiais – uma proeza considerável, se levarmos em conta o tempo que se levava, por exemplo, para chegar à Austrália e à Indonésia nos anos 30 – e que teve amplo reconhecimento por suas interpretações a um só tempo austeras e altamente expressivas de um vasto repertório, principalmente pelas sonatas de Beethoven.

A carreira de Solomon foi lamentavelmente destruída por um devastador derrame que, aos meros 54 anos, o fez perder o controle da mão direita. Na ocasião, ele se dedicava à gravação da integral das sonatas de Beethoven, das quais já gravara dezoito. Este torso de integral, no entanto, é um dos clássicos imorredouros da discografia beethoveniana. Quem ouve a legendária “Hammerklavier” de Solomon – com um constrito movimento lento que impressiona tanto quanto os malabarismos medonhamente difíceis dos demais movimentos -, ou a consumada maestria com que ele interpreta a Op. 110, só consegue juntar-se ao coro de lamúrias pelo fim precoce de sua carreira e pela interrupção de seus projetos com as obras do renano. Serve-nos de consolo, no entanto, que as gravações de Solomon, todas em mono, foram feitas com a EMI, que dispunha de excelentes produtores e de equipamento no estado da arte. Eu chamaria o som desses registros quase setentões de miraculosamente bom, se chamá-lo de milagre não fosse um desrespeito ao maravilhoso trabalho dos engenheiros de som. Com a possível exceção da Op. 111, que me parece estar num degrau abaixo do elevadíssimo patamar das demais, o que se ouve com Solomon é Beethoven para a eternidade. Recomendo que o escutem com parcimônia, e bem aos poucos, para que descubram com fascínio o controle magistral do artista sobre o teclado, sobre os andamentos e sobre os expressivos silêncios entremeados ao seu distinto som. E não deixem de voltar a ele, pois Solomon – parafraseando aquilo que os portenhos dizem sobre o canto de Gardel – cada dia toca melhor.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann

1 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
2 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
3 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
4 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

7 – Allegro
8 – Scherzo: Assai vivace
9 – Adagio sostenuto
10 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

3 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
4 – Prestissimo
5 – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

6 – Moderato cantabile – Molto espressivo
7 – Allegro molto
8 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

9 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
10 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Solomon, piano

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 3 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 3 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

A Sinfonia Nº 4 de Beethoven é muito boa, mas, na minha opinião, é o patinho feio da série. Se fosse escrita por um compositor menor, seria sua obra-prima, claro, só que com Ludwig a exigência é maior. Beethoven dedicou a obra ao conde Von Oppersdorff, o qual, alguns anos antes, fora à casa do príncipe Karl Lichnowsky, tendo lá ouvido a Sinfonia Nº 2. Oppersdorff gostou tanto da peça que ofereceu a Beethoven uma grande quantia em dinheiro, para que compusesse uma sinfonia para ele. A obra foi estreada em março de 1807 na casa do príncipe Franz Joseph von Lobkowitz, sob regência do próprio compositor. Sua segunda apresentação deu-se a 15 de novembro do mesmo ano no Burgtheater, em Viena. A partitura possui uma dedicatória “ao nobre conde silesiano Franz von Oppersdorff”. Robert Schumann referiu-se à sinfonia como “uma esbelta donzela grega entre os gigantes nórdicos”. OK.

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 3 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

CD3
01. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: I. Adagio – Allegro vivace
02. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: II. Adagio
03. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: III. Allegro molto vivace
04. Symphony No. 4 In B-flat Major, Op. 60: IV. Allegro ma non troppo

Kammerorchester Basel
Giovanni Antonini

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 [Beethoven – The Last Piano Sonatas – Gould]

As três últimas sonatas para piano de Beethoven, pináculos da literatura para o instrumento, foram inspiradas pela mesma costumeira musa de outras tantas obras suas: a Pindaíba.

Em 1820, Beethoven encontrava-se absorto havia já um ano na composição de sua imensa Missa Solemnis, que pretendia apresentar em homenagem a seu aluno e amigo, o arquiduque Rudolph da Áustria, por ocasião de sua entrada solene como arcebispo de Olmütz. Em abril daquele ano, no entanto, Rudolph já vestira seus paramentos arquiepiscopais, de modo que Beethoven viu-se relativamente livre (e outra vez queimado nos prazos) para correr atrás de bufunfa. Já tinha sob sua tutela o sobrinho Karl, cuja educação muito pesava em seu bolso, de modo que aceitou com alívio a encomenda de três sonatas para piano feitas pelo editor Schlesinger, com um generoso, e decididamente incomum, desconto de 25% sobre a pedida inicial.

Ao aceitar a tarefa, Beethoven já tinha pronto o primeiro movimento do que viria a ser a sonata Op. 109, escrito para um método de piano de seu amigo Friedrich Starke. Ao atinar-se de que esse material viria a calhar para uma sonata, ofereceu-lhe cinco de suas novas bagatelas, e completou a primeira das três sonatas prometidas a Schlesinger, compondo mais dois movimentos. Depois dos atrasos de praxe, a obra foi à prensa somente no ano seguinte, com uma dedicatória a Maximiliane Brentano, filha de seu amigo Franz e de Antonie, que é muito provavelmente a “Amada Imortal” da famosa carta de destinatária anônima.

A singeleza do movimento de abertura, cujo primeiro tema dura alguns segundos e que dá a impressão de começarmos a ouvir uma obra que já estava em execução, deriva certamente de sua finalidade didática original, e que contrasta com o turbulento movimento seguinte, em menor, que o sucede sem interrupção. O finale consiste de um tema (“muito cantável e com profundo sentimento”, na indicação em alemão) com seis variações, crescentemente mais engenhosas, que desembocam na repetição do tema cantável.

A riqueza do contraponto dessas últimas sonatas certamente atraiu o jovem Glenn Gould, que as incluíra no repertório desde seus primeiros recitais. Assim, quando a Columbia lhe deu carta branca para escolher as obras do disco seguinte ao tonitruante arrasa-quarteirão que foi a estreia com as Variações Goldberg, (1955), sua opção pelas três derradeiras sonatas de Beethoven foi-lhe absolutamente natural. Antes mesmo do disco chegar às lojas, o reproche dos críticos à petulância do pianista de vinte e três anos já era forte. Gould, segundo eles, começava por onde deveria terminar, arriscando-se imaturamente num repertório que os pianistas amiúde relegam para mais grisalhas eras. Após o lançamento, claro, o reproche virou um coro ardente de ódio, inaugurando a tensa relação da crítica com o pianista – tensa, claro, por parte dos críticos pois Gould não lhes poderia dar menor importância. Em suas notas para o disco, tascou que “a riqueza de escritos críticos sobre as últimas sonatas e quartetos [de Beethoven] revela uma maior preponderância de absurdos, sem sequer mencionar contradições, do que qualquer literatura comparável.”

Como todas realizações gouldianas de Beethoven, estes registros das três últimas sonatas estão repletos de idiossincrasias. Os andamentos são frenéticos, a dinâmica fica por conta do intérprete, e tudo soa muito diferente do que estamos acostumados. Admito que detestei essas interpretações na primeira vez que as ouvi, há mais de trinta anos, e que elas me foram um gosto adquirido. Ainda hoje acho duro de engolir o que Gould faz com algumas variações do final da Op. 109, cujo Andante é um quase-Presto, e a rapidez com que despacha o Allegro con brio ed appassionato da Op. 111 provocará desespero em quem já o conhece por outras mãos. Por outro lado, a legendária clareza com que ele despachava as mais complicadas texturas contrapontísticas faz-se notar, mesmo nos trechos em que resolve aloprar com os andamentos. A Sonata Op. 110, por exemplo, abarrotada de contraponto, é magnificamente realizada, com muita precisão, sobriedade e e uma expressividade nada sentimental. A despeito de toda merecida reputação iconoclástica do intérprete, acho que essas gravações cheias de surpresas têm imenso valor, nem que seja para nos abrirem janelas e refrescarem nossos ares – pois talvez o Gould garoto, em vez de irritar seus contemporâneos, quisesse tão só falar a nós outros, pandêmicos ouvintes do futuro.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

1 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
2 – Prestissimo
3 – Gesangvoll, mit innigster Empfindung – Andante molto cantabile ed espressivo – Variazione I: Molto espressivo – Variazione II: Leggermente – Variazione III: Allegro vivace – Variazione IV: Un poco meno andante – Variazione V: Allegro ma non troppo – Variazione VI: Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

4 – Moderato cantabile – Molto espressivo
5 – Allegro molto
6 – Adagio, ma non troppo – Arioso – Fuga: Allegro ma non troppo – L’istesso tempo di arioso – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

7 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Glenn Gould, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Estátua de Glenn Gould em frente à sede da Canadian Broadcasting Corporation, em Toronto, Canadá (foto do autor)

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 2 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 2 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

É tradicionalmente aceito dividir a vida artística de Beethoven em três fases. A primeira começa com a mudança para Viena, em 1792. Uma fase quase mozartiana. Nove anos depois, em 1801, Beethoven afirmou não estar satisfeito com o que compusera até então, decidindo tomar um “novo caminho”. Tudo parecia levá-lo ao épico e, dois anos depois, em 1803, surge um grande fruto desse “caminho”: a Sinfonia Nº 3, Eroica. Ela abre um verdadeiro ciclo épico. A Sinfonia era para ser dedicada a Napoleão Bonaparte, pois Beethoven admirava Napoleão e os ideais da Revolução Francesa. Porém, quando o corso autoproclamou-se Imperador da França em maio de 1804, Beethoven retirou a dedicatória de forma bastante característica… Foi até a mesa onde estava a sinfonia já pronta, pegou a primeira página e riscou o nome de Napoleão com tanta força que ficou um buraco no papel. É que ele apagara a referência ao novo Imperador com uma faca… E que música havia naquelas folhas! O ciclo épico iniciado pela Eroica seguiu com obras verdadeiramente espantosas e originais, que cantavam a força da humanidade, a paixão pela liberdade e a vitória do espírito humano.

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 2 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

01. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: I. Allegro con brio
02. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: II. Marcia funebre. Adagio assai
03. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: III. Scherzo. Allegro vivace
04. Symphony No. 3 in E-Flat Major, Op. 55, “Eroica”: IV. Finale. Allegro molto

Kammerorchester Basel
Giovanni Antonini

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” – Richter

Como a ___________ [insira aqui sua hipérbole] “Hammerklavier” dispensa apresentações, foco aqui num de seus grandes intérpretes.

Falo “um dos grandes” porque, claro, jamais haverá uma realização completamente satisfatória de qualquer obra musical, quanto menos dessa mais transcendental de todas as sonatas daquele século. Suas dificuldades eram tão grandes que Beethoven, que já não tinha mais ouvidos para tocar em público, além de sérias dúvidas quanto à qualidade dos músicos britânicos (George Thomson que o diga), concordou com que seu editor inglês lançasse somente os três primeiros movimentos, deixando o complicadíssimo finale numa publicação em separado – mesmo expediente que, como veremos, adotaria para com sua Grande Fuga para quarteto de cordas. Nessa curiosa versão, o imenso Adagio sostenuto – que, sozinho, era mais longo que a maioria das sonatas para piano da época – era o movimento central, e a “Hammerklavier” era encerrada pelo lépido e brevíssimo Scherzo.

Viena viu a sonata sair inteira da prensa, com os movimentos na ordem que hoje conhecemos – a mesma em que foram compostos. A reação foi estupefata e unânime em considerá-la difícil de compreender e impossível de tocar, e não há registro de que seu dedicatário – o arquiduque Rudolph, excelente pianista – a tenha tocado, pelo menos em público. Sua estreia aconteceria somente em 1836, dezoito anos depois de sua composição, por um Franz Liszt que, mesmo já histericamente idolatrado em toda Europa, colheu tão só olhares de incompreensão.

Quase todo pianista que se preza tenta escalar este K2 pianístico, e alguns são insensatos a ponto de legar gravações para que a posteridade lhes dê pedradas. O primeiro foi Artur Schnabel, já distante de seu apogeu, mas bastante fiel às prescrições de Beethoven e atento aos andamentos insanamente rápidos, dos quais até um pianista genial como Glenn Gould (que só tocou a “Hammerklavier” comedidamente na rádio e a considerava “horrendamente difícil”) sabia fugir. Outras gravações notáveis apareceram, muitas em verdade, e os nomes de Gilels, Yudina e Sokolov, que já escutamos na série, e os de Pollini, Perahia e Brendel, que os colegas já lhes trouxeram antes, estão entre os píncaros indiscutíveis da discografia.


Brendel terminando a “Hammerklavier” = um dos meus momentos favoritos na vida

A mim, no entanto, restava a curiosidade de saber o que o mais demoníaco dos pianistas da segunda metade do século XX teria a dizer sobre esta sonata.


Ecce homo

Sim, Sviatoslav Richter era meu intérprete dos sonhos para a “Hammerklavier”. Além da técnica formidável e do tremendo elã que trazia para todas as obras que tocava, sempre apreciei nele o espírito desbravador, aventureiro mesmo, com que mergulhava nas partituras e delas trazia novidades que só ele era capaz de encontrar. Por isso, fiquei meio jururu quando lançaram a caixa de Beethoven por Richter e a mastodonta não estava lá. Foi só recentemente que tive a imensa surpresa de descobrir não só um, mas três registros diferentes da Op. 106, todos realizados ao vivo e ao longo de pouco mais de duas semanas de 1975 – que foi, aparentemente, o período em que a “Hammerklavier” permaneceu no imenso repertório de Richter, pois ele nunca mais voltaria a tocá-la.

Assim, ofereço aos leitores-ouvintes as três leituras que Richter fez do colosso do renano, todas elas como encerramento de recitais de programas idênticos, iniciados pela sonata Op. 2 no. 3 e tendo, como interlúdio, três das bagatelas do Op. 126.

O primeiro foi realizado em Praga, cidade que Richter amava, de cujo Festival de Primavera era arroz de festa, e onde fez dezenas de gravações ao vivo para o selo Supraphon. A segunda foi feita em Aldeburgh, no festival fundado por seu amigo Benjamin Britten, e do qual o legendário pianista soviético foi a maior estrela naquele 1975. Por fim, um recital no Royal Festival Hall em Londres, notável pelo bis: ao terminar o medonhamente difícil finale da Op. 106, depois do qual quase todos pianistas saem correndo ao camarim para se hidratarem e chorarem, Richter decidiu tocá-lo de novo, porque não ficara satisfeito com sua execução anterior. Cada uma das leituras é excepcional, e vale a pena compará-las para fruir de tudo que esse genial pianista tinha a dizer sobre a “Hammerklavier”. Ainda que eu tenha reparos à sua abordagem do maravilhoso Adagio sostenuto, que de alguma maneira não soa como o cerne da obra, o que Richter faz na fuga sublima toda a crítica que eu lhe pudesse fazer. A escolha é difícil, mas a versão de Londres é minha preferida. Ouçam-nas e me digam qual vocês preferem.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Das Três Sonatas para piano, Op. 2
Compostas entre 1793-1795
Publicadas em 1796
Dedicadas a Joseph Haydn

No. 3 em Dó maior

1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Scherzo: Allegro
4 – Allegro assai

Das Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825

5 – No. 1: Andante con moto, cantabile e compiacevole
6 – No. 4: Presto
7 – No. 6: Presto – Andante amabile e con moto

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

8 – Allegro
9 – Scherzo: Assai vivace
10 – Adagio sostenuto
11 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sviatoslav Richter, piano

Recital em 2/6/1975 no Rudolfinum de Praga, Tchecoslováquia
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Recital em 11/6/1975, na igreja de Blythburgh, Reino Unido, durante o Festival de Aldeburgh
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Recital em 18/6/1975, no Royal Festival Hall em Londres, Reino Unido
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Faixa-bônus: o movimento final da Hammerklavier,
executado como bis no recital de Londres, em 18/6/1975
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 1 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

#BTHVN250 – Beethoven: The 9 Symphonies — CD 1 de 6 (Kammerorchester Basel & Antonini)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

O bom destes 250 anos de Beethoven é que estamos ouvindo toda a obra dele quase diariamente e descobrindo que não ficamos nada, mas nada mesmo, enfarados. Este registro das 9 Sinfonias que ora iniciamos é ao vivo. Alguns de vocês sabem que PQP Bach ama os registros ao vivo. Não que ao morto e em bom estado seja ruim, mas ao vivo é melhor. O pontapé inicial de Giovanni Antonini ao abordar as Sinfonias é extraordinário. Creio que, das gravações mais recentes, dificilmente outra orquestra chegará próximo de Antonini e desta outra joia aqui.  A Sinfonia n.° 1, Op. 21, é a primeira das nove sinfonias de Ludwig van Beethoven. Foi composta em Viena entre os anos 1799 e 1800. A segunda foi escrita Foi escrita entre os anos de 1801 e 1802. São menos famosas que a 3ª e aquelas que vão da 5ª à 9ª, mas não pensem que são música de segunda linha. São autênticos Beethoven, rapaz, e Antonini só faz valorizar a coisa!

Em 2005, Giovanni Antonini e a Kammerorchester Basel deram início ao projeto de gravação desta série, que logo foi saudada como “uma das gravações de Beethoven mais emocionantes de nossos dias” (Gramophone). Por ocasião do ano de Beethoven em 2020, as “gravações sensacionais” (NDR) estão agora sendo lançadas pela primeira vez em uma caixa de 6 CDs. O som brilhante, mas extremamente afiado de Beethoven, deve-se aos costumes da prática da performance histórica, na qual o maestro e especialista em barroco Giovanni Antonini desempenhou um papel fundamental na modelagem. Tocar em instrumentos históricos também faz parte da marca musical da Orquestra de Câmara da Basiléia.

E vamos em frente que atrás vem gente!

Beethoven: The 9 Symphonies — CD 1 de 6 (Kammerorchester Basel & Giovanni Antonini)

CD1
01. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: I. Adagio molto – Allegro con brio
02. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: II. Andante cantabile con moto
03. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: III. Menuetto. Allegro molto e vivace
04. Symphony No. 1 in C major, Op. 21: IV. Adagio – Allegro molto e vivace

05. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: I. Adagio molto – Allegro con brio
06. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: II. Larghetto
07. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: III. Scherzo. Allegro
08. Symphony No. 2 in D major, Op. 36: IV. Allegro molto

Kammerorchester Basel
Giovanni Antonini

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

PQP

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” [Sonatas para piano, Opp. 90, 101, 106 & 111 – Yudina]

Pedimos vênia hoje ao grande homenageado do ano e à sua mastodôntica Grande Sonata para o Piano de Martelos – que voltará, com muita gala, amanhã – para focarmos numa sua maiúscula intérprete.

Maria Yudina (1899-1970) é legendária e, tão logo começamos a  ouvi-la, entende-se o porquê. O virtuosismo e a expressividade são evidentes, tanto quanto as inúmeras licenças poéticas que ela toma e que, longe de parecerem idiossincrasias, soam muito coerentes. Nosso patrão PQP sempre fala que há músicos que, em suas interpretações, demonstram não só imensa cultura musical, mas também revelam sua vasta cultura geral. Yudina é dessas intérpretes, e o que se chamou nela de “rigor intelectual” é, embora correto, apenas uma pequena entre as tantas janelas que ela nos oferece com suas leituras.

Nascida numa família judia, e mais tarde convertida ao cristianismo, Yudina estudou no Conservatório da então Petrogrado (hoje São Petersburgo) na mesma classe que Dmitri Shostakovich. Graduou-se em piano e também em teologia na Universidade local, e lecionou no Conservatório até ser de lá expulsa pelas críticas ao governo soviético. Desempregada, faminta e sem teto, sobreviveu de “bicos” até ingressar no Conservatório de Tbilisi, na república soviética da Geórgia, de onde seguiu para o Conservatório da capital da União Soviética. Em Moscou, lecionou no Instituto Gnessin, de onde foi demitida, outra vez, por conta de suas críticas abertas ao regime e suas convicções religiosas. Autorizada a manter sua carreira de recitalista, desde que seus recitais não fossem gravados ou divulgados, ela acabou banida por oferecer ao público, como bis, um poema do desgraçado Boris Pasternak (cujo “Doutor Zhivago” foi lido pela primeira vez no apartamento de Yudina), e não uma peça musical. Após o final do “gancho”, que durou cinco anos, ela retomou a carreira e gozou duma certa celebridade, gravando febrilmente, nem sempre com os melhores pianos (o que é evidente em algumas gravações), como se adivinhasse que levaria mais um punhado de anos até morrer em Moscou.

Muito já se escreveu que Maria foi maior que Gilels e Richter, e que só não teve a importância artística e pedagógica dos dois por conta de suas ferozes críticas ao regime soviético e por ser mulher. Não consigo lhes dizer que ela foi maior, mas certamente foi a mais original, e ardentemente independente. Não temia se alinhar aos perseguidos e oprimidos – além do supracitado Pasternak, foi amiga de Osip Mandelstam e protetora no banido Aleksandr Solzhenitsyn -, nem tocar repertório ocidental contemporâneo, dedicando recitais inteiros à música “degenerada” de Hindemith, Krenek e Bartók. Não temia sequer Stalin, que lhe enviou uma vultosa quantia como recompensa por uma gravação de Mozart, e que acabou doada para a suprimida Igreja Ortodoxa Russa, junto com a seguinte resposta ao “caucasiano do Kremlin“:


Eu rezarei por você dia e noite e pedirei ao Senhor que perdoe seus grandes pecados antes do povo e do país. ‘

Quem tem a coragem de dizer isso ao Továrich Koba certamente não temeria tocar a leviatânica “Hammerklavier” do jeito que ela toca. Ouçam com seus próprios ouvidos, porque… só ouvindo vocês vão acreditar.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Allegro
2 – Scherzo: Assai vivace
3 – Adagio sostenuto
4 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

5 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
6 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

 

Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann

7 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
8 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
9 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
10 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro

 

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

11 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
12 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Maria Yudina, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Documentário russo, com legendas em inglês, sobre Yudina. Para quem é, como
eu, fascinado pela grande artista, vale cada segundinho.

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

J. S. Bach / Hoyoul / Hellingk / Lechner / Sweelinck / Selle / Schein / Schütz / Bernhardt / Förtsch / Graupner / Stölzel: Deutsche Barock Kantaten (VIII) (Ricercar Consort) [2CD]

J. S. Bach / Hoyoul / Hellingk / Lechner / Sweelinck / Selle / Schein / Schütz / Bernhardt / Förtsch / Graupner / Stölzel: Deutsche Barock Kantaten (VIII) (Ricercar Consort) [2CD]

Um bonito CD duplo de Cantatas barrocas belamente interpretadas por excelentes cantores e orquestra historicamente informada. É claro que tudo sobe muito de nível quando passamos por Bach — que abre e fecha a função –, e também por Sweelinck e Schütz. É natural. Mas aqui ninguém decepciona. A coisa satisfaz plenamente quem ama o barroco, caso deste que vos escreve.

Gênero foi muito explorado  no período barroco, a Cantata (do italiano “cantata”, do verbo “cantare”) é um tipo de composição vocal, para uma ou mais vozes, com acompanhamento instrumental, às vezes com coro, de inspiração religiosa ou profana, contendo normalmente mais de um movimento e cujo texto descreve um fato dramático ou uma situação psicológica. Na Alemanha, a Kantate era basicamente um gênero sacro. Foi a mistura de textos bíblicos e poéticos o que caracterizou o formato da cantata alemã. As de Bach são atípicas em qualidade e diversidade. Depois e mesmo na época do mestre, nas mãos de compositores menores, o gênero foi se tornando cada vez mais padronizado, deixando as Cantatas fora de moda e fossilizadas.

J. S. Bach / Hoyoul / Hellingk / Lechner / Sweelinck / Selle / Schein / Schütz / Bernhardt / Förtsch / Graupner / Stölzel: Deutsche Barock Kantaten (VIII) (Ricercar Consort) [2CD]

CD1
Aus Tiefer Not Schrei Ich Zu Dir (BWV 38)
Composed By – Johann Sebastian Bach
(16:27)
1-1 Coro: “Aus Tiefer Not…” 4:23
1-2 Recitativo: “In Jesu Gnade…” 0:47
1-3 Aria: “Ich Höre Mitten In Dem Leiden…” 7:47
1-4 Recitativo: “Ach, Dass Mein Glaube…” 1:30
1-5 Aria (Terzetto): “Wenn Mein Trübsal…” 3:36
1-6 Choral: “Ob Bei Uns Ist Der Sünden…” 1:24

1-7 Aus Tiefer Not
Composed By – Balduin Hoyoul
2:18

1-8 Aus Tiefer Not
Composed By – Lupus Hellingk*
1:52

1-9 Aus Tiefer Not
Composed By – Leonhard Lechner
2:30

1-10 De Profundis
Composed By – Jan Pieterszoon Sweelinck
5:25

1-11 Aus Der Tiefe
Composed By – Thomas Selle
5:12
1-12 Aus Der Tiefe
Composed By – Thomas Selle
3:04

1-13 Ich Ruf Zu Dir
Composed By – Johann-Hermann Schein*
2:56
1-14 Aus Tiefer Not
Composed By – Johann-Hermann Schein*
2:50

1-15 Aus Tiefer Not
Composed By – Heinrich Schütz
2:39
1-16 Ich Ruf Zu Dir
Composed By – Heinrich Schütz
2:55
1-17 Aus Der Tiefe Ruch Ich
Composed By – Heinrich Schütz
3:59

1-18 Aus Der Tiefe
Composed By – Christoph Bernhardt*
7:19

1-19 Aus Der Tiefe
Composed By – Johann Philipp Förtsch
8:05

BAIXE O CD1 AQUI — DOWNLOAD CD1 HERE

CD2
Aus Der Tiefe Rufen Wir
Composed By – Christoph Graupner
(13:51)
2-1 Coro: “Aus Der Tiefe…” 4:40
2-2 Recitativo Accompagnato: “Wenn Aber Kommt Einmal…” 4:32
2-3 Coro: “Brunnquell Der Gnaden…” 4:39

Aus Der Tiefe Rufe Ich
Composed By – Gottfried Heinrich Stölzel
(15:00)
2-4 Aria: “Aus Der Tiefe…” 3:04
2-5 Recitativo: “Aus Tiefer Not…” 1:53
2-6 Aria: “Meine Hände Ringen Sich…” 4:34
2-7 Recitativo: “Jedennoch Bleib Ich…” 1:09
2-8 Aria Da Capo: “Aus Der Tiefe…” 4:20

Aus Der Tiefe Rufe Ich (BWV 131) (22:32)
Composed By – Johann Sebastian Bach
2-9 Coro: “Aus Der Tiefe Rufe Ich, Herr, Zu Dir…” 4:42
2-10 Aria & Choral: “So Du Willst Herr…” “Erbarm Dich Mein…” 4:41
2-11 Coro: “Ich Harre Des Herrn” 3:49
2-12 Aria & Choral: “Meine Seele Wartet…” “Und Weil Ich Denn…” 5:18
2-13 Coro: “Israel Hoffe Auf Den Herrn…” 4:02

BAIXE O CD2 AQUI — DOWNLOAD CD2 HERE

Greta De Reyghere, Katelijne van Laethem, Marie-Noelle de Callatay, sopranos
James Bowman, countertenor
Guy De Mey, tenor
Max van Egmond, bass

Capella Sancti Michaelis
Ricercar Consort

Disputa do Sacramento (Rafael, 1509-19)

PQP

Antonio Vivaldi (1678-1741): Dixit Dominus / Baldassare Galuppi (1706-1785): Laetatus sum / Nisi Dominus / Lauda Jerusalem (Kopp)

Antonio Vivaldi (1678-1741): Dixit Dominus / Baldassare Galuppi (1706-1785): Laetatus sum / Nisi Dominus / Lauda Jerusalem (Kopp)

(Oh, yeah. Depois do comentário que meu Reich acaba de receber, melhor postar). Sim, Galuppi não é Vivaldi. Por anos e anos acharam que o Dixit Dominus era de Galuppi, mas não, era de Vivaldi. O grande Vivaldi tornou-se ainda maior e o pobre Galuppi ficou sem sua única obra importante. Este CD da Archiv tenta recolocar Galuppi como um cara legal e até, olha, Baldassare era legal. Mas não é Vivaldi. O trabalho da turminha de Dresden, chefiada por Peter Kopp é uma joia (perdeu também o acento ou não?) que você, prezado melômano amante do sexo, das drogas pesadas e da música sacra, não devaria deixar passar em branco, apesar de termos aqui um Galuppi bonzinho ao lado de um enorme Vivaldi.

Ando num período muito vivaldiano, andei comprando umas óperas que nem lhes conto. Sem baixar o nível — pois este é um blog-família — , diria que são do caraglio.

Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Dixit Dominus, R. 807

1) Dixit Dominus [1:38]
2) Donec ponam inimicos tuos [2:58]
3) Virgam virtuis tuae [2:44]
4) Tecum principium [1:51]
5) Juravit Dominus [1:37]
6) Dominus a dextris tuis [1:50]
7) Judicabit in nationibus [2:40]
8 ) De torrente in via bibet [3:13]
9) Gloria Patri et Filio [2:10]
10) Sicut erat in principio [0:31]
11) Et in saecula saeculorum [2:34]

Baldassare Galuppi (1706 – 1785)
Laetatus sum

12) Laetatus sum [4:39]
13) Fiat pax [1:50]
14) Propter fratres meos [1:42]
15 Gloria Patri et Figlio / Sicut erat [1:52]

Nisi Dominus
16) Nisi Dominus [3:31]
17) Vanum est nobis [1:51]
18) Cum dederit [4:29]
19) Sicut sagitte [2:42]
20) Beatus vir [3:39]
21) Gloria Patri et Figlio [5:38]
22) Sicut erat [2:07]

Lauda Jerusalem
23) Lauda Jerusalem [0:59]
24) Quoniam confortavit [2:18]
25) Qui posuit fines [1:38]
26) Qui emittit [0:57]
27) Emittit verbum [2:25]
28) Qui annuntiat [0:40]
29) Gloria Patri et Figlio / Sicut erat [1:52]

Körnerscher Sing-Verein Dresden
Dresdner Instrumental-Concert
Peter Kopp

Sara Mingardo
Roberta Invernizzi
Paul Agnew
Thomas Cooley
Lucia Cirillo
Sergio Foresti

Mediafire – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – MP3 320kbps

Link alternativo:

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Vivaldi – Bom pra caraglio!
(Gravura de 1725)
Estátua de Galuppi, na ilha de Burano em Veneza, onde ele nasceu

PQP (Links revalidados por Pleyel com os pitacos a seguir)

P.S.1. Concordo com PQP: Galuppi não está no nível genial de Vivaldi, mas é um importante compositor que carrega a tocha da tradicional escola de Veneza, com características também da geração de C.P.E. Bach: árias mais operísticas que devocionais, às vezes com os cantores fazendo pausas para sublimes solos de violino que, aliás, lembram os solos da Missa do Padre João de Deus Castro Lobo, compositor do Barroco tardio nascido em Vila Rica (Ouro Preto).

P.S.2. CD gravado na Lukaskirche (Igreja São Lucas) em Dresden, 2006. Prestem atenção nas reverberações e ecos da igreja!

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violoncelo e piano, Op. 102 [Beethoven – Complete Works for Cello and Piano – Meneses – Pressler]

As cinco sonatas para violoncelo e piano de Beethoven repartem-se bem ao longo de sua trajetória criativa. As duas primeiras, compostas e publicadas simultaneamente, são fruto do contato do jovem virtuoso do piano com os irmãos Duport, violoncelistas da corte do rei da Prússia. Já a sonata Op. 69, a melhor de todas as obras do gênero, é um emblema de seu estilo intermediário. Muito diferentes são as duas últimas, também compostas simultaneamente e publicadas como par, sob o Op. 102. Diferem, também, demais entre si, cada qual com um gesto característico do chamado “estilo tardio” de Beethoven. A primeira, ultraconcentrada e enigmática, tem apenas dois movimentos, embora a gravação a reparta em quatro faixas, e leva a tonalidade para passear num esquema tonal totalmente heterodoxo, para então oferecer um breve retorno de um tema do primeiro movimento antes da coda e do assertivo final na tônica. A segunda, numa forma mais tradicional de três movimentos (rápido-lento-rápido), termina com um dos atraentes fugatos que Beethoven passou a criar em sua busca de incorporar à sua linguagem seus estudos e admiração por Händel e por Sebastian Bach. Recomendo muito parear a audição da primeira com a sonata para piano, Op. 101 – sua antecessora imediata no catálogo de obras do compositor -, e a da segunda com a Op. 110, também concluída por um movimento fugal, e depois me digam se não é mesmo possível pensar que algumas dessas obras carregam as sementes das outras.

Admito que, quando publiquei a excelente gravação de Pieter Wispelwey e Dejan Lazić, há alguns meses, eu já considerara vencido o afã das sonatas para violoncelo nessa nossa travessia da obra beethoveniana. No entanto, foi só publicar uma gravação do incansável Menahem Pressler que me lembrei das versões do decano dos pianistas com o recifense Antonio Meneses, seu parceiro no Beaux Arts Trio e último violoncelista da história do mítico conjunto, gravadas após sua excursão pelo mundo a tocarem essas sonatas. O entrosamento dos dois experientes cameristas me parece ímpar, e ao revisitar os discos, que ficaram esquecios na pilha de CDs que mantenho em minha Dogville natal, eles me deixaram um retrogosto que me diz que esta é minha gravação favorita desse repertório.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5

No. 1 em Fá maior
1 – Adagio sostenuto – Allegro
2 – Adagio – Allegro vivace

No. 2 em Sol menor
3 – Adagio sostenuto ed espressivo
4 – Allegro molto più tosto presto
5 – Rondo: Allegro

Doze Variações em Sol maior sobre “See the conqu’ring hero comes”, do Oratório “Judas Maccabaeus” de Händel, para violoncelo e piano, WoO 45
6 – Thema – Variationen I-XII

Doze Variações em Fá maior sobre “Ein Mädchen oder Weibchen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, Op. 66
7 – Thema – Variationen I-XII

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Sonata em Lá maior para violoncelo e piano, Op. 69

1 – Allegro ma non tanto
2 – Scherzo. Allegro molto
3 – Adagio cantabile – attacca:
4 – Allegro vivace

Duas sonatas para violoncelo e piano, Op. 102

No. 1 em Dó maior

5 – Andante
6 – Allegro vivace
7 – Adagio – Tempo d’andante
8 – Allegro vivace

No. 2 em Ré maior

9 – Allegro con brio
10 – Adagio con molto sentimento d’affetto – attacca:
11 – Allegro – Allegro fugato

Sete variações em Mi bemol maior sobre a ária “Bei Männern, welche Liebe fühlen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, WoO 46

12 – Thema: Andante – Variationen I-VII

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Antonio Meneses, violoncelo
Menahem Pressler, piano

Quando Hope gravar com Pressler, bastará limar o Meneses
BTHVN250, por René Denon

Vassily