A coisa é meio cômica — o fato é que Haydn sempre foi “acusado” de ser muito alegre em suas Missas e Oratórios. Bem, eu não sou nada religioso e acho que um oratório que faz o elogio das realizações divinas ao criar o mundo deveria ser mesmo meio alegre. Afinal, foram seis dias de muito trabalho. Não há árias ou corais que eu considere memoráveis, mas o Oratório é sempre bom. A Representação do Caos — bem no início da obra — é certamente um de seus pontos mais altos. McCreesh é um excepcional maestro para este tipo de repertório e não decepciona com sua turma historicamente informada.
A Criação (originalmente Die Schöpfung, aqui traduzido para o inglês como The Creation) é um oratório dividido em três partes, escrito em 1797 por Haydn. Seu texto, com versões em alemão e inglês, é baseado no livro do Gênesis, no livro de Salmos e no poema O Paraíso Perdido, de John Milton. Este oratório, que faz parte do Classicismo, apresenta algumas semelhanças com o período Barroco devido ao uso do contraponto em várias passagens, como pode ser constatado nos coros Stimm an die Saiten, ergreift den Leier! (um dos mais famosos do oratório), na primeira parte, e Singt den Herren, alle Stimmen, que encerra o oratório. Ao mesmo tempo, muitos musicólogos veem também neste oratório um prenúncio do Romantismo, especialmente na abertura sinfônica, chamada A Representação do Caos, utilizando estruturas melódicas adotadas mais tarde por Richard Wagner, bem como a dramaticidade instrumental de algumas passagens, típicas dos poemas sinfônicos de compositores como Hector Berlioz.
F. J. Haydn (1732-1809): A Criação (McCreesh)
Part One
The First Day
1-1 Introduction: The Representation Of Chaos 6:19
1-2 Recitative And Chorus : “In The Beginning God Created The Heaven And The Earth” 3:11
1-3 Aria And Chorus : “Now Vanish Befor The Holy Beams” 4:07
The Second Day
1-4 Recitative : “And God Made The Firmament” 2:02
1-5 Solo With Chorus : “The Glorious Heav’nly Hierarchy” 2:16
The Third Day
1-6 Recitative : “And God Said : Let The Waters ..” 0:39
1-7 Aria : “Rolling In Foaming Billows” 4:10
1-8 Recitative : “And God Said: Let The Earth Bring Forth Grass” 0:30
1-9 Aria : “With Verdure Clad The Fields Appear” 5:12
1-10 Recitative : “And The Heavenly Host The Third Day Proclaimed” 0:11
1-11 Chorus: “Awake The Harp, The Lyre Awake” 2:10
The Forth Day
1-12 Recitative : “And God Said : Let There Be Light.. ” 0:40
1-13 Recitative : “In Brightest Splendour Rises Now The Sun” 3:06
1-14 Chorus And Trio : “The Heavens Are Telling The Glory Of God” 4:09
Part Two
The Fifth Day
1-15 Recitative : “And God Said : Let The Waters Bring ..” 0:31
1-16 Aria : “On Mighty Pens Uplifted Soars The Eagle” 8:10
1-17 Recitative : “And God Created Great Whales” 2:38
1-18 Recitative : “And The Angels Struck Their Immortal Harps” 0:18
1-19 Trio And Chorus : “Most Beautiful Appear, With Verdure Young Adorn’d” 6:53
The Sixth Day
1-20 Recitative : “And God Said : Let The Earth Forth The Living Creature” 0:24
1-21 Recitative : “Straight Opening Her Fertile Womb” 3:27
1-22 Aria : “Now Heaven In Fullest Glory Shines” 3:38
1-23 Recitative : “And God Created Man” 0:49
1-24 Aria : “In Native Worth And Honour Clad” 3:54
1-25 Recitative : “And God Saw Everything That He Had Made” 0:21
1-26 Chorus And Trio (Gabriel, Uriel, Raphael): “Achieved Is The Glorious Work” 9:43
Part Three
2-1 Recitative : “In Rosy Mantle Now Appears” 4:22
2-2 Duet With Chorus : “By Thee With Bliss, O Bounteos Lord” 10:32
2-3 Recitative : “Our Duty Have We Now Perform’d” 2:16
2-4 Duet : “Graceful Consort!” 8:03
2-5 Recitative : “O Happy Pair” 0:33
2-6 Chorus: “Praise The Lord, Uplift Your Voices” 3:43
Até tinha – mas não para os completistas compulsivos.
ooOoo
Fim de aniversário, pança cheia, ressaca (em vocês que bebem, claro). Chega a hora de arrumar os destroços deixados pelos convivas, a quem despachamos para suas casas com o que restou do festim pantagruélico, de catar, também, objetos aleatórios por eles esquecidos – e, para mim, de ouvir as queixas dos completistas.
Os “gatos” do título são obras de Beethoven que, por vários motivos, não foram publicados no corpo principal de nossa finada série. São, primariamente, só bagatelas e curiosidades, e versões preteridas de peças publicadas. Há, volta e meia, algo de maior valor – como uma versão alternativa do extraordinário movimento de abertura do quarteto em Dó sustenido menor -, mas quase tudo é esquecível. Como sempre haverá o completista pronto a dizer que “ah, tem aquele cânone que Beethoven escreveu para o jornaleiro de Heiligenstadt” ou “ih, vocês esqueceram daquela bagatela que Beethoven deixou como promissória na bodega de Gneixendorf”, achei necessário reunir todas as sobras no mesmo saco, que aqui ficará para quem o quiser abrir.
Esta postagem restará, então, necessariamente inconclusa. Beethoven não era um Hindemith, que praticamente tossia sonatas, mas deixou muita coisa rabiscada e espalhada entre suas tralhas, mas sempre que descobrirem alguma nova obra, e dela houver alguma gravação – e nem que sejam duas notas largadas num papel de embrulho -, eu a colocarei aqui.
Pois bem: o balaio começa com alguns grupos de gatos, que não achei suficientemente importantes para entrarem na série, e termina com os gatos soltos, espremidos num só arquivo que, imaginamos, crescerá vagarosamente nas décadas vindouras.
BEETHOVEN – THE YOUNG PROMETHEUS
Esse LP contém doze estudos de contraponto que Beethoven escreveu durante seus estudos com Kapellmeister Albrechtsberger, alguns dos quais não tinham aparecido antes na série. Eles foram orquestrados por Alex Brott, que também rege a função. A ripagem não é minha, e não consegui as faixas separadamente, então vão os doze gatinhos num faixa só:
1 – Prelúdio e fuga em Fá maior, Hess 30
2 – Fuga em Lá menor, Hess 238 no. 6
3 – Prelúdio e fuga em Dó maior, Hess 31
4 – Prelúdio e fuga em Mi menor, Hess 29
5 – Fuga coral em Sol maior, Hess 239 no. 3
6 – Fugue em Si bemol maior, Hess 238 no. 5
7 – Fuga alla duodecima, em Ré menor, Hess 243 no. 5
8 – Fuga dupla com três temas em Fá maior, Hess 244 no. 2
9 – Fuga alla duodecima, em Dó maior, Hess 243 no. 4
10 – Fuga em Dó maior, Hess 238 no. 3, seguida por uma repetição de Hess 243 no. 4
11 – Fuga coral em Fá maior, Hess 239 no. 1
12 – Fuga dupla com três temas, em Ré menor, Hess 244 no. 1
The Canadian Broadcasting Corporation Festival Orchestra Alex Brott, regência
Essa gravação do alemão (difícil ser mais alemão que esse nome) Wilhelm Krumbach deveria chamar-se “Orgelwerke” (“Obras para órgão”), e não “Das Orgelwerk” (“A Obra para Órgão”), porque o disco deixa de fora mais da metade das composições de Beethoven para o instrumento. Em compensação, há o chamado “Ciclo de Fugas sobre Temas de Johann Sebastian Bach”, com algumas fugas que não achei em qualquer outro lugar. O nome é uma propaganda enganosa, pois trata-se duma série de exercícios de contraponto e fuga para Albrechtsberger que jamais se pretendeu que fosse ouvida como um ciclo. Os temas, também, não são de Bach – alguns são do próprio professor, e outros, de Johann Joseph Fux (ca. 1660-1741), autor do Gradus ad Parnassum, o tratado de composição do qual ninguém escapava na época.
“Suíte para órgão” (mais apropriadamente, Peças para um Flötenuhr, WoO 33)
1 – Adagio
2 – Scherzo
3 – Allegro
Prelúdio em Fá menor, WoO 55
4 – Prelúdio
Dois prelúdios em todas as tonalidades, Op. 39
5 – No. 1
Fuga em Dó maior, WoO 215
6 – Fuga
Trio-sonata em Mi menor
7 – Adagio
8 – Fuga
“Ciclo de fugas em Ré menor sobre temas de J. S. Bach”
9 – Fuga a três vozes
10 – Fuga a quatro vozes
11 – Fuga coral a quatro vozes
12 – Fuga dupla
13 – Fuga cromática a 4 vozes
14 – Fuga com três temas
Por fim, aqui vão os gatos soltos. As faixas não estão numeradas, e sim organizadas conforme a catalogação, a fim de facilitar reorganizações futuras, se houver adições ao arquivo. Prometo que em breve coloco o nome dos artistas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
DER KATZENKORB (“O BALAIO DE GATOS”)
Hess 25 – Finale original do trio para violino, viola e violoncelo em Mi bemol maior, Op. 3 Hess 38 – Arranjo para quinteto de cordas da fuga em Si bemol menor, BWV 867, de “O Cravo bem Temperado” de J. S. Bach Hess 40 -Prelúdio e fuga para quinteto de cordas em Ré Menor Hess 41 – Quinteto para cordas em Dó maior (fragmento, arranjo para piano solo) – versão incompleta, diferente da antes publicada, que foi completada por Anton Diabelli Hess 201 – Bonny Laddie, Highland Laddie (versão com variante na parte de violino) Op. 108 – 25 canções escocesas, nº 4, The Maid of Isla [1ª versão] Op. 108 – 25 canções escocesas, nº 4, The Maid of Isla [2ª versão] Op. 108 – 25 canções escocesas, nº 7, Bonnie Laddie, Highland Laddie [1ª versão] Op. 108 – 25 canções escocesas, nº 7, Bonnie Laddie, Highland Laddie [2ª versão] Op. 108 – 25 canções escocesas, nº 11, O! Tu és o rapaz do meu coração [1ª versão] Op. 108 – 25 canções escocesas, nº 20, Faithfu ‘Johnie [1ª versão] Op. 131 – Quarteto para cordas nº 14 em Dó sustenido menor – I. Adagio ma non troppo e molto espressivo (versão alternativa) WoO 18 – Marcha em Fá maior, 2ª versão (Hess 6) WoO 18 – Marcha em Fá maior, 3ª versão (Hess 7) WoO 18 – Marcha em Fá maior, Yorkscher Marsch WoO 19 – Marcha em Fá Maior WoO 19 – Marcha em Fá maior, 2ª versão (Hess 8) WoO 19 – Marcha em Fá maior, 3ª versão (Hess 9) WoO 63 –Nove variações em uma marcha de Dressler – versão revisada em 1803 (fortepiano) WoO 63 – Nove variações em uma Marcha de Dressler – versão revisada em 1803 (piano) WoO 64 – Seis variações sobre uma canção suíça em Fá maior – versão para harpa WoO 116 – Que le temps me dure, WoO 116- 2ª versão (Hess 130) WoO 153 – 20 canções irlandesas, nº 13, ‘Tis Sunshine at Last WoO 153 – 20 canções irlandesas, nº 11, When Far from the Home [versão alternativa] WoO 153 – 20 canções irlandesas, nº 12, I’ll Praise the Saints [1ª versão] WoO 153 – 20 canções irlandesas, nº 15. ‘Tis But in Vain, for Nothing Thrives WoO 153 – 23 canções irlandesas, nº 5, I Dream’d I Lay Where Flow’rs Were Springing WoO 154 – 12 canções irlandesas, nº 9, Oh! Would I Were but That Sweet Linnet [1ª versão] WoO 155 – 26 canções galesas, nº 7, O Let the Night My Blushes Hide [2ª versão] WoO 155 – 26 canções galesas, nº 14, The Dream [1ª versão] WoO 155 – 26 canções galesas, No. 19, The Vale of Clwyd [1ª versão] WoO 155 – 26 canções galesas, nº 20, To the Blackbird [1ª versão] WoO 158a – 23 canções de várias nacionalidades, nº 19, Una paloma blanca [1ª versão] WoO 209 – Minueto em Lá Bemol Maior, para quarteto de cordas
Bem, para a saideira do BTHVN250 eu escolhi um disco que talvez ponha a perder todo crédito que possa ter ganhado junto a vocês em função de meu trabalhão de trazer-lhes a obra completa do renano.
O disco começa relativamente convencional, com um bom arranjo da sonata para violino, Op. 30 no. 2, reimaginada como peça orquestral pelo regente Yaniv Segal e por Garrett Schumann, que não tem relação com o saxão. Em seguida, uma engenhosa suíte de Fidelio que nos conduz em meia hora, e de modo muito eficiente, por toda narrativa da mais obra mais complicada que Beethoven pariu. Um Fidelio com restrições orçamentárias? É, talvez.
Por fim…
Ok, confesso que olhei a palavra remix e esperei o pior. Gabriel Prokofiev? “Compositor e DJ russo”, respondeu-me a googleada… Hmmmm, DJ com sobrenome de compositor? Fui ver, e constatei que Gabriel é filho de Oleg Sergeievich, que é filho de…
Sim: Sergei Sergeievich.
Acabou que Gabriel é neto do homem. Resolvi dar-lhe uma chance, nem que fosse pelo pedigree, e admito que me surpreendi. Seu Beethoven9 Symphonic Remix é uma manipulação eletrônica da Nona que, embora imagine que vá soar herética à maioria de vós outros, soou-me melhor que a expectativa. Não sei se a posso recomendar, mas, por via das dúvidas, eu a postarei às três da madrugada e… sairei correndo.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para violino e piano em Dó menor, Op. 30 no. 2 Orquestrada por Garrett Schumann (1987) e Yaniv Segal (1981)
Yaniv Segal (1981), sobre obra de Ludwig van BEETHOVEN
A Fidelio Symphony, para orquestra, baseada na ópera Fidelio de Ludwig van Beethoven
5 – I. Einleitung
6 – II. Aktion
7 – III. Apotheose
Gabriel PROKOFIEV (1975)
Beethoven9 Symphonic Remix
8 – I. Presto
9 – II. Allegro assai
10 – III. Freunde, haben wir ein neues Babel: Presto
11 – IV. Freude Schöner GötterFUNKen: Allegro assai
12 – V. Über Sternen (Beyond Stars): Andante Maestoso a mezzo tempo
13 – VI. Alla marcia
14 – VII. Ode finale: Molto vivace ma tranquillo
Gabriel Prokofiev, eletrônicos BBC National Orchestra of Wales Yaniv Segal, regência
Calma: estamos quase arrematando nossa homenagem a Beethoven pelo natalício. Como prometemos folga ao velho homem, deixaremos alguns de seus colegas contemporâneos aqui mostrarem a que vieram e o que fizeram com que Ludwig nos deixou.
Para começar, duas obras do australiano Brett Dean – que estudou na Alemanha e foi violista da Filarmônica de Berlim. Testament, naturalmente, refere-se ao Testamento de Heiligenstadt e aborda as sensações e sentimentos de Beethoven ante a inexorável surdez. A abertura, com sussurros do sopros e cordas tocadas com arcos sem breu, evoca a respiração do compositor e sua pena a singrar o papel. A irrupção de temas do primeiro dos quartetos “Razumovsky”, com o brilhante fugato, lembra a firme resolução com que, depois contemplar o suicídio, deixou Heiligenstadt para os vinte e cinco anos que lhe restaram de vida. Pastoral Symphony costuma, claro, ser pareada com a Sexta Sinfonia do renano. Após uma bucólica abertura festiva, surgem os sons que sugerem a devastação da Natureza que Beethoven evocou, e que o próprio Dean encontrou quando voltou para a Austrália. Em suas próprias palavras, “levem em conta nosso incansável e desrespeitoso saque das florestas e áreas selvagens do mundo, tudo em nome de mais consumo, autoestradas, estacionamentos e conveniência… Essa peça é sobre o glorioso canto dos pássaros, a ameaça que ele sofre, a perda, e o ruído sem alma que nos resta quando eles terminarem”.
O alemão Helmut Oehring, filho de surdos, cresceu com todos motivos para admirar e compreender Beethoven. Em GOYA I – Yo lo vi,ele lembra as trajetórias paralelas do renano e de seu contemporâneo espanhol, Francisco de Goya, cujas surdezes começaram na mesma época, levando-os ao isolamento. A atração inicial e posterior rejeição aos ideais napoleônicos também é abordada na obra, bem como os testemunhos oculares que ambos foram dos horrores da guerra (Yo lo vi refere-se a uma famosa gravura de Goya, que representa uma dramática cena com vítimas civis). Há citações da Eroica e da Vitória de Wellington – representativas da desilusão com Napoleão e da celebração de sua derrota -, bem como de concertos para piano e do sublime quarteto Op. 132. Os Two Episodes do finlandês Magnus Lindberg, por sua vez, servem como prelúdio para a Nona Sinfonia. Escritos para as mesmas forças orquestrais da obra mais velha, eles evocam, em ordem, o poderoso tutti do primeiro movimento e o Adagio molto e cantabile, numa homenagem ao compositor que, para Lindberg, “sempre representou o que significa ser um compositor contemporâneo”.
A provocativa The nine symphonies of Beethoven, de Louis Andriessen, foi composta para “orquestra e sineta de sorveteiro”. Estreada em 1970, durante o bicentenário do compositor, ela não manifesta qualquer objeção a Beethoven, e sim acerca da predominância de suas sinfonias no repertório, em detrimento de música contemporânea. Ela é, grosso modo, um mexidão das nove sinfonias em ordem cronológica, com intervenções de outros gêneros mais modernos (alguns ultramodernos), das onipresentes Pour Elise e Sonata ao Luar, uma participação especial do Barbeiro de Sevilha e, claro, da sineta do sorveteiro.
Nossa compilação se encerra com duas obras de maior escopo. A primeira, a Sinfonia no. 5 do estadunidense Christopher Rouse, serve como homenagem explícita ao renano, que primeiro o impressionou aos tenros seis anos, justamente com sua Quinta Sinfonia. Quando chegou a sua vez de escrever sua Quinta, Rouse resolveu abri-la com a mesma famosa célula rítmica da contraparte, seguindo um plano semelhante ao dela, embora com linguagens completamente diferentes. Por fim, Frieze,de Mark-Anthony Turnage, cujo nome se refere ao “Friso Beethoven” de Gustav Klimt, obra fundamental do Palácio da Secessão em Viena, foi composta para servir de prelúdio à Nona Sinfonia a pedido da mesma Royal Philharmonic Society que primeiramente a encomendou ao renano, e segue em seus quatro movimentos os mesmos estados de ânimo da obra icônica.
Brett Dean (1961)
1 – Testament, para orquestra de câmara (2008)
Tasmanian Symphony Orchestra Sebastian Lang-Lessing, regência
2 – Pastoral Symphony,para orquestra de câmara (2000)
Svenska Kammarorkestern H. K. Gruber, regência
Helmut OEHRING (1961)
3 – GOYA I – Yo lo vi, para orquestra (2006)
SWR Symphonieorchester Rupert Huber, regência
Magnus LINDBERG (1958) Two Episodes (2016)
4 – No. 1
5 – No. 2
Finnish Radio Symphony Orchestra (Radion sinfoniaorkesteri) Hannu Lintu, regência
Louis ANDRIESSEN (1939)
6 – The nine symphonies of Beethoven, para orquestra e sineta de sorveteiro (1970)
Holland Festival Orchestra Louis Andriessen, regência
John Adams (1947) é um dos mais interessantes compositores de nossa época. Sua devoção pela obra de Beethoven (seu compositor favorito, junto com Bartók) despertou muito cedo, e iniciou por onde os fãs de Ludwig costumam terminar: os quartetos de cordas, principalmente as cinco obras-primas da maturidade (seis, se contarmos a Grande Fuga). Os dois quartetos de cordas de Adams refletem essa forte influência, sem tentar emulá-la – até porque ele, enfim, sabe do que Beethoven é feito.
Entre suas obras recentes, Absolute Jest (2011) é uma das que se baseiam literalmente em obras de Beethoven. Este scherzo para quarteto de cordas e orquestra usa fragmentos – às vezes, meros gestos – dos grandes quartetos Opp. 131 e 135 e da Grande Fuga supracitada. A quase meia hora de composição é uma jornada frenética, à altura das melhores obras de Adams, em que as partículas beethovenianas surgem, espalham-se e reagrupam-se das maneiras mais surpreendentes. O compositor sempre admirou a “energia extática” de Beethoven e como ele era “mestre em tomar a mínima quantidade de informação e transformá-la em estruturas fantásticas, expressivas e energizadas”. A julgar por esta gravação, capitaneada por alguém que conhece muito bem os quartetos do renano – Peter Oundjian, o primeiro violino do Tokyo String Quartet em sua melhor formação -, Adams segue com dedicação os passos do mestre, que, não duvido, aprovaria o resultado.
A outra obra de Adams que lhes trago, Roll over Beethoven (2012), apesar do nome, nada tem de chuckberryano, além da energia. Baseado no Second Quartet, a partir do qual foi habilmente transcrito por Preben Antonsen para dois pianos, ele devolve aos teclados os fragmentos de temas tomados à sonata Op. 110 e às Variações Diabelli para desenvolvimento no quarteto de cordas. Adams pretendia levar “esses pequenos fractais musicais para um grand tour duma sala de espelhos harmônica e rítmica”. Cheia de dinamismo e muito transparente, parece-me mais bem-sucedida que o próprio Second Quartet e é uma adição formidável ao repertório para a formação.
John ADAMS (1947)
Absolute Jest, para quarteto de cordas e orquestra (2011)
1 – Beginning
2 – Presto
3 – Lo stesso tempo
4 – Meno mosso
5 – Vivacissimo
6 – Prestissimo
Doric String Quartet Royal Scottish Symphony Orchestra Peter Oundjian, regência
No jubileu do grande homem, deixemo-lo descansar – e que ele receba homenagens dos compositores, cujo ofício foi revolucionado pela marcante passagem do renano por esse mundo.
Ao gravar sua integral das sinfonias de Beethoven com os bávaros da rádio, ocorreu ao maravilhoso Mariss Jansons encomendar a compositores contemporâneos algumas reflexões sobre o Mestre. As respostas, que ouvirão no disco a seguir, não só comentam as sinfonias, como também tentam evocar sentimentos e sensações associadas a Beethoven. Não à toa, o Testamento de Heiligenstadt e a surdez lhes são temas recorrentes.
Maniai (“Fúrias), de Johannes Maria Staud, por exemplo, evoca a espiral descendente de cólera em que Beethoven mergulhou ao constatar a surdez, entre a composição da Primeira e da Segunda sinfonias. Rodion Shchedrin, em contrapartida, oferece uma peça que se projeta das trevas para a luz, como se o desespero e a contemplação suicida de Heiligenstadt se transfigurassem na resolução de viver (e sobreviver) através da Arte. Fires, da lituana Raminta Šerkšnytė, conjura sons associados à própria perda auditiva, enquanto Dixi (“Eu disse”), do georgiano Giya Kancheli, serve como eloquente comentário à Nona Sinfonia.
Ainda que as obras sustentem-se bem por si sós, elas foram concebidas para serem ouvidas em determinados lugares dentro da série de sinfonias de Beethoven. Assim, sugiro que, depois de baixarem o disco, aproveitem os links que disponibilizarei logo abaixo para as gravações das sinfonias, a fim de que possam desfrutar dessas instigantes reflexões dentro dos contextos pretendidos por seus compositores.
Ao longo de seus quarenta e cinco anos de carreira, Beethoven tomou emprestados dezenas de temas a seus colegas compositores. No começo, ele o fazia simplesmente porque a forma do tema com variações era muito popular entre os compositores-pianistas, e era praxe lucrativa compor sobre árias e canções em voga. Ao estabelecer-se como o melhor pianista de Viena, ele acostumou-se a usar temas alheios – às vezes já conhecidos, outras vezes ditados pelo público ou mesmo por rivais – para exibir seu talento como improvisador, pelo qual foi por um bom tempo até mais famoso do que como compositor. Por fim, e principalmente nas Variações “Diabelli”, ele mostrava a sua incomparável capacidade de transformar o mais frugal dos temas ao decompô-lo, parodiá-lo e reinventá-lo, enquanto exibia seu enciclopédico conhecimento das capacidades do teclado.
O bicho era tão bom nisso que não surpreende que poucos compositores depois dele tenham tomado seus temas para comporem variações – ninguém, enfim, quer mostrar seus pés pequenos sambando dentro de tão grandes chinelas. Um dos poucos insensatos a fazê-lo foi Max Reger…
ECCE HOMO (DP)
… que, só pela cara, a gente já vê que manjava de todos os paranauê.
De fato, sua vasta e mormente desconhecida obra demonstra duma forma quase fanfarronística seu domínio das técnicas de composição. Escrever fugas, por exemplo, parecia-lhe um passatempo. Compor variações E fuga sobre um tema de Beethoven, então, jamais o intimidaria – foi ele, enfim, o homem responsável pela transcrição de muito da obra de J. S. Bach para duo pianístico, o que fez com muita competência e resistindo firme à tomatina que lhe jogaram.
As “Variações e Fuga sobre um Tema de Beethoven” (1904) são uma obra fundamental do repertório para duo, e aliás uma das poucas composições de Reger que, infelizmente, aparecem com alguma frequência em qualquer repertório. O tema que escolheu foi o da breve bagatela para piano em Si bemol maior, Op. 119, no. 11, que ele passa por um rigoroso corredor-polonês contrapontístico que culmina – como era seu costume em obras com variações – com uma assertiva fuga final. Anos mais tarde, ele orquestraria oito das doze variações, mas a roupagem sinfônica não conquistou a relativa popularidade do original.
Neste álbum duplo que lhes apresento, a obra ganha um ótimo tratamento por dois artistas de primeiríssima. András Schiff e Peter Serkin apresentaram o repertório do disco numa série de recitais ao longo de 1999, para enfim gravá-lo em New York, e é evidente que se deram muito bem no processo. Tenho pena, só, das duas singelas obras de Mozart, eclipsadas pelas variações de Reger e pela tonitruante Fantasia Contrappuntistica de Busoni que, apesar de inicialmente intitulada Grosse Fuge, homenageia a “Arte da Fuga” de J. S. Bach. Talvez seja demais para uma quinta-feira à tarde, então compreenderia se, para prevenirem a saturação sensorial (se é que eu já não os saturei para sempre com tanto Beethoven), vocês salvassem o álbum para ouvi-lo depois dum bom tempo longe de mim.
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Fuga em Dó menor para dois pianos, K. 426
1 – Allegro Moderato
Johann Baptist Joseph Maximilian REGER (1873-1916)
Variações e fuga sobre um tema de Beethoven para dois pianos, Op. 86
2 – Thema: Andante
3 – Un poco più lento
4 – Agitato
5 – Andantino grazioso
6 – Andante sostenuto
7 – Appassionato
8 – Andante sostenuto
9 – Vivace
10 – Sostenuto
11 – Vivace
12 – Poco vivace
13 – Andante con grazia
14 – Allegro pomposo
15 – Fuge: Allegro con spirito
Depois que publiquei o epílogo de nossa travessia da integral da obra beethoveniana, um querido colega procurou-me aqui em minha jaulinha no subsolo da PQP Tower. Ele me agradeceu pelas postagens e comentou que eu adotara uma abordagem à Benjamin Button, descrevendo, às portas do aniversário de Beethoven e com toda riqueza de excretas e coágulos, as miseráveis semanas finais de nosso herói.
O colega, que tem toda razão no comentário, completou, com seu habitual bom humor, que esperava “sangue e pústulas” na descrição do nascimento de Ludwig, que aconteceu em algum dia próximo ao 17 de dezembro em que foi batizado.
Registro de nascimento de Beethoven na paróquia de São Remígio em Bonn. “17ma [Decima septima] Xbris [Decembris]. Parentes: D: Joannes van Beethoven & Helena Keverichs, conjuges. Proles: Ludovicus. Patrini: D: Ludovicus van Beethoven & Gertrudis Müllers dicta Baums” (“17 de dezembro. Pais: Johann van Beethoven & Helena [Magdalena] Keverich, casados. Criança: Ludwig. Padrinhos: Ludwig van Beethoven [avô do compositor] & Gertrude Müller, nascida Baum [vizinha]”
Temia decepcioná-lo, pois Ludovicus van Beethoven era um Zé-Ninguém (ou, talvez, uns “Niemand-Hans”) quando nasceu na casinha da Bonngasse, no. 20. Assim, diferentemente de sua morte, cinquenta e seis anos depois, quando era amplamente reconhecido como o maior músico da Europa, não há qualquer registro preciso nem da data, nem das circunstâncias em que ocorreu seu nascimento. Suponho que não houvesse pústulas, pois elas costumam surgir em infecções, e naquela época elas costumavam matar os recém-nascidos. O sangue, no entanto, me parece assegurado: o parto, afinal, sempre foi uma cena poderosa, talvez bela, e invariavelmente brutal.
Assegurado, também, era que Ludwig se tornaria músico – ou, pelo menos, que tentariam transformá-lo num. Afinal, seu avô e padrinho, nascido Lodewijk na flamenga Mechelen, mas que adorarei chamar de Ludwig van Beethoven, o Velho, chegara a Bonn para ser baixo e galgara a hierarquia musical da corte do Eleitor de Colônia até chegar ao cargo de Kapellmeister. Seu único filho que sobreviveu à infância, Johann, seria tenor na mesma corte e, após casar-se com a cozinheira Maria Magdalena Keverich, deu ao mundo nosso herói daqueles meados de dezembro de 1770.
Digo 1770, mas se o dissesse a Ludwig, o Jovem, ele não acreditaria em mim, pois jurou de pés juntos uma boa parte da vida que nascera em 1772. Quando lhe apresentaram um certificado baseado no registro de batismo, dando conta de que um Ludwig van Beethoven nascido em 1770, ele escreveu no verso dele o seguinte:
“Es scheint der Taufschein nicht richtig, da noch ein Ludwig vor mir. Eine Baumgarten war glaube mein Pathe”
(“A certidão de batismo não parece correta, há outro [ou é um outro] Ludwig antes de mim. Eu acho que uma Baumgarten era minha madrinha”)
E assinava:
“1772. Ludwig van Beethoven”
Teimosia? Certamente, e muita – e legendária! -, mas Ludwig tinha seus motivos para acreditar no engano. Seu pai, Johann, era um sujeito avaro e truculento (e deixo barato ao assim chamá-lo), que enxergou na óbvia aptidão do primogênito uma potencial mina de ouro, ao torná-lo um menino-prodígio. Sob muita violência física e psíquica, tentou forjar um Wunderkind e, quando o apresentou em público pela primeira vez em Colônia, em 1778, alegava que ele tinha seis anos. Quando o garoto publicou sua primeira obra, em 1772, o frontispício atribuía-lhe apenas dez.
“Variações para o cravo sobre uma marcha do Sr. Dresler [sic] – Compostas e dedicadas à Sua Excelência Madame Condessa de Wolfmetternich, nascida Baronesa de Afsebourg [sic] por um jovem amador, Louis de Betthoven [sic], com dez anos de idade”
Ludwig teve vários professores na infância – incluindo o próprio pai, Johann; Gilles van den Eeden, organista da corte; Tobias Friedrich Pfeiffer, professor de piano; e Franz Rovantini, que lhe ensinou violino e viola. A pedagogia era incorporada aos maus tratos. Sem nem mencionar os do pai, a quem Ludwig odiaria por toda a vida, o tal Pfeiffer tinha insônia e tirava o menino da cama de madrugada para obrigá-lo a estudar. O primeiro professor de quem guardou boas lembranças foi Christian Gottlob Neefe, um saxão luterano que só foi empregado na corte católica de Bonn porque o novo Eleitor de Colônia, Maximilian Franz, era razoavelmente liberal e aberto a todas artes e artistas. Neefe certamente não era um músico brilhante, mas era culto e amável com o menino, para quem arranjou o cargo de seu assistente como organista da corte e também a publicação das variações “Dressler” em Mannheim. O competente moleque não se tornaria um menino-prodígio, apesar de sua grande capacidade, e só atrairia alguma atenção quando adolescente. A morte da querida mãe piorou a situação doméstica, que só afundava com o alcoolismo de Johann. Em 1792, como já lhes contei em outra postagem, Ludwig deixou Bonn para nunca mais retornar. Seus destinos eram Viena e Haydn, o maior compositor europeu vivo, com quem estudaria sob o patrocínio do Eleitor de Colônia. Os estudos com Papa foram erráticos e, a seu ver, insatisfatórios. Depois de causar uma saia-justa ao velho mestre, a quem mentiu sobre composições novas que tinham sido compostas em Bonn, e que deve ter ficado com cara de tacho quando escreveu ao Eleitor de Colônia citando-as como obras novas, terminaram de comum acordo a relação pedagógica. Embora nunca poupasse acidez ao falar dos estudos com o Mestre de Rohrau, Beethoven admitiria paulatinamente que os estudos com ele lhe foram importantes. Mais tarde, como também já lhes contamos, Ludwig tomaria lições de contraponto com Albrechtsberger, o organista e Kapellmeister da Stephansdom, na capital imperial – um sujeito que eu, confesso, escolheria só pelo sobrenome para ter aulas de contraponto.
[e acharam que eu não mencionaria aqueles hilariantes concertos para marranzano? Pois se enganaram]
Vocês já devem ter deduzido que eles meus chalalás sobre os professores de Beethoven tinham só a finalidade de introduzir-lhes estas gravações. Pois bem: além da integral de Ludwig para piano a quatro mãos, na qual somente a transcrição da Grande Fuga é digna de nota, este ótimo álbum duplo traz obras dos ditos-cujos – o que é ótimo, pois é sempre uma dureza apresentar o repertório beethoveniano para duo pianístico. Não que estas sejam lá coisas inesquecíveis, mas os arranjos de Neefe para trechos da “Flauta Mágica” são muito simpáticos, e a fuga de Albrechtsberger pareceu a primeira obra do homem a merecer algum lugar no repertório. O ponto alto, para mim, é o divertimento de Haydn. Baseado no tema do “Ferreiro Harmonioso” e alcunhado “‘Il Maestro e lo Scolare” (“O Mestre e o Aluno”), descreve a relação de ambos. A obra foi composta antes de Haydn conhecer o aluno mais famoso, e fico imaginando, se ele a compusesse depois disso, se o “tema com variações” e o “minuetto” não seriam substituídos com um “Grave con furia” e um “Andante con molta malinconia”. E me redimo da infeliz piada de tiozão comentando que a escolha de fortepianos para executar as obras foi muito feliz, e que a Grande Fuga, em particular, soa muito satisfatória no timbre dos instrumentos anciões.
Em tempo: apesar do que alega a ademais cuidadosa Naxos na capa do disco, o conde Waldstein não foi professor de Beethoven. Ele foi, sim, seu patrono e empregador – Beethoven foi o ghost writer do Ritterballet que Waldstein estreou num baile como seu próprio – e lhe forneceu o tema para as variações para piano a quatro mãos que está no disco, além de dedicatário da brilhante sonata “Waldstein” e autor do profético bilhete que adornou o livro de despedida de Ludwig, quando este partiu para Viena:
Lieber Beethowen!
Sie reisen itzt nach Wien zur Erfüllung ihrer so lange bestrittenen Wünsche. Mozart’s Genius trauert noch und beweinet den Tod seines Zöglinges. Bey dem unerschöpflichem Hayden fand er Zuflucht, aber keine Beschäftigung; durch ihn wünscht er noch einmal mit jemanden vereinigt zu werden. Durch ununterbrochenen Fleiß erhalten Sie: Mozart’s Geist aus Haydens Händen.
Bonn d 29t. Oct. 792. Ihr warer Freund Waldstein”
“Caro Beethowen!
Você viaja agora para Viena para realizar suas vontades tão longamente constritas. O gênio de Mozart ainda está de luto
e chorando pela morte de seu pupilo. Ele encontrou refúgio no inesgotável Hayden, mas não tinha emprego; através deste, ele deseja unir-se uma vez mais a alguém. Por meio de diligência ininterrupta você obtém: o espírito de Mozart das mãos de Hayden.
Bonn, 29 de outubro de [1]792. Seu querido amigo Waldstein”
Ludwig van BEETHOVEN (1770–1827)
Sonata para piano a quatro mãos em Ré maior, Op. 6 (1797)
1- Allegro molto
2 – Rondo: Moderato
Christian Gottlob NEEFE (1748–1798)
Seis peças fáceis para piano a quatro mãos, baseadas em trechos da ópera Die Zauberflöte, de Mozart (1793)
3 – No. 1: Der Vogelfänger bin ich ja
4 – No. 2: Bei Männern, welche Liebe fühlen
5 – No. 3: Soll ich dich, Teurer, nicht mehr seh’n
6 – No. 4: Das klinget so herrlich
7 – No. 5: Ein Mädchen oder Weibchen
8 – No. 6: Klinget, Glockchen, klinget
Ludwig van BEETHOVEN
Oito variações em Dó maior sobre um tema do conde Waldstein, para piano a quatro mãos, WoO 67 (1794)
9 – Thema – Variationen I-VIII
Johann Georg ALBRECHTSBERGER (1736–1809)
Prelúdio e fuga em Si bemol maior (1796)
10 – Sem indicação de andamento
Ludwig van BEETHOVEN
Três marchas para piano a quatro mãos, Op. 45 (1804)
11 – No. 1 em Dó maior
12 – No. 2 em Mi bemol maior
13 – No. 3 em Ré maior
Cullan Bryant e Dmitry Rachmanov, fortepianos (Caspar Katholnig, Vienna, ca. 1805–1810 e Johann Nepomuk Tröndlin, Leipzig, 1830)
Apesar desse famoso retrato, hoje no Kunsthistorisches Museum em Viena, ser conhecido como “Beethoven aos doze anos”, a Beethovenhaus de Bonn diz que não há provas de que ele seja autêntico. As bochechas vermelhas e os olhos desde já dardejantes me dizem que o menino é Ludwig. E vocês, o que acham?
Ninguém sabe ao certo quando Beethoven nasceu – e nem ele sabia. Seu registro de batismo data de 17 de dezembro de 1770, e era a praxe no Eleitorado de Colônia que os bebês fossem registrados até o primeiro dia de vida. Assim, era muito provável que ele tivesse nascido mesmo em 16 de dezembro, dia que ele considerava seu natalício. Em sua Bonn natal, entretanto, a grande celebração anual de Beethoven sempre aconteceu no dia 17, no chamado “Dia Batismal”.
Os alemães acreditam que dar os parabéns antes do aniversário dá má sorte, mas eles próprios adoram o costume de reinfeiern, que consiste em iniciar as comemorações do natalício na véspera, antes da meia-noite. Os convivas chegam, cumprimentam o em-breve aniversariante sem dar-lhe os parabéns e, tão logo chega a meia-noite, cantam a inescapável musiquinha:
Como nosso herói era alemão, e ele não precisa de mais má sorte do que aquela tanta que teve durante sua passagem terrena, resolvi parabenizá-lo um minuto depois da meia-noite.
Os presentes, mundo afora, serão alcançados em todo lugar em que houver um seu fã, onde houver um músico, onde existir uma sala de concertos. Aqui, como já sabem, preferimos preparar nosso presente ao longo do ano, para que ele culminasse justamente nesses 16 e 17 de dezembro. E conseguimos: toda a obra publicada de Beethoven foi aqui apresentada, comentada e compartilhada em gravações até então inéditas no PQP Bach.
Para ajudá-los na navegação desse acervo, bem como a encontrar os textos que se referem as obras, preparamos este índice em que as composições estão listadas na ordem crescente dos principais catálogos dedicados a Beethoven: seu catálogo pessoal de obras (indicadas pelo número de Opus), o Kinsky-Halm (Werke ohne Opuszahl, WoO), o de Willy Hess (Hess) e o de Giovanni Biamonti (Bia).
Cabe lembrar que, embora a maioria das obras apareça em todos os catálogos, algumas são específicas àqueles mais recentemente atualizados (caso do Biamonti, o único a organizar todas as composições e fragmentos numa só relação cronológica). Notem também que, na medida do possível, evitamos publicar as composições erroneamente atribuídas a Beethoven (indicadas na lista como “espúrias”) ou de atribuição duvidosa (que aparecem nos apêndices – Anhang, Anh.) dos catálogos Kinsky-Halm e Hess.
Ainda que esta lista abranja todas as obras publicadas de Beethoven que tenham sido gravadas, é evidente que ela terá omissões. Todas obras importantes, bem como todas aquelas que alguma vez pretendeu que se tornassem públicas, aqui estão. Entre os inúmeros esboços e fragmentos espalhados em desordem por seus cadernos de anotações mundo afora, há muitos que ainda não foram publicados e gravados. Assim, esta lista seguirá aberta, e será completada à medida que novos itens, por mais curtos que sejam, vierem a ser acrescentados à discografia de Beethoven.
Na relação abaixo, o link que acompanha o título da obra leva à publicação em que ela é comentada, enquanto os números entre colchetes indicam interpretações alternativas das obras – o que não significa, claro, que elas sejam piores.
Por fim, ressalvo que a lista inclui somente as publicações feitas dentro da série “A Obra Completa de Ludwig van Beethoven”. Houve muitas outras, com preciosas contribuições de meus colegas de blog, e que vós outros poderão encontrar ao clicarem no “BTHVN” abaixo, escrito pelo próprio punho de Beethoven (porque, sim, além de gênio da Música, ele também bolou o logo de seu 250º aniversário!)
Para procurar por “BTHVN250”, clique no Bthvn
RELAÇÃO DAS OBRAS PUBLICADAS NA SÉRIE “BTHVN 250 – A OBRA COMPLETA DE LUDWIG VAN BEETHOVEN”
Esses incríveis retratos digitais de Beethoven basearam-se em sua máscara feita em vida e em pinturas contemporâneas consideradas fidedignas por pessoas que o conheceram, e são obras do fantástico artista iraniano Hadi Karimi (www.hadikarimi.com)
Este é um lançamento recentíssimo que me apresso a postar antes da data máxima. Ouvi-o rapidamente e fiquei muito feliz com ele. Duas excelentes Sonatas executadas pela incrível competência e elegância de Ehnes, acompanhado por seu fiel escudeiro Armstrong. Este disco, que finaliza a integral das Sonatas de Beethoven da dupla, confirma as qualidades especiais dos lançamentos anteriores: conjunto imaculado, equilíbrio, uma sensação da estrutura da música estar se desdobrando perfeitamente e com espontaneidade, criando a impressão de que os músicos vão descobrindo as qualidades especiais da música como se fosse a primeira vez. Ehnes não é um bobão, faz música sem o menor indício de ser um “solista em ação”. Alguns podem achar que a personalidade criativa de Beethoven é um pouco subprojetada aqui. No entanto, a perfeição de Ehnes — cada nota possui especial brilho — é uma fonte constante de admiração. O mesmo ocorre com a habilidade fantástica de Armstrong de fazer parceria com o violino de uma forma que sutilmente disfarça a disparidade entre o potencial de sonoro dos dois instrumentos (da qual Beethoven estava bem ciente).
Ludwig van Beethoven (1770-1827): Sonatas para Violino Nos. 7 & 10 (Ehnes / Armstrong)
01. Violin Sonata No. 7 in C Minor, Op. 30 No. 2: I. Allegro con brio
02. Violin Sonata No. 7 in C Minor, Op. 30 No. 2: II. Adagio cantabile
03. Violin Sonata No. 7 in C Minor, Op. 30 No. 2: III. Scherzo (Allegro)
04. Violin Sonata No. 7 in C Minor, Op. 30 No. 2: IV. Finale (Allegro)
05. Violin Sonata No. 10 in G Major, Op. 96: I. Allegro moderato
06. Violin Sonata No. 10 in G Major, Op. 96: II. Adagio espressivo
07. Violin Sonata No. 10 in G Major, Op. 96: III. Scherzo (Allegro)
08. Violin Sonata No. 10 in G Major, Op. 96: IV. Poco allegretto
A dor nos flancos que recebeu Beethoven no retorno de Gneixendorf agravou-se, e em alguns dias ele estava a afogar-se no sangue que cuspia. Após alguns dias de aparente melhora, passou a vomitar incoercivelmente. Sua pele ficou amarelada, e as pernas e abdome tornaram-se grotescamente inchados. Um médico realizou uma punção para retirar líquido e aliviar-lhe o abdome, depois da qual piorou muito. Propuseram-lhe várias medicações, e a única que lhe adiantou alguma coisa foi um ponche de ervas que Schindler arranjou e, goró que era, ele adorou. Sob o efeito do remédio, que talvez tão só lhe saciasse a sede por álcool, Beethoven melhorou e voltou a contar piadas. Quando ficou óbvio que ele estava a abusar da panaceia, os médicos cortaram seu barato. Ele piorou, ficando ainda mais inchado, alternando períodos de lucidez com desorientação. Outras punções do abdome – paracenteses, no jargão médico – foram realizadas. Logo ficou óbvio que ele não melhoraria, e arranjaram um padre para administrar-lhe a Extrema Unção. Beethoven, que sempre fora um anticlerical, aceitou os ritos com aparente serenidade. Ao se espalhar a notícia de que ele estava em angústias de morte, amigos e parentes começaram a chegar a seu caótico apartamento na Schwarzspanierhaus – o último de seus sessenta e sete endereços em Viena. Vinham, também, presentes. Quando lhe mostraram uma caixa de vinho Riesling enviada pelo seu editor Schott, de Mainz, Ludwig lamentou:
Pena, pena: tarde demais!
Seriam suas últimas palavras.
Em seguida ele mergulharia em obnubilação e coma. A julgar pelos relatos dos contemporâneos, teriam sido necessárias arquibancadas para acomodar todos aqueles que afirmaram estarem do seu lado no seu leito de morte. Seu irmão Johann e o fiel amigo e secretário Karl Holz estavam próximos, mas apenas o amigo Hüttenbrenner e a cunhada Therese testemunharam o momento em que, na tarde de 26 de março de 1827, durante uma brutal tormenta, Ludwig revirou-se na cama e, fazendo um brusco gesto com um dos braços, expirou.
Tinha cinquenta e seis anos.
ooOoo
Ninguém tem certeza, mas é bastante provável que a detalhada autópsia que se realizou no famélico cadáver tenha sido encomendada pelo próprio Beethoven, que vinte e cinco anos antes manifestara, no chamado “Testamento de Heiligenstadt”, a vontade de que o mundo soubesse o que o levara à surdez:
Peço-vos, meus irmãos, assim que eu fechar os olhos, se o professor Schmidt [seu então médico] ainda for vivo, fazer-lhe em meu nome o pedido de descrever a minha moléstia e juntai a isto que aqui escrevo para que o mundo, depois de minha morte, se reconcilie comigo”
Para alguns mórbido, para outros (eu incluso) fascinante, o laudo da autópsia de Beethoven, escrito em latim, foi encontrado em 1970, ano do bicentenário do Mestre. Entre os achados, cirrose do fígado e uma imensa quantidade de líquido dentro do abdome, que levam o profissional de saúde que sou nas horas vagas a concluir que Ludwig morreu de insuficiência hepática, provavelmente decorrente do alcoolismo, para qual a gota d’água foi a pneumonia que ele contraiu ao brigar com o irmão em Gneixendorf e voltar para Viena numa carroça de leite. Sobre seus ouvidos, lamentavelmente, nada se pôde concluir: apesar da autópsia mostrar que eles estavam gravemente comprometidos, não se chegou a um diagnóstico definitivo. Beethoven, esteja onde estiver, segue sem saber a causa da surdez que o desgraçou, embora haja – como em quase tudo que lhe diz respeito à vida – muitas suposições e anedotas.
[há muito mais para comentar, e muito ainda se escreve e se pesquisa acerca das pestes que assolaram Ludwig a vida toda e a doença que acabaria por matá-lo. Encerro o plantão médico por aqui, mas convido os interessados a continuarmos o assunto, que envolve chumbo mas provavelmente não mencionará sífilis, na caixa de comentários]
Dois dias depois da morte, o corpo de Beethoven foi preparado para o funeral. Tomaram-lhe um molde para a máscara mortuária, vestiram-no com uma túnica e um gorro – ao estilo de Dante – e coroaram-no com rosas. Já no caixão, as mãos de Ludwig receberam uma cruz (que ele certamente estranharia) e um lírio – sua flor favorita.
O convite para as exéquias de Beethoven, impresso por seu irmão Johann
O cortejo fúnebre reuniu dezenas de milhares de pessoas. Entre os que se revezaram na condução do caixão, naturalmente predominavam os músicos. Os mais notáveis eram Seyfried, Weigl, Gyrowetz, e Hummel, dos quais apenas este último ainda é ouvido nos dias de hoje. Junto a eles estava alguém que bem que poderia ser eu, um introspecto rapaz de óculos que idolatrava Beethoven. Diferentemente de mim, no entanto, Franz Schubert era um gênio. Dentro de um ano, por ocasião do primeiro aniversário da morte de Ludwig, ele teria, com o primeiro concerto público de suas obras, o único gosto de sucesso em sua breve vida. Não veria o final daquele 1828, pois morreria em novembro. De acordo com Hüttenbrenner, ao retornar do funeral de Beethoven, Schubert fez um brinde ao venerado mestre, acrescentando um outro “àquele que enterraremos a seguir” – sem imaginar que brindava a si mesmo.
Túmulos originais de Beethoven e Schubert (hoje cenotáfios) no antigo cemitério de Währing (hoje Parque Schubert), em Viena, Áustria
Claro que houve música no funeral: além do Réquiem de Cherubini (hoje esquecido, mas muito admirado por Beethoven), foram ouvidas três peças do mestre. Uma delas foi a “Marcha Fúnebre” da sonata Op. 26, na orquestração que ele preparara para a música de cena de “Leonore Prohaska”. As outras foram dois de seus três “equali” para trombone, num arranjo vocal de Ignaz Seyfried que, apesar de publicado, eu nunca soube se foi gravado.
De acordo com a praxe da época, uma ode fúnebre foi declamada à turba na entrada do cemitério. Escrita pelo então famoso dramaturgo Franz Grillparzer, ela foi assim lida pelo ator Heinrich Anschütz:
Nós, que estamos aqui junto ao túmulo do falecido, somos, em certo sentido, os representantes de uma nação inteira, todo o povo alemão, vindo para lamentar o falecimento de uma metade célebre daquilo que nos restou do brilho desaparecido da Pátria. O herói da poesia na língua e na língua alemã [Goethe] ainda vive – e que viva muito! Mas o último mestre da canção retumbante, a boca graciosa pela qual a música falava, o homem que herdou e aumentou a fama imortal de Händel e Bach, de Haydn e Mozart, deixou de existir; e ficamos chorando pelas cordas partidas de um instrumento agora calado.
Um instrumento agora calado – deixem-me chamá-lo assim! Pois ele era um artista, e o que era, o era apenas por meio da arte. Os espinhos da vida o feriram profundamente, e, tal qual o náufrago que se agarra à costa salvadora, voou para os teus braços, ó maravilhosa irmã dos bons e verdadeiros, consoladora na aflição, a Arte que vem do alto! Ele se agarrou a você, e, mesmo quando o portão pelo qual você entrou foi fechado, você falou por um ouvido surdo àquele que não mais a podia discernir; e ele carregou sua imagem em seu coração e, quando ele morreu, ela ainda estava em seu peito.
Ele era um artista – e quem ficará ao lado dele? Tal qual o gigante varre os mares, ele trespassou os limites de sua arte. Do arrulhar da pomba ao ruído do trovão, do mais engenhoso entrelaçamento de artifícios intencionais até aquele ponto terrível em que o tecido pressiona para a desordem das forças naturais em choque – ele atravessou tudo, ele compreendeu tudo. Quem o segue não pode continuar; ele deve começar de novo, pois seu predecessor terminou onde a Arte termina.
Adelaide e Leonore! Celebrações dos heróis de Vittoria e humílimos tons da Missa! Prole de três e quatro vozes. Sinfonia retumbante, “Freude, schöner Götterfunken” – o Canto do Cisne. Musas de canto e de cordas, reúnam-se em seu túmulo e cubram-no com louros!
Ele era um artista, mas também um homem, um homem em todos os sentidos, no mais elevado dos sentidos. Porque ele se isolou do mundo, eles o chamaram de hostil; e insensível, porque evitava sentimentos. Oh, quem sabe que está empedernido não foge! (é o ponto mais delicado que mais facilmente se cega, que se dobra, que parte).
O excesso de sentimento evita sentimentos. Ele fugiu do mundo porque não encontrou, em todo o âmbito de sua natureza amorosa, uma arma para resistir a ela. Ele se afastou de seus semelhantes depois de dar tudo a eles e não receber nada em troca. Ele permaneceu sozinho porque não encontrou um segundo eu. Mas, até sua morte, ele preservou um coração humano para todos os homens, um coração de pai para seu próprio povo: o mundo inteiro.
Assim ele foi, assim ele morreu, assim ele viverá para sempre!
E você, que seguiu seu cortejo até este lugar, mantenha sua tristeza sob controle. Você não o perdeu, mas o ganhou. Nenhum homem vivo entra nos corredores da imortalidade. O corpo deve morrer antes que os portões sejam abertos. Aquele por quem você lamenta está agora entre os maiores homens de todos os tempos, para sempre inexpugnável. Voltem para suas casas, então, angustiados, mas recompostos. E sempre que, durante suas vidas, o poder de suas obras os oprimir como uma tempestade que se aproxima; quando o seu arrebatamento se derramar no meio de uma geração ainda não nascida; então, lembre-se desta hora e pense: nós estávamos lá quando o sepultaram, e quando ele morreu nós choramos!
E vocês me achavam prolixo…
ooOoo
O sossego de Beethoven foi interrompido em duas ocasiões. Na primeira, em 1863, quando seus restos mortais (e os de Schubert) foram exumados e estudados pela Sociedade de Amigos da Música de Viena. Na ocasião, foi tomada uma fotografia de seu crânio que, juntamente com várias mechas de cabelo espalhadas pelo mundo, são as únicas relíquias que restaram da combalida carcaça do Mestre. A segunda exumação, em 1888, ocorreu por causa da desativação do velho cemitério de Währing, e seguiu-se duma pomposa procissão de honra que levou os despojos de Beethoven e Schubert até o distante Cemitério Central de Viena que, apesar do nome, está a uma eternidade do centro da cidade. Ali, Ludwig repousa próximo a vários de seus fãs – Schubert (que segue a seu lado), Brahms (dobrando a esquina) e até Schoenberg (um pouco mais adiante) – e é anualmente visitado por milhares de outros que asseguram, mesmo nos mais bicudos invernos, que o Mestre sempre receba flores frescas.
Túmulos de Beethoven (à esquerda) e Schubert (à direita), ladeando o cenotáfio de Mozart no Cemitério Central de Viena (foto do autor)
Termino de contar-lhes, aqui, as desventuras terrenas de Ludwig van Beethoven.
Admiti desde o começo desta série – quando eu e Beethoven éramos meninos de seis anos – que esse meu tributo composto ao longo de mais de dez meses seria completamente parcial. Sou fã de Beethoven e, assim como o mundo, não me consigo imaginar sem suas criações. E, ainda que sua improvável trajetória da provinciana Bonn à imperial Viena, através duma existência infeliz e quase todas agruras possíveis à saúde de um homem, esteja ligada de modo inexorável à sua produção artística, a apreciação de seu gênio prescinde completamente de nossa compaixão por ele. Basta-nos a contemplação do espetáculo: de seus burilados trios dos vinte e poucos anos ao quarteto que escreveu a poucos meses da morte; das ingênuas Variações “Dressler” à visionária Grande Fuga; do Op. 1 ao Op. 135, não há na História da Arte evolução mais coerente e impressionante que a deste homem que nasceu há exatos duzentos e cinquenta anos, num 16 de dezembro, para ser batizado no dia seguinte, que celebraria como seu aniversário.
ooOoo
Ao Mestre, com carinho.
In memoriam Ludwig van Beethoven – gênio da Música e herói de minha vida inteira – por ocasião de seu ducentésimo quinquagésimo aniversário
CONSVMMATVM EST 29-1-2020 – 16-12-2020
Vassily Genrikhovich
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 6 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Este é um dos discos que eu levaria para a ilha deserta. Como viver sem ele? Borodin foi filho ilegítimo do príncipe georgiano Luka Gedevanishvili (ou Gedianov, em russo) e teve sua paternidade atribuída a um servo do nobre, Porfiry Borodin. Apesar de ter recebido lições de piano quando criança, sua educação foi direcionada às ciências. Formado em medicina, interessado em química, aperfeiçoou-se em Heidelberg, Alemanha (1859-1862). Em toda sua vida, dedicou-se quase inteiramente à química, escrevendo muitos tratados científicos e fazendo muitas descobertas, notadamente no campo do benzol e aldeídos. Também foi professor de química orgânica na Academia Militar de São Petersburgo (1864-1887). Considerava-se apenas “um compositor aos domingos”.
Mas meu deus, ele devia ser um gênio. Ouçam estas obras do compositor de domingos, principalmente a obra-prima representada pelo Quarteto Nº 2. No vídeo abaixo, numa interpretação ao vivo do velho Quarteto Borodin, vocês podem ouvir o Noturno de chorar aos 12min30. Aos 20min50, no início do quarto e folclórico movimento, o quarteto imita o som de um bayán (espécie de acordeão russo, mais complicado que o nosso). Logo depois, vem um som de uma grande balalaica. Ouçam e babem!
Aleksandr Borodin (1833 -1887): Quartetos de Cordas Nos. 1 e 2
String Quartet No. 1 in A major
I. Moderato – Allegro 13:15
II. Andante con moto 7:50
III. Scherzo: Prestissimo 6:00
IV. Allegro risoluto 10:44
String Quartet No. 2 in D major
I. Allegro moderato 8:09
II. Scherzo: Allegro 4:47
III. Notturno: Andante 8:26
IV. Finale: Andante – Vivace 7:11
Depois da expansividade dos complexos quartetos Opp. 130 a 132, que redefiniram o gênero, e da visionária Grande Fuga, a aparente simplicidade do Op. 135 pode causar estranheza. Tanto em tamanho quanto em transparência das partes, ele é mais afeito aos primeiros quartetos do Op. 18 do que a qualquer um que Beethoven tenha escrito com grisalhos. Além disso, ele tem tão só os tradicionais quatro movimentos, na ordem em que ele os preferia na maturidade, com o Scherzo antes do movimento lento. As aparências, no entanto, são somente superficiais, pois só um consumado e experiente mestre poderia criá-lo – como se, depois de ousadas jornadas de expansão, Ludwig se voltasse agora para a concentração.
Transparência é quase tudo o que se ouve no melífluo primeiro movimento, repleto de delicadas filigranas e que, apesar da riqueza de detalhes das partes, desenvolve-se com leveza, sem a menor sugestão de prolixidade. Ele nos faz baixar a guarda completamente, a fim de que o enérgico e sincopado Scherzo – num gesto beethoveniano bem típico – nos surpreenda com sua energia crua, particularmente no alvoroçado solo de violino no Trio. Segue-se um belíssimo movimento lento, na distante tonalidade de Ré bemol maior, à guisa da Cavatina do Op. 130 ou do Cântico do Op. 132. Não há aqui, entretanto, nada de caloroso ou consolador: o tema e as variações são constritos, como se tentassem manter-se sob controle após a explosão temperamental do Scherzo.
Nenhum desses movimentos, no entanto, deu tanto pano para manga quanto o finale. Não é à toa: além de colocar-lhe o críptico título Der schwer gefasste Entschluss (“A decisão tomada com dificuldade”), Beethoven escreveu sobre a partitura as frases Muss es sein?/Es muss sein! (“Tem que ser?”/”Tem que ser!”), atribuindo-lhes fragmentos melódicos ouvidos no início do movimento – a pergunta enunciada em Grave por viola e violoncelo, e a resposta estridentemente dada em Allegro pelos violinos.
Muito – mas muito mesmo – se conjecturou sobre o que levou Beethoven a fazer isso no encerramento da derradeira obra de seu catálogo. Da aceitação da morte iminente até uma piada interna a um amigo para o qual perdera uma aposta, o cardápio de achismos e anedotas é vasto. Há quem afirme que as inscrições são uma referência a um certo Dembscher, um músico amador que queria tomar emprestada de Ludwig a partitura do Op. 130. Como ele não tinha comparecido à estreia do quarteto, o compositor recusou-se, e só cederia as partes da obra até então inédita se o rapaz pagasse retroativamente o ingresso do concerto do Quarteto Schuppanzigh. Dembscher, então, perguntou-lhe se assim tinha que ser, e Beethoven lhe respondeu com um cânone:
“Tem que ser! Sim, sim, sim, sim: pegue sua carteira!”
Pitoresco? Sem dúvidas, mas também por demais prosaico para aparecer com tanto destaque numa partitura duma obra importante. Muitos biógrafos, assim, preferiram levar a sério o que escreveu o editor Schlesinger, trinta anos depois:
Em relação à frase enigmática Muss es sein? que surge no último quarteto, acho que posso explicar seu significado melhor do que a maioria das pessoas, pois possuo o manuscrito original com as palavras escritas por sua própria mão, e quando ele as enviou, ele também escreveu o seguinte; ‘Você pode traduzir o Muss es sein como uma demonstração de que tive azar, não só porque foi extremamente difícil escrever isso quando eu tinha algo muito maior em minha mente, e porque eu só o escrevi de acordo com minha promessa a você, e porque estou precisando desesperadamente de dinheiro – o que é difícil de conseguir; ocorreu também que estava ansioso para enviar-lhe a obra em partes, para facilitar a gravação, e em toda Mödling (onde ele vivia) não consegui encontrar um único copista, por isso tive de copiá-la eu próprio, e você pode imaginar que função foi isso!”
Imagino que alguma lágrima deva ter escapado a Schlesinger ao receber as partes passadas a limpo nos hieróglifos de Beethoven, mas o que ele alegava (e que não podia provar materialmente, pois o bilhete do compositor se perdera num incêndio) realmente tinha fundamento. Que Ludwig precisava desesperadamente de dinheiro, isso nunca foi qualquer novidade (e foram poucas as postagens em nossa série em que não mencionamos suas aperturas financeiras); e o algo “muito maior” em sua mente bem que poderia ser a tentativa de suicídio de seu sobrinho Karl, que continha mais um pedido de socorro do que uma verdadeira intenção de matar-se, e que certamente carcomeu qualquer improvável reserva monetária que tivesse. No entanto, Beethoven não estava em Mödling, e sim em Gneixendorf, o que indica que, talvez, Schlesinger tenha tomado algumas licenças poéticas para com sua memória.
Qualquer que fosse a difícil decisão, ela também envolveu alguma indecisão sobre como intitulá-la: Beethoven hesitou entre der gezwungene Entschluss (“a decisão forçada”) e der harte Entschluss (“a dura decisão”) antes de chegar ao título definitivo. E parece mesmo que ela não foi firme, pois – após a introdução com a pergunta lenta e a resposta exultante – o movimento segue lépido até que, surpreendentemente, o tema da pergunta retorna, como uma soturna nota de advertência. Por fim, ele parece repelido por um episódio à maneira de dança e uma coda imensamente assertiva.
Um dos primeiros biógrafos de Beethoven encontrou a seguinte nota, com a medonha letra do compositor:
Aqui, meu caro amigo, está o meu último quarteto. Será o último; e de fato me deu muitos problemas, pois não consegui compor o último movimento. Mas como as suas cartas estavam a lembrar disso, no final decidi compô-lo. E é por isso que escrevi o lema: “A difícil resolução – Deve ser? – Deve ser, deve ser!”
Embora alguns estudiosos afirmem que Beethoven pretendesse inaugurar com o Op. 135 uma nova série de quartetos, ele não deixou qualquer anotação legível para algum outro. O enigmático movimento “Tem que ser?” acabou por encerrar a última obra que completaria. Depois dela, ainda escreveria o “Pequeno Finale” do Op. 130 – aquele que substituiu a Grande Fuga, extirpada para publicação separada – e faria outros esboços na tranquilidade de Gneixendorf, a uns 60 km de Viena, onde seu irmão Johann tinha uma propriedade rural. A bucólica estadia, no entanto, chegou a fim num tradicional acesso de cólera beethoveniana – e, no caso, envolvendo não apenas um, mais dois Beethovens – que o levou a deixar Gneixendorf intempestivamente. Conta-se que, por questão de orgulho, Ludwig se recusou a tomar emprestada a carruagem de Johann, e voltou numa carroça de leite aberta, em passos de formiga, no gelado inverno austríaco. Como a carroça não o levaria até Viena – talvez porque o carroceiro tenha se cansado dele -, passou uma noite numa espelunca sem aquecimento. Quando enfim chegou em casa, seus cinquenta e seis explodidos anos e a exposição insensata ao frio apresentaram-lhe a conta: uma dor aguda nos flancos e muita tosse.
A morte, com que sua carcaça flertara por toda a vida, fora finalmente convidada a entrar.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
5 – Allegretto
6 – Vivace
7 – Lento assai, cantante e tranquillo
8 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria 7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
1 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
2 – Allegro molto vivace
3 – Allegro moderato – Adagio
4 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
5 – Presto
6 – Adagio quasi un poco andante
7 – Allegro
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
8 – Assai sostenuto – Allegro
9 – Allegro ma non tanto
10 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
11 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
12 – Allegro appassionato
Ouvi tantas vezes e amo tanto a Sinfonia Concertante K. 364 que me tornei muito exigente. Ela está presente não apenas no filme Amadeus (1º movimento) como em Afogando em Números (2º movimento), de Peter Greenaway, lembram? Acho que os excessos românticos de Dumay lhe caíram mal. Para piorar, o homem ainda é o regente, ou seja, foi quem mandou a orquestra comportar-se da forma estranha e cheia de pompa e retórica como ela faz aqui. Claro que é um bom disco do ponto de vista técnico, mas não tão bom assim artisticamente. É minha opinião. Muito melhores são esta versão e principalmente esta. O restante do disco vem com obras menos conhecidas de Mozart e o prazer de ouvir obras menos divulgadas supera qualquer restrição. Um bom disco para quem gosta de um Mozart mais romântico.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Sinfonia Concertante K. 364, Rondo K. 373, Adagio K. 261, Concerto for Violin and Orchestra n°2 K. 211 (Dumay, Hagen)
01. Sinfonia Concertante in E flat major, K. 364 (320d) 1. Allegro maestoso
02. Sinfonia Concertante in E flat major, K. 364 (320d) 2. Andante
03. Sinfonia Concertante in E flat major, K. 364 (320d) 3. Presto
04. Rondo in C major, K 373 Allegretto grazioso
05. Adagio in E major, K. 261
06. Concerto for Violin and Orchestra no. 2 in D major, K. 211 1. Allegretto mode
07. Concerto for Violin and Orchestra no. 2 in D major, K. 211 2. Andante
08. Concerto for Violin and Orchestra no. 2 in D major, K. 211 3. Rondeau. Allegro
Varíola, asma, diarreia; melancolia, hemorroidas, tifo; febres intermitentes, abscessos na mão e na mandíbula, mais diarreia; zumbido e surdez progressiva; reumatismos, icterícia, e sempre diarreia; gota, bronquites, pneumonias; por fim, ascite, peritonite e óbito.
Estar vivo, para Beethoven, sempre foi um fenômeno, e qualquer um que leia a lista abreviada de suas agruras de saúde – às quais se somava o notório alcoolismo – surpreende-se com que ele tenha chegado aos cinquenta e seis anos. A morte, aliás, sempre foi um tema recorrente em sua existência. Perdera irmãos recém-nascidos; perdera Maria Magdalena, sua querida mãe, para a tuberculose; morreu-lhe o pai, Johann, um alcoolista violento, deixando-o responsável pelos irmãos; mais tarde, a constatação da surdez leva-o a contemplar o suicídio, conforme contou-nos pelo Testamento de Heiligenstadt; anos depois, morre seu irmão Caspar Karl, também vítima de tuberculose, legando-lhe o cuidado de Karl, seu sobrinho; após encarniçada batalha judicial com a mãe de Karl, por fim, este tenta se matar. Para alguém de existência e derredores tão mórbidos, até que o resiliente Beethoven se saiu admiravelmente bem em manter-se vivo.
No inverno de 1824, no entanto, a morte chamou-o para conversar. Passou vários meses gravemente enfermo, com uma violenta inflamação intestinal, e a sangrar por todos os orifícios. Seu médico mandou-o para um spa onde, muito a contragosto, manteve-se longe do goró e de sua comida favorita, a sopa alemã de bolinhos de fígado (Leberknödelsuppe). Passou quase a estação toda acamado, excretando pestilências, enquanto escrevia aos amigos em tom de despedida, na certeza de que não veria a primavera.
Contrariando as expectativas, a primavera lhe chegou. Retornou ao trabalho e aos quartetos que prometera ao príncipe Golitsyn. Para o segundo deles, escreveu um dos cumes de toda Música: o autoexplicativo Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der lydischen Tonart (“Cânticode Agradecimento à Divindade por um Convalescente, no Modo Lídio”), coração cálido do mais ossudo de seus quartetos da maturidade. Escrito no modo lídio – que aqui corresponde às teclas brancas do piano, de um Fá a outro -, o “Cântico” é uma obra francamente devocional que remete à música sacra de Palestrina, interrompida por momentos jubilosos, na radiante tonalidade de Ré maior, aos quais Beethoven apôs a descrição Neue Kraft fühlend (“Sentindo nova força”). Volto a ele sempre que posso – afinal de contas, as moléstias incuráveis do mundo assim me exigem – e ele nunca deixa de me impressionar. É daqueles momentos que justificam toda Arte, todos os ouvidos, e a própria existência do som.
Admito que, muitas vezes, revisito o Cântico sem passar por seus movimentos vizinhos. Naturalmente, ele soa muito diferente fora de seu contexto original. Antecedem-no um constrito e turbulento movimento de abertura, e um minueto com scherzo que pouco fazem por aliviar a sensação opressiva. Vem o Cântico, que soa libertador, e parece não se extinguir, e sim dirigir-se ao espaço – e nenhuma surpresa poderia ser maior que a impetuosa, crua marcha que o segue imediatamente. Ela logo desemboca um tenso recitativo, muito evocativo dos recitativos para cordas que abrem o Finale da Nona Sinfonia, e que se resolve num Allegro que foi esboçado exatamente para o Finale da Nona. Tenso e turbulento como o movimento de abertura, ele só alivia a opressão nos compassos finais, que soam incrivelmente parecidos com os que encerram a Grande Fuga, terminando em tonalidade maior.
Lembro que, numa conversa online, enquanto discutíamos no grupo de autores aqui do blog a beleza avassaladora do Cântico, ocorreu a nosso patrão PQP perguntar que tipo de doença tão terrível seria capaz de prostrar um homem a ponto de fazê-lo agradecer de maneira tão maravilhosa por sua recuperação. Eu, que nas minhas horas vagas tento ajudar as pessoas a se manterem vivas, tentei dar-lhe uma descrição detalhada do mal de Ludwig, com todos dissabores e fedores. Acredito tê-lo traumatizado para sempre, e aposto que até hoje suas narinas evocam memórias do que lhe descrevi cada vez que escuta o Cântico. Já eu, ao ouvi-lo, e acostumado pela profissão a não me impressionar com a podridão de que nossa sarx é capaz, não canso de reverenciar o mestre renano que carregou seu saco de tripas até onde pôde e, em angústias de morte, soube elevar seu canto à Música das Esferas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria 7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
The Juilliard Quartet:
Robert Mann e Earl Carlyss, violinos
Samuel Rhodes, viola
Joel Krosnick, violoncelo
Assim começa a carinhosa homenagem que Beethoven fez a seu amigo de longa data, o violinista Ignaz Schuppanzigh, no curto cânone lisonjeiramente intitulado Lob auf den Dicken (“Louvor ao Gordo”). Nenhum dos dois imaginaria que, duzentos e tantos anos depois, suas piadas de quinta série tivessem não só sido publicadas como disponíveis a zilhões de pessoas através de gravações e redes sociais.
Em magros tempos, bem antes daqueles em que Beethoven se divertia ao vê-lo chegar a seu bagunçado apartamento em estado pré-óbito, depois de subir quatro lances de escadas, Schuppanzigh ensinou violino ao boçal amigo, que já aprendera violino e tocara viola profissionalmente em Bonn – e, sim, admito que gostaria de viajar no tempo não só para conhecer Beethoven, mas abastecer Schuppanzigh com piadas de violistas e ajudá-lo a ir à forra.
Beethoven, aparentemente, não detinha o monopólio das piadas sobre Schuppanzigh
Não sei lhes dizer para que as lições de violino serviram a Ludwig, mas a amizade entre eles sustentou-se, entre raios e trovões, até o final da vida de nosso herói. Mais ainda: afora as piadas e incursões trêbadas por tavernas e zonas de baixo meretrício, Schuppanzigh foi fundamental para que Beethoven revolucionasse o quarteto de cordas. Até então, as obras do gêneros eram executadas por amadores hábeis ou profissionais esporadicamente reunidos. O “patife” liderou o que foi provavelmente primeiro quarteto de cordas estável e profissional, que serviu ao príncipe Lichnowsky e, posteriormente, ao conde Razumovsky, que encomendara a Beethoven os três quartetos que eternizariam seu nome. A determinação de Ludwig em expandir os então quadradinhos limites do gênero agradeceu a oportunidade de dispor de um quarteto permanente de grandes músicos disponíveis para ensaiar e apresentar as desafiadores obras que lhes escreveria e, a partir daí, não parou de abastecê-los com obras-primas.
O quarteto do conde terminou juntamente com seu palácio vienense, que pegou fogo, o que fez Schuppanzigh mudar-se para São Petersburgo. Quando voltou, a tempo de servir de spalla na estreia da Nona Sinfonia, reestabeleceu seu quarteto com músicos mais jovens, com os quais passou a apresentar-se num inédito sistema de assinaturas. Beethoven, que aceitara a encomenda de três quartetos pelo príncipe Golitsyn, naturalmente confiou ao velho amigo suas estreias. A primeira delas foi a do Op. 127, que, como vimos, acabou num fiasco creditado por Ludwig – a quem mais? – à corpulência do violinista, tanto pela alegada lentidão da performance quanto pelos problemas de entonação de seus gordos dedos. Numa prova sem precedentes de amizade, Beethoven – que não era exatamente conhecido por praticar o perdão – acabou livrando a barra de Schuppanzigh e mantendo sob suas responsabilidade as demais estreias.
Fico imaginando o que passou pela cabeça do Dicke, que já tinha queimado sua cota de tolerância com o compositor, quando ele recebeu a partitura do Op. 130 e viu seu último movimento. Em lugar dum finale espirituoso, consonante com leveza da maioria dos cinco movimentos precedentes, lá estava uma assim intitulada “Overtura” que começava com um violento Sol em uníssono e, após alguma hesitação murmurante, redundava em algo chamado “Fuga” que, evidentemente, era muito diferente de qualquer coisa que já existira. Além de modulações inusitadas, os temas angulosos a provocarem incontáveis dissonâncias, a completa falta de empatia com os músicos, tanto individualmente (com as partes dificílimas) quanto para o conjunto… Meu palpite é que, ao folhear as páginas, Schuppanzigh – que já achara complicado ensaiar os sinfônicos quartetos para Razumovsky – tenha sido invadido por um misto de horror e desespero. Acima de tudo, devia morder-lhe a inevitável pergunta: como tocar aquela criatura transcendentalmente difícil, e tão completamente sem precedentes e concessões?
Certamente não o perguntaria a Beethoven, que tinha por aquela fuga tanta consideração que, como já lhes escrevi antes, chamou de jegues e vacuns aqueles que não pediram para bisá-la na estreia. Com o passar do tempo, o gado falante começou a espalhar a notícia de que talvez ele ficara louco, e de aplicar epítetos que iam de “incompreensível” a “horrendo” o movimento final do quarteto, que só poderia ser produto de surdez e desatino. O compositor sempre defendia com ferocidade suas convicções e não agiu diferentemente: ainda que várias vezes na carreira demonstrasse insegurança a respeito da aceitação de suas obras, e tenha muitas vezes substituído movimentos inteiros nesse sentido – como, por exemplo, Andante favori que limou da “Waldstein” e o finale original da sonata “Kreutzer, que acabou migrando para a Op. 30, no. 1 -, afirmou que nada mudaria em sua Grande Fuga.
Ao editor Artaria, que já tinha pago a Beethoven o valor estipulado para publicação, só cabia a resignação. Enquanto preparava os clichês, no entanto, ocorreu-lhe que talvez pudesse mudar a posição do legendário turrão ao tocar-lhe nos infalíveis pontos fracos: a vaidade, o bolso e os amigos.
Artaria começou pela vaidade, e perguntou a Beethoven se ele se disporia a fazer uma transcrição da Grande Fuga para duo pianístico. A oferta foi recusada, pois Ludwig já se via envolto nos trabalhos do monumental quarteto seguinte (Op. 131), que prometera a outro editor, mas resolveu depois ele próprio fazê-la, porque odiou a transcrição feita por outro compositor contratado por Artaria. O resultado desse trabalho (publicado após sua morte sob o Op. 134) foram alguns tostões e a firme consideração de que a Grande Fuga, que agora revisitava, tinha plenas condições de manter-se como uma obra independente.
Artaria, então, resolveu acariciar-lhe o bolso. Como não era louco nem nada, não tratou diretamente com a fera, e sim acionar um amigo de Beethoven para convencê-lo a substituir o final. E, nessa guerrilha negociatória, o editor tocou em seu terceiro ponto sensível: a opinião dos amigos mais próximos, que sempre levava em conta para todas decisões que tomava, exceto em sua falida vida amorosa.
Imagino que tenha conversado com Schuppanzigh e que este tenha refugado, com medo de se queimar outra vez com o amigo. A opção mais óbvia, no entanto, era Karl Holz, também amigo de Beethoven e, mais importante, seu secretário desde que o velho factotum Schindler fora demitido. Nas palavras de Holz:
Artaria encarregou-me da terrível e difícil tarefa de convencer Beethoven a compor um novo finale, mais acessível aos ouvintes e também aos instrumentistas, para substituir a fuga tão difícil de compreender. Afirmei a Beethoven que essa fuga, que se afastou do ordinário e ultrapassou até os últimos quartetos em originalidade, deveria ser publicada como uma obra separada e que também merecia uma designação separada. Comuniquei-lhe que a Artaria estava disposto a pagar-lhe honorários suplementares pelo novo final. Beethoven disse-me que iria refletir sobre isso, mas já no dia seguinte recebi uma carta dando sua anuência.
Vencido pela vaidade, pelo bolso e pelos amigos, Beethoven preparou rapidamente o finale alternativo – a última peça que completaria, e que, assim como a Grande Fuga e os últimos quartetos, não veria publicada.
ooOoo
Analisar a Grande Fuga é tarefa, talvez, tão árdua quanto tocá-la. Claro que não o farei aqui, até porque como obra sui generis e criação mais radical de Beethoven, talvez nunca haja uma análise formal que lhe faça jus. Já mencionamos, em postagem anterior, a permanente discussão sobre se deve ou não tocar como final do Op. 130. Hoje, nós a oferecemos como peça independente, bem de acordo com alguns comentadores que a consideram uma obra de vários movimentos embrulhados no mesmo saco rosnante. Não acredito que ela seja, como sugerem outros, uma paródia da fuga barroca. Prefiro pensá-la como um paralelo fugal ao que as “Variações Diabelli” foram para seu gênero: uma reverência a uma forma tradicional, feita de maneira que sua premissa fundamental – no caso da fuga, a repetição do tema e do contratema em diferentes vozes – acaba expandida, contraída, dilacerada e transformada de modo a oferecer algo totalmente novo. E a dedicatória ao arquiduque Rudolph, cujo nome já adornava as capas das edições do trio “Arquiduque”, da sonata “Hammerklavier”, da Missa Solemnis e das próprias “Diabelli”, confirma a prática de Beethoven de consagrar aqueles que considerava seus pináculos, seus testamentos nos gêneros que tanto ajudara a expandir, a seu amigo e mais generoso patrono.
Depois do rechaço inicial, que perdurou até meados do século passado, a Grande Fuga passou a ter o merecido reconhecimento como a mais visionária das obras de Beethoven. Deixo que o atestem pessoas mais capazes do que eu. Igor Stravinsky, por exemplo, que trouxe Paris abaixo com a “Sagração da Primavera”, disse sobre ela o seguinte:
A Grande Fuga agora me parece o milagre mais perfeito da música (…) É também a peça musical mais absolutamente contemporânea que conheço, e será contemporânea para sempre… Quase nada datada por sua idade, a Grande Fuga é, só no ritmo, mais astuta do que qualquer música do meu século … Eu a amo acima de tudo”
Glenn Gould, apesar das grandes e controversas gravações que nos legou das obras do renano, tinha a pior opinião possível sobre o Beethoven tardio, também era fã confesso do Leviatã fugal:
Para mim, a Grande Fuga não é tão só a maior obra que Beethoven jamais compôs, mas também a mais surpreendente peça da literatura musical
A Segunda Escola de Viena, claro, não deixaria de amá-la, tampouco. Oskar Kokoschka chamou-a de “berço” de Arnold Schoenberg, que foi um dos mais ferrenhos opositores que se tem registro à prática de substituir, na execução do Op. 130, a Grande Fuga pelo chamado “pequeno final”. Essa afinidade óbvia com a linguagem musical dum movimento que só teria voz mais de oitenta anos depois da morte de Beethoven ajuda a explicar por que os registros que ora lhes apresento nasceram clássicos e assim sempre se manterão. O quarteto LaSalle, afinal, criou sua reputação justamente sobre o repertório da Segunda Escola de Viena e não é à toa, portanto, que a Grande Fuga apareça como o final do Op. 130. Esse recuo às raízes mais remotas do movimento vienense dá aos registros do LaSalle o corte afiado e o sotaque moderno que levaram os derradeiros quartetos de Beethoven a permanecerem por tanto tempo na ilha dos visionários epígonos. Ainda que tenda a preferir, para cada quarteto, interpretações de outros conjuntos, o LaSalle me é insuperável em sua qualidade de tratar os quartetos como um coerente conjunto e, em particular, a Grande Fuga como a pua radical da obra de Beethoven.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo 6 – Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133: Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda
7 – Finale: Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Hoje vamos trazer aos amigos do blog mais um grande compositor de trilhas sonoras: Patrick Doyle, ele nasceu em 6 de abril de 1953 em Uddingston , South Lanarkshire , Escócia . É um compositor com formação clássica que estudou na Royal Scottish Academy of Music e um colaborador de longa data do ator-diretor Kenneth Branagh.
Para começar: como uma trilha sonora como esta fica meio assim que desconhecida. Seria por causa do filme que ele não é “adequado para as massas” em termos de entretenimento? É certo que não é uma degustação leve, difícil de digerir e certamente não é adequado como um álibi de fundo para casais que querem se presentear com uma “aconchegante noite de cinema” como me arriscarei a comentar abaixo. Na opinião deste nulo admirador esta trilha sonora é apenas maravilhosa. Tá certo que estou caindo na mesmice, tudo é maravilhoso e lindo, mas esta…. putz sim é, e muito. Certa vez estava eu ouvindo no rádio a faixa “The Wedding Night” (faixa 21 do CD) e gostei tanto da peça que no fim de semana seguinte fui atrás de comprar a trilha. Não sei como achei o CD e lá estava ele com a capinha rachada no meio daqueles baldes de CDs encalhados em promoção que tinha nas lojas do centro de Sampa. Ouvi diversas vezes o CD nos dias seguintes. Que ma-ra-vi-lha !
Helena Carter e Kenneth Branagh na cena “The Wedding Night”
O tema de ” The Wedding Night” é o tema romântico e muito tocante de Elizabeth (Helena Bonham Carter), ele percorre toda a trilha sonora e é repetidamente interrompido por inserções enormes, e é executado integralmente na faixa 22 “Elizabeth”. Este único tema suave e pausado e o contraste violento também mostram o confronto entre Elizabeth e seu amante, Victor Frankenstein (Kenneth Branagh). Outra grande parte é “The Creation” (faixa 9), uma explosão com cerca de um minuto de instrumentos enfurecidos acompanhada por uma série de batidas consistentes dos tímpanos. As trombetas fazem você estremecer de deleite, e a imagem de Victor correndo pelo sótão, em formato de catedral, com o manto longo e esvoaçante torna-se cristalina. A impressão geral da trilha sonora parecia confusa e pouco clara após a primeira audição. Isso é causado pela orquestra enorme e densa (uma orquestra completa foi necessária para a gravação!). As faixas são vibrantes, Doyle não se preocupou em dar “prazer de audição agradável e variada”, mas sim esta é uma obra orquestral baseada e classicamente estruturada em “leitmotif”. As nuances e ideias sutis do compositor tornam-se claras (às vezes você também pode ouvir ecos respeitosos ao estilo do compositor Vaughn-Williams, esta referência veio ao escrever estas mal traçadas linhas enquanto ouço novamente a trilha), e quanto mais vezes você ouve a trilha sonora, mais há para descobrir ! Eu posso comparar (posso estar errado) à um poema sinfônico. Esta obra é acima de tudo uma experiência de audição mais complexa, mas nunca entediante.
Os amantes da música densa de Wagner, talvez gostariam do seu design sinfônico – como um tipo especial de música para cinema. O uso de muitos instrumentos ao mesmo tempo para criar uma sensação de tensão é surpreendente e, combinado com o movimento ininterrupto da câmera, mantém a ação em movimento. É uma ótima trilha sonora que sincroniza totalmente com os visuais que foi planejada. Boyle incluiu momentos suaves que refletem os interesses amorosos de Victor Frankenstein e vai para uma música poderosa enquanto cria um monstro que ele não pode mais controlar. A música de encerramento do filme é uma das melhores músicas que já ouvi de Doyle, tão poderosa quanto a música que ele compôs para o filme Henrique V.
Quando assisti ao filme, praticamente sabia as sequencias da trilha de cor, e foi uma experiência diferente, arrepiante, estupenda. Me levou para o verdadeiro poder emocional do filme, permitindo experimentar os sentimentos dos personagens, bem como o horror da própria história. Recomendo fortemente que os amigos do blog, que gostam de música descritiva, baixem esta incrível obra. Totalmente comovente e muito contundente, intensa e poderosa, chocante, violento e às vezes perturbador, que é o que eu gosto mesmo na música para cinema e, acredito, um CD obrigatório para a coleção de qualquer fã de trilha sonora, bem como para os fãs do filme de Kenneth Branagh e do Robert de Niro (a criatura).
Patrick Doyle
No encarte do CD Patrick Doyle nos conta: “Antes do início das filmagens, Ken me pediu para escrever uma melodia para um do poema de Byron, já que o plano inicial era ter uma música apresentada durante a cena do salão de baile. A ideia acabou sendo descartada, mas o tema permaneceu é o tema do amor, apresentado integralmente na cena “The Wedding Night”. O filme Frankestein tem inúmeras referências religiosas a Deus, à imoralidade e a criação da vida. Este foi um elemento crucial para eleborar e fica mais aparente quando Victor está se afastando do monstro, que está suspenso como o Cristo na Cruz nas vigas da magnífica “catedral” de Victor – o sótão (projetado por Tim Harvey). Havia muitos outros elementos dramáticos a serem abordados. A sensação subjacente de mau presságio, a obsessão de Victor em criar vida, a história de amor e as jornadas épicas, literal e figurativo, de Victor e sua criação. “The Creation” e “Elizabeth” foram dois grandes momentos orquestrais desafiadores, enquanto outras cenas mais íntimas, como ” She-s Beautiful” e ” Yes I Speak”, pediram uma menor força orquestral. O álbum é dedicado à memória do meu velho amigo, Denis Clarke, que morreu enquanto eu escrevia esta partitura.
Patrick Doyle, setembro de 1994.”
O Filme
Existe uma infinidade de adaptações para a obra de Mary Shelley, poucas são dignas de nota, e a maioria são deturpações que ridicularizam a criatura. Vou dar um “spoilerzinho” só: o principal aspecto desta versão reside em sua discussão moral que pode ser resumida em uma única pergunta: quem é, afinal, o “monstro” da história: a criatura sem nome (é comum, o equívoco de se referir a ela como “Frankenstein”) ou o homem que a concebeu ? Ou ainda a própria Humanidade, que aqui é sempre retratada como uma turba violenta e irracional disposta ao linchamento e a expulsar aqueles a quem julga estranhos ? Um belo exemplo é a maravilhosa cena na caverna de gelo, quando a Criatura indaga: “- Eu tenho uma alma ? Ou você se esqueceu desta parte? Quem eram estas pessoas das quais fui constituído? Pessoas boas? Pessoas más? (…) Sabia que eu sei tocar (flauta)? Em que parte de mim residia este conhecimento? Nestas mãos? Nesta mente? Neste coração? E ler? E conversar? Não foram coisas aprendidas, mas… lembradas. (…) Alguma vez você ponderou as conseqüências dos seus atos? (…) Quem sou eu?”
De Niro
E a resposta de um Victor Frankenstein exausto e derrotado? “Eu não sei.” – um momento-chave do filme que leva o “monstro”, num reconhecimento irrefutável do caráter falho de seu criador, a dizer: “E você pensa que eu sou mau”….. Seja como for, mais importante do que a tecnofobia da narrativa é sua mensagem humanista – e, mais uma vez, é admirável que esta seja representada justamente por um dos “monstros” mais famosos do Cinema. E se antes a criatura era vista como um ser relativamente irracional e quase sempre estúpido, aqui se torna motivo de lágrimas vê-la exibir uma postura comovente de Fé na Humanidade ao dizer: “Pela compaixão de um único ser vivo eu faria as pazes com todos” – o que, por contraste, acaba ressaltando a mágoa contida em sua última frase no filme: “Estou farto do Homem”. Uma performance impecável do Robert de Niro como “a criatura”. (texto baseado na publicação de Pablo Villaça).
A belíssima trilha sonora conectadíssima com as cenas teremos o imenso prazer de compartilhar com os amigos do blog, trilha densa e dramática, sobretudo belíssima orquestração do Patrick Doyle !
Frankestein – Patrick Doyle
01 To Think Of A Story
02 What-s Out There_
03 There-s An Answer
04 I Won-t If You Won-t
05 A Perilous Direction
06 A Risk Worth Taking
07 Victor Begins
08 Even If You Die
09 The Creation
10 Evil Stitched To Evil
11 The Escape
12 The Reunion
13 The Journal
14 Friendless
15 William!
16 Death Of Justine _ Sea Of Ice
17 Yes I Speak
18 God Forgive Me
19 Please Wait
20 The Honeymoon
21 The Wedding Night
22 Elizabeth
23 She-s Beautiful
24 He Was My Father
Music Composed by Patrick Doyle
Music Conductor: David Snell
Orchestra Assembled by Tonia Davall
Um dos mais curiosos subprodutos da treta envolvendo o finale original do Quarteto Op. 130, doravante denominado “Grande Fuga”, foi esta transcrição para piano feita, no que a tornaria por si só muito especial, pelo próprio Beethoven.
No início de 1826, o editor Artaria preparava em suas oficinas a publicação do Op. 130, estreado no ano anterior com boa acolhida para cinco de seus seis movimentos, exceto a gigantesca e largamente incompreendida fuga final. A ideia de substituí-la por um final mais convencional não tinha sequer sido trazida à tona quando Artaria perguntou a Beethoven se poderia fazer-lhe um arranjo da fuga para piano a quatro mãos. Arranjos assim eram de praxe para a divulgação de música orquestral e de câmara, que assim poderia ser ouvida em qualquer lugar onde houvesse um piano e dois pianistas, e eram lançados pouco depois das obras de referência. A alegação do editor era de lhe tinham manifestado interesse, mas a proposta não veio acompanhada de remuneração interessante, então Beethoven lhe deu de ombros e Artaria solicitou pediu a outro compositor que lhe fizesse a empreitada. Quando a transcrição foi mostrada a Beethoven, este indignou-se com o que considerou simplificações e concessões a amadores e resolveu ele próprio fazer, em tempo recorde, sua transcrição bastante literal da obra, que acabou publicada após sua morte sob o Op.134 e com o mesmo dedicatário da “Grande Fuga” para quarteto de cordas – o arquiduque Rudolph.
Essa história toda é muito esquisita, pois seria improvável que uma obra tão unanimemente detestada por seus contemporâneos fosse suscitar solicitações de seus arranjos ao editor, se nem hoje, em tempos que veem a “Grande Fuga” ser considerada um dos pináculos da Música de concerto do Ocidente, nós ouvimos o Op. 134 executado com frequência, e muito menos neste ano de jubileu de Beethoven. Houve sugestões de que essa fosse tão só a estratégia de Artaria para, comendo pelas bordas e evitando confrontos diretos com o irascível compositor, tentar convencê-lo a publicar a “Grande Fuga” em separado.
Se foi isso mesmo, funcionou: Beethoven fez seu arranjo com evidente zelo, sem nada facilitar para os executantes (e ele não poderia se preocupar menos com isso) e, pelo jeito, constatou que aquele finale monumental poderia ter, sim, vida própria. Não se sabe ao certo quem estreou o arranjo, nem quando isso aconteceu. O fato é que ele é pouquíssimo tocado e gravado, salvo na proximidade de jubileus como o de agora. Entre o punhado de gravações novas que ouvi do Op. 134, uma das que mais me atraiu foi a do duo húngaro Izabella Simon-Denes Várjon. Neste álbum, a “Grande Fuga” encerra uma procissão de obras bem diversas para duo pianístico, começando pelos estudos que Schumann escreveu para o piano com pedaleira, no surpreendente arranjo de Debussy, passando pelo grande duo “Lebenssturme” de Schubert e por um dos mais óbvios frutos do devotado estudo que Mozart fez da obra de Bach, a Fuga K. 401. Embora prefira a versão original, com seus ataques furiosos às cordas e todo colorido tonal de quatro instrumentos incandescentes, reconheço que o arranjo de Beethoven lhe dá mais clareza e transparência. Simon e Várjon – que, a julgar pela pose arrulhante na capa do álbum, devem dividir além do teclado também os lençóis – saem-se muito bem, quase a ponto de agradecermos a Artaria por sua convoluta tentativa de manipulação.
Ponto para Artaria, e parabéns aos músicos. Merecem os lençóis.
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856) Seis estudos canônicos para piano de pedaleira, Op. 56 Arranjo para dois pianos por Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
1 – Pas trop vite
2 – Avec beaucoup d’expression
3 – Andantino
4 – Espressivo
5 – Pas trop vite
6 – Adagio
Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Allegro em Lá menor para piano a quatro mãos, Op. Posth. 144, D. 947, ‘Lebenssturme’
7 – Allegro
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Fuga em Sol menor, K. 401 (375e) para piano a quatro mãos
8 – [sem indicação de andamento]
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Grande Fuga em Si bemol maior, para piano a quatro mãos, Op. 134 Composta em 1826 Publicada em 1827 Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria 8 – Overtura. Allegro – Fuga. Allegro – Meno mosso e moderato – Allegro – Allegro molto e con brio – Allegro molto e con brio
Neste dia muito musical aqui em casa, lá vai outro CD. Gosto muito de Gismonti, muito mesmo. Este belo CD não chega a ser uma anormalidade em sua carreira ultra produtiva. Com dificuldades para gravar no Brasil, Gismonti encontrou ancoradouro na grande ECM de Manfred Eicher, onde gravou dezenas de CDs para nosso prazer. Destaque para a extraordinária Infância e 7 Anéis, mas tudo é bom nesta grande gravação de Gismonti com amigos.
Egberto Gismonti Group – Infância (1991)
01. Ensaio De Escola De Samba (Danca Dos Escravos) 8:47
02. 7 Anéis 9:07
03. Meninas 7:14
04. Infância 10:45
05. A Fala Da Paixao 6:09
06. Recife & O Amor Que Move O Sol E Outras Estrelas 10:58
07. Danca №1 5:18
08. Danca №2 4:07
“A peça mais sobre-humana de música que Beethoven escreveu”.
“Inefável”.
“Pináculo”.
“Inexaurível”.
“Zênite”.
“Santo Graal”.
Mesmo num mundo de superlativos como é o dos últimos quartetos de Beethoven, o quarteto em Dó sustenido menor parece conjurar todos eles. Ainda que cada ouvinte tenha seu par de quartetos preferidos, há razoável consenso de que o Op. 131 seja o maior deles em termos de escopo, ousadia e experimentação. Richard Wagner, que não era exatamente uma pessoa afeita a elogios (que não fossem, claro, à sua própria pessoa), assim descreveu a obra-prima, em seu tradicional estilo über-enfático, por ocasião do centenário de Beethoven, em 1870:
Esta é a dança do mundo inteiro: a alegria selvagem, o lamento da dor, o veículo do amor, felicidade suprema, tristeza, frenesi, tumulto, sofrimento, os relâmpagos bruxuleantes, o rugido dos trovões: e, acima disso, o estupendo violinista que tudo carrega e une, que o conduz com altivez de redemoinho em redemoinho, à beira do abismo – ele sorri para si mesmo, pois para ele essa feitiçaria era uma mera brincadeira – e a noite lhe acena. Seu dia acabou.
Talvez o melhor veredito seja o de Franz Schubert, outro gênio da Música, que em seus derradeiros dias pediu para escutar este quarteto – que, ao que tudo indica, foi a última música que ouviu – e comentou:
Depois disso, o que nos resta mais escrever?
Talvez nem Beethoven soubesse.
Depois duma vida toda a compor quartetos sob os estritos conformes legados por Haydn – quatro movimentos, um Allegro em sonata-forma, um movimento lento seguido dum Scherzo, etc. -, ele passou a romper com as convenções para expandir seus quartetos e permitir-se experimentações. A mudança mais óbvia nesse sentido foi no número de movimentos. Se levarmos em conta a ordem cronológica da composição dos últimos quartetos, percebemos um aumento gradativo do número de movimentos: o Op. 127 tem quatro; o Op. 132, cinco; no Op. 130, são seis, e o Op. 131 tem sete. Mais ainda: Beethoven pretendia que o Op. 131 fosse tocado sem interrupções, mas numerou os sete episódios na partitura, para que fossem tratados com individualidade dentro do fluxo contínuo dos quase quarenta minutos de música.
Essa experimentação desenfreada tem explicação nas circunstâncias da composição. Depois de finalmente completar a encomenda dos quartetos dedicados ao príncipe Golitsyn (Opp. 127, 130 e 132), Beethoven viu-se livre e, como sempre, precisando de dinheiro. Estava muito contente em compor quartetos de cordas, e satisfeito com a acolhida que tivera a “Trilogia Golitsyn”, mesmo com sua profundidade e complexidade sem precedentes. Planejava assim, e com entusiasmo, escrever novas séries no gênero. Enquanto não chegavam novas encomendas, buscou produções independentes, e o Op. 131 foi vendido ainda nos planos para o editor Schott, de Mainz, que publicara a Nona Sinfonia. Durante a composição, uma anunciada desgraça surgiu: Karl, o sobrinho de Beethoven, tentou suicidar-se. Enquanto era socorrido, o rapaz alegou que o tio o perturbara muito, e insinuou que fora ele que o levara a dar-se um tiro na têmpora. De fato, Ludwig não largava do seu pé desde que vencera a feia batalha por sua custódia e, por mais que se esmerasse em pagar-lhe educação privada e prover-lhe o melhor que tinha, realmente o oprimia incessantemente. A gota d’água foi a descoberta de que Karl, para quem seu tio já traçara uma carreira acadêmica – que lhe era uma questão de honra, posto que tivera tão pouca educação formal -, desejava seguir a carreira militar, o que desencadeou uma nova onda de cólera e manipulação. O embate entre o turrão legendário e o jovem oprimido teve um vencedor surpreendente: depois de recuperar-se, Karl foi servir num regimento na Boêmia. Beethoven, pelo jeito, resignou-se com incomum facilidade, pois não só retomou os trabalhos no Op. 131, como acabou por dedicá-lo ao barão Joseph von Stutterheim, um marechal austríaco que o ajudou a colocar o garoto na caserna.
Esta obra-prima demonstra a incomparável capacidade de Beethoven de integrar seus múltiplos episódios e diversas tonalidades num só melífluo fluxo de música. É evidente que a análise formal pormenorizada duma composição como essa vai muito além do que cabe numa desimportante postagem de blog, mas os músicos entre vós outros certamente compreenderão o tamanho da proeza ao verem que a obra abre em Dó sustenido menor, e daí modula para Ré maior, Si menor, Lá maior, Mi maior e Sol sustenido menor, até voltar à tonalidade inicial.
Pela primeira vez desde a sonata Op. 27 no. 2, dita “Ao Luar”, de 1801 -coincidentemente, na mesma e incomum tonalidade de Dó sustenido menor -, Beethoven escolhe abrir uma obra com um movimento lento. Mais incomum ainda é ele fazer dele uma fuga solene e constrita, uma contrapartida austera às angulares selvagerias da Grande Fuga que originalmente finalizara o quarteto de cordas anterior. Entre todas suas composições fugais, talvez seja este Adagio ma non troppo e molto espressivo o que melhor reflita seu devotado estudo do Cravo bem Temperado daquele que chamava, com muito respeito, de Sebastian Bach, e cujas fugas copiara meticulosamente em seus cadernos de esboços. Ainda que ela evoque a fuga na mesma tonalidade do Primeiro Livro do Cravo, a obra de Beethoven parece conjurar muito mais a Arte da Fuga, com sua inabalável adesão às regrasdo contraponto e aos ditames da forma. Há quem escute nesse movimento ecos da conturbada religiosidade do compositor, ou mesmo a preocupação com sua morte próxima.
Eu nada disso escuto, e só consigo me comover enquanto a fuga, em vez de se resolver, vai se esvaindo no episódio seguinte que, na luminosa tonalidade de Ré maior e com a indicação de Allegro molto vivace, parece uma abertura convencional dum quarteto de cordas. Ele desemboca num brevíssimo episódio, em Si menor, que serve tão só de prelúdio ao cerne da obra, um tema em Lá maior com sete intrincadas variações, cada uma num andamento diferente e repletas do mais engenhoso uso das cordas que se poderia conceber, encerradas por uma coda que evanesce lindamente. Segue-se um scherzo cheio de humor demoníaco, com uma notável passagem sul ponticellopara os quatro instrumentos que intrigou os primeiros comentadores: teriam os ouvidos de Beethoven realmente escutado algo parecido antes, ou ele simplesmente inventara tudo lá do fundo do seu mundo de silêncio?
O scherzo é impetuoso e, comparativamente, convencional, e quase não permite conjeturas: logo vem um Adagio, hã, quase un poco andante, ainda mais curto, e que é notório pela citação de Kol Nidrei, a sentida prece judaica do Yom Kippur:
Muito já se discutiu sobre o que teria levado Beethoven, um cristão nada devoto que jamais demonstrara interesse pelo judaísmo, a citar uma melodia judaica de modo tão explícito. Há quem diga que ele chegou a Kol Nidrei por interesses correlatos depois de estudar o Saul de Händel, a quem idolatrava, aliás mais que Bach. O mais provável, entretanto, é que ele tenha citado a melodia porque a ouvira e gostara dela – e o mais comovente, que suas memórias de Kol Nidrei certamente não eram vienenses, posto que as sinagogas na capital imperial só foram permitidas quando ele já estava surdo, esim de sua distante Bonn natal, e de sua pequena sinagoga, não muito longe da casa em que nasceu.
O final retorna a Dó sustenido menor, com muita aspereza, que logo se dilui num tema sombrio, a que se seguem outros, decididamente tristes e melancólicos. O material temático dos episódios anteriores ressurge, num precedente visionário da forma cíclica que Liszt e, principalmente, Franck consolidariam décadas depois. A música encaminha-se quase para a sonata-forma, até que o desenrolar da coda (eu adoro as escalas descendentes!) muda completamente seu caráter e a leva para uma assertiva conclusão com acordes em maior, à maneira do surpreendente final do “Quarteto Serioso”, Op. 95.
Beethoven, ao que tudo indica, considerava o Op. 131 como seu quarteto preferido. Ainda que o tenha descrito a um amigo como “feito com coisas roubadas daqui e dali”, também lhe afirmou que “encontrou um novo caminho na escrita de partes e, graças a Deus, menos falta de imaginação que antes”.
Além de gênio da Música, um rei da Comédia.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria 7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Pelas barbas do profeta, PQP …!!! Hélène Grimaud tocando Gershwin e Ravel… aqueles viciados em Martha Argerich, Pollini, ou sei lá em qual outro intérprete para estes concertos, prestem atenção nestas gravações.. e não é que a francesinha dá conta do recado como gente grande (as aparências enganam, ela já tem 40 anos de idade)? E não se deixem enganar por este lindo rosto e nem por este sorriso cativante, atrás deles se esconde uma intérprete focada e segura, e que encara estes dois excepcionais concertos com um sorriso no rosto. Mas vamos ao que importa.
George Gershwin: Piano Concerto in F Major / Maurice Ravel: Piano Concerto in G Major (Grimaud / Zinman)
01 – Gershwin_ Piano Concerto in F major_ I. Allegro
02 – Gershwin_ Piano Concerto in F major_ II. Adagio – Andante con moto
03 – Gershwin_ Piano Concerto in F major_ III. Allegro agitato
04 – Ravel_ Piano Concerto in G major_ I. Allegramente
05 – Ravel_ Piano Concerto in G major_ II. Adagio assai
06 – Ravel_ Piano Concerto in G major_ III. Presto
Baltimore Symphony Orchestra
David Zinman – Conductor
Dos três quartetos “Golitsyn”, o Op. 130 foi o último a ser concluído, e é curioso que, mesmo ao completar com ele a encomenda do russo, Beethoven o tenha concebido numa escala tão vasta. Com o Op. 130 em sua forma original, ele ofereceu a Golitsyn uma obra duas vezes mais longa que a maioria dos quartetos contemporâneos – praticamente dois quartetos pelo preço de um.
Ludwig, entretanto, parecia àquela altura mais preocupado com o conteúdo do que com o dinheiro – a cor do qual, como vimos ontem, ele não veria em vida, posto que Golitsyn só o pagaria a seu sobrinho Karl, mais de vinte anos depois de sua morte. Depois de compor os dois primeiros movimentos com rapidez, empacou em indecisões quanto ao que fazer em seguida. Sua escolha foi sem precedentes: compôs mais três movimentos e, depois de ruminar quase um ano sobre como arrematá-lo, decidiu fazê-lo com uma imensa fuga e dar o quarteto por completo com inéditos seis movimentos.
O Op. 130 foi estreado em sua versão original pelo Quarteto Schuppanzigh, num recital privado, em março de 1826. Beethoven não se fez presente, escolhendo – como quase sempre fazia, se lhe fosse dada a opção – a companhia do goró barato. Lá mesmo, na espelunca mais próxima, um dos membros do quarteto foi prestar-lhe contas da estreia. Não sei se lhe perguntou se preferia receber as boas novas primeiro, mas o violinista Karl Holz – um dos amigos que estaria do seu lado no momento de sua morte – começou por lhe falar que a obra tinha sido mormente bem acolhida, e que dois dos movimentos (provavelmente a Danza Tedesca e o Presto) tiveram que ser repetidos. Quando Beethoven perguntou sobre a fuga final e Holz lhe respondeu que a plateia não pedira sua repetição, o embriagado veredito foi imediato:
– Bois! Jumentos!
A reação dos bovinos e asininos presentes à estreia espalhou-se à boca miúda e logo Viena soube que seu maior músico escrevera algo “muito difícil”, “incompreensível como o chinês”, “dissonante” e “amedrontador”. Referiam-se, claro, à transcendente fuga que, pelo menos assim se conta, foi substituída a pedido do editor. Beethoven, assim, comporia um final alternativo, mais convencional e palatável, ao qual atribuiu a lacônica indicação Allegro e que seria a última coisa que completaria antes de morrer, no março seguinte.
No entanto, há chapas de impressão que provam que o editor, Mattias Artaria, preparou a primeira publicação do Op. 130 com a fuga a encerrá-lo. Assim, parece que a opção por um final diferente recaiu totalmente sobre o compositor. Ademais, é óbvio que ele tinha a fuga em grande consideração, tanto que preparou ele próprio sua versão para piano a quatro mãos (Op. 134), e dedicou o original para quarteto de cordas, quando publicado separadamente sob o Op. 133, ao arquiduque Rudolph da Áustria – seu dedicatário favorito e um amigo e benfeitor cujo nome jamais associaria a um mero refugo musical.
Isto posto, o que enfim levou Beethoven a substituir o final? E qual dos finais devemos preferir?
Essas são questões cujas respostas – se é que existem – fogem ao escopo duma postagem de blog. O leitor-ouvinte deve já ter sua preferência, e pode mesmo admitir que as duas opções tenham seus fundamentos (e menciono duas enquanto lembro que há uma terceira – ouvir os dois finales). Nós outros, nessa mole vida de espectadores, não precisamos nos comprometer com escolhas – e que sorte, essa nossa!
Os intérpretes, por sua vez, veem-se premidos por escolhas mais difíceis, que envolvem o equilíbrio entre os movimentos e a intensidade com que são tocados, dependendo do final que escolham para o quarteto.
Isso porque o Op. 130 tem, como já mencionamos, uma estrutura sui generis. Ele abre com um movimento longo, com uma pesada introdução lenta que se repete ao longo da exposição e da recapitulação. Seguem-se quatro movimentos bem mais curtos: um breve e lépido Presto, cheio de contrastes; um Andante com a curiosa indicação Poco scherzoso (“Pouco brincalhão”); uma esquisitíssima Danza Tedesca, que não se parece com qualquer dança alemã, antes ou depois dela, e que sugere uma valsa transfigurada por alguém da Segunda Escola de Viena; e, por fim, a sublime Cavatina, talvez o mais belo movimento que Beethoven escreveu, que foi capaz de fazerem suar, de acordo com testemunhas, os duros olhos de Ludwig, e que parece, mais que qualquer outra composição que eu conheça, um eco da Música das Esferas.
Concluir essa sequência de curtas entidades, praticamente uma suíte, com uma fuga imensa e radical acaba por dar alguma contrapartida ao substancial primeiro movimento; por outro lado, ela assim acaba por eclipsar os movimentos mais curtos. Dessa forma, a Cavatina – o cerne emocional da obra – ganha em gravitas e aumenta o contraste da sem-cerimoniosa transição entre a delicada nota Sol que a encerra e o violento Sol em uníssono que abre a fuga.
Por outro lado, o Finale alternativo, muito leve e despretensioso, soa mais apropriado como encerramento dessa neo-suíte de peças breves, embora a obra muito perca, claro, em impacto e contundência. A maior parte das gravações modernas dos quartetos tardios de Beethoven oferece-nos a Grande Fuga e o singelo Allegro no mesmo disco, o que nos torna muito fácil a escolha que é tão difícil para os intérpretes. O que sempre me pergunto ao escutar o Op. 130, e agora estimulo o leitor-ouvinte a também se perguntar, é qual dos dois finais os intérpretes tinham em mente ao executarem os cinco movimentos anteriores.
A gravação que ora lhes alcanço, com o distinto sotaque russo do Quarteto Borodin, é talvez a que melhor prepare o ouvinte para o final alternativo. Os movimentos iniciais são tocados com precisão e frescor, e a celeste Cavatina eleva-se a grandes alturas, tratado pelo Borodin como o caloroso e também oprimido (pois é isso que significa a indicação beklemmt que nela aparece) coração da obra. Talvez haja interpretações tecnicamente mais perfeitas, mas nenhuma outra soube me agradar mais – nem há, tampouco, uma Cavatina que me faça suarem tanto os já tão secos olhos. Ouçam-na com cuidado, e – desde já aviso – preparem-se para suarem os seus.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria 7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Na coletânea de ensaios Os testamentos traídos, de 1993, Milan Kundera disseca as culturas mais periféricas da Europa, tomando como exemplo sua Tchecoslováquia natal. “A intensidade muitas vezes assombrosa de sua vida cultural pode fascinar um observador”. Porém, “No seio dessa intimidade calorosa, um inveja o outro, todos vigiam a todos”. Se um artista ignora as regras locais, a rejeição pode ser cruel, a solidão, esmagadora”. Claro que cada uma destas pequenas nações tinha seu círculo de compositores locais e, dentre eles, o(s) representante(s) nacionais. Sibelius na Finlândia, Bartók na Hungria, Grieg na Noruega, Dvorak, Smetana e Janáček na Tchecoslováquia, Nielsen na Dinamarca, Elgar e Vaughan Williams naquele grande país quase sem música até o século XX, Villa-Lobos no Brasil (sim, Vanderson, sei que não fazemos parte da Europa), etc.
Este CD trata de Bartók e Janáček, dois compositores estranhos e inicialmente mal vistos pelas escolas alemã, francesa e italiana, mas que dominam este disco capitaneado pela argentina Argerich e pelo, penso, letão Gidon Kremer. O francês Messiaen entra meio que de lambuja, pois as principais obras são as dos selvagens. Bartók já foi melhor interpretado, mas, meu jesuiscristinho, que sonata fantástica! O mesmo vale para o Janáček. Por tudo isso, trata-se de um CD
Bartók: Sonata Nº 1 para Violino e Piano (1921) / Janáček: Sonata para Violino e Piano (1914-1921) / Messiaen: Tema e Variações para Violino e Piano (1932)
Béla Bartók (1881-1945) Sonata for violin and piano No. 1
01. Sonata for Violin and Piano No.1, Sz. 75 – Allegro appassionato Gidon Kremer 12:44
02. Sonata for Violin and Piano No.1, Sz. 75 – Adagio Gidon Kremer 10:15
03. Sonata for Violin and Piano No.1, Sz. 75 – Allegro Gidon Kremer 9:29
Leos Janácek (1854-1928) Sonata for violin and piano
04. Violin Sonata – 1. Con moto Gidon Kremer 4:52
05. Violin Sonata – 2. Ballada. Con moto Gidon Kremer 4:59
06. Violin Sonata – 3. Allegretto Gidon Kremer 2:47
07. Violin Sonata – 4. Adagio Gidon Kremer 4:00
Olivier Messiaen (1908) Thema and Variations
08. Theme and Variations for Violin and Piano – Thème. Modéré Gidon Kremer 1:17
09. Theme and Variations for Violin and Piano – Variation 1. Modéré Gidon Kremer 1:30
10. Theme and Variations for Violin and Piano – Variation 2. Un peu moins modéré Gidon Kremer 0:47
11. Theme and Variations for Violin and Piano – Variation 3. Modéré, avec éclat Gidon Kremer 0:51
12. Theme and Variations for Violin and Piano – Variation 4. Vif et passionné Gidon Kremer 1:08
13. Theme and Variations for Violin and Piano – Variation 5. Très modéré Gidon Kremer 1:54
Em Budapeste, Bartók e um amigo de PQP Bach, o qual só mandou esta foto como provocação… Para me fazer sentir ciúmes, por saber de meu caso de amor com o húngaro.
Sendo um amador tão apaixonado quanto um admirador do seu talento, tomo a liberdade de lhe escrever para lhe perguntar se estaria disposto a compor um, dois ou três novos quartetos. Terei o maior prazer em pagar-lhe, pelo trabalho, qualquer quantia que considere adequada.
Assim Nikolay Borisovich Golitsyn escreveu de sua São Petersburgo natal a Beethoven, a quem conhecera durante os anos que passara em Viena.
Se o sobrenome de Golitsyn não é tão famoso quanto o de Andrey Kirillovich Razumovsky, é porque qualquer encomenda feita a Beethoven nos oitocentos e vintes entrava numa fila de espera da qual nada tinha qualquer previsão de saída. Assim, quando o conde (e depois príncipe) Razumovsky pediu a Ludwig três quartetos com temas russos, em 1806, a trinca de novas obras ficou pronta no mesmo ano e, mais ainda, acabou publicada sob o mesmo número de Opus, e alcunhada com o sobrenome que imortalizariam. Já em 1822, quando o príncipe russo seguinte, cujo sobrenome vocês também encontrarão transliterado como “Galitzin”, pediu três novos quartetos ao renano, talvez tenha se deixado levar pelo entusiasmo com que o compositor aceitou a proposta. Beethoven já tinha em seus planos dedicar-se só a quartetos de cordas, e um estipêndio generoso como o que pediu a Golitsyn viria bem a calhar para tapar as crateras de suas finanças. O que ele não contou ao príncipe é que, naquele momento, ele nadava no turbilhão composicional da Missa Solemnis e da Nona Sinfonia, alimentava a conta-gotas sua obsessão sobre uma valsa de Diabelli e dava os retoques em duas das três sonatas que prometera a Maurice Schlesinger – em outras palavras, que o príncipe não veria a cor de suas encomendas por um bom tempo. Assim, o russo teve que esperar que as duas pantagruélicas obras corais fossem finalizadas e estreadas para que os trabalhos nos quartetos começassem. Somente três anos depois, em 1825, Golitsyn receberia seu primeiro quarteto, o Op. 127, pelo qual pagaria a quantia prometida. As duas outras obras, Opp. 130 e 132, ser-lhe-iam também entregues, mas Ludwig não viveria para ver a cor do dinheiro delas. A dívida só foi saldada somente na década de 1850, quando Karl van Beethoven – sobrinho e único herdeiro do compositor – recebeu o pagamento devido.
Ao concluir o Op. 127, e evidentemente entusiasmado pela obra, Beethoven ditou a seu factotum Anton Schindler a seguinte carta aos membros do quarteto Schuppanzigh, todos eles seus amigos:
Meus melhores companheiros!
Cada um de vós está a receber aqui sua parte. E cada um de vós compromete-se a cumprir o seu dever e, o que é mais importante, compromete-se com palavra de honra a competir pela excelência com os outros. Cada um de vocês, participantes do referido empreendimento, deverá assinar este
papel.
BEETHOVEN
Schindler secretarius”
Não sei se alguém chegou a assinar o papel, mas a estreia – sob Ignaz Schuppanzigh, Franz Weiss, Joseph Linke e Karl Holz – foi mal ensaiada e acabou por ser, como talvez Beethoven a definiria, uma verdammte Scheiße. Ludwig descarregou sua indignação em Schuppanzigh, um homem extremamente obeso e alvo recorrente de seu escárnio (chegou a escrever um cânone a chamá-lo de Falstafferel (“Falstaffinho”) que, humilhação suprema, foi publicado e gravado), e cujos lipídios acusava de fazerem “tudo ficar mais lento”.
Tiririca com o desastre da estreia, Beethoven repassou o Op. 127 aos cuidados de um outro quarteto, liderado por Joseph Michael Böhm. Dessa feita, entretanto, resolveu ficar de butuca. Böhm deixou-nos o seguinte relato:
Quando Beethoven soube da péssima apresentação [a de Schuppanzigh] – pois não estava presente na estreia – ele ficou furioso e não permitiu que os artistas tivessem paz até que a desgraça fosse lavada. Ele mandou chamar-me logo de manhã e, com o seu jeito brusco de sempre, disse-me: ‘Tens que tocar o meu quarteto’, e o assunto foi resolvido. Nem objeções, nem dúvidas poderiam prevalecer; o que Beethoven queria tinha que acontecer, então dediquei-me à difícil tarefa. [O quarteto] Foi estudado e ensaiado com frequência sob os próprios olhos de Beethoven. Eu digo ‘olhos’ intencionalmente, pois o infeliz era tão surdo que não conseguia mais ouvir o som celestial de suas composições… Com muita atenção, seus olhos seguiam os arcos e, assim, ele foi capaz de constatar as menores flutuações de tempo e ritmo e corrigi-los imediatamente. No final do último movimento do quarteto, ocorreu um ‘meno vivace’ que me pareceu enfraquecer o efeito geral. No ensaio, portanto, aconselhei que o ritmo original fosse mantido… Beethoven, agachado em um canto, não ouviu nada, mas assistiu com tensa atenção. Depois do último movimento do arco, ele disse, laconicamente, ‘deixe assim’ – e foi até as mesas e riscou o ‘meno vivace’ nas quatro partes”
Fazer o encanzinado Beethoven mudar de ideia seria por si só uma proeza, e isso só atesta o quanto Böhm e seu grupo deviam ser bons músicos. A reestreia, sob eles, foi um grande sucesso que não só alegrou o compositor, como também salvou a pele (embora Ludwig, em sua correspondência, preferisse mencionar “der Arsch”) de Schuppanzigh, que teve uma nova chance com o compositor, estrearia seus quartetos seguintes e continuaria a ser a vítima preferencial de sua mordaz gordofobia.
Quem vem do mundo intensamente concentrado dos quartetos Opp. 74 e 95. ou da impetuosidade às vezes agressiva dos “Razumovsky”, surpreende-se com o Op. 127, o primeiro dos chamados “quartetos de cordas tardios”. Trata-se duma obra muito expansiva, em que Beethoven toma o seu tempo para desenvolver seus temas e expor suas ideias duma maneira notavelmente desprovida de tensão. O resultado, claro, é que ela acabou bastante longa – seu movimento lento sozinho, por exemplo, dura mais que todo quarteto Op. 95. Nada, entretanto, soa enfadonho. A tônica, parece, é a da leveza, e a sonata-forma não está a premir o desenvolvimento, que o compositor permite que siga em várias direções, sem premências de tempo.
Os solenes acordes de abertura, que tão somente anunciam a tonalidade, levam a um tema surpreendentemente pungente, ao qual se segue uma seção com toques nostálgicos e, brevemente, dramáticos. Na descrição certeira da musicóloga alemã Birgit Lodes, “neste quarteto, Beethoven solapou as qualidades direcionais e dinâmicas de um Allegro em sonata-forma, que é uma forma adequada para contar uma história teleológica única; ao invés, ele procurou evocar o que poderíamos chamar ‘tempo mítico'”.
É no mesmo “tempo mítico” que se desenvolve o terno segundo movimento. Baseado na forma de tema com variações, em que a imaginação de Beethoven – afinal de contas, o compositor das “Diabelli” – voa longe na modificação do singelo tema, oferecendo-lhe variações sucessivamente mais elaboradas e criativas. No Scherzando vivace, os instrumentos dialogam, às vezes retrucam, mas não há qualquer tensão, e tampouco ela faz falta. Há momentos geniais nas transições e cromatismo ousado no Trio, e tudo se arremata com uma linda coda. O Finale soa enganosamente simples, porque foi criado por um consumado mestre: com forte tom folclórico, desenvolve-se como se jamais fosse acabar, até que isso acontece de maneira engenhosa e pouco abrupta.
Segundo William Kinderman, autor já mencionado anteriormente, o Op. 127 é “uma composição fundamental entre as obras-primas de seu último período criativo, uma em que aspectos estruturais e simbólicos de suas duas grandes obras corais-orquestrais são absorvidos pela esfera da música de câmara”, e nisso estamos de completo acordo. Acrescento que, diferentemente da Nona e da Missa Solemnis, que graças às gravações podemos ouvir quantas vezes quisermos, o Op. 127 não causa qualquer saturação sensorial. Sua leveza e fluidez levam-no a transcorrer sem que quase o percebamos. Quando enfim o percebemos, e tudo acabou, sentimo-nos prontos a repeti-lo.
Antes de conhecê-lo pela reputação, conheci o Quartetto Italiano pela imagem que está logo abaixo: quatro fleumáticos músicos de perfil, encarando mediterraneamente a luz solar – avis rara, convenhamos, na iconografia de conjuntos de câmara -, como se acompanhassem uma passeggiata. Quando tive, enfim, a oportunidade de escutá-los, foi como se essa imagem se transportasse ao universo sonoro do Quarteto: o som do Italiano é, talvez, o mais belo entre os conjuntos de sua época. Nós outros, no século XXI, tivemos a grata sorte de tê-lo maravilhosamente gravado pela Philips para que hoje, cinquenta anos depois, ele nos chegue assim, tão fresco. O registro privilegia a naturalidade: ouvimos o virar das páginas, a respiração dos instrumentistas, os miados das cadeiras, e o eventual golpe em falso de algum arco. Nada disso, entretanto, há de lhes importar: o Italiano faz o luminoso Mi bemol maior do Op. 127 cintilar e, mais que qualquer outro conjunto, leva o Adagio nos tragar para aquele estado meditativo tão próprio a quem ouve o Beethoven tardio em seu “tempo mítico”.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
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Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria 7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
Lançada pela primeira vez após sua gravação em 1987, esta versão dos quartetos de piano de Mozart apresenta o fortepianista Malcolm Bilson e três escudeiros em leituras deliciosamente leves e arejadas das partituras que, no entanto, atendem a qualquer requisito que um mozarteano hardcore possa desejar. A forma de tocar do quarteto – Timothy Mason, Malcolm Bilson, Jan Schlapp e Elizabeth Wilcock – é extraordinária. Tenho cerca de meia dúzia de gravações desses quartetos e raramente ouvi uma em que todos os quatro instrumentos sejam tão claramente identificados e articulados ao longo do processo de gravação, especialmente quando combinados com tal talento artístico. A abordagem do quarteto é amigável, moderada e nada sentimental. Tudo com o fortepianista Bilson — que é ao mesmo tempo um conhecido intérprete e palestrante sobre técnicas de época — um pouco destacado. Não vejo acho nada de questionável nisso, já que Bilson é um músico maravilhoso e os membros do quarteto são igualmente excelentes, Coletivamente, eles capturam todas as nuances das partituras de Mozart.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Quartetos para Piano K. 478 e K. 493 (Bilson)
Piano quarteto em C minor, K. 478
1. Allegro [11:13]
2. Andante [07:31]
3. Rondo-Allegro moderato [08:05]
Piano quarteto em E flat major, K. 493
4. Allegro [15:02]
5. Larghetto [10:25]
6. Allegretto [08:53]
Malcolm Bilson, pianoforte
Elizabeth Wilcock, violino
Jan Schlapp, viola
Timothy Mason, violoncelo