Frédéric Chopin (1810-1849): Ballades, Fantaisie Op. 49, Prélude no. 25 (Pollini)

Frédéric Chopin (1810-1849): Ballades, Fantaisie Op. 49, Prélude no. 25 (Pollini)

Tive um colega no saudoso Jornal da Tarde que costumava dizer: “escrever sobre quem a gente admira é a coisa mais fácil do mundo; escrever sobre quem a gente ama e idolatra é a coisa mais difícil”. Sentado na frente do computador para tentar botar pra fora algo sobre Maurizio Pollini (1942-2024), que nos deixou ontem, só posso concordar contigo, meu caro Eduardo. Pollini sempre esteve lá, desde o começo, meu big bang particular, quando o tempo e o universo nasceram. Se a chama da música foi acesa na minha vida por dois outros pianistas, Vladimir Horowitz e Glenn Gould, em um par de CDs que meu irmão trouxe de uma viagem a Nova York, Pollini foi o primeiro amor, o primeiro herói, um símbolo daquilo de mais belo e precioso que a humanidade produziu nesse rochedo que vaga pelo Sistema Solar. Se comecei a entender o que era o mundo pelas doces vozes de meus pais e irmãos me acalentando, foi com os discos de Pollini que comecei a entender o que era a música, esse Mistério de beleza e verdade que expressa aquilo que não se pode colocar em palavras (e, muitas vezes, também aquilo que se pode).

E, puxa, que sorte imensa poder passar o resto da vida navegando e mergulhando no oceano de gravações que maestro Pollini deixou, num arco que perfaz uns bons quatrocentos anos de música — grande artista que é — eu ia escrever “foi”, mas a verdade é que um ser iluminado como Pollini sempre “é”, nunca deixará de “ser” —, explorou um universo que foi do barroco a compositores do nosso tempo.

Claudio Abbado, Luigi Nono e Maurizio Pollini: che trio!

Uma vida e uma carreira marcadas por integridade artística, respeito aos compositores, generosidade para com os colegas e, dando corpo a tudo isso, uma humildade de alguém que compreendeu que a arte é aquilo que nos salva da barbárie, que nos dá asas e nos torna imortais. Quando Pollini tocava, não era sobre ele, era sobre a música. Uma lição tão essencial, tão básica, e também tão esquecida nesses tempos de likes, engajamentos e que tais.

Sem querer escorregar e fazer desse texto um detestável “eubituário”, conto que tive a sorte de vê-lo algumas vezes, em diferentes salas na capital alemã, ao longo de nove anos. Sempre, em todas elas, me pegava olhando em volta, para a Philharmonie enchendo aos pouquinhos, ou sentindo o cheiro das novíssimas poltronas das Pierre Boulez Saal, e pensando: cacete, vou ver o Pollini! Era sempre um sonho virando realidade. E foi sempre absolutamente excepcional.

Pollini na Pierre Boulez Saal, em Berlim, 2019. Foto deste blogueiro

Dito tudo isto, que gravação escolher para homenageá-lo? É quase como se perguntar “qual tijolo escolho para mostrar a beleza e a grandiosidade da Muralha da China” ou qualquer coisa que o valha. Resolvi seguir o coração e trazer as Quatro Baladas do mestre polonês. Se de alguma forma Chopin personifica em sua obra o que é o piano, a beleza e as possibilidades desse maravilhoso instrumento, Pollini também o faz com o estupendo repertório de gravações que deixou. Não existe maior testemunho do que se pode fazer com essas 88 teclas do que o legado fonográfico de Maurizio Pollini.

E aqui Pollini voa pelas harmonias chopinianas como um condor cruzando a Cordilheira dos Andes! Que maravilha são essas baladas, que coisa assombrosa é o pianismo desse homem, e quanta beleza, quanta poesia… Pollini mostra que a dicotomia entre técnica e sensibilidade é uma falácia, é um dilema que simplesmente não existe quando se trata dos grandes mestres. Sua técnica é um negócio de outro planeta, mas nada soa como virtuosismo superficial.  A arquitetura de uma sonata de Beethoven, de uma Mazurka de Chopin ou de um Klavierstück de Stockhausen ganha, em suas mãos, uma expressão límpida e viva, prenhe de sentido e de verdade. Se existe aquilo que chamam de Deus, é com certeza Pollini que ele(a) escuta quando chega do trabalho e se senta em sua nuvem preferida para ouvir algo belo e esquecer que deu merda com essa tal de humanidade.

Grazie, maestro!

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Frédéric Chopin (1810-1849)

1.  Ballade No. 1 in G minor, Op. 23
2. Ballade No. 2 in F major, Op. 38
3. Ballade No. 3 in A flat major, Op. 47
4. Ballade No. 4 in F minor, Op. 52
5. Prelude Op. 45 in C sharp minor, No. 25
6. Fantasia in F minor, Op. 49

Maurizio Pollini, piano

Pollini em Varsóvia, logo após vencer o VI Concurso Internacional de Piano Chopin, em 1960

Karlheinz

Francis Poulenc (1899-1963) – Gloria & Stabat Mater — Boston SO, Battle, Ozawa

Francis Poulenc (1899-1963) – Gloria & Stabat Mater — Boston SO, Battle, Ozawa

O compositor francês Francis Poulenc (1899-1963) é injustamente uma presença pouco frequente pelos programas de concerto mundo afora, apesar de ser um compositor de primeiríssima linha, com obras de diversos estilos e formações. Este disco joga luz sobre uma faceta cintilante da música de Poulenc, suas obras sacras, com dois verdadeiros tesouros: o Gloria (1960), uma de suas peças mais festejadas, e o Stabat Mater (1950).

O mestre PQP Bach já declarou sua admiração por esse repertório neste belíssimo disco de Richard Hickox, Catherine Dubosc, Westminster Singers e a City of London Sinfonia. Já o discaço de hoje vem do outro lado do Atlântico, com um time de muito respeito: a soprano Kathleen Battle, o coro do Festival de Tanglewood e Seiji Ozawa à frente da Orquestra Sinfônica de Boston. Tem coisas que só a Deutsche Grammophon faz por você, não é mesmo?

Estreia de Seiji Ozawa com a Sinfônica de Boston, Tanglewood, 1964

Gloria, para soprano, coro e grande orquestra, é baseado no texto de mesmo nome do Ordinário da Missa segundo o rito romano. Foi uma encomenda da Fundação Koussevitsky em homenagem ao regente Sergei Koussevitsky — que foi diretor da Sinfônica de Boston por um quarto de século — e sua esposa Natalia. A orquestra, aliás, foi responsável pela estreia da obra, em 1961, sob regência de Charles Munch. Uma obra interessantíssima, de cores stravinskyanas.

Já o Stabat Mater coloca em cena a prece (ou sequentia, para ser mais exato) católica de mesmo nome que narra as dores de Maria durante a crucificação de Cristo. Também para soprano, coro e orquestra, é dividido em doze partes e joga muito com as estruturas e formações (o coro chega a soar a capella mais de uma vez), com texturas que se desdobram umas dentro das outras. Deve ser uma experiência e tanto escutá-la ao vivo…

Enfim, um disco muito bom, de sonoridade brilhante e muita beleza. Pessoal de Boston na ponta dos cascos, um coro inspirado e Ozawa — um gigante da batuta que nos deixou no último dia 6 de fevereiro, aos 88 anos — at his finest. Meu destaque pessoal fica por conta do arraso que é a interpretação de Kathleen Battle, com sua linda voz de timbre quente, como se fosse um anjo divino anunciando palavras sagradas de algum lugar fora do tempo.

Fra Angelico, “A Crucificação”, (ca. 1420-23)

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Francis Poulenc (1899-1963)

Gloria

1 – Gloria in excelsis Deo
2 – Laudamus te
3 – Domine Deus, Rex coelestis
4 – Domine Fili, Domine Deus
5 – Domine Deus, Agnus Dei
6 – Qui sedes ad dexteram Patris

Stabat Mater

7 – Stabat Mater dolorosa
8 – Culus animam gementem
9 – O quam tristis
10 – Quae moerebat
11 – Quis est homo
12 – Vidit suum
13 – Eia, Mater
14 – Fac ut ardeat
15 – Sancta Mater
16 – Fac ut portem
17 – Inflammatus et accensus
18 – Quando corpus morietur

Kathleen Battle, soprano
Tanglewood Festival Chorus
Boston Symphony Orchestra
Seiji Ozawa, regência

Kathleen Battle: que voz!

PS: Você sabia que o simpático teatro do Festival de Tanglewood, em Lenox, Massachussets, se chama Seiji Ozawa Hall?

Nada como tomar um mate e comer Pastelinas ao cair da tarde em Massachusets ouvindo um Poulenc dos bons

Karlheinz

Grupo Piap – Obras brasileiras inéditas para percussão (1997)

Grupo Piap – Obras brasileiras inéditas para percussão (1997)

Sinhá pode até não querer batuque na cozinha, mas que a gente gosta de uma boa percussão, ô se gosta! E é impossível falar do ensino de percussão no Brasil sem mencionar o incontornável trabalho do Grupo de Percussão do Instituto de Artes da Unesp, o Piap. Fundado e dirigido por mais de três décadas por John Boudler, o Piap formou gerações e gerações de percussionistas do mais alto nível, espalhados pelo mundo afora. Hoje o grupo é dirigido por Carlos Stasi e Eduardo Gianesella, outros dois nomes de peso na percussão orquestral brasileira.

Se é de grande importância para os estudantes e músicos, o Piap também desempenha, desde sua fundação em 1978, um papel de extrema relevância na formação de público, não só explorando o repertório canônico e de significação histórica como também dando vida às novas criações de compositores vivos e atuantes. O Piap tem plena consciência da importância de escutarmos a música que se faz hoje, agora, e que aponta caminhos para o futuro.

John Cage em visita ao Piap, nos anos 80. Cage está de camisa clara, ao centro. À sua direita, Boudler e Elizabeth Del Grande, recém-homenageada após completar 50 anos de Osesp. Gianesella é o 2º em pé, à esq. de Cage

Esse disco, de 1997, traz a estreia de seis obras encomendadas a compositores brasileiros ligados ao meio universitário, todas compostas naquele mesmo ano: Flo Menezes (Unesp), Mário Ficarelli (USP), Edmundo Villani-Côrtes (Unesp), Eduardo Seincman (Usp), José Augusto Mannis (Unicamp) e Almeida Prado (Unicamp).

“On the other hand…”, de Flo Menezes (1962 – ), busca expressar por meios puramente instrumentais procedimentos e estéticas essencialmente eletroacústicos, com músicos dispostos no palco, ao redor do público e no meio da platéia. “Tempestade óssea”, de Mário Ficarelli (1935-2014), faz uso exclusivo do naipe das madeiras e dialoga com o universo sonoro dos ossos. “Impressões de um ensaio geral”, de Edmundo Villani-Côrtes (1930 – ), nos leva para o interior de um ensaio de uma escola de samba, com direito a sinos, tiros e sirene de polícia. “Seres imaginários”, de Eduardo Seincman (1955 – ), é inspirado em “O livro dos seres imaginários”, do escritor argentino Jorge Luis Borges. “Arapongas”, de José Augusto Mannis (1956 – ), para onze instrumentistas, surgiu da imagem sonora de um casal de arapongas, a simpática e loquaz ave que grita pelo Brasil afora. E “Maranduba”, do mestre Almeida Prado (1943-2010), desfia uma série de estórias (maranduba, em tupi-guarani, significa “narração” ou “estória”) sonoras, para oito percussionistas.

Piap em concerto, 2018

Embora um quarto de século já nos separe das obras que integram o disco, elas soam tão modernas que poderiam ter sido escritas amanhã ou em 2027. Ouvir música viva é bom demais, não é? Vida longa ao Piap!

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Obras brasileiras inéditas para percussão

1. Flo Menezes – “On the other hand…”
2. Mário Ficarelli  – “Tempestade óssea”
3. Edmundo Villani Côrtes – “Impressões de um ensaio geral”
4. Eduardo Seincman – “Seres imaginários”
5. José Augusto Mannis – “Arapongas”
6. Almeida Prado – “Maranduba”

Grupo de Percussão do Instituto de Artes da Unesp – Piap
John Boudler, direção
Eduardo Gianesella, direção

Karlheinz

Gustav Mahler (1860-1911): Canções orquestrais – Gerhaher, Sinfônica de Montreal, Nagano

Se podemos afirmar sem exagero que Gustav Mahler (1860-1911) subiu às “máximas alturas” do solilóquio de Augusto dos Anjos, e no lar deste repórter o velho cavalheiro boêmio é de fato santo de máxima devoção, é principalmente por conta de suas criações no universo sinfônico. As nove sinfonias completas e os fragmentos da décima estão entre os mais notáveis exemplares do gênero, abraçando os caminhos trilhados até ali e apontando para o futuro. Nós nunca mais fomos os mesmos após passarmos pelas sinfonias de Mahler.

A imponência deste conjunto de obras, se por um lado tende a ofuscar outro rico repertório, também oferece inúmeras possibilidades de diálogo com essas criações. Outra faceta importantíssima da obra mahleriana são as canções, sejam elas do repertório camerístico (em geral uma voz acompanhada ao piano) ou feitas para que uma orquestra acompanhe o canto. Mahler deixou ao todo quarenta e seis canções, agrupadas em ciclos ou dispersas de forma autônoma.

Este belíssimo disquinho que trazemos hoje traz três dos ciclos mais importantes deixados pelo mestre austríaco: Lieder eines fahrenden Gesellen (“Canções de um viajante”, 1885), Kindertotenlieder (“Canções sobre a morte das crianças”, 1901-4) e Rückert-Lieder (“Canções de Rückert”, 1901-2), perfazendo ao todo catorze canções. Enquanto os textos de Lieder eines fahrenden Gesellen – uma obra de juventude impregnada de ardente paixão – também saíram da pena de Mahler, os outros dois foram compostos a partir de versos do poeta alemão Friedrich Rückert (1788-1866).

Quem dá voz ao álbum é um dos cantores de agenda mais concorrida das temporadas européias, o barítono alemão Christian Gerhaher. É batata: se o nome de Gerhaher está no pôster, é sinal de casa cheia. E, francamente? É mais do que justo. Dono de um timbre belo e encorpado, Gerhaher domina como poucos a arte do Lied. Ao seu lado, parceiros acertadíssimos: uma orquestra com uma sonoridade brilhante e cheia de cores como a Sinfônica de Montreal (por mais de duas décadas lapidada pelo mestre Charles Dutoit) e um regente de ouvido apurado, atenção ao detalhe e sólido senso de arquitetura do todo como o japonês Kent Nagano, chefe do grupo desde 2006.

Um pequeno destaque de caráter estritamente pessoal é a canção que fecha o disco, Ich bin der Welt abhanden gekommen (algo como “Estou perdido para o mundo”). Na humilde opinião deste escriba, é uma das mais belas canções orquestrais já escritas, uma daquelas coisas que fazem a gente agradecer por ter nascido.

Gustav Mahler, rascunho de “Ich bin der Welt abhanden gekommen”

Gustav Mahler (1860-1811)

Lieder eines fahrenden Gesellen
1. Wenn mein Schatz Hochzeit macht
2. Ging heut’ morgen über’s Feld
3. Ich hab’ ein glühend Messer
4. Die zwei blauen Augen

Kindertotenlieder
5. Nun will die Sonn’ so hell aufgehn!
6. Nun seh’ ich wohl, warum so dunkle Flammen
7. Wenn dein Mütterlein
8. Oft denk’ ich, sie sind nur ausgegangen!
9. In diesem Wetter!

Rückert-Lieder
10. Blick’ mir nicht in die Lieder!
11. Ich atmet’ einen linden Duft
12. Um Mitternacht
13. Liebst du um Schönheit
14. Ich bin der Welt abhanden gekommen

Christian Gerhaher, barítono
Orchestre Symphonique de Montréal
Kent Nagano, regência

Gerhaher, Nagano e a Sinfônica de Montreal em concerto

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Karlheinz

European Choral Music: Eric Ericson, Coro da Rádio de Estocolmo & Coro de Câmara de Estocolmo (6 cds)

European Choral Music: Eric Ericson, Coro da Rádio de Estocolmo & Coro de Câmara de Estocolmo (6 cds)

Admiradores do canto coral, o post de hoje é para vocês. Nada mais, nada menos que uma caixa com 6 cds trazendo o crème de la crème do trabalho que o regente Eric Ericson desenvolveu ao longo de décadas à frente de dois coros na capital sueca: o Coro da Rádio de Estocolmo (hoje Coro da Rádio Sueca) e o Coro de Câmara de Estocolmo, fundado por ele.

Correndo o risco de soar exagerado, essa caixinha é o tipo de coisa que eu botaria na sonda Voyager para que os habitantes extraterrestres do cosmos soubessem que, apesar de ter dado um tanto errado como espécie, a humanidade teve seus momentos de extrema beleza, de uma verdade essencial. Um troço assim como aquele gol do Maradona contra os ingleses em 86, a Annunziata de Antonello da Messina ou o filé à francesa do Degrau.

Não sei bem explicar o porquê, tem alguma coisa na música coral que me pega fundo na alma. Talvez seja algo verdadeiramente animal, instintivo – nos sentimos tocados quando ouvimos nossos semelhantes emitindo sons em conjunto. As Paixões de Bach, a Nona de Beethoven, o Réquiem de Mozart, para ficar só em algumas das mais consagradas páginas do repertório de concerto, todas têm aquele(s) momento(s) em que o coro descortina sua avalanche sonora e a gente se agarra na cadeira, como que soterrado por tamanha beleza, tamanho feito humano. A voz humana tem esse poder, mexe com a gente, sei lá, em nível celular…

Pois esta caixinha de seis discos faz um voo panorâmico amplo, percorrendo mais de cinco séculos de música coral europeia: de Thomas Tallis (1505?-1585) a Krzystof Penderecki (1933-2020). Os seis discos são divididos em dois trios: os três primeiros levam o nome de Cinco Séculos de Música Coral Europeia e trazem obras de: Badings, Bartók, Brahms, Britten, Byrd, Castiglioni, Debussy, Dowland, Edlund, Gastoldi, Gesualdo, Ligeti, Martin, Monteverdi, Morley, Petrassi, Pizzetti, Poulenc, Ravel, Reger, Rossini, Schönberg, R. Strauss e Tallis. Os três restantes, por sua vez, são agrupados como Música Coral Virtuosa e o repertório consiste em Jolivet, Martin, Messiaen, Monteverdi, Dallapiccola, Penderecki, Pizzeti, Poulenc, Reger, R. Strauss e Werle.

Eric Ericson e György Ligeti

O texto de Michael Struck-Schloen sobre o repertório que integra o encarte é bem bom e vale a extensa transcrição, em livre tradução deste blogueiro:

Cinco séculos  de música coral europeia (cds 1 – 3)
A seleção estritamente pessoal de Ericson do vasto repertório de música coral europeia dos séculos XVI a XX para a lendária produção de 1978 da Electrola pode surpreender, a princípio, pelas muitas lacunas que contém. Não há nada da audaciosamente complexa música coral do Barroco Protestante, de Schütz a Bach, nem obras do início do período Romântico, quando grandes mestres como Schubert e Mendelssohn contribuíram para a era dourada da tradição coral burguesa. As obras desses discos não foram selecionadas tendo em mente uma completude enciclopédica, mas por sua flexibilidade e brilhantismo, por sua mistura de cores e suas características tonais gerais.

A riqueza e o desenvolvimento da tradição coral europeia são melhor iluminadas quando agrupamos as obras de acordo com sua procedência ao invés de seu período de composição. A música coral europeia foi profundamente influenciada desde o início pelo som e expressão específicos do idioma utilizado; e, no século XIX, as harmonias e ritmos típicos da música tradicional folclórica também começaram a desempenhar um papel importante. As Quatro Canções Folclóricas Eslovacas (1917) e as Canções Folclóricas Húngaras (1930), de Béla Bartók, demonstram bem essa tendência rumo a uma identificação nacional, bem como os primeiros coros Manhã Noite, de György Ligeti, escritos em 1955, um ano antes de ele escapar do regime comunista de sua Hungria natal.

Os quatro exemplos de música sacra a capella alemã incluídos aqui merecem o título dado por Brahms de Quatro Canções Séries já somente pela escolha do texto. Em uma de inflação tanto da intensidade expressiva como dos recursos musicais utilizados – como demonstrado por Paz na Terra (1907) de Schönberg e o Moteto Alemão (1913) de Richard Strauss para quatro solistas e coral de 16 vozes –, havia também um claro renascimento no interesse por antigos ideais composicionais e estilísticos. Assim, a esparsa ttécnica coral praticada por Schütz e seus contemporâneos foi a principal fonte de inspiração para os Motetos, op. 110 de Max Reger, trabalhando com textos biblicos (1909), ou para Fest-Gedenksprüche com que um Brahms de 56 anos de idade reconheceu a liberdade que a sua Hamburgo natal o concedeu.

A mais importante revolução na história da música vocal entre a Renascença e Schönberg foi a introdução na Itália, por volta de 1600, do canto solo dramático. Esse novo estilo, que atendia pelo despretensioso nome de “monodia”, pavimentou o caminho para o gênero inteiramente novo da ópera, e também diminuiu gradativamente a importância do coral de múltiplas vozes ao norte dos Alpes. Dessa forma, os madrigais de Gesualdo e Monteverdi, com suas harmonias distintas, são na verdade música solo em conjunto, fazendo deles terreno fértil para grupos vocais ágeis e esguios como o Coro de Câmara de Estocolmo. Enquanto as extravagantes Péchés de ma vieillesse de Rossini foram escritas para quarteto e octeto vocais, o quarteto desacompanhado teve que esperar até o século XX para ser redescoberto como um meio expressivo em si mesmo. Ildebrando Pizzeti faz uma referência deliberada ao contraponto renascentista em suas duas canções Sappho, de 1964, enquanto seu conterrâneo Goffredo Petrassi explora uma ampla gama de técnicas corais modernas, de glissandi ilustrativos ao caos dissonante, em seus corais Nonsense (publicados em 1952) baseados em versos de Edward Lear.

Em uma época em que uma carga expansiva e sobrecarregada de som era a ordem do dia no trabalho coral alemão, compositores franceses ofereceram narrativas caprichosas e a poesia colorida da natureza. As Trois Chansons (1915) de Maurice Ravel, com textos dele mesmo, são uma mistura cativante de atrevida sabedoria popular e engenhosa simplicidade, enquanto Debussy incorpora antigos textos franceses em uma linearidade arcaica em suas Trois Chansons de Charles d´Orléans (1904). As Chansons bretonnes do compositor holandês Henk Badings são brilhantes estudos vocais no idioma francês, enquanto os coros Ariel do grande compositor suíço Frank Martin são importantes estudos preliminares para sua ópera A Tempestade. Não bastassem esses belos trabalhos, é a cantata para 12 vozes A Figura Humana (1943), de Francis Poulenc, a obra-prima do grupo francês: oito complexos movimentos corais a partir de textos do poeta comunista francês Paul Eluards que são o grito pessoal de protesto do compositor contra a ocupação nazista na França.

A Itália não foi o único reduto da música vocal no limiar do Barroco: a Inglaterra também manteve um alto nível em seus diversos esplendorosos corais de catedrais e na exclusiva Capela Real em Londres. O grande Thomas Tallis e seu pupilo William Byrd foram ambos membros da Capela Real, e Tallis serviu sob nada menos que quatro monarcas: Henrique VIII, Eduardo VI, Maria I e Elizabeth I. Enquanto a fama de Tallis reside em sua música coral de ingenuidade contrapuntística e grande destreza técnica, Byrd e seu pupilo Thomas Morley possuíam um alcance mais amplo, escrevendo refinadas séries de madrigais em estilo italiano. Esses, ao lado das canções usualmente melancólicas de John Dowland (“Semper Dowland, semper dolens“), representam o florescer supremo da música vocal elizabetana. Após a música vocal inglesa atingir seu pico barroco com as obras de Henry Purcell, o “sceptrd` Isle” teve que esperar até o século XX com o compositor Benjamin Britten para renovar a bela tradição coral do país com peças como seu Hino para Santa Cecília (1942).

As obras do pós-guerra incluídas nessa seleção não se prestam a serem rotuladas em nenhum escaninho nacional. Elegi, do compositor e professor sueco Lars Edlund, a intrincada Lux aeterna (1966) para 16 vozes de György Ligeti e Gyro de Niccolò Castiglione representam a vanguarda internacional no período posterior à Segunda Guerra Mundial, em que estilos individuais contavam mais que escolas locais.

Música coral virtuosa (cds 4 – 6)
Música coral virtuosa: o título da lendária produção da Electrola lançada em 1978 não foi escolhido apenas para ressaltar a perfeição técnica de tirar o fôlego do Coro da Rádio de Estocolmo e de seu irmão, o Coro de Câmara de Estocolmo. O termo “virtuoso” também se aplica ao repertório gravado: as peças corais italianas do cd 4 são ampla evidência dos tesouros aguardando descoberta por alguém com ouvidos tão sensíveis como Eric Ericson.

A abertura aqui fica por conta de Claudio Monteverdi, cuja Sestina, de 1614, sobre a morte de uma soprano da corte de Mantua ergue o sarrafo no que se refere ao estilo vocal italiano e à riqueza harmônica. Como muitos compositores italianos do século XX, de Gian Francesco Malipiero a Luca Lombardi, Luigi Dallapiccola sentiu-se em dívida para com o novo e expressivo estilo vocal introduzido por Monteverdi. Os dois primeiros corais de seus Sei cori di Michelangelo il Giovane (1933-36) apresentam, em sagaz antítese, os coros das esposas infelizes (malmaritate) e o dos maridos infelizes (malammogliati). Mais heterogêneos em estilo são os três coros que Ildebrando Pizzetti dedicaram ao Papa Pio DII em 1943, para marcar seu 25º jubileu como sumo pontífice. O noturno no poema Cade la sera de D´Annunzio se desdobra em largos arcos que preenchem o espaço tonal, enquanto os textos bíblicos inspiram Pizzetti a um estilo mais arcaico e austero.

Lars Johan Werle, que chefiou por muitos anos o departamento de música de câmara da Rádio Sueca, apresentou um cartão de visitas em nome da música coral sueca contemporânea – que somente desenvolveu uma tradição autônoma sob a influência de Ericson e seus corais – com seus Prelúdios Náuticos de 1970. O compositor adorna a combinação do tratamento experimental das vozes com idéias precisas sobre articulação e a transformação do texto em música com expressões marítimas. Em contraste com este virtuoso estudo, Krzystof Penderecki escreveu seu Stabat Mater em 1962, no antigo estilo de música sacra funeral. O gênio altamente individual com que Penderecki procede da abertura com sinos em uníssono, atravessando uma intrincada polifonia tecida por três corais de 16 vozes, até o casto, luminoso acorde em puro ré maior do Gloria lhe renderam o status de um dos principais compositores jovens da Polônia na estreia de sua Paixão de São Lucas, em 1966, da qual o Stabat Mater faz parte.

Um dos focos das atividades dos dois corais, ao lado da música italiana de Gabrieli a Dallapiccola, sempre foi o repertório alemão a capella do Romantismo tardio, cujos antípodas característicos foram Max Reger e Richard Srauss. Enquanto Reger trabalhou para promover uma renovação da música litúrgica protestante no espírito de Bach, como fica evidente em seus Acht Gesänge (“Oito hinos”) de 1914, Strauss enxergava no coral de múltiplas vozes um equivalente vocal do grandioso entrelaçamento de seu estilo instrumental. Essa tendência da música coral de Strauss está documentada nessas duas peças, separadas por quase quatro décadas: sua adaptação para o poema Der Abend (“A noite”, de 1897), de Friedrich Schiller, e a caprichosamente ocasional Die Göttin im Putzzimmer (“A deusa no quarto de limpeza”), de 1935, com seus ecos da bucólica ópera Daphne, de Strauss.

Nessa jornada de descoberta ao longo da música coral europeia do século XX, é  sobre as obras-primas francesas de Poulanc e Jolivet, e particularmente de Messiaen e Martin, que os dois corais de Estocolmo lançaram uma nova luz. O espectro expressivo dos ciclos apresentados aqui é inegavelmente impressionante. Enquanto em 1936 – muito após o Grupo dos Seis ter rompido – Poulenc voltou mais uma vez à poesia de Apollinaire e Eluard em suas Sept chansons, André Jolivet combinou textos sacros egípcios, indianos, chineses, hebreus e gregos em seu Epithalame, escrito em 1953 para celebrar seu vigésimo aniversário de casamento de uma forma mística. Naquele mesmo 1936, Olivier Messiaen, então com 28 anos, juntou-se a Jolivet e Daniel Lesur para criar o grupo Jeune France (“França jovem”), mas logo partiria novamente em seu idiossincrático caminho, alternando entre catolicismo, técnicas avant-garde e uma filosofia totalizante da natureza. Em termos de conteúdo, os Cinq Rechants de Messiaen, ligados entre si por refrões (rechants), representam um homólogo vocal de sua Sinfonia Turangalîla, que parte da história de Tristão e Isolda para criar uma mitologia de amor, natureza e morte. Frank Martin, nascido em Genebra, por sua vez, considerou sua Missa (1922-6) como algo “que diz respeito apenas a mim e Deus”. É música de pureza espiritual e arcaica, cuja estreia Martin autorizou apenas quarenta anos depois de sua composição.”

 

Ericson em ação

Obs.: para não deixar esse post ainda mais comprido, a lista completa de movimentos, intérpretes e afins está fotografada, dentro do arquivo de download.

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Five centuries of European choral music

Disco 1
Johannes Brahms (1833-1897)
Fest. und Gedenksprüche, op. 109

Max Reger (1873-1916)
O Tod, wie bitter bist du, op 110/3

Arnold Schönberg (1874-1951)
Friede auf Erden, op. 13

Richard Strauss (1864-1949)
Deutsche Motette, op. 62

Lars Edlund (1922-2013)
Elegi

Béla Bartók (1881-1945)
Vier slowakische Volkslieder

Disco 2
Béla Bartók (1881-1945)
Ungarische Volkslieder

György Ligeti (1923-2006)
Morgen
Nacht
Lux aeterna

Carlo Gesualdo (1560?-1613)
Itene ò miei sospiri

Giovanni Gastoldi (ca. 1556-1622)
Amor vittorioso

Claudio Monteverdi (1567-1643)
Ecco mormorar l´onde

Gioachino Rossini (1792-1868)
I Gondolieri
Toast pour le nouvel an
La Passegiata

Goffredo Petrassi (1904-2003)
Nonsense

Ildebrando Pizzetti (1880-1968)
Due composizioni corali (Sappho)

Niccolò Castiglioni (1932-1996)
Gyro

Disco 3
Claude Debussy (1862-1918)
Trois Chansons de Charles d´Orléans

Henk Badings (1907-1987)
Trois Chansons brettones

Maurice Ravel (1875-1937)
Trois Chansons

Francis Poulenc (1899-1963)
Figure humaine

Frank Martin (1890-1974)
Ariel choirs from Shakespeare´s The Tempest

William Byrd (1543-1623)
This sweet and merry month

John Dowland (1563-1626)
What if I never speed

Thomas Morley (1557-1602)
Fire! Fire!

Thomas Tallis (1505?-1585)
Spem in alium

Benjamin Britten (1913-1976)
Hymn to St. Cecilia, op. 27

Virtuoso Choral Music

Disco 4

Claudio Monteverdi (1567-1643)
Sestina “Lagrime d´amante al sepolcro dell´amata”

Luigi Dallapiccola (1904-1975)
Sei cori di Michelangelo il Giovane

Ildebrando Pizzetti (1880-1968)
Tre composizioni corali

Lars Johan Werle (1926-2001)
Nautical Preludes

Krzysztof Penderecki (1933-2020)
Stabat Mater

Disco 5
Max Reger (1873-1916)
Acht geistliche Gesänge, op. 138
Ach, Herr, strafe mich nicht, op. 110 Nr. 2

Richard Strauss (1864-1949)
Die Göttin im Putzzimmer
Der Abend

Francis Poulenc (1899-1963)
Sept Chansons

Disco 6
André Jolivet (1905-1974)
Epithalame

Olivier Messiaen (1908-1993)
Cinq Rechants

Frank Martin (1890-1974)
Messe

Rundfunkchor Stockholm
Stockholmer Kammerchor
Eric Ericson, regência

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O Coro da Rádio Sueca: alguém aí sabe pra que lado é a saída?

Karlheinz

Galina Vishnevskaya & Mstislav Rostropovich – Mussorgsky, Shostakovich, Prokofiev

Galina Vishnevskaya & Mstislav Rostropovich – Mussorgsky, Shostakovich, Prokofiev

Andei relapso com os trabalhos neste blog, e começo este post com um breve pedido de desculpas por isso; a vida andou um tanto cheia de afazeres e o tempo, esse danado, voou. Mas cá estamos, e vamos em frente. Para tentar me redimir por essa ausência, voltei com um discaço que me acompanha há muitos anos. Nada mais nada menos que Galina Vishnevskaya e seu marido Mstislav Rostropovich gravados ao vivo em Moscou nos anos 60. O repertório, creio, não deixa nem um tiquinho de decepção para quem, em plena terceira década do terceiro milênio, viaja no tempo para a capital russa com essas preciosas gravações: Mussorgsky (1839-1881), Shostakovich (1906-1975) e Prokofiev (1891-1953).

Um detalhe charmoso deste álbum é que nele podemos ouvir Rostropovich em sua múltiplas frentes de atuação: como regente (Mussorgsky), como violoncelista (Shostakovich, op. 127) e como pianista (Shostakovich 0p. 109 e Prokofiev). Slava – como Rostropovich era carinhosamente conhecido – respirava música, era todo colcheias e semifusas e sustenidos da cabeça aos pés, e esse disquinho é como um prisma que revela suas diferentes faces conforme a luz vai mudando de direção.

Shosta e Slava: mais que amigos, friends

E tem mais, bem mais. Com a palavra, Sigrid Neef, no encarte do disco, em livre tradução deste blogueiro:

“Diversas gravações documentam a aclamada parceria entre Vishnevskaya e Rostropovich, a prima donna do Teatro Bolshoi em Moscou e o grande violoncelista virtuoso. Ainda assim, este CD é uma pequena sensação e um golpe de sorte. Gravações de dois concertos foram descobertas no arquivo da antiga gravadora estatal soviética Melodiya. Um deles incluía a lendária estreia do ciclo de canções de Dmitri Shostakovich a partir de poemas de Alexander Blok, seu opus 127, com Galina Vishnevskaya, Mstislav Rostropovich, David Oistrakh e Moisei Vainberg. Era um ensamble verdadeiramente fenomenal e autêntico, porque o compositor escreveu o ciclo com eles em mente e dedicou a peça a Vishnevskaya. Apesar de tudo isso, a Melodiya arquivou a fita e lançou posteriormente uma nova gravação da obra com artistas menos proeminentes, em 1976. Vishnevskaya e Rostropovich haviam sido proscritos pela burocracia cultural soviética.

O delito deles foi ter abrigado em sua dacha o dissidente Alexander Solzhenitsyn, autor do histórico e monumental Arquipélago Gulag, que seria expulso da União Soviética no ano seguinte, 1974. Mais tarde, naquele mesmo ano, Vishnevskaya e Rostropovich deixaram a URSS. Eles perderam a cidadania em 1978, e essa só lhes foi restituída em 1990.

A espetacular história dessa performance é ofuscada por uma sensacional serenidade interior. A cantora e o violoncelista mostram simpatia, amor, bondade e verdade em um mundo cheio de agressividade, crueldade e mentiras. Eles sentiram sua responsabilidade para com a música e, mais que isso, a Deus. Essa é a fonte desse seu feito singular. Há também um senso de maré alta. Todas as composições de Shostakovich presentes foram escritas para Galina Vishnevskaya e dedicadas a ela. Já para a adaptação de Sergei Prokofiev para Akhmatova, não existem no mundo artistas mais apropriados que Vishnevskaya e Rostropovich.”

Sem mais delongas, portanto. vamos ao disco!

Modest Mussorgsky (1839-1881)
Songs and Dances of Death
(orquestrado por Dmitri Shostakovich – estreia mundial)

1 – I. Lullaby
2 – II. Serenade
3 – III. Trepak
4 – IV. The Field-Marshall

Galina Vishnevskaya, soprano
Gorki State Philharmonic Orchestra
Mstislav Rostropovich, regência

Dmitri Shostakovich (1906-1975)
Seven Romances to Poems by Alexander Blok, op. 127
(estreia mundial)

5 – I. Ophelia´s song
6 – II. Hamayun, the prophetic bird
7 – III. We were together
8 – IV. The city sleeps
9 – V. Storm
10 – VI. Mysterious sign
11 – VII. Music

Galina Vishnevskaya, soprano
David Oistrakh, violino
Mstislav Rostropovich, violoncelo
Moisei Vainberg, piano

Satires, op. 109
Five romances on lyrics by Sasha Chorny

12 – I. To a critic
13 – II. Spring´s awakening
14 – III. The descendants
15 – IV. Misunderstanding
16 – V. The Kreutzer Sonata

Galina Vishnevskaya, soprano
Mstislav Rostropovich, pino

Sergei Prokofiev (1891-1953)
Five Poems by Anna Akhmatova, op. 27

17 – I. The Sun has filled my room
18 – II. True tenderness
19 – III. Memory of the Sun
20 – IV. Greetings
21 – V. The king with grey eyes

Galina Vishnevskaya, soprano
Mstislav Rostropovich, piano

As faixas 1 a 4 foram gravadas ao vivo no auditório da Gorki State Philharmonic Society, em 9 de fevereiro de 1963. As faixas 5 a 21 foram gravadas ao vivo na Grande Sala do Conservatório de Moscou, em 23 de outubro de 1967.

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Vishnevskaya e Rostropovich com as filhas em casa, 1959

Karlheinz

Gioachino Rossini (1792-1868) – Ouvertures – Abbado 90! & London SO

Gioachino Rossini (1792-1868) – Ouvertures – Abbado 90! & London SO

Na última segunda-feira, dia 26 de junho, completaram-se 90 anos do nascimento de um músico excepcional: o milanês Claudio Abbado. Creio que não é necessário fazer maiores apresentações deste que é, seguramente, uma das estrelas mais brilhantes do cintilante panteão de grandes regentes da história. Basta jogar o nome dele ali na caixinha de busca desse site e viajar pela era de ouro do disco.

Abbado faleceu em 2014, aos 80 anos. Gravou muito, muito mesmo, deixando um legado imenso de interpretações que primam pela limpidez e pelo colorido. Foi do barroco a obras de seus contemporâneos, sendo reconhecidamente um grande defensor da música do nosso tempo. Entre as orquestras que dirigiu, estão “apenas” a Sinfônica de Londres, Sinfônica de Chicago, Ópera Estatal de Viena, La Scala, Festival de Lucerna, Orquestra de Câmara Mahler, Orquestra Mozart, Orquestra Jovem da União Européia e, claro, ela, the one and only Filarmônica de Berlim.

Busto de Claudio Abbado na Philharmonie, em Berlim

Para celebrar a data, um disco gravado em Londres, em 1978: aberturas de óperas de Gioachino Rossini — um daqueles casos em que as aberturas são muito mais tocadas por aí do que as próprias óperas. Fiz questão de trazer esse álbum que, à parte a universalmente aclamada Guglielmo Tell (e do curioso caso que conto a seguir), passeia por um repertório menos conhecido, como La scala di seta Il turco in Italia.

O caso de Elisabetta, regina d’Inghilterra, estreada no San Carlo em Nápoles, é interessante. Enquanto escutava, pensei: “ué, conheço isso!” Pois é, conhecia mesmo: Rossini usou material de obras anteriores para fazer essa ópera, além de usar trechos desta em obras posteriores. A abertura de Elisabetta, regina d’Inghilterra (1815), que já havia sido reaproveitada de Aureliano in Palmira (estreada no La Scala, em Milão, em 1813), foi usada tim tim por tim tim novamente em um de seus maiores sucessos: Il barbiere di Siviglia, de 1816 (estreada no Teatro di Torre Argentina di Roma). A editora Amanda Holden afirmou que é como se Rossini quisesse apresentar, com essa ópera, um cartão de visitas, reunindo algumas de suas bem sucedidas melodias.

Ferdinando Roberto “Interno del Teatro San Carlo di Napoli con la rapprasentazione de “L´ultimo giorno di Pompei´”

Confesso que nem sabia que algumas dessas óperas existiam. Não é uma maravilha quando a gente topa com música que nunca ouviu na vida? Sobretudo quando ela se revela de grande beleza?

Pois vamos celebrar a memória deste grande mestre com esses registros londrinos de um Rossini, talvez, algo b-side, ao menos aos olhos de hoje, já que à época o sucesso que teve foi colossal. O mundo é grande e, que bom, a música é um recurso inesgotável… Viva Abbado!

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Gioachino Rossini – Ouvertures

1 – Semiramide
2 – La scala di seta
3 – Il turco in Italia
4 – Elisabetta, regina d’Inghilterra
5 – Tancredi (edition: Philip Gossett)
6 – Guglielmo Tell

London Symphony Orchestra
Claudio Abbado, regência

Algo me diz que Rossini era uma companhia agradável e animada

 

 

 

 

 

 

 

 

“Non conosco un’occupazione migliore del mangiare, cioè, del mangiare veramente. L’appetito è per lo stomaco quello che l’amore è per il cuore. Lo stomaco è il direttore che dirige la grande orchestra delle nostre passioni” (Gioachino Rossini)

Karlheinz

Dia dos namorados PQP: As Paixões de Johann Sebastian Bach (1685-1750) — Klemperer, Suzuki

Dia dos namorados PQP: As Paixões de Johann Sebastian Bach (1685-1750) — Klemperer, Suzuki

Aos heróis alviverdes de 1993, na figura de Evair Aparecido Paulino

Jan Gossart, “Um casal de velhos” (1510-28?)

12 de junho, Dia dos Namorados! Dia de pegar fila em restaurante, pagar caro para comer fondue e tirar a barriga das floriculturas da miséria. Uma data para exaltar o amor e a paixão, o estar junto com quem se ama. E, claro, nós do PQP, românticos que somos, não deixaríamos nossos leitores na mão. Convenhamos, existe alguma maneira melhor de dizer “eu te amo” para quem faz nosso coração bater mais rápido do que mergulhar juntos nessas cinco horas e tanto de celebração luterana do evangelho? Se existe, este blogueiro desconhece.

Pensando nisso, trouxemos não só uma, mas as duas Paixões escritas por ele, ele mesmo, nosso guia, o velho Kapellmeister Johann Sebastian Bach (1685-1750), que sobreviveram de forma integral até chegar a nós: a Paixão segundo São Mateus, BWV 244 (1727) e a Paixão segundo São João, BWV 245 (1724). E em duas gravações bem distintas, em muitos sentidos: abordagem, sonoridade, época e até continente. Uma pequena mostra da genial universalidade da obra de Bach, que há séculos nos assombra e nos redime.

Nesses dois oratórios, em cinco cds, parece caber a humanidade inteira.

Franz Hals, “São Mateus”, 1625

Paixão segundo São Mateus é a mais tocada das duas. Com libreto de Picander (pseudônimo do poeta Christian Friedrich Henrich, 1700-1764), ela foi composta a partir dos capítulos 26 e 27 do Evangelho de Mateus da Bíblia luterana. Se inicia com Jesus anunciando sua morte em Jerusalém e termina com um grande coro que chora a morte do Messias, após José de Arimateia pedir seu corpo para Pôncio Pilatos.

A gravação que trazemos é histórica: Otto Klemperer (1885-1973), um judeu alemão que fugiu do nazismo para tornar-se uma figura fundamental na música de concerto da Inglaterra, à frente de sua Philharmonia Orchestra, 1961. O time de cantores é de primeiríssima linha, e destacamos a linha de frente: o tenor Peter Pears (Evangelista), o barítono Dietrich Fischer-Dieskau (Jesus), a soprano Elisabeth Schwarzkopf, a mezzo-soprano Christa Ludwig e o tenor Nicolai Gedda.

Otto Klemperer gravando com a Philharmonia Orchestra, anos 1960

Como dizem os americanos, temos aqui Klemperer at his very best: paixão, densidade, uma paleta de cores fortes, mas com um senso de equilíbrio a nortear a arquitetura da peça. Uma sonoridade intensa, mas que ao final não deixa qualquer sensação de que algo ali foi exagero. Klemperer extrai imensa beleza da dor e do trágico, nos lembrando das inevitabilidades da vida (e da morte).

Fechar os olhos e mergulhar neste Bach klemperiano é como adentrar uma imensa catedral, em algum canto da velha Europa, e sentir o ar frio entrar em nosso peito, fazendo-nos sentir vivos. Vivos em meio aos mortos, como sempre foi e sempre há de ser — até um dia não ser mais. Como dizia o saudoso Afonso Arinos, “amor pelo passado e sentimento do futuro”.

El Greco, “São João Evangelista”, 1605

Paixão segundo São João é um pouco anterior, composta durante o primeiro ano em que Bach foi Kapellmeister da Thomaskirche, em Leipzig. Foi estreada na Sexta-Feira Santa, 7 de abril de 1724, a alguns quarteirões dali, na Nikolaikirche. É uma obra dividida em duas partes, pensadas para serem apresentadas antes e depois de um sermão. Ela foi escrita a partir dos capítulos 18 e 19 da Bíblia luterana — o Evangelista canta as palavras exatas do texto bíblico —, combinando-os com outras fontes sacras (recitativos, coros e hinários inspirados no Evangelho de João). Bach a revisou algumas vezes ao longo da vida, e a versão que trazemos nesse post é a de 1749.

Se a Paixão segundo São Mateus parece, de alguma forma, mais “concluída”, organizada segundo uma arquitetura mais próxima do léxico bachiano, a Paixão Segundo São João tem um espírito visceral e urgente, que tinge sua beleza com algo de feroz. A introdução da obra é das coisas mais magníficas que Bach escreveu: são 36 compassos em que a orquestra já informa nosso espírito sobre a grandeza da ação que vai ser contada. O coro, então, entra como se fosse um dos dons flamejantes de Pentecostes desabando do céu, anunciando a glória divina: “Herr! Herr! Herr! Unser Herrscher, dessen Ruhm in allen Landen herrlich ist!” (“Senhor! Senhor! Senhor! Nosso Senhor, cuja glória é magnífica em todas as terras!”). João, o Evangelista, nos guia então até o enterro do salvador.

Primeira página do manuscrito da “Paixão Segundo São João”

A estupenda gravação — de abril de 1998 — que trazemos para vocês, queridos leitores e leitoras e leitores do PQP, fica por conta do regente, organista e cravista Masaaki Suzuki (1954*), a primeira à frente do grupo que criou em 1990 e dirige até hoje, no mais alto panteão da música barroca feita neste planetinha azul que gira pelo espaço: o Bach Collegium Japan.

Masaaki Suzuki e o Bach Collegium Japan no Carnegie Hall, em Nova York

Para alguém que ganha a vida escrevendo, como é o caso deste por trás destas linhas, é um certo atestado de incompetência dizer “não tenho palavras para expressar” tal ou tal coisa. Mas o Bach de Suzuki e seu Collegium é tão bom, mas tão bom, mas tão bom, que não sobra muito por dizer a este blogueiro a não ser: ouçam! Cancelem compromissos, levantem barricadas nas ruas, parem tudo e escutem algumas das coisas mais belas que a humanidade jamais produziu. É desta categoria que estamos falando. O tipo de coisa que faz a gente agradecer por estar vivo, ter um aparelho de som, viver nesse tempo e poder escutar algo tão sublime.

O intuito desse post foi exaltar, mais uma vez e sempre que possível, a genialidade de um certo Johann Sebastian Bach. Como a fibra que tece suas obras é feita do tecido mais íntimo daquilo que podemos talvez chamar de “espírito humano”, abrindo oceanos infinitos de interpretações. Percorrer Bach é, sempre, contemplar o infinito.

A escolha por juntar ambas as Paixões, além de trazer duas gigantescas obras do repertório bachiano em gravações espetaculares, também teve o intuito de evitar a comparação direta de interpretações, que por vezes pode conter o risco de limitar o nosso olhar a detalhes ou questões pontuais. Isso também tem seu interesse, mas o objetivo aqui era bem distinto: celebrar a riqueza e as possibilidades que vêm de reunir um grupo de pessoas para dar vida às obras compostas por um gênio em um tempo distante.

Ouvir Bach é como olhar as estrelas: passado, presente e futuro são um só. Ou não?

Feliz dia dos namorados!

***

12/06/1993: Evair cobrando o pênalti dos 4×0: o Jesus de Crisólia se eterniza no Dia da Paixão alviverde

PS: Esse post é dedicado aos jogadores da Sociedade Esportiva Palmeiras que, há exatos 30 anos, em 12 de junho de 1993, goleavam o rival Corinthians por 4 a 0 e colocavam fim a uma fila de quase dezessete anos sem títulos ao conquistar o Campeonato Paulista. O Dia da Paixão alviverde é um dos mais significativos da história do clube, unindo as pontas da vida de gerações de torcedores, cuja fé e memória são amparadas em uma mitologia compartilhada.

Se, convenhamos, a música é a maior invenção humana, o futebol certamente é a segunda. Em ambas temos o ser humano em tudo o que tem de mais glorioso e de mais trágico. Ao menos assim me contaram, e assim sigo contando…

Karlheinz

***

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Johann Sebastian Bach (1685-1750)

Paixão segundo São Mateus, BWV 244
(3 cds)

Peter Pears, tenor (Evangelista)
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono (Jesus)
Elisabeth Schwarzkopf, soprano (árias, esposa de Pilatos, serviçal)
Christa Ludwig, mezzo-soprano
Nicolai Gedda, tenor
Walter Berry, baixo
John Carol Case, barítono (Judas)
Otakar Kraus, barítono (Pôncio Pilatos, alto sacerdote, padre)
Helen Watts, soprano (Serviçal, testemunha)
Geraint Evans, barítono (padre)
Wilfried Brown, tenor (testemunha)

Boys of Hampstead Parish Church Choir
Philharmonia Chorus
Philharmonia Orchestra

Otto Klemperer, regência

 

Paixão segundo São João, BWV 245 (versão de 1749)
(2 cds)

Gerd Türk, tenor (Evangelista)
Chiyuki Urano, baixo (Jesus)
Peter Kooji, baixo (árias, Pilatos, Pedro)
Ingrid Schmithüsen, soprano
Yoshikazu Mera, contratenor
Yoshie Hida, soprano (Serviçal)
Makoto Sakurada, tenor (árias, serviçal)

Bach Collegium Japan
Masaaki Suzuki, regência

Bônus:
3 árias da Paixão de São João, BWV 245 a-c 
(versão de 1725)

Ingrid Schimthüsen, soprano
Gerd Türk, tenor
Peter Kooji, baixo

Bach Collegium Japan
Masaaki Suzuki, regência

Reinhold Glière (1875-1956): Sinfonia nº 2 em dó menor, op. 25 / The Zaporozhy Cossacks, op. 64 (Czescho-Slovak RSO, Keith Clark)

Reinhold Glière (1875-1956): Sinfonia nº 2 em dó menor, op. 25 / The Zaporozhy Cossacks, op. 64 (Czescho-Slovak RSO, Keith Clark)

Esse é um daqueles disquinhos que nos fazem agradecer pela existência da gravadora Naxos. Nada aqui é óbvio – repertório pouco visitado de compositor (bem) fora do cânone, orquestra e regente pouco conhecidos no circuito internacional, gravação do final dos anos 80. E é assim que chegamos a essa Segunda Sinfonia e ao poema sinfônico Os Cossacos de Zaporozhy, ambos da lavra de Reinhold Glière (1875-1956), “compositor russo-soviético de ascendência alemã e polonesa”, nos contam os alfarrábios.

O encarte do disco conta que Glière foi tutor, nos verões de 1902 e 1903, em Sontsovka, de um rapazote que, digamos, daria certo nessa história de ser músico: Sergei Prokofiev (1891-1953). Ambos tiveram, no entanto, relações bem diferentes com o estado soviético. Enquanto Prokofiev e seu pensamento de vanguarda lhe rendiam problemas com a cartilha nacionalista, Glière foi diversas vezes condecorado, recebendo os prêmios Glinka, Stalin e a Ordem de Lênin, dentre outros.

Sinfonia nº 2, em dó menor, op. 25, concluída em 1908, foi dedicada ao lendário maestro Serge Koussevitzky. Uma obra bem lírica, de sonoridade grandiosa, profundamente romântica. O poema sinfônico Os Cossacos de Zaporozhy, op. 64 é um tantinho posterior, de 1921, e celebra a bravura e o heroísmo desse povo de guerreiros nômades que se estabeleceu para além das cataratas do rio Dniepre e protagonizou uma grande revolta no fim do século XVII.

“Os cossacos de Zaporozhy escrevendo uma resposta ao sultão”, óleo sobre tela de Ilja Repin, pintado em algum momento entre 1879 e 1891

Um destaque final para o som quente, volumoso, da Orquestra Sinfônica da Rádio Checo-Eslovaca (hoje apenas Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca). Conta-nos o encarte — viva os encartes!!! – que o grupo, sediado em Bratislava, foi fundado em 1929 e é o mais antigo conjunto orquestral da Eslováquia. A gravação foi feita na sala de concertos da rádio em novembro de 1987, e soa muito bem. Um disquinho interessante, bem testemunho de uma época.

Reinhold Glière (1875-1956)

Sinfonia nº 2, em dó menor, op. 25
1. Allegro pesante
2. Allegro giocoso
3. Andante con variazioni
4. Allegro vivace

5. Os Cossacos de Zaporozhy, op. 64

Orquestra Sinfônica da Rário Checo-Eslovaca
Keith Clark, regência

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Karlheinz

Concurso Tchaikovsky 1962 – O Empate: Vladimir Ashkenazy & John Ogdon

Concurso Tchaikovsky 1962 – O Empate: Vladimir Ashkenazy & John Ogdon

O mundo da música clássica tem uma paixão quase esportiva por concursos, já há muitas e muitas décadas. Jovens músicos foram alçados ao estrelato e carreiras foram feitas a partir de premiações em competições internacionais. Em meio a essa mitologia, um dos mais tradicionais e prestigiosos quando se trata de pianistas é o Concurso Internacional Tchaikovsky, que acontece a cada quatro anos em Moscou e São Petersburgo desde 1958. Depois meses antes de Bellini se tornar o primeiro brasileiro a erguer a Jules Rimet, Van Cliburn arrebatou o prêmio em Moscou, aos 23 anos.

Ao centro, a partir da esquerda: Ashkenazy, o premiê soviético Nikita Kruschov e Ogdon

A edição seguinte, em 1962, ficou marcada por um empate entre dois jovens, futuros titãs, mas que já experimentavam ali algum sucesso internacional: o russo Vladimir Ashkenazy, 24 anos, e o inglês John Ogdon, 25. O júri tinha gente do mais alto calibre: além do presidente Emil Gilels, estavam nomes como Nadia Boulanger, Lev Oborin, Yakov Flier e a nossa dame Magdalena Tagliaferro. A Guerra Fria estava, como dizem os jovens hoje em dia, torando – o episódio que ficou conhecido como Crise dos Mísseis, em que o planeta quase foi pro beleléu, estava logo ali na esquina: aconteceu em outubro daquele ano.

Nadia Boulanger e Emil Gilels julgando pacas

Este disco traz as gravações das finais do concurso. Ashkenazy interpreta duas peças do padroeiro do concurso, ele mesmo, Piotr Ilyich Tchaikovsky: o Concerto para Piano nº 1, em si bemol menor, op. 23Dumkaop. 59. Já Ogdon optou por duas peças do húngaro Franz Liszt: O Concerto para Piano nº 1, em mi bemol maior, e a Valsa Mefisto nº 1.

O encarte do disco traz um interessante relato de Ashkenazy, pinçado de sua autobiografia Beyond Frontiers, de 1984, escrita em parceria com o tycoon de agenciamento de artistas eruditos Jasper Parrott:

       “Eu disse [ao Ministro da Cultura] que não queria participar, sobretudo porque não era o meu tipo de música. Eles responderam: ‘Como assim? Como você pode dizer que Tchaikovsky, nosso grande compositor russo, não é o seu tipo de música?’ Então, no fim, eu tive que engolir minhas palavras – simplesmente não havia maneiras de fazê-los entender que um artista pode ser mais adequado para tocar, digamos, Beethoven que Tchaikovsky…

       De todo modo, eu ainda era muito jovem e acostumado a aceitar que na União Soviética você não resiste por muito tempo à pressão que vem de cima se você não quer a sua vida arruinada das mais diferentes formas. Por fim, como esperava-se tanto de mim, foi difícil não aceitar o desafio: ainda que não fosse a competição certa para que eu mostrasse o meu melhor trabalho.

       Mas, ainda que eu não tenha gostado da competição por causa de todas as pressões artificiais e musicais, assim que eu ouvi a maioria dos outros competidores eu realmente senti que tinha mais a dizer. Mas ganhar o primeiro prêmio era outra história. Até porque, no fim, ganhar depende muito de como você toca naquele dia em particular, e com toda a atenção voltada para o concerto em si bemol menor de Tchaikovsky na rodada final, o resultado era especialmente incerto. Para tocar toda aquela bravura, que eu na verdade detestava, você tem que crer de forma apaixonada além de ter o ‘equipamento’. E aquele tipo de tocar oitavado realmente não era o meu negócio – aquilo era pra John Ogdon, Van Cliburn e Horowitz.”

Ogdon realmente esmirilhava nas oitavas, mas era muito mais do que isso: foi um estupendo intérprete de Liszt, e esse disco mostra o brilho incandescente e vigoroso de seu pianismo. Também gravou alguns compositores menos óbvios, como Carl Nielsen e Charles-Valentin Alkan. Discípulo de Egon Petri, Ogdon teve sua carreira e sua vida tragicamente abreviados por uma esquizofrenia aguda, vindo a falecer precocemente em 1989, aos 51 anos.

Senhoras e senhores, sem mais delongas, apertem os cintos, pois vamos voar para Moscou, 1962. счастливого пути!

ps: Se alguém quiser brincar de jurado, a caixa de comentários está aberta e pitacos são muito bem vindos. Quem você premiaria?


1962 International Tchaikovsky Competition – The Draw

Piotr Ilyich Tchaikovsky (1840-93)

Concerto para Piano nº 1, op. 23, em si bemol menor
1. Allegro non troppo e molto maestoso; Allegro con spirito
2. Andantino semplice; Prestissimo
3. Allegro con fuoco

4. Dumka, op. 59 (“Scene from Russian country life”)

Vladimir Ashkenazy, piano
Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Konstantin Ivanov, regência

Franz Liszt (1811-86)

Concerto para Piano nº 1, em mi bemol maior
5. Allegro maestoso
6. Quasi adagio
7. Scherzo
8. Finale: Allegro marciale animato

9. Valsa Mefisto nº 1 (“A dança na estalagem”)

John Ogdon, piano
Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Victor Dubrovsky, regência

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Karlheinz

Richard Wagner (1813-1883) – Overtures & Orchestral music (Oslo Philharmonic Orchestra, Mariss Jansons)

Richard Wagner (1813-1883) – Overtures & Orchestral music (Oslo Philharmonic Orchestra, Mariss Jansons)

Um pequeno grande disco lançado em 1992, época em que a parceria artística entre o maestro letão Mariss Jansons (1943-2019) e a Orquestra Filarmônica de Oslo vivia alguns de seus tempos mais frutíferos. Jansons ficou à frente do grupo por 23 anos, entre 1979 e 2002, sucedendo Okko Kamu.

Embora seja mais comumente lembrado e associado por seu trabalho junto à Sinfônica da Rádio Bávara, em Munique, e à Royal Concertgebouw, em Amsterdã, outros dois conjuntos estelares que dirigiu por longos períodos, Jansons fez também um belíssimo trabalho dirigindo a orquestra norueguesa. Foi ali que sua carreira se consolidou, levando aos postos de principal regente convidado da Filarmônica de Londres, em 1992, e diretor musical da Sinfônica de Pittsburgh, em 1997.

Um jovem Jansons na época em que era aluno de Herbert von Karajan em Salzburgo

O álbum que trazemos hoje, com uma seleção de aberturas e trechos orquestrais de óperas de Richard Wagner (1813-1883), compositor com imensa influência sobre os rumos que a música tomou a partir de sua passagem por este planetinha azul. Wagner tem a peculiaridade, mais do que a maioria dos outros compositores, de ter sua obra apreciada em dois tipos de situação um tanto distintas: ou nas extensas versões integrais de suas óperas, ou com trechos instrumentais dessas óperas (aberturas, prelúdios, interlúdios) apresentados como peças de concerto. Esse disco é um legítimo representante desta segunda forma de relacionar-se com a obra wagneriana.

O Wagner aqui apresentado reluz algumas das características mais marcantes da música que Jansons e os noruegueses produziram ao longo das décadas de trabalho conjunto: um som muito claro e límpido, frases bem delineadas e profundamente melódicas, grande precisão dinâmica e uma capacidade ímpar de criação de texturas sonoras. Jansons tinha uma maneira de reger muito elegante e sutil, algo difícil de se colocar em palavras, mas que de alguma forma parece transparecer em suas gravações, sobretudo com essas orquestras com quem manteve longevas parcerias.

Meus destaques pessoais do álbum, puramente subjetivos: A abertura de Tannhäuser e o prelúdio para o terceiro ato de Lohengrin. 

Richard Wagner – Overtures & Orchestral Music

  1. Die Meistersinger von Nürnberg – Prelude to Act I
  2. Tristan und Isolde – Prelude to Act 1
  3. Tristan und Isolde – Liebestod
  4. Tannhäuser – Overture
  5. Gotterdämerung – Trauermarsch (Funeral March)
  6. Die Walküre –The Ride Of The Valkyries
  7. Lohengrin – Prelude to Act 3
  8. Rienzi – Overture: Molto sostenuto e maestoso
  9. Rienzi – Allegro energico

Oslo Philharmonic Orchestra
Mariss Jansons, regência

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Karlheinz

Sergei Prokofiev (1891-1953): Pedro e o Lobo, op. 67 (Rita Lee, Orquestra Nova Sinfonieta, Roberto Tibiriçá)

Sergei Prokofiev (1891-1953): Pedro e o Lobo, op. 67 (Rita Lee, Orquestra Nova Sinfonieta, Roberto Tibiriçá)

Ontem o Brasil perdeu uma de suas maiores artistas: Rita Lee Jones de Carvalho (1947-2023), ou simplesmente Rita Lee, para todos os milhões de pessoas que a temos, eternamente, como rainha. Sequer vou tentar colocar em palavras aqui o que ela representa; tudo soaria pequeno, banal, clichê, e de ontem pra hoje uma boa turma fez isso muito melhor do que eu faria.

Minha pequena homenagem vai na forma de trazer pra vocês este pequeno disco que foi muito, mas muito, mas muito importante na minha vida. Foi seguramente a fita K7 que mais escutei nessa minha caminhada nesse planetinha azul. O clique para a música clássica viria um pouco mais tarde, aos 12 anos, por obra de meu irmão e um par de discos de Vladimir Horowitz e Glenn Gould que ele trouxera de uma viagem aos Estados Unidos.

Mas as sementes foram lançadas com aquela fitinha K7 que trazia Rita Lee narrando Pedro e o Lobo, op. 67, de Sergei Prokofiev, junto com a Orquestra Nova Sinfonieta regida por Roberto Tibiriçá. O fascínio, o estímulo à imaginação e à fantasia, a crença no poder mágico dos sons organizados em forma de música: estava tudo ali. Era o começo de uma jornada de vida inteira pelas maravilhas do som e dos instrumentos.

Por isso, e por mais um tantão de coisa: obrigado, Rita! Que a volta aí pras estrelas seja bacana…

 

Sergei Prokofiev (1891-1953)
Pedro e o Lobo, op. 67
fábula sinfônica para crianças

Rita Lee, narração
Orquestra Nova Sinfonieta
Roberto Tibiriçá, regência

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Karlheinz

César Franck (1822-1890) – Sinfonia em ré menor / Camille Saint-Saëns (1835-1921) – Le Rouet d’Omphale, op. 31 – Orquestra Nacional da França, Leonard Bernstein

César Franck (1822-1890) – Sinfonia em ré menor / Camille Saint-Saëns (1835-1921) – Le Rouet d’Omphale, op. 31 – Orquestra Nacional da França, Leonard Bernstein

Peço licença ao mestre e colega PQP Bach para usar, sob minha pessoal e intransferível responsabilidade, o seu selo de distinção, pois esse disco merece: IM-PER-DÍ-VEL!!!

Este precioso registro ao vivo de um concerto no Théâtre des Champs-Elysées, em Paris, é simplesmente uma das mais poderosas gravações desta belíssima sinfonia, a única escrita pelo francês-nascido-na-Bélgica-mas-que-na-época-não-era-Bélgica César-Auguste Jean-Guillaume Hubert Franck, ele mesmo, César Franck (1822-1890).

É um disco que, no meu pequeno altar de devoção pessoal, ocupa um lugar especial tanto por ser uma das minhas gravações favoritas dessa belíssima sinfonia (Furtwängler, Dutoit, Sanderling e Munch são outras que vêm à mente) como também uma das minhas gravações favoritas de mister Leonard Bernstein, que leva a Orquestra Nacional da França às “máximas alturas” do poema de Augusto dos Anjos. Sei que estou soando superlativo, e a idéia é essa mesmo.

Sinfonia em ré menor foi a última das grandes obras compostas por Franck, escrita entre 1886 e 1888 (ele morreria pouco depois, em 1890). É a culminação de um arco criativo que reúne suas obras mais belas e interessantes: o Quinteto para piano em fá menor (1879), o Prelúdio, coral e fuga para piano solo (1884) e a estupenda Sonata para violino e piano em lá maior (1886).

Tudo é tão radiante e tão bem construído que é difícil destacar alguma coisa nessa gravação, já que meio que tudo é digno de nota. Seriam os cintilantes fraseados? A beleza dos timbres? A forma como Bernstein e os franceses encontram um balanço perfeito entre a rica delicadeza artesanal dos detalhes e a opulência grandiosa do todo? Estejam desde já convidados a dividir seus pensamentos e emoções aqui na caixinha de comentários. Sinto que tudo que se possa dizer soa algo banal frente a tamanha façanha artística, mas não seria essa justamente uma das delícias de se escutar música assim, tão finamente tecida?

Das notas do encarte do disco, de Petra Weber-Bockholdt, em tradução livre deste escriba:

“Composta em 1868-1888, a ‘Sinfonia em ré menor’ de Franck é uma obra tardia que o músico concluiu aos 66 anos, dois anos antes de sua morte. Essa sinfonia pode ser descrita como uma das principais obras de sua época, pois reúne características essenciais da música composta naquele período. Ela se baseia na chamada forma cíclica, um método de ligação temática que, embora não tenha sido ‘inventado’ por Franck, deve a ele impulsos essenciais como princípio composicional.

No decorrer da sinfonia, os temas dos vários movimentos se mostram relacionados ou, pelo menos, semelhantes, de modo que podem ser unidos ou – soando simultaneamente – combinados uns com os outros. Essa ligação direta ocorre nessa sinfonia, bem como em muitas outras obras que seguem esse princípio de organização. No Finale, Franck analisa todos os temas da sinfonia com mais ou menos detalhes.

A concentração em determinadas formas temáticas é acompanhada pelo esforço de processá-las artisticamente, de ‘realizá-las’. Ambos são um legado da tradição musical alemã. Em contraste, a obra revela sua origem francesa por meio da mudança frequente de humores e atitudes musicais, que, ao se sucederem, dão a impressão de episódios diferentes. Essa característica está relacionada ao caráter pictórico da música francesa, que é moldada por ideias gestuais.”

Completa o saudoso lado b do disco um pequeno poema sinfônico de Camille Saint-Saëns, Le Rouet d’Omphale, de engenhosa orquestração. Uma daquelas pequenas peças de programa, que antecedem o concerto e, depois do intervalo, uma sinfonia. (arquivos corrigidos, com a inestimável ajuda do nosso querido René Denon!)

Em suma, um discaço, senhoras e senhores!

César Franck (1822-1900)
Sinfonia em ré menor

1.  I – Lento
2. II – Allegretto – attacca
3. III. Allegro non troppo

Camille Saint-Saëns (1835-1921)
Le Rouet d’Omphale, op. 31

4. Andantino – Allegro – Tranquilo e scherzando

Orchestre National de France
Leonard Bernstein, regência

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Quer fazer os naipes da sua orquestra brilharem? Ask Lenny

Karlheinz

.: interlúdio :. The Moscow Male Jewish Capella – This Year in Jerusalem

Resolvi dedicar o meu primeiro post da seção “interlúdio” a um disco que comprei em uma velha noite fria na capital alemã. Um dia que ficou marcado em minha memória com alguma nitidez, já que foi a única vez em que, como gentio, tive permissão para entrar na sinagoga da Rykestraße, ao pé da Wasserturm, no coração do bairro de Prenzlauer Berg. A razão que me levou até ali, para além de uma grande curiosidade que eu tinha de conhecer o prédio, desde que morei ali pertinho, foi uma apresentação do The Moscow Male Jewish Cappella, como parte dos Jüdische Kulturtage em Berlim.

Fiquei muito tocado com o concerto, por muitos motivo. A beleza daquelas vozes em harmonia, a força ancestral daquelas canções, o próprio ato simbólico de assistir a um coral judeu russo em uma antiga sinagoga na capital alemã, uma das poucas a sobreviver à selvageria nazista da Noite dos Cristais, em novembro de 1938, por um puro capricho arquitetônico: uma vez que o prédio da sinagoga é geminado com os vizinhos, era impossível incendiá-lo sem que as chamas tomassem conta dos prédios que dividem parede com ele.

A sinagoga da Rykestraße, no bairro de Prenzlauer Berg, em Berlim

Outra lembrança marcante daquela noite foi a presença de metralhadoras, uma visão bem rara no cotidiano berlinense. A segurança daquela noite foi feita por agentes policiais fortemente armados, que caminhavam de um lado para o outro ao lado de fora da sinagoga. A luz que atravessava os vitrais formava enormes sombras desses silenciosos policiais, lembranças espectrais de que o mundo é um lugar perigoso e cheio de ódio e intolerância.

Memórias à parte, o disco que trago nesse post é um pequeno cartão de visitas do coro, fundado em 1989. Com um repertório um tanto eclético – com música tradicional judaica, jazz, Besame Mucho e um par de canções napolitanas – e arranjos que de vez em quando resvalam em divertida cafonice, ele certamente vale a audição e comprova a versatilidade do conjunto. Para quem gosta de música coral é uma pequena janela para a fortíssima tradição russa no ramo. A regência fica por conta de Alexander Tsaliuk, diretor artístico do grupo.

Nesses tempos de guerra, em que a humanidade mostra a sua pior face, é ainda mais importante que nos voltemos para as coisas belas que essa mesma humanidade cria.

Karlheinz

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1. Rachem
2. Avinu Shebashamaim
3. Liben’ke
4. Abisl Glik
5. Ierushalaim Shel Zagav
6. Ochi Cherniye
7. Jamaica
8. Puttin’ on the Ritz
9. V’Al Kulam
10. Besame Mucho
11. Ave Maria
12. Tum Balalayka
13. Moshiah
14. Shalandy
15. 7/40
16. Funiculi Funicula
17. Jerusalem
18. Statue of Liberty
19. Hava Nagila
20. Bei Mir Bist Du Schön
21. Od Yishama
22. Lekhaim
23. Papirossen
24. Avinz Malkeynu

The Moscow Male Jewish Cappella
Alexander Tsaliuk, regência

Egon Petri (1881-1962) – His Recordings 1929-42, vol. 3– Chopin, Busoni, Franck, Schubert, Bach, Gluck (2 CDs)

Egon Petri (1881-1962) – His Recordings 1929-42, vol. 3– Chopin, Busoni, Franck, Schubert, Bach, Gluck (2 CDs)

Egon Petri (1881-1962) foi um pianista de cidadania holandesa nascido na Alemanha. Dono de uma técnica refinada, é alguém ainda por ser propriamente redescoberto pelos ouvintes do século XXI. Seu nome não é lembrado e louvado com a atenção que merece, talvez justamente por encarnar uma espécie de forma de tocar que tem algo de arcaica, com raízes profundas no século XIX.

Petri foi um dos discípulos mais dedicados do lendário pianista, compositor e professor italiano Ferruccio Busoni (1866-1924), e um ardoroso defensor de sua música, por toda a vida. Petri acompanhou Busoni à Suíça durante a Primeira Guerra Mundial e posteriormente seguiu o mestre para Berlim, onde também deu aulas. Entre seus alunos estavam Vitya Vronsky (do duo Vronsky & Babin), Gunnar Johansen e o comediante e pianista dinamarquês Victor Borge.

Em 1927 ele se estabeleceu em Zakopane, na Polônia, dedicando-se ao ensino e a gravações. Ele viveu lá até 1939, quando escapou às pressas literalmente na véspera da invasão alemã, em setembro daquele ano. Petri então passou a dar aulas na Cornell University, em Ithaca, e mais tarde no Mills College, em Oakland. Ele se naturalizaria americano nos anos 50, e teve entre seus pupilos em solo americano o brilhante pianista inglês John Ogdon (1937-89), aquele que dividiu o primeiro lugar do Concurso Tchaikovsky com Vladimir Ashkenazy em 1962 (as finais deste concurso foram lançadas em disco e logo mais vão pintar aqui no PQP).

As gravações presentes neste disco duplo são deste trágico período, em que Petri teve que cruzar um oceano para sobreviver, realizadas entre 1938 e 1942. São testemunhos sonoros de uma época e de uma filosofia musical e pianística.

Duas curiosidades desimportantes sobre Busoni. A primeira é que o nome completo dele é, no mínimo, pomposo: Dante Michelangelo Benvenuto Ferruccio Busoni. A segunda é que ele está enterrado no Friedhof Schöneberg III, também conhecido como Friedhof Stubenrauchstraße, mesmo endereço em que também desfrutam o repouso eterno a atriz Marlene Dietrich e o fotógrafo Helmut Newton.

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CD 1

1 – SCHUBERT-TAUSIG: Andante & Variations
2 a 25 – CHOPIN: Preludes, op. 28
26 a 28 – FRANCK: Prélude, choral et fugue

CD 2

1 – GLUCK-SGAMBATI: Mélodie
2 – J. S. BACH-PETRI: Menuet
3 – J. S. BACH-BUSONI: Ich ruf’ zu dir, Herr Jesu Christ
4 – J. S. BACH-BUSONI: In dir ist Freude
5 – J. S. BACH-BUSONI: Wachet auf, ruft uns die Stimme
6 – J. S. BACH-BUSONI: Nun freut euch, lieben Christen gemein
7 – BUSONI: Fantasia after J. S. Bach
8 – BUSONI: Serenade (Mozart, Don Giovanni)
9 – BUSONI: An die Jugend, no. 3
10 – BUSONI: Sonatina no. 3
11 – BUSONI: Sonatina no. 6
12 – BUSONI: Indianisches Tagebuch
13 – BUSONI: Albumblatt no. 3
14 – BUSONI: Elegie no. 2

Karlheinz

Carlo Gesualdo (1566-1613): The Complete Madrigals – Delitiæ Musicæ, Longhini (7 cds)

Carlo Gesualdo (1566-1613): The Complete Madrigals – Delitiæ Musicæ, Longhini (7 cds)

É sempre uma tarefa complicada escrever sobre Carlo Gesualdo da Venosa (1566-1613) por conta de certos dados de sua biografia, um tanto quanto peculiares, que terminam por ser de alguma forma incontornáveis. O escriba então se vê frente ao dilema entre a omissão de fatos de grande magnitude, por um lado, e do risco perene de que esses temas contaminem de forma indevida a apreciação geral de sua obra, cuja excepcional qualidade por si só transcende e muito as discussões mais, digamos, folhetinescas de sua biografia.

O fato é que na noite de 16 de outubro de 1590 Gesualdo flagrou sua esposa, Maria D’Avalos, em flamejante adultério com Fabrizio Carafa, terceiro Duque de Andria e sétimo Conde de Ruovo. Os amantes foram assassinados a sangue frio no ato, no palazzo San Severo, em Nápoles. Após uma breve investigação, Gesualdo foi declarado inocente, já que teria apenas agido em legítima defesa da honra.

Seu segundo casamento, com Leonora D’Este, tampouco foi feliz. Ela o acusou diversas vezes de uma série de abusos, passando grande tempo longe. O passar dos anos fez com que Gesualdo mergulhasse no isolamento e na depressão e em acusações de envolvimento com ocultismo e bruxaria. Gesualdo morreu eu seu castelo em Avellino, na Campânia, em 8 de setembro de 1613.

Há um filme muito interessante sobre ele feito pelo brilhante cineasta alemão Werner Herzog. Gesualdo: Morte para Cinco Vozes (“Tod für fünf Stimmen”), de 1995, faz um entrelace interessantíssimo entre música e vida, biografia e encenação, documentário e ficção. Percursos por seu castelo e locais importantes de sua vida são entrecortados por performances de alguns de seus madrigais. Os madrigais, aliás, são o coração espiritual e estético de sua obra, que também compreende dois ciclos de canções sacras e uma coletânea de música destinada à Semana Santa.

Para comemorar o aniversário de Carlo Gesualdo da Venosa, neste dia 30 de março (e que, por uma singela coincidência, também é o aniversário deste que escreve estas linhas), o post traz a integral dos madrigais, com seis livros compostos entre 1594 e 1611. Esta integral foi reunida em uma caixa pelo selo Naxos, com interpretação do conjunto vocal Delitiaæ Musicæ sob regência de Marco Longhini.

 

Francesco Mancini, retrato de Carlo Gesualdo, séc XVIII

Os madrigais de Gesualdo são algumas das peças mais belas e extraordinárias já escritas para grupos vocais. São intrincadas construções harmônicas e cromáticas, complexos contrapontos que resultam em obras profundamente expressivas e sentimentais. São verdadeiros feitos da experiência humana neste planetinha azul que vaga cego pelo espaço, pequenas catedrais musicais em miniatura.

Ainda que sejam essencialmente seculares, os madrigais têm um efeito que acessa outros planos para além da pura experiência acústica e física. Em outras palavras, são composições tão poderosas que parecem ter a capacidade de fazer o ouvinte mergulhar em alguma espécie de oração durante o ato da escuta. É fácil perder-se no tempo e no espaço se escutamos esses discos com a atenção que eles, suavemente, exigem de nós.

São obras que carregam consigo uma beleza terrivelmente trágica, algo que cala fundo na alma e que é muito complicado de ser traduzido em palavras. Agradeço, desde já, aos que porventura quiserem dividir, nos comentários, um pouco das impressões e emoções causadas por essa poderosa obra.

Sempre penso nesses ciclos de madrigais de Gesualdo e de Claudio Monteverdi (1567-1643) como veementes exemplos do poder que a música tem sobre nós. Que grandeza o ser humano pode atingir com apenas cinco vozes! Quanta beleza, quanta paixão, quanta vida (e quanta morte) cabem em cada um desses madrigais. É música de uma grandeza infinita…

 

***

O castelo de Gesualdo, em Avelino, a leste de Nápoles

“ (…) Quase uma mania, Gesualdo. Pois eles o amavam, claro, e cantar seus às vezes quase incantáveis madrigais demandava um esforço que se prolongava no estudo dos textos, procurando a melhor forma de aliar os poemas à melodia, como o príncipe de Venosa fez, à sua maneira obscura e genial. Cada voz, cada tom devia encontrar aquele centro esquivo do qual surgiria a realidade do madrigal, e não uma das tantas versões mecânicas que às vezes escutavam em discos para comparar, para aprender, para ser um pouco Gesualdo, príncipe assassino, senhor da música. (…)

Este é um trecho do conto “Clone”, do livro Amamos tanto a Glenda, de Julio Cortázar, publicado em 1980 (aqui em tradução de Josely Vianna Baptista, Cia. das Letras, 2021). Os madrigais de Gesualdo são um protagonista desse interessante conto. Um pequeno indício material de como a vida e a obra do príncipe de Venosa influenciaram diversos artistas ao longo dos últimos séculos.

Para evitar um post gigantesco com uma lista imensa de faixas dos álbuns, elas serão reunidas em um arquivo de texto que integra o download. Grosso modo, os discos estão divididos da seguinte forma:

CD 1: Primeiro Livro de Madrigais
CD 2: Segundo Livro de Madrigais
CD 3: Terceiro Livro de Madrigais
CD 4: Quarto Livro de Madrigais
CD 5: Quinto Livro de Madrigais (parte um)
CD 6: Quinto Livro de Madrigais (parte dois) & Sexto Livro de Madrigais (parte um)
CD 7: Sexto Livro de Madrigais (parte dois)

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Karlheinz

Camargo Guarnieri (1907-1993): “Choro para piano e orquestra” e outras peças para piano – Caio Pagano

Mozart Camargo Guarnieri em sua residência

Este álbum, que guardo como um pequeno tesouro em minha coleção (apenas por uma ligação afetiva e pessoal, sem critérios lá muito objetivos), traz o registro de algumas das composições pianísticas do compositor Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993) na interpretação daquele que talvez seja o intérprete mais natural de suas obras: o paulistano Caio Pagano. É um pequeno mosaico composto por seu opus magnus para piano e orquestra – o Choro, de 1956 – e algumas peças solo, entre elas a Sonatina nº 4 e Em memória de um amigo, dedicada a Caio por ocasião da morte de seu pai.

Dedicado ao pianista Arnaldo Estrella, solista da estreia em 1957, o Choro para piano e orquestra encontrou na interpretação de Caio Pagano uma serenidade fluida, com traquejo para as constantes mudanças rítmicas e sensibilidade melódica para desenho das frases musicais. A obra é um dos melhores exemplos do grande melodista que Camargo Guarnieri foi.

Assim descreveu a obra o professor César Buscacio (UFOP): “No primeiro movimento, Cômodo, em caráter seresteiro, Guarnieri adota o princípio da variação temática. O piano dialoga com a orquestra, atingindo grande expressividade ressaltada pela dinâmica, do pianíssimo ao fortíssimo, para, em seguida, retomar a atmosfera intimista inicial, que encerra o Cômodo e prepara o movimento central, Nostálgico. Esse movimento, inspirado numa melancólica canção sertaneja, é marcado por uma atmosfera obscura provocada por harmonização expressiva e dinâmica muito suave. Uma sentida melodia é introduzida pelo clarinete e, em seguida, reafirmada e ampliada pelo piano. A parte central desse movimento atinge grande dramaticidade no discurso musical, pela densidade da massa orquestral, até voltar a acalmar-se com a retomada do tema inicial e a finalização por uma coda conduzida pelo piano. Já o terceiro movimento, Alegre, evoca o caráter dançante recorrente na música brasileira. Observa-se o predomínio de uma rítmica contundente, na qual o compositor reafirma humor e vivacidade por meio dos ritmos sincopados, e da ênfase na orquestração, que coloca em destaque os instrumentos de metal e percussão.”

Caio Pagano

Entre as peças para piano solo que completam o álbum, gosto especialmente dos seis Ponteios, executados aqui com elegância refinada – o tipo de refinamento que emerge da clareza e da simplicidade, desprovido de qualquer espécie de afetação. Uma concepção pianística que honra a linhagem em que Pagano foi formado: ele foi discípulo de Magdalena Tagliaferro, cujas interpretações eram muito marcadas por essas ideias.

O disco ainda promove um curioso e interessante encontro globalizado: regida pelo norte-americano Paul Freeman, a orquestra que acompanha Pagano no Choro é a Orquestra Sinfônica Nacional Checa. A obra foi gravada, inclusive, na Sala de Concertos da Rádio Nacional em Praga (as peças para piano solo, por sua vez, foram registradas no Arizona, onde Pagano leciona e reside).

Piano music of Camargo Guarnieri

Choro para piano e orquestra
1. Cômodo
2. Nostálgico
3. Alegre

Orquestra Sinfônica Nacional Checa
Paul Freeman, regência
Caio Pagano, Piano

Sonatina nº 4
4. I – Com Alegria
5. II – Melancólico
6. III – Gracioso

7. Dança Negra
8. Ponteio nº 22
9. Ponteio nº 24
10. Ponteio nº 30
11. Ponteio nº 45
12. Ponteio nº 46
13. Ponteio nº 49
14. Em memória de um amigo (dedicada a Caio Pagano)

Caio Pagano, piano

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Karlheinz

J. S. Bach (1685-1750): Concertos para 2, 3 e 4 pianos (Eschenbach, Oppitz, Frantz, Schmidt)

J. S. Bach (1685-1750): Concertos para 2, 3 e 4 pianos (Eschenbach, Oppitz, Frantz, Schmidt)

338 ANOS DE PAPAI BACH!!

Como perguntou o querido René Denon aos demais pqpianos hoje: Deus faz aniversário? Uma boa questão, e a resposta varia de acordo com a religião de cada um. Para nós, que somos devotos de Johann Sebastian Bach, a resposta é sim, e é justamente hoje, 21 de março, que comemoramos a chegada do filho mais notório de Eisenach neste planetinha azul…

Dando prosseguimento às comemorações aqui no blog, um disquinho algo curioso: os concertos para 2, 3 e 4 pianos de Bach tocado por três grandes nomes da música alemã – Christoph Eschenbach (que também rege a Filarmônica de Hamburgo), Justus Frantz e o jovem talento Gerhard Oppitz – e um, digamos, pianista bissexto. Mas não um qualquer! Trata-se de Helmut Schmidt, que, na época dessas gravações (fevereiro de 1985), era “apenas” membro do parlamento e ex-chanceler da Alemanha, sucedendo ninguém menos do que Willy Brandt.

E a verdade é que Schmidt não faz feio (reforçando uma opinião já esboçada quando de sua gravação dos concertos de Mozart, ao lado de parte da turma desse disco). São gravações simpáticas, leves, que jogam luz sobre um repertório que não está entre os mais tocados do velho mestre. Um disco despretensioso, que não decepciona.

O encarte traz um trecho de um discurso proferido por Schmidt em Hamburgo por ocasião do 300º aniversário de Bach:

“Há dez anos, durante uma visita à Feira de Leipzig, nós escutamos uma cantata de Bach executada na Thomaskirche. A igreja estava lotada até o último assento. Nós ficamos calmamente observando aquele lugar. Nosso olhar caiu então sobre uma longa rosa vermelha caída sobre o chão. Um exame mais detido mostrou que ela repousava sobre uma placa memorial. Sua simplicidade, sem adornos, trazia o nome e as datas de Johann Sebastian Bach. Eu fui tomado por uma indescritível sensação. Ali em sua Thomaskirche, ouvindo sua música, eu tomei consciência de tudo que, ao longo de toda minha vida, me fez ser grato pela música de Bach.

A música é um fenômeno cultural internacional, trans-nacional. Viver sem música – esse poderia ser o destino de uma geração que afunda em meio a um mar de ruídos. A cultura musical é algo que deve ser sempre preservado e recriado. Devemos, por isso, assegurar que se cante e que se toque música em nossos lares e escolas, para que as novas gerações aprendam a encontrar a alegria que a música oferece a elas.”

Alles Gute zum Geburtstag, Herr Bach!

Karlheinz

Helmut Schmidt e sua esposa Loki visitando Justus Frantz

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Johann Sebastian Bach (1685-1750)

Concerto para 4 pianos e cordas em lá menor, BWV 1065
1. I – (sem indicação de tempo)
2. II – Largo
3. III – Allegro

Solistas: Christoph Eschenbach, Justus Frantz, Gerhard Oppitz, Helmut Schmidt

Concerto para 2 pianos e cordas em dó maior, BWV 1061
4. I – (sem indicação de tempo)
5. II – Adagio ovvero Largo
6. III – Fuga

Solistas: Christoph Eschenbach, Justus Frantz

Concerto para 2 pianos e cordas em dó menor, BWV 1060
7. I – Allegro
8. II – Adagio
9. III – Allegro

Solistas: Justus Frantz, Christoph Eschenbach

Concerto para 3 pianos e cordas em ré menor, BWV 1063
10. I – (sem indicação de tempo)
11. II – Alla Siciliana
12. III – Allegro

Solistas: Christoph Eschenbach, Gerhard Oppitz, Justus Frantz

Orquestra Filarmônica de Hamburgo
Christoph Eschenbach, regência

Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia no. 9 em Ré menor (Walter, Viena, 1938)

Entre as características inerentes à música, há uma dualidade essencial que parece se manifestar de forma mais cristalina quando se trata da chamada música clássica: a questão da presença. Se, por um lado, a experiência de um concerto ao vivo nos desperta uma série de sensações (físicas, espirituais, anímicas) que nascem da vivência coletiva de compartilhar o silêncio com outras pessoas para escutar algo em comum, por outro a música gravada tem uma capacidade ímpar entre as artes de nos transportar para outros tempos, outros lugares e mundos.

Há algo de quase mágico em poder sentar-se em casa na terceira década do terceiro milênio da era cristã e escutar, em detalhes, o que fizeram gente como Glenn Gould, Birgit Nilsson, Msitslav Rostropovich ou Guiomar Novaes. É uma riqueza inestimável, uma Cocanha eterna de beleza, verdade e sentimento.

Nesse sentido, o disco de hoje é histórico no mais profundo dos sentidos — com toda a grandeza trágica que isso carrega consigo. Trata-se da gravação da Nona Sinfonia, em Ré menor, de Gustav Mahler (1860-1911), feita por Bruno Walter à frente da Orquestra Filarmônica de Viena, em 16 de janeiro de 1938, no Musikverein, no centro da capital austríaca.

Ao parágrafo anterior, adiciono duas informações. A primeira é que a estreia da obra, já após a morte do compositor, foi em 1912 com o mesmo Bruno Walter à frente da mesma Filarmônica de Viena. A segunda é que semanas após essa gravação as tropas nazistas invadiram a Áustria e a orquestra expurgou os membros judeus do grupo, incluindo o próprio maestro Walter, que terminaria por emigrar para os Estados Unidos e se tornaria diretor artístico da Filarmônica de Nova York, uma parceria mitológica.

A Stolperstein de Bruno Walter em Salzburgo, na Áustria.

Sinfonias são, afinal, manchas de tinta preta em uma página em branco; sinais que, traduzidos pelos músicos, viram sons organizados no tempo. A equação é simples, mas contém em si esse elemento de infinitas possibilidades que é o ser humano. Escutar a Filarmônica de Viena naquele janeiro de 1938, o último respiro antes de um longo abismo de trevas, é sentir a urgência daquele momento, naquele lugar.

Frente a tudo isso, penso que devo me furtar a falar qualquer coisa mais sobre esse disco; tudo correria o risco de soar banal frente ao absoluto feito histórico que é essa gravação ter sobrevivido a um dos períodos mais terríveis da história da humanidade. O disco é um testemunho de um mundo que desabaria para nunca mais ser o mesmo. A guerra foi uma mancha que transformou a tudo que tocou, e para a sociedade vienense daquele final de década o impacto foi profundo. O pesadelo estava apenas começando.

Bruno Walter, o responsável por estrear a Nona de Mahler

Gustav Mahler (1860-1911)
Sinfonia no. 9 em Ré menor
(1912)

1. Andante comodo
2. Im Tempo eines gemächtlichen Ländlers
3. Rondo – Burleske
4. Adagio

Orquestra Filarmônica de Viena
Bruno Walter, regência

16.01.1938
Musikverein, Viena

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Karlheinz

… e como ninguém vem ao nosso programa e sai de mãos vazias, um pequeno bônus para esse post: o áudio de Walter ensaiando a mesma Nona em um contexto bem diferente: 1962, Los Angeles, à frente da Columbia Symphony Orchestra. Que tesouro, que acontecimento que é escutar alguns minutos desse ensaio! Conseguimos ter uma pequena amostra da maneira de trabalhar de Walter na preparação para um estúdio de gravação. O homem que regeu a estreia da peça, amigo pessoal do velho Gustav! Wahnsinn, como dizem os alemães.

J. S. Bach / Brahms / Chopin / Rachmaninov / Domenico Scarlatti / Schubert / Schumann: Yara Bernette – Encores – Semana do Dia Internacional da Mulher

Nota: esta postagem, assim como todas as demais com obras de Heitor Villa-Lobos, não contém links para arquivos de áudio com obras do gênio brasileiro, pelos motivos expostos AQUI


Uma semana de celebrações por conta do Dia da Mulher não poderia deixar de prestar reverência a um território específico de excelência no nosso panorama musical: o piano. A galeria de pianistas brasileiras é uma verdadeira constelação que atravessa gerações: Guiomar Novaes, Magda Tagliaferro, Cristina Ortiz, Eliane Rodrigues, Erika Ribeiro, Diana Kacso, Linda Bustani, Clara Sverner, Menininha Lobo, Mariinha Fleury, Anna Stella Chic, Eudóxia de Barros, Felicja Blumental (nascida na Polônia, naturalizada brasileira), Rosana Martins…

Entre elas, uma estrela brilha com particular intensidade, por conta de sua sonoridade singular: estamos falando de Yara Bernette (1920-2002), uma artista de carreira tão impecável quanto longeva: foram mais de 4.000 concertos e recitais, ao longo de quase sete décadas. Uma vida inteira dedicada ao instrumento.

O verbete dedicado a ela na Enciclopédia do Instituto do Piano Brasileiro, escrito por Marcia Pozzani, está bem completo e rico em informações – vale a leitura. Para atiçar um pouco a curiosidade, no entanto, deixo um trecho de uma crônica escrita por Tarsila do Amaral (recolhida no livro Tarsila Cronista, organizado por Aracy Amaral e publicado pela Edusp em 2001). Ela relata uma história contada para ela pela própria Yara, quando se vira em apuros ao estar sem uma partitura para um concerto no Canadá. É um delicioso relato do frisson causado pela pianista, que a levaria inclusive até a glória de ter o selo dourado da Deutsche Grammophon estampado na capa de seus discos:

       ” (…) Nisso bate alguém na porta. Aparece um velhinho simpático – o maior crítico musical do Canadá – com uma música na mão e diz: “Miss Bernette, desculpe incomodá-la justamente agora, mas estou curioso por saber se a ‘Chaconne’ que a senhora vai tocar é desta edição”. Yara Bernette diz ao anjo que os céus lhe enviaram: “Peço-lhe deixar aqui a música. No primeiro intervalo conversaremos”. Deu-se o milagre. E o mais interessante é que o crítico não costumava levar música aos concertos. Apenas abriu a primeira página, foi chamada para o palco. Nunca tocou tão bem como naquela noite. O crítico musical, A. A. Alldrick, que a salvara sem o saber, dedicou-lhe excepcionalmente dois artigos ao invés de um, como de costume, afirmando no Winnipeg Free Press: “O recital de Yara Bernette foi um acontecimento fascinante… Yara Bernette é obviamente uma artista do calibre de ‘uma entre mil’. 
       Ao terminar a narrativa a grande pianista me diz: “Desde então, sinto que existe na minha carreira artística uma proteção divina”.
       Mais tarde num de seus inúmeros concertos, dizia o crítico Irving Kolodin no New York Sun: “Miss Bernette, prendendo a atenção dos ouvintes, fez com que a versão da ‘Chaconne’ de Bach  por Busoni valesse a pena de ser ouvida. Isso acontece uma vez por temporada e essa vez coube a Miss Bernette na sua execução definitiva”.
       Na sua tournée pelo México, disse o crítico musical do Excelsior: “Há muito não ouvíamos uma pianista do seu calibre, e também há muito tempo nenhum outro pianista havia interessado tanto os críticos nem obtido tantos elogios”.
       O New York Post exclama: “Tirem os chapéus, senhores! Miss Bernette é a última e irresistível palavra”, enquanto o New York Sun comenta: “Talentos pianísticos deste calibre têm raros similares”. (…)”

Flavio de Carvalho, “Retrato de Yara Bernette”, óleo sobre tela, 1951

O disco que apresento nesse post – gravado em 1995, já nos últimos anos de vida de Yara, no auge de sua maturidade – evoca essas antigas turnês, já que reúne uma série de peças que ela costumava tocar como bis (ou encore, em francês) em seus concertos e recitais. São peças emblemáticas do repertório pianístico, que refletem as preferências da artista. As interpretações são puro deleite; é um disco a que retorno, de tempos em tempos, há muitos anos.

Lançado em comemoração pelos 75 anos da pianista, o álbum foi gravado em fevereiro de 1995 no Teatro Cultura Artística, no centro de São Paulo, em um dos Steinways que faziam parte do acervo da casa. Tragicamente, o piano queimou junto com o teatro no dantesco incêndio que o consumiu em 17 de agosto de 2008. São, portanto, memórias fonográficas de um tempo que um universo que já nos deixou.

Áudio da apresentação de Yara Bernette na TV Excelsior, em 1961, tocando Debussy e Chopin. Créditos, como de praxe, para o espetacular Instituto Piano Brasileiro

Viva Yara Bernette!

Karlheinz

 

1. Domenico Scarlatti (transcr. Carl Tausig) – Pastorale
2. Domenico Paradies – Sonata em Lá – Tocata
3. J. S. Bach (transcr. W. Kempff) – Sonata BWV 1.031 – Siciliano
4. Felix Mendelssohn – Rondó Capriccioso, op. 14
5. Felix Mendelssohn – Scherzo, op. 16 no. 2
6. Robert Schumann – Cenas Infantis, op. 15 no. 7 – Rêverie
7. Robert Schumann – Cenas da Floresta, op. 82 no. 7 – O pássaro profeta
8. Johannes Brahms – Intermezzo, op. 117 no. 2
9. Frederic Chopin – Mazurka, op. 7 no. 3
10. Frederic Chopin – Mazurka, op. 17 no. 4
11. Frederic Chopin – Mazurka, op. 24 no. 4
12. Frederic Chopin – Estudo póstumo no. 1
13. Frederic Chopin – Noturno, op. 48 no. 1
14. Frederic Chopin (transcr. Franz Liszt) – Canção polonesa, op. 74 no. 5 – Minhas alegrias
15. Claude Debussy – Segundo Caderno – Prelúdio no. 7 – La Terrasse des Audiences du Clair de Lune
16. Sergei Rachmaninoff – Prelúdio, op. 32 no. 5
17. Sergei Rachmaninoff – Prelúdio, op. 32 no. 10
18. Sergei Rachmaninoff – Prelúdio, op. 32 no. 12
19. Heitor Villa-Lobos – Suíte Prole do Bebê no. 1 – O Polichinelo

Yara Bernette, piano

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Ruth Crawford Seeger (1901-1953): Vocal and Chamber Music – Semana do Dia Internacional da Mulher

 

Existem artistas que lamentamos que, por circunstâncias da vida, tenham deixado uma obra mais curta do que poderiam. Entre eles, há um grupo mais seleto cujas obras não só resistem à passagem do tempo, como também, justamente por respirarem ousadia, tornam-se ainda mais interessantes. Só nos resta imaginar quanta música boa poderia ter nascido se as condições fossem mais favoráveis.

Este é certamente o caso de Ruth Crawford Seeger (1901-1953), uma compositora norte-americana que é muito menos tocada e conhecida do que deveria. Nascida em East Liverpool, Ohio, era filha de um pastor metodista, o que levou a família a perambular por diversas cidades de Ohio, Missouri e Indiana até se estabelecer em Jacksonville, Flórida.

Com grande sensibilidade para as artes, Ruth primeiro interessou-se por poesia, até que decidiu estudar música seriamente. Primeiro estabeleceu-se em Chicago e depois em Nova York, desbravando corajosamente um ambiente francamente machista, conquistando uma série de prêmios e bolsas de estudo. Ela foi a primeira compositora mulher a receber uma bolsa da Fundação Guggenheim, em 1930, que a levou a Berlim e Paris no ano seguinte. Foi na capital alemã que ela compôs sua obra mais influente e conhecida, o String Quartet 1931.

De volta aos Estados Unidos, ela se casou em 1932 com um de seus professores, o compositor e musicólogo Charles Seeger, que logo depois assumiu um cargo na capital Washington, no setor de música da Resettlement Administration, em meio aos programas de reconstrução da economia norte-americana em torno do new deal do presidente Franklin Roosevelt.

A união com Charles selou o destino de Ruth em muitos sentidos, já que sua promissora carreira de compositora foi sacrificada em nome do machismo e da construção de uma família. Sem receber apoio do marido, que expressamente declarava que ela deveria se relegar ao papel de mãe e esposa para que a carreira dele prosperasse, Ruth compôs poucas obras autorais nas duas décadas seguintes, até sua prematura morte por câncer em 1953.

Isso, no entanto, não impediu que desempenhasse um valiosíssimo trabalho no Arquivo de Música Folclórica da Biblioteca do Congresso, em Washington. Trabalhando ao lado de Alan e John Lomax, ela prestou uma imensa contribuição na preservação das raízes da música dos Estados Unidos, recolhendo temas, escrevendo arranjos, transcrições e organizando coletâneas de canções e música tradicional.

Entre os filhos do casal Ruth e Charles Seeger, ao menos dois seguiram de perto o trabalho dos pais: o cantor folk Mike Seeger e a cantora country Peggy Seeger.

***

Neste álbum, um dos portraits da série Continuum da gravadora Naxos, há um interessante apanhado dos anos de juventude de Ruth, reunindo obras compostas entre 1924 (o Prelude no. 1 – Andante, para piano) e 1932, quando regressa da Europa (Two Ricercari, para voz e piano, sobre poemas de H. T. Tsiang).

Ao longo das peças, para diferentes grupos e combinações de instrumentos, podemos intuir as razões que levam a obra de Crawford a ser situada como “modernista” na tradição composicional americana. Podemos notar como o ímpeto mais melódico, pós-romântico das primeiras obras vai se transformando em uma escrita mais precisa, econômica e radical.

Um pequeno disco que funciona como boa porta de entrada para o universo de uma compositora que merece ser muito melhor explorado.

Ruth Crawford Seeger (1901-1953): Vocal and Chamber Music

Suite for Five Wind Instruments and Piano
(1927; revised 1929)

1. Adagio religioso/Giocoso – Allegro non troppo
2. Andante tristo
3. Allegro con brio

Jayn Rosenfeld, flauta
Marsha Heller, oboé
Joch Craig Barker, clarinete
Daniel Grabois, trompa
Cynde Iverson, fagote
Cheryl Seltzer, piano
Joel Sachs, regência

Sonata for Violin and Piano
(1925-26)

4. Vibrante, agitato
5. Buoyant
6. Mistico, intenso; Allegro

Mia Wu, violino
Cheryl Seltzer, piano

Two Ricercari
(Poems of H. T. Tsiang)
(1932)

7. Sacco, Vanzetti
8. Chinaman, Laundryman

Nan Hughes, mezzo-soprano
Joel Sachs, piano

9. Prelude no. 1 – Andante (1924)
10. Prelude no. 9 – Tranquilo (1928)
11. Study in Mixed Accents (1930)

Cheryl Seltzer, piano

Diaphonic Suite no. 1 for Flute
(1930)

12. Scherzando
13. Andante
14. Allegro
15. Moderato, ritmico

Jayn Rosenfeld, flauta

Diaphonic Suite no. 2 for Bassoon and Cello
(1930)

16. Freely
17. Andante cantando
18. Con Brio

Susan Heineman, fagote
Maria Kitsopoulos, violoncelo

Three Songs
(Poems of Carl Sandburg)
(1930-32)

19. Rat Riddles
20. Prays of Steel
21. In Tall Grass

Nan Hughes, mezzo-soprano
Marsha Heller, oboé
Erik Charlston, percussão
Cheryl Seltzer, piano
Orchestral Ostinato
Joel Sachs, regência

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Karlheinz

Carlo Maria Giulini: The Chicago Recordings (4 cds)

Carlo Maria Giulini: The Chicago Recordings (4 cds)

Amigas e amigos deste blog, muito boa tarde! Sou Karlheinz, um leitor e ouvinte antigo do PQP que ficou muito feliz com o convite recebido há algumas semanas para me juntar a esse afinado time de amantes da música. Convite que aceitei não só pela alegria de fazer parte de um site que me ensinou tanto, em que descobri tanta beleza, mas também por acreditar em formas de viver a música de uma maneira mais coletiva. Ouvir, descobrir, conversar, ler, escrever, trocar — isso tudo enriquece a escuta. Espero que gostem, e se não gostarem, reclamem, pra gente poder ir ajeitando a casa…

E, para começar, trouxe uma caixinha que tem não um, mas quatro discos, um para cada ano de governo fascistóide que tivemos que aturar. Carlo Maria Giulini: The Chicago Recordings traz uma seleção (esse artigo “the” está sobrando aí; faltam gravações importantes como o Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky, e a Sinfonia Clássica de Prokofiev) de pedradas que o regente italiano gravou entre 1969 e 1976 com essa baita orquestra que é, e era, a Sinfônica de Chicago.

O repertório consiste na espinha dorsal das preferências de Giulini (1914-2005): Beethoven, Berlioz, Brahms, Bruckner, Mahler e Stravinsky. Quatro discos que registram a química entre um ambicioso regente e uma das orquestras que marcaram mais profundamente a sua carreira (a Philharmonia também ocupa um imenso espaço, lado a lado na prateleira), nos anos mais incandescentes dessa união.

 

Giulini com a Sinfônica de Chicago em sua primeira turnê européia juntos. Estocolmo, 1971

“Essa maravilhosa orquestra — eu prefiro não dizer que eu os regi, mas sim que eu fiz música com estes maravilhosos músicos e seres humanos. Foram um amor e uma amizade profundos, algo que pertence ao meu corpo, à minha alma e ao meu sangue.” Assim Giulini definiu sua relação com a CSO, em uma entrevista à rádio WFMT em 1980 (trecho presente no encarte da caixa). Se por um lado há um inegável tom que escorrega no clichê nessa fala, por outro, ao escutar o que eles fizeram juntos, dá para entender o que levou il maestro a se referir desta forma aos colegas da terra dos Bulls.

Giulini tinha um raro talento para esculpir, lapidar, moldar o som das orquestras que tinha à frente. Certamente deve ter contribuído para essa sensibilidade sua experiência na juventude como violista da Orchestra Dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia, em Roma. Lá ele tocou sob a batuta de gente como Otto Klemperer, Pierre Monteux, Bruno Walter, Wilhelm Furtwängler, Igor Stravinsky, Richard Strauss… Mais ou menos como aprender a jogar bola com o Brasil de 70?

Entre as obras presentes nesta bela caixinha, um pequeno destaque para a Sinfonia nº 4, de Johannes Brahms. A obra esteve no programa do primeiro concerto da Accademia após a queda do fascismo e o fim da II Guerra, regido por Giulini em 16 de julho de 1944, pouco mais de um mês após a liberação de Roma pelos Aliados. Giulini estudou a sinfonia enquanto permanecia escondido em um túnel, por meses, ao se recusar em lutar pelo exército italiano em 1943. Foi a peça que ele mais tocou ao longo da carreira.

Senhoras e senhores, Carlo Maria Giulini e a Sinfônica de Chicago.

O Medinah Temple, em Chicago, onde as gravações foram feitas

CD 1

Gustav Mahler (1860-1911)

Sinfonia n° 1 em Ré maior (1884-8, rev. 1893-6)

  1. I Langsam, schleppend, wie ein Naturlaut
  2. II Kräftig bewegt, doch nicht zu schnell
  3. III Feierlich und gemessen, ohne zu schleppen
  4. IV Stürmisch bewegt

 

Hector Berlioz (1803-1869)

Romeu e Julieta, sinfonia dramática, Op. 17 (1840) (início)

  1. Combat and tumult – Intervention of the Prince
  2. Romeo Alone – Melancholy – Distant noises of music and dancing –  Festivities at the Capulet’s

CD 2

Romeu e Julieta, sinfonia dramática, Op. 17 (1840) (conclusão)

  1. Scherzo: Queen Mab, or the Dream Fairy
  2. Love scene – Night – The Capulet’s Garden
  3. Romeo at the Tomb of the Capulets – Invocation – Juliet’s reawakening – Frenzied joy, despair – Last agonies and death of the two lovers

Ludwig van Beethoven (1770-1827)

Sinfonia n° 7 em Lá maior, Op. 92 (1811-12)

  1. Poco sostenuto – Vivace
  2. Allegretto
  3. Presto – Assai meno presto – Presto – Assai meno presto – Presto
  4. Allegro con brio

CD 3

Anton Bruckner (1824-1896)

Sinfonia n° 9 em Ré menor (1891-6)

  1. I Feierlich, misterioso
  2. II Scherzo (Bewegt, lebhaft) – Trio (Schnell) – Scherzo (Da capo)
  3. III Adagio (Langsam, feierlich)

Johannes Brahms (1833-1897)

Sinfonia n° 4 em Mi menor, Op. 98 (1884-5) (início)

  1. I Allegro non troppo

CD 4

Sinfonia n° 4 em Mi menor, Op. 98 (1884-5) (conclusão)

  1. II Andante moderato
  2. III Allegro giocoso
  3. IV Allegro energico e passionato

Igor Stravinsky (1882-1971)

O Pássaro de Fogo – suíte (1919)

  1. Introduction
  2. Dance of the Firebird
  3. Round Dance of the Princesses
  4. Dance of King Katschei
  5. Berceuse
  6. Finale

Petrushka – suíte (1947)

  1. Russian Dance
  2. Petrushka´s room
  3. The Moor´s Room
  4. The Shrovetide Fair

Chicago Symphony Orchestra
Carlo Maria Giulini, regência

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“Calmati, tromboni!”

Karlheinz