
Cécile Ousset é destas pianistas com imensa verve musical e domínio técnico. De forma generosa e incansável, ao longo da carreira, entregou-se ao permanente lapidar da interpretação – às novas percepções e possibilidades… E o fez com cuidados de ourivesaria, tanto no repertório solo, quanto nas massas sonoras e grandiloquência dos concertos com orquestra…
Neste sentido, as bases da “escola russa”, realizada com o pianista Marcel Ciampi, em Paris, final dos anos 40, lhe proporcionaram vigor e aguçado controle técnico. De resto, personalidade artística e sensibilidade se agregaram à paixão e originalidade…
No “concurso Queen Elizabeth”, 1956, vencido por Vladimir Ashkenazy, a pianista francesa, então com 20 anos, obteve 4° lugar, quem sabe, posição desconfortável para quem almejasse carreira internacional. Mas, se pensarmos que Lazar Berman e Tamas Vasary ficaram em 5ª e 6ª colocação, podemos ter ideia do nível da competição e dimensão da jovem musicista…
Prodígio musical, Cécile Ousset ingressou no “Conservatório de Paris” aos 10 anos e estudou com Marcel Ciampi, que havia orientado Hephzibah e Yaltah Menuhin… A pianista recordou a técnica de Ciampi: “Meu treinamento foi baseado na ‘escola russa’, não na francesa. O método era modelado em Anton Rubinstein, com ênfase em dedos fortes e ombros livres, para garantir precisão e ‘peso de braço’… E quando Ciampi percebeu meus dedos curvados, no clássico estilo francês, ficou horrorizado”… E mudou tudo…

A estreia profissional de Cécile ocorreu na “salle Gaveau”, Paris, organizada por Arthur Rubinstein, ninguém menos, impressionado com a musicalidade e potencial da pianista. Membro do júri, no concurso “Marguerite Long – Jacques Thibaud”, de 1953, o polonês ficou descontente com o 4° lugar obtido por Cécile Ousset, então, aos 17 anos… E a opinião de Rubinstein, neste caso, foi premiação maior que qualquer classificação…
Finalmente, Cécile Ousset obteria 2° lugar no concurso “Busoni”, 1959, sem vencedor em 1° lugar… E ainda perseguida pelo número quatro, outra 4ª colocação, no concurso “van Cliburn”, 1962, mantendo-se sempre entre primeiros colocados… Tais competições eram e continuam sendo vitrines a projetar solistas e dar início à carreiras internacionais…
A projeção artística de Ousset foi gradual. A partir dos anos 80, após substituir Martha Argerich no “Festival de Edimburgo”, Escócia, os convites aumentaram consideravelmente… E suas gravações ofereciam conjunto soberbo em performances, onde destacavam-se autores românticos e repertório francês… Registros afirmativos de amplitude técnica e sensibilidade…

Entre público e crítica, em geral, há diversidade de opiniões e muita controvérsia… Mas, Cécile Ousset convida e conduz o ouvinte, seduzindo-o através do fraseado, ritmo e sonoridades – com toque intenso, busca densidade e encantamento. Seus registros de “Alborada del Gracioso” ou “Une barque sur l’océan”, de Ravel, são preciosos… E sua discografia oferece fidelidade estilística, beleza e prazer. “The Musical Times” referiu-se como “pianista estimulante, pelas sonoridades robustas e virtuosismo incontestável”, mas que ia além, “ao buscar cor e clareza”…
Se pensarmos que emotividade e sensorialidade controlam o toque… E que através de leitura e técnica, passo a passo, percebem-se efeitos sonoros e expressivos, que resultarão na concepção poética e musical… Então, imaginem-se os desafios a enfrentar em grandes obras musicais…

Assim, o pianismo de Ousset é um mundo sonoro a descobrir e encantar-se. E não por acaso, trabalhou com regentes do porte de Simon Rattle – a quem profetizou “brilhante carreira”, em 1985; além de Ghünther Herbig, Rudolf Barshai e Neville Marriner… E com Kurt Masur e a “Gewandhausorchester”, de Leipzig, obteve “Gran prix du Disque” da “Académie Charles Cros”, de Paris, com o “2° concerto para Piano”, de Brahms…
Clareza e originalidade emergem de obras amplamente conhecidas, com renovado interesse, tais como “La campanella”, de Liszt; ou “Impromptu” op. 31 n°2, de Fauré. Mas, sobretudo, em obras de fôlego e “alto romantismo”, como “Sonata em si menor”, de Liszt; “2ª Ballada” e sonata “Marcha fúnebre”, de Chopin; ou nas desafiantes “Variações sobre tema de Paganini”, de Brahms, revela-se intérprete soberana…
Capítulo especial ocupa a música francesa, em gravações completas de Debussy e Ravel… Na imensa riqueza harmônica e variedade de cores e nuances de “Ce qu’a vu le vent d’ouest”, “Poisson d’or” e “Feux d’Artifice”, de Debussy; ou em “Jeux d’eau”, “Le tombeau de Couperin” e “Valses nobles et sentimentales”, de Ravel, entre outras…
Também realizou notáveis performances em concertos para piano, marcadas pelo diálogo intenso com os conjuntos orquestrais e sonoridades exuberantes no piano, expertises da “escola russa”, em Tchaikowsky, Grieg, Rachmaninov, Poulenc e Prokofiev; além de peculiar leitura das “33 Variações sobre valsa de Diabelli”, de Beethoven…

Vocacionada para docência, a partir de 1984, Cécile propôs “Master Classes” anuais, na vila medieval de Puycelsi, França. E ministrou cursos nos USA, Canadá, Europa, Austrália e extremo Oriente, além de integrar júri em grandes competições, como “van Cliburn”, “Rubinstein”, “Leeds” e “Queen Elisabeth”…
Pelo dinamismo e contribuição artística, tornou-se patrona honorária do “Yaltah Menuhin Memorial Fund” – memorial à poetisa e pianista Yaltah Menuhin, sediado na Holanda, em apoio à jovens músicos… Problemas de saúde levaram Cécile Ousset encerrar apresentações públicas, em 2006. Atualmente, conta 87 anos, com relevantes discografia e trajetória musical…
Download no PQP Bach
Cécile Ousset deixou belíssimo legado e ganhou abrangente edição da “Warner Classics” – Box com 16 CDs, excetuando-se o “2° concerto para Piano”, de Brahms, com Kurt Masur, que não integra a coleção…

Para download no PQP Bach, seguem três CDs:
- CD 07, com obras de Franz Liszt – “Sonata em si menor” e “6 Études d’exécucion transcendante d’après Paganini”, piano solo…
- CD 13, com obras de Maurice Ravel – “Valses nobles et sentimentales”, “Jeux d’eau”, “Menuet sur le nom de Haydn”, “Sonatine”, “Pavane pour une infante Défunte”, “Mirroirs”, piano solo…
- CD 16, com obras de Maurice Ravel – “Concerto em Sol” e “Concerto para mão Esquerda”, para piano e orquestra, com “Birminghan Symphony Orchestra”, direção de Simon Rattle; e suíte “Le tombeau de Couperin”, piano solo…
Sugerimos também:
1. Áudio youtube “EMI classics” – Claude Debussy, “Images, Book 2” – I. “Cloches à travers les feuilles”; II. “Et la lune descend sur le temple qui fut”; III. “Poissons d’or”, com Cécile Ousset…
2. Áudio youtube “EMI classics” – Francis Poulenc, “Concerto para Piano”, Cécile Ousset com a “Bournemouth Symphony Orchestra”, direção Rudolf Barshai…
Movimentos: I. “Allegretto” – II. “Andante con moto” – III. “Rondeau à la Française”
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
“Nesta edição, reiteramos nossa gratidão e saudamos as mulheres!”
“Dia Internacional da Mulher, 08/03/2023”
Alex DeLarge