Tanto tempo despendi em lhes falar que amo esse concerto – falei de novo! – que acabei sem lhes falar DO concerto em si. Pois ele foi composto com a intenção de, como todos seus pares, servir de veículo para o próprio compositor, que ainda era, com folgas, o melhor pianista de Viena. Ele teve duas estreias, em farta companhia musical: uma privada, na qual também estrearam a abertura “Coriolan” e a sinfonia no. 4, e uma pública, um concerto leviatânico com orquestra, coro e o compositor-pianista, que também incluiu partes da missa em Dó e nada menos que as premières das sinfonias nos. 5 e 6, da ária Ah, perfido! e da Fantasia Coral, o grand finale que reunia todas as forças usadas nas quatro horas de música. A bilheteria reverteria integralmente para o compositor, que foi financiado por seus mecenas para o aluguel do teatro e os cachês dos muitos músicos. Provavelmente lhe rendeu um bom dinheiro, mas a recepção foi morna, tanto porque estava congelantemente frio no teatro, quanto porque algumas peças tinham sido pouco ensaiadas, e também, de acordo com os relatos, a superdose de tão poderosa música tornava difícil apreciá-la criticamente. De qualquer forma, o concerto também marcou a despedida de Beethoven como solista – quando da estreia do concerto no. 5, três anos depois, sua surdez estava tão profunda que a parte de piano teve que ser delegada a outrem.
Sempre que escuto John O’Conor tocando Beethoven de modo tão distinto e convincente, fico a imaginar se o próprio Beethoven não se reconheceria no estilo do irlandês: enérgico e expressivo, cantante sempre que necessário, com certas liberdades agógicas que certamente o compositor também tomava sem ressalvas. Suas gravações dos concertos são tão boas quanto as das suas sonatas, embora padeçam – tanto quanto elas – da engenharia de som um tanto tacanha da Telarc. Completam a gravação, com a regência muito competente do alemão Andreas Delfs, um concerto no. 1 bastante pimpão e uma das minhas versões favoritas do no. 3, cujo Dó menor soa aqui mais radiante do que o costume.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15 Composto em 1795 Publicado em 1801 Dedicado à princesa Anna Louise Barbara Odescalchi
1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondo. Allegro scherzando
Concerto para piano no. 3 em Dó menor, Op. 37 Composto entre 1800-1803 Publicado em 1804 Dedicado ao príncipe Louis Ferdinand da Prússia
Como mencionei ontem, amo tanto esse concerto que não o consigo mais apreciar criticamente. Abandono-me às suas belezas, seja na interpretação de Gilels – que, assim como minha declaração de amor ao Op. 58, vocês também ouviram ontem -, seja na de Maria João (que recomendo muito, e restaurei para vocês), ou nessas duas do mestre praguense, Ivan Moravec.
Moravec, de quem, num doloroso dever, fizemos o obituário aqui no PQP Bach, era um pianista de toque muito preciso e absolutamente obcecado pela qualidade do som dos pianos que tocava, tanto que viajava com sua maletinha de utilidades e passava quase tanto tempo com os técnicos quanto com os regentes. Apesar de sua merecida fama de perfeccionista – o que não o impedia de dar seus grunhidos ao teclado, que os mais atentos ouvirão -, estava muito mais para um exigente sacerdote do que para um almofadinha cheio de manias, e provocava muita admiração pela capacidade de, tanto nos ensaios quanto nas apresentações, repetir com tanta precisão as passagens que os takes resultantes eram indiferenciáveis, se não fossem numerados, e de não errar uma nota sequer. É claro que as qualidades de Moravec vão bem além de não errar: suas leituras de Beethoven transbordam riqueza timbrística, lirismo e – especialmente no maravilhoso movimento lento – expressividade. A primeira que lhes apresento foi a segunda a ser gravada, ao vivo e em 2003, com a então jovem Prague Philharmonia sob a regência de seu fundador, Jiří Bělohlávek, que depois seria titular da BBC Symphony Orchestra. Ela tem um caráter, diria, mais mozartiano, e é seguida de duas peças que dificilmente poderíamos imaginar pareadas a um concerto de Beethoven, mas que harmonizam muito bem com ele: as Variações Sinfônicas de César Franck (que nasceu no ano em que Ludwig começou a “Ode à Alegria”), na interpretação que me fez enfim gostar da obra, e o maravilhoso concerto de Maurice Ravel (nascido no ano em que Franck, então decano do Conservatório de Paris, completou Les Éolides), tocado duma maneira que Benedetti Michelangeli, que praticamente cooptou Moravec para ser seu aluno, certamente amaria ouvir. As cadenze do Op. 58 são do próprio Beethoven.
A segunda, de 1964, foi gravada em Viena, enquanto Moravec ainda podia viajar com bastante liberdade, sob a regência de Martin Turnovský, um compatriota que se exilaria do lado de lá da Cortina de Ferro depois da Primavera de Praga. É a versão mais idiomaticamente beethoveniana que conheço, tecnicamente impecável, expressão exuberante do controle absoluto do todo e de tudo, e um dos meus modelos de perfeição postos em disco. Deixo-a com vocês numa ripagem de LP, enquanto aguardo sentado que alguém no mercado fonográfico deixe um pouco de lado os decotões da Khatia e resolva fazer para a Humanidade o bem de remasterizá-lo e lançá-lo em mídia digital.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no. 4 em Sol maior, Op. 58 Composto entre 1804-1807 Publicado em 1808 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria
Tanto esperei por que chegasse a vez de postar meu concerto para piano favorito que, quando ela enfim chegou, eu mal acho o que lhes escrever. Já escutei tantas vezes o maravilhoso Op. 58 que não consigo mais pensar criticamente em suas qualidades: eu simplesmente as sorvo e com elas me delicio. E tanto o amo, e tão imenso é meu amor por ele, que não conseguirei deixar-lhes somente uma interpretação – serão algumas entre minhas preferidas, ao longo dos próximos dias, porque – bem, eu já lhes disse que é amor?
O início do primeiro movimento – que Beethoven, num gesto sem precedentes, deixa a cargo do solista – costuma dar-me a tônica de cada gravação. Alguns pianistas entram portentosamente, e terminam incongruentes com os comentários da orquestra, que se seguem. Outros acanham-se demais, talvez por medo de serem pervasivos nessa pérola em que solista e conjunto jamais duelam. E há Emil Gilels, que, a despeito de tudo que já se falou da têmpera leonina com que encarava os desafios mais furiosos da literatura para piano, acerta em cheio em timbre e pulso com seus acordes murmurantes. A parceria com Leopold Ludwig, um regente com larga experiência em ópera, e talvez por isso mesmo, funciona à perfeição – o pathos do Andante, um tenso diálogo entre piano e cordas, só poderia vir do mais lírico dos pianistas soviéticos e de um consumado, sensível acompanhador. Os dois oferecem-nos, entre todas as versões que conheço do Op. 58, aquela mais afim à obra-prima seguinte, o concerto para violino que também amo demais, que também se desenrola com serenidade a partir de uma célula rítmica expressa logo no primeiro compasso – aqui, pelo piano, e lá, pelos tímpanos. Atrações adicionais são as cadenze escolhidas por Gilels, que foram fornecidas pelo compositor, mas são muito menos tocadas que aquelas que vocês provavelmente conhecem, as dos longos trinados. Completando o disco, um “Imperador” que poderia ter mais pujança rítmica, ainda que lhe sobre garbo e, no Adagio muito mais lento que o habitual, uma mágica entrada do solista que, sozinha, vale toda a gravação.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no. 4 em Sol maior, Op. 58 Composto entre 1804-1807 Publicado em 1808 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria
Concerto para piano e orquestra no. 5 em Mi bemol maior, Op. 73, “Imperador” Composto em 1809 Publicado em 1810 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria
4 – Allegro
5 – Adagio un poco mosso
6 – Rondo: Allegro
Emil Gilels, piano Philarmonia Orchestra Leopold Ludwig, regência
As longas e bem-sucedidas parcerias com Mstislav Rostropovich e, principalmente, com Anne-Sophie Mutter acabaram por eclipsar as outras vertentes da carreira do ótimo filadelfiano Lambert Orkis. Além de muito ter gravado com instrumentos originais (junto ao Castle Trio e em parceria com Anner Bylsma), ele tem uma discografia muito interessante como recitalista, que pretendemos revelar aos poucos por aqui.
Começamos por esta gravação com a grandiloquente “Appassionata” (para variar, mais um nome que Beethoven não agregou a obra sua) interpretada em três pianos diferentes, baseados em modelos vienenses. Não sou muito afeito a copiar textos de encartes, mas achei que o relato do próprio Orkis era informativo o bastante para ser traduzido bem livremente, dentro de seu estilo bastante direto e prosaico e aqui oferecido a vocês:
“Quando Beethoven compôs a ‘Appassionata’ em 1805, ainda não se chegara a um consenso acerca de como um piano deveria soar. De fato, o instrumento padecia das dores de um rápido desenvolvimento. A extensão do teclado expandia-se a partir das cinco oitavas, fabricantes tentavam aumentar o volume do som, e conceitos diversos de construção de teclado e pedais eram implementados.
Como Viena era uma capital musical, também era um centro para o desenho e construção de excelentes pianos. De fato, fabricantes na região de Viena durante o final do século XVIII e o começo do século XIX – tais como Johann Andreas Stein (muito prestigiado por Mozart), Wenzel Schantz (preferido por Haydn), Anton Walter (outro favorito de Mozart, e também de Beethoven), Nannette Streicher (admirada por Beethoven) e Conrad Graf (conhecido tanto por Beethoven quanto por Schubert) encontraram um mercado no público musical vienense.
Com o tempo, conceitos para a construção de pianos mudaram, algumas vezes dramaticamente. Os três instrumentos usados nesta gravação são baseados em modelos vienenses de construção de pianos e representam três instantâneos da evolução do piano em Viena.
Ao trazer para um CD três interpretações da sonata ‘Appassionata’ de Beethoven em três pianos diferentes, eu não estava só a tentar demonstrar as diferenças sonoras entre os instrumentos, mas também mostrar como qualidades tonais diversas e respostas variadas dos teclados afetariam minha maneira de tocar a peça.
As durações das respectivas interpretações diferiram do que eu antecipara. Ainda que os dois pianofortes fossem mais próximos em estilo entre si do que o moderno Bösendorfer, eu esperava uma maior diferença da duração de minha performance entre os dois instrumentos mais antigos. De fato, por causa de sua sonoridade mais profunda, martelos mais robustos, e ação algo mais pesada, esperava que a duração de minha interpretação no pianoforte Regier, que representava o design vienense mais tardio, fosse mais longa. Ainda que as diferenças não sejam grandes, minhas performances dos dois primeiros movimentos no Regier foram na verdade mais curtas que no pianoforte Wolf, de design mais antigo.
Por causa de seu timbre sustentado e cantante, e um conceito de construção planejado para prevalecer sobre as maiores orquestras e penetrar nos recessos mais distantes das maiores salas de concerto, não me surpreendi com que minhas interpretações no Bösendorfer Imperial Concert Grand fossem as mais longas para cada um dos movimentos. No entanto, as diferenças não foram tão grandes quanto esperava.
O efeito dos pianos propriamente ditos nas minhas interpretações foi bastante sutil. Dei-me conta de que foi minha concepção da sonata que foi, por fim, a força motriz em minhas leituras da peça. Em cada caso, ajustei minha abordagem do instrumento de maneira a perceber como eu percebia a obra de acordo com meu gosto.
Devo dizer que dediquei um tempo considerável a aprender esta peça em pianofortes. Uma vez que tive em mente o som da articulação nítida do pianoforte, bem como da flexibilidade rítmica de que precisava para compensar a relativa perda de poder de sustentação nos agudos desses pianos, este som tornou-se parte de minha visão interpretativa que tentei, então, conseguir em cada piano que toquei.
O pianoforte Wolf é o mais próximo em design àqueles que eram contemporâneos no momento em que Beethoven compôs esta peça. Seu som incisivo e ação leve ornam bem com as passagens rodopiantes e temperamento feroz dessa obra. As teclas brancas são mais curtas, e as pretas, mais estreitas que aquelas dum piano moderno. Esse teclado um tanto apertado, somada à ação muito leve torna a execução limpa e acurada um desafio, especialmente nos momentos mais dramáticos. Devo também apontar que eu sou consideravelmente maior que o vienense médio do começo do século XIX…
Não obstante, tocar a ‘Appassionata’ neste instrumento foi um deleite. O que lhe falta em volume é compensado por sua flexibilidade e intimismo. Ainda que sonicamente pequeno, em termos relativos, o drama possível com ele foi de fato bastante grande. No pianoforte Wolf, minha execução da sonata atingiu um alto grau de tensão nervosa. Pode-se quase sentir que Beethoven tentava romper as costuras do instrumento. Em suma, a peça crepita com vitalidade.
Um aspecto interessante deste pianoforte e do Regier é o sistema de pedais. Ambos têm um legítimo pedal ‘una corda’. Este pedal, frequentemente chamado assim nos pianos modernos, move os martelos e as teclas de maneira a que os martelos percutem apenas uma das três cordas [para cada nota]. Com o tempo, esta disposição, ainda que sonicamente interessante, provou-se mecanicamente problemática. Consequentemente, com a chegada da modernidade, esse sistema foi-se modificando de modo a que a maioria dos pianos de cauda de hoje movem os martelos de modo a golpearem duas das três cordas. E ainda, alguns dos instrumentos mais recentes modificaram o ajuste de modo que todas as três cordas são percutidas com uma parte diferente e mais macia do martelo.
Com estes pianofortes, é possível conseguir uma variedade de timbres dependendo de minha escolha de usar uma, duas ou três cordas. Além disso, esses pianos têm um pedal moderador que pianos modernos dificilmente têm. Esse pedal insere uma peça de material macio entre o martelo e a corda que resulta num som bastante peculiar, que combinado com o pedal ‘una corda’ dá-lhe um efeito um tanto fantasmagórico. Escute o começo da ‘Appassionata’ em cada um dos três instrumentos. Perceba o quão distante a introdução soa nos dois pianofortes e o quão comparativamente ‘real’ ela soa no instrumento vienense moderno.
Por causa da ação mais pesada no fortepiano Regier, eu previ mais dificuldades em gravar a obra nesse instrumento do que de fato encontrei. Este piano representa a tecnologia disponível para Beethoven no final de sua vida. Seu som mais profundo e sua sonoridade mais intensa não foram contemporâneas à composição desta peça. Achei o teclado um tanto maior um problema ao lidar com passagens complexas. Meus dedos apreciaram o contato mais firme. O resultado foi que pude tocar menos preocupado, o que provavelmente explica por que minhas gravações foram mais rápidas neste piano. Também foi muito divertido fazer-me ouvir com sua intensidade sônica. Passagens fortes ficaram ótimas. Com este piano senti que estava tocando um instrumento cujo conceito atingira o pináculo de seu desenvolvimento. Implementos adicionais seriam requeridos para conseguir algo diferente com o som do piano.
Essa diferença veio com o metal e o tamanho. Assistir aos carregadores de piano transportarem o Bösendorfer Imperial Concert Grand para o local da gravação durante uma tempestade torrencial foi algo. Sua grandeza fazia seus primos encolherem. Mesmo um Steinway de concerto que dividia a sala com o Bösendorfer parecia delicado, comparado a ele. Ainda que algumas vezes tenha tocado o Bösendorfer em salas de concerto pelo mundo, eu nunca gravara com ele. Nos Estados Unidos, instrumentos Bösendorfer são relativamente raros. Em seu país natal, a Áustria, ele é muito encontradiço. Graças à sequência de gravações – Wolf primeiro, Regier segundo, Bösendorfer por último -, tocar o Bösendorfer foi inicialmente um choque. Ainda que eu tivesse bastante experiência com a ‘Appassionata’ em pianos modernos, as tomadas iniciais nas gravações pareciam pesadas, pachorrentas, borradas, e altas. Havia som demais vindo do instrumento e muita força disponível; eu tinha que achar maneiras de colocar tudo em perspectiva.
No movimento lento, seu belo e sustentado timbre seduziram-me em adotar um andamento mais lento. Eu me flagrei tão só tomando meu tempo para saborear o som. Ainda que a ação deste piano não fosse pesada para os padrões modernos, ela certamente era mais pesada que seus parentes mais velhos. Somando-se a isso, o ataque suave e a qualidade cantante deste instrumento fizeram-me mudar minha técnica ao tocá-lo de modo a capturar algo da nitidez e da diversidade de articulação que sinto serem inerentes à peça.
Senti-me bem em tocar teclas modernas novamente. E quando a paixão do momento pedia por força aparentemente ilimitada, esse piano conseguia realmente dar a resposta. E, apesar da ação mais pesada e avassaladora, sua responsividade era tanta que a duração de minhas performances foi apenas um pouco mais longa que aquelas nos pianofortes.
Ao longo dessas sessões, estava bem ciente da linhagem desses instrumentos. Ainda que soem muito diferentes um dos outros, pode-se sentir a conexão entre eles através dos dedos. É como se eles fossem membros de famílias muito próximas. A diferença entre cada um deles e os membros de outra família podem ou não ser dramáticas, mas são tangíveis, pelo menos àqueles que conhecem bem os indivíduos específicos.
Espero que gostem de escutar esta grande obra através da ‘lente’ de cada um desses instrumentos. Tenham certeza de que eu adorei tocá-los. Eles ensinaram-me muito”
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata” Composta entre 1804-5 Publicada em 1807 Dedicada ao conde Franz von Brunsvik
I – Allegro assai
II – Andante con moto
III – Allegro ma non troppo
Executada em três pianos de design vienense:
Faixas 01-03: pianoforte de Thomas e Barbara Wolf, baseado em instrumentos de Nannette Streicher (ca. 1814-20)
Faixas 04-06: piano Bösendorfer Imperial Concert Grand
Faixas 07-09: pianoforte de R. J. Regier, baseado em instrumentos vienenses de 1830
Difícil falar da “Eroica” sem chover molhadissimamente no já encharcado. Que ela foi revolucionária e sem precedentes em termos de escopo, extensão e recursos; que é um marco entre o classicismo e o romantismo; que fora dedicada a Napoleão, e que a dedicatória foi removida com uma furiosa rasura a faca no frontispício da partitura; que seu cerne é uma extraordinária Marcha Fúnebre, instantaneamente admirada; e que o tema do finale é o único que, em sua obra, recorre em mais de uma peça, tendo aparecido antes numa contradança, em variações para piano e em seu balé Prometheus.
O que talvez nem todos saibam é que justamente a extensão e o escopo foram as maiores reclamações daqueles que a ouviram na estreia; que seu papel de marco só foi reconhecido muito mais tarde, e que a “Eroica” não teve em sua época uma divulgação à altura da importância que hoje se lhe reconhece, muito por conta do plantel de músicos requerido, que não foi o pretendido por Beethoven nem em sua estreia, recriada nesta fascinante gravação; que a dedicatória a Napoleão foi retirada antes dos talhos de faca na partitura, mas por motivos do vil metal, oferecido ao sempre necessitado Beethoven pelo novo dedicatário; que a “Sinfonia Grande” foi, mesmo com a mudança na dedicatória, “[in]titolata Bonaparte”, para só ser chamada “Eroica” depois que o emputecimento com Napoleão levasse Ludwig a querer com ela “festeggiare il sovvenire d’un grand’uomo”; que muitas vezes ela foi abreviada, por premências de tempo ou pela incompreensão do público, e tocada só até a Marcha Fúnebre; e que o finale, detestado pelos contemporâneos por pouco portentoso e incongruente com os movimentos pregressos, soa-nos hoje como o mais beethoveniano, pelo emprego genial das técnicas de variação e pelos exemplos precoces de seu interesse na forma da fuga.
Todo regente que se preza encara a “Eroica”, e não há, para mim, alguém que tenha igualado Ferenc Fricsay, que já foi postado aqui. Ainda assim, sempre tento ouvir esse monumento como se fosse a primeira vez, e nunca deixo de lhe descobrir uma nuance nova em meio ao estupor.
Acabo de ouvi-la dezoito vezes, e redescobri-la outras tantas. Conclamo os leitores-ouvintes, agora, ao fazerem o mesmo.
Sinfonia no. 3 em Mi bemol maior, Op. 55, “Eroica” Composta em 1802-04 Publicada em 1806 Dedicada ao príncipe Franz Joseph von Lobkowitz
1 – Allegro con brio
2 – Marcia funebre. Adagio assai
3 – Scherzo. Allegro vivace – Trio
4 – Finale. Allegro molto – Poco Andante – Presto
Parear duas das mais concisas sonatas de Beethoven com a segunda do grandiloquente Rachmaninoff – ainda que seja sua versão revisada e, se é que se pode dizer isso de algo de Rach, um pouco simplificada – é uma escolha pouquíssimo convencional. Aí os leitores-ouvintes olham a capa do disco, enxergam o intérprete e compreendem tudo: o que é convencional, afinal, na carreira de Ivo Pogorelić?
Nada, sem dúvidas – desde sua origem, quando havia Iugoslávia, um filho de pai croata e mãe sérvia que o colapso da federação transformou num croata nascido em Belgrado, passando por sua formação naquela capital e em Moscou, os estudos e posterior casamento com sua professora e mentora Aliza Kezeradze, nada, desde o começo, apontava para o frugal.
Mesmo que não entendam tchongas do idioma, vale a pena conferir Ivo sendo,
bem, Ivo desde os tempos de moleque.
Sua grande estreia no cenário mundial, dir-se-ia de sola, ou mesmo uma voadora dupla nas costas do estado das coisas musical foi, claro, o X Concurso Internacional Chopin de Varsóvia, em 1980, no qual, entre 180 competidores engravatados e engomados e prontíssimos para agradar os jurados na meca dos chopinianos, ele surgiu com esses trajes, essa cachopa e tocando Chopin dessa maneira:
O público amou o enfant terrible e transformou-o em seu queridinho. Os jurados dividiram-se. Lajos Kentner abandonou o barco no final da primeira etapa, alegando que “se gente como Pogorelić chega à segunda etapa, eu não posso participar do júri – temos critérios diferentes”. Quando ele foi eliminado, na semifinal – depois de inverter a ordem de apresentação das peças, sair do palco e voltar para tocar o restante do programa obrigatório como se fosse um bis para uma plateia incensada -, foi a vez de Martha Argerich – ninguém menos! – pular fora em protesto, bradando que Pogorelić era um “gênio”, que seus colegas jurados eram incapazes de aceitá-lo por causa de seu “conservadorismo entranhado” e que sentia vergonha de fazer parte daquele júri.
GRAVATA DE CAUBÓI, gurizada
A eliminação de Pogorelić, somada a sua persona provocativa e sua abordagem heterodoxa das interpretações assegurou-lhe tanta fama que hoje ele é mais lembrado que o próprio vencedor do concurso em 1980 – o vietnamita Đặng Thái Sơn, um artista extraordinário e introspecto, que acabou por carregar a imerecida pecha de nêmese do croata. Ivo, entretanto, não voltou para casa com as mãos abanando: recebeu prêmios e troféus extraoficiais, foi convidado a tocar com uma orquestra no final do concurso (honra que caberia aos vencedores, ainda que sua orquestra fosse de estudantes) e, de quebra, ainda assinou um polpudo contrato com a Deutsche Grammophon, para a qual gravou vários discos, todos de muito sucesso e certamente recheados de momentos magníficos, durante os anos 80.
Nas décadas seguintes, Pogorelić tornou-se cada vez mais bissexto, tanto nos palcos como nos estúdios. Talvez por problemas de saúde, em parte também pela viuvez (Aliza, vinte anos mais velha que ele, faleceu em 1996), quem sabe pelos desafios naturais da maturidade, inda mais pungentes para quem foi menino-prodígio e jovem provocador. Quando voltou a dar recitais, tornou-se um esporte popular massacrá-lo por excentricidades e inconsistências em dinâmica e agógica não muito diferentes daquelas que tanto foram incensadas durante os anos 80. E em 2019, depois de mais de vinte anos sem gravar, lançou esse disco pela Sony e recebeu uma chuva de tomates.
Não acho que a tomatina se justifique, pelo menos no que tange a Beethoven. As duas sonatas escolhidas, que estão entre as mais concisas entre as trinta e duas, prestam-se bem às idiossincrasias de Pogorelić. A Op. 54, que abre com uma alegoria de um minueto e termina com um agitado finale, já foi comparada a uma sonata convencional da qual foram arrancados os dois primeiros movimentos. Gostei da abordagem, embora estranhe bastante os crescendos meio despropositados que estão a trovejar bem antes dos clímaxes. Costumo preferir a Op. 78, uma de minhas sonatas prediletas (e também do próprio Beethoven), com andamentos menos hesitantes, especialmente no segundo movimento, em que Pogorelić parece ruminativo e quebra toda a verve prescrita como um Allegro vivace. Sobre Rachmaninoff, deixo para vocês comentarem – não conheço bem a obra, mas estranhei os andamentos lentos e, de novo, os crescendos meio precoces. Fiquei sem saber muito bem qual a razão de ser de tudo aquilo que ouvi, mas talvez esse não seja um problema entre Ivo e essa sonata, e sim meu com Sergei no geral.
Gênio, como proclamou nossa deusa Marthinha, ou mero embuste? Qualquer que seja vosso veredito, eu saúdo o retorno do garoto terrível e espero ansioso suas novas traquinagens.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Fá maior, Op. 54 Composta em 1802 Publicada em 1804
01 – In tempo d’un menuetto
02 – Allegretto
Sonata para piano em Fá sustenido maior, Op. 78 Composta em 1809 Publicada em 1810 Dedicada a Therese von Brunsvik
03 – Adagio cantabile
04 – Allegro vivace
Sergei Vasilyevich RACHMANINOFF (1873-1943)
Sonata para piano no. 2 em Si bemol menor, Op. 36
(“A Nova Versão, Revisada e Reduzida pelo Autor”, 1931)
05 – Allegro agitato
06 – Non allegro—Lento
07 – Allegro molto
E se Vladimir Horowitz, que não morria de amores por Beethoven, tivesse gravado a integral das sonatas do grão mestre de Bonn? E se então recorrêssemos ao já nosso manjado expediente, o de tirar a medida da série pela interpretação da “Waldstein”? Como ele se sairia?
Daremos uma oportunidade dupla ao velho Volodya para que o julguem os leitores-ouvintes: suas duas gravações em estúdio da “Waldstein”, realizadas com um intervalo de dezesseis anos e muitíssimo diferentes. A primeira, de 1956, ainda tem toda a sua estampa de jovem virtuose, com os contrastes dinâmicos pouco atentos às intenções do compositor, os crescendos a retumbarem nos graves, e toda a gama de truques que impressionaram as plateias da primeira metade daquele século, o que inclui a substituição do famoso glissando em oitavas prescrito pelo compositor por agilíssimas “oitavas Horowitz”, uma de suas marcas registradas. Muito estimulante, sem dúvidas, mas também repleta de evidências para aqueles que o acusam, com muito bons motivos, de ser um “mestre da distorção”, e que talvez sosseguem ao escutar a segunda gravação, de 1972, muito mais fiel às detalhadas indicações dinâmicas de Beethoven, e que é uma de minhas interpretações favoritas da obra.
Acompanhando as “Waldstein” estão duas gravações da Sonata Op. 27 no. 2, também muito diferentes (a de 1956, gravada na sala de estar do pianista em New York, é melhor, apesar do som), além de uma outra “Appassionata” (menos furiosa que a pregressa) e uma leitura muito colorida, gravada ao vivo, da Op. 101, que demora a deslanchar, mas encerra muito bem.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
VLADIMIR HOROWITZ – THE COMPLETE MASTERWORKS RECORDINGS, 1965-1972
BEETHOVEN
Sonata “quasi una fantasia” no. 2 em Dó sustenido menor, “Ao Luar” Composta em 1801 Publicada em 1802 Dedicada à condessa Giulietta Guicciardi
Sonata para piano em Dó maior, Op. 53, “Waldstein” Composta entre 1803-4 Publicada em 1805 Dedicada ao conde Ferdinand von Waldstein
04 – Allegro con brio
05 – Introduzione: Adagio molto
06 – Rondo: Allegretto moderato
Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata” Composta entre 1804-5 Publicada em 1807 Dedicada ao conde Franz von Brunsvik
07 – Allegro assai
08 – Andante con moto
09 – Allegro ma non troppo
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 Composta em 1816 Publicada em 1817 Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
10 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
11 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
12 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Mesmo que não entendam italiano e não tenham o menor interesse no problema de executar as oitavas em glissando do finale da Waldstein, o vídeo vale só pela demonstração da passagem em diferentes pianos e pela elegante voz do distinto cavalheiro, que leciona piano no Japão (o que se deduz pela reverência que faz no início e no final do vídeo). E “Beethoven Autentico”, o sítio que ele menciona, foi das melhores descobertas que fiz nos meus mergulhos beethovenianos para esta série.
Caso haja dificuldades para assistir ao vídeo aqui na página, sigam o link.
De tudo, um pouco – é o que encontramos nesse variado bornal de bagatelas que Beethoven nos legou para a voz, mas que jamais levou à prensa. Da primeira canção – “Para um bebê”, WoO 108, composta aos seus treze anos e quem sabe inspirada por algum de seus seis irmãos, dos quais quatro morreram ainda na primeira infância – até “Um Homem Nobre”, WoO 151 – escrita aos 52 anos sobre um poema de Goethe, seu ídolo por toda a vida -, passamos por duas canções de bebedeira (WoO 109 e 111, retratos de seus já bem ébrios vinte e poucos anos), canções em italiano (WoO 119 e 125) e francês (WoO 116), um poema de Matthison (que lhe inspiraria a maravilhosa Adelaide), nada mais que quatro versões para um mesmo poema do genial Goethe (WoO 134) e, para agradar tanto aos amantes de cuscos e bichanos, uma elegia a um poodle morto (WoO 110) e um arranjo duma canção folclórica sobre um querido gatinho (Hess 133):
“Unsa Kaz had Kazln g’habt
Draiunseksi, maini;
Oan’s had a Ringerl af,
Das is schon das maini”
“Nossa gata teve gatinhos,
Sessenta e três, todos meus;
Um deles tem listrinhas,
Esse é o meu favorito”
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
1 – An einen Säugling, WoO 108 (von Döhring, 1784) [AS/WO]
2 – Trinklied, beim Abschied zu singen, WoO 109 (1790) [PS/WO]
3 – Elegie auf den Tod eines Pudels, WoO 110 (1793) [PS/WO]
4 – Punschlied, WoO 111 (1790-92) [PS/WO]
5 – An Laura, WoO 112 (1792, Matthison) [PS/WO]
6 – Klage, WoO 113 (1790, Hölty) [PS/WO]
7 – Ein Selbstgesprach, WoO 114 (1792, Gleim) [PS/WO]
8 – An Minna, WoO 115 (1792) [PS/WO]
9 – Que le Temps me dure, WoO 116, Hess 129 (1ª versão) (Rousseau, 1793) [PS/WO]
10 – Que le Temps me dure, WoO 116, Hess 130 (2ª versão) (Rousseau, 1793) [UH/HH]
11 – Der freie Mann, WoO 117 (1792, Pfeffel) [PS/WO]
12 – Oh Care Selve, Oh Cara, WoO 119 (1794, Metastasio) [PS/WO]
13 – Man strebt, die Flamme zu verhehlen, WoO 120 (1800-02) [AS/WO]
14 – Abschiedsgesang an Wiens Burger, WoO 121 (1796, Friedelberg) [GL/WO]
15 – Kriegslied der Österreicher, WoO 122 (1797, Friedelberg) [GL/WO]
16 – La Tiranna, WoO 125 (1798-99, Wennington) [PS/WO]
17 – Neue Liebe, neues Leben, WoO 127 (1798-99, Goethe) [PM/HH]
18 – Romance, WoO 128 [PS/WO]
19 – Gedenke Mein!, WoO 130 [PS/WO]
20 – Sehnsucht, WoO 134 (1807-1808, Goethe) – 1ª versão [AS/WO]
21 – Sehnsucht, WoO 134 (1807-1808, Goethe) – 2ª versão [AS/WO]
22 – Sehnsucht, WoO 134 (1807-1808, Goethe) – 3ª versão [AS/WO]
23 – Sehnsucht, WoO 134 (1807-1808, Goethe) – 4ª versão [AS/WO]
24 – An die Geliebte, WoO 140 (1811-14, Stoll) – 2ª versão [AS/WO]
25 – An die Geliebte, WoO 140 (1811-14, Stoll) – 3ª versão [DFD/JD]
26 – Der Gesang der Nachtigall, WoO 141 (1813, Herder) [AS/WO]
27 – Des Kriegers Abschied, WoO 143 (1814, Reissig) [PS/WO]
28 – Merkenstein, WoO 144 (1814, Rupprecht) – 1ª versão [PM/HH]
29 – So oder So, WoO 148 (1817, Lappe) [PS/WO]
30 – Der edle Mensch, WoO 151 (1823, Goethe) [HP/HH]
31 – Gesang aus der Ferne, WoO 137 (1809, Reissig) – 1ª versão [PM/HH}
32 – Das liebe Kätzchen, Hess 133 (folclórica) [VH/HH]
33 – Der Knabe auf dem Berge, Hess 134 [UH/HH]
Adele Stolte, soprano [AS] Ulrike Helzel, mezzo-soprano [UH] Heidi Person, mezzo-soprano [HP] Peter Schreier, tenor [PS] Peter Maus, tenor [PM] Volker Horn, tenor [VH] Günther Leib, barítono [GL] Dietrich Fischer-Dieskau, barítono [DFD] Jörg Demus, piano [JD] Walter Obertz, piano [WO] Hans Hilsdorf, cravo (faixas 32 e 33) e piano [HH]
Sempre me perguntei a distinção entre Lied e Gesang que os alemães fazem e que, para nós, se perde na tradução – Lieder und Gesänge, como o ciclo de Mahler, vira “Canções e… Canções”. Fui ver, e as fontes beethovenianas que consultei asseguraram-me que Lieder – como os oito do Op. 52 – são canções mais concisas, normalmente estróficas e estruturalmente mais simples, ao passo que Gesänge – como as seis do Op. 75 – são formas mais extensas, com organização amiúde não estrófica (como aquelas inteiramente postas em música, Durchkomponiert) e acenos a recursos operísticos. Na obra de Beethoven, “Adelaide” seria o Gesang (termo que também designa “canto”) por excelência, ao passo que Urians Reise um die Welt (“A Viagem de Urian ao redor do Mundo”), com a reafirmação estrófica do protagonista de que encontra o mesmo tipo de gente em todo lugar que vai, bem, é um Lied.
Esse segundo volume de canções – sejam elas Lieder ou Gesänge – é muito variado e atraente. Gosto muito dos ciclos e aprecio a concisão com que Beethoven põe em música os por vezes curtíssimos poemas, como o de Goethe para um sujeito com seu esquilo – a “marmota” do título. Há varios duos, entre os quais Merkenstein, sobre uma visita às ruínas de um castelo na Áustria, e canções em italiano sobre textos de Antonio Domenico Bonaventura Trapassi, dito Pietro Metastasio, autor duma enormidade de libretos de óperas de sucesso, um filão aberto para todos compositores que, como Beethoven, aspiravam à fortuna com o teatro. Especialmente interessante são as duas composições baseadas sobre o mesmíssimo poema, L’amante impaziente, a primeira uma ária jocosa, e a segunda, uma ária “muito séria”. Minha favorita em todo disco é In questa tomba oscura: escrita para concorrer a um concurso que elegia a melhor composição sobre um poema de Giuseppe Carpani, ela destila a amargura que um homem desiludido leva à sua tumba (“Nesta tumba escura/Deixe-me repousar/Quando eu vivia, ingrata/Você devia pensar em mim”), e é sensacional a maneira com que o cromatismo do piano sublinha sua evocação a que as “sombras nuas” o encubram no episódio central.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Oito Canções (Lieder), Op. 52 Compostas entre 1792-96
Publicadas em 1805
1 – Urians Reise um die Welt (Claudius) [DFD, JD]
2 – Feuerfarb’ (Mereau) [PS, WO]
3 – Das Liedchen von der Ruhe (Veltzen) [DFD, JD]
4 – Maigesang (Goethe) [DFD, JD]
5 – Mollys Abschied (Bürger) [AS, WO]
6 – Die Liebe (Lessing) [DFD, JD]
7 – Marmotte (Goethe) [DFD, JD]
8 – Das Blümchen Wunderhold (Bürger) [DFD, JD]
Seis canções (Gesänge), Op. 75 Compostas em 1809 Publicadas em 1810 Dedicadas à princesa Caroline Kinsky
9 – Mignon (Kennst du das Land) (Goethe) [AS, WO]
10 – Neue Liebe, Neues Leben (Goethe) [DFD, JD]
11 – Aus Goethes Faust (Mephistos Flohlied) (Goethe) [DFD, JD]
12 – Gretels Warnung (von Halem) [AS, WO]
13 – An den Fernen Geliebten (Reissig) [AS, WO]
14 – Der Zufriedene (Reissig) [DFD, JD]
Quatro arietas e um dueto, Op. 82 Compostas entre 1801-1809 Publicadas em 1811 15 – Dimmi, Ben Mio, che M’ami (desconhecido) [DFD, JD]
16 – T’intendo si, mio Cor (Metastasio) [DFD, JD]
17 – L’amante Impaziente (Arietta Buffa) (Metastasio) [DFD, JD]
18 – L’amante Impaziente (Arietta Assai Seriosa) (Metastasio) [DFD, JD]
19 – Odi L’aura che dolce sospira (Duetto) (Metastasio) [AS, PS, WO]
20 – Der Mann Von Wort, Op.99 (1816, Kleinschmid) [GL, WO]
21 – Merkenstein, Op.100 (1814-15, Rupprecht, 2ª versão) [AS, PS, WO]
22 – In Questa Tomba Oscura, WoO 133 (1807, Carpani) [DFD, JD]
23 – Die Laute Klage, WoO 135 (1815, Herder) [DFD, JD]
24 – Andenken, WoO 136 (1809, Matthison) [DFD, JD]
25 – Gesang aus der Ferne, WoO 137 (1809, Reissig) [DFD, JD]
26 – Der Jüngling in der Fremde, WoO 138 (1809, Reissig) [DFD, JD]
27 – Der Liebende, WoO 139 (1809, Reissig) [DFD, JD]
28 – Der Bardengeist, WoO 142 (1813, Hermann) [DFD, JD]
29 – Das Geheimnis (Liebe und Wahrheit), WoO 145 (1815, von Wessenberg) [DFD, JD]
30 – Sehnsucht, WoO 146 (1815-16, Reissig) [DFD, JD]
31 – Ruf vom Berge, WoO 147 (1816, Treitschke) [DFD, JD]
32 – Resignation, WoO 149 (1817, von Haugwitz) [DFD, JD]
33 – Abendlied unterm gestirnten Himmel, WoO 150 (1820, Goeble) [DFD, JD]
Adele Stolte, soprano [AS] Peter Schreier, tenor [PS] Günther Leib, barítono [GL] Dietrich Fischer-Dieskau, barítono [DFD] Jörg Demus, piano [JD] Walter Obertz, piano [WO]
Apreciei tanto a reação suscitada pela postagem alusiva ao aniversário do supremo Grigory Sokolov que não parei mais de golpear minha cabeça contra a parede (metaforicamente, claro) por nunca antes ter publicado qualquer coisa dele por aqui. Jamais me perdoarei a contento, sokolovmaníaco que pensava ser, de modo que minha reparação começa agora, com esta gravação dedicada somente a Ludwig, e continuará com a divulgação gradual de tudo que tenho, oficial e pirata, e que continua a chegar pelos contatos no submundo do fã-clube do petersburguês.
Aproveitei que chegou a hora do Op. 51 em nossa série e usei o bom pretexto para lhes alcançar esta gravação feita, nada surpreendemente, num recital em Verona. Curiosamente, Sokolov escolheu os dois despretensiosos rondós para abrir os trabalhos, guardando as peças de mais músculo para depois. Quando procuramos precedentes, e encontramos o monstro Radu Lupu, perguntamo-nos enfim o que leva dois dos maiores pianistas vivos, pupilos da escola soviética e legendariamente discretos, a fazê-lo. Enquanto boiava a buscar respostas, ocorreu-me que talvez sejam, entre todas as peças de Beethoven para piano, as mais apropriadas para iniciar um recital – breves, mas não abruptas como as tantas bagatelas; sem grandes gestos, nem intensos contrastes; e muito adequados, por isso, para atrair a atenção do público lavado em ansiosos fluidos antecipatórios e preparar a audiência para o que vem a seguir.
Antes das obras mais calibrosas, vem uma de minhas leituras preferidas do assanhado rondó a capriccio, Op. 129, que costuma ganhar um tratamento temperamental e ultravirtuosístico – certamente instigado pelo subtítulo apócrifo “A Fúria sobre o Tostão Perdido” -, e aqui é tratado com a habitual clareza sokolóvica e sabores bem adequados ao improviso que possivelmente tenha sido antes de posto no papel. Em seguida, a Op. 7, de que Beethoven tanto gostava e que chamou de “Grande Sonata”, ganha garbo e brilho sem a excessiva espumância com que a costumam tratar – mais uma senhorinha elegante do que uma socialite emergente, se assim me permitem comparar. Por fim, uma Op. 101 quase impossivelmente sofisticada e trabalhada no colorido, com a transparência e clareza do Bach de Sokolov irrompendo na irresistível apoteose contrapontística do final.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Dois Rondós para piano, Op. 51 Compostos entre 1795-1798 Publicados em 1802 (no. 2) e 1810 (no. 1)
1 – No. 1 em Dó maior
2 – No. 2 em Sol maior
Grande Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 7 Composta entre 1797-8 Publicada em 1798 Dedicada à condessa Babette von Keglevics
3 – Allegro molto e con brio
4 – Largo, con gran espressione
5 – Allegro
6 – Rondo: Poco allegretto e grazioso
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 Composta em 1816 Publicada em 1817 Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
7 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
8 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
9 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
10 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Trata-se de um breve hiato na integral de Beethoven que, de maneira alguma, significa uma interrupção na torrente de postagens com e sobre Beethoven.
Comunicamos a restauração de algumas publicações anteriores cujos links tinham expirado/morrido/ido para o éter e que correspondiam a gravações por demais essenciais para ficarem inativas num blogue que busca sempre ser um repositório da mais excelente música. Todas elas foram originalmente feitas pelo colega FDP Bach, a quem vocês devem sempre – e não só hoje – um agradecimento caloroso por tudo o que ele já lhes trouxe e segue a trazer (e fica a dica: esses agradecimentos fazem muita diferença para quem, como FDP Bach e a maioria de nós outros, esprememos o nem sempre abundante tempo de que dispomos para publicarmos o que de melhor achamos em nossas coleções, enquanto seguimos a praticar o compulsório triatlo de nadar em boletos, suar os sovacos e sobreviver):
(Nota ESSENCIAL: não se trata de uma integral, pois o gigante de Odessa empacotou antes de completar esta série. Portanto, comportem-se e não me peçam para psicografar as sonatas faltantes ou, pior ainda, incomodar o leonino Emil no Além)
(Nota essencial: sim, eu vi que a caixa contém 10 CDs; não, não pretendo postar as restantes tão cedo, por motivos de ainda haver pelo menos mais 500 peças de Beethoven para publicar aqui até o aniversário do moço, em dezembro. Agradeço antecipadamente a compreensão)
(Nota essencial: FDP Bach teve a ótima ideia de fazer acompanhar essas interpretações fundamentais das sinfonias por Bruno Walter das engenhosas transcrições que Franz Liszt fez das mesmas obras para piano. Originalmente, nosso colega disponibilizou as duas versões – orquestral e pianística – no mesmo arquivo. Como dispúnhamos das versões separadas, cada leitura de Walter terá a seu lado a de Leslie Howard ao piano)
Quando vi Patricia Kopatchinskaja pela primeira vez, algo acendeu em mim um alerta – algo a me sussurrar “Liberace”, ou “Nigel Kennedy”, ou “David Garrett”, ou algum outro nome de músico de óbvia competência, mas embriagado pela sedução do puramente espetaculoso. Aquele jeitinho calculadamente estranho, as pequenas esquisitices, a pegada hipster – sim, tudo havia para que eu a escutasse com preconceito. Quando isso finalmente aconteceu, eu me rendi imediatamente a seu encanto, e acabei por compreender que aquela estranheza toda, ademais compreensível para uma filha da estranhíssima Moldávia, era expressão, assim como sua música, dum talento sui generis.
Pat Kop, como ela mesma costuma se chamar, desbrava tanto o moderno quanto o antigo. Colabora com muitos compositores e intérpretes de vanguarda, construindo um repertório fresco e muito afeito a seu estilo, da mesma forma que mergulha em bibliotecas para, folheando manuscritos poentos, inovar com o resgate de intenções perdidas por editores desleixados e tradições traidoras.
Ao gravar o repertório beethoveniano para violino e orquestra, escolheu seu instrumento napolitano com cordas de tripa e a parceria virtualmente infalível de Philippe Herreweghe e sua Orchestre des Champs-Elysées, e pôs-se a examinar o autógrafo do compositor. Identificou, além de correções óbvias, várias anotações com tinta diferente que entendeu serem variantes propostas por Beethoven e que não foram incorporadas a qualquer edição do Op. 61 e que nos faz ouvir em sua gravação. Sua impressão acerca do manuscrito – o de uma exuberante improvisação escrita – está em completo acordo com a história da composição do concerto, uma caótica empreitada que resultou, para variar, numa partitura mormente incompleta, cujas crateras foram preenchidas por improvisos de Franz Clement, o solista da estreia.
Além de abordar a partitura com o mesmo cacoete improvisatório que depreendeu dos seus originais, Patricia tentou emular o estilo de Clement a partir de descrições de seus contemporâneos: um som nobre e caloroso, de fraseado elegante, incapaz de grandes volumes, que muitas vezes acabava engolfado pela orquestra. Ao estudar indicações de andamento propostas por pessoas próximas a Beethoven, como seu ex-aluno Czerny, concluiu que o primeiro movimento deveria ter a cadência de uma marcha, que o Larghetto deveria ser uma meditação sussurrada, em vez da tradicional cantilena com vibrato em que o costumam transformar, e que o finale deveria ser lépido como o que aqui ouvimos. Para as cadenze, Kopatchinskaja fez uma hábil transcrição daquela que o próprio compositor escreveu para a versão pianística (Op. 61a) do mesmo concerto, com a participação um tanto intimidante dos tímpanos e também de um violoncelo e de um segundo violino, o qual é tocado por ela mesma, após um pequeno truque de estúdio. O resultado é uma leitura deveras incomum e refrescante de uma obra que muito amo, e que recomendo com muito entusiasmo aos leitores-ouvintes.
A atenção de Pat Kop à História explica a ordem em que os dois melífluos romances aparecem no disco: aquele conhecido como no. 2, em Fá maior, foi o primeiro a ser escrito, embora tenha sido publicado posteriormente. Os poucos anos que os separam ficam evidentes pelas diferenças na orquestração e nos toques inovadores, como o solo de violino a iniciar o de no. 1. Para completar a integral de Beethoven para violino e orquestra, a gravação finaliza com os quinhentos e poucos compassos de um concerto que ele escreveu ainda em Bonn e que restou incompleto. Apesar das muitas tentativas de completá-lo, e das suposições de que o romance no. 2 seria seu movimento lento (o que é plausível tanto pela relação entre suas tonalidades quanto pelo seu título, já que “romance” era uma denominação comum para andantes em concertos, mas sem precedentes para obras independentes), Pat escolheu executá-lo como o renano nos deixou, entregando ao éter sua última frase interrompida.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto em Ré maior para violino e orquestra, Op. 61 Composto em 1806 Publicado em 1808 Dedicado a Stephan von Breuning
Cadenze de Beethoven, compostas para a versão do concerto para piano (Op. 61a), transcritas por Patricia Kopatchinskaja
1 – Allegro ma non troppo
2 – Larghett0
3 – Rondo: Allegro
Romance no. 2 para violino e orquestra em Fá maior, Op. 50 Composto em 1798 Publicado em 1805
4 – Adagio cantabile
Romance no. 1 para violino e orquestra em Sol maior, Op. 40 Composto em 1802 Publicado em 1803
5 – Adagio cantabile
Concerto em Dó maior para violino e orquestra, WoO 5 (fragmento) Composto provavelmente entre 1790-92
6 – Allegro
Patricia Kopatchinskaja, violino Orchestre des Champs-Elysées Philippe Herreweghe, regência
Sim, meus caros: a fama da extraordinária sonata Op. 47, capaz de eternizar o nome dum dedicatário que sequer se coçou para tocá-la, e de manter na história o ademais esquecido gran pazzoBrischdauer, começou logo quando de sua publicação, e resultou num sem número de imitações baratas e, no que nos importa hoje, em diferentes arranjos. De transcrições para piano solo de Godowsky e Czerny e para violoncelo e piano de Franchomme, passando por Tárrega para o violão e, surpreendentemente, por um jovem Tchaikovsky, que detestava Beethoven mas, não obstante, orquestrou parte do movimento inicial durante seus estudos no Conservatório de São Petersburgo (o link leva para a partitura, pois infelizmente desconheço qualquer gravação), bem, bastante coisa foi feita da famosa sonata.
Vê-la transformada num quinteto de cordas, então, não deveria chocar ninguém – o próprio Beethoven, que publicou em vida apenas uma obra escrita para essa formação, providenciou arranjos de outras peças para este meio, com o qual voltou a flertar no final de sua carreira. Mesmo que alguns frontispícios das edições modernas atribuam sem-cerimoniosamente o arranjo ao próprio compositor, a edição original, publicada em 1832 – cinco anos após sua morte – não faz menções a seu autor. Muitos são os que atribuem o trabalho a Ferdinand Ries (1784-1838), amigo e aluno de Beethoven, enquanto não poucos estudiosos, ao examinarem a partitura, concluem que ela só pode ser da própria lavra do renano.
Independentemente da autoria, trata-se de um trabalho muito hábil, de alguém que conhecia muito bem a obra e dominava muito bem o métier. Quem espera simplesmente um confronto entre um violino solista e quatro instrumentos coadjuvantes surpreende-se logo no começo, ao ouvir os acordes de abertura entoados por violino, viola e por um dos violoncelos – sim, há dois deles, repartindo as partes de baixo, em contraste com os demais quintetos de Beethoven, que exigem duas violas. Mais que uma transcrição, trata-se de uma recomposição muito convincente que, assim espero, muito os surpreenderá.
Abrindo a gravação, uma muito refrescante versão daquele esquisito concerto triplo, Op. 56, executado em instrumentos originais, assim como foi o quinteto. Achei muito pitorescos os timbres dos solistas – menção honrosa para o fanhoso fortepiano da coleção do onipresente Paul Badura-Skoda – e o sabor camerístico da orquestra compacta, que faz a obra soar como um concerto grosso, deixando-a menos pesada e mais interessante que o habitual.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto em Dó maior para violino, violoncelo, piano e orquestra, Op. 56 Composto entre 1803-05 Publicado em 1807 Dedicado a Joseph Franz Maximilian, príncipe Lobkowitz
1 – Allegro
2 – Largo (attacca)
3 – Rondo alla polacca
Paul Badura-Skoda, fortepiano Anner Bylsma, violoncelo
Collegium Aureum
Franzjosef Maier,violino e regência
Quinteto em Lá para dois violinos, viola e dois violoncelos,
baseado na sonata para violino e piano, Op. 47, “Kreutzer” Arranjo anônimo, publicado em 1832
Scritta in un stilo molto concertante, quase come d’un concerto (“escrita num estilo muito concertante, quase como de um concerto”) é tanto o que promete o frontispício da Op. 47 quanto o que a sonata cumpre, para o deleite das plateias do mundo todo, há mais de duzentos anos. Uma peça assim, tão célebre quanto amada, tantas vezes já publicada neste blog repleto de seus fãs, dispensa maiores apresentações. Se tentasse descrever sua curiosa gênese, não conseguiria fazer melhor que o colega Ranulfus, de modo que eu sugiro fortemente que leiam o ótimo texto em que ele apresenta seu dedicatário original, o extraordinário – no mais amplo sentido que o adjetivo pode ter – Bridgetower, e descreve tanto o apogeu e glória de sua parceria com Beethoven, cuja criatividade tanto inflamou, quanto sua queda em desgraça e a mudança de dedicatória da obra em prol de um Rodolphe Kreutzer que a acolheu, bem, de braços galicamente abertos.
Ainda que eu tenha gasturas com a imensa injustiça que é ver o ademais esquecido nome de Kreutzer eternizado pela obra-prima que ele celebrizou, não será minha insignificante indignação que mudará o status quo. Limitar-me-ei a não mais mencioná-lo, e voltar à vaca fria.
A leitura de Leonidas Kavakos e Enrico Pace para a Op. 47 segue a mesma tônica das sonatas anteriores da série: clareza antes de bravura, equilíbrio, valorização do belíssimo timbre de Kavakos, integração – e não embate – entre os executantes. Alguns estranharão a famosa introdução, que Beethoven, num gesto com poucos precedentes, deixa a cargo do violino solo: em vez de acordes com ataques ansiosos, Kavakos nos faz ouvi-los arpejados, como numa das sonatas desacompanhadas de Bach. Com a entrada de Pace, eles vão construindo uma tensão que vai sendo aumentada e aliviada ao longo do extenso movimento inicial, e resolvida somente no finale. As variações intermediárias, assim, são levadas com mais energia que o que é o costume, de modo que os três movimentos tenham equilíbrio – uma abordagem que muitos chamariam de clássica, certamente muito diferente daquelas em voga, e que resultou numa das minhas interpretações favoritas dessa maior de todas as sonatas para violino.
A gravação – e a série – se encerram com uma sereníssima sonata Op. 96, sussurrada a ponto dos suspiros de Kavakos serem quase tão audíveis quanto seu lindo som, um produto da maturidade artística de Beethoven que abordaremos mais adiante nessa travessia que fazemos de sua obra.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para violino e piano em Lá, Op. 47, “Kreutzer” Composta entre 1802-03
Publicada em 1805 Escrita para George Bridgetower, dedicada a Rudolphe Kreutzer
Já lhes repeti tantas vezes o termo “balaio de gatos” nessa série que ele seguramente perdeu toda capacidade de evocar estranheza, então chamarei este disco de “bornal de ariranhas” porque, né, não é todo dia que alguém coloca o único oratório de Beethoven, já tão pouco encontradiço em gravações e programas, junto com um punhado de suas pouco ouvidas canções, apartados por uma pitada de um pouco célebre compositor do barroco alemão. O recipiente cheio de mustelídeos, no entanto, justifica-se plenamente em função de seu único denominador comum – uma das mais lindas vozes jamais ouvidas neste cacófono globo azul, um artista cuja partida prematura privou a música de muitos de seus mais belos dias, o maravilhoso Fritz Wunderlich (1930-1966).
Wunderlich, que queria ser trompista, mas foi cooptado por uma professora de canto a soltar a voz e encantar o planeta, ainda não chegara ao seu apogeu artístico quando uma estúpida queda duma escadaria o matou, aos 36 anos. Sua carreira transcorreu essencialmente em teatros alemães e austríacos, onde a demanda por óperas italianas cantadas em alemão caiu como uma luva para sua voz brilhante, dir-se-ia mediterrânea, de tenor lírico, com um belíssimo timbre e a dicção impecável em seu idioma nativo. Entre as poucas gravações que nos deixou, aquelas feitas em estúdio são absoluta minoria, de modo que seus muitos fãs – entre eles, como já adivinharam, eu próprio – têm que recorrer aos registros muitas vezes precários, e quase sempre não autorizados de recitais e concertos, principalmente em festivais, e a fitas de transmissões radiofônicas para ouvi-lo e pranteá-lo ainda mais um pouco.
Essa gravação, o tal bornal de ariranhas, muniu-se justamente desses registros. Passaremos ao largo dos excertos de Rosenmüller e só comentaremos, acerca do oratório, gravado nos Países Baixos com músicos de uma rádio neerlandesa, que o brilho da maravilhosa voz de Wunderlich parece um pouco incongruente com a agonia no Monte das Oliveiras, o que parece fazer coro aos contemporâneos deque estranharam uma voz de tenor, em lugar de alguma mais grave, para o papel de Jesus. O que quero, e aliás meu único objetivo com essa postagem, é apresentar-lhes uma de minhas gravações favoritas em todos os tempos – a canção que Wunderlich nasceu para cantar com sua voz luminosa, a Adelaide.
Composta nos primeiros anos de Beethoven em Viena sobre um poema de Friedrich von Matthison, foi dedicada ao próprio poeta, que ele adorava. Intitulada “uma cantata para voz com acompanhamento de teclado” e totalmente posta em música (Durchkomponiert, ou seja, com música diferente para cada estrofe), ela narra através de duas seções contrastantes o anseio do poeta por Adelaide, uma mulher inatingível. Na primeira, um larghetto sobre um acompanhamento arpejado, o poeta enxerga Adelaide na luz entre as flores, “no reflexo do rio, na neve dos Alpes”, em contemplações da Natureza em várias estações, na noite e no dia. Na segunda, um allegro impetuoso, o poeta fantasia ultrarromanticamente que, depois de sua morte, brotará “de minha tumba, uma flor, das cinzas de meu coração” e que de suas pétalas violetas brilhará o nome de… sim, vocês sabem de quem.
Certamente o poema calou fundo em Beethoven, que estava sempre a sonhar com as intangíveis anáguas das aristocratas, e ele dedicou vários anos a sua composição. Apesar de seu muito sucesso, hesitou em enviá-la a Matthison, com medo de sua reprovação. Quando finalmente o fez, alcançou-lhe também uma carta em explica ao seu ídolo literário os motivos da demora, a qual, pela delicadeza com que Beethoven, que tanto se depreciava como um tosco de poucas maneiras e precária educação, merece ser traduzida (ainda que muito livremente):
“Estimadíssimo amigo:
Receberá com esta [carta] uma de minhas composições, publicada há já alguns anos, e ainda assim, para minha vergonha, da qual você provavelmente jamais ouviu falar. Não posso tentar me desculpar, ou explicar por que eu lhe dediquei uma obra que veio diretamente de meu coração, mas nunca o deixei saber de sua existência, a não ser que dessa forma: que eu primeiramente não sabia onde você vivia, e parte também por acanhamento, que me levou a pensar que fora prematuro em dedicar-lhe uma obra sem certificar-me de que você a aprovaria. De fato, mesmo agora eu lhe envio “Adelaide” com uma sensação de timidez. Você sabe por si mesmo que mudanças o passar de alguns anos traz a um artista que se mantém a fazer progressos; quanto maiores os avanços que fazemos na arte, menos satisfeitos ficamos com nossas obras de outrora. Minha vontade mais ardente realizar-se-á se você não ficar insatisfeito com o modo em que pus em música sua celestial “Adelaide”, e que ele [refere-se aqui ao modo] o instigue a escrever logo um poema similar; e se você não considerar meu pedido por demais petulante, imploro que você mo enviasse sem demora, para que eu dedique todas minhas energias a abordar sua adorável poesia com o devido mérito. Rogo que considere a dedicatória como uma retribuição pela satisfação que sua “Adelaide” em mim provocou, assim como a apreciação e o intenso deleite que sua poesia sempre inspirou, e sempre inspirará em mim [grifo de Beethoven].
Quando tocar “Adelaide”, lembre-se às vezes de
Seu sincero admirador,
Beethoven”
Matthison certamente não deixou de se lembrar de seu sincero e inseguro admirador. Ao apresentar “Adelaide” numa coletânea de seus poemas, já no final da vida, escreveu taxativamente:
“Muitos compositores trouxeram esta pequena fantasia lírica à vida através da música; estou firmemente convencido, no entanto, que nenhum deles fez tanta sombra ao texto com sua melodia quanto o gênio Ludwig van Beethoven em Viena”.
Quem escutar a solar gravação de Wunderlich só poderá concordar com o poeta.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Christus am Ölberge, oratório para solistas, coro e orquestra, Op. 85 Composto em 1803 Publicado em 1811
1 – Introduction – “Jehovah, du mein Vater” – “Meine Seele ist erschuttert”
2 – “Erzittre, Erde!” – “Preist des Erlosers Gute” – “O Heil euch, ihr Erlosten” – “Doch weh! Die frech entehren”
3 – “Verkundet, Seraph, mir dein Mund” – “So ruhe denn”
4 – “Wilkommen, Tod!” – “Wir haben ihn gesehen”
5 – “Die mich zu fangen augezogen” – “Hier ist er”
6 – “Nicht ungestraft” – “In meinen Adern wuhlen” – “Auf, ergreifet den Verrater!” – “Welten singen Dank und Ehre” – “Preiset ihn, ihr Engelchore”
Fritz Wunderlich, tenor (Jesus) Erna Spoorenberg, soprano (Serafim) Hermann Schey, baixo (Pedro) Groot Omroepkoor Radio Filharmonisch Orkest, Hilversum Henk Spruit, regência
Johann ROSENMÜLLER (1619-1684), arranjo de Fred HAMEL (1903-1957)
Lamentationes Jeremiae Prophetae
7 – 2. Lektion zum Mittwoch der Karwoche (Kap. 1, 6-9) – 3. Lektion zum Gründonnerstag (Kap. 3, 1-9)
Fritz Wunderlich, tenor Lisedor Praetorius, cravo Fred Buck, violoncelo
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
8 – Adelaide, Op. 46 (poema de Friedrich von Matthison)
9 – Resignation, WoO 149 (Haugwitz)
10 – Oito canções, Op. 52 – no. 4: Maigesang (Goethe)
11 – Der Kuß, op. 128 (Heisse)
Dinheiro, grana, gaita, bufunfa: chamem-no como quiserem, Beethoven sempre precisava dele. Ao recorrer novamente ao velho golpe de vasculhar o fundo da velha canastra dos tempos de Bonn e dela tirar algo que pudesse publicar, dela catou umas variações para trio com piano que compusera aos vinte e poucos anos e, soprando-lhes a poeira, deu-as à prensa doze anos depois, como seu Op. 44. Apesar de alegadamente serem sobre “um tema original”, sua origem é de outra lavra: um fragmento da ária Ja, ich muss mich von ihr scheiden (“Sim, eu tenho que me separar dela”), da ópera Das rote Käppchen (“O gorrinho vermelho” – sem relações com a história do Lobo Mau!) de Karl Ditters von Dittersdorf. Apropriação indébita? Talvez, mas o mais provável é que a obra, que tinha sido muito popular em Bonn na juventude de Beethoven, a ponto dele compor variações para piano (WoO 66) sobre um de seus temas, jazesse então na obscuridade, e que não fosse familiar a pessoa alguma em Viena. Não que nosso renano favorito fosse exatamente célebre pelo crédito que dava aos autores dos temas que lhe inspiravam variações: quando publicou suas monumentais “Variações Diabelli”, ele as intitulou tão só “Trinta e três variações sobre um tema” para piano; o nome do autor do tema só apareceu na primeira edição porque, bem, Diabelli era o editor.
Essas variações figurativas, ainda que engenhosas, delatam o característico estilo bonense e contrastam fortemente com a obra que a sucede na gravação. As dez variações sobre a imensamente popular canção Ich bin der Schneider Kakadu (“Eu sou o alfaiate Cacatua”(!), um título sem sentido, mas menos maroto que o original, Ich bin der Schneider Wetz und Wetz, de conotação libidinosa (!!)) foram compostas ao longo de mais de duas décadas. Seus primeiros esboços, ou talvez a maior parte da composição, são de 1803; há um manuscrito autógrafo de 1816, e a obra só foi publicada em 1824, depois das colossais Variações Diabelli. Essa gênese prolongada explica a estranheza que a obra provoca, como uma colagem de diferentes estilos do compositor: uma enorme, solene introdução afeita ao seu estilo intermediário, que conduz a um tema surpreendentemente simplório; a algumas variações que remetem às suas primeiras obras em Viena; e uma impressionante fuga dupla no final da primeira variação que só poderia ser obra dum veterano da Missa Solemnis e da demoníaca Hammerklavier.
A gravação termina com o sensacional trio “Arquiduque”, uma obra tão especial que será abordada numa publicação própria, e com uma gravação que, acreditamos, é ainda melhor que esta burilada joia que o Castle Trio lhes traz agora.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Variações em Mi bemol maior sobre um tema original, para piano, violino e violoncelo, Op. 44 Compostas em 1792 Publicadas em 1804
1 – Thema – Variationen I-XIV
Variações em Sol maior sobre a ária “Ich bin der Schneider Kakadu” da ópera “Die Schwestern von Prag” de Wenzel Müller, para piano, violino e violoncelo, Op. 121a Compostas em 1803, revisadas em 1816 Publicadas em 1824
2 – Introduktion – Thema – Variationen I-X
Trio em Si bemol maior para piano, violino e violoncelo, Op. 97, “Arquiduque” Composto entre 1810-11, revisado em 1814 Publicado em 1816 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria
3 – Allegro moderato
4 – Scherzo: Allegro
5 – Andante cantabile ma con moto – Poco piu adagio attacca: Allegro moderato – Presto
The Castle Trio Lambert Orkis, piano Marilyn McDonald, violino Kenneth Slowik, violoncelo
A curiosa música para Die Geschöpfe des Prometheus (“As Criaturas de Prometeu”) é tão singular quanto as circunstâncias que levaram à sua criação. Quando a famosa companhia de balé de Salvatore Viganò chegou a Viena, em 1801, logo recebeu o convite para se apresentar para a corte imperial. O napolitano Viganò, sobrinho de Luigi Boccherini, normalmente compunha a música para suas próprias coreografias e imaginou um algo ambicioso libreto baseado no mito de Prometeu. Julgando a ocasião e a complexidade da proposta além de suas habilidades como compositor, convidou o ainda entusiasmado Beethoven pré-Heiligenstadt para contribuir com a produção. Ludwig respondeu de maneira pouco usual, escrevendo a música com rapidez e atendendo todos os prazos, de maneira que, quando da estreia no Burgtheater, a obra estava totalmente completa, sem a necessidade do tradicional expediente beethoveniano de copiar as partituras na penúltima hora lá nas coxias.
O enredo conta a história de Prometeu como criador da civilização. No primeiro ato, instila vida em duas estátuas de argila, gerando os primeiros homens, para no segundo ato apresentá-las às artes através de entidades como Apolo, Orfeu, Pã e Baco. As danças coletivas alternam-se com solos – alguns até hoje indicados pelos nomes de seus criadores (Gaetano Gioia, Maria Casentini e o próprio Viganò), até que a musa da Tragédia mostra a que veio e mata Prometeu, demostrando a todos a inevitabilidade da morte. Thalia e Pã não se fazem de rogados e trazem o falecido titã de volta à vida, e todos dançam festivamente num inacreditável, mas previsível final feliz.
Escrita para um conjunto orquestral pequeno e notavelmente mais leve que as outras obras para o palco de Beethoven, Prometheus inclui partes para o corno di bassetto e para a harpa – instrumentos que, sinceramente, não me lembro de ouvir noutras obras beethovenianas – e alguns proeminentes solos para flauta e violoncelo. E a dança final, uma contradança reaproveitada duma composição da juventude e que ressurgiria também nas variações para piano, Op. 35, ficaria célebre como o tema do colossal finale da sinfonia Eroica – talvez uma citação proposital do criador mitológico da Humanidade numa obra originalmente destinada a Napoleão, que Beethoven considerava até então um herói libertador e inimigo dos déspotas.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Die Geschöpfe des Prometheus, música para o balé em dois atos de Salvatore Viganò, Op. 43 Composto entre 1800-1 Publicado em 1804 Dedicado à princesa Christiane von Lichnowsky
ATO I
1 – Overtura: Adagio – Allegro molto e con brio – attacca:
2 – Introduzione: La Tempesta. Allegro non Troppo – attacca:
3 – No. 1: Poco Adagio
4 – No. 2: Adagio – Allegro con brio
5 – No. 3: Minuetto
ATO II
6 – No. 4: Maestoso – Andante
7 – No. 5: Adagio – Andante quasi allegretto
8 – No. 6: Un poco Adagio – Allegro
9 – No. 7: Grave
10 – No. 8: Allegro con brio – Presto
11 – No. 9: Adagio – Allegro molto
12 – No. 10: Pastorale
13 – No. 11: Andante
14 – No. 12: Maestoso (“Solo di Gioia”)
15 – No. 13: Allegro – Comodo
16 – No. 14: Andante – Adagio (“Solo della Casentini”)
17 – No. 15: Andantino – Adagio (“Solo di Viganó”)
18 – No. 16: Finale
O catálogo pessoal de obras de Beethoven, que ele tanto relutara em inaugurar, fazendo-o somente aos vinte e quatro anos com três sólidos e meticulosamente revisados trios com piano, começou a romper suas criteriosas costuras naquele fatídico biênio de 1802-3. Não queríamos falar que ele precisava desesperadamente de dinheiro, mas, já que voltamos ao assunto, abordaremos aqui alguns de seus expedientes para tentar fazê-lo. Um deles, cada vez mais frequente, era o de negociar suas obras com vários editores ao mesmo tempo, o que levava muitas vezes a publicações simultâneas da mesma peça em cidades diferentes. O resultado nem sempre era satisfatório, tanto pela falta de cuidado de quem gravava as peças nas pranchas que iam à prensa, quanto pela falta ainda maior de paciência do compositor para revisar as provas gráficas de tantas editoras. Beethoven preferia ver suas composições amplamente publicadas e faturar com elas, mesmo que com o eventual desleixo de algumas edições, a perder totalmente o controle sobre elas, uma vez que, após a primeira edição, não havia qualquer maneira de coibir suas cópias não autorizadas.
Outro expediente comum era resgatar peças antigas e populares e reeditá-las com nova roupagem. O desespero levou-o, como já mencionamos noutro ponto dessa série, a resgatar as simplórias “variações Dressler” de seus onze anos e republicá-las com o mínimo de correções, para tentar tirar com elas algumas patacas. O crescente descuido com suas próprias obras levou, naturalmente, a uma certa desordem no seu catálogo de publicações. Se inicialmente pretendera acrescentar-lhe somente suas obras mais significativas, com o passar do tempo foram-lhe agregando itens que não eram totalmente de sua lavra, e sim arranjos de suas composições que confiava a outros músicos, tomando para si, quando muito somente a tarefa de revisar e autorizar a publicação. Este caso – de um arranjo alheio que acabou incorporado ao seu catálogo de publicações e ganhando um número de Opus – aplica-se tanto à serenata para flauta que publicamos ontem quanto ao noturno que agora apresento aos leitores-ouvintes.
Trata-se, como já mencionamos, de um arranjo feito por terceiros de uma obra antiga – no caso, a serenata para trio de cordas, Op. 8. Ainda assim, esta peça singular é muito querida pelos violistas, estranhamente desprivilegiados por um compositor que teve na viola um ganha-pão – ou que, talvez, tivesse ressalvas quanto ao instrumento, ademais pouquíssimo usado como solista em seu tempo, exatamente pelas más lembranças dos tempos duros em que, órfão de mãe e com o pai crescentemente ensandecido pelo alcoolista, se via obrigado a sustentar a si e aos irmãos menores. Conjecturas à parte, a gravação que lhes trago é uma das mais interessantes que tinha em minha discoteca. Intitulada Beethovens Bratsche (“A Viola de Beethoven”), sua estrela é – sim – a própria, um instrumento que Beethoven ganhou em 1789 para tocar na orquestra do Eleitor de Bonn. Quem o toca é a excelente Tabea Zimmermann, aqui acompanhada por Hartmut Höll num piano Conrad Graf de 1824, notável pelos cinco pedais, um dos quais aciona os recursos de percussão usados num dos movimentos. Eu adquiri este CD na Beethoven-Haus de Bonn, que foi o local da gravação e é onde a viola se encontra em exibição permanente. E percebam que eu escrevi que eu a tinha em minha discoteca, pois um triste incidente envolvendo animais domésticos danificou irremediavelmente suas faixas restantes – duas estudos para viola de Franz Anton Hoffmeister (1754-1812) e uma sonata para viola e piano de Johann Nepomuk Hummel (1778-1837). Espero que o que restou das dentadas daqueles cães cretinos lhes seja do agrado, e que os bramidos de ódio que eles de mim ouviram não tenham sido em vão.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Noturno em Ré maior para viola e piano, Op. 42
(arranjo de Franz Xaver Kleinheinz para a serenata para violino, viola e violoncelo, Op. 8)
1 – Marcia: Allegro
2 – Adagio
3 – Menuetto: Allegretto
4 – Adagio – Scherzo: Allegro molto – Adagio – Allegro molto – Adagio
5 – Allegretto alla polacca
6 – Andante quasi allegretto
7 – Marcia: Allegro
Esse disco é quase todo composto por obras de associação pelo menos oblíqua com Beethoven. A serenata para flauta e piano, Op. 41, é uma adaptação da obra homônima para flauta, violino e viola, Op. 25. Embora tenha sido aprovado e corrigido pelo compositor, o arranjo foi provavelmente realizado por terceiros e publicado, sem surpresa, pela desesperada necessidade de dinheiro que se seguiu à infernal temporada em Heiligenstadt. A sonata em Si bemol, Anh. 4, foi encontrada em manuscrito de punho alheio entre os papeis do compositor, depois de sua morte. Os flautistas saudaram a descoberta e, renegados que foram pelo compositor, acabaram por incorporá-la a seu repertório. Os estudiosos, entretanto, nunca tiveram muita certeza de sua autenticidade e atribuiram-lhe um lugar pouco honroso no apêndice (Anhang), e não no rol principal do catálogo Kinsky-Halm. Os editores tampouco lhe deram muito crédito, de maneira que a simpática obra só encontrou a prensa em 1906, cento e dez anos depois de sua composição. Os minúsculos Allegro e Minueto para duas flautas, pelo contrário, são indubitavelmente criações de Beethoven, e inclusive carregam uma dedicatória a um seu amigo, J. M. Degenhart, que era flautista amador. E eu adoraria lhes afirmar que o melífluo trio para flautas que encerra o disco é obra autêntica, mas não lhes sei mentir: ela é considerada espúria e foi aqui incluída porque o artista que o estreou foi o mesmo que adquiriu o manuscrito e que aqui está a executá-la para vocês, e não seremos nós a dizer “não” para Jean-Pierre Rampal, né?
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Serenata em Ré maior para flauta e piano, Op. 41 Arranjo da serenata para flauta, viola e violoncelo, Op. 25 Publicada em 1803
1 – Entrata. Allegro
2 – Tempo ordinario d’un Menuetto
3 – Allegro molto
4 – Andante con Variazioni
5 – Allegro, scherzando e vivace
6 – Adagio
7 – Allegro vivace
Jean-Pierre Rampal, flauta Robert Veyron-Lacroix, piano
Allegro e minueto em Sol maior para duas flautas, WoO 26 Compostos em 1796 Publicados em 1901 Dedicados a J. M. Degenhart
8 – Allegro con brio
9 – Minuetto quasi allegro
Jean-Pierre Rampal e Alain Marion, flautas
Sonata em Si bemol maior para flauta e piano, Anh. 4 Composta provavelmente entre 1796-98 Publicada em 1906
10 – Allegro
11 – Polacca
12 – Largo
13 – Thema mit variationen: Allegretto
Jean-Pierre Rampal, flauta Robert Veyron-Lacroix, piano
Trio em Sol maior para três flautas (espúrio)
14 – Allegro
15 – Andante
16 – Rondo: allegretto
Jean-Pierre Rampal, Christian Larde e Alain Marion, flautas
Uma trilha-bônus: Rampal toca o Romance em Fá maior de Beethoven, originalmente para violino e orquestra, num arranjo que jamais ouvira para flauta e piano. A pianista é Annie D’Arco
Estes quase cinco anos em que infesto este blog podem condensar-se em pouco mais de um. Foram, enfim, seis meses de contribuições diárias logo após minha estreia, e outros tantos desde que voltei. No entremeio desses dois surtos de produção, como se fossem eles Olimpíadas, houve quatro anos de silêncio dedicados ao que costumo chamar de uma temporada no Hades, até porque, dentro do que isso pode significar para alguém a cuja vida nada falta de essencial, eles assim me foram, mesmo.
Seria muito fácil jogar esse silêncio todo na conta daquilo que convencionamos chamar CORRERIA. Não considero justo, no entanto, atribuir a meu esmigalhante ganha-pão a total responsabilidade pelo meu sumiço. Por vários motivos, adotei prioridades que me fizeram distanciar e mesmo, vejam só, prescindir da música – uma estultice tão grande que dá às senhoras e aos senhores uma medida das escolhas de jerico que fiz na vida. E assim, sem muito ouvi-la, não me sentia instigado a escrever sobre ela e, por não escrever, perdi completamente o cacoete de fazê-lo. E assim, cada vez que ensaiava um retorno, o monstro do far niente percebia minha hesitação e me atirava novamente à torrente.
Ao regressar, há alguns meses, eu o fiz pela gentil insistência dos colegas e, ao atirar-me novamente nos braços da Música e voltar escrever para o PQP Bach, percebi que toda minha motivação para dedicar tanto tempo e muito de meus fosfatos a este espaço resumia-se àquela tríade tão essencial à vida: explorar, aprender e compartir.
E é por conta do compartir que eu, nada afeito a expor coisas de minha ademais desinteressante vida, lhes trago todas essas considerações. Tenho ciência de que não escrevo para deixar mementos para mim mesmo, ou para uma posteridade que sequer tenho ideia se vai sobreviver à distopia corrente. Escrevo, sim, para uma imensa massa de nomes que desconheço, oferecendo-lhe que considero digno de compartir, tanto em texto quanto, sempre o mais importante, no que a música tem de mais intangível, e que palavra alguma conseguiria expressar.
Não espero, ao contrário do que vós outros poderiam imaginar, qualquer retribuição. Exceto por alguns habitués que muito nos honram com seus comentários, eu morreria seco se esperasse por ela. A justificativa para as publicações já se consuma quando elas entram no ar, e muito pouco do que vem depois – e, novamente, com as notáveis exceções que já mencionei – costuma mudar suas razões de ser.
Dito isso, confesso – e falo aqui só por mim, e não pelos meus colegas – meu fastio crescente para com alguns tipos, especialmente aqueles que desprezam o que aqui despendemos na curadoria e na construção dum acervo musical significativo e que, sem qualquer moção ao nosso empenho cotidiano em trazer coisas novas ao blog, preferem apontar nossas omissões e pedir-nos mais e mais coisas, de maneira pervasiva e descortês, como se disc jockeys fôssemos, à mercê de suas obsessões particulares, ou guardiões duma cornucópia musical que nada mais tivessem a fazer.
Não estou aqui para servir esses chupins. Paguem-me alguns boletos e, daí, talvez possamos conversar. Até lá, preferirei que infestem outros ninhos.
E o que isso tem a ver com Franz Danzi?
Nada, claro.
Franz Danzi tem a ver com as exceções:
Uma delas foi o João Ferreira, que dia desses nos escreveu, com a cortesia e educação que chupim algum sonha em ter:
“Bom dia,
Seria possível, para amenizar minha quarentena – estou no grupo de risco -, os Srs conseguirem
os Concertos para Fagote e Orquestra, de Franz Danzi?
Agradecimentos de um resignado confinado,
Sds”
É claro que sim, João. Aqui estão não só um, mas dois discos com os concertos para fagote de Danzi.
Que a quarentena lhe seja leve, que você se cuide, e que aqueles que restarem dessa triste espécie possam ser melhores no afã de explorar, aprender e compartir.
Franz Ignaz DANZI (1763-1826)
1 – Abertura em Mi maior
Kölner Akademie Michael Alexander Willens, regência
Kovacevich encerra sua travessia com uma leitura elétrica das três últimas, visionárias sonatas. Quando parece que não lhe vai mais sobrar energia depois da fuga do final da Op. 110, ele começa a Op. 111 com toda pilha, cantarolando com o mesmo vigor com que toca – percebam que ele fica ultra-alegre cada vez que ataca os baixos -, e quem o acompanhou até aqui sabe o que esperar das variações que coroam toda série: brilho e expressividade, incluindo um proto-jazz especialmente pirotécnico.
O que vocês talvez não saibam é que a Warner, aquela marota distribuidora que tragou Philips e EMI e com elas o próprio Kovacevich, colocou bizarramente esta sonata sozinha no nono disco, fazendo-a – o que é ainda mais bizarro – seguir-se com as duas séries de bagatelas Opp. 119 e 126. Como nós adoramos Beethoven e sabemos o poder do Op. 111, transplantamos as “ninharias” para o disco anterior, deixando-as na mesma jaula da feroz Hammerklavier. Afinal de contas, nós lemos Thomas Mann, seu “Doutor Fausto” e, por termos aprendido a famosa lição do professor Kretzschmar, sabemos a única coisa que se pode seguir a seu segundo movimento…
“Um terceiro movimento? Um reinício depois desse adeus? Impossível! Acontecera que a sonata no segundo, no imenso segundo movimento, havia alcançado seu fim, um fim sem nenhum retorno. E, ao referir-se ‘à sonata’, não pensava apenas nessa, em dó menor, e sim na Sonata em si, na forma, no gênero artístico tradicional: ela mesma tinha sido levada ao seu término, cumprira seu destino, além do qual não existia caminho, anulara-se e dissolvera-se, despedira-se; o aceno de adeus, dado pelo motivo de ré-sol-sol, melodicamente consolado pelo dó sustenido, era despedida também nesse sentido, despedida grande como a peça, despedida da Sonata.”
… o silêncio, tão só.
ooOoo
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Mi maior, Op. 109 Composta em 1820 Publicada em 1821 Dedicada a Maximiliane Brentano
1 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
2 – Prestissimo
3 – Andante – molto cantabile ed espressivo
4 – Var. I – Molto espressivo
5 – Var. II – Leggermente
6 – Var. III – Allegro vivace
7 – Var. IV – Un poco meno andante
8 – Var. V – Allegro ma non troppo
9 – Var. VI – Tempo I del tema
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110 Composta em 1821 Publicada em 1822
10 – Moderato cantabile – Molto espressivo
11 – Allegro molto
12 – Adagio ma non troppo
13 – Adagio, ma non troppo – Arioso
14 – Fuga – Allegro ma non troppo
15 – L’istesso tempo di arioso
16 – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente
Sonata para piano em Dó menor, Op. 111 Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra
17 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
18 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile
Embora recomende a qualquer pessoa que me inquira acerca da qualidade desta ou daquela integral de Beethoven a técnica certeira do patrão PQP Bach – ouvir a Waldstein e dela tirar a medida do restante -, eu próprio não resisto e começo minha audição sempre pela descabelante Hammerklavier. Admito que haja mesmo algo de Schadenfreude a me impelir ao costume, e que desfrutar de três quartos de hora testemunhando os melhores pianistas do mundo a sangrarem as unhas, as juntas e as ventas para parir esta criatura horrendamente complicada seja um petisco sádico a nutrir a inveja medíocre do tocadordepiano que sempre fui e serei, incapaz de tocar a colossal ultrassonata mesmo que dispusesse de dois telencéfalos e cinquenta e cinco dedos. Quando o pianista a termina vivo e a criatura tem boa forma no redentor si bemol final, eu então recolho minha inveja e passo ao restante da integral.
Aw,yea
Informo-lhes, pois, que depois de dar à luz sua Hammerklavier, Stephen Kovacevich passa muito bem. Sua leitura parece dar-se sem esforço, sublinhando certos padrões rítmicos e melódicos que nunca tinha percebido (reflexo, talvez, do meu apetite por Schadenfreude). O Adagio sostenuto, cerne da obra, tem aqui uma qualidade mais terrena do que a diafaneidade usual e parece desembocar naturalmente na introdução da imensa fuga “com algumas licenças” que a encerra. O disco terminava originalmente com a sonata Op. 110, mas eu achei por bem, e por motivos que exporei na postagem seguinte, subverter a ordem proposta pela Warner e colocar as bagatelas aqui, como diminutos poslúdios para a feroz mastodonta.
Julguem-me.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
Onze novas bagatelas para piano, Op. 119 Compostas entre 1820-1822 Nos. 7-11 publicadas no tratado de piano de F. Starke em 1821 Coleção completa publicada em 1823
05 – Allegretto
06 – Andante con moto
07 – A l’Allemande
08 – Andante cantabile
09 – Risoluto
10 – Andante — Allegretto
11 – Allegro, ma non troppo
12 – Moderato cantabile
13 – Vivace moderato
14 – Allegramente
15 – Andante, ma non troppo
Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825
16 – Andante con moto, cantabile e compiacevole
17 – Allegro
18 – Andante, cantabile e grazioso
19 – Presto
20 – Quasi allegretto
21 – Presto – Andante amabile e con moto
Quanto mais visionárias vão-se tornando as sonatas, mais canoro fica Kovacevich. Nah, nada que se compare a Glenn Gould, o paladino do sing-along pianístico, mas deve realmente haver algo na Les Adieux que atice seu uirapuru laríngeo. Sua leitura, bocca chiusa à parte, é excelente para essa trinca de obras da transição para o derradeiro período criativo do mestre. Aprecio demais sua abordagem muito expressiva de toda Op. 81a, com um finale muito assertivo, e o quanto ele espreme de sumo da tão concisa Op. 90, cujo segundo movimento, sob suas mãos, tornou-se um dos mais singbar que conheço. A chave dourada fica com a Op. 101, uma de minhas – já que tirei o dia para abusar dos estrangeirismos – top 3 nesta série de Kovacevich. Sua maestria ao lidar com a tensão criada pelos vários clímaxes dessa peça magistral, que com pianistas menos competentes se torna desconexa, prepara admiravelmente o ouvinte para o maravilhoso movimento final, aquela inesquecível apoteose do contraponto.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 81a, “Les Adieux” Composta entre 1809-10 Publicada em 1811 Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria
1 – Das Lebewohl (Les Adieux): Adagio – Allegro
2 – Abwesenheit (L’Absence): Andante espressivo (In gehender Bewegung, doch mit viel Ausdruck)
3 – Das Wiedersehen (Le Retour): Vivacissimamente (Im lebhaftesten Zeitmaße)
Sonata para piano em Mi menor, Op. 90 Composta em 1814 Publicada em 1815 Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky
4 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
5 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101 Composta em 1816 Publicada em 1817 Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
6 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
7 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
8 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
9 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Como faço desde que conheci o patrão PQP – e sim, eu repito cada vez que posto as sonatas de Beethoven – sempre que quero ter uma ideia sobre como um pianista se sairá numa integral, vou direto na “Waldstein”. Não tem erro: como bem atesta PQP, quem se sai bem na “Waldstein” – com suas imensas dificuldades técnicas e outras tantas, e ainda maiores, interpretativas – tem tudo para se sair bem nas demais.
Kovacevich, claro, sai-se muito bem. Estranhei um pouco a pedalização do Allegro con brio, acostumado que estou às escalas mais staccato, mas depois entendi que tudo é preparação para o portento do rondó final, absolutamente eletrizante. O próprio pianista parece concordar, de tanto que cantarola junto – embora pouco se escute de suas manias canoras na tonitruante Appassionata, e olhem que ele canta alto. Espremida entre as duas gigantes, a singela sonata Op. 52 recebe um pouco mais de gravidade que a que lhe dão de costume. No final, ouve-se a pequenina e genial Op. 78 com todo o garbo que ela merece, obra-prima que é – e até para a Op. 79, coitadinha, a sonatina que vem para encerrar essa função toda, sobra uma energia que simplesmente a faz parecer suspensa e inconclusa em seu abrupto final.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano em Dó maior, Op. 53, “Waldstein” Composta entre 1803-4 Publicada em 1805 Dedicada ao conde Ferdinand von Waldstein
01 – Allegro con brio
02 – Introduzione: Adagio molto
03 – Rondo: Allegretto moderato
Sonata para piano em Fá maior, Op. 54 Composta em 1802 Publicada em 1804
04 – In tempo d’un menuetto
05 – Allegretto
Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata” Composta entre 1804-5 Publicada em 1807 Dedicada ao conde Franz von Brunsvik
06 – Allegro assai
07 – Andante con moto
08 – Allegro ma non troppo
Sonata para piano em Fá sustenido maior, Op. 78 Composta em 1809 Publicada em 1810 Dedicada a Therese von Brunsvik
09 – Adagio cantabile
10 – Allegro vivace
Sonata para piano em Sol maior, Op. 79 Composta em 1809 Publicada em 1810
A integral de Kovacevich mostra, entre tantas qualidades suas, a habilidade de adaptar-se à ampla gama de demandas estilísticas e timbrísticas dessas obras compostas ao longo de quase trinta anos de imensas transformações para o compositor, para a Música e para o mundo. No Op. 31, que considero as primeiras obras-primas consumadas de Beethoven para o teclado, Kovacevich combina a agilidade e sutileza de toque com que coloriu as primeiras sonatas com a admirável atenção ao detalhe, sem perder a concepção do todo, que ficará cada vez mais em evidência enquanto a série progride. As três sonatas, tão diferentes entre si, e cada qual revolucionária na elaboração do material temático e na maneira com que espreme aos limites a sonata-forma, são lidas como um conjunto, e não como um punhado de peças características, como seus apelidos apócrifos insistem sugerir. Assim, sua “Tempestade”, com seus meio-pianos e meio-fortes murmurados, é lindamente coesa e une-se com harmonia à uma “Caça” mais serena que impetuosa. Sem dúvidas, é uma de minhas leituras preferidas para algumas das mais cruciais obras do renano genial.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três sonatas para piano, Op. 31 Compostas em 1802 Publicadas em 1803
No. 1 em Sol maior
1 – Allegro vivace
2 – Adagio grazioso
3 – Rondo – Allegretto – Adagio – Presto
No. 2 em Ré menor, “Tempestade”
4 – Largo – Allegro
5- Adagio
6 – Allegretto
No. 3 em Mi bemol maior
7 – Allegro
8 – Scherzo – Allegretto vivace
9 – Menuetto – Moderato e grazioso
10 – Presto con fuoco
Duas sonatas para piano, Op. 49 Publicadas em 1805
No. 1 em Sol menor Composta em 1797
11 – Andante
12 – Rondo: Allegro
No. 2 em Sol maior Composta entre 1795-1796
13 – Allegro ma non troppo
14 – Tempo di Menuetto