Barbara Strozzi (1619-1677): Sacri Musicali Affetti (Maria-Cristina Kiehr, soprano)

Nascida em Veneza por volta de 1619, Barbara foi adotada por Giulio Strozzi (1583-1660), herdeiro de uma família de banqueiros, poeta e autor do libretto de óperas de Monteverdi e Cavalli (1602-1676). Aluna deste último, Barbara se destacou inicialmente como cantora em um círculo de nobres e comerciantes amantes das artes na Accademia degli Unisoni, fundada por seu pai adotivo.

Ao contrário da compositora alemã Hildegard von Bingen (1098-1179), monja que passou sua vida nos mosteiros beneditinos e foi canonizada, Barbara Strozzi parece nunca ter precisado recorrer à igreja em busca de proteção ou dinheiro, graças à fortuna e contatos do pai adotivo. Em meio a várias cantatas profanas, há entre suas obras publicadas o opus 5, de 1655, “Sacri Musicali Affetti”, com 14 obras para voz que eram acompanhadas por poucos instrumentos como órgão, cravo e viola da gamba.

A obra sacra de Barbara Strozzi foi publicada e vendida nas melhores lojas em sua época, mas, ao contrário da de Hildegard, tem sido solenemente ignorada pela igreja católica, e não por acaso. Há fontes que dizem que ela foi prostituta. Ou talvez tenham sido calúnias de contemporâneos com inveja de seu talento? O que sabemos de fato é que ela nunca se casou, mas sua vida amorosa foi movimentada, gerando quatro filhos. O que não nos autorizaria a dizer que Barbara não tinha convicções religiosas. Se essas obras sacras mostram alguma coisa é a riqueza da expressividade religiosa da compositora, vários afetos espirituais expressados em música para voz solo e poucos instrumentos, muito diferente da grandiloquente música sacra que, naquele mesmo século, estavam compondo na Basília de San Marco de Veneza compositores homens como G.Gabrieli e Monteverdi. Ou da música sacra com grande orquestra que o padre Vivaldi faria na virada para o século seguinte.

No quadro do pintor flamenco Rubens mais abaixo, que retrata a Descida da Cruz, ficam claros os dois papéis que a Igreja da Contra-Reforma esperava da mulher: ou a prostituta arrependida, ou a mater dolorosa: mãe, casta e virgem (ao mesmo tempo!) A maior parte das obras reunidas neste CD giram em torno da Maria mãe de Jesus. Uma outra Maria, a soprano Maria Cristina Kiehr, empresta sua belíssima voz para essa música de uma compositora que, como Chopin, preferia os formatos mais camerísticos e intimistas. Ou preferiam por ela? Enfim, dentro do que era possível no seu século, Barbara fez do limão limonada, com árias que não devem nada às dos mestres que compuseram para as grandes basílicas e catedrais.

Barbara Strozzi (1619-1677): Sacri Musicali Affetti e interlúdios instrumentais de Bernardo Gianoncelli (morto antes de 1650) e Tarquinio Merula (1595-1665)

1. B. Strozzi – Salve Regina 1
2. B. Strozzi – Salve Regina 2
3. B. Strozzi – Erat Petrus
4. B. Strozzi – Mater Anna 1
5. B. Strozzi – Mater Anna 2
6. B. Gianoncelli – Tastegiata 1
7. B. Strozzi – Nascente Maria 1
8. B. Strozzi – Nascente Maria 2
9. B. Gianoncelli – Tastegiata 2
10. B. Strozzi – Parasti cor meum
11. T. Merula – Sinfonia Secondo Tuono
12. B. Strozzi – Hodie oritur
13. T. Merula – Cappriccio cromatico
14. B. Strozzi – Salve sancta caro
15. T. Merula – Canzon
16. B. Strozzi – O Maria

Maria Cristina Kiehr, soprano

Concerto Soave: Christina Pluhar (arpa tripla, tiorba), Sylvie Moquet (viola da gamba, violoncino), Matthias Spaeter (arciliuto, chitarrone), Jean-Marc Aymes (organo, clavicembalo)
Gravado em 1995

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Descida da Cruz de Rubens (1577-1640), atualmente na igreja S.J.Batista em Arras, França

Michel Rossi sobre este quadro:
Maria Madalena com suntuosa cabeleira dourada. Maria, a “mater dolorosa”, fiel até o calvário, mais contida que Madalena. João, de vermelho, e José de Arimateia tentam, em vão, segurar o corpo que cai.
Ao pé da cruz, são as mulheres as primeiras a receber o corpo de Cristo.
Rubens faz nessa tela uma genial síntese da arte barroca, no espírito da Contra-Reforma católica: pedagógica, popular na sua capacidade de falar a homens e mulheres, de mobilizar os olhares e os corpos em torno de um mistério tornado próximo.

Pleyel

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