Uakti: MAPA (1992), I CHING (1994), 21 (1996), TRILOBYTE (1996) + ÁGUAS DA AMAZÔNIA (ballet de Philip Glass, 1999)

Uakti: MAPA (1992), I CHING (1994), 21 (1996), TRILOBYTE (1996) + ÁGUAS DA AMAZÔNIA (ballet de Philip Glass, 1999)

Complementando os 3 discos dos anos 80 postados há uma semana, vão aqui os 5 dos anos 90, que formam um pacote encomendado pelo selo Point Music, de Philip Glass. Mas antes de falar deles quero anotar alguns pensamentos pessoais sobre o trabalho do Uakti em geral.

Antes de mais nada, é provável que haja quem pense que há sons ou efeitos produzidos eletronicamente no trabalho do Uakti – mas é tudo acústico.

Nunca esqueci a primeira vez que ouvi esses sons: foi em 1980-81, no meio de dois anos na Inglaterra. Visitava uma brasileira casada com europeu, personagem típico daquela época pré-internet: acabava de chegar do Brasil trazendo “o último do Chico, o último do Milton, uma cachacinha de Minas, uma goiabada cascão divina…” – e o último do Milton era Sentinela, onde o Uakti gravou pela primeira vez, respondendo pelo arranjo e acompanhamento de “Peixinhos do Mar”. (Isto é: primeira vez em disco, pois um ano antes haviam feito a trilha do filme Cabaré Mineiro).

Hoje é difícil imaginar o impacto inovador que cada disco de Milton Nascimento representou, de 1967 até este ou pouco depois – e a partir deste o que houve de inovação respondeu precisamente pelo nome Uakti. Lembro de ter ficado embasbacado não só pelo som em si, como também pelo fato de o Milton “ter recorrido a um arranjo inteiramente eletrônico” – pois sons assim só saíam do novo instrumento lançado havia 10 anos, o tal do “sintetizador”. Imaginem o tamanho da incredulidade quando me disseram que todo som ali era acústico.

Mas haverá algum valor especial em extrair de instrumentos acústicos sons que já se podiam gerar antes disso por meio eletrônico? Minha impressão é a de que há, sim, um valor especial – mas não me perguntem por quê. Do mesmo modo como se alguém conseguir com as tradicionais tintas a óleo efeitos de cor que pensamos só serem possíveis por computação gráfica. Não sei por quê, mas… vocês também não sentem isso?

Uma segunda coisa que me faz pensar é que o único instrumento “clássico” usado regularmente pelo Uakti é a flauta transversal. Acontece que esse também é o caso no Quinteto Armorial (pois o violino que há aí não é violino, é rabeca) – e em grande medida também nos conjuntos de choro. Será que isso sugere alguma conexão especial entre a flauta transversal e o jeito brasileiro de ser?

Avançando além da instrumentação: a uma audição superficial Uakti pode muitas vezes soar como “new age”, mera ambientação sonora… mas à audição atenta o ouvido experiente percebe claramente que é muito mais. Não é só a dimensão “timbre” que é explorada experimentalmente, são também as escalas, os ritmos, as formas (mesmo se geralmente constituem objetos pequenos, de duração relativamente curta). Isso se dá tanto como experimentação abstrata, cerebral (construções matemáticas) quanto aproveitando sugestões de fontes étnicas – isso porém no nível estrutural das composições, não como os “efeitos característicos” exteriores do século 19 e ainda antes, que geravam uma espécie de música vestida para baile à fantasia…

Há, p.ex., peças construídas sobre um pulso rítmico ao modo de música indígena das Américas. Quem já não tiver dado atenção a esse assunto sequer perceberá: é música universal, e ponto. Mas ao mesmo tempo é desenvolvimento das possibilidades do modo ameríndio de conviver com o som… sem precisar trombetear isso com nenhum cocar na cabeça. (No inesquecível Curso Latino-Americano de Música Contemporânea, em janeiro de 1978, em São João del Rei, fiquei muito impressionado com as pesquisas do compositor argentino Oscar Bazán nesse sentido. Agora me ocorreu: será que o Marco Antônio Guimarães também estava lá?)

Do mesmo modo, no balé I Ching (encomendado pelo Grupo Corpo), o trabalho com os elementos da concepção chinesa clássica do mundo e com as transformações de padrões combinatórios não tem nada de um misticismo nebuloso e sentimental, e sim com exercícios da razão e da observação do próprio mundo material. E o balé seguinte, “21”, explora de modo semelhante o nem sempre delicado mas sempre sutil espírito da arte poética japonesa.

O disco anterior e o posterior a esses dois balés (Mapa e Trilobyte) voltam a transitar entre o experimental e o melódico, este extraído mais uma vez de Milton Nascimento (Dança dos Meninos, Raça, Lágrimas do Sul) mas também de fontes como uma canção grega, e do “trovador renascentista do sertão baiano” Elomar Figueira de Melo, resultando, no meu ver, numa das faixas mais pungentes e hipnotizantes de toda essa discografia, Arrumação (faixa 5 de Trilobyte) – na qual o ouvido atento perceberá torrentes ao modo do jeu perlé (“toque perolado”) do piano do século 19 ambientando de modo insólito a regularidade sóbria dos versos madrigalescos.

O último dos 5 discos encomendados por Philip Glass terminou sendo preenchido com música do próprio, a qual foi também uma encomenda, desta vez do Grupo Corpo, para mais um balé. Já disse aqui que (assim como ao mestre PQP) de modo geral a música de Philip Glass me parece exasperantemente pretensiosa ao mesmo tempo que rala – mas aqui, com a instrumentação de Marco Antônio Araújo, confesso que acabei gostando bastante deste Águas da Amazônia (que vem com uma recriação de Metamorphosis I como bônus).

De que discos gosto mais? Acho que, no conjunto, do sétimo (Trilobyte, de 1996) e do terceiro (Tudo e Todas as Coisas, de 1984) –

… e aproveito para dizer aqui o que não gostei no trabalho deles: as elaborações em cima de standards de Bach e de “clássicos” diversos; não senti que o encontro enriqueceu nenhuma das partes, antes pelo contrário. Com isso, apesar de ainda me faltar ouvir um dos discos dos anos 00, aviso que prefiro parar com o que ainda me entusiasma, e deixar minhas postagens do Uakti só por estes oito álbuns já postados.

MAPA – 1992
(o nome homenageia o músico Marco Antônio Pena Araújo, falecido na época)
1 Aluá
(Marco Antônio Guimarães)
2 Dança dos meninos
(Marco Antônio Guimarães, Milton Nascimento)
3 Trilobita
(Artur Ribeiro, Paulo Sergio Santos, Marco Antônio Guimarães)
4 Mapa
(Marco Antônio Guimarães)
5 A lenda
(Marco Antônio Guimarães)
6 Bolero
(Ravel)

I CHING – 1994
Balé comissionado pelo Grupo Corpo
1 Céu
(Marco Antônio Guimarães)
2 Terra
(Marco Antônio Guimarães)
3 Trovão
(Marco Antônio Guimarães)
4 Água
(Marco Antônio Guimarães)
5 Montanha
(Marco Antônio Guimarães)
6 Vento
(Marco Antônio Guimarães)
7 Fogo
(Marco Antônio Guimarães)
8 Lago
(Marco Antônio Guimarães)
9 Dança dos hexagramas
(Marco Antônio Guimarães)
10 Alnitax
(Artur Andrés Ribeiro, Marco Antônio Guimarães)
11 Ponto de mutação
(Artur Andrés Ribeiro, Marco Antônio Guimarães)

“21” – 1996
Balé comissionado pelo Grupo Corpo
(falta determinar autoria das faixas)
1. Abertura
2. Hai Kai I
3. Hai Kai II
4. Hai Kai III
5. Hai Kai IV
6. Hai Kai V
7. Hai Kai VI
8. Hai Kai VII
9. Tema Em Sete
10. Figuras Geométricas

TRILOBYTE – 1995
1 Raça
(Milton Nascimento, Fernando Brant)
2 Lágrima do sul
(Marco Antônio Guimarães)
3 Xenitemeno mu puli [Meu pequeno pássaro em terras estrangeiras]
(Kristos Leonis, Albert Garcia)
4 O segredo das 7 nozes
(Artur Andrés Ribeiro)
5 Arrumação
(Elomar Figueira de Melo)
6 Música para um antigo templo grego
(Artur Andrés Ribeiro)
7 Trilobita II
(Paulo Sergio dos Santos)
8 Trilogia para Krishna:
Krishna I [Santa Afirmação]
(Artur Andrés Ribeiro)
9 Krishna II [Santa Negação]
(Artur Andrés Ribeiro)
10 Krishna III [Santa Reconciliação]
(Artur Andrés Ribeiro)
11 Parque das Emas
(Marco Antônio Guimarães)
12 Haxi
(Marco Antônio Guimarães)
13 Onze
(Marco Antônio Guimarães)

ÁGUAS DA AMAZÔNIA – 1999
Balé comissionado pelo Grupo Corpo
Todas as faixas de Philip Glass,
instrumentadas por Marco Antônio Guimarães
1 Rio Tiquiê
2 Rio Japurá
3 Rio Purus
4 Rio Negro
5 Rio Tapajós
6 Rio Madeira
7 Rio Paru
8 Rio Xingu
9 Rio Amazonas

10 Metamorphosis I

CDs MAPA, I CHING, 21 e TRILOBYTE
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CD ÁGUAS DA AMAZÔNIA
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Uakti: barulhos bons

Ranulfus