Neste interessante CD, Marc-André Hamelin interpreta gente como ele, ou seja, compositores-pianistas. OK, quase todos são, mas Hamelin se dedica aos grandíssimos virtuoses que, de vez em quando, achatam suas bundas numa cadeira para compor. O resultado é uma série de obras onde, em sua maioria, são exigidas habilidades demoníacas dos pianistas, o que não é problema para Hamelin, um pianista que parece ter e controlar uns 36 dedos sem se confundir. Há umas coisas decididamente bobas, outras lindas e outras em que a gente fica pensando: como ele consegue tocar essa coisa? Bem coloquemos as coisas em seus devidos lugares: o pianista canadense Marc-Andre Hamelin é um fenômeno, tendo uma série de gravações de tirar o fôlego. Ele se estabeleceu mais ou menos como o maior virtuose do planeta, e este disco só irá aumentar essa reputação — isto não significa que ele seja o melhor, claro. Hamelin faz parte de uma longa linhagem de compositores-pianistas. Alguns compuseram obras de dificuldade sobre-humana para exibir suas próprias proezas e fazer seus colegas se acovardarem, outros o fizeram para se apresentaram em público, ou seja, por razões financeiras (Rachmaninov e Medtner são bons exemplos). Este disco contém uma amostra representativa destes trabalhos, muitos dos quais não foram gravados anteriormente ou pelo menos são difíceis de encontrar. O CD também traz músicas de dois “gênios reclusos”: Charles-Valentin Alkan e Kaikhosru Shapurji Sorabji, ambos homens que produziram obras de desafios técnicos diabólicos enquanto se isolavam de quase todo contato humano e musical.
1 Toccata In G Flat Major Op 13
Composed By – Leopold Godowsky
3:18
2 Poème Tragique Op 34
Composed By – Alexander Scriabin*
3:13
3 Etude No 9 (D’après Rossini)
Composed By – Marc-André Hamelin
3:48
4 Etude No 10 (D’après Chopin) (‘Pour Les Idées Noires’) 2:01
5 Schübler Chorale No 6 (transcription)
Composed By – Bach*
Transcription By – Samuel Feinberg*
3:29
6 Andante From Symphony No 94 (transcription)
Composed By – Haydn*
Transcription By – Charles-Valentin Alkan
5:48
Esquisses Op 63
Composed By – Charles-Valentin Alkan
7 No 46: Le Premier Billet Doux 1:05
8 No 47: Scherzetto 2:11
9 Fantasia Nach J S Bach
Composed By – Ferruccio Busoni
13:37
10 Moment Musical In E Flat Minor Op 16 No 2 (Revised Version 1940)
Composed By – Sergei Rachmaninov*
2:45
11 Etude-Tableau In E Flat Op 33 No 4 (Originally No 7)
Composed By – Sergei Rachmaninov*
1:37
Deux Poèmes Op 71
Composed By – Alexander Scriabin*
12 No 1: Fantastique 1:18
13 No 2: En Rêvant, Avec Une Grande Douceur 1:51
14 Berceuse Op 19a
Composed By – Samuel Feinberg*
4:53
15 Improvisation No 1 In B Flat Minor Op 31 No 1
Composed By – Nikolai Medtner
7:02
16 Pastiche On The Hindu Merchant’s Song From ‘Sadko’ By Rimsky-Korsakov
Composed By – Kaikhosru Shapurji Sorabji
4:05
17 Prelude And Fugue (Etude No 12)
Composed By – Marc-André Hamelin
Mais uma postagem comemorativa, agora com dois homenageados! Para prestar essa homenagem trazemos a reedição de uma postagem feita pelo PQP Bach em 2020 – o Recital de Berlim de Yuja Wang (2018).
Yuja Wang é uma pianista sensacional e coloca aqui toda a sua arte a brilhar em um programa que demanda certa atenção do ouvinte, pois foge do óbvio.
Aqui está o texto da postagem original e o selo da série PQP-Originals:
Yuja Wang e Khatia Buniatishvili são livres para se vestirem como quiserem. É justo. Mas boa parte do público as conhece mais através das pernas de uma e dos seios e costas da outra do que por suas qualidades musicais. É injusto. Wang é efetivamente uma tremenda pianista, mas creio que o mesmo não se possa dizer de Buniatishvili, uma instrumentista que aposta apenas na emoção. Para comprovar o que digo, este CD da DG venceu vários prêmios de melhor disco eruditosolo de 2019. Isto é, Wang merece ser ouvida. O Ligeti e o Prokofiev dela são sensacionais. Já Rachmaninov e Scriabin são compositores tão estranhos a meu gosto que não vou falar. A 8ª Sonata de Prokofiev é notavelmente interpretada. Como Sviatoslav Richter, ela consegue integrar o poder e o lirismo que caracterizam os longos movimentos externos. Ao manter o Andante sognando estável, elegante e discreto, os toques expressivos de Wang tornam-se ainda mais significativos. Dos três Estudos de Ligeti, o Vertige é o melhor, e raramente soou tão suave e transparente.
Decidi fortalecer o pacote adicionando ao arquivo musical mais dois Estudos de Ligeti e uma outra Sonata para Piano de Scriabin, que fazem parte de um outro disco de Yuja Wang, chamado Sonatas e Estudos, postado também pelo PQP Bach, em 2016.
Assim temos um pacote com peças bastante representativas dos dois homenageados que certamente lhe abrirão o apetite por mais e umas sonatas para piano de dois conterrâneos e bem conhecidos de Rachmaninov. As Sonatas de Scriabin estão espetaculares e a interpretação da Sonata de Prokofiev foi elogiada pelo PQP Bach!
Sergei Rachmaninov (1873 – 1943)
Prelude Op. 23 No. 5 em sol menor
Etude-Tableaux, Op. 39, No. 1 em dó menor
Étude-Tableaux, Op. 33, No. 3 em dó menor
Prelude Op. 32 No. 10 em si menor
Alexander Scriabin (1872 – 1915)
Sonata para Piano No. 10, Op. 70
György Ligeti (1923 – 2006)
Études Pour Piano
No. 3 “Touches bloquées”
No. 9 “Vertige”
No. 1 “Désordre”
No. 4 “Fanfares” (Faixa Extra)
No. 10 “Der Zauberlehrling” (Faixa Extra)
Alexander Scriabin (1872 – 1915)
Sonata para Piano No. 2 em sol sustenido menor “Sonate-Fantasie”
As peças de Rachamaninov são dois famosos Prelúdios, peças com as quais ele ganhou a atenção do mundo musical bem no início da carreira, além de dois Estudos-Tableau. Ou seja, estudos, mas que também contam uma história. Eu sempre tomo como referência algumas das peças de Mussorgsky, que compõem a suíte Quadros de Uma Exposição.
Garrick Ohlsson é um pianista com uma extensa discografia: obras completas de Chopin, concertos de Liszt, de Brahms, de Dvorák, de Busoni… Se o buscador à direita não tiver me enganado, hoje ele faz sua estreia aqui no blog.
A julgar por esse recital ao vivo de sonatas de Scriabin, não deveríamos tê-lo ignorado até aqui. Nascido em Nova York em 1948, aluno de mestres russos na Juilliard School (também teve aulas privadas com Claudio Arrau), o pianista mostra um profundo conhecimento dessas obras tecnicamente muito difíceis e beirando o atonalismo (com exceção da 3ª sonata, anterior em 15 anos às outras). Ele não as aborda como amontoados de notas desconexas, mas sempre com fraseados cantantes e uma forma de esculpir as tensões harmônicas que lembra seu professor e ídolo Arrau – que, como sabemos, não se arriscava nessas sonatas.
As três últimas sonatas foram finalizadas no mesmo ano de 1913. Elas passeiam entre momentos atonais e alguns centros tonais. Às vezes lembram Schoenberg, mas com uma retórica mais próxima do romantismo, por exemplo os longos e tensos trinados que lembram vagamente as últimas sonatas de Beethoven. São harmonicamente mais complexas do que as sonatas para piano de Prokofiev e Shostakovich (embora muita gente prefira as desses dois: Scriabin constuma ser um compositor que se ama ou se odeia).
Alexander Gadjiev, bem mais jovem, ficou famoso ao participar do Concurso Chopin de Varsóvia, assim como Ohlsson décadas antes. Ele nos brinda com pequenas pérolas de Scriabin, selecionadas não em grandes grupos de estudos ou de poemas, mas alternando os gêneros, como também gostavam de fazer pianistas de outras eras como Sofronitsky e Horowitz.
Neste ano de 2022, Scriabin completou 150 anos de nascimento. Na verdade a história é mais complicada: o calendário na Rússia era diferente então ele nasceu em dezembro de 1871 na época, mas em janeiro de 1872 convertendo para os dias atuais… Enfim, alguns discos foram lançados em comemoração e aqui no PQPBach tivemos dois desses novos: um da ucraniana Valentina Lisitsa (aqui) e este de hoje de um americano e de um ítalo-esloveno, com gravações selecionadas pela BBC. As de Ohlsson foram ao vivo no Wigmore Hall, sala cuja acústica é considerada uma das melhores do mundo para música de câmara e piano solo.
Alexander Scriabin (1872-1915):
1-4. Sonata No. 3 in F sharp minor, Op. 23
5. Sonata No. 8, Op. 66
6. Sonata No 9, Op. 68 ‘Black Mass’
7. Sonata No. 10, Op. 70
Garrick Ohlsson
Recorded live at Wigmore Hall, London, 27 April 2015
“A arte é um vinho maravilhoso.”
Alexander Scriabin, citado por Boris de Schloezer
Hoje em dia a música de Scriabin faz parte do repertório de pianistas de várias origens e estilos: aqui no blog já tivemos a obra do russo por Marc-André Hamelin, Stephen Coombs, Valentina Lisitsa, Yuja Wang, Martha Argerich, Nelson Freire… Mas em meados do século passado, aquele compositor era uma especialidade dos soviéticos e russos emigrados, com bem poucos pianistas de outros países se aventurando em suas obras: uma das raras exceções era o alemão Walter Gieseking.
Hoje, então, vamos trazer dois dos grandes russos que se tornaram referência na interpretação de Scriabin. Além da relevância pela arte pianística, selecionei esses dois discos ao vivo por estarem entre as gravações com melhor qualidade e menos ruído.
Vladimir Sofronitsky (São Petersburgo, 1901 – Moscou 1961) foi colega de classe de Dmitri Shostakovitch, e de Elena Scriabina, a filha mais velha de Scriabin, com quem ele se casaria em 1920. Aliás Elena, já viúva, aparece no documentárioHorowitz in Moscow, de 1986
Por sua vez, Emil Gilels (Odessa, 1916 – Moscou, 1985) foi um dos maiores intérpretes de Beethoven de sua geração, mas também tinha algumas obras de Scriabin – estudos e sonatas do jovem Scriabin e os últimos prelúdios, op.74, compostos em 1914 – sempre reaparecendo nos seus recitais, como esse de 1980 diante de um público inglês que provavelmente conhecia pouco sobre aquele compositor.
Sviatoslav Richter e Emil Gilels viam Sofronitsky como um importante mentor. Uma vez, em estado alcoolizado, Sofronitsky teria dito que Richter era um gênio. Em troca, Richter brindou e disse que Sofronitsky era um deus.
Abaixo, a tradução de dois textos sobre Scriabin, um de um escritor francês e o outro de uma pianista russa:
Além de três sinfonias, dois poemas sinfônicos, um concerto e das Sonatas nº 1 e nº 3, todas as outras obras de Scriabin não chegam a quinze minutos de duração… Além disso, a maior parte das suas cerca de duzentas peças para piano – como Chopin, Scriabin escreverá abundantemente para piano – não duram mais do que dois ou três minutos. Se a música de muitos de seus contemporâneos é prolixa, Scriabin age ao contrário, obcecado pela economia de meios e pela densidade máxima a ser dada ao material musical. Uma lição também aprendida com Chopin.
Assim como para o músico polonês, o piano de Scriabin é um mundo fechado e autossuficiente, onde ele respira livremente. Chopin e sua profunda influência – Scriabin retomará grande parte de seus gêneros, prelúdios, estudos, impromptus, mazurkas, noturnos – muitas vezes nos fazem esquecer sua verdadeira personalidade, essa espécie de graça lânguida e sonhadora que se afirma no famoso Estudo em dó sustenido menor op. 2, composto na adolescência. Scriabin, de fato, prolonga Chopin mais do que o segue. É surpreendente que um gênio tão precoce siga por um tempo os passos de outro? O contrário seria impensável quando conhecemos o alcance infinito do universo harmônico de Chopin, para não falar de sua inigualável arte pianística.
Os retratos fotográficos que temos de Scriabin dão uma imagem dele semelhante à sua música: orgulhoso, altivo, encantador, elegante, fino, misterioso, assertivo, nobre, distinto, estranho, singular, luminoso, surpreendente, exaltado…
(Texto de Jean-Yves Clément)
Como é o estilo de Scriabin? É uma pergunta difícil de se responder. Há alguns exemplos. Por exemplo, Vladimir Sofronitsky era um magnífico pianista. Ele era um amigo da família de Scriabin e tocava com frequência na sua casa. Mas Scriabin em suas interpretações é o seu próprio Scriabin, e o mesmo vale para outros pianistas como Horowitz e Neuhaus…
Leonid Sabaneyev conta que uma vez, quando ele assistia a um concerto com Tatiana Schloezes, esposa de Scriabin, eles descobriram um jovem pisnista cujo estilo lembrava o do compositor. Impressionados, eles falaram a respeito com Scriabin. Mas este não compartilhou do entusiasmo, ele não buscava formar uma escola. Ele era único.
O rubato de Scriabin é incomparável. É necessário sentir o ritmo metronômico, mas dentro de um rubato que é impossível de capturar porque ele foge e nunca chega a uma vitória lógica, mas sempre se curva inesperadamente.
(Texto de Ludmila Berlinskaya)
Vladimir Sofronitsky: Scriabin Recital
1-1 Étude in F sharp minor, Op. 8 No. 2
1-2 Étude in B major, Op. 8 No. 4
1-3 Étude in E major, Op. 8 No. 5
1-4 Étude in A flat major, Op. 8 No. 8
1-5 Étude in G sharp minor, Op. 8 No. 9
1-6 Étude in B flat minor, Op. 8 No. 11
1-7 Étude in F sharp major, Op. 42 No. 3
1-8 Fantaisie in B minor, Op. 28
1-9 Prélude in C major, Op. 13 No. 1
1-10 Prélude in A minor, Op. 11 No. 2
1-11 Prélude in G major, Op. 13 No. 3
1-12 Prélude in E minor, Op. 11 No. 4
1-13 Prélude in D major, Op. 11 No. 5
1-14 Prélude in B minor, Op. 13 No. 6
1-15 Prélude in A major, Op. 15 No. 1
1-16 Prélude in C sharp minor, Op. 9 No. 1 (for left hand)
1-17 Prélude in E major, Op. 11 No. 9
1-18 Prélude in C sharp minor, Op. 11 No. 10
1-19 Prélude in C sharp minor, Op. 22 No. 2
1-20 Prélude in B major, Op. 22 No. 3
1-21 Prélude in G sharp minor, Op. 16 No. 2
1-22 Prélude in G flat major, Op. 16 No. 3
1-23 Prélude in E flat minor, Op. 16 No. 4
1-24 Prélude in F sharp major, Op. 16 No. 5
1-25 Prélude in D flat major, Op. 11 No. 15
1-26 rélude in B flat minor, Op. 11 No. 16
1-27 Prélude in A flat major, Op. 11 No. 17
1-28 Prélude in E flat major, Op. 11 No. 19
1-29 Prélude in C minor, Op. 11 No. 20
1-30 Prélude in B flat major, Op. 11 No. 21
1-31 Prélude in B flat major, Op. 17 No. 6
1-32 Prélude in G minor, Op. 11 No. 22
1-33 Prélude in F major, Op. 11 No. 23
1-34 Prélude in D minor, Op. 11 No. 24
2-1 Poème, Op. 52 No. 1
2-2 Poème, Op. 59 No. 1
2-3 Poème ailé, Op. 51 No. 3
2-4 Poème languide, Op. 52 No. 3
2-5 Masque, Op. 63 No. 1 (Poème)
2-6 Poème satanique, Op. 36
2-7 Poème in D major, Op. 32 No. 2
2-8 Poème in F sharp major, Op. 32 No. 1
2-9 Poème, Op. 69 No. 1
2-10 Poème, Op. 69 No. 2
2-11 Piano Sonata No. 9, Op. 68
2-12 Flammes sombres, Op. 73 No. 2 (Danse)
2-13 Guirlandes, Op. 73 No. 1 (Danse)
2-14 Poème, Op. 71 No. 1
2-15 Poème, Op. 71 No. 2
2-16 Piano Sonata No. 10, Op. 70
2-17 Fragilité, Op. 51 No. 1
2-18 Feuillet d’Album, Op. 45 No. 1
2-19 Mazurka in E minor, Op. 25 No. 3
2-20 Étude in C sharp minor, Op. 42 No. 5
2-21 Mazurka in F sharp major, Op. 40 No. 2
2-22 Étude in D sharp minor, Op. 8 No. 12
Vladimir Sofronitsky, piano (Recorded live, 1959-1960, Moscow)
The Russian composer Scriabin, whose piano pieces I knew well, arrived in Paris for a concert of his own compositions. (…) “Come have a cup of tea with me,” he said amiably, and we went to the nearby Café de la Paix and ordered some tea and cakes. Scriabin was short and slender, with wavy dark blond hair, a carefully trimmed pointed beard not unlike Nikisch’s, and cold brown eyes which seemed to ignore everything around him. “Who is your favourite composer?” he asked with the condescending smile of the great master who knows the answer. When I answered without hesitation, “Brahms“, he banged his fist on the table. “What, what?” he screamed. “How can you like this terrible composer and me at the same time? When I was your age I was a Chopinist, later I became a Wagnerite, but now I can only be a Scriabinist!” And, quite enraged, he took his hat and ran out of the café, leaving me stunned by this scene and with the bill to pay.
– Arthur Rubinstein, My Young Years (1973, p.164-165)
No release de imprensa da pianista ucraniana consta o seguinte: Valentina Lisitsa é não só a primeira “Youtube Star” da música clássica; sobretudo, ela é a primeira artista clássica que converteu seu sucesso na internet em uma carreira de concertista nas principais salas da Europa, América do Norte e do Sul e Ásia.
Seu repertório é imenso: já gravou todas as sonatas de Beethoven, todos os concertos de Rachmaninoff, toda a obra de Tchaikovsky para piano… E neste ano de 2022 ela já lançou, por sua nova gravadora, três discos: Scriabin, Ravel/Rach, Chopin.
Neste disco dedicado a Scriabin, Lisitsa passou longe das obras mais conhecidas: nenhuma sonata e nenhum estudo. Ao invés disso, ela escolheu os Prelúdios e Poemas, mas mesmo o poema mais famoso (Op.32 nº 1, favorito de Horowitz e Freire), ela não tocou. Ou seja, um programa raro, cheio de surpresas.
O Scriabin de Lisitsa tem um certo peso, densidade emocional e andamentos pendendo para o lento, o que a coloca em uma tradição de intérpretes russos como Sokolov, Richter, Gilels… Nos prelúdios, por exemplo, esses andamentos se traduzem em uma música muito diferente da de Gieseking (aqui), que gravou os Prelúdios opus 11 com um pianismo suave, apressado e despreocupado, com resultados excepcionais. Aqui com Lisitsa é um Scriabin mais próximo dos acordes de Rachmaninof: batendo como poderosos sinos de igreja.
E aqui – ao contrário de suas gravações completas de Beethoven e Tchaikovsky – Valentina Lisitsa não faz todos os prelúdios, ela cria seu recital escolhendo a dedo os prelúdios e poemas que lhe interessam, como também o faziam Sofronitsky (genro de Scriabin), Horowitz e provavelmente a maioria dos pianistas da época do compositor. Basta lembrarmos que os Prelúdios de Debussy foram sendo estreados em grupos de quatro ou três… (Livro I: Nº 1, 2, 10, 11 por Debussy, 25/5/1910. Nº 5, 8, 9 por Ricardo Viñes, 14/1/1911. Nº 3, 4, 6, 12 por Debussy, 29/3/1911)
Alexander Scriabin (1871-1915): Prelúdios, Poemas, Polonaise
1. 3 Pieces, Op. 2: Prelude No. 2 in B Major 1:06
2. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 2 in A Minor 2:24
3. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 4 in E Minor 2:32
4. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 5 in D Major 1:37
5. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 10 in C-Sharp Minor 1:18
6. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 14 in E-Flat Minor 0:49
7. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 15 in D-Flat Major 2:38
8. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 16 in B-Flat Minor 2:02
9. 24 Preludes, Op. 11: Prelude No. 20 in C Minor 1:14
10. 4 Preludes, Op. 22: Prelude No. 1 in G-Sharp Minor 1:44
11. 2 Preludes, Op. 27: Prelude No. 1 in G Minor 1:54
12. 3 Preludes, Op. 35: Prelude No. 2 in B-Flat Major 3:40
13. Poème satanique, Op. 36 4:44
14. Prelude and Nocturne for the Left Hand, Op. 9: No. 1, Prelude 3:32
15. Poème, Op. 41 4:23
16. Polonaise in B-Flat Minor, Op. 21 5:59
17. 2 Dances, Op. 73: Flammes sombres 1:53
18. Poème tragique, Op. 34 2:54
Valentina Lisitsa, piano
PS: normalmente gosto de inserir a data da gravação. Neste caso, tenho minhas dúvidas se a gravação é posterior a seu contrato com a Naïve ou se remonta a 2015, quando Lisitsa tocou e gravou muito Scriabin quando do seu centenário de morte. Talvez tenha ficado na gaveta.
PS2: cuidado com a ordem das faixas 15 e 16, em alguns sites o Poema op.41 foi listado como Polonaise e vice-versa.
O autor do Poema do Êxtase não deve nada à escola nacionalista russa, aos “Cinco” [grupo que incluía Mussorgsky e Rimsky-Korsakov]; ele aparece à primeira vista, por seu vocabulário sonoro, como um europeu. É a falha percebida por alguns críticos, que buscam exositmo. Ora, exótico ele é, mas em um outro plano: este europeu refinado ataca as próprias bases da cultura estética ocidental. O “extatismo”, a exaltação mística, o entusiasmo heróico dessa alma bêbada são a negação mesma do espírito realista, do espírito de ordem, de medida e de compromisso ao qual se aspira em Europa…
(trecho de artigo de 1925 do escritor Boris Schlœzer, russo emigrado para a França)
Teofil Danilovich Richter (1872–1941), pai de Sviatoslav, foi um pianista, organista e compositor, de família alemã, que estudou no Conservatório de Viena e deu aula muitos anos no Conservatório de Odessa, atualmente na Ucrânia.
Na Segunda Guerra Mundial, como o pai de Sviatoslav Richter era alemão, ele estava sob suspeita das autoridades e foi feito um plano para que a família fugisse do país. Envolvida com um outro homem, sua mãe não queria sair e assim eles permaneceram em Odessa. Em agosto de 1941, seu pai foi preso e considerado culpado de espionagem, sendo condenado à morte em 6 de outubro de 1941. Não era difícil conseguir uma sentença de morte no regime stalinista. E não é preciso ser um discípulo de Freud para supor que alguém com essa história familiar se tornaria uma pessoa excêntrica, neurótica, peculiar…
Após se tornar famoso mundialmente e receber aplausos e gravações em Moscou, Londres, Praga, Nova York etc., Richter passaria suas últimas décadas frequentando cidades muito menores como Aldeburgh (Inglaterra), la Grange de Meslay, no vale do Loire (França), Ludwigshafen am Rhein (Alemanha). Ele pedia que os palcos fossem menos iluminados, dizendo que assim o público prestaria mais atenção na música do que em assuntos irrelevantes como as expressões faciais e gestos do pianista.
É comum que músicos idosos e respeitados tirem do seu repertório alguns compositores e voltem seu foco para alguns que tocam mais fundo em seu coração, afinal, já não precisam mais provar nada pra ninguém. É o caso, por exemplo, de Nelson Freire que, quando velho, tirou de seu repertório orquestral alguns concertos como os de Liszt, Tchaikovsky e Bartók, se concentrando sobretudo nos concertos de Brahms, no 2º de Chopin e nos dois últimos de Beethoven: ele tocou inúmeras vezes cada um desses nos seus últimos 20 anos de carreira. E nos recitais solo, Freire de barba grisalha raramente saiu do palco sem tocar algo de Chopin, compositor que ele parece ter admirado cada vez mais ao longo dos anos.
Nos concertos do velho Richter com orquestra, por outro lado, surgem obras raras do repertório como o concerto de Gershwin e o 5º de Saint-Saens. Nos recitais solo de Richter, ao contrário de Freire, Chopin foi ficando raro: nos anos 90, segundo as listas dos richterófilos, não há registro de que o russo tenha tocado os Scherzos, os Prelúdios, os Estudos, a Barcarolle, mas sobra uma obra grandiosa, a Polonaise-Fantaisie.
E o pianista russo (ucraniano de nascimento) parece ter tido um reencontro tardio com a música de Ravel: obras que não apareciam nos seus programas de recitais desde os anos 1960 ressurgem a partir de 1992 e ocupam boa parte de um dos álbuns ao vivo dessa série da Live Classics. Importante ressaltar que cada CD se dedica a uma só noite, ao contrário de outras edições que fazem colagens.
Também aparecem alguns russos no repertório: não os Quadros de uma Exposição de Mussorgsky, cavalo de batalha de Richter quando jovem, nem Shostakovich nem Stravinsky. Os escolhidos nesses recitais de 1992 e 94 são Prokofiev e Scriabin. O pianista e professor José Eduardo Martins fez uma recente homenagem, em seu blog, aos 150 anos de Scriabin. Diz ele:
Se as criações de Chopin (1810-1849) exerceram influência na escrita de Scriabine, não desprovida das raízes russas, mas sem cariz popular, seria contudo mais acentuadamente a partir do início do século XX que o compositor-pensador empreenderá um caminho singular, personalíssimo (aqui e aqui). Caminho que já aparece discretamente nas Mazurkas op. 40 (1903) e de forma escancarada no Poème-Nocturne op. 61 (1912) e na Sonata nº 7, op. 64 (1912). Noturno, como sabemos, é um gênero tão associado a Chopin quanto a Mazurka. Scriabin escreveu alguns Noturnos curtos e chopinianos quando mais jovem, mas esse Poema-Noturno escolhido por Richter é bem mais longo e já cheio do clima misterioso do compositor russo, com curtas frases seguidas por rápidos cromatismos ascendentes ou descendentes. Segundo J.E.Martins, são motivos curtos neurótico-obsessivos, que vão se acentuando conforme o compositor chega à maturidade. Richter, o pianista famoso por sua construção sólida de longas frases nas sonatas de Beethoven, Brahms e Schubert, se adapta surpreendentemente bem a esse clima noturno-neurótico de Scriabin, clima no qual algumas notas são cuidadosamente aproximadas e alcançadas para em seguida se quebrarem em dissonâncias.
Debussy e Ravel, é claro, eram compositores de música mais solar, menos noturna, mas ao tocá-los depois de Scriabin, ficam evidentes as semelhanças na linguagem dessas obras do comecinho do século XX. Se as gravações dos Prelúdios de Debussy por Richter não me empolgam tanto, aqui o pianista septuagenário emerge profundamente no mundo de Debussy e sobretudo no de Ravel com seus pássaros tristes, seu barco no oceano, sua alvorada e seu vale de sinos (Oiseaux tristes, Une Barque sur l’Océan, Alborada del gracioso, Vallée des cloches).
E as sonatas de Beethoven, essas pelo jeito nunca estiveram distantes do coração e dos dedos de Richter (aliás os 3 B’s estiveram nos seus programas do início ao fim da carreira). Aqui ele toca a penúltima sonata de Beethoven, uma obra madura interpretada por um Richter maduro que sabia aquilo de trás pra frente mas sempre trazia um algo mais de emoção nessa sonata. Ainda mais considerando que ele havia dedicado o recital à memória de sua amiga pessoal de longa data, a atriz e cantora alemã Marlene Dietrich (Berlim, 27 de dezembro de 1901 — Paris, 6 de maio de 1992).
Sviatoslav Richter – Out of Later Years Vol. 2
01. Prokofiev: Klaviersonate Nr. 2 D-Moll Op.14, Allegro ma non troppo
02. Prokofiev: Klaviersonate Nr. 2 D-Moll Op.14, Scherzo – Allegretto Marcato
03. Prokofiev: Klaviersonate Nr. 2 D-Moll Op.14, Andante
04. Prokofiev: Klaviersonate Nr. 2 D-Moll Op.14, Vivace
05. Scriabin: Klaviersonate Nr.7 Op.64 – Allegro
06. Ravel: Valses nobles et sentimentales
07. Ravel: Miroirs, Noctuelles. Très Léger
08. Ravel: Miroirs, Oiseaux tristes. Très Lent
09. Ravel: Miroirs, Une Barque sur l’Océan. D’un Rythme Souple
10. Ravel: Miroirs, Alborada del gracioso. Assez Vif
11. Ravel: Miroirs, La Vallée des cloches. Très Lent Sviatoslav Richter – piano Ludwigshafen, 1994-05-19
Sviatoslav Richter – Out of Later Years Vol. 3
01. Haydn: Andante con variazioni in F minor H17-6
02. Beethoven: Sonata No.31 in A flat major Op.110 – I Moderato cantabile
03. Beethoven: Sonata No.31 in A flat major Op.110 – II Allegro molto
04. Beethoven: Sonata No.31 in A flat major Op.110 – III Andante molto cantabile
05. Chopin: Polonaise-Fantaisie in A flat major Op.61
06. Scriabin: Mazurka Op.40 No.1 in D flat major
07. Scriabin: Mazurka Op.40 No.2 in F sharp major
08. Scriabin: Poème-Nocturne Op.61
09. Debussy: L’isle joyeuse
10. Ravel: Miroirs, La Vallée des cloches. Très Lent Sviatoslav Richter – piano München (Munich), 1992-05-16
Às vezes esquecemos o quanto Chopin e Scriabin foram precoces, flores que desabrocharam cedo, e não só com obras simpáticas e juvenis, mas também com inovações. Chopin compõe entre os 19 e os 25 anos dois livros com 12 estudos em cada, que estão até hoje igualmente presentes nas salas de concerto e nas salas de estudos. Qualquer jovem pianista passa pelos seus estudos, após já ter tocado seus noturnos e valsas, muito deles compostos até os 23 anos.
Scriabin, aos 15 anos compôs um estudo (opus 2 número 2) que Horowitz tocava maravilhosamente. Aos 22 anos publica um livro com 12 estudos, que não devem nada aos de Chopin, embora sua linguagem assuste muitos pianistas até hoje.
As obras reunidas neste disco foram compostas quando Scriabin tinha entre 12 e 22 anos de idade. A semelhança com Chopin não se restringe à idade: os próprios títulos das obras aqui tocadas por Stephen Coombs já entregam a influência: quatro noturnos, três valsas, duas mazurkas, um estudo… A fuga (de 1891), que ele escreveu quando era aluno de Arensky no Conservatório de Moscou, me parece a obra mais fraca, realmente uma obra de estudante de conservatório. Já as mazurkas foram compostas quando ele fazia apenas aulas privadas de piano e ainda pensava em seguir carreira militar: simples e dançantes, elas me agradam bastante, assim como a Sonate-Fantaisie (de 1886), muito mais sofisticada, com uma linguagem cromática que já lembra várias obras maduras de Scriabin. É impressionante que essa Sonata-Fantasia tenha sido composta por um pirralho de 14 anos.
Entre as várias obras raras gravadas Estudo Op.8 Nº12 é a única obra deste álbum que faz parte do repertório mais comum de grandes intérpretes de Scriabin como os velhos Horowitz e Magaloff . Mas esse estudo é tocado aqui em uma versão alternativa, com diferenças na harmonia, que o compositor enviou para seu editor mas só veio a público após sua morte.
Alexander Scriabin (1871-1915): The Early Scriabin
1-3. Sonata in E flat minor (2nd mvt. completed by Stephen Coombs)
4. Valse in F minor Op. 1
5. Valse in G sharp minor
6. Valse in D flat major
7. Variations on a theme by Mlle. Egorova
8. Nocturne in A flat major
9. Nocturne in F sharp minor Op. 5 No. 1
10. Nocturne in A major Op. 5 No. 2
11. Sonate-Fantaisie in G-sharp minor
12. Fugue in E minor
13. Canon in D minor
14. Mazurka in B minor
15. Mazurka in F major
16. Étude in D sharp minor Op. 8 No. 12 (second version)
17. Prélude in C sharp minor for the left hand Op. 9 No. 1
18. Nocturne in D flat major for the left hand Op. 9 No. 2
19. Allegro appassionato Op. 4
Os prelúdios de Chopin são obras-primas das variações de humor, alternando entre a alegria, a melancolia e outros sentimentos típicos do romantismo. Os primeiros prelúdios seguem o contraste mais comum entre tom maior (alegre, expansivo, com uma simplicidade quase infantil) e tom menor (lento, calmo). Mas ao longo da obra, a partir do 7º “Andantino” e do 8º “Molto agitato“, as coisas vão ficando mais complicadas e há uma certa inversão de papéis, pois os de tom maior maior vão se tornando mais sutis e lentos – como o prelúdio nº 15, apelidado de gota d’água, e que é de certa forma o centro dramático desse arco narrativo – e os de tom menor vão ficando apressados, tensos, ansiosos, com a agitação nervosa típica de um Schumann, que aliás é o outro grande mestre desse tipo de obra de contrastes.
E na gravação de Daniil Trifonov, esses contrates são exacerbados: acho que nunca ouvi o prelúdio nº 3 “Vivace” tão vivo, ou o 8º e o 22º “Molto agitato” tão agitados por uma certa energia oculta, demoníaca, como bem perceberam Martha Argerich e Gilles Macassar:
O que ele faz com suas mãos é tecnicamente incrível. Mas também o seu toque – tem a delicadeza mas também um elemento demoníaco. – Martha Argerich sobre Daniil Trifonov
Daniil Trifonov dá vida as partituras de Liszt, Scriabin ou Chopin com um virtuosismo nas fronteiras do sobrenatural. – Gilles Macassar, revista Télérama
Em alguns dos prelúdios mais animados e virtuosísticos, Trifonov se apressa enormemente, correndo riscos ao vivo, e dá até a impressão de ser apenas mais um pianista ruso querendo mostrar sua técnica prodigiosa para o público nova-iorquino, que já idolatrou tantos outros pianistas russos… Mas em alguns prelúdios mais introspectivos, Trifonov desacelera e vai a passos lentos, apreciando a paisagem. Por exemplo no prelúdio 21, “Cantabile“, no qual a mão direita deve cantar como em uma ária, ele segue um ritmo bem mais lento que os de Argerich, Nelson Freire ou Rafal Blechacz, tocando com a tranquilidade similar à de Maria João Pires, embora não tão devagar quanto o sui generis Grigory Sokolov – lembrando que este último é bem diferente dos clichês sobre pianistas russos, e não por acaso, faz muito mais sucesso na Europa do que nos EUA.
Assim como Trifonov (3ª e 9ª sonata) e Freire (4ª sonata), que já postei aqui tocando Scriabin ao vivo, Trifonov faz uma interpretação brilhante do compositor russo, com uma certa energia que dificilmente se encontra nas gravações de estúdio. Publicada em 1898, essa sonata tem um pequeno programa escrito por Scriabin:
“A primeira seção representa a calma de uma noite à beira do mar; o desenvolvimento é a agitação do mar profundo. A seção central mostra a lua aparecendo após a escuridão do começo da noite. O segundo movimento representa o oceano agitado em uma tempestade.”
Quero lembrar aqui que Debussy compôs La Mer apenas em 1905, o que mostra uma das várias coincidências entre esses dois compositores que provavelmente se conheceram muito pouco, mas viveram o mesmo ‘espírito do tempo’ (zeitgeist).
A Sonata de Liszt é uma das obras tecnicamente mais difíceis do repertório para piano. Não vou me alongar sobre ela, apenas comentar que – enquanto a 5ª sinfonia de Beethoven supostamente começaria com o destino batendo à porta – Liszt inicia sua obra com uma nota solitária, uma nota sol, com a marcação sotto voce, um sussuro ou, alternativamente, uma chamada no escuro, do tipo: tem alguém aí? Após a sonata marítima de Scriabin, Trifonov inicia essa sonata de Liszt com toda a calma do mundo, deixando o sussuro de Liszt se projetar em meio ao silêncio, como aquelas aves marinhas que cantam em uma só nota em meio ao vento e às ondas, sem saber se alguém vai ouvir. Uma nota é só uma nota e ao mesmo tempo é muito mais.
Alexander Scriabin: Piano Sonata No. 2 In G Sharp Minor Op, 19 “Sonata-Fantasy”
1 Andante 7:05
2 Presto 3:26
Franz Liszt: Piano Sonata In B Minor S 178
3 Lento Assai – Allegro Energico 11:13
4 Più Mosso – Andante Sostenuto 7:37
5 Allegro Energico – Andante Sostenuto – Lento Assai 10:59
Frédéric Chopin: 24 Preludes Op. 28
6 Nr. 1 In C Major 0:38
7 Nr. 2 In A Minor 2:03
8 Nr. 3 In G Major 0:49
9 Nr. 4 In E Minor 1:40
10 Nr. 5 In D Major 0:32
11 Nr. 6 In B Minor 1:51
12 Nr. 7 In A Major 0:47
13 Nr. 8 In F Sharp Minor 1:40
14 Nr. 9 In E Major 1:30
15 Nr. 10 In C Sharp Minor 0:28
16 Nr. 11 In B Major 0:38
17 Nr. 12 In G Sharp Minor 1:11
18 Nr. 13 In F Sharp Major 3:08
19 Nr. 14 In E Flat Minor 0:32
20 Nr. 15 In D Flat Major 5:25
21 Nr. 16 In B Flat Minor 1:04
22 Nr. 17 In A Flat Major 5:58
23 Nr. 18 In F Minor 0:50
24 Nr. 19 In E Flat Major 1:06
25 Nr. 20 In C Minor 1:30
26 Nr. 21 In B Flat Major 2:15
27 Nr. 22 In G Minor 0:40
28 Nr. 23 In F Major 1:06
29 Nr. 24 In D Minor 2:43
Nikolai Karlovich Medtner (1880-1951) (Encore)
30 Skazki Op. 26 – Fairy Tales – No. 2 In E Flat Major 1:25
Daniil Trifonov – piano
Live at Carnegie Hall, New York, USA, February 2013
É o que tem para hoje! Esta frase costuma ser usada em situações desconfortáveis. Você queria aquele prato tão elogiado pelos amigos ao chegar no restaurante que demorou tanto para conseguir ir e ouve isto do maitre, oferecendo o guisadinho do dia e que você costuma comer em casa…
O disco desta postagem poderia vir acompanhado desta frase – é o que eu tenho para hoje! – mas, não desista da felicidade tão facilmente. Surpresas agradáveis também ocorrem.
O selo – Brilliant – vocês já conhecem e oferece gravações feitas em outras companhias, mas também produz seus próprios discos. Tem a característica de editar integrais, como a das Sonatas para Piano de Mozart, com a Klara Würtz, postada aqui nas nossas páginas. Alô, Bernardo, a Uchida é ótima, mas a Klara oferece uma outra opção que vale a pena ser ouvida.
Pois o selo arranjou uma série de discos com o tema Sonatas para Piano do Século 20, tomando peças de seu enorme acervo. Eu que adoro me aventurar por essas iniciativas um pouco afastadas do mainstream, decidi ouvir um ou outro disco da série.
Mas, a história do disco começa mesmo aqui. Ele estava na playlist de meu telefone, de onde ouço música quando vou caminhar. Pois que na minha última caminhada acabei me demorando um pouco mais e o disco entrou no circuito. Como as sonatas de Prokofiev e Scriabin são mais manjadas, decidi ir logo para a sonata do Kapustin, nome que minha embotada mente quase tomou por Rasputin. Som no headphone e Asics no pé, meio quarteirão depois achei que estava ouvindo um disco de jazz. Logo achei (teorias conspiratórias abundam) que o telefone havia se revoltado com as músicas de sempre e havia me pregado uma peça. Mas não, certifiquei-me no próximo poste, lá estava, Kapustin, Sonata para Piano, interpretada por Sun Hee You. E eu nem sabia o primeiro nome do camarada e nunca houvera falar da ou do pianista. Gostei muito e, como você já sabe, se gostei, acabo postando.
Nikolai! O nome dele é Nikolai Girshevich Kapustin, soube pelo Google assim que cheguei em casa. Nikolai, uma pena, morreu ano passado aos 83 anos. Como você deve ter adivinhado, era russo e teve perfeita formação musical. Graduou-se como pianista tocando o Concerto para Piano No. 2, de Prokofiev. Não é para fracos…
Quando descobriu o jazz recebeu apoio de seu professor, Avrelian Rubakh, e sua música incorporou muitos elementos jazzísticos. Mas ele sempre se considerou um músico no sentido clássico, mesmo atuando como pianista em orquestras russas de jazz. Pelo que entendi, ele afirmava que o que caracteriza o músico de jazz é a improvisação, enquanto toda a sua música era completamente estabelecida previamente, nas partituras, mesmo quando soavam improvisadas. Seja lá como for, o importante é se você gosta ou não. E eu gostei bastante.
Assim, vamos ficando por aqui e deixando o convite para que você também explore mais a música de Kapustin, coisa que eu já tenho feito. Espero em breve trazer mais um e outro disco com músicas dele. Ah, ia esquecendo, a Sun Hee You é uma linda jovem pianista coreana e você poderá saber mais alguma coisa dela visitando a sua página clicando aqui.
Depois de escrever o texto da postagem, fui verificar no vault do PQP Bach o que havia de Kapustin e a única referência está nesta postagem aqui do Blue Dog, cujos links muito provavelmente estão boiando no espaço digital sideral. No entanto, o texto vale a visita.
Aproveite!
René Denon
PS: A Toccatina mencionado pelo Blue Dog não chegou ao disco da Yuja Wang, mas esteve no concerto como um dos encores.
A década de 90 foi, para Martha, desgraçadamente assombrada pela morte. Além de perder sua mãe, Juanita, e sua melhor amiga, Diane, para o câncer, ela própria viu-se acometida pelo flagelo. Desde o diagnóstico de melanoma, no início da década, até que a declararam curada, no final dela, a Rainha foi submetida a tratamentos dolorosos e duras escolhas. A mais difícil delas deu-se na recidiva, em meados da década, quando o tumor metastatizou para os pulmões e linfonodos. Foi-lhe sugerida uma cirurgia no tórax que poderia salvar a mulher, mas certamente mataria a pianista, cortando vários músculos fundamentais para sua arte. Martha escolheu submeter-se a um tratamento experimental a base de vacinas, que lhe permitiu uma operação menos radical. Deu certo e, num gesto de gratidão ao Instituto de Câncer John Wayne em Santa Mônica, Estados Unidos, onde recebeu o bem-sucedido tratamento, a Rainha voltou a subir sozinha ao palco, depois de quase vinte anos, para dar um recital em prol do Instituto para um Carnegie Hall lotado:
Naturalmente, a luta pela vida repercutiu na carreira de Martha. Sua discografia na década reflete essas imensas dificuldades pessoais – alguns anos passaram completamente em branco, sem gravações – e consolidou as tendências da década anterior: nenhum registro solo, muitas gravações de música de câmara com os velhos parceiros de sempre. Entre as novidades, a exploração de repertório novo e a colaboração estreita com Alexandre Rabinovitch em duos para piano, tocando sob sua regência, e gravando suas composições.
Não me lembro onde, mas tenho impressão de já ter lido que Martha não é muito fã de Rachmaninov. Se isso pode surpreender quem, como eu e o resto do Universo, fica de queixo caído com sua gravação do concerto no. 3 sob Chailly, também parece meio óbvio pela virtual ausência das peças solo de Rach do repertório da Rainha. Em seus recitais em duo, em compensação, Sergei Vasilyevich é figurinha fácil – e tem esse disco todinho dedicado a ele, com a primeira das muitas aparições de Alexandre Rabinovitch na discografia marthinhiana da década de 90, e a primeira das capas da Teldec em que nossa deusa parece estar no meio dum climão com quem era então su guapo.
Sergei Vasilyevich RACHMANINOFF (1873-1943) Suíte para dois pianos no. 1 em Sol menor, “Fantaisie-Tableaux”, Op. 5
1 – Barcarolle
2 – La Nuit….L’Amour
3 – Les Larmes
4 – Pâques
Suíte para dois pianos no. 2 em Dó maior, Op. 17
5 – Introduction
6 – Valse
7 – Romance
8 – Tarantella
Danças Sinfônicas, para orquestra, Op. 45
Transcrição para piano do próprio compositor
9 – Non allegro
10 – Andante con moto
11 – Lento assai
As composições de Alexandre Rabinovitch mereceriam uma postagem à parte, mas, enquanto eu os afogo com melífluas torrentes de Martha, deixo-lhes algumas amostras do que o pibe criou. Nascido e educado na União Soviética, aluno de Dmitry Kabalevsky, Rabinovitch destacou-se como pianista, tocando muita música contemporânea enquanto buscava rumo como compositor. Sua dedicação inicial à música serial, banida pelo regime soviético, foi abandonada depois que Alexei Lubimov lhe apresentou a música dos minimalistas dos Estados Unidos. Deixou o país de origem, por completa falta de perspectivas, para encontrar menos perspectivas ainda em Paris, onde Boulez reinava absoluto e deixava pouca coisa crescer a seu redor. Mudanças para Bruxelas e Genebra acabaram por colocá-lo no caminho de Martha Argerich, com quem dividiu palcos e estúdios, cigarros e dentifrícios – e que é o motivo maior para o moço aparecer por aqui. Sua música é muito interessante, sobretudo por nutrir-se de diversas referências, como poderão perceber pela obra que abre o álbum duplo a seguir, e porque seu estilo contrasta com a música “estática” que desinformados como eu muitas vezes esperam de obras minimalistas. A participação da Rainha na coletânea resume-se à gravação ao vivo da Musique Populaire, assim chamada por basear-se em temas de música popular, notória por ser, depois de meio século de vida e quase isso tanto a tocar pianos acústicos, sua primeira num instrumento plugado.
Alexandre RABINOVITCH Barakovsky (1945)
Six États Intermediaires (1998), sinfonia baseada no livro tibetano dos mortos, “Bardo Thödol” 1 – La Vie
2 – Le Rêve
3 – La Transe
4 – Le Moment de la Mort
5 – La Réalité
6 – L’Existence
Beogradska Filharmonija (Filarmônica de Belgrado)
Alexandre Rabinovitch, regência
7 – Musique Populaire (1980), para dois pianos amplificados
“Musique Populaire” gravada em Varsóvia, Polônia, abril de 1992
Num dos raros retornos a Varsóvia sem tocar Chopin, Martha não esqueceu de trazer a tiracolo seu amigo e vizinho inseparável, Mischa Maisky. A dupla ofereceu um programa inteiramente dedicado a Haydn, com o bônus de uma das poucas gravações lançadas da famosa sonatinha de Scarlatti que nossa deusa costuma tocar como bis – e como ninguém mais entre os terráqueos – para o pasmo das plateias mundo afora.
Joseph HAYDN (1732-1809) Concerto em Ré maior para piano e orquestra, Hob. XVIII:11
1 – Vivace
2 – Un poco adagio
3 – Rondo all’Ungarese: Allegro assai
Orkiestra Kameralna Polskiego Radia Amadeus
Agnieszka Duczmal, regência
Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757) Sonata em Ré menor, K. 141
4 – Allegro Joseph HAYDN
Concerto para violoncelo e orquestra no. 1 em Dó Maior, Hob. VIIb/1 5 – Moderato
6 – Adagio
7 – Allegro molto
Mischa Maisky, violoncelo
Orkiestra Kameralna Polskiego Radia Amadeus
Agnieszka Duczmal, regência
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Da Suíte para violoncelo no. 2 em Ré menor, BWV 1008 8 – Sarabande
Da Suíte para violoncelo no. 3 em Dó maior, BWV 1009 9-10 – Bourrée I & II
Da Suíte para violoncelo no. 5 em Dó menor, BWV 1011 11-12 – Sarabande
Mischa Maisky, violoncelo
Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, abril de 1992
Para alguém que idolatrava Horowitz a ponto de se mudar de mala e cuia para Nova Iorque para tentar tornar-se sua aluna, é curioso que Scriabin, um dos xodós de Volodya, estivesse fora do repertório e da discografia de Martha até o lançamento desse álbum, dedicado integralmente a obras que tangem o mito de Prometeu. Acompanhada por Claudio Abbado e os filarmônicos de Berlim, a Rainha executa a parte de piano obbligato do “Poema do Fogo” de Scriabin, somando-se às forças orquestrais, a um coro e a uma iluminação colorida prescrita pelo compositor e originalmente destinada a um clavier à lumières inventado por ele. Apesar da baixa qualidade da imagem, vale a pena conferir o vídeo da performance para ter uma ideia aproximada do que tramou Alexander.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827) Suíte de Die Geschöpfe Des Prometheus, Op. 43
1 – Introduction. Allegro non Troppo
2 – No. 1: Poco adagio – Allegro con brio
3 – No. 9: Adagio – Allegro molto
4 – No. 10: Pastorale. Allegro
5 – No. 14: Allegretto
6 – No. 15: Adagio – Allegro
7 – No. 16: Finale. Allegretto
Franz LISZT (1811-1886) Prometheus, poema sinfônico, S. 99
8 – Allegro energico ed adagio assai – Allegro molto appassionato
Aleksandr Nikolayevich SKRIABIN (1871-1915)
9 – Promethée, Le Poème du Feu, Op. 60
Martha Argerich, piano
Berliner Singakademie
Luigi NONO (1924-1990) Suíte de Prometeo, Tragedia dell’Ascolto
10 – 3 Voci (baseado em texto de Walter Benjamin)
11 – Isola Seconda (baseado em Hyperions Schicksalslied, de Friedrich Hölderlin)
Mathias Schadock e Ulrike Krumbiegel, narradores
Ingrid-Ade Jesemann e Monika Bair-Ivenz, sopranos
Susanne Otto, contralto
Peter Hall, tenor
Michael Hasel, flauta baixo
Manfred Preis, clarinete contrabaixo
Christhard Gössling, eufônio e tuba Solistenchor Freiburg
Peça final de seu triunfo no Concurso Chopin de 1965, o concerto em Mi menor do Frederico é uma das figurinhas mais fáceis na discografia e nos programas dos concertos de Martha mundo afora: difícil, enfim, é que ela volte a Varsóvia e deixe de tocá-lo. O CD a seguir registra um desses retornos, curiosamente pareado com Rossini e Mendelssohn, sob a batuta de Grzegorz Nowak, que mais tarde se tornaria regente associado da Royal Philharmonic em Londres, e com a Sinfonia Varsovia, orquestra fundada e apadrinhada pelo grande Yehudi Menuhin.
Gioachino Antonio ROSSINI (1792-1868) L’italiana in Algeri, drama jocoso em dois atos 1 – Sinfonia
Fryderyk Francyszek CHOPIN (1810-1849) Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
2 – Allegro maestoso
3 – Romance. Larghetto
4 – Rondo. Vivace
Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847) Sinfonia no. 4 em Lá maior, Op. 90, “Italiana”
5 – Allegro vivace
6 – Andante con moto
7 – Con moto moderato
8 – Presto e finale: Saltarello
Sinfonia Varsovia
Grzegorz Nowak, regência
Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, dezembro de 1992
O velho amigo Abbado, lá em 1992, devia estar afiadíssimo na difícil arte de persuadir a nada persuadível Martha a aprender novo repertório: depois do primeiro (e policromático) Scriabin da carreira da distinta senhora, Claudio a pôs para tocar seu primeiro Strauss. Vá lá que a Burleske, composta mais ou menos na época em que Richard atingiu a maioridade penal, seja fichinha para suas hábeis mãos, mas ainda sim deve-se notar sua proeza em dotar essa estranha cria concertística, renegada tanto pelo seu dedicatário, Hans von Bülow, quanto por muito tempo pelo próprio compositor, de um interesse que passa ao largo da maioria das gravações da obra.
Richard Georg STRAUSS (1864-1949)
1 – Don Juan, poema sinfônico, Op. 20
Toru Yasunaga, violino
2 – Burleske em Ré menor, para piano e orquestra
Martha Argerich, piano
3 – Till Eulenspiegels Lustige Streiche, poema sinfônico, Op. 28
Da ópera Der Rosenkavalier, Op. 59 4 – Ato III: Trio e Finale
Kathleen Battle e Renée Fleming, sopranos
Frederica von Stade, mezzo-soprano
Andreas Schmidt, barítono
Berliner Philharmoniker
Claudio Abbado, regência
Gravado em Berlim, Alemanha, em 31 de dezembro de 1992
Um xodó tardio na carreira de Martha é o primeiro concerto de Shosta, uma composição ebuliente e hiperativa, bem no estilo do nicotinado compositor e muito afeita a quem toca o terceiro de Prokofiev como ninguém. Sempre que volta à obra, a Rainha parece se divertir ao fazer um racha com o pobre solista de trompete, que invariavelmente passa por maus lençóis ao tentar acompanhar a velocidade lúbrica dos deditos de Marthinha, que, por sua vez, despacha a obra numa lepidez comparável à do próprio Shosta. Aqui, o trompetista sai-se muito bem – Guy Trouvon é feríssima, fruto mui digno da brilhante escola francesa de seu instrumento – e o registro resultante é um marco tanto na carreira de Martha quanto na discografia da obra, só superado pelo embate épico, de décadas depois, entre a deusa portenha do piano e Sergei Nakariakov, que é chamado de “Paganini do trompete” e não sem bons motivos.
Dmitri Dmitriyevich SHOSTAKOVICH (1906-1975) Concerto em Dó menor para piano, trompete e orquestra de cordas, Op. 35
1 – Allegro moderato – attacca:
2 – Lento – attacca:
3 – Moderato – attacca:
4 – Allegro con brio
Guy Touvron, trompete
Joseph HAYDN Concerto em Ré maior para piano e orquestra, Hob. XVIII:11
4 – Vivace
5 – Un poco adagio (cadenza: Wanda Landowska)
6 – Rondo all’Ungarese: Allegro assai
Esta gravação do inseparável duo Marthita/Nelsito traz aquela peça de resistência de seu repertório – a sensacional Sonata para dois pianos e percussão de Béla Viktor János – acrescida de composições de Ravel para dois pianos… e percussão. A atraente contribuição da carinhosamente chamada “cozinha” aos cordofones solistas foi acrescentada por Peter Sadlo (1962-2016), um tremendo percussionista que também participa desse registro de seus arranjos.
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945) Sonata para dois pianos e percussão, Sz. 110
1 – Assai lento – Allegro molto
2 – Lento, ma non troppo
3 – Allegro non troppo
Joseph Maurice RAVEL (1875-1937) Ma Mère l’Oye, suíte para piano a quatro mãos, M. 62
Transcrição para dois pianos: Gaston Choisnel (1857-1921)
Arranjo para dois pianos e percussão: Peter Sadlo (1962-2016)
4 – Pavane de la Belle au Bois Dormant: Lent
5 – Petit Poucet: Très modéré
6 – Laideronnette, Impératrice des Pagodes: Mouvement de Marche
7 – Les Entretiens de la Belle et de la Bête: Mouvement de Valse très modéré
8 – Le Jardin Féerique: Lent et Grave
Rapsodie Espagnole, para orquestra, M. 54
Transcrição para dois pianos do próprio compositor
Arranjo para dois pianos e percussão de Peter Sadlo
9 – Prélude à la Nuit. Modéré
10 – Malagueña. Assez vif
11 – Habanera. En demi-teinte et d’un rythme las
12 – Feria. Assez vif
Nelson Freire, piano II
Edgar Guggeis e Peter Sadlo, percussão
Gravado em Nijmegen, Países Baixos, fevereiro de 1993
Se há qualquer um entre vós outros que sonhou em ouvir Martha tocar algo que não fosse piano, eu ora anuncio com júbilo:
– Regozijai!
Em mais um álbum dedicado a obras de Rabinovitch, a Rainha não só toca celesta – tanto acústica quanto amplificada – como divide o palco possivelmente pela primeira vez com uma guitarra elétrica, além dum bocado de marimbas e vibrafones. Sua contribuição pianística e desplugada, a quatro mãos com o próprio compositor, é a Liebliches Lied (“Adorável Canção”), baseada em temas de Brahms e de Schubert (a cuja identificação desafio os atentos leitores-ouvintes).
Alexandre RABINOVITCH 1 – Incantations (1996)
Martha Argerich, piano amplificado e celesta
Daisuke Suzuki, guitarra elétrica
Hidemi Nurase, Mitsuyo Wada, Momoko Kamiya e Naoaki Kobayashi, marimbas e vibrafones Hibiki String Orchestra
Alexandre Rabinovitch, regência
2 – Schwanengesang an Apollo (1996)
Yayoi Toda, violino
Martha Argerich, celesta amplificada
Alexandre Rabinovitch, piano
3 – La Belle Musique no. 3 (1977) Budapesti Rádió Szimfonikus Zenekara (Orquestra Sinfônica da Rádio de Budapeste)
György Lehel, regência
4 – Liebliches Lied Alexandre Rabinovitch e Martha Argerich, piano
Gravado em Berna, Suíça, novembro de 1993 (Liebliches Lied) e em Tóquio, Japão, maio de 1998 (Incantations)
A integral das sonatas de Beethoven com Gidon Kremer foi retomada, duma forma surpreendemente ordeira para a carreira de nossa errática Marthinha, na exata ordem de publicação das obras. As três sonatas do Op. 30, em que os dois instrumentos ensaiam a igualdade de tratamento que receberão na “Kreutzer” e na Op. 96, são claramente conduzidas por ela, e dum jeito que nos faz imaginar, uma vez mais, o que ela teria sido capaz de ter feito se tivesse tocado, além de tão só esta, essa e aquela, algumas das outras vinte e nove sonatas para piano do renano.
Ludwig van BEETHOVEN Três sonatas para violino e piano, Op. 30
No. 1 em Lá maior
1 – Allegro
2 – Adagio molto espressivo
3 – Allegretto con variazioni
No. 2 em Dó menor
4 – Allegro con brio
5 – Adagio cantabile
6 – Scherzo: Allegro
7 – Finale: Allegro – Presto
No. 3 em Sol maior
8 – Allegro assai
9 – Tempo di minuetto, ma molto moderato e grazioso
10 – Allegro vivace
A julgar pela capa, as coisas andavam às mil maravilhas entre a pareja Martha & Alexandre durante a gravação desse álbum. O que nele se escuta corrobora a impressão: Rabinovitch é excelente pianista, muito bom intérprete de Mozart, e certamente ajudou a Rainha a sentir-se à vontade com este compositor que, a despeito da farta dose vienense de sua formação pianística, confessamente nunca foi muito seu chão.
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791) Sonata para dois pianos em Ré maior, K.448 (375a)
1 – Allegro con spirito
2 – Andante
3 – Allegro molto
Andante e variações para piano a quatro mãos em Sol maior, K.501 4 – Andante – Variações I-V
Sonata para piano a quatro mãos em Dó maior, K.521
5 – Allegro
6 – Andante
7 – Allegretto
Sonata para piano a quatro mãos em Ré maior, K.381 (123a)
8 – Allegro
9 – Andante
10 – Allegro molto
Martha nunca foi muito de dar alegria aos completistas: só para ficar em Beethoven, levou a público apenas três entre as trinta e duas sonatas para piano, e gravou somente os três primeiros entre os cinco concertos (tocou o “Imperador” apenas duas vezes, e “mal”, e recusou-se a vida toda, e duma maneira quase fóbica, a aprender o concerto no. 4, em função duma epifania que experimentou ao ouvi-lo com Arrau, e arrepiar-se, aos seis anos de idade: “tenho medo do que aconteceria; é muito importante para mim”). Assim, é muito significativo que ela tenha se disposto a gravar, e de fato concluir, a integral das sonatas para violino ao lado do amigo Gidon Kremer. O disco final da série tem, na “Kreutzer”, tudo o que se pode esperar de temperamento argerichiano, embora o ponto alto para mim seja a tão subestimada Op. 96, escrita no limiar do período criativo transcendental do mestre de Bonn, em que o diálogo entre os instrumentos de Martha e Gidon transparece a mesma cumplicidade que suas caras preparadas na capa do álbum.
Ludwig van BEETHOVEN
Sonata para violino e piano em Lá, Op. 47, “Kreutzer”
1 – Adagio sostenuto – Presto
2 – Andante con variazioni
3 – Presto
Sonata para violino e piano em Sol maior, Op. 96 4 – Allegro moderato
5 – Adagio espressivo
6 – Scherzo: Allegro – Trio
7 – Poco allegretto
Falando em completistas, essa soirée schumanniana gravada por Martha e outras estrelas nos Países Baixos traz quase a integral da música de câmara de Robert Alexander para três ou mais instrumentos. No estrelado elenco, destaco Natalia Gutman, professora do Conservatório de Moscou, que, apesar de muito grata a seu professor Rostropovich, teve como maior mentor um pianista, o gigante Sviatoslav Richter, e se dá muito bem no dueto com Martha. Chamo a atenção também para o Op. 46, que nunca tinha ouvido antes, com sua incomum instrumentação para dois pianos, dois violoncelos e trompa (!), e para a maior obra-prima do álbum, o belíssimo quinteto com piano, ao qual Martha empresta decisivamente seu inigualável élan.
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856 Quinteto em Mi bemol maior para piano, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 44
1 – Allegro brillante
2 – In modo d’una marcia (un poco largamente – agitato – a tempo)
3 – Scherzo (molto vivace) & trio
4 – Allegro ma non troppo
Andante e variações em Si bemol maior para dois pianos, dois violoncelos e trompa, Op.46 5 – Sostenuto – Andante espressivo – Un poco piu animato – Più animato – Più lento – Un poco più lento
6 – Più lento – Animato
7 – Doppio movimento – Tempo primo – Più adagio
Alexander Rabinovitch, piano II
Mischa Maisky e Natalla Gutman, violoncelos
Marie-Luise Neunecker, trompa
Quarteto em Mi bemol maior para violino, viola, violoncelo e piano, Op. 47
8 – Sostenuto assai- Allegro ma non troppo
9 – Scherzo (Molto vivace) & Trio
10 – Andante cantabile
11 – Finale (Vivace)
Dora Schwarzberg, violino
Nobuko Imai, viola
Natalia Gutman, violoncelo
Alexander Rabinovitch, piano
Fantasiestücke para violoncelo e piano, Op. 73
1 – Zart und mit Ausdruck
2 – Lebhaft, leicht
3 – Rasch und mit Feuer
Natalia Gutman, violoncelo
Adagio e Allegro em Lá bemol maior para trompa e piano, Op. 70
4 – Langsam, mit innigem Ausdruck
5 – Rasch und feurig
Marie-Luise Neunecker, trompa
Alexandre Rabinovitch, piano
Märchenbilder para viola e piano, Op. 113
6 – Nicht schnell
7 – Lebhaft
8 – Rasch
9 – Langsam, mit melancholischem Ausdruck
Nobuko Imai, viola
Sonata em Ré maior para violino e piano, Op. 121
10 – Zeimlich langsam – Lebhaft
11 – Sehr lebhaft
12 – Leise, einfach
13 – Bewegt
Dora Schwarzberg, violino
Gravado ao vivo em Nijmegen, Países Baixos, setembro de 1994
E dessa capa, o que acham vocês? Martha e Rabinovitch parecem não só num climão meio tenso, como também as últimas pessoas capazes de tocar Mozart em dueto. Felizmente, o álbum é bem melhor que a capa (afirmação quase sempre verdadeira, quando se trata da Teldec): Martha volta ao concerto no. 20, que tocou muitas vezes quando menina e garota, Rabinovitch toca e conduz o de no. 19, e os pombinhos voltam a se reunir no concerto para dois pianos. Seguirão a arrulhar juntos? Resposta no álbum seguinte.
Wolfgang Amadeus MOZART
Concerto para piano e orquestra no. 20 em Ré maior, K. 466 Cadenze: Ludwig van Beethoven
1 – Allegro
2 – Romance
3 – Allegro assai
Orchestra di Padova e del Veneto Alexandre Rabinovitch, regência
Concerto para piano e orquestra no. 19 em Fá maior, K. 459 Cadenze do próprio compositor
4 – Allegro
5 – Allegretto
6 – Allegro assai
Orchestra di Padova e del Veneto Alexandre Rabinovitch, piano e regência
Concerto em Mi bemol maior para dois pianos e orquestra, K. 365 Cadenze do próprio compositor
7 – Allegro
8 – Andante
9 – Rondo. Allegro
Württenbergisches Kammerorchestra Heilbronn
Alexandre Rabinovich, piano I e regência
Gravado em Stuttgart, Alemanha, janeiro de 1995 (K. 365) e em Pádua, Itália, setembro de 1998 (K. 459 e K. 466)
Sim: os pombinhos seguiram juntos e, a julgar pela capa, os tacapes pararam de voar numa certa casa em Genebra. Uma vez mais Martha arrisca repertório novo, e o que há neste disco é muito curioso. Esperava, admito, um pouco mais do “Aprendiz de Feiticeiro”, certamente por estar acostumado ao original e sua espirituosa orquestração, mas reconheço a competência do arranjo de Rabinovitch e a qualidade da execução, adequadamente temperamental. A grande surpresa, sem dúvidas, é o arranjo da “Sinfonia Doméstica” de Strauss, uma obra que nunca me despertou qualquer interesse na versão original, e que cintila sob os vinte talentosos dedinhos do casal. Se duvidam, ouçam a Wiegenlied (“Canção de Ninar”) e o Adagio e depois me contem se não estão entre as melhores coisas que Martha já tocou em duo!
Paul Abraham DUKAS (1865-1935)
Transcrição para dois pianos de Alexandre Rabinovitch
1 – L’Apprenti Sorcier
Richard STRAUSS Transcrição para dois pianos de Otto Singer (1863-1931) Symphonia Domestica, poema sinfônico, Op. 53 2 – Bewegt – Ⅰ. Thema: Sehr lebhaft – Ⅱ. Thema: Ruhig – Ⅲ. Thema
3 – Scherzo: Munter
4 – Wiegenlied: Mäßig langsam
5 – Adagio: Langsam
6 – Finale: Sehr lebhaft
Os quase três anos que separam este álbum do anterior tiveram, para Martha, o emblema do câncer que lhe voltou, que ela enfrentou, e do qual se curou. É bastante significativo, portanto, que, ao retomar sua discografia, ela tenha incorporado peças novas a seu repertório, escolhido a companhia segura de queridos parceiros de palco e da vida, e tocado ante uma plateia no Japão que ela tanto adora. As duas obras-primas incluídas no álbum – o segundo trio de Shostakovich e seu congênere, dedicado por Tchaikovsky à memória de Nikolai Rubinstein – receberam leituras inesquecíveis. Não tenho qualquer prurido em declarar essa interpretação do trio no. 2 de Shosta a melhor que já ouvi dessa obra, nem em reconhecer que o som ultrarromântico e sentimental de Mischa Maisky aqui se encaixa à perfeição com a melancolia da peça de Tchaikovsky, e que Martha e Kremer lhe somam à altura.
1 – Aplauso
Dmitri SHOSTAKOVICH Trio para piano, violino e violoncelo no. 2 em Mi menor, Op. 67
2 – Andante – Moderato – Poco più mosso
3 – Allegro con brio
4 – Largo
5 – Allegretto – Adagio
Pyotr TCHAIKOVSKY Trio em Lá menor para piano, violino e violoncelo, Op. 50
6 – Pezzo Elegiaco: Moderato assai – Allegro giusto – In tempo molto sostenuto – Adagio con duolo e ben sostenuto – Moderato assai – Allegro giusto
7 – Tema con variazioni: Andante con moto
8 – Variazione I
9 – Variazione II: Più mosso
10 -Variazione III: Allegro moderato
11 – Variazione IV: L’istesso tempo (Allegro moderato)
12 – Variazione V: L’istesso tempo
13 – Variazione VI: Tempo di valse
14 – Variazione VII: Allegro moderato
15 – Variazione VIII: Fuga (Allegro moderato)
16 – Variazione IX: Andante flebile, ma non tanto
17 – Variazione X: Tempo di mazurka
18 – Variazione XI: Moderato
19 – Variazione finale e coda: Allegro risoluto e con f
20 – Coda: Andante con moto – Lugubre
Peter KIESEWETTER (1945-2012)
21 – Tango Pathétique
Ao assinar com a EMI, Martha foi prontamente convidada a gravar com outra grande estrela da gravadora, o israelense Itzhak Perlman. A admiração entre ambos, sempre mútua e imensa, teve que esperar até o verão de 1998 para virar parceria nos palcos, durante o Festival de Saratoga Springs, nos Estados Unidos. O repertório não fugiu do habitual: a sonata de Franck, em que a Rainha já acompanhou tantos violinistas, e a “Kreutzer” de Beethoven, para a qual é difícil imaginar pianista melhor. O recital é uma deleite tão grande quanto devem ter sido seus bastidores: Martha é declaradamente viciada em conversar, que é sua droga favorita, e o bonachão Itzhak, com seu vozeirão de barítono, um tremendo contador de histórias.
Ludwig van BEETHOVEN
Sonata para violino e piano em Lá, Op. 47, “Kreutzer”
1 – Adagio sostenuto – Presto
2 – Andante con variazioni
3 – Presto
César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890) Sonata em Lá maior para violino e piano 4 – Allegretto ben moderato
5 – Allegro
6 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
7 – Allegretto poco mosso
Itzhak Perlman, violino
Gravado ao vivo em Saratoga Springs, Estados Unidos, julho de 1998
A participação de Martha no Festival de Saratoga também incluiu uma parceria com sua alma gêmea, Nelson Freire, no Concerto Pathétique de Liszt, uma interessante peça para dois pianos que antecipa, em muitos aspectos, a revolucionária forma cíclica e mesmo algum material temático de sua obra-prima, a Sonata em Si menor. Antes dele, fez uma vigorosa leitura dos Contrastes de Bartók, tocando a parte que coube ao próprio compositor na primeira gravação da obra, acompanhada do excelente clarinetista Michael Collins e pela violinista Chantal Juillet, amiga de Martha e atual esposa de Charles Dutoit, ex-Don Argerich.
Zoltán KODÁLY (1882-1967) Duo para violino e violoncelo, Op. 7 1 – Allegro serioso, non troppo
2 – Adagio – Andante – Tempo I
3 – Maestoso e largamente, na non troppo lento – Presto
Chantal Juillet, violino
Truls Mørk, violoncelo
Béla BARTÓK
Contrasts, para violino, clarinete e piano, Sz. 111
4 – Verbunkos
5 – Pihenö
6 – Sebes
Chantal Juillet, violino
Michael Collins, clarinete
Franz LISZT
7 – Concerto Pathétique em Mi menor, para dois pianos e orquestra, S. 258
Nelson Freire, piano II
Gravado ao vivo em Saratoga Springs, Estados Unidos, julho de 1998
Se a instabilidade e o temperamento terrível de Martha sempre garantiram emoções fortes durante seus relacionamentos, tudo indica também que nossa Rainha é uma excelente ex-esposa. Prova disso é que que ela continua não só muito amiga de Charles Dutoit, com quem foi casada entre 1969 e 1973, como segue a gravar e tocar com ele (não sem faíscas, claro, algumas repletas de bom humor). Dutoit é ótimo regente e sabe, como talvez nenhum outro, envolver o indomável som de Martha com a orquestra. Seu período à frente da Sinfônica de Montreal foi um dos melhores de sua carreira e certamente o mais brilhante que esse conjunto já viveu, e acabou coroado com essa soberba gravação dos concertos de Chopin, na qual destaco aquele em Fá menor, que Martha tocou tão raras vezes, e que aqui recria com seu estilo inimitável, quase improvisatório, que torna sua leitura do Larghetto tão especial.
Fryderyk CHOPIN
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
1 – Allegro maestoso
2 – Romance. Larghetto
3 – Rondo. Vivace
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Fá menor, Op. 21
4 – Maestoso
5 – Larghetto
6 – Allegro vivace
Orchestre Symphonique de Montréal
Charles Dutoit, regência
Entre os tantos discos que lhes trouxe para celebrar as idades de Marthinha, foi este o mais difícil de conseguir. Lançado somente no Japão, ele celebra a estreia do Festival Argerich na cidade de Beppu, uma estação termal localizada em Kyushu, a mais meridional das grandes ilhas do arquipélago japonês. O parceiro da Rainha no recital de abertura é o velho amigo Ivry Gitlis, e o programa – nenhuma surpresa – traz o tradicional combo Franck-Kreutzer. A surpresa genuína é o quanto Gitlis, um intérprete bastante idiossincrático (para dizer o mínimo) segura sua onda improvisatória na “Kreutzer”: se duvidam, comparem o registro de Beppu com esta outra gravação do duo que vocês me entenderão.
Ludwig van BEETHOVEN
Sonata para violino e piano em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
1 – Adagio sostenuto – Presto
2 – Andante con variazioni
3 – Presto
César FRANCK Sonata em Lá maior para violino e piano 4 – Allegretto ben moderato
5 – Allegro
6 – Ben moderato: Recitativo-Fantasia
7 – Allegretto poco mosso
Ivry Gitlis, violino
Gravado em Beppu, Japão, novembro de 1998 (Beethoven) e novembro de 1999 (Franck)
Assim como o Japão, a Polônia é um dos locais a que Martha mais gosta de voltar. Não surpreende, pois, que ela tenha celebrado a notícia de sua cura, em 1999, com uma série de concertos em Varsóvia, cidade donde foi catapultada para a fama mundial mais de três décadas antes. Este CD, gravado ao vivo, registra uma das poucas noites em que Martha ofereceu dois concertos para piano no mesmo programa: antes de encerrar com seu tradicional cavalo de batalha, o primeiro concerto de Chopin, que ela nunca deixa de tocar quando volta à capital polonesa, a Rainha conduz a plateia por uma alucinante travessia do primeiro concerto de Liszt. La re putissima madre, Marthinha.
Wolfgang Amadeus MOZART
Sinfonia no. 35 em Ré maior, K. 385, “Haffner” 1 – Allegro con spirito
2 – Andante
3 – Menuetto
4 – Presto
Franz LISZT
Concerto para piano e orquestra nº 1 em Mi bemol maior, S.124 5 – Allegro maestoso
6 – Quasi adagio
7 – Allegretto vivace – Allegro animato
8 – Allegro marziale animato
Fryderyk CHOPIN Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi menor, Op. 11
9 – Allegro maestoso
10 – Romance. Larghetto
11 – Rondo. Vivace
Sinfonia Varsovia
Alexandre Rabinovitch, regência
Gravado ao vivo em Varsóvia, Polônia, maio de 1999
A sexta década da discografia de Martha encerrou em território amigo: tocando Schumann com o vizinho Mischa Maisky – que sempre cresce nas parcerias com sua vizinha – e fotografada para a capa pela caçula Stéphanie, responsável pela maior janela que já tivemos ao palácio interior de nossa Rainha. Este álbum bonito, ainda que sem grandes surpresas, é encerrado por uma ótima gravação do concerto de Robert por Maisky e pela Orpheus.
Robert SCHUMANN
Adagio e Allegro em Lá bemol menor para violoncelo e piano, Op. 70
1 – Langsam, mit innigem Ausdruck
2 – Rasch und feurig
Fantasiestücke para violoncelo e piano, Op. 73 3 – Zart und mit Ausdruck
4 – Lebhaft, leicht
5 – Rasch und mit Feuer
Dos Três Romanzen, Op. 94
6 – No. 1: Nicht schnell
Fünf Stücke im Volkston, Op. 102 7 – “Vanitas Vanitatum”, mit Humor
8 – Langsam
9 – Nicht schnell, mit viel Ton zu spielen
10 – Nicht zu rasch
11 – Stark und Markiert
De Märchenbilder, para viola e piano, Op. 113 Transcrição de Mischa Maisky para violoncelo e piano
12 – No. 1: Nicht schnell
Mischa Maisky, violoncelo
Concerto em Lá menor para violoncelo e orquestra, Op. 129
13 – Nicht zu schnell
14 – Langsam
15 – Sehr lebhaft
Os poetas épicos costumam mergulhar o leitor “in media res”, no meio das coisas, e então o herói conta, quando for conveniente, o que aconteceu antes, sentado ao lado de sua amante, em um palácio, jardim ou caverna. É assim que essa série de sinfonias do século XX começa: com a chamada era dos extremos já pegando fogo.
O século XX foi um período em que se esperava do compositor algum tipo de originalidade. Algum statement novo. Já há muitas décadas não se esperava que alguém criasse mais de cem sinfonias como o velho Haydn. Era preciso inovar. Alguns criaram novas formas: as Gymnopédies e Gnossiennes de Satie, as Bachianas Brasileiras e Choros de Villa-Lobos…
Outros, como Scriabin, tinham uma originalidade tão à flor da pele que não precisavam nem se preocupar com isso. Como o pavão que abre sua cauda sem muito esforço, Scriabin compôs prelúdios, mazurkas e estudos à maneira de Chopin e sinfonias com finais grandiosos, mas tudo com um caráter inimitável. Sua linguagem cromática soa sempre sedutora, por mais estranho que seja esse adjetivo associado a uma obra orquestral.
As primeiras três sinfonias de Scriabin têm movimentos separados, de forma mais ou menos tradicional, ainda que a segunda tenha apenas três: (i) um Andante que vira Allegro na melhor tradição de Haydn e da 1ª, 2ª e 4ª de Beethoven, (ii) um Andante verdadeiro, que jamais soa triste e frio como os de seus compatriotas Rach e Shosta, mas sempre perfumado, colorido, sensual, (iii) um movimento final Tempestoso Maestoso, em que o título já diz tudo.
O Poema do êxtase, às vezes listado como a 4ª sinfonia de Scriabin, é condensado em um só movimento. Scriabin não soa como os outros russos. Trata-se de um compositor viajado, que morou em Paris, em Bruxelas, e publicava em Leipzig obras com título em francês, como Le Poème de l’Extase, de 1908. O tema ascendente da flauta é, mais uma vez, sensual, aqui de forma mais suave, com a leveza dos pássaros. Essa leveza, similar à de um Debussy ou um Fauré, continua nas melodias mas se acaba na instrumentação, que tem um movimento geral de crescendo para terminar em um tutti com órgão, o mais pesado dos instrumentos e que infelizmente é pouco audível nesta gravação. Para ver e ouvir o órgão, assistam no Youtube à interpretação desta obra por Salonen no Royal Albert Hall. Uma gravação recente de referência, mas aqui temos uma baita referência antiga: Svetlanov era considerado o maior intérprete de Scriabin da URSS.
Enfim, como diria Carlinus, é uma música que nos engravida de voluptuosidade e, como arremataria PQP, previnam-se, tenham suas camisinhas em mãos.
Alexander Scriabin (1872-1915): Sinfonias nº 2 e 4 Sinfonia número 2 em Dó menor, op. 29
Yuja Wang e Khatia Buniatishvili são livres para se vestirem como quiserem. É justo. Mas boa parte do público as conhecem mais através das pernas de uma e dos seios e costas da outra do que por suas qualidades musicais. É injusto. Wang é efetivamente uma tremenda pianista, mas creio que o mesmo não se possa dizer de Buniatishvili, uma instrumentista que aposta apenas na emoção. Para comprovar o que digo, este CD da DG venceu vários prêmios de melhor disco erudito solo de 2019. Isto é, Wang merece ser ouvida. O Ligeti e o Prokofiev dela são sensacionais. Já Rachmaninov e Scriabin são compositores tão estranhos a meu gosto que não vou falar. A 8ª Sonata de Prokofiev é notavelmente interpretada. Como Sviatoslav Richter, ela consegue integrar o poder e o lirismo que caracterizam os longos movimentos externos. Ao manter o Andante sognando estável, elegante e discreto, os toques expressivos de Wang tornam-se ainda mais significativos. Dos três Estudos de Ligeti, o Vertige é o melhor, e raramente soou tão suave e transparente.
Rachmaninov / Scriabin / Ligeti / Prokofiev: The Berlin Recital (Yuja Wang)
Sergey Vasil’yevich Rachmaninov (1873 – 1943)
1.Prelude in G Minor, Op. 23, No. 5 3:53
Études-Tableaux, Op. 39
2.No. 1 in C Minor 3:25
Études-Tableaux, Op. 33
3.No. 3 in C Minor 4:15
4.Prelude in B Minor, Op. 32, No. 105:32
György Ligeti (1923 – 2006)
Études pour piano
6.No. 3 “Touches bloquées” 1:53
Études pour piano
7.No. 9 “Vertige” 2:39
Études pour piano
8.No. 1 “Désordre” 2:35
Sergei Prokofiev (1891 – 1953)
Piano Sonata No. 8 in B-Flat Major, Op. 84
9.1. Andante dolce 13:49
10.2. Andante sognando 4:39
11.3. Vivace 10:46
O pianista russo emigrado Nikita Magaloff foi um dos primeiros a tocar a integral da obra de Chopin e talvez o primeiro a gravar a integral de suas obras para piano. Outra gravação integral que ele fez, no ano de sua morte, foi a dos estudos de Scriabin. A gravação desses estudos é talvez o seu testamento para a posteridade e em nenhum momento é possível supor que o pianista tocando esses estudos diabolicamente difíceis tem 80 anos. Magaloff, que era uma espécie de mentor de jovens pianistas como Dinu Lipatti, Martha Argerich e Michel Dalberto, nos deixou também suas lembranças no encarte do disco:
A música de Scriabin é um amor de infância que jamais me abandonou. Só mais tarde, refletindo, me dei conta da singularidade de sua obra. Scriabin estava realmente fora da corrente principal da música russa se seu tempo. Na época, o grande objetivo era a invenção de uma música russa original, fundada no folclore e na tradição religiosa. Primeiro Glinka, depois Mussorgsky, Rimsky-Korsakov, Tchaikovsky e Rachmaninoff estavam preocupados com isso. Mas a música de Scriabin não tem essas características, ela não soa especialmente “russa”: ele é bem diferente.
Quando esteve em Paris, Scriabin foi apresentado por seu editor a Isidor Philipp*, um dos grandes pedagogos da época. Scriabin tocou para ele, mas Philipp não se convenceu. Eu mesmo, anos depois, toquei alguns de seus Prelúdios para Philipp, que se tornaria meu professor: ele me aconselhou a retirá-los depressa de meu repertório!
Tendo deixado a Rússia na época da Revolução, eu não sei se ele era muito tocado na URSS, exceto por seu genro, o grande pianista Sofronitsky. Na Europa ocidental ele era pouco apreciado.
Nos estudos, Scriabin mostra o que ele deve a Chopin, é claro, explorando diferentes dificuldades (terças, sextas, oitavas, saltos, etc). O rubato também vem de Chopin, assim como o fato de jamais escrever passagens virtuosas que não tenham necessidade musical. É preciso apontar também a influência de Schumann. Quanto à de Wagner, inevitável, ela é talvez a origem de suas explorações harmônicas cada vez mais avançadas.
(Nikitta Magaloff. Traduzido do encarte do CD)
* Philipp também foi o professor, em Paris, de Guiomar Novaes e de Youra Guller. As duas, assim como Magaloff, são excepcionais intérpretes de Chopin.
Entre os primeiros admiradores de Scriabin, Magaloff lista, além de si próprio: Nicholas Roerich, o decorador da estreia da Sagração da Primavera; Prokofieff, que Magaloff viu tocar Scriabin no piano, mas criticando o seu romantismo exacerbado; Rachmaninoff, que estudou junto com Scriabin no Conservatório de Moscou e, no ano da morte do colega, fez vários recitais em sua homenagem, para ser criticado por Prokofieff: “quando Scriabin tocava a 5ª sonata, tudo parecia voar rumo aos céus, com Rach todas as notas ficaram firmemente plantadas na terra”.
Só mais tarde, grandes pianistas como Horowitz, Richter, Gilels divulgariam a música de Scriabin pelos palcos do mundo. Mas nenhum destes três se aventurou a gravar a integral dos estudos, muito menos aos 80 anos, idade em que Horowitz tocava sonatas de Mozart e Richter deu seu último recital tocando sonatas de Haydn.
Александр Скрябин / Alexander Scriabin: Estudos para piano
1 Étude Opus 2 n°1, Andante en Ut # Mineur [1886]
Douze Études pour Piano – Opus 8 [1893-1895]
2 N°1 Allegro, en Ut # Majeur
3 N°2 A Capriccio, con Forza, en Fa # Mineur
4 N°3 Tempestoso, en Si Mineur
5 N°4 Piacevole, en Si Majeur
6 N°5 Brioso, en Mi Majeur
7 N°6 Con Grazia, en La Majeur
8 N°7 Presto Tenebroso, Agitato, en Si Bémol Mineur
9 N°8 Lento, en La Bémol Majeur
10 N°9 Alla Ballata, en Sol # Mineur
11 N°10 Allegro, en Ré Bémol Majeur
12 N°11 Andante Cantabile, en Si Bémol Mineur
13 N°12 Patetico, en Ré # Mineur
Huit Études pour Piano – Opus 42 [1903]
14 N°1 Presto, en Ré Bémol Majeur
15 N°2 La Noire à 112, en Fa # Mineur
16 N°3 Prestissimo, en Fa # Majeur
17 N°4 Andante, en Fa # Majeur
18 N°5 Affannato, en Ut Mineur
19 N°6 Esaltato, en Ré Bémol Mineur
20 N°7 Agitato, en Fa Mineur
21 N°8 Allegro, en Mi Bémol Majeur
Trois Études pour Piano – Opus 65 [1912]
22 N°1 Allegro Fantastico
23 N°2 Allegretto
24 N°3 Molto Vivace
Piano: Nikita Magaloff / Никита Магалов (1912-1992)
Gravado em Lausanne, Suíça, em julho de 1992.
Estamos no último minuto do 18 de outubro, e ainda em tempo de celebrar o septuagésimo quinto aniversário do Sr. Nelson José Pinto Freire, nascido no rio Grande, não o Rio Grande donde eu venho, mas o que banha a pacata Boa Esperança das Minas Gerais, um cidadão do mundo, e certamente um dos compatriotas que nunca nos deixará sem respostas se alguém nos perguntar o que de bom tem o Brasil, além de butiás e jabuticabas. Parabenizamos o célebre Sr. Freire e abraçamos o gentil Nelsinho, alcançando-lhe nossa gratidão pela longa e profícua carreira, que não para de nos trazer alegrias nessas já tantas décadas que o veem elencado entre os maiores pianistas em atividade. Além do quilate artístico, o mineirinho Nelson é um amor de criatura, ouro maciço. Discreto, caseiro e reservado, vive para a arte e para os amigos. Agora há pouco cheguei a brincar com os companheiros de blog, imaginando-o a bebemorar seu aniversário, entre um cigarro e outro, com a grande amiga Martha Argerich, parceira de vida e arte há seis décadas, só para depois me lembrar de ter lido numa entrevista que ele parou de fumar há alguns anos, por querer manter-se por muito tempo ainda ativo: menos em recitais e concertos, pois a rotina de viagens lhe aborrece muito, e cada vez mais em gravações, depois de por tanto tempo relutar em fazê-las, e legar ao futuro uma resposta a quem quer que pergunte “como tocava Nelson Freire?”.
Numa bonita postagem, o Pleyel já afirmara que muito se poderia “falar do talento de Nelson para escolher peças de bis, parte essencial de recitais à moda antiga”. Pois neste fresquíssimo álbum, nosso cintilante compatriota apresenta-nos parte de seu arsenal de tira-gostos, digestivos e, também, fogos de artifício para arrematar concertos e recitais, abarcando o longo arco de tempo entre os gênios de Purcell e do tabagistíssima Shostakovich. O pianismo é, naturalmente, de chorar de bom, e ao final da guirlanda de peças a gente só consegue se admirar por lhe descobrir mais um talento: o de fazer um recital coeso só com tantos, e tão diversos, e diminutos bombons e bagatelas.
Que sirva de exemplo para tantos outros. E muitas outras.
Christoph WillibaldGLUCK (1714-1787)
Arranjo de Giovanni Sgambati
1- Orfeo ed Euridice: Melodia
HenryPURCELL (1659-1695)
2 – Hornpipe em Mi menor
Giuseppe DomenicoSCARLATTI (1685-1759)
3 – Sonata em Ré menor, K. 64
4 – Sonata em Si menor, K. 377
Zygmunt Denis Antoni Jordan deSTOJOWSKI (1870-1946)
5 – Aspirations, Op. 39: no. 1, “Vers l’Azur”
Ignacy Jan PADEREWSKI (1860-1941)
6 – Miscellanea, Op. 16: no. 4: Noturno em Si bemol maior
Richard GeorgSTRAUSS (1864-1949)
Arranjo de Leopold Godowsky
7 – Seis Lieder, Op. 17: No. 2, Ständchen
Edvard HagerupGRIEG (1843-1907)
Das “Peças Líricas” para piano:
8 – Livro I, Op. 12 – no. 1: Arietta
9 – no. 2: Valsa
10 – no. 5: Melodia Popular
11 – Livro II, Op. 38 – no. 1.: Berceuse
12 – Livro III, Op. 43 – no. 2: Viajante Solitário
13 – no. 4: Pequeno Pássaro
14 – no. 6: À Primavera
15 – Livro IV, Op. 47 – no. 4: Halling
16 – Livro V, Op. 54 – no. 1: Jovem Pastor
17 – Livro VIII, Op. 65 – no. 6: Dia de Casamento em Troldhaugen
18 – Livro IX, Op. 68 – no. 3: A seus pés
19 – no. 5: No berço
Anton GrigoryevichRUBINSTEIN (1829-1894)
20 – Duas Melodias, Op. 3 – no. 1 em Fá maior
Alexander NikolayevichSCRIABIN (1872-1915)
21 – Dois Poemas, Op. 32 – no. 1 em Fá sustenido maior
Sergei VasilyevichRACHMANINOV (1873-1943)
22 – Prelúdios, Op. 32 – no. 10 em Si menor: Lento
23 – no. 12 em Sol sustenido maior: Allegro
Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
29 – España, Op. 165 – Tango em Ré maior (arranjo de Leopold Godowsky)
30 – Navarra (completada por Déodat de Sévérac)
Lembram daquela série interminável de discos da Philips — lançados nos anos 70 e 80 — que eram seleções malucas de clássicos e que tinham gatinhos na capa? Ali, o Aleluia de Händel podia vir antes de um trecho de Rhapsody in Blue, o qual era seguido pela Abertura 1812 e pela chamada Ária na Corda Sol (mentira, corda sol coisa nenhuma) de Bach, por exemplo. Salada semelhante é servida por Khatia Buniatishvili neste CD. Mas o importante é faturar enquanto a beleza não abandona a pianista. Ela tem alguns anos de sucesso ainda. Como habitualmente, neste disco ela é muita emoção e languidez — principalmente a última –, acompanhada de um talento que não precisaria ter registros gravados. Temos tanta gente melhor! Depois deste disco altamente suspeito, ela sucumbe aqui. Só a aparência não basta. Afinal, ouvimos o CD. Vocês sabem que eu amo as belas musicistas, mas tudo tem limite.
1 Johann Sebastian Bach: Was mir behagt, ist nur die muntre Jagd, BWV 208: IX. Schafe können sicher weiden (Arr. for Piano)
2 Pyotr Ilyich Tchaikovsky: The Seasons, Op. 37b: X. October (Autumn Song)
3 Felix Mendelssohn-Bartholdy: Lied ohne Worte in F-Sharp Minor, Op. 67/2
4 Claude Debussy: Suite Bergamasque, L. 75: III. Clair de lune
5 Giya Kancheli: Tune from the Film by Lana Gogoberidze: When Almonds Blossomed
6 György Ligeti: Musica ricercata No. 7 in B-Flat Major
7 Johannes Brahms: Intermezzo in B-Flat Minor, Op. 117/2
8 Franz Liszt: Wiegenlied, S. 198
9 Antonín Dvorák: Slavonic Dance for Four Hands in E Minor, Op. 72/2: Dumka (Allegretto grazioso)
10 Maurice Ravel: Pavane pour une infante défunte in G Major, M. 19
11 Frédéric Chopin: Etude in C-Sharp Minor, Op. 25/7
12 Alexander Scriabin: Etude in C-Sharp Minor, Op. 2/1
13 Domenico Scarlatti: Sonata in E Major, K. 380
14 Edvard Grieg: Lyric Piece in E Minor, Op. 57/6: Homesickness
15 Traditional: Vagiorko mai / Don’t You Love Me?
16 Wilhelm Kempff: Suite in B-Flat Major, HWV 434: IV. Menuet
17 Arvo Pärt: Für Alina in B Minor
Não há experiência mais interessante e encantadora que perceber o desenvolvimento de Beethoven nas suas 32 sonatas para piano. Elas descrevem praticamente todas as fases técnicas e pessoais na carreira do compositor. Algo que chega próximo disso é a audição das 10 sonatas para piano do compositor russo Alexander Scriabin. Ouça a sonata n.1 e depois a n.10, dois compositores completamente distintos.
Nas primeiras três sonatas sentimos uma forte influência de Chopin, mas não o Chopin delicado das valsas e noturnos, e sim dos estudos e das duas últimas sonatas, o Chopin revolucionário. Eu já considero a primeira sonata para piano op.6 uma obra-prima. Ela tem quatro movimentos e é a mais longa de suas sonatas. O primeiro movimento (allegro con fuoco) já arrebata a atenção do ouvinte. O quarto movimento, uma marcha fúnebre em homenagem a Chopin, é uma das coisas mais lindas já escritas.
A sonata n.2 op.19 é chamada de sonata-fantasia, pois tem dois movimentos (lento-rápido) praticamente ligados. Um início melancólico com um movimento final arrebatador. Essa obra foi meu primeiro contato com a música de Scriabin, e ainda guardo na memória a época e lugar que ouvi.
A sonata n.3 op.23 talvez seja a obra, entre as demais, cujos temas são mais memoráveis. O movimento andante é sublime. Na sonata n.4 op.40 descobrimos uma sonoridade quase jazzística (Bill Evans?). Poderia ser tocada em qualquer bar “blue note” de esquina e seria muito bem recebida pela tribo do Jazz.
A partir da sonata n.5 op.53 já ouviremos um compositor que, independentemente da escola de Schoenberg, também estava explorando, no mesmo período, os limites do tonalismo. As sonatas também começam a ter apenas um só movimento.
Nesse período (pós-1903) a vida do compositor estava mudando completamente. Scriabin abandonou a mulher e quatro filhos. Partiu com a amante para Paris. Além disso, estava obcecado com as delirantes idéias teosóficas. Suas sonatas também são um reflexo dessas atividades metafísicas. A sonata n.7 op.64 chamada de White Mass é uma experiência mística. Harmonia dificílima, praticamente música atonal. A três últimas sonatas também atingem um ponto que nenhum outro compositor depois dele superou. Nem mesmo as sonatas de Prokofiev …
Devo confessar que apesar da extraordinária interpretação do pianista Marc-André Hamelin, ainda acho os registros feitos por Horowitz insuperáveis (infelizmente ele nunca gravou a integral) .
obs: Pode aparecer o nome do pianista Murray Mclachlan no seu player, mas acredite, a gravação é do Marc-André Hamelin.
Alexander Scriabin (1872-1915): The Complete Piano Sonatas
CD1:
1-4. Piano Sonata n.1, op.6
5-6. Piano Sonata n.2 (sonata-fantasy), op.19
7-10. Piano Sonata n.3, op.23
11. Fantasie op.28
12-13. Piano Sonata n.4, op.30
CD2:
1. Piano Sonata n.5, op.53
2. Piano Sonata n.6, op.62
3. Piano Sonata n.7, op.64
4. Piano Sonata n.8, op.66
5. Piano Sonata n.9, op.68
6. Piano Sonata n.10, op.70
7. Sonata-Fantaise (1886)
O compositor russo Alexander Scriabin morreu jovem, com 43 anos em 1915. Em 1925, o escritor Boris Schlœzer, russo emigrado para a França após a revolução, escrevia no Ménestrel:
O décimo aniversário da morte de Scriabin será certamente a ocasião de concertos, conferências e cerimônias comemorativas, consagradas à obra do grande músico que reina como líder na Rússia e cuja dominação parece fortemente estabelecida, apesar das tentativas de reação de Medtner e Rachmaninoff e, mais recentemente, Stravinsky e Prokofiev.
Mas essa liderança só vai até as fronteiras do país dos Sovietes. Scriabin tem um papel insignificante na vida musical europeia após a Guerra de 1914-18, particularmente na França (os programas de concerto alemães e ingleses incluem com frequência as últimas sonatas, o Prometeu, o Poema do Êxtase).
A arte de Scriabin “não pega” em Paris, fato extremamente significativo! Essa arte, com efeito, me parece essencialmente revolucionária. Os meios musicais têm uma repugnância instintiva: dizem que Scriabin nada inventou, que ele deve tudo a Chopin e Liszt, que é um wagneriano tardio, um “romântico enfim” – o que é a pior das injúrias hoje, como sabemos. A verdade é que não querem ouvi-lo, porque pressentem um perigo. Sob este ponto de vista, parece que se Paris repele obstinadamente Scriabin, enquanto Berlim e Londres o acolhem, é porque a França após a Guerra é a fortaleza do espírito anti-revolucionáro.
Mas o que significam esses termos, “revolucionário”, “anti-revolucionário”, no domínio musical? Não se trata aqui de fazer de Scriabin um bolchevique. Tendo conhecido pessoalmente o compositor, creio que ele estaria hoje entre os emigrados, como Prokofiev, e que o comunismo russo teria nele um inimigo irredutível. Quando pretendo que Scriabin era um revolucionário, quero dizer que o espírito que anima suas obras, as tendências desta obra, a concepção que o compositor faz da arte, da vida, os meios que utilizava, os objetivos perseguidos, tudo estava em contradição essencial com o espírito e as realizações da arte ocidental.
O autor do Poema do Êxtase não deve nada à escola nacionalista russa, aos “Cinco”; ele aparece à primeira vista, por seu vocabulário sonoro, como um europeu. É a falha percebida por alguns críticos, que buscam exositmo. Ora, exótico ele é, mas em um outro plano: este europeu refinado ataca as próprias bases da cultura estética ocidental. O “extatismo”, a exaltação mística, o entusiasmo heróico dessa alma bêbada são a negação mesma do espírito realista, do espírito de ordem, de medida e de compromisso ao qual se aspira em Europa após a terrível tormenta da Guerra.
Como sabemos, e o artigo acima mostra bem, Scriabin construiu um mundo próprio no começo do século XX, distante dos consenso das vanguardas europeias, e por isso mesmo revolucionário, em obras para piano como a Sonata nº 9 “Missa Negra”, o místico Prometeu para piano e orquestra, sem falar na obra inacabada Mysterium, que deveria incluir música, efeitos visuais, incenso e dança.
Antes, na década de 1890, Scriabin já criava uma música altamente cromática, mística, mas ainda de forma mais convencional, imitando um pouco Chopin em mazurkas e noturnos para piano. Imitou também Chopin e Liszt em Estudos de enormes exigências técnicas, com sustenidos e bemóis pra todos os lados. Mas talvez sua mais sublime imitação de Chopin tenha sido ainda na juventude, com seus Prelúdios Opus 11, que são 24, com tons maiores e menores se alternando da mesma forma que nos prelúdios do polonês.
Enquanto no CD recém postado de Rachmaninoff, a pianista turca Idil Biret usava muita força no piano para fazer aqueles sons de sinos que o compositor pede, aqui, o pianista GIeseking toca Scriabin com todo o mistério, a sutileza e a delicadeza que este compositor merece… mas sem medo de usar a força em alguns prelúdios específicos, como os de nº 19 e 24.
Alexander Scriabin (1871-1915): 24 Prelúdios Opus 11
Walter Gieseking – piano
Olá pessoal, sou o novato por aqui no blog, vou estrear com o post do Volume Nove da reedição Horowitz (1903-1989) da Sony contém música dos compatriotas do pianista nascido na Ucrânia: Scriabin, Rachmaninoff e Medtner. Horowitz, que aos 11 anos conheceu a Scriabin, descreveu uma vez a música do compositor como “super sensível, super romântica”. Houve inúmeros pianistas que igualaram a Scriabin de Horowitz tecnicamente, mas ninguém superou a qualidade nervosa e ofegante do pianista ucraniano. As seleções de Scriabin foram gravadas no 30th Street Studio de Columbia em 1972. O Fairy Tale In A, Op. 51 do Medtner, ouvido aqui, foi originalmente estreado no Natal de 1969. Horowitz idolatrava Rachmaninoff, e o pianista / compositor mais velho admirava Horowitz em uma espécie de tio / sobrinho. Os dois tiveram uma amizade íntima desde 1928 até a morte do compositor em 1943. Rachmaninoff freqüentemente teve um relacionamento complicado com suas próprias composições. Tal foi o caso da Segunda Sonata, que foi composta em 1913, e severamente revisada em 1931. Rachmaninoff, que nunca estava totalmente satisfeito com qualquer versão da peça, concordou e deixou a cargo de Horowitz montar uma versão de “compromisso” para suas próprias apresentações. Esta performance gravada neste CD, registrada no Carnegie Hall, é uma das gravações de piano em minha opinião mais eletrizantes já feitas. Horowitz, no auge da sua forma, traz uma qualidade incrível para essa performance. Mesmo quando todo o Inferno se solta, o pianista permanece solidamente no controle. A gravação tem cerca de 40 anos e a meu ver continua a ser a versão definitiva da Segunda Sonata de Rachmaninoff, e pode-se sentir o espírito aprovador do compositor na resposta tumultuada do público ao final. Esta reedição é uma obrigação para todos os amantes de uma excelente música de piano. O som é um dos melhores Horowitz ao vivo.
The Complete Masterworks Recordings Vol. IX: Late Russian Romantics
01 Scriabin_ Feuillet D’Album For Piano
02 Scriabin_ Etude For Piano In F
03 Scriabin_ Etude For Piano In B
04 Scriabin_ Etude For Piano In D
05 Scriabin_ Etude For Piano In A
06 Scriabin_ Etude For Piano In F
07 Scriabin_ Etude For Piano In F
08 Scriabin_ Etude For Piano In C
09 Scriabin_ Etude For Piano In G Ma
10 Scriabin_ Poème, Op. 69_1
11 Scriabin_ Poème, Op. 69_2
12 Scriabin_ Vers La Flamme, Op. 72
13 Scriabin_ Feuillet D’Album, Op. 5
14 Medtner_ Fairy Tale In A, Op. 51
15 Rachmaninov_ Piano Sonata #2 In B
16 Rachmaninov_ Piano Sonata #2 In B
17 Rachmaninov_ Piano Sonata #2 In B
18 Rachmaninov_ Prelude #12 In G
19 Rachmaninov_ Moments Musicaux
20 Rachmaninov_ Etude-Tableau #3
21 Rachmaninov_ Etude-Tableau #2
22 Rachmaninov_ Etude-Tableau #9
Após a obra para órgão de Messiaen, carregada de simbolismo, continuamos o momento místico com duas importantes sonatas de Scriabin. Assim como Rachmaninoff (seu colega no Conservatório de Moscou), Scriabin, também teve suas primeiras composições influenciadas por Chopin e pelo romantismo tardio mas, ao contrário de Rach, em sua fase mais madura ele produziu obras extremamente originais e atonais, influenciado por Nietzsche, pela Teosofia e pela sinestesia, condição em que os sentidos se embaralham levando, por exemplo à visualização de sons.
Dane Rudhyar escreveu que Scriabin foi “o grande pioneiro da nova música, o pai do futuro músico, e um antídoto a reacionários como Stravinsky e à música sujeita a regras do grupo de Schoenberg.”
Scriabin deu o nome “Estados de espírito” à sua 3ª sonata, com o seguinte programa. Drammatico: “A alma livre e selvagem, jogada no turbilhão de sofrimento e luta.” Allegretto: “Momento aparente e ilusório de repouso. Cansada de sofrer, a alma quer esquecer, cantar e florescer, apesar de tudo. Mas o ritmo leve, as harmonias perfumadas são apenas um véu através do qual aparece a alma inquieta” Andante: “A alma vaga à deriva em um mar de sentimentos doces e melancólicos: amor, tristeza, desejos vagos, pensamentos indefiníveis, charmosos e oníricos.” Presto con fuoco: “Das profundezas do ser se eleva a voz formidável do Homem-Deus cujo canto de vitória soa, triunfante. Mas frágil, incapaz de atingir o pico, ele cai no abismo do nada.”
A terceira sonata, de 1898, marca um período de transição em que Scriabin escapa da influência de Chopin. Doze anos depois ele ultrapassa os limites da tonalidade com Prometeu ou o Poema do Fogo, outra obra absolutamente mística. Uma amiga do compositor deu o apelido de “Missa Negra” à nona sonata,de 1912-13, e Scriabin não discordou. Breve, ela começa com um tema de notas repetidas (misteriosamente murmurado, está escrito na partitura) e avança em dissonâncias misteriosas, com a angústia crescendo sem parar até quase o final.
Também aparecem aqui o Prelúdio op. 23 número 4, característico do romantismo tardio de Rachmaninoff, e a oitava sonata de Prokofiev, de 1944, a últimas das ditas ‘sonatas de guerra’. O biógrafo Daniel Jaffé escreveu que quando Prokofiev voltou à URSS foi forçado a compor obras açucaradas como uma cantata em homenagem aos 60 anos de Stalin, mas nas três sonatas de guerra finalmente pôde se expressar livremente. Seja como for, essas sonatas de 1940, 42 e 44, assim como a de Dutilleux (1948) são pontos altos da forma sonata para piano, que andava meio caída desde a morte de Scriabin.
Grigory Sokolov é considerado um dos maiores pianistas vivos. Assim como Michelangeli e Celibidache, Sokolov não gosta de gravar em estúdio, mas suas gravações ao vivo e seus concertos e recitais têm arrancado elogios há décadas. O leitor/ouvinte Barão escreveu na nossa seção de comentários, em 2012:
Pela primeira vez vejo Grigory Sokolov aparecer aqui. Tive a felicidade de vê-lo em concerto há uns dez anos em Sevilla em La Maestranza (o teatro municipal, não a arena de touros… embora ele parece um touro, ou melhor um iaque). Não tinha ideia de quem era ele, fui comprar discos na saudosa lojinha que tinha ao lado e perguntei se valia apena o concerto da noite…
Lendo depois, descobri que foi um concerto usual para Sokolov: umas mil pessoas assistindo, silencio de ouvir mosquito, ovação frenética e meia hora de bises… Depois comprei tudo que pude, e me impressionou cada vez mais o puro pianismo. Técnica, nem se fala, mas não se trata disto. Nem das excentricidades (maluquices?) como abrir/desmontar os pianos em que toca, ou o palco em penumbra. Beethoven, Bach, Chopin, Brahms, para se ouvir muito. Abraços, curto, desfruto e aprendo muito nesse belo blog!!
Barão falou tudo, faltou apenas ressaltar que Sokolov também seria um ótimo intérprete do Pinguim do Batman.
Alexander Scriabin (Moscou, 1871-1915)
1. Piano Sonata No. 3 in F sharp minor (‘Etats d’âme’), Op. 23: Dramatico
2. Piano Sonata No. 3 in F sharp minor (‘Etats d’âme’), Op. 23: Allegretto
3. Piano Sonata No. 3 in F sharp minor (‘Etats d’âme’), Op. 23: Andante
4. Piano Sonata No. 3 in F sharp minor (‘Etats d’âme’), Op. 23: Presto con fuoco
5. Piano Sonata No. 9 (‘Black Mass’), Op. 68 Sergei Prokofiev (Ucrânia, 1891 – Moscou, 1953)
6. Piano Sonata No. 8 in B flat major (‘War Sonata 3’), Op. 84: Andante dolce
7. Piano Sonata No. 8 in B flat major (‘War Sonata 3’), Op. 84: Andante sognando
8. Piano Sonata No. 8 in B flat major (‘War Sonata 3’), Op. 84: Vivace Sergei Rachmaninoff (Novgorod, Rússia, 1873 – California, EUA, 1943)
9. Prelude for piano No.4 in D minor, Op. 23/3
Hoje trago um recital de Nelson Freire em 1975 na Universidade de Maryland, EUA, quando ele era um jovem talento promissor de cabelos castanhos. Nunca foi lançado oficialmente, mas a qualidade do áudio é excelente.
Eu poderia falar sobre os dificílimos Estudos Sinfônicos de Schumann ou sobre a sonata de Scriabin em dois movimentos, Andante e Prestissimo volando, de caráter alegre e místico que representa, segundo o compositor, “o voo do homem até a estrela, símbolo da felicidade”.
Poderia falar sobre as mazurcas de Chopin tocadas por Nelson com um senso de ritmo, um ziriguidum que os pianistas europeus raramente têm (mas que nossos conterrâneos Guiomar e Antônio Barbosa também tinham de sobra). Poderia falar do talento de Nelson para escolher peças de bis, parte essencial de recitais à moda antiga. Mas vou ser dedo-duro e falar do momento em que o grande artista falhou.
Pois é, pode parecer estranho para quem só ouve CDs gravados em estúdio, perfeitinhos como um relógio suíço, mas a verdade é que ao vivo grandes pianistas podem errar. Rubinstein já pulou várias notas (principalmente após os 70 anos), Michelangeli e Pollini já exageraram no rubato para facilitar trechos rápidos, Martha Argerich já se empolgou e tocou forte trechos em que o compositor mandava tocar fraco (piano).
Vamos ao lapso de Nelson: na última nota de um dos trechos mais rápidos da Fantasia de Chopin, aos 9:49, ele dá uma esbarradinha na tecla errada, sem perder a elegância. Que fique registrado que Nelson toca em um andamento muito rápido, enquanto Michelangeli, Maria João Pires, entre outros, engatam a marcha 1 nesse trecho para não correrem riscos. Curiosidade: Guiomar Novaes, que Nelson idolatra, gravou a Fantasia nesse mesmo andamento arriscado, aliás ela também esbarrou no mesmo trecho… Sem falar de outras notas provavelmente puladas, para possibilitar um andamento tão extremo.
Moral da história: os grandes pianistas estudam horas e horas para terem técnica impecável e, mesmo assim, às vezes pecam, falham. Que bom! Parabéns aos músicos que correm riscos e são humanos, muito superiores a um programa de computador!
Nelson Freire, piano
Live, 1975, University of Maryland, USA
1. Schumann – Etudes Symphoniques, Op.13
2. Scriabin – Sonata No.4, F# major, Op.30
3. Chopin – Fantasy, F minor, Op.49
4. Chopin – Nocturne, F# major, Op.15, No.2
Chopin – 2 Mazurkas:
5. C# minor, Op.41, No.1
6. B minor, Op.33, No.4
7. Chopin – Scherzo No.4, E major, Op.54
Encores:
8. Debussy – Poissons d’or
9. Albeniz/Godowsky – Tango
Assim como acontece com a georgiana Khatia Buniatishvili, a chinesa Yuja Wang (ou seus agentes) aposta fundo na beleza física. Não é proibido, mas acho chato ver hoje mais discos das duas do que de Maria João Pires e Martha Argerich, por exemplo. Jovens e belas, ambas nascidas em 1987, Wang e Buniatishvili são boas pianistas, não há dúvida, mas estão longe de merecer o Olimpo. O destaque deste CD é a excelente escolha do repertório. Chopin e Scriabin entremeados por dois Ligeti, com a grande Sonata de Liszt ao final é realmente de entusiasmar pelo bom gosto. Dá vontade de ouvir e o desempenho de Wang é satisfatório, mesmo que não nos faça flutuar como faria alguém com maior maturidade artística. Afinal, ao menos aqui, estou mais interessado em meus ouvidos.
Chopin · Scriabin · Liszt · Ligeti: Sonatas para Piano e Estudos
Chopin: Piano Sonata No.2 In B Flat Minor, Op.35
1 1. Grave – Doppio movimento 7:50
2 2. Scherzo – Più lento – Tempo I 6:49
3 3. Marche funèbre (Lento) 8:25
4 4. Finale (Presto) 1:28
Ligeti: 6 etudes pour piano, premier livre
5 – Etude Nº 4 – Fanfares 3:40
Scriabin: Piano Sonata No.2, In G Sharp Minor Op.19 “Sonata Fantasy” –
6 1. Andante 8:18
7 2. Presto 4:02
8 Ligeti: Etude No.10 “Der Zauberlehring” 2:15
Liszt: Piano Sonata In B Minor, S.178 – Edited By Alfred Cortot
9 1. Lento assai – Allegro energico – Grandioso-Recitativo 12:24
10 2. Andante sostenuto 7:45
11 3. Allegro energico – Andante sostenuto – Lento assai 11:05
Scriabin nasceu em Moscou. Estudou piano desde criança, tendo aulas com Nikolai Zverev, que foi também professor de Sergei Rachmaninoff. Depois, foi para o Conservatório de Moscou, onde estudou com Anton Arensky, Sergei Taneyev e Vasily Safonov. Tornou-se notável pianista, apesar de que sua pequena mão que cobria pouco mais de uma oitava. Doía tocar, ele afirmava. Scriabin era um humanista, tendo-se interessado na teoria do super-homem de Nietzsche e em teosofia. Ambas as teorias teriam influenciado sua música e pensamento musical. Entre 1909 e 1910 viveu em Bruxelas, onde estudou o movimento teosófico de Delville e se aprofundou em leituras de Helena Blavatsky.
Tudo frescura. Opa! Dane Rudhyar, teósofo e compositor, escreveu que Scriabin seria o pai da música do futuro”… e um antídoto para reacionários como Stravinsky e a Segunda Escola de Viena (Schoenberg e sua Tchurma).
Hipocondríaco, Scriabin morreu em Moscou de septicemia. Antes de sua morte, planejou um trabalho multimídia a ser apresentado no Himalaia, acerca de Armagedon “uma grandiosa síntese religiosa de todas as artes para anunciar o nascimento de um novo mundo”. A obra, “Mysterium”, permaneceu inacabada. Talvez por sorte nossa.
Era amigo de Vyacheslav Molotov, político russo e epônimo do coquetel Molotov.
Seus trabalhos são um desafio extremamente complexo. OK, de acordo, Scriabin deve ter sido um grande chato, mas sua música é do cacete e já estou até arrependido do que escrevi sobre o inacabado Armagedon…. O tal Poema do Êxtase é o máximo! O Concerto é aceitavelzinho, coisa de um Chopin moderno, o que certamente agradará os românticos tardios. Prometeu volta a encorpar o CD.
Boulez dá mais um banho nesta gravação, mas não há novidade nisso. Fui!
Alexander Scriabin (1872-1915): Poème De L’extase / Piano Concerto / Promethée
01. Le Poème de l’extase, Op. 54
02. Concerto for Piano and Orchestra in F sharp minor, Op. 20 I. Allegro
03. Concerto for Piano and Orchestra in F sharp minor, Op. 20 II. Andante
04. Concerto for Piano and Orchestra in F sharp minor, Op. 20 III. Allegro moderato
05. Promethée. Le Poème du Feu, Op. 60
Anatol Ugorski, piano
Chicago Symphony Chorus
Chicago Symphony Orchestra
Pierre Boulez
O talento de Yuja Wang ninguém é louco de contestar. A moça é um assombro. É impressionante a musicalidade que consegue extrair do piano quanto está tocando. Neste cd que ora vos trago os senhores poderão melhor entender o que estou dizendo. O repertório é bem eclético. Vai da delicada e sensível ´Melodie de Gluck´, de Sgambati, baseada em Gluck, até Art Tatum, famoso pianista de jazz norte americano, famoso na primeira metade do século XX.
São pequenas peças, pelas quais Yuja Wang tem muito carinho, e geralmente são as obras que ela toca quando “bisa” em seus recitais, os famosos encores. Uma análise mais detalhada pela própria pianista pode ser lida no booklet em anexo.
01 – Rachmaninov- Etude-tableau in A minor, Op.39 No.6
02 – Rachmaninov- Etude-tableau in B minor, Op.39 No.4
03 – Rachmaninov- Elegie in E flat minor, Op.3 No.1
04 – Rachmaninov- Etude-tableau in E flat minor, Op.39 No.5
05 – Scarlatti- Sonata in G major, K.455
06 – Gluck (arr. Sgambati)- Melodie de Gluck
07 – Albeniz- Triana
08 – Bizet-Horowitz- Variations on a Theme from Carmen
09 – Schubert (arr. Liszt)- Gretchen am Spinnrade, D118
10 – Strauss (arr. Cziffra)- Tritsch-Tratsch-Polka, Op.214
11 – Chopin- Valse in C sharp minor, Op.64 No.2
12 – Dukas (arr. Staub)- L’Apprenti sorcier
13 – Scriabin- Prelude in B major, Op.11 No.11
14 – Scriabin- Prelude in B minor, Op.13 No.6
15 – Scriabin- Prelude in G sharp minor, Op.11 No.12
16 – Scriabin- Etude in G sharp minor, Op.8 No.9
17 – Scriabin- Poeme in F sharp major, Op.32 No.1
18 – Saint-Saens (arr. Liszt-Horowitz)- Danse macabre, Op.40
Depois de um período meio sumido, devido a problemas técnicos com meu computador, que ainda não estão sanados, diga-se de passagem, vou tentar novamente postar este excepcional CD deste excepcional condutor, um dos melhores da atualidade, com certeza, Valery Gergiev. Na verdade, este cd deveria ter sido postado há uns dez dias atrás, quando o mano PQPBach postou a versão da Sagração da Primavera para um Piano Jazz Trio. Mas, enfim, o que vale é a intenção, ainda.
A versão que ora vos trago é alucinante, com uma Orquestra do Kirov redondinha, como sempre, sorte do povo russo, especialmente os moradores de St Petersburg, que tem uma orquestra deste nível. E claro, tem Valery Gergiev. Só isso já seria sinônimo de qualidade, mesmo tendo esta gravação já mais de dez anos. O Scriabin que conclui o cd também é igualmente impactante. Nem preciso dizer que se trata de um CD absolutamente IM-PER-Dí-VEL !!! O último a baixar é a mulher do padre…
01. Stravinsky – The Rite of Spring Part I The Adoration of the Earth – Introduction
02. Augurs of spring – Dances of the young girls
03. Ritual of Abduction
04. Spring Rounds
05. Ritual of the Rival Tribes
06. Procession of the Sage
07. The Sage
08. Dance of the Earth
09. Part II The Sacrifice – Introduction 2
10. Mystic Circles of the Young Girls
11. Glorification of the Chosen One
12. Evocation of the Ancestors
13. Ritual Action of the Ancestors
14. Sacrificial Dance (The Chosen One)
15. Alexander Scriabin – The Poem of Ecstasy, op. 54
Kirov Orchestra, Mariinski Theatre, St. Petersburg
Valery Gergiev – Conductor
Roberto Szidon é um dos maiores artistas brasileiros. Nasceu em 1941, 14 anos depois de meu pai, um de seus maiores admiradores. Lembro de Szidon tocando Rudepoema, de Villa-Lobos, na Reitoria da UFRGS. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos e fiquei encolhido na cadeira ao lado de meu pai, com medo de que ele não conseguisse tocar aquela peça para mim impossível — eu tinha menos de dez anos e ficava achando que os executantes iam errar… Ficava nervoso, torcendo por eles, tamanha a empatia. Naquela noite, intuía merda no ar. No momento em que Szidon deu o primeiro dos três acordes finais — com a mão fechada, esmurrando o piano — uma corda se rompeu, fazendo um som mais do que estranho. Szidon, uma cara baixinho, gordinho e de voz apagada (minha lembrança), explicou timidamente: “a corda se rompeu”. Todos rimos. Foi a aplaudido de pé, não em razão da corda, mas do que tinha feito antes.
Depois, Szidon foi para a Alemanha, tornou-se pianista da Deutsche Grammophon, tocando cada vez mais. Pouco aparece em Porto Alegre, sua cidade natal. Não, nada de ressentimentos. Nossa, adoraria postar seus Villa-Lobos aqui, mas nosso maior compositor, sabemos, é assunto proibido em nosso blog.
Ontem à tarde, falava com Francisco Marshall e ele me veio com este CD de Scriabin. Disse que era um dos melhores que tinha, mas que ia dar de presente a um pianista amigo (Tiago Halewicz? NÃO. VER COMENTÁRIO DE FRANCISCO MARSHALL, FM, AO POST). Antes, porém, queria que o PQP Bach o publicasse. Bá, fiquei muito feliz. Fiz a conversão rapidamente e já já chamarei um motoboy para devolver-lhe o tesouro.
Scriabin é um romântico tardio. A sonoridade de sua primeira fase é chopiniana — outro compositor bastante visitado por Szidon. As formas são as mesmas: há noturnos, prelúdios, estudos e mazurkas. E sonatas. Posteriormente inspirado pelos impressionistas, pelo cromatismo de Liszt e Wagner, Scriabin foi personalizando e evoluindo o seu vocabulário musical, evolução que podemos seguir através das suas dez sonatas, das quais as últimas cinco revelam passagens claramente atonais. A articulação é muitas vezes substituída por “uma cortina sonora”, em que os várias vozes se cruzam e atropelam. Não é nada trivial nem esquecível.
É um privilégio poder postar assim de chofre toda a evolução de Scriabin através da interpretação de Roberto Szidon. Sim, tem que baixar.
IM-PER-DÍ-VEL !!!!
CD 1: Scriabin: Piano Sonatas Nos.1, 2 & 3
Piano Sonata No.1 in F minor, Op.6
1. Allegro con fuoco 9:56
2. 6:20
3. Presto 3:28
4. Funebre 6:23
Piano Sonata No.2, in G sharp minor op.19 “Sonata Fantasy”
5. Andante 8:04
6. Presto 3:42
Piano Sonata No.3 in F sharp minor, Op.23
7. Drammatico 7:29
8. Allegretto 2:15
9. Andante 4:58
10. Presto con fuoco 6:01
Apoie os bons artistas, compre suas músicas.
Apesar de raramente respondidos, os comentários dos leitores e ouvintes são apreciadíssimos. São nosso combustível.
Comente a postagem!