In Memoriam Arthur Moreira Lima – Coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – Parte 7 de 11: Volumes 9, 10, 16 & 32 (Ernesto Nazareth I/Johann Sebastian Bach/Astor Piazzolla/Ernesto Nazareth II)

Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a sétima das onze partes de nossa eulogia ao gigante.


Partes:   I   |   II   |   III   |   IV   |   V   |   VI   |   VII   |   VIII   |   IX   |     |   XI

Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1966. Depois de iniciar seu exigente programa com a Fantasia de Schumann e a Sexta Sonata de Prokofiev, e antes de fechá-lo com os vinte e quatro Prelúdios de Chopin, o quase moscovita Arthur Moreira Lima, de visita ao pago, viu-se compelido pela bruta força da lei a tocar uma cota de peças brasileiras. Inimigo do óbvio, como sempre, guardou seus muitos Villa-Lobos nas mangas da casaca e tascou as notas inventadas por um seu conterrâneo nascido não tão longe dali, no morro do Nheco. Era a valsa de um pianeiro – pois assim chamavam os pianistas populares, ou de “bossa”, em seu tempo -, de um operário do piano que sonhara com as ribaltas dos grandes teatros, mas tivera que ganhar a vida a dar aulas e tocar em saraus, alguns dos quais frequentados por Luísa, a avó de Arthur. E assim, décadas depois de ser barrada daquele mesmo palco, por ser fruto de um pianeiro e, portanto, acharem-na indigna das salas de concerto, que a grande música de Ernesto Nazareth foi ouvida pela primeira vez no Municipal e o nosso herói começou a dar o maior cavalo de pau de sua vida.

Tocar Nazareth no Municipal era tão improvável que o redator se embananou na descrição do programa e criou um compositor híbrido polono-brasileiro, Ernesto N. Chopin.

Além de “Coração que Sente“, Arthur tocou o “Batuque“. A plateia veio abaixo e a crítica, surpreendentemente, guardou seus tomates. “Com a mesma independência que moveu Moreira Lima a colocar Nazareth entre Schumann, Prokofieff e Chopin”, escreveu um deles, “deve-se assinalar aqui que foram essas breves composições as mais comoventes de toda a noite”. Arthur lembraria, décadas mais tarde, da sensação causada por seu arrojo:

Me orgulho de ter podido contribuir para esse revival de Nazareth numa época em que ele andava meio esquecido, meio fora de moda. Mas como eu ia esquecer, se cresci ouvindo minha avó tocar aqueles tangos todos? É uma imagem que guardo viva comigo: eu pequeno, na casa da rua Dois de Dezembro, no Catete, ouvindo minha avó tocar o piano de armário dela: ‘Famoso’, ‘Escorregando’, ‘Odeon’, ‘Brejeiro’ e o próprio ‘Coração que sente'”

Na década seguinte, o então semivienense estava em nova visita à terrinha. Seu amigo, o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral, chamou-o para almoçar. Entre chopes e ante um bobó de camarão, apresentou-lhe um outro amigo, um publicitário que se urdira da túnica de produtor fonográfico e embarcara na mais ambiciosa, desenfreada e maravilhosa iniciativa até então vista de criar uma gravadora movida tão só a grande Música Brasileira. Arthur Moreira Lima e Marcus Pereira se adoraram à primeira vista, e bastou a centelha de duas palavras de Cabral – “Ernesto Nazareth” – para que recém-amigos se incendiassem com a ideia de gravar aquela grande música. Saíram de lá com o plano firme de um álbum duplo com obras do Mestre do Morro do Nheco, cuja lista preliminar Arthur já rabiscara no primeiro papel que encontrou. Em alguns meses, naquele mesmo ano da graça de 1974, ele adentraria um estúdio londrino para de lá sair, em meros dois dias, com vinte e cinco faixas gravadas. “Arthur Moreira Lima Interpreta Ernesto Nazareth”, lançado no ano seguinte, vendeu sensacionais duzentas mil cópias, e rendeu um segundo tomo, lançado em 1977, com outras vinte e quatro obras e o seguinte veredito do crítico José Ramos Tinhorão, do Jornal do Brasil:

[O disco cumpre o papel de] exorcizar, definitivamente, o preconceito de dependência cultural europeia da elite brasileira, segundo a qual somente autores consagrados merecem interpretação recitalista”

Óbvio que assinamos com o relator.


O sucesso da dobradinha Ernesto/Arthur transformou aquele carioca que tocava mais russamente que os próprios russos no xodó de chorões do Brasil inteiro, e no glúteo favorito dos pontapés de tanta gente obtusa. Inaugurava-se, assim, um dos passatempos favoritos de seus pares no Brasil: falar dele com desdém, certamente incensado pela inveja, a que Arthur, às gargalhadas, sempre deu de ombros até o fim de seus dias.  “Dizem que vou ao cinema para torcer pelo bandido”, ria nosso herói, talvez a reconhecer que, para muitos compatriotas incompreensivos, ele próprio era um pouco bandido – um gauche da Música.

Os gauches, claro, sempre se atraem. Em inda outra visita à terrinha, em 1979, já nas saideiras de Barcelona, quase com um pé de volta ao Rio, o novo Rei do Tango Brasileiro encontrou o Demiurgo do Tango Argentino. Astor Piazzolla estava em turnê pelo Brasil, e Arthur aproveitou o ensejo para realizou o antigo sonho de conhecer o ídolo. Não deixaria de fazê-lo, por óbvio, em grande estilo: ofereceu seus préstimos de fã, melômano e afiado hispanohablante a uma emissora de televisão e dela ganhou a incumbência de, com credenciais de repórter impromptu, entrevistar a azeda fera. O que era para ser um curto encontro acabou virando, entre incontáveis veja-bens e che-boludos, uma noite virada em animada charla. Adoraram-se instantaneamente e tornaram-se amigos para toda a vida. Ainda mais que a admiração pela grande música do mestre argentino, Arthur identificava-se com o longo exílio e, sobretudo, com a incompreensão experimentada por Astor em seu país natal, onde era, entre outros impropérios, “el asesino del tango“, acusado de distorcer aquele sacrossanto tesouro cultural argentino com tacapes de música de concerto e de corroê-lo com ácidos jazzísticos.

A devoção a Piazzolla, pensava ele ao sair do memorável encontro, teria que ser eternizada em disco. Levou quase vinte anos para gravá-lo. Astor, que morrera em 1991, chegou mesmo a legar ao amigo brasileiro a distinta dedicatória de uma peça inédita, para que dela fizesse a primeira gravação: um tango para piano solo composto em 1953 em Paris, nos tempos em estudara com Nadia Boulanger, e que deveria chamar-se “Tango” (“sencillamente ‘Tango’, Arthur, nada más“), mas acabou publicada como “Tango Preludio”. Tocá-la, claro, não seria qualquer problema – o que lhe tirava o sono era preencher o restante do álbum, transpondo para um teclado e tão só dez dedos toda a complexidade das composições de Piazzolla para o bandoneón e seu conjunto. Ao conhecer o genial Laércio de Freitas, suspirou em alívio: não só descobriu a quem confiaria a tarefa, com também fez outro amigo para o resto de seus dias:


ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO
Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes
Idealizada por Arthur Moreira Lima
Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima


Volume 9: ERNESTO NAZARETH I

Ernesto Júlio de NAZARETH (1863-1934)

1 – Odeon
2 – Escorregando
3 – Duvidoso
4 – Batuque
5 – Fon-Fon
6 – Apanhei-Te Cavaquinho
7 – Brejeiro
8 – Pássaros em Festa
9 – Bambino
10 – Sarambeque
11 – Carioca
12 – Turuna
13 – Quebradinha
14 – Dirce
15 – Improviso

Arthur Moreira Lima, piano

Gravações: American Institute of Arts, Nova York, Estados Unidos, 1982.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Coordenação geral: Jay K. Hoffman
Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Volume 10: JOHANN SEBASTIAN BACH

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

1 – Prelúdio em Dó Menor, BWV 999
2 – Prelúdio para órgão em Sol menor, BWV 535 (transcrição para piano de Aleksandr Siloti)

Partita no. 1 em Si bemol maior, BWV 825
3 – Praeludium
4 – Allemande
5 – Courante
6 – Sarabande
7 – Menuet I & II
8 – Gigue

9 – Invenção a duas vozes em Ré menor, BWV 775

Fantasia Cromática e Fuga em Ré menor, BWV 903
10 – Fantasia
11 -Fuga

Partita no. 2 em Dó menor, BWV 826
12 – Sinfonia
13 – Allemande
14 – Courande
15 – Sarabande
16 – Rondeau
17 – Capriccio

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998.
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Volume 16: ASTOR PIAZZOLLA

Astor Pantaleón PIAZZOLLA (1921-1992)
Arranjos de Laércio de Freitas (1941-2024)

Tangata, Silfo y Ondina
1 – Fugata
2 – Soledad
3 – Finale

4 – Libertango

Das Cuatro Estaciones Porteñas:
5 – Invierno Porteño

6 – Decarisimo
7 – Oblivion

Astor PIAZZOLLA

8 – Tango-Preludio (dedicado a Arthur Moreira Lima)

Astor PIAZZOLLA
Arranjos de Laércio de Freitas

9 – Onda Nueve
10 – Balada para un Loco
11 – Adiós, Nonino

Arthur Moreira Lima, piano

Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1997.
Engenharia de som: Peter Nicholls
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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Álbum publicado originalmente no PQP Bach pelo colega CVL em 2008, nessa postagem aqui, que não lhe mostrava a capa e contracapa maravilhosas:


 


Volume 32: ERNESTO NAZARETH II

Ernesto NAZARETH

1 – Elegantíssima
2 – Ameno Resedá
3 – Tenebroso
4 – Ouro sobre Azul
5 – Nenê
6 – Labirinto
7 – Confidências
8 – Famoso
9 – Mercedes
10 – Vem cá, Branquinha
11 – Turbilhão de Beijos
12 – Você bem Sabe
13 – Pinguim
14 – Floraux
15 – Coração que Sente

Arthur Moreira Lima, piano

Gravações: American Institute of Arts, Nova York, Estados Unidos, 1982.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Coordenação geral: Jay K. Hoffman
Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.

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BÔNUS: as históricas gravações de Ernesto Nazareth para o selo Discos Marcus Pereira, que já tínhamos publicado aqui, em ripagens muito melhores que as anteriormente disponibilizadas.

ARTHUR MOREIRA LIMA INTERPRETA ERNESTO NAZARETH, VOLUME 1 (1975)

Disco 1
Fon Fon
Confidências
Retumbante
Faceira
Turuna
Ameno Resedá
Batuque
Coração que sente
Duvidoso
Turbilhão de Beijos
Labirinto
Apanhei-te Cavaquinho

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Disco 2
Famoso
Fidalga
Floraux
Nenê
Mercedes
Odeon
Brejeiro
Eponina
Escovado
Passaros em festa
Sarambeque
Vem cá, branquinha
Você bem sabe

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ARTHUR MOREIRA LIMA INTERPRETA ERNESTO NAZARETH, VOLUME 2 (1977)

Disco 1
Bambino
Crê e Espera
Tenebroso
Favorito
Perigoso
O Futurista
Plangente
Dirce
Subtil
Quebradinha
Meigo
Espalhafatoso

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Disco 2
Carioca
Escorregando
Adieu
Sustenta a… Nota
Yolanda
Elegantíssima
Expansiva
Janota
Ouro sobre azul
Improviso
Dora
Pinguin

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“7ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre sua participação como jurado em um concurso de choro no final da década de 1970, época em que presenciou o renascimento do choro. Falou sobre sua parceria com Elomar, que resultou nos discos Parcelada malunga e ConSertão, e também comentou sobre seu LP Com licença, lançado no início da década de 1980, consolidando sua dedicação à música brasileira. Também mencionou o recital e disco “Bach Meets Chopin” que realizou com João Carlos Martins, e as gravações que ele fez de obras de Chopin, que resultando na gravação da maior parte de seus ciclos, e todas suas obras para piano e orquestra. Falou sobre sua histórica regravação de obras de Ernesto Nazareth em 1982, que teve reconhecimento internacional, e comentou sobre sobre a sua participação na gravadora independente L’Art, da qual ele era um dos sócios.”

 

Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, estamos a montar um álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o atacante Mário Pedro, o Marinho (1926-2005).

Vassily

1 comment / Add your comment below

  1. Acompanhando a série de postagens e apreciando tudo! Muito agradecido Vassily pela dedicação. Abraços do Triângulo Mineiro, vulgo Sertão da Farinha Podre. 😉

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