Ah, essa Sonata “Arpergionne” de Schubert é uma delícia. Não há como não nos emocionarmos com ela. A beleza das melodias é única, como diria nosso colega PQPBach, provavelmente Schubert foi um dos maiores dos melodistas da história da música.
A dupla Wispelwey / Giacometti faz aqui neste cd uma leitura mais contida, não tão romantizada da “Arpeggione”, como as que estamos acostumados a ouvir. Talvez seja a sonoridade do pianoforte de Giacometti que contenha o excelente violoncelista holandês, o fato é que a dupla funciona muito bem, e explora com maestria os meandros dessa obra prima do repertório do violoncelo.
No cd eles também tocam as Sonatinas, op. 137, que originalmente foram escritas para violino, e que já trouxemos aqui mesmo no blog. A transcrição foi feita pelo próprio Wispelwey.
Franz Schubert (1797-1828): Arpeggione Sonata, 3 Sonatines, op. 137 (P. Wispelwey, P. Giacometti)
01 Sonata in a minor D 821 Arpeggione – I. Allegro moderato
02 Sonata in a minor D 821 Arpeggione – II. Adagio
03 Sonata in a minor D 821 Arpeggione – III. Allegretto
04 Sonatina in D major D 384 Opuis 137 No 1 – I. Allegro molto
05 Sonatina in D major D 384 Opuis 137 No 1 – II. Andante
06 Sonatina in D major D 384 Opuis 137 No 1 – III. Allegro vivace
07 Sonatina in a minor D 385 Opus 137 No 2 – I. Allegro moderato
08 Sonatina in a minor D 385 Opus 137 No 2 – II. Andante
09 Sonatina in a minor D 385 Opus 137 No 2 – III. Menuetto and Trio
10 Sonatina in a minor D 385 Opus 137 No 2 – IV. Allegro
11 Sonatina in g minor D 408 Opus 137 No 3 – I. Allegro giusto
12 Sonatina in g minor D 408 Opus 137 No 3 – II. Andante
13 Sonatina in g minor D 408 Opus 137 No 3 – III. Menuetto and Trio
14 Sonatina in g minor D 408 Opus 137 No 3 – IV. Allegro moderato
Entre os melômanos mais dedicados existe um quase consenso de que a música de câmara permite aos compositores uma atenção aos detalhes – e aos ouvintes a audição transparente desses detalhes na voz de cada um dos instrumentos que se combinam – que fica impossibilitada nas obras para grande orquestra. Cada instrumento, em um trio ou quarteto, tem sua voz autônoma e elas ao mesmo tempo dialogam entre si, isso fica muito evidente desde as Trio Sonatas que surgem por volta do ano 1700, primeiro na Itália e logo depois na Alemanha de Händel e J.S. Bach. No classicismo vienense, o quarteto de cordas se torna o veículo principal para esse tipo de música, não sem relação com um certo ideal de equilíbrio entre as sonoridades dos instrumentos, equilíbrio que é justamente um dos fundamentos para a música da corrente iniciada por Haydn ser chamada classicismo – pois, para além do uso banal do tipo “são clássicos imortais”, o clássico na cultura ocidental envolve certas ideias de simetria, harmonia, ordem etc. que os românticos (e depois os modernistas) vão denunciar como uma ordem autoritária que atrapalha as fantasias e sonhos.
Eu gosto enormemente desse quinteto de Schubert, mais do que dos seus quartetos: não é um gosto racional, é uma daquelas obras que simplesmente tocam mais fundo em alguns de nós, mas, tentando interpretar esse gosto em termos racionais, diria que o quinteto mantém em certos momentos o diálogo transparente da música de câmara e em outros momentos dá uns passos em outra direção. Nessa obra, uma das últimas de Schubert, a transparência já não é completa: cinco instrumentos já estão bem no limite das nossas capacidades de acompanhar as melodias individuais, mas além disso os dois violinos e os dois violoncelos às vezes se fundem no agudo e no grave. Também gosto bastante, claro, do quinteto com piano e contrabaixo “A Truta”, mas aqui neste quinteto mais tardio em dó maior parece que essa mistura das vozes dá um toque diferente que também faz parte da transição entre o classicsmo vienense e a sensibilidade romântica. Sem falar em tantas melodias belíssimas, mas isso é chover no molhado em se tratando de Schubert.
Orpheus Quartet e P. Wispelwey fazem aqui uma interpretação mais contida do que outras que se ouve por aí. Esse quarteto teve uma carreira meteórica, encerrada após a morte precoce do seu primeiro violinista.
Franz Schubert (1797-1828): Quinteto para Cordas D. 956
I. Allegro ma non troppo
II. Adagio
III. Scherzo: Presto – Trio – Andante sostenuto
IV. Allegretto
Orpheus Quartet e Pieter Wispelwey
Recorded: Dutch Reformed Church, Kortenhoef, NL, june 1994
Hoje é o aniversário de… PQP Bach. Aniversário não do blog ou do personagem, mas do ser humano que há, dizem, por trás. Por isso, vou postar duas obras-primas neste 19 de agosto. Esta é a segunda.
Um CD eletrizante! Esta gravação de Schubert é uma sobre a qual não é realmente necessário dizer muito. É, provavelmente, a melhor performance da Nona que me lembro de ter ouvido e a direção de Abbado é magistral. Seu ritmo para cada movimento parece ser o ideal e ele frequentemente molda a música com sutis modificações de andamento da maneira que um maestro como Furtwängler teria feito. Abbado, nesta gravação de 1987, é um grande músico continuando a explorar a música e a renovar sua abordagem para obras que ele deve ter conduzido muitas vezes. Há também uma determinação em manter os mais altos padrões possíveis de musicalidade, trabalhando com músicos de primeira linha. Ele regravou a Nona em 2011, mas nunca ouvi a gravação.
Franz Schubert (1797-1828): Symphonie No. 9 · Rosamunde: Ouvertüre (Die Zauberharfe) (The Chamber Orchestra Of Europe · Claudio Abbado)
Sinfonia Nr. 9, D 944, “A Grande”
1 1. Andante – Allegro Ma Non Troppo 16:46
2 2. Andante Con Moto 15:26
3 3. Scherzo. Allegro Vivace 14:02
4 4. Allegro Vivace – Trio 15:29
5 Rosamunde: Ouverture (“Die Zauberharfe” D. 644) 10:12
Conductor – Claudio Abbado
Orchestra – The Chamber Orchestra Of Europe
Retrato do artista quando jovem: Schiff tem, até hoje, uma forte afinidade com a música de Schubert, tendo gravado pela Decca, Teldec (aqui) e ECM suas obras de câmara e para piano solo, inclusive mais recentemente em pianos do século XIX. Aqui neste álbum gravado no Japão em 1978 e lançado apenas naquele país, temos o jovem András Schiff com interpretações cheias de um certo fogo juvenil sem exageros românticos, como convém quando se trata de Schubert.
O livreto do CD diz: シューベルトの D. 899 と D. 935… o que, traduzido, significa mais ou menos:
Schubert escreveu dois grupos de “impromptus” em sua vida, D. 899 e D. 935. Ambos, até onde se sabe, datam do fim de 1827, embora alguns possam datar do ano seguinte, o último de vida de Schubert. Mas o próprio nome “impromptus” não foi dado pelo compositor, assim como as peças D. 780 e D. 946 tiveram os nomes “Moments musicaux” e “Klavierstücke” (peças para piano) dados pelos editores. As peças do D. 899 foram publicadas por Tobias Haslinger como Op. 90, com o nome Impromptus anotado a lápis. E na verdade apenas as duas primeiras peças do Op. 90 foram publicadas durante a vida de Schubert. As duas outras, que seriam lançadas em 1828, ficaram na gaveta de Haslinger e seriam publicadas por seu filho só em 1857. Schubert aparentemente gostou do nome “impromptus” dado pelo editor.
Em uma carta de 21 de fevereiro de 1828, Schubert listou suas publicações futuras, que incluíam o Trio em Mi bemol maior, os Quartetos em Sol maior e Ré menor, além de quatro Impromptus para piano. Com isso, muitos biógrafos e comentadores entendem que os dois grupos de Impromptus foram concebidos por Schubert como grupos de quatro peças, mais do que como miniaturas avulsas.
Em outra carta, de 2 de outubro de 1828, Schubert menciona como prontos para publicação “os quatro Impromptus e o Quinteto para vozes masculinas. Por favor me responda logo, eu gostaria de publicar essas obras assim que possível.” É possível, a partir dessas cartas, concluir que o compositor – ele viveria apenas até novembro – tinha em alta conta esses impromptus.
Franz Schubert (1797-1828):
4 Impromptus D. 899
4 Impromptus D. 935
András Schiff, piano
Recorded june 1978 – Arakawa Public Hall, Tokyo, Japan
O grande René Denon postou estes CDs em 2019 com muito mais categoria. Bem aqui, ó. Reposto-os aqui neste cantinho só para não perder os muitos comentários.
Sei que não somente “aqueles comentaristas habituais” hostilizarão esta gravação colocada entre as melhores da DG (obrigado pela lembrança dos Originals, Lais; minha gravação é pré-Originals), como nossa comparsa Clara Schumann deverá apresentar chiliques em defesa de seu amado Alfred Brendel que, segundo ela, acarinha melhor o compositor que ela mais ama.
(Nunca entendi esta senhora que casa com um, tem Brahms por amante, mas gosta mesmo é de Schubert. A mente masculina é mais simples e burra, graças a Deus, e interessa-se por todas, prova de seu amor à humanidade.)
Schubert é o compositor que mais lamento. Apenas 31 anos! Onde ele chegaria se tivesse vivido, por exemplo, os 57 anos de Beethoven? É difícil de responder, ainda mais ouvindo suas últimas obras, amadurecidas a fórceps pelo sofrimento causado pela doença. Este criador de melodias irresistíveis trabalhava (muito) pela manhã, caminhava à tarde e bebia à noite. O bafômetro o pegaria na volta, certamente. Seria um recordista de multas. Não morreu da sífilis e sim de tifo, após ingerir um vulgar peixe contaminado. Ou seja, uma droga de um peixe podre nos tirou anos de muitas obras, certamente. Espero que, se o inferno existir, este peixe esteja lá queimando. Desgraçado, bicho ruim!
A interpretação de Pollini é completamente despida de exageros ou de virtuosismo. Ele respeita inteiramente Schubert, compositor melodista e destituído de virtuosismo pessoal ao piano, pero… nada de sentimentalismos, meus amigos. Pollini é um realista. E, com efeito, as sonatas finais desfazem o mito do Schubert fofinho, mundano e feliz. Era um indivíduo profundo e o trágico não lhe era estranho.
Minha sonata preferida é a D. 960, com seu imenso e emocionante primeiro movimento. Quando o ouço de surpresa, penso que virão o que não me vêm há anos: lágrimas. O que segue é-lhe digno, com destaque especial para o zombeteiro movimento final. O D. 959 também é extraordinário, principalmente o lindíssimo e nobre Andantino e o lied do Rondó. Também tenho indesmentível amor pela contrastante primeira peça das Drei Klavierstucke.
A Fundação Maurizio Pollini, desta vez patrocinada por PQP Bach, agradece todos os apoios recebidos e declara-se ofendida pela nefasta ironia perpetrada pelo provocador Kaissor (ou foi o Exigente?) ao querer estigmatizar nosso ídalo por ser mais divulgado em razão do perfil marcadamente “comercial” de sua gravadora. Com todo o respeito, respondemos a ele que Pollini é a Verdade e o Absoluto. Dou a Schnabel um lugar no pódio e ele que fique quieto. “O homem que inventou Beethoven”??? Arrã. Acho que foi reinventado… :¬)))
Franz Schubert (1797-1828): As Últimas Sonatas (Pollini)
CD 1
1. Piano Sonata No. 19, D.958 – Allegro
2. Piano Sonata No. 19, D.958 – Adagio
3. Piano Sonata No. 19, D.958 – Menuetto: Allegro
4. Piano Sonata No. 19, D.958 – Allegro
5. Piano Sonata No. 20 In A D.959 – Allegro
6. Piano Sonata No. 20, D.959 – Andantino
7. Piano Sonata No. 20, D.959 – Scherzo: Allegro
8. Piano Sonata No. 20, D.959 – Rondo: Allegretto
CD 2
1. Piano Sonata No. 21, D.960 – Molto Moderato
2. Piano Sonata No. 21, D.960 – Andante Sostenuto
3. Piano Sonata No. 21, D.960 – Scherzo: Allegro
4. Piano Sonata No. 21, D.960 – Allegro Ma Non Troppo
5. Allegretto In C Minor D.915
6. 3 Klavierstucke, D.946 – No. 1 In E Flat Minor – Allegro Assai
7. 3 Klavierstucke, D.946 – No.2 In E Flat – Allegretto
8. 3 Klavierstucke, D.946 – No. 3 In C – Allegro
Até ter acesso a esse CD, eu não conhecia esse arranjo para orquestra de cordas que Mahler fez da obra prima de Schubert, o Quarteto para Cordas “A Morte e a Donzela”. Ainda não tenho uma opinião formada na verdade, precisaria ouvir mais vezes para absorver, tão acostumado que estou com a versão para Quarteto para Cordas. Em se tratando de uma obra dessa envergadura, provavelmente umas das maiores composições já escritas para o gênero, a empreitada é um tanto arriscada.
Ao mesmo tempo, o nome de Mahler, um mestre em se tratando de composições para orquestras de grande porte, lembramos imediatamente de seu magnífico Quarteto para Cordas, e o que dizer do Adagietto de sua Quinta Sinfonia? Obras de rara sensibilidade para um compositor acostumado compor para grandes conjuntos orquestrais, como comentei acima. Em minha humilde opinião, entendo que a interpretação da excelente “Praga Camerata” está um pouco acelerada para o meu gosto, já no primeiro movimento entendo que devia ser mais cadenciado, como podemos ouvir na ótima gravação do “Orlando Quartet”, que postei há pouco tempo. Não sei quais as recomendações de Mahler para o arranjo, e se o maestro foi fiel a essas recomendações. Mas enfim, à parte a estranheza que esses arranjos podem causar em um primeiro momento para aqueles apaixonados pela obra, Schubert está presente, com certeza, com toda a sua carga emotiva e sentimental.
A Sonata “Arpegione’ também mantém-se fiel ao original, porém lhes garanto que a estranheza permanece, mas nada que venha a comprometer o resultado. Afinal, apesar de tudo, é Schubert.
Vale a pena conferir.
01. String Quartet No. 14 in D Minor, D. 810 “Death and the Maiden” (Arr. for String Orchestra by Gustav Mahler): I. Allegro moderato
02. String Quartet No. 14 in D Minor, D. 810 “Death and the Maiden” (Arr. for String Orchestra by Gustav Mahler): II. Andante con moto
03. String Quartet No. 14 in D Minor, D. 810 “Death and the Maiden” (Arr. for String Orchestra by Gustav Mahler): III. Scherzo. Allegro moderato
04. String Quartet No. 14 in D Minor, D. 810 “Death and the Maiden” (Arr. for String Orchestra by Gustav Mahler): IV. Presto
05. Arpeggione Sonata in A Minor, D. 821 (Arr. for Cello and Strings by Michal Kaňka): I. Allegro moderato
06. Arpeggione Sonata in A Minor, D. 821 (Arr. for Cello and Strings by Michal Kaňka): II. Adagio
07. Arpeggione Sonata in A Minor, D. 821 (Arr. for Cello and Strings by Michal Kaňka): III. Allegretto
Esta é uma gravação absolutamente notável do Trio Wanderer, na época desta gravação (ano 2000) um grupo de três jovens franceses que começavam a repetir a competência e o sucesso dos veteranos do Beaux Arts. Outro destaque extraordinário é a qualidade do som do CD áudio original. Pelos intérpretes e pela qualidade da música, vale o investimento. Além de gênio absoluto, poucos compositores deixam os musicólogos mais felizes. Sua obra é a maior confusão. Schubert deixou uma montanha de manuscritos incompletos por razões ignoradas. Começava trabalhos e deixava-os pela metade; finalizava trabalhos e não apresentava em publicava. Por exemplo, a Sinfonia Nº 8 é a Inacabada, mas a Nº 9 está completa. Nestes belíssimos trios, há o detalhe de Schubert ter escrito primeiro o Nº 2 e depois o Nº 1; além disto, há dois movimentos avulsos que fariam parte de futuros trios nunca compostos. Um deles, o Noturno que está no primeiro CD, é música de primeiríssima linha que devia estar esperando companhia musical adequada… A interpretação do Wanderer é antológica, com destaque para o famoso Andante con Moto do Trio Nº 2. E para todo o resto…
A não perder!
Franz Schubert (1797-1828): Os Trios Completos (Trio Wanderer)
Piano Trio No. 1 Op. 99 D.898 In B Flat Major
1-1 Allegro Moderato 15:02
1-2 Andante Un Poco Mosso 9:47
1-3 Scherzo (Allegro) 6:36
1-4 Rondo (Allegro Vivace) 8:57
1-5 Notturno In E Flat Major D.897 8:53
Piano Trio No. 2 Op. 100 D.929 In E Flat Major
2-1 Allegro 12:14
2-2 Andante Con Moto 9:42
2-3 Scherzando (Allegro Moderato) 6:44
2-4 Allegro Moderato 13:20
2-5 Sonatensatz In B Flat Major D.28 (Allegro) 7:22
Trio Wanderer:
Cello – Raphaël Pidoux
Piano – Vincent Coq
Violin – Jean-Marc Phillips-Varjabédian
Uma coisa pode-se dizer de Schubert: era um bom amigo! Cultivou amizades com poetas, pintores, músicos. As Schubertiades, reuniões onde música e poesia embalavam o alegre convívio desses amigos eram importantes momentos na vida do músico, onde apresentava suas mais novas obras.
Nos fins de 1816 Schubert desistiu de se tornar professor como seu pai e foi morar em outra parte de Viena com seu amigo poeta Franz von Schober. Foi esse amigo que provocou o encontro do compositor com o barítono Johann Michael Vogl, em 1817. Schubert admirava o cantor desde 1813, mas sua notória timidez o impedira de uma aproximação. Schober pressentiu que o interesse do cantor, no fim de sua carreira, pelas lindas canções de Schubert seria de ótimo proveito para ambos. Além disso frutificou uma grande amizade, apesar da diferença de idade. Vogl era 30 anos mais velho do que Schubert e ainda assim viveu mais 12 anos após a morte do amigo. Vogl certamente contribuiu para uma maior divulgação das canções de Schubert e um ano antes de morrer fez uma última apresentação do grande ciclo de canções, o Winterreise.
Mas a história da principal peça deste disco começa com uma viagem de férias na qual Vogl foi passear em sua cidade natal, Steyr, onde morava um mecenas da música e ótimo violoncelista amador, Sylvester Paumgartner. Vogl levou Schubert com ele, garantido a melhor música que poderia ter…
Paumgartner adorava as canções de Schubert e gostava em particular da canção sobre a truta que acaba sendo fisgada. Daí para o pedido de uma peça de câmara com o tema da canção foi um pulo – que tal os instrumentos do quinteto do bom Hummel, que além do piano tinha violino, viola, violoncelo e contrabaixo? Schubert iniciou a composição do quinteto que terminou no outono, quando já estava de volta em Viena. O lindo quinteto foi despachado para Paumgartner assim que ficou pronto e revelou toda a alegria e contentamento dos dias passados em Steyr.
Há muitas gravações desse quinteto, peça que atrai tanto pianistas como grupos de câmara, quartetos de cordas, que precisam convidar um amigo contrabaixista, variando um pouquinho a formação. Algumas gravações notórias: Clifford Curzon e membros do Octeto de Viena, Emil Gilels, membros do Quarteto Amadeus, Rudolf Serkin e amigos, membros do Alban Berg Quartet, Elisabeth Leonskaja e Georg Hortnagel, membros do Hagen Quartet, András Schiff e Alois Posch. Eu gosto muito do disco com o Domus Quartet, gravado quando o grupo estava em seus primeiros anos, acompanhados por Chi-chi Nwanoku, com a produção impecável de Andrew Keener. Um dos pianistas expert em Schubert, Alfred Brendel, fez duas gravações para a Philips. A gravação que escolhi para a postagem também traz um pianista que tem feito maravilhosas gravações de música de Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert e foi aluno de Brendel – Paul Lewis.
Aqui ele é acompanhado do Trio Leopold e de Graham Mitchel, numa ótima produção da Hyperion…
Following their splendid collaboration in the Mozart quartets… Paul Lewis and the Leopold Trio (with Graham Mitchell) are equally impressive in the Trout. High spirits and poetry are given equal attention… Each ‘Trout’ variation is strongly characterised – if the theme seems a little lethargic, the first three variations, each more animated than the last, put this into perspective. – Gramophone – May 2006
‘The Trout is played with sweetness and lyricism … the Leopold and friends allow very few clouds in this sunniest of pieces … it makes for thoroughly enjoyable listening’ (American Record Guide)
J’adore a música de Schubert! Mestre absoluto da melodia, compositor de enorme fluência e verve. A retórica de Schubert é da persistência e repetições que se recolocam com pequenas alterações entre tantas outras coisas. Mas, como perigosamente me aproximo das especulações, vamos ao disco.
A música orquestral de Schubert é pequena se colocarmos em proporção ao resto de sua obra, mas isso reflete as reais possibilidades de execução no momento da criação. As suas cinco primeiras sinfonias, compostas entre 1813 e 1816, foram criadas para apresentações por orquestras amadoras.
A Sinfonia No. 1 foi apresentada pela orquestra formada por seus colegas de escola. As outras quatro sinfonias foram sendo apresentadas pela orquestra que surgiu dos encontros de músicos na casa de seus pais, cresceu e seu desenvolveu tornando-se uma ótima orquestra amadora. Essas sinfonias de juventude refletem o interesse e a admiração que Schubert tinha pelo compositores importantes de seu tempo, como Haydn e Beethoven, por quem tinha uma enorme admiração. Mas, a Sinfonia desse disco foi inspirada em uma obra de outro compositor por quem ele tinha grande admiração, a Sinfonia No. 40 de Mozart. Eu tenho especial admiração pelas duas sinfonias, a de Mozart e a de Schubert. Até na escolha dos instrumentos ele seguiu o mestre e criou uma peça com um maravilhoso Andante con moto, que aqui se estende por bons dez minutos e é antecipado por um radiante Allegro. Toda obra, com certeza daria muito prazer a Wolfie. Uma sinfonia com ares vienenses, com leveza, elegância e espirituosidade, muito bem realçadas por essa gravação, com a Orquestra da Rádio Alemã em Köln, regida pelo venerando Günter Wand. E olha que a gravação foi feita há já mais do que 40 anos.
Para completar o programa temos a música composta para o drama ‘Rosamunde’, escrita por Helmina von Chézy, que também escreveu o libreto de ‘Euryanthe’, musicado por Carl Maria von Weber. A peça teatral estreou em 20 de dezembro de 1823, foi apresentada mais uma vez e tornou-se um retumbante fracasso. Mas, temos a música cujo tema foi usado novamente por Schubert em um quarteto de cordas composto no ano seguinte e herdou o nome da peça: Rosamunde.
Ah, quase ia me esquecendo! O tema da Rosamunde foi mais uma vez usado em um dos Impromptus. Veja a faixa bônus.
Franz Schubert (1797 – 1828)
Symphony No. 5 in B flat major, D485
Allegro
Andante con moto
Menuetto. Allegro molto – Trio
Allegro vivace
Incidental music to Rosamunde, D797
Entr’acte No. III in B-Flat Major
Ballet Music No. 1
Ballet Music No. 2
WDR Sinfonieorchester Köln
Günter Wand
Faixa Bônus
Impromptu em si bemol maior, Op. 142, 3 ‘Rosamunde’
Esse disco faz parte da coleção com todas as sinfonias de Schubert gravadas por Günter Wand regendo a orquestra da Rádio Alemã em Colônia, mas acho que esse disco pode (e talvez deva) ser apreciado assim, devagar e isolado de seus irmão, especialmente os que trazem as enormes sinfonias…
Imagine ser um pianista virtuose no período no qual reinavam nomes como Gilels, Horowitz, Rubinstein, Richter. O pelotão de frente era espetacular, estelar… Pois isso foi o que viveu profissionalmente Byron Janis, que faleceu há alguns dias, em 14 de março de 2024, pouco antes de completar 96 anos.
Viver 96 anos é um feito reservado a poucos, ainda mais se pensarmos que esses anos decorreram entre 1928 e 2024, podemos imaginar quantas mudanças ele testemunhou.
Nascido na Pensilvânia, estreou como pianista aos 15 anos com a orquestra do maestro Toscanini e aos 18 anos tornou-se o mais novo aluno de Horowitz. Também nessa idade tornou-se o mais novo pianista a ser contratado pela RCA Victor.
Em 1960 foi o primeiro artista americano a participar de um pioneiro Intercâmbio Cultural entre os Estados Unidos e a então União Soviética.
A partir dos anos 1970 passou a sofrer de um tipo de artrite que lhe causava muitas dores, mesmo assim prosseguiu na carreira e essa condição só se tornou pública em 1985, quando deu um concerto na Casa Branca, na era Reagan. Desde então passou a ser o porta voz da Arthritis Foundation e também seu Embaixador para as Artes.
Eu conhecia suas gravações dos enormes concertos para piano, como os ultra-românticos Rach #2 e #3 e o espetacular Prkfv #3, originalmente gravados pelo selo Mercury, mas para essa postagem escolhi algumas gravações mais antigas, talvez menos conhecidas, mas de maneira alguma desinteressantes.
As Sonatas para piano de Beethoven estão supimpas e há de bônus um impromptu de Schubert que está delicioso.
Para representar sua arte como pianista com orquestra escolhi um disco com o primeiro concerto de Rachmaninov, que esbanja juventude e impetuosidade, acompanhado da Burleske, de Strauss, uma peça intrigante e aqui muito bem apresentada. Para garantir que tudo fosse nos trinques, essas peças veem acompanhadas pela Orquestra Sinfônica de Chicago regida pelo seu tiranossauro mor, Fritz Reiner!
Ludwig van Beethoven (1770 – 1828 )
Piano Sonata No. 17 in D minor, Op. 31 No. 2 ‘Tempest’
In 1967, Janis accidentally discovered two previously unknown manuscripts of Chopin waltzes in France and later found two others while teaching at Yale University.
“In spite of adverse physical challenges throughout his career, he overcame them, and it did not diminish his artistry,” Maria Cooper Janis, 86, wrote. “Music is Byron’s soul, not a ticket to stardom, and his passion for and love of creating music informed every day of his life of 95 years.
É domingo e há uma clara ameaça de tempestade. São as águas de março…
Ultimamente tenho ouvido música no meu estúdio onde passo a maior parte de meu tempo produtivo. O computador está conectado a um DAC (digital audio converter) que por sua vez está conectado ao amplificador, um receiver Yamaha, provavelmente fabricado na China. O Yamaha já passou por uma intervenção eletrônica, possivelmente resultado de oxidação (zinabre para todos os lados), morar perto da praia tem seus custos. Ele está ligado a um par de caixas de som Bose, do tipo shelf, e mais nada, no subwoofer.
Isso é tudo que preciso para ouvir esse maravilhoso disco, Schubert, Schwanengesang.
Eu tenho uma certa birra com esse título, o Canto do Cisne, faça-me o favor. A despeito de minhas restrições pessoais, o título foi aposto numa coleção de canções, reunidas para a publicação pelo editor Tobias Haslinger, em 1829, depois da morte de Schubert. Claro que ele tinha em vista o sucesso dos dois ciclos de canções, Die schöne Müllerin (1824) e Winterreise (1828), publicados anteriormente. A diferença está no fato que os dois primeiros ciclos são sobre poemas do mesmo poeta, Wilhelm Müller, escritos como um ciclo de poemas. No caso de Schwanengesang temos 14 canções escritas no fim da vida de Schubert sobre poemas de três diferentes poetas, não tratam de um único tema, nem tem uma sequência narrativa, como os ciclos anteriores. Apesar disso, o conjunto funciona maravilhosamente como um programa de um recital, no qual a densidade e a profundidade de algumas canções, especialmente aquelas com letra de Heinrich Heine, faz contraponto com as canções mais leves e brilhantes, algumas com letras de Ludwig Rellstab e aquela de Johann Gabriel Seidl, que como poeta não parece ter a mesma dimensão que Heine. Aliás, Heine (1797 – 1856) foi contemporâneo de Schubert (1797 – 1828), sendo que este teve vida mais breve. Os poemas de Heine também inspiraram outras compositores de Lied, especialmente Schumann, mas isso é outra postagem.
Os sete poemas de Rellstab, que se tornaram as sete primeiras canções do Schwanengesang, foram enviadas para serem musicadas por Beethoven, mas acabaram nas mãos de Schubert, encaminhadas pelo assistente-secretário-biógrafo-faz-tudo Anton Schindler. Não consigo deixar de pensar nas palavras ‘lista de Schindler’.
As gravações do ciclo são inúmeras, parece haver mais cantores de Lieder do que apreciadores. Na era dos CDs passou-se a acrescentar mais algumas canções ao disco, para engordar o tempo, mas antes disso, os LPs costumavam trazer apenas as tais 14 canções, assim como neste disco, pós CDs. Eu ouvi centenas de vezes um LP da gravadora de selo amarelo com o barítono Hermann Prey, que foi para Dietrich Fischer-Dieskau o equivalente ao que Roger Moore foi para Sean Connery, se é que você me permite essa liberdade… Desde então, não me canso de ouvir essas canções.
Mas chega de lero, vamos aos disco, que é maravilhoso. Não se deixe irritar pela capa, compare com aquela do disco do HP e verá como o departamento de arte da DG tem evoluído. O que conta é o conteúdo do pacote.
A voz do Andrè Schuen é espetacular, muito bonita mesmo e ele está em excelente sintonia com o pianista que o acompanha já há um bom tempo, Daniel Heide.
Segue trechos da crítica que pode ser lida na íntegra aqui , na tradução feita com a ajuda do Chat PQP: […] O barítono ítalo-tirolês Andrè Schuen é uma figura cada vez mais destacada no mundo do Lieder.Schwanengesang não desperta sua forte imaginação interpretativa e não deveria.As tentativas de impor uma linha direta a este ciclo têm sido desastrosamente redutoras.Em vez disso, aprecia-se a voz de barítono fresca e lindamente contornada de Schuen, plena de controle de respiração que lhe permite navegar em longas linhas vocais com um senso iluminador de direção musical de longo prazo, além de uma articulação reveladora do texto.[…] Da mesma forma, o pianista Daniel Heide leva em consideração a imagem completa de qualquer canção […]
Trecho do site da DG: Schubert’s enigmatic final collection of songs, Schwanengesang, is the subject of baritone Andrè Schuen and his longstanding accompanist Daniel Heide’s second release for DG. Baritone Andrè Schuen calls Schwanengesang “my greatest love among the Schubert lieder. Especially the Heine settings; they move me the most!” His admiration for the cycle dates back to a time before he had even become a professional singer: “It’s one of the first lied compositions I got to know. I remember a recording with Dietrich Fischer-Dieskau that I played over and over again.”
Escolha seu 007 preferido…
Da série ‘fortune cookie’: As comparações são odiosas!
Schubert, com certeza, jamais foi negligenciado por Alfred Brendel. Mas suas sonatas para piano, com algumas exceções, foram e são. No ensaio de Brendel de 2015, A Lifetime of Recordings, ficamos sabendo com incredulidade que Otto Erich Deutsch, que catalogou a obra de Schubert, ouviu pela primeira vez a Sonata D. 958 — hoje considerada a primeira parte de uma trilogia de despedida — quando o próprio Brendel a tocou em Viena na década de 1960. Diz-se que Rachmaninoff nem sabia que existiam sonatas para piano de Schubert. Embora eu seja um habitué de recitais de piano, nunca ouvi uma Sonata de Schubert ao vivo. Como sublinha Brendel, a descoberta tardia destas obras é em função da sua originalidade desconcertante: comparadas com as sonatas clássicas de Haydn, Mozart e Beethoven, ou com as sonatas românticas de Chopin, Schumann e Brahms, elas são inclassificáveis. Charles Rosen (outro notável pianista-autor) joga a toalha em seu deslumbrante The Classical Style, cujo penúltimo parágrafo conclui que Schubert “se destaca como um exemplo da resistência às generalizações”. Um dos projetos indispensáveis de Brendel tem sido o de promover as Sonatas para piano de Schubert. Ele gravou e regravou essas obras. E o fez da forma mais sublime que se possa imaginar.
E o que dizer da Wanderer? Que obra espetacular! A Fantasia Wanderer é uma obra para piano em quatro movimentos composta por em novembro de 1822. Esta fantasia é considerada como a composição de Schubert para piano mais exigente tecnicamente, e uma das poucas a exigir virtuosismo. Schubert disse mesmo Das Zeug soll der Teufel spielen (O diabo devia tocar isto), fazendo referência à sua própria incapacidade de executá-la.
Franz Schubert (1797-1828): Sonata D. 960 / Fantasia Wanderer D. 760 (Brendel)
Sonata In B Flat Major, D. 960
1 1. Molto Moderato 14:38
2 2. Andante Sostenuto 8:54
3 3. Scherzo (Allegro Vivace Con Delicatezza) 3:57
4 4. Allegro, Ma Non Troppo 8:30
5 Fantasia In C Major, Op. 15 D. 760 “Wanderer Fantasy” 21:04
Gravação muito interessante, combinando a Sonata “Arpeggione” de Schubert tocada no instrumento que lhe deu o nome, e uma poderosa interpretação do Quinteto para cordas D. 956, aquele com dois violoncelos.
O arpeggione, para quem não sabe, é um instrumento de cordas com o feitio e as seis cordas de cordas de um violão, mas tocado com o arco à maneira de um violoncelo. Ele teve uma breve voga no começo do século XIX, e a única peça que sobreviveu de seu repertório é a Sonata em Lá maior de Schubert, publicada quase cinquenta anos depois de sua morte, quando o arpeggione já era quase só encontrado em museus, e a Sonata, propriedade de violistas e violoncelistas do mundo.
O violoncelista Nicolas Deletaille, que é acompanhado na Sonata pelo incansável Paul Badura-Skoda, dedica-se a reviver o arpeggione e ampliar seu repertório, tanto através de transcrições quanto por obras originais comissionadas de compositores contemporâneos. No encarte, ele expõe detalhadamente a história do instrumento e suas peculiaridades, entre as quais a notórias dificuldades de articulação, ilustradas pelas várias “escorregadas” que Deletaille dá nesta gravação que, apesar delas, é muito boa.
Quando ele, entretanto, deixa o arpeggione e une seu violoncelo ao Quarteto Rosamunde, o resultado é uma interpretação inesquecível do Quinteto D. 956 de Schubert, sua última obra de câmara.
Vassily Genrikhovich
Grande disco, grande disco! Talvez a dupla Deletaille e Badura-Skoda façam uma Arpeggione apenas boa, mas o Rosamonde garante uma linda interpretação do esplêndido Quinteto 956 de Schubert. Este poderoso quinteto — que tem o mais delicado dos Adágios (o qual também possui um trecho vigoroso) — é uma das peças preferidas deste humilde escriba que vos serve. Preparem-se porque é chumbo grosso e do bom (ui!).
Neste disco temos um dos melhores resumos de Schubert. Na Arpeggione, o estupendo melodista; no Quinteto, o criador de estruturas. Enquanto a primeira é ouvida no sentido horizontal, a outra é ouvida verticalmente.
Franz Schubert (1797-1828): Sonata para Arpeggione e Piano D. 821 / Quinteto de Cordas D. 956 (Deletaille, Badura-Skoda, Quatuor Rosamonde)
1. Sonata for Arpeggione and Pianoforte In A Minor, D. 821: I. Allegro moderato 11:33
2. Sonata for Arpeggione and Pianoforte In A Minor, D. 821: II. Adagio 3:27
3. Sonata for Arpeggione and Pianoforte In A Minor, D. 821: III. Allegretto 9:05
Nicolas Deletaille, arpeggione
Paul Badura-Skoda, pianoforte
4. String Quintet In C Major, D. 956: I. Allegro ma non troppo 20:02
5. String Quintet In C Major, D. 956: II. Adagio 13:35
6. String Quintet In C Major, D. 956: III. Scherzo: presto – Trio: andante sostenuto – Scherzo: presto 10:04
7. String Quintet In C Major, D. 956: IV. Allegretto 9:17
Quatuor Rosamonde + Nicolas Deletaille, violoncelo
Gostei muito. As gravações são todas ao vivo, tomadas na Tonhalle de Zurique, com aplausos. Trata-se de uma coleção dos ‘bis depois de Beethoven’ que András Schiff deu durante seu ciclo das 32 sonatas do mestre entre 2004 e 2006. Com 52 minutos, equivalem a um banquete dos finais clássicos dos recitais do pianista – de Bach, Haydn e Mozart, passando por Beethoven até Schubert. Se você pensa nos bis como coisas leves, bem, eles podem ser ou não ser. Esses compositores escreveram muitas peças características que são menos ambiciosas do que as grandes sonatas, mas que não devem ser descartadas como miniaturas. Composições mais curtas, sim, mas com longas reflexões por trás delas.
O que tocar depois de uma noite de, digamos, cinco sonatas de Beethoven? Nada, afirmariam muitos pianistas. E Schiff está de acordo com aqueles que, depois da última Sonata de todas (a famosa Op. 111), considerariam a adição de qualquer coisa que não fosse o silêncio como um terrível erro. No entanto, ele nos chega com uma atitude do tipo “por que não?, não há razão para negar a um público entusiasmado um pouco mais de música, desde que estejam relacionadas com as sonatas ouvidas anteriormente”. Os bis variam em extensão e escopo, desde a pequena Giga em Sol maior de Mozart, K. 574 (1’42” e bem traiçoeira), até a Sonata em Sol menor de dois movimentos de Haydn (nº 44 em Hob.) que chamou a atenção de vários grandes pianistas, como Sviatoslav Richter. E ainda temos Bach! Uma joia de CD!
J. S. Bach / Beethoven / Haydn / Mozart / Schubert: Encores After Beethoven (Bis depois de Beethoven) (András Schiff)
Three Piano Pieces D 946 (Franz Schubert)
1 No. 1 e- Flat minor. Allegro assai 07:26
2 Allegretto c minor D 915 (Franz Schubert) 04:59
3 Eine kleine Gigue in G Major KV 574 (Wolfgang Amadeus Mozart) 01:42
Sonata g minor Hob XVI :44 (Joseph Haydn)
4 Moderato 09:33
5 Allegretto 04:04
6 Hungarian Melody in b minor D 817 (Franz Schubert) 03:59
7 Andante favori F major WoO 57. Andante grazioso con moto (Ludwig van Beethoven) 08:41
Partita No. 1 B-flat Major BWV 825 (Johann Sebastian Bach)
8 Menuet I & II 02:32
9 Gigue 02:33
Prelude and Fugue b-flat minor BWV 867 (Johann Sebastian Bach)
10 Prelude 02:30
11 Fugue 03:27
Nesta postagem reuni uma coleção de Lieder de Schubert, o ciclo Dichterliebe de Schumann e duas canções do Des Knaben Wunderhorn de Mahler, interpretados pelo (ainda) jovem barítono alemão Samuel Hasselhorn. Veja também [1] e [2] e [3].
Essas canções foram escolhidas de três álbuns gravados entre 2014 e 2018. As canções de Schubert vêm do disco de 2014, Nachtblicke, no qual além de Schubert há canções de Hans Pfitzner e Aribert Reimann.
O ciclo de Schumann vem do álbum de 2018, Dichterliebe2, no qual o já mencionado ciclo é precedido de canções sobre os mesmos exatos poemas musicados por outros compositores, o que dá conta para o símbolo matemático usado no título (eu teria preferido 2 x Dichterliebe, mas…).
As duas canções de Mahler e a segunda gravação do Erlkonig vêm do álbum que reúne todas as apresentações de Samuel no Queen Elisabeth Competition, 2018. Desde 2020 Hasselhorn tem gravado para o selo harmonia mundi, que considera o quinquênio 2023 – 2028 parte das homenagens que devem ser prestadas pelos 200 anos desde a morte de Franz Schubert. Assim, em breve teremos mais postagens com o cantor, que já tem neste novo selo pelo menos três álbuns.
Franz Schubert (1797 – 1828)
Lieder
Schwanengesang, D. 957 No. 8: Der Atlas
Schwanengesang, D. 957 No. 7. Abschied
Schwanengesang, D. 957 No. 9. Ihr Bild
Erlkonig, Op. 1, D. 328
Erlkonig, Op. 1, D. 328 (Live)
Am Tage aller Seelen, D. 343, ”Litanei auf das Fest aller Seelen”
Following his First Prize triumph at the 2018 Queen Elisabeth Competition, Samuel Hasselhorn has quickly established himself internationally as a versatile artist who is equally at home in the genres of opera, Lied, and oratorio.
As an internationally sought-after and esteemed Lied interpreter, Samuel Hasselhorn regularly collaborates with renowned pianists such as Helmut Deutsch, Malcolm Martineau, Ammiel Bushakevitz, Julien Libeer, Philippe Cassard and Joseph Middleton.
Samuel Hasselhorn is a prizewinner of numerous competitions and studied at the Hannover University of Music, Drama and Media with Prof. Marina Sandel and at the Conservatoire National Supérieur de la Musique et de Danse de Paris with Malcolm Walker. He received further musical impulses in master classes with Kiri Te Kanawa, Kevin Murphy, Thomas Quasthoff, Helen Donath, Annette Dasch, Susan Manoff, Jan-Philip Schulze, Anne Le Bozec and Martin Brauß.
No dia 12 de maio de 1955 três pessoas se reuniram no Sala 3 da Abbey Road Studios (naqueles dias era EMI Studio 3), o menor dos espaços do famosíssimo estúdio de gravações londrino, ideal para música de câmera e recitais. Eles gravaram sete canções (Lieder) naquele dia, algumas delas estão na antologia dessa postagem. O cantor Dietrich Fischer-Dieskau estava no seu primor, aos 30 anos; o pianista Gerald Moore já era referência na arte de acompanhamento (sua autobiografia intitula-se ‘Am I too loud?’); o terceiro personagem era o produtor musical Walter Legge, que amava música e especialmente Lieder. Essa dedicação a este gênero musical me encanta e espero que chegue também a tocar você.
DFD e Gerald Moore formam uma dupla espetacular quando o repertório é Lieder e eles gravaram uma imensidade, algumas coisas mais do que uma vez. Em 1955 gravaram canções e o ciclo Winterreise, de Schubert, para a EMI, que depois gravariam novamente para a Deutsche Grammophon.
Esta antologia reúne 30 canções que estão espalhadas em três LPs de quatro gravados para a EMI entre 1955 e 1959. Selecionei essas canções dos LPs nos quais DFD é acompanhado por Gerald Moore. No disco de número três o acompanhante é o menos conhecido, mas muito competente Karl Engel e o repertório formado de algumas canções mais longas.
As canções que escolhi são exemplares da arte de Schubert, muito representativas. O som não é espetacular, mas a beleza da voz e o entrosamento do cantor e seu acompanhante de longe compensam qualquer restrição que você possa fazer.
Se você tem alguma familiaridade com esse repertório, reconhecerá cada uma das canções. Caso contrário você terá um porto seguro para iniciar suas futuras navegações. Espero que a postagem motive maiores explorações nesse repertório e você verá que essas figurinhas carimbadas reaparecerão muitas vezes nos discos e nos programas dos artistas desse gênero.
Quanto a música, deixe-me dizer que não falo alemão, mas isso nunca foi um impedimento para apreciar os Lieder e como ouço essas canções há bastante tempo, mesmo eu acabei aprendendo algumas coisas. Ou seja, aprecio a musicalidade que elas exalam, a maneira como a voz expressa os sentimentos e como se combina com o som do piano, criando um argumento musical, um universo sonoro que narra as histórias, mesmo que você não as perceba literalmente. De qualquer forma, aqui vão algumas dicas…
Alguns temas são recorrentes, como vaguear (Wanderer), água (Wasser, Meer), noite (Nacht), primavera (Frühling). Há um bocado de sofrência (dois ciclos são impregnados disso) e algumas imagens perpassam muitas canções. A noite é sempre profunda (tiefer Nacht), o protagonista está sempre em busca de paz (ruh) ou felicidade (Glück). O céu tem a Lua (Mond) e estrelas (Sterne).
Há canções onde a letra é formada por estrofes e a música vai se repetindo de novo e de novo e formam uma boa parte delas. Veja alguns nomes: Der Wanderer na den Mond, Der Wanderer, Der Einsame (O Solitário), Fruhlingssehnsucht, Fruhlingsglaube, Im Frühling, Im Abendrot, Die Sterne.
Há na coleção duas canções com nomes de mulheres: An Sylvia e Alinde. ‘Para Silvia’ tem por letra uma tradução para o alemão de um texto de Shakespeare, Who is Sylvia, da peça Dois Cavalheiros de Verona.
Muitas canções da antologia foram compostas no fim da (curta) vida de Schubert, como indicam os altos números do catálogo D (Deutsch), mas ele era um mestre completo na arte da canção mesmo quando muito novo, como nos atestam o inquieto Rastlose Liebe D. 138 e Nahe des Geliebten D. 162, ambos com poesia de Goethe.
Temos também oito canções do Schwanengesang, um conjunto de canções que foi publicado como um ciclo logo após a morte de Schubert, com canções sobre letras de diferentes poetas. Entre elas as belíssimas Die Taubenpost, Standchen e Abschied, que resolvi deixar no fim da fila.
Há duas baladas – canções cuja letra narra uma história ou um fragmento de história, com estilo folclórico, fantasmagórica ou com tema medieval. São elas Der Zwerg e Erlkönig, que tem letra de Goethe. Essas canções são verdadeiras provas de fogo para os intérpretes, que têm pouco tempo para dar o recado, inclusive fazendo diversos personages – o narrador, o anão, a rainha, o cavaleiro, a criança e o Rei dos Elfos… Não menos dramáticas são Der Kreuzzug, Kriegers Ahnung e Heimweh. Deixo com você a tarefa de decifrá-las.
E tem ainda a música, a maravilhosa música que era amadrinhada com Schubert e que a arte de pessoas como Dietrich Fischer-Dieskau (100 anos em 2025) e Gerald Moore nos revelam, em uma linda cançãozinha, An die Musik, uma ode à música…
Franz Schubert (1797 – 1828)
Der Wanderer an den Mond D870 (Johann Gabriel Seidl)
Der Einsame, D800 (Karl Lappe)
Nachtviolen, D752 (Johann Mayrhofer)
Frühlingssehnsucht – Schwanengesang, D. 957: No. 3 (Ludwig Rellstab)
Geheimes, D. 719 (Johann Wolfgang von Goethe)
Rastlose Liebe, D138 (Johann Wolfgang von Goethe)
Liebesbotschaft – Schwanengesang, D. 957: No. 1 (Ludwig Rellstab)
Im Abendrot, D799 (Joseph von Eichendorff)
Die Sterne, D939 (Karl Gottfried von Leitner)
An die Musik D547 (Franz von Schober)
Wehmut, D. 772 (Matthäus Casimir von Collin)
Kriegers Ahnung – Schwanengesang, D. 957: No. 2 (Ludwig Rellstab)
Der Kreuzzug, D932 (Karl Gottfried von Leitner)
Totengräbers Heimweh, D842 (Jacob Nicolaus Craigher de Jachelutta)
Der Zwerg, D. 771 (Matthäus Casimir von Collin)
Der Wanderer, D. 489 (Georg Lübeck)
Frühlingsglaube, D. 686 (Johann Ludwig Uhland)
Die Taubenpost – Schwanengesang, D. 957: No. 14 (Johann Gabriel Seidl)
An Sylvia, D. 891 (Eduard von Bauernfeld, de William Shakespeare)
A primeira canção, que conta a história do Wanderer e da Lua é linda, remete à poesia chinesa do Li Po. Na terceira, a voz do DFD é reduzida a quase um fiapo, mas vai em frente… siga a deixa e ouça as outras.
Herbert Blomstedt realizou esta gravação aos 94 anos a fim de comemorar seus 95 anos. E é a melhor gravação para este repertório de todos os tempos da última semana. Estou brincando mas nem tanto. O que ouvi foi um registro extremamente cuidadoso, moderno, respeitoso e original. Blomstedt valorizou ao extremo as melodias de Schubert e, vocês sabem, Schubert era um gênio para inventar melodias. A delicadeza da abordagem favorece intensamente o compositor. Li que Blomstedt observa meticulosamente as marcações nas últimas edições, corrigindo erros em partituras do século XIX que se tornaram tradição. Curiosamente, na Inacabada, Blomstedt parece vê-la como um todo de dois movimentos, o Andante levando a obra a uma conclusão serena. Na Grande, não lembro de ter ouvido gravação melhor. A Oitava e a Nona de Blomstedt, tem a sabedoria, a experiência e o afeto acumulados durante uma vida inteira. CD obrigatório!
Franz Schubert (1797-1828) Sinfonia Nº 8 (Inacabada) e Nº 9 (A Grande) (Blomstedt)
Sinfonia nº 8 em si menor, D. 759 “Inacabada”
1.1 I. Allegro moderado 14:48
1.2 II. Andante com moto 11:06
Sinfonia nº 9 em dó maior, D. 944 “A Grande”
2.1 I. Andante. Allegro Ma Non Troppo 15:20
2.2 II. Andante com moto 14:37
2.3 III. Scherzo. Allegro Vivace 15:10
2.4 4. Allegro Vivace 16:22
Relembrando algumas antigas postagens, encontrei uma lá de 2019, com estas mesmas obras de Schubert, nas mãos mais que competentes de András Schiff. Mas o velho mestre optou em gravá-las em um pianoforte, instrumento com o qual vem gravando seus últimos discos.
A conversa aqui é outra e os tempos idem. Precisamos retroceder quase quarenta anos no tempo, quando éramos jovens e ambiciosos, e planejávamos um futuro brilhante para nós. Este que vos escreve já estava entrando em sua maioridade legal, 18 anos, e morando em uma pequena cidade do interior do país, nem imaginava o que poderia vir pela frente. Mas a paixão pela música já existia, e apesar das dificuldades de acesso a bons discos, principalmente devido a falta de dinheiro, ainda vivendo sob as asas dos pais, cada centavo que conseguia guardar era gasto em discos, o que deixava os pais irritados, mas orgulhosos, de certa forma: poderia estar gastando com drogas ou álcool, mas ia até a capital pelo menos uma vez por mês para comprar adquirir os bons e velhos LPs.
Enfim, em certa ocasião então lhe caiu em mãos uma fita cassete, isso mesmo, onde o pianista Murray Perahia interpretava os belíssimos “Impromptus” de Franz Schubert. Na primeira vez em que colocou a fita para tocar no velho 3×1 a mãe veio até o quarto querendo saber que maravilha de música era aquela. Expliquei para ela que era Schubert, mas também muito mais que isso não sabia. As informações que vinham, quando vinham, nos encartes dos LPs e fitas cassetes eram escassas. Fui então até a Biblioteca Municipal pesquisar na famosa Enciclopédia Barsa (caraca, deve ter gente que nem imagina o que seja isso), e lá encontrei o verbete Franz Schubert. Fiz as anotações necessárias, e voltei para casa e contei para minha mãe quem era o compositor, em que época ele havia vivido, quando morreu, etc. (puxa, morreu tão jovem mas fez uma música tão bonita e profunda!!!).
É neste adjetivo que pretendo focar o resto de minha digressão aqui. Bela e profunda são dois adjetivos por demais simples para definirmos tais obras. Estes ‘improvisos’ schubertianos sempre me deixaram maravilhado, por mais que os ouça. Eles nos deixam mais introspectivos e concentrados. E curioso que mesmo sem saber do que se tratava, foi a primeira sensação que tive, assim como minha mãe. Depois de tanto tempo, ouvindo novamente essa gravação de Murray Perahia, fico feliz ao reconhecer que ela envelheceu muito bem. O romântico Perahia mergulha fundo na obra, e nos apresenta uma interpretação segura, madura, com paixão porém sem excessos.
Mas vou deixá-los degustar esse belíssimo disco, um de meus favoritos, daqueles eu levaria para uma praia deserta.
Impromptus, Op. 90 / D 899 (1827)
No. 1 in C minor. Allegro molto moderato
No. 2 in E flat major. Allegro
No. 3 in G flat major. Andante
No. 4 in A flat major. Allegretto
Impromptus, Op. 142 / D 935 (1827)
No. 1 in F minor. Allegro moderato
No. 2 in A flat major. Allegretto
No. 3 in B flat major. Andante
No. 4 in F minor. Allegro scherzando
Mais um disco — agora duplo — com este repertório de que tanto gosto. Este lançamento de 2023 me pareceu muito satisfatório e não é nem pelo pianoforte e pelo violino sem vibrato e essas coisas técnicas, mas pela interpretação altamente cantante, perfeitamente schubertiana. Ouvi e fiquei feliz e isto não é pouca coisa em minha vida. Bem jovem, entre março de 1816 a agosto de 1817, Franz Schubert compôs quatro sonatas para violino. Todos as quatro foram publicadas após a morte do compositor: as três primeiras — D. 384, 385 e 408 –, como Sonatinas em 1836 (Op. posth. 137), e a última –, D. 574 –, como Duo em 1851 (Op. posth. 162). Schubert compôs ainda duas peças para violino e piano, respectivamente em outubro de 1826 e dezembro de 1827: um Rondo, D. 895 , publicado durante a vida do compositor (Op. 70), e uma Fantasia, D. 934, estreada em janeiro de 1828, menos de um ano antes da morte do compositor. As sonatas de 1816–1817 respiram uma atmosfera intimista, não exigindo grande virtuosismo de seus intérpretes, enquanto as peças de 1826–1827, compostas para o violinista Josef Slavík, são mais exigentes e possuem um caráter mais extrovertido. Schubert era um violinista talentoso e já havia composto extensivamente para violino, incluindo mais de uma dúzia de quartetos de cordas quando começou a escrever sonatas para violino aos 19 anos.
Franz Schubert (1797-1828): Obras Completas para Violino e Piano (Kubizek, Berner)
CD 1
Sonata for Violin and Piano in D Major, D 384 (1816)
1. Allegro molto 04:27
2. Andante 04:00
3. Allegro vivace 04:18
Sonata for Violin and Piano in A Minor, D 385 (1816)
4. Allegro moderato 06:29
5. Andante 06:13
6. Menuetto. Allegro 02:09
7. Allegro 04:45
Sonata for Violin and Piano in G Minor, D 408 (1816)
8. Allegro giusto 04:32
9. Andante 04:30
10. Menuetto 02:19
11. Allegro moderato 03:58
CD 2
Rondo for Violin and Piano in B Minor, D 895 (1826)
1. Andante 03:12
2. Allegro 12:29
Sonata for Violin and Piano in A Major, D 574 (1817)
3. Allegro moderato 08:56
4. Scherzo. Presto 04:13
5. Andantino 03:39
6. Allegro vivace 05:26
Fantasia for Violin and Piano in C Major, D 934 (1827)
7. Andante molto 03:44
8. Allegretto 05:29
9. Andantino 10:18
10. Tempo I 01:19
11. Allegro vivace – Allegretto – Presto 04:47
Mais um disco maravilhoso de Elly Ameling cantando Schubert. Por anos ouvi este vinil que guardo até hoje. Ameling está perfeitamente à vontade, como se estivesse entre amigos, no centro de uma schubertíada. É uma felicidade ouvi-la tranquila a desfiar sua sensibilidade sobre as melodias do maior inventor melódico de todos os tempos. Schubert canta, Elly também. Estas gravações dos anos 70 foram adoráveis em sua época e ainda não perderam o viço. Ameling era o soprano mais doce, clara e comovente que cantava lieder e a Philips gravou-a cantando 26 LPs de Schubert. As performances são primorosas. Ameling torna a música fundida a seu espírito. Sábia, mas também inocente, vivaz e incandescente, a voz de Ameling respira o ar puro do mundo de Schubert.
Franz Schubert (1797-1828): An Die Musik (Lieder) (Ameling , Baldwin)
Os LPs de Elly Ameling (1933) cantando lieder de Schubert foram quem me trouxeram para o mundo cheio de beleza e melodias do compositor austríaco. Não sou uma pessoa muito nostálgica, mas é difícil para mim esquecer a voz de Elly passeando pelos campos e ladeiras schubertianas. Pensei que a cantora já tinha falecido, mas Elly permanece viva aos 90 anos. Ela foi a mais perfeita dos sopranos e, para nossa alegria, amava mais a música de câmara e o barroco dos que as grandiosidades operísticas. Imaginem que ela colaborou muito nos primórdios da música historicamente informada! Não sei se ela já está presente em gravações no PQP Bach — não consultei por preguiça –, mas estamos chegando aos 8000 posts e me sinto preenchendo uma lacuna, pois não lembro da nenhuma de suas 150 gravações sendo postada aqui. Na apreciação do crítico Martin Bernheimer,
Ameling, que estreou em 1953, nunca teve uma carreira convencional. Sem dúvida, ela nunca quis uma. Sua voz, um soprano leve e límpido, foi sempre pequena. Seu temperamento nunca foi considerado extravagante. Sua escala expressiva era baseada na sutileza. Ela se aventurou poucas vezes na ópera. Mas, em um mundo dominado pelo brilho fácil e pela vulgaridade fria, ela provou o valor duradouro de certas virtudes antiquadas: imaginação, calor, bom gosto, sensibilidade, honestidade e refinamento.
Franz Schubert (1797-1828): Lieder (Ameling / Jansen)
A1 Ganimede D. 544 See More 4:52
A2 Die Götter Griechenlands D. 677 4:42
A3 Der Musensohn D. 764 2:00
A4 Fülle Der Liebe D. 854 6:35
A5 Sprache Der Liebe D. 410 2:52
A6 Schwanengesang D. 744 2:45
A7 An Den Tod D. 518 3:05
B1 Die Forelle D. 550 2:09
B2 Am Bach Im Frühling D. 361 3:51
B3 Auf Dem Wasser Zu Singen D. 774 3:45
B4 Der Schiffer D. 694 3:17
B5 An Die Entfernte D. 765 3:19
B6 Sehnsucht D. 516 3:59
B7 An Die Untergehende Sonne D. 457 6:29
B8 Abendröte D. 690 3:48
Composição : Franz Schubert
Piano – Rudolf Jansen
Voz Soprano – Elly Ameling
Em minha modesta opinião, este Quinteto para Cordas, de Franz Schubert, é uma das mais belas obras já compostas pelo espírito criativo humano. Difícil destacar uma parte específica, ele soa tão perfeito, os instrumentos estão tão bem integrados, que soam como um só.
E aqui Schubert apronta uma marotagem. Ao invés de dobrar as violas, algo normal nas composições para esta formação, ele dobra os violoncelos. Trata-se de obra longa, de fôlego, que intercala momentos de puro lirismo com outros momentos em que os instrumentistas precisam se desdobrar para dar conta do recado.
A gravação que me apresentou esta obra foi uma realizada pelo então jovem Yo-Yo Ma junto ao Cleveland Quartet, pelo antigo selo Columbia. Aquele disco me acompanhou durante muito tempo, mas infelizmente tive de me desfazer dele em determinado momento de vacas magras. O que lembro daquela gravação é o espírito essencialment romântico, como não poderia deixar de ser. O segundo movimento, um Adagio, emociona até mesmo o coração duro.
Mas vos trago duas gravações dessa obra, uma com o timaço formado pelos húngaros do Tákacs Quartet, acompanhados pelo violoncelista, também húngaro, Miklós Perenyi. A segunda, a citada acima, com o jovem Yo-Yo Ma acompanhando o excelente Cleveland Quartet, gravação essa que embalou meus primeiros sonhos e desejos, românticos inclusive.
Também gostaria de citar outra gravação dessa obra, também histórica, com o lendário Mistslav Rostropovich acompanhando o Mellos Quartett, também um primor de execução e de competência. Já postamos essa gravação por aqui, e creio que o texto do mano PQPBach sintetiza e ilustra bem o que sentimos sobre essa obra.
1. String Quintet in C Major, D. 956, Op. 163 I. Allegro ma non troppo
2. String Quintet in C Major, D. 956, Op. 163 II. Adagio
3. String Quintet in C Major, D. 956, Op. 163 III. Scherzo. Presto
4. String Quintet in C Major, D. 956, Op. 163 IV. Allegretto
Deus gravou este mesmo repertório melhor do que Perahia. Deus é Pollini, óbvio. Mas a gravação do pianista e maestro nova-iorquino também é sensacional. Ele é enormemente elegante nos movimentos lentos. Seu problema é a comparação com os movimentos rápidos de Pollini, onde este é diabolicamente decidido e exato. Mas, se fosse você, eu baixaria estes CDs sem medo. É um grande repertório que os pianistas costumam não tocar juntos em concertos em função dos tamanhos de cada uma das 3 últimas sonatas. Ou seja, Perahia enfrenta uma forte concorrência de nomes como Brendel, Pollini e Arrau, bem como de veteranos como Schnabel. Mesmo em tal companhia ele se sai bem, tocando com uma sonoridade enxuta que marca claramente as belas linhas melódicas de Schubert. Sua abordagem mantém a visão geralmente clássica das obras, sem transformá-las em extravagâncias românticas. Argh! Perahia é uma adição digna à discografia de Schubert.
Franz Schubert (1797-1828): As Últimas Sonatas para Piano, D. 958, 959 e 960
CD1:
1. Sonata in C minor for Piano, D. 958/I. Allegro 10:50
2. Sonata in C minor for Piano, D. 958/II. Adagio 8:27
3. Sonata in C minor for Piano, D. 958/III. Menuetto. Allegro – Trio 3:08
4. Sonata in C minor for Piano, D. 958/IV. Allegro 9:09
5. Sonata in A Major for Piano, D. 959/I. Allegro 15:20
6. Sonata in A Major for Piano, D. 959/II. Andantino 8:03
7. Sonata in A Major for Piano, D. 959/III. Scherzo. Allegro vivace – Trio. Un poco più lento 4:45
8. Sonata in A Major for Piano, D. 959/IV. Rondo. Allegretto 11:41
CD2:
1. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/I. Molto moderato 19:04
2. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/II. Andante sostenuto 9:34
3. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/III. Scherzo. Allegro vivace con delicatezza 3:48
4. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/IV. Allegro ma non troppo 7:57
Sim, o fantástico Quinteto para Piano “A Truta” de Schubert!
Como estou meio ocupado, transcrevo um excelente texto explicativo encontrado neste blog:
Esta peça em Lá Maior foi composta quando Schubert tinha apenas 22 anos embora tenha sido publicada em 1829 – um ano após a sua morte.
A peça é composta à volta de um conjunto de variações de um Lied anterior de Schubert Op.32 (D.550) e é formada por cinco andamentos. Tal como em muitas das obras de Schubert podemos criticar uma composição pouco perfeita , como uma espécie de esquisso. A esta obra em particular é frequentemente apontado o facto de existir uma fraca coesão entre andamentos e de serem frequentes longas repetições de material temático com pouca ou nenhuma transformação. A composição do quinteto é pouco usual pela presença do contrabaixo tendo permitido a Schubert a exploração de outras sonoridades.
1º Andamento (Allegro vivace) : Este andamento está escrito na forma de sonata. A explicação sobre o significado deste termo está prometida para um destes dias.
2º Andamento (Andante) : Este andamento está construído com base em diálogos entre instrumentos que por várias vezes parecem estar a terminar mas que depois recomeçam transmitindo algum humor (pela repetição do fim anunciado … )
3º Andamento (Scherzo – Presto) : Este andamento é rápido como o nome indica transmitindo um grande vigor a que se junta um melancólico trio para balancear o andamento.
4º Andamento (Andantino – Allegretto) : Este andamento é baseado em variações sobre a canção de que falámos no início deste post. Cada um dos instrumentos toca a melodia a seu tempo.
5º Andamento (Allegro giusto) : Semelhante na construção ao segundo andamento mas por vezes considerado excessivamente repetitivo (em alguns casos os interpretes optam mesmo por não fazer as repetições marcadas pelo compositor).
Franz Schubert (1797-1828): Quinteto “A Truta”, D. 677, e Movimento para Quarteto de Cordas D. 703
Quintet for Piano, Violin, Viola, Cello and Double-bass in A major, D 667 “The Trout”
(Notem que o “gosta” da dedicatória está no presente. Quem de vocês conseguirá entender esta dedicatória?)
Concebido como o esboço de uma grande sinfonia, o extraordinário Octeto D. 803 foi escrito durante a primavera de 1824. E realmente o Octeto, com seus inúmeros tutti, tem uma feição um pouco sinfônica, apesar de possuir muitos episódios puramente camarísticos. Mas é uma tremenda música, uma obra que cresce muito, principalmente após o Allegro Vivace.
Poderia postar um septeto agora, né? Talvez o de Beethoven. Ou o de Berwald.
Octeto D. 803 para clarinete, trompa, fagote, quarteto de cordas e contrabaixo
1. Schubert: Octet In F, D 803 – 1. Adagio, Allegro
2. Schubert: Octet In F, D 803 – 2. Adagio
3. Schubert: Octet In F, D 803 – 3. Allegro Vivace
4. Schubert: Octet In F, D 803 – 4. Andante con Variazioni
5. Schubert: Octet In F, D 803 – 5. Menuetto
6. Schubert: Octet In F, D 803 – 6. Andante Molto, Allegro