Este é um TRABALHO SOCIAL oferecido por PQP Bach. Enquanto todos aqueles HORRÍVEIS BURGUESES locupletam-se com lastimáveis sequências de camarão, enquanto eles queimam seus LOMBOS OCIOSOS em nossas praias, PQP Bach oferece a oportunidade para nossos trabalhadores se VINGAREM de forma eficiente. Nada como poder ouvir, nesta sexta-feira pós-natalina, cinco CDs da grande música do Prete Rosso de forma a minorar nosso RESSENTIMENTO contra aquelas pessoas que SE DOURAM em nosso litoral enquanto trabalhamos como mouros. Não que eu pretenda trabalhar muito. São 9h e estou aqui no escritório de calção e camiseta, pronto para ir à academia malhar um pouco meu CORPINHO ADIPOSO. À tarde, serei obrigado a adquirir uma TONELADA DE ESPUMANTES para o jantar que promoveremos para quem ficou em Porto Alegre. Ah, vida miserável!
Trevor Pinnock e o The English Concert aparecem muito bem nesta caixa de 2001 da DG. Os ingleses também sabem se divertir e fazem aquele VIVALDI ABSOLUTAMENTE SOLAR E FELIZ, colocando BELAS E NADA AMEAÇADORAS NUVENS num lindo parque onde ingleses comem seus sanduíches ao meio-dia. O critério é de seleção de melhores concertos, penso, deixando de fora As Quatro Estações, porque essas a gente coloca num disquinho separado para vender mais….
COMPANHEIRO TRABALHADOR, TOVARICH DE MINH`ALMA, apele para a abstração: imagine que estes 30 concertos sejam, cada um, UM ENORME E PERFEITO CAMARÃO, e VÁ À FORRA contra daquele povo (IN)feliz da praia.
Antonio Vivaldi (1678-1741): 30 Concertos Campeões (5 CDs, The English Concert, Pinnock)
Concerto In G Major “Alla Rustica”, RV 151 (3:42)
1-1 1. Presto 1:10
1-2 2. Adagio 1:01
1-3 3. Allegro 1:31
Concerto For Oboe And Violin In B Flat Major, RV 548
Oboe – David Reichenberg
Violin – Simon Standage
(9:18)
1-4 1. (Allegro) 3:46
1-5 2. Largo 3:21
1-6 3. Allegro 2:11
Concerto In C Major “Con Molti Stromenti”, RV 558
Chalumeau – Carlos Riera, Colin Lawson
Mandolin – James Tyler, Robin Jeffrey
Recorder – Philip Pickett, Rachel Beckett
Theorbo – Jakob Lindberg, Nigel North
Violin – Micaela Comberti, Simon Standage
Violoncello – Anthony Pleeth
(10:05)
1-7 1. Allegro Molto 5:23
1-8 2. Andante Molto 1:47
1-9 3. Allegro 2:55
Concerto For 2 Violins In G Major, RV 516
Violin – Elizabeth Wilcock, Simon Standage
(9:03)
1-10 1. Allegro Molto 3:51
1-11 2. Andante (Molto) 2:07
1-12 3. Allegro 3:05
Concerto For Oboe In A Minor, RV 461
Oboe – David Reichenberg
(10:08)
1-13 1. Allegro Con Molto 4:14
1-14 2. Larghetto 3:15
1-15 3. (Allegro) 2:39
Concerto For 2 Mandolins In G Major, RV 532
Mandolin – James Tyler, Robin Jeffrey
(10:04)
1-16 1. Allegro 4:03
1-17 2. Andante 2:10
1-18 3. Allegro 3:51
Concerto For Strings In A Major, RV 159 (5:17)
2-1 1. Allegro 1:32
2-2 2. Adagio 1:14
2-3 3. Allegro 2:31
Concerto For Violin In E Major “L’Amoroso”, RV 271
Violin – Simon Standage
(9:18)
2-4 1. Allegro 3:17
2-5 2. Cantabile 2:42
2-6 3. (Allegro) 3:19
Concerto For Bassoon In E Minor, RV 484
Bassoon – Milan Turkovic
(11:45)
2-7 1. Allegro Poco 4:50
2-8 2. Andante 3:39
2-9 3. Allegro 3:16
Concerto For Flute In G Major, RV 436
Flute – Lisa Beznosiuk
(8:54)
2-10 1. Allegro 3:11
2-11 2. Largo 3:06
2-12 3. (Allegro) 2:37
Concerto For Viola D’Amore And Lute In D Minor, RV 540
Lute – Nigel North
Viola d’Amore – Roy Goodman
(11:18)
2-13 1. Allegro 5:05
2-14 2. Largo 3:08
2-15 3. Allegro 3:05
Concerto For Oboe And Bassoon In G Major, RV 545
Bassoon – Milan Turkovic
Oboe – David Reichenberg
(10:17)
2-16 1. Andante Molto 4:01
2-17 2. Largo 2:42
2-18 3. Allegro Molto 3:34
“L’Estro Armonico” Op. 3
Concerto No. 1 In D Major, RV 549
Violin – Elizabeth Wilcock, Micaela Comberti, Miles Golding, Simon Standage
Violoncello – Jaap ter Linden
(7:33)
3-1 1. Allegro 2:53
3-2 2. Largo E Spiccato 2:24
3-3 3. Allegro 2:16
Concerto No. 2 In G Minor, RV 578
Violin – Micaela Comberti, Simon Standage
Violoncello – Jaap ter Linden
(8:57)
3-4 1. Adagio E Spiccato 1:29
3-5 2. Allegro 2:26
3-6 3. Larghetto 2:35
3-7 4. Allegro 2:27
Concerto No. 3 In G Major, RV 310
Violin – Simon Standage
(6:32)
3-8 1. Allegro 2:16
3-9 2. Largo 1:57
3-10 3. Allegro 2:19
Concerto No. 4 In E Minor, RV 550
Violin – Elizabeth Wilcock, Micaela Comberti, Miles Golding, Simon Standage
(7:20)
3-11 1. Andante 2:18
3-12 2. Allegro Assai 2:29
3-13 3. Adagio 4. Allegro 2:33
Concerto No. 5 In A Major, RV 519
Violin – Miles Golding, Simon Standage
(7:09)
3-14 1. Allegro 2:55
3-15 2. Largo 1:34
3-16 3. Allegro 2:40
Concerto No. 6 In A Minor, RV 356
Violin – Simon Standage
(7:20)
3-17 1. Allegro 3:02
3-18 2. Largo 1:55
3-19 3. Presto 2:23
Concerto No. 7 In F Major, RV 567
Violin – Elizabeth Wilcock, Micaela Comberti, Miles Golding, Simon Standage
Violoncello – Jaap ter Linden
(9:27)
4-1 1. Andante 3:31
4-2 2. Adagio 1:16
4-3 3. Allegro 2:29
4-4 4. Adagio – Allegro 2:11
Concerto No. 8 In A Minor, RV 522
Violin – Micaela Comberti, Simon Standage
(10:32)
4-5 1. Allegro 3:33
4-6 2. Larghetto 3:42
4-7 3. Allegro 3:17
Concerto No. 9 In D Major, RV 230
Violin – Simon Standage
(7:47)
4-8 1. Allegro 2:07
4-9 2. Larghetto 3:36
4-10 3. Allegro 2:04
Concerto No. 10 In B Minor, RV 580
Violin – Elizabeth Wilcock, Micaela Comberti, Miles Golding, Simon Standage
Violoncello – Jaap ter Linden
(9:10)
4-11 1. Allegro 3:43
4-12 2. Largo – Larghetto – Adagio – Largo 2:13
4-13 3. Allegro 3:14
Concerto No. 11 In D Minor, RV 565
Violin – Elizabeth Wilcock, Simon Standage
Violoncello – Jaap ter Linden
(8:23)
4-14 1. Allegro – Adagio Spiccato E Tutti – Allegro 3:43
4-15 2. Largo E Spiccato 2:22
4-16 3. Allegro 2:18
Concerto No. 12 In E Major, RV 265
Violin – Simon Standage
(9:34)
4-17 1. Allegro 3:25
4-18 2. Largo 3:25
4-19 3. Allegro 2:44
6 Flute Concertos Op. 10
No. 1 In F Major “La Tempesta Di Mare”, RV 433
Flute – Lisa Beznosiuk
(6:51)
5-1 1. Allegro 2:55
5-2 2. Largo 1:49
5-3 3. Presto 2:07
No. 2 In G Minor “La Notte”, RV 439
Flute – Lisa Beznosiuk
(8:50)
5-4 1. Largo 1:58
5-5 2. Presto (Fantasmi) 0:53
5-6 3. Largo 1:09
5-7 4. Presto 1:01
5-8 5. Largo (Il Sonno) 1:33
5-9 6. Allegro 2:16
No. 3 In D Major “Il Gardellino”, RV 428
Flute – Lisa Beznosiuk
Viola – Trevor Jones (4)
Violin – Micaela Comberti, Simon Standage
Violoncello – Jane Coe
(10:01)
5-10 1. Allegro 3:59
5-11 2. Without Tempo Indication 3:14
5-12 3. Allegro 2:48
No. 4 In G Major, RV 435
Flute – Lisa Beznosiuk
(6:52)
5-13 1. Allegro 2:26
5-14 2. Largo 2:10
5-15 3. Allegro 2:16
No. 5 In F Major, RV 434
Flute – Lisa Beznosiuk
(9:23)
5-16 1. Allegro Ma Non Tanto 3:37
5-17 2. Largo Cantabile 3:49
5-18 3. Allegro 1:57
No. 6 In G Major, RV 437
Flute – Lisa Beznosiuk
(8:09)
5-19 1. Allegro 3:58
5-20 2. Largo 1:51
5-21 3. Allegro 2:20
Conductor, Harpsichord, Organ – Trevor Pinnock
Orchestra – The English Concert
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicamos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até hoje, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a última das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
Depois de escrever o maior dos capítulos da história da Música Brasileira, Arthur depôs a pena.
Entre seu primeiro cachê no Theatro da Paz em Belém e o derradeiro recital de “Um Piano pela Estrada”, passaram-se sete décadas. Do Carnegie Hall em Nova York ao coreto de Itapecuru-Mirim, vivera tudo. De Emil Gilels de Odessa a Seu Walter de Casinhas, encontrara todos.
Missão cumprida. Era hora de descansar.
O guerreiro recolheu-se a seu lar, num dos mais belos nacos do litoral brasileiro, e saboreou a vida em família.
Deixou seu repouso para pouquíssimas aparições públicas. Na mais significativa delas, em 5 de abril de 2023, fez-se acompanhar da Sinfônica de Minas Gerais, de cujo Concurso para Jovens Solistas aceitara ser padrinho. O programa era puro sumo de arthurzice: abriu com o Hino do Fluminense, em arranjo de sua lavra; prosseguiu com o Adagio do Concerto K. 488 de Mozart; e concluiu com O Despertar da Montanha, pérola de Eduardo Souto que ele sempre soube transformar em épico.
A escolha do K. 488 foi especialmente significativa, pois fora com ele que Arthurzinho, aos oito anos, vencera seu primeiro concurso de jovem solista, com a Sinfônica Brasileira sob Eleazar de Carvalho, quase setenta e cinco anos antes. Com aquele Adagio, um grande arco se fechava, depois de três quartos de um século a encantar o mundo, de suas grandes salas de concerto até as pracetas de suas mais remotas bibocas.
Seria seu canto de cisne.
Nada mais soube dele até que, em setembro do ano passado, a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro lhe conferiu o título de Doutor Honoris Causa. Durante a cerimônia de outorga, acompanhada remotamente pelo homenageado, desde Florianópolis, o diploma foi recebido por seu neto, o pianista Chico.
Conjurando todas as forças que lhe restavam para emitir cada uma de suas palavras, nosso herói agradeceu com os mesmos modos despretensiosos que permearam sua gloriosa jornada:
A essa altura da vida, não sei se eu sou merecedor dessa homenagem. Deixo a resposta dessa pergunta para aquelas pessoas que ouvirem meus discos”.
Espero que as quarenta e uma pistas que lhes alcancei os ajudem a responder.
Algumas semanas depois, em exatamente um ano antes do instante em que essa postagem foi ao ar, Arthur Moreira Lima Júnior partiu para as esferas. Decerto ao encontro de Frederico e de Ernesto; para reencontrar Dona Dulce e Arthur Pai; rever Lúcia, Marguerite e Rudolf; tocar com Astor e Radamés; e contar as novas a Cláudio, Sérgio e Millôr.
Em meio à comoção ante a infelizmente esperada notícia, as vozes mais audíveis eram unânimes em darem conta do quão grande ele fora e do quanto seu país lhe devia. No velório, enquanto depositava flores ao lado de muitas bandeiras do Fluminense, eu pude assim escutar:
– Um velório tão singelo para um tão grande homem! Por tudo o que ele fez, ele mereceria um funeral de Estado! Ele foi um dos maiores pianistas do mundo…
“… e um dos maiores brasileiros de todos os tempos”, completei mentalmente.
De volta para casa, depois de me despedir de Arthur, corri ao Grand Bazaar da interné e comprei os volumes que me faltavam de seu generoso testamento musical aos brasileiros. Estava desde então decidido a compartilhar a coleção “Meu Piano” com todos que a quisessem conhecer. Sentia que devia isso a Arthur, para que talvez, ainda que tardiamente, o mundo pudesse sentir algo da cratera que sua partida deixara cá em mim. Mais que isso: que os brasileiros algum dia tivessem tanto orgulho desse herói quanto ele teve de amor por eles.
Quero que jamais o esqueçam.
Como lhes prometi já na primeira postagem, essa minha homenagem nada teria de crítico: ela foi tão só carinho e saudade. Deixo a crítica para vocês, enquanto espero que minhas publicações lhes tenham dado alguma ideia do espetáculo que foi a vida desse brasileiro incomparável.
Em seus textos de apresentação aos álbuns de Arthur lançados sob seu selo, Marcus Pereira escreveu espirituosamente:
Conforme sabido e lamentado, Chopin não nasceu no Brasil, mas deveria”,
E também:
Revive também o piano, através de Arthur Moreira Lima, pianista patrício conhecido no mundo inteiro. Afinal (glosando Ferreira Gullar) o piano não foi inventado para humilhar o Brasil.
Não, e não mesmo:
Nenhum piano surrou mais nossa viralatice que o do nosso querido Chopin do Estácio.
Obrigado por tanto, Arthur.
Em memória de Arthur Moreira Lima Júnior
Rio de Janeiro, 16 de julho de 1940 – 30 de outubro de 2024, Florianópolis
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
VOLUME 23: CHOPIN VI
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
Polonaises para piano, Op. Póstumo:
1 – Polonaise em Sol Menor
2 – Polonaise em Si bemol maior
3 – Polonaise em Lá bemol maior
4 – Polonaise em Sol sustenido menor
5 – Polonaise em Si bemol menor
Três Polonaises para piano, Op. 71 6 – No. 1 em Ré menor
7 – No. 2 em Si bemol maior
8 – No. 3 em Fá menor
9 – Polonaise em Sol bemol maior
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: American Academy Hall, Nova York, Estados Unidos, 1983.
Produção e engenharia de som: Judith Sherman
Supervisão: Jay K. Hoffman
Piano: Steinway & Sons, Nova York
Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima
Sonata para piano no. 2 em Si bemol menor, Op. 35 1 – Grave – Agitato
2 – Scherzo
3 – Marche Funèbre: Lento)
4 – Finale: Presto
Sonata para piano no. 3 em Si menor, Op. 58 5 – Allegro maestoso
6 – Scherzo: Molto Vivace
7 – Largo
8 – Finale: Presto non tanto
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: All Saints Church, Tooting, Londres, Reino Unido, 1999 Piano: Steinway and Sons Engenheiro de som: Peter Nicholls Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.
Quatro Baladas para piano: 1 – No. 1 em Sol menor, Op. 23
2 – No. 2 em Fá maior, Op. 38
3 – No. 3 em Lá bemol maior, Op. 47
4 – No. 4 em Fá menor, Op. 52
Quatro Mazurcas para piano, Op. 33 5 – No. 1 em Sol sustenido menor
6 – No. 2 em Ré maior
7 – No. 3 em Dó maior
8 – No. 4 em Si menor
Trois Nouvelles Études pour le “Méthode des Méthodes” de Moschelles et Fétis: 9 – No. 1 em Fá menor
10 – No. 2 em Ré bemol menor
11 – No. 3 em Lá bemol maior
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: All Saints Church, Tooting, Londres, Reino Unido, 1999 Piano: Steinway and Sons Engenheiro de som: Peter Nicholls Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.
Nossa homenagem a Arthur deve tudo a dois mananciais.
O primeiro é O Piano e a Estrada (2009), livro-reportagem de Marcelo Mazuras, infelizmente fora de catálogo, mas facilmente disponível no Grand Bazaar da Interné. O autor, cuidadosamente, nunca o chamou de biografia, porque Arthur rechaçava o termo, que “no Brasil tem um ar solene, de testamento, de coisa definitiva”, e sua Coluna Prestes pianística ainda teria mais oito anos de estradas e rios pela frente.
Recomendamos fortemente sua aquisição e leitura, nem que seja para estimular sua reedição, talvez ampliada, dando conta dos quinze anos posteriores da jornada de nosso herói entre nós, esses sortudos.
Mazuras, que participou da Caravana Arthurzinho pelo sem-fim do Brasil, também dirigiu o documentário Um Piano para Todos (2022), disponível em várias plataformas de streaming. As imagens do caminhão-teatro sobre balsas a singrar os vastos rios amazônicos devem ter enchido Arthur de orgulho. Dir-se-ia nosso Fitzcarraldo do piano.
O outro manancial, já tantas vezes mencionado ao longo das postagens, foi o do Instituto Piano Brasileiro (IPB), para o qual Arthur generosamente enviou uma grande parte de seu acervo, com muitas gravações inéditas. O IPB digitalizou esses tesouros e os vem publicando em seus diversos canais, dentro do Projeto Arthur Moreira Lima, que visa a disponibilizar pela cyberesfera toda a discografia do gigante em vídeo-partituras. Além disso, nosso herói concedeu ao diretor do IPB, o multitalentoso Alexandre Dias, a mais extensa série de entrevistas de sua longa vida, ao longo de diversas madrugadas pandêmicas (pois Arthur, como já apontamos, sempre viveu no fuso horário de Honolulu). Reunidas em onze episódios e divulgadas no podcast Conversa de Pianista, elas ajudaram a abastecer de fatos e causos nossa homenagem.
O trabalho inestimável do IPB é inteiramente mantido por financiamento coletivo e só é possível graças ao apoio de seus assinantes. Convidamos nossos leitores-ouvintes a se juntarem a esse rol.
Mensagem de Arthur a Alexandre Dias, a agradecer pelo Projeto Arthur Moreira Lima. Que tal homenagear Arthur apoiando o IPB?
“Nesta última parte das entrevistas que Arthur Moreira Lima concedeu a Alexandre Dias em 2020, ele falou sobre a necessidade de um pianista desenvolver cultura geral, e os livros que o marcaram. Falou também sobre sua filosofia como intérprete, e sobre a arte de se montar programas de recitais.”
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, concluímos o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952 com o maior ídolo de Arthur: Waldir Pereira, o Príncipe Etíope, o mago Didi (1928-2001)
Glosando Marcus Pereira, eu não sei se o moleque é Arthur – mas deveria.
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a décima das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
Arthur, veterano polinizador de beleza planeta afora, queria agora levá-la a seu povo. Depois do sucesso de seus recitais no Morro da Mangueira e no icônico Rocinha in Concert, sonhava alto em se tornar camelô da cultura. Inda bem, talvez pensasse, que não nascera no diminuto Liechtenstein: seu Brasil, afinal, tinha vastidão, pujança, variedade. Por outro lado, os pesadelos logísticos inerentes a qualquer incursão fora das metrópoles faziam-no invejar aquele principadinho do tamanho dum pequi e com estradas de camurça. Lembrava de seu ídolo, Sviatoslav Richter, que ao completar setenta anos partiu com seu piano para uma turnê de seis meses pela Sibéria, tocando para qualquer dúzia de viventes que encontrasse pelo caminho. Nosso herói, que completara sessenta, via urgir seu chamado sem que pudesse contar com Trans-Siberianas e com o estoicismo casca-grossa dos russos.
Tentou começar, e fez uma breve incursão pelo interior do estado do Rio de Janeiro. Voltou derrotado: tocou pianos horrorosos em palcos desabantes, fosse em salas medíocres, fosse em áreas abertas que deglutiam o som toscamente amplificado. Precisava de bons pianos; era de mister que estivessem bem mantidos e afinados; mesmo que os encontrasse num raro teatro de boa acústica, não queria tocar em teatros, pois buscava as massas que o esperavam fora deles; e, se quisesse que elas o ouvissem, tinha que ser com alto e muito bom som. E isso tudo, que era o mínimo, não encontrou em lugar algum. Tudo errado.
Num desses retornos resmunguentos de mais um recital abaixo de qualquer crítica, parou com o motorista para comer um bagulho na beira da estrada. Ao ver passar um possante a rosnar com sua suspensão a ar, veio-lhe o clique:
– E se eu arrumasse um CAMINHÃO-TEATRO?
Comprou um caminhão, transformou seu baú num palco e um dos lados do baú num proscênio dobrável: ali estava seu caminhão-teatro. Evocando seus anos de formação no Colégio Militar, Arthur deu à sua criatura o miliquíssimo nome de DIPCAM, Dispositivo Pianístico de Concerto de Alta Mobilidade, e estava doido para lançar sua Coluna Prestes da Cultura. Acompanhado de outros veículos para transporte de pessoal e equipamentos, incluindo um piano de concerto extra, a caravana estava a postos. Seu criador, sempre afeito à singeleza na hora de denominar seus projetos, batizou-a de Um Piano pela Estrada. Composta por cinco veículos e até quinze pessoas, ela incluía afinador, técnico de som, seu factotum e motoristas. Mais adiante, somar-se-iam duas dentistas: Margareth, sua esposa, e a enteada Grasiela, que desenvolveriam um projeto paralelo de Saúde Bucal. Intitulado Um Sorriso pela Estrada, ele incluía oficinas de escovação, distribuição de kits de higiene oral e, com a participação eventual de Arthur e seu piano de armário (incluso na bagagem), palestras em escolas.
A viagem inaugural do DIPCAM e o pontapé inicial do projeto ocorreram em 2002, com um concerto em Mendes, no interior do Rio de Janeiro, seguido de apresentações em Araxá e Uberaba. Afora os eventuais ajustes, como a confecção de tocos de peroba para calçar o caminhão-teatro nas nunca planas praças onde o estacionavam, outra mudança mostrou-se premente. Dadas as dificuldades de conseguir patrocínios para cada um dos eventos na miríade de rincões visitados, logo se tornou óbvio que a viabilidade do projeto dependeria de desdobrá-lo em rotas, com patrocinadores robustos para cada uma delas. Com “São Francisco – Um Rio de Música”, turnê que desceu o Velho Chico de sua nascente, em São Roque de Minas, até a alagoana Penedo, num total de 4800 km, Um Piano pela Estrada finalmente deslanchou. Seguiram-se outras rotas, inspiradas tanto em ídolos de Arthur (“Nos Caminhos de JK”) quanto em sua paixão feroz por Geografia (“Nos Caminhos da Fronteira”, que visitou cidades fronteiriças irmanadas com vizinhas estrangeiras, de Chuí a Xapuri). Nos quase dezesseis anos que se passariam até o último concerto, em 2018, Arthur e sua trupe levaram o caminhão-teatro por estradas e balsas a mais de seiscentas cidades brasileiras, e seu odômetro a superar os 400 mil quilômetros – dez voltas em torno do globo, ou muitas trans-siberianas.
Após alguns meses de ajustes, o espetáculo tomou suas formas finais. O DIPCAM estacionava numa área central da localidade, e seu palco era montado (algumas vezes, em mera hora e meia), bem como a estrutura de som e iluminação. Os concertos começavam às 21h, depois do pior do calor, com o público de barriga cheia e novela vista. A abertura ficava a cargo do talento local: cantores, instrumentistas, conjuntos, bandas, charangas e fanfarras revezaram-se na função, mas apenas Seu Lu da Gaita, flautista autodidata de Bom Jesus da Lapa (BA), teve o privilégio de dividir o palco com o protagonista. O recital, com cerca de noventa minutos, intercalava obras com comentários sobre elas. O programa, que fora uma das maiores preocupações de Arthur (em suas palavras, “o programa tem que ser um convite, não um susto”), mesclava “clássicos populares e os clássicos entre os populares”: Sonata ao Luar e Asa Branca, Rondó alla Turca e Carinhoso, Rapsódia Húngara no. 2 e Apanhei-te, Cavaquinho. Um telão mostraria tudo mesmo para quem estivesse longe, talvez trepado em muros e árvores, auxiliado por microcâmeras instaladas no teclado, que mostravam as mãos do astro em ação. No final, autógrafos, visitas ao palco, espiadas no piano e, muito para o gosto do Sr. Pau de Enchente, charla livre. Em seguida, restava desmontar a estrutura, encher os baús e cair na cama para, na manhã seguinte, voltar à estrada.
Queria ter sido um daqueles calços de peroba para acompanhar a epopeia. Os percalços dos caminhos, a descoberta de incontáveis brasis, as anedotas da estrada, os momentos mágicos da interação com o público, e o virtuosismo de Arthur em evocar o melhor que há nos seres humanos, eles todos encheriam tantas páginas quanto foram os quilômetros de estrada. O ótimo livro de Marcelo Mazuras dedica a maior parte das suas a contar-nos a experiência do autor como integrante da trupe. Entre suas muitas histórias memoráveis, nenhuma me tocou mais que aquela que começa com esse recado manuscrito, enviado a Arthur numa das paradas da turnê pelo Nordeste:
Caro pianista Arthur. Sou de uma cidade nordestina onde mais de 50% da população vive de bolsa família ou de aposentadorias rurais. Cultura só aquela que nossos antepassados nos encinarão, tais quais ciranda, coco de roda, quadrilha juninas, bunba meu boi, banda de pifanos, sanfoneiros e o tradicional forro pé de serra. Piano é um bicho que nós do nordeste só conhecemos pela televisão. Se tratando de nossa cidade que nem asfalto tem. Esperamos o ano toda até que venha o São João, e as festa dos padroeiros. E ter que aguentar axé e suing, em pleno São João e a cultura nordestina morrendo. Mas o que tem haver o piano com o nordeste? Ai é onde entra o meu pedido de coração para você. Sou matuto semi analfabeto mas gosto e aprecio o que é bom e olha não é só eu muitos nordestinos. Mas o grande problema é que só escutamos o que não queremos. Porque digo isso, nós não temos condições de se dirigir até a capital Recife que fica a 150km de distância. Pagar um ingresso para te assistir é outro problema e ai é ou não complicado, como já dizia o mestre Ariano Suassuna. Muitas musicas se torna um estrondo porque nós não temos opções de escolher o que queremos. A TV só leva o que elas querem, o rádio só toca o que quer e ai somos obrigados há ter que engolir. Mas caro Arthur, nossa cidade é bem acolhedora e te peço que analise com carinho este pedido e venha nos brindar com o seu talento e fazer com que a cidade de Casinhas tenha também o direito de ter em seu solo uma das mais respeitadas personalidades do mundo artistico internacional. Até porque somos muito carente de cultura em especial. O piano que só temos o direito de ver em televisão e porque não ao vivo e em especial com você. Pode ter a certeza que voce ira sair daqui com o coração muito mas feliz do que já é, e olha que você vai emocionar a todos e com certeza saira muito mais em ser aclamado por muitos daqueles que a caneta é a enxada e o caderno é o chão. Que deus te abençoe e atenda este pedido.”
Meses mais tarde, quando Arthur e o DIPCAM chegaram a uma cidadezinha no interior de Pernambuco, havia alguém especialmente feliz à sua espera. Era Seu Walter, o autor do bilhete, com um sorriso de gaita e os olhos suados. O pianista Arthur chegara a Casinhas, e ele e seu povo, enfim, escutariam o que queriam.
Nada pode ser maior.
NADA.
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
VOLUME 7: SCHUMANN & LISZT
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Estudos Sinfônicos em Forma de Variações, Op. 13 1 – Tema: Andante
2 – Estudo Nº 1: Un poco più vivo
3 – Estudo Nº 2: Marcato il canto
4 – Estudo Nº 3: Vivace
5 – Estudo Nº 4: Allegro marcato
6 – Estudo Nº 5: Scherzando
7 – Estudo Nº 6: Agitato
8 – Estudo Nº 7: Allegro molto
9 – Estudo Nº 8: Sempre marcatissimo
10 – Estudo Nº 9: Presto possibile
11 – Estudo Nº 10: Allegro con energia
12 – Estudo Nº 11 : Con espressione
13 – Nº 12 – Finale: Allegro brillante
Ferenc LISZT (1811-1886)
Sonata para piano em Si menor, S. 178 14 – Lento assai – Allegro energico – Grandioso – Cantando espressivo – Pesante – Recitativo – Andante Sostenuto – Quasi adagio – Allegro energico – Più mosso – Cantando espressivo senza slentare – Stretta quasi presto – Presto – Prestissimo – Andante Sostenuto – Allegro Moderato – Lento Assai
Dos Estudos de Execução Transcendental, S. 139: 15 – No. 10 em Fá menor: Allegro agitato molto
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Estúdio no. 1 da Rádio de Moscou, na Casa Estatal de Radiodifusão e Gravação de Som da União Soviética em Moscou, 1970. Engenheiro de som: Valentin Sklobo Piano: Steinway and Sons, Hamburg Remasterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1998.
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 83 1 – Allegro non troppo
2 – Allegro appassionato
3 – Andante
4 – Allegretto
Arthur Moreira Lima, piano Berliner Symphoniker Otto Mayer, regência
Gravação: Berlim Oriental, República Democrática Alemã, 1976 Piano: Steinway and Sons, Hamburgo Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.
Das Duas Rapsódias para piano, Op. 79: 5 – No. 2 em Sol menor
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1999 Piano: Steinway and Sons Engenheiro de som: Peter Nichols Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.
Cenas Infantis, Op. 15 1 – De Povos E Terras Distantes
2 – Uma História Curiosa
3 – Cabra-Cega
4 – A Criança Implorando
5 – Felicidade Perfeita
6 – Um Grande Acontecimento
7 – Rêverie
8 -Na Lareira
9 – O Cavaleiro de Pau
10 – Quase Sério Demais
11 – A Criança com Medo
12 – A Criança Adormece
13 – O Poeta Fala
Johannes BRAHMS
Sonata para piano no. 3 em Fá menor, Op. 5 14 – Allegro maestoso
15 – Andante espressivo
16 – Scherzo
17 – Intermezzo
18 – Finale
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1999 Piano: Steinway and Sons Engenheiro de som: Peter Nichols Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.
Das Rapsódias Húngaras para piano, S. 244: 21 – Nº 2 em Dó sustenido menor
Das Consolações para piano, S. 172: 22 – No. 3 em Ré bemol menor: Lento placido
Das Valses Oubliées, S. 215:
23 – No. 1: Allegro
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Hampstead, Londres, Reino Unido, 1998 Piano: Steinway and Sons, Hamburgo Engenheiro de som: Peter Nichols Direção Musical, produção, edição e masterização por Rosana Martins Moreira Lima, 1999.
“10ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele abordou seu importante projeto ‘Um piano pela estrada’, que levou recitais de piano a mais de 500 cidades do Brasil. Arthur fala sobre suas motivações iniciais, os desafios, e as conquistas ligadas a este projeto histórico”
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o ponta-direita Telê Santana da Silva, o Fio de Esperança (1931-2006)
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a nona das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
Arthurzinho das massas estava em todas nos anos 80.
O embrião de tal onipresença foi sua participação no Circuito Universitário, iniciativa que desde o começo da década anterior levava grandes nomes da MPB para campi, teatros, ginásios e quaisquer outros espaços em que eles coubessem. Sempre destemido, Arthur foi o primeiro músico de concerto a embarcar numa turnê do Circuito – e, convenhamos, o único capaz de aceitar um convite desses. Partiu de São Paulo, onde então morava, e prosseguiu de Kombi para Campinas e outras dez cidades do interior do estado. A experiência foi-lhe como um Caminho de Damasco: habitué de tantas paragens mundo afora, conhecedor de cada parada ao longo da Trans-Siberiana, Arthur enfim começava a descobrir seu país e a acolhida que as massas nos ginásios davam àquele pianista de raríssima figura, com cabeleira roqueira, calças de brim e a inseparável jaqueta de couro de alce.
Ó lá ela, a guerreira.
Não que tenha deixado a casaca de lado, como atesta, entre outros, o projeto Bach-Chopin que realizou com João Carlos Martins. Tampouco deixou de ter preocupações fonográficas: farto da miríade de percalços para que seus discos fossem distribuídos pelas gravadoras e decidido decerto a cultivar mais uma úlcera, fundou o selo L’Art, tendo como sócio Lauro Henrique Alves Pinto, um dos “Filhos da Pauta”. Inda assim, preferia os mocassins e os pés na estrada. Xodó das multidões, para as quais era quase sinônimo de piano brasileiro, desfrutava uma liberdade incomum de escolher onde, como e com quem aparecer: mais que arroz de festa, o rei do rolê aleatório.
Até no gibi.
Se não, vejamos: depois de quase tocar com Elomar no formigueiro humano de Serra Pelada – com direito a transporte em avião da FAB, piano incluso -, acabou na não menor muvuca do Festival de Águas Claras, o “Woodstock” brasileiro, onde dividiu palco com Luiz Gonzaga (“esse cabra é tão bom que toca até Luiz Gonzaga”, foi o veredito do próprio) numa noite encerrada por João Gilberto. Às línguas de trapo que o acusavam de buscar as massas por estar em decadência técnica, respondia dando um tempo às turbas para, numa visita à Polônia, tocar (e gravar) Rachmaninoff desse jeito:
Sossegou? Claro que não: deixou São Paulo e mudou-se para o Rio, o qual voltou a chamar de morada depois de vinte anos. Foi fagocitado quase que de imediato pela boemia e requisitado em cada cantina, restaurante ou boteco onde, entre biritas, se cultivasse a boa prosa. Na confraria conhecida como “Clube do Rio”, aproximou-se de Millôr Fernandes, que prontamente reconheceu o potencial da avis rara e lhe escreveu um show, que também dirigiu – e assim, não mais que de repente, nascia “De Repente”.
Alternando textos de Millôr com bitacos de Arthur e grande música dos dois lados do muro da infâmia entre o dito “erudito” do assim chamado “popular”, o show foi um triunfo. Não demoraria para que o showman chegasse às telinhas, a convite de Adolpho Bloch, fundador da Rede Manchete. Conhecera-o em Moscou, nos seus tempos de Conservatório, mas estreitaram o convívio no Rio, frequentando o mesmo barbeiro, praticando o idioma russo e divertindo-se a falar, sem que ninguém mais compreendesse, bandalheiras impublicáveis. Conquistado por aquele tipo maravilhoso que parecia pronto para TV, Bloch ofereceu-lhe carta branca para criar um programa semanal. Arthur pediu alto e levou: recebeu duas orquestras, dirigidas por Paulo Moura, que também lhe fazia os arranjos, e a crème de la crème da música brasileira no rol de convidados. Nascia Um Toque de Classe, carregado daqueles momentos que, ao imaginá-los na TV aberta, fazem-me questionar em que sentido, enfim, roda a fita da civilização:
Arthur, que nunca foi muito afeito ao canto, ficou especialmente impressionado com a voz de Ney Matogrosso, que buscava novos rumos para sua carreira depois do frisson que causou com suas performances no extinto conjunto Secos & Molhados:
Ney, inacreditavelmente, ainda não se convencera de que era cantor. Arthur sugeriu que deixasse de lado a maquiagem e figurinos estrambólicos que até então tinham marcado sua carreira e que, de cara lavada, apostasse em sua rara voz. Não demorou até que o belíssimo contralto de Ney, tratado como afinado instrumento, estivesse a dividir o palco com outros quatro virtuoses.
Assim, na luxuosa companhia de Arthur, Paulo Moura (saxofone), Chacal (percussão) e Raphael Rabello (violão de sete cordas), Ney inaugurou uma nova fase em sua carreira com o show O Pescador de Pérolas. De lambujem, aproximou-se de Rabello, há já muitos anos um dos maiores violonistas do mundo, com quem mais adiante gravaria À Flor da Pele, que, em minha desimportante opinião, é um dos álbuns mais sensacionais que Pindorama deu ao mundo. O Pescador de Pérolas também virou disco, ainda que se lamente que o som do piano de Arthur, aparentemente, tenha sido captado do fundo duma lata de azeite:
Lambuzado de mel pelas massas e com saudades, talvez, de ferroadas, Arthur resolveu atirar-se no vespeiro: instigado por seu guru Darcy Ribeiro, aceitou a nomeação para alguns cargos públicos no Governo do Rio. Sob sua direção, o Theatro Municipal e a Sala Cecília Meireles receberam em seus palcos muita gente que seus habitués não deixariam nem entrar pela porta dos fundos, como a Velha Guarda da Portela. Divertindo-se com o previsível reproche de quem via violados seus espaços exclusivos e sacrossantos. Arthur ligou aquele famoso botão e prosseguiu: tocou em favelas (uma imagem de “Rocinha in Concert”está no cabeçalho dessa postagem) e chamou a Orquestra de Câmara de Moscou para tocar com ele em teatros, ao ar livre e em presídios. Quem o chamava de decadente – nem sempre por méritos artísticos – acabava por ter que deglutir cenas como as do Projeto Aquarius, em que o suposto ex-pianista e a Sinfônica Brasileira tocavam para Fla-Flus de gente:
Sim, 200 mil
Para refrescar-se das saraivadas de tomates, o Rei do Rolê Aleatório foi harmonizar seu piano com uma das vozes mais distintas do Brasil, o barítono de Nelson Gonçalves. Com alguns milhares de canções no repertório, escolher o que iria para o álbum foi por si só uma empreitada. O mais difícil, com sobras, era a incompatibilidade de relógios biológicos: Nelson acordava na hora em que Arthur ia dormir. Ainda assim, com cantor no fuso horário de Bagdá e pianista no de Honolulu, a parceria deu liga e rendeu um dos melhores álbuns de suas imensas discografias, O Boêmio e o Pianista:
Miacabo com Arthur e sua cara de “acordei agora”
Durante a extensa turnê com Nelson por mais de trinta cidades brasileiras, Arthur encantou-se com a tranquilidade e o clima ameno de Florianópolis e resolveu, enfim, lançar nela sua âncora. Trouxe seus pianos para perto do mar e até deve ter contemplado a ideia de sossegar. O sucesso da coleção “Meu Piano”, que vendeu um milhão de CDs a preços módicos em bancas de revistas, mostrou-lhe que o público não queria seu sossego. Pelo contrário: ainda havia muito mais gente a conquistar, nos vastos horizontes brasileiros, a ser buscada em seus últimos recantos, mesmo nas grotas que nunca tinham visto um piano. Assim, o rei das harmonizações improváveis juntou um Steinway com uma caçamba de Scania e partiu, como orgulhoso Camelô da Música (o termo é dele), para a mais épica jornada jamais empreendida por um artista brasileiro.
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
Volume 24: CLÁSSICOS FAVORITOS V
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Do Pequeno Caderno para Anna Magdalena Bach:
Christian PETZOLD (1677–1733) 1 – No. 2: Minueto em Sol maior, BWV Anh. 114
Johann Sebastian BACH
2 – No. 20: Minueto em Ré menor, BWV Anh. 132
Anton DIABELLI (1781-1858)
Das Sonatinas para piano, Op. 168: 3 – Moderato cantabile
4 – Andantino
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Das Duas Sonatinas para piano, WoO Anh. 5 5 – Sonatina em Sol maior
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Do Álbum para Jovens, Op. 68 6 – O Camponês Alegre
7 – O Cavaleiro Selvagem
8 – Siciliana
9 – Um Pequeno Romance
10 – São Nicolau
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Seis DançasPopulares Romenas, Sz. 56 11 – Do Bastão
12 -Do Lenço
13 – Sem Sair Do Lugar
14 – Da Trompa
15 – Polka Romena
16 – Finale: Presto
Heitor VILLA-LOBOS (1887-1959)
Do Guia Prático para Piano, Primeiro Álbum: ,17 – Acordei de Madrugada
18 -A Maré Encheu
19 – A Roseira
20 -Manquinha
21 – Na Corda Da Viola
[as obras de Villa-Lobos não estão disponíveis pelos motivos aqui listados]
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Das Doze Peças para piano, Op. 40: 22 – No. 2: Chanson triste
Enrique GRANADOS Campiña (1867-1916)
Das Doze Danças Espanholas: 23 – No. 5, “Andaluza”
Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998-99 Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999.
Antônio CARLOS GOMES (1836-1896) Transcrição de Nicolò Celega (1846-1906)
Da ópera Il Guarany: 1 – Protofonia
Carl Maria Friedrich Ernst von WEBER (1786-1826)
2 – Convite à Dança, Op. 65
Franz Peter SCHUBERT (1979-1828)
Dos Quatro Improvisos para piano, D. 899: 3 – No. 4 em Lá bemol maior
Jakob Ludwig Felix MENDELSSOHN Bartholdy (1809-1847)
4 – Rondo Capriccioso, Op. 14
Johannes BRAHMS (1833-1897)
Das Valsas para piano, Op. 39: 5 – No. 1 em Si maior
6 – No. 2 em Mi maior
7 – No. 3 em Sol sustenido menor
8 – No. 6 em Dó sustenido maior
9 – No. 15 em Lá bemol maior
George GERSHWIN (1898-1937)
10 – Rhapsody in Blue
Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1999 Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999.
Volume 38: CLÁSSICOS FAVORITOS IX – TRANSCRIÇÕES CÉLEBRES
Ferenc LISZT (1811-1886)
Dos Doze Lieder de Franz Schubert, S. 558: 1 – No. 9: Ständchen
2 – Miserere du Trovatore de Giuseppe Verdi, S. 433
Do Wagner-Liszt Album:
3 – Isoldes Liebestod
4 – Liebeslied, S. 566 (baseada em Widmung, Op. 25 no. 1 de Robert Schumann)
De Années de Pèlerinage – Deuxième Année: Italie, S. 161:
5 – No. 5: Sonetto 104 del Petrarca
Johannes BRAHMS Transcrição de Percy Grainger (1882-1961)
Das Cinco Canções, Op. 49: 6 – No. 4: Wiegenlied
Aleksandr Porfirevich BORODIN (1833-1887) Transcrição de Felix Blumenfeld (1863-1931)
De Príncipe Igor, ópera em quatro atos: 7 – Dança Polovetsiana no. 17
George GERSHWIN Transcrição de Percy Grainger
8 – The Man I Love
Oscar Lorenzo FERNÁNDEZ (1897-1948) Transcrição de João de Souza Lima (1898-1982)
Da Suíte Reisado do Pastoreio: 9 – No. 3: Batuque
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: All Saints Church, Tooting, Londres, Reino Unido, 1999 Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999
Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946) Transcrição do compositor
Do balé El Sombrero de Tres Picos: 12 – Danza del Molinero
Gabriel Urbain FAURÉ (1845-1924) Transcrição de Percy Grainger
Das Três Melodias, Op. 7:
13 – No. 1: Après un Rêve
Ludomir RÓŻYCKI (1883-1953) Transcrição de Grigory Ginzburg (1904-1961)
14 – Valsa da Opereta Casanova
Antônio CARLOS GOMES
15 – Quem Sabe?
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: All Saints Church, Tooting, e Rosslyn Hill Chapel, Londres, Reino Unido, 1999 Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1999
“9ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele abordou os seguintes tópicos, sobre sua carreira na década de 1990: concertos que tocou no morro da Mangueira e na Rocinha; período em que foi diretor da Sala Cecília Meireles; período em que foi subsecretário de cultura do estado do RJ, encarregado do interior; sua colaboração com o cantor Nelson Gonçalves; o recital que realizou juntamente com Ana Botafogo; seu disco dedicado ao compositor Brasílio Itiberê; a grande coleção de 41 CDs “Meu piano”, lançada pela Caras em 1998; a caixa de 6 CDs “MPB – Piano collection”, dedicada a Dorival Caymmi, Chico Buarque, Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Roberto Carlos; disco dedicado a Astor Piazzolla, com arranjos de Laércio de Freitas”
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Eis o ponta-esquerda Joaquim Albino, o Quincas (1931-2000).
O Dia das Crianças estaá longe, mas aqui já temos o presente! Em homenagem às eternas crianças que somos, ofereço essas três peças de cunho infantil, de Prokofiev e Saint-Saens.
As peças
Sergei Prokofiev escreveu “Pedro e o Lobo” para o Teatro Infantil de Moscou em 1936. Esta história foi criada para ser narrada enquanto a música toca e para entendê-la precisamos, antes de mais nada, sabermos que: O Pássaro é representado pelo som de uma flauta; o Pato, um oboé; o Gato, uma clarineta; o Avô, um fagote; o Lobo, cornetas francesas; os Caçadores, tímpanos. Pedro é representado pelas cordas. Nessa versão não temos o narrador, fica a cargo de cada um, fechar os olhos e deixar a imaginação florar.
“Histórias de uma Velha Avô”, quatro peças para piano, escritas pouco depois da estreia em Nova York de Prokofiev em 1918, não têm enredo especial, mas são permeadas de lembranças russas.
Escutar “Carnaval dos Animais” de Camille Saint-Saens é como fazer uma viagem musical ao zoológico. Em primeiro lugar, após a introdução, surge a “Marcha Real do Leão”, rugindo nas cordas e pianos. Depois surgem galinhas cacarejando e ciscando (cordas e piano) precedendo galos cantando (clarinete). Os “Jumentos Selvagens” da Mongólia, famosos por sua notável velocidade, aparecem retratados pelos dois pianos. Para fazer uma piada, Saint-Saens, em “Tartarugas”´pegou dois temas vistosos de Offenbach (incluindo o seu famoso “Can-Can”) e os colocou num andamento de passo de tartaruga. Outra paródia surge com o “Elefante”, onde as melodias suaves e semelhantes a contos de fada da “Dança das Sílfides” de Berlioz e de “Sonho de uma Noite de Verão” de Mendelsohn são executadas por cantrabaixos duplos.
Os “Cangurus” destaca os dois pianos como que pulando em derredor. No “Aquário” vislumbram-se brincadeiras de peixes na água proporcionada pelos pianos e, originalmente, uma harmônica de vidro (invenção de Benjamim Franklin em que copos de diferentes tamanhos são mergulhados numa calha com água). Em “Personagens com Grandes Orelhas” Saint-Saens não estava somente se referindo a jumentos, mas talvez, também a asnos humanos.
O “Cuco” em duas notas incessantes da clarineta é ouvido nas florestas sombrias (pianos). O “Viveiro de Aves” é um “tour de force” para a flauta. O tratamento de Saint-Saens ao talvez mais tranquilo de todos os animais, os “Pianistas”, de forma bem humorada critica as escalas e exercícios iniciais dos estudantes. “Fósseis” desencava quatro antigas canções francesas, uma parte do “Barbeiro de Sevilha”, bem como “Dança Macabra” do próprio Saint-Saens. O “Cisne” do violoncelo é o mais famosos dos animais e, talvez, o trabalho mais reputador de Saint-Saens. O momento mais sublime não só da peça, mas, provavelmente de toda a obra do compositor.
O “Finale”, outro can-can, reapresenta muitos mebros do zoológico musical, terminando de forma magistral com um último “relinchar” do asno.
.oOo.
Sergei Prokofiev & Camille Saint-Saens: Obras Infantis
Sergei Prokofiev
Peter and the Wolf, Op. 67
01. Andantino (1:00)
02. Allegro – Andantino come prima (1:29)
03. L’istesso tempo – Piu mosso (2:24)
04. Moderato – Allegro ma non troppo – Moderato (1:47)
05. Poco piu andante (1:03)
06. Andantino, come prima (1:07)
07. Andante molto (1:24)
08. Nervoso – Allegro – Andante (1:40)
09. Allegretto – Moderato (1:34)
10. Andantino, come prima – Meno mosso (1:05)
11. Vivo – Andante molto – Vivo – Andante (1:17)
12. Allegro – Poco meno mosso – Moderato (Meno mosso) (1:56)
13. Allegro moderato (1:16)
14. Andante (0:36)
15. Moderato – Poco piu mosso (Allegro moderato) – Sostenuto – L’istesso tempo – Poco piu mosso (4:04)
16. Andante – Allegro (0:30)
The Tales of an old Grandmother, Op. 31
17. I. Moderato (3:24)
18. II. Andantino (1:52)
19. III. Andante assai (2:33)
20. IV. Sostenuto (3:38)
Camille Saint-Saens
Carnival of the Animals
21. No. 1: Introduction and Royal March of Lion (2:24 )
22. No. 2: Hens and Roosters (0:57)
23. No. 3: Wild Donkeys (0:40)
24. No. 4: Tortoises (2:00)
25. No. 5: The Elephant (1:21)
26. No. 6: Kangaroos (0:50)
27. No. 7: Aquarium (2:13)
28. No. 8: Personages with long ears (0:55)
29. No. 9: The Cuckoo in the Heart of the Woods (1:59)
30. No. 10. Aviary (1:17)
31. No. 11: Pianists (1:26)
32. No. 12: Fossils (1:15)
33. No. 13: The Swan (3:04)
34. No. 14: Finale (2:00)
St. Peterburg Radio & TV Symphony Orchestra
Stanislav Gorkovenko
Repostagem apressada para homenagear o grande instrumentista Jack DeJohnette (1942-2025), aqui em um de seus momentos mais vanguardistas e, para mim, um dos mais brilhantes discos ao vivo dos últimos 30 anos (Pleyel)
Invisible Nature é um álbum ao vivo do saxofonista inglês John Surman e do baterista norte-americano Jack DeJohnette, gravado em Tampere (Finlândia) e Berlim em 2000. Quem segue o PQP sabe de minha tara por Surman. Bem, há cinco décadas, John e Jack encontram-se em Londres para jams regulares. Seu primeiro disco como dupla, The Amazing Adventures of Simon Simon, definiu um estilo espaçoso e aberto, quase de free jazz.
Os saxofones e o clarinete de Surman sempre tiveram um tom leve, de pássaro. Ele vibra, tece e mergulha no ar. DeJohnette é um baterista que usa suas habilidades com bom gosto e discrição. Ele se acomoda tranquilamente em Invisible Nature, até realiza isto com certo abandono em músicas como Rising Tide e Outback Spirits, ao lado das explorações proporcionalmente enérgicas de Surman. O CD oferece uma variedade idiossincrática de sons e abordagens. As melodias variam de sussurrantes a exploratórias, e a eletrônica expande a paleta de cada músico. Estas performances demonstram que DeJohnette e Surman têm um relacionamento intuitivo e aventureiro. Ao final de Fair Trade, Surman fala no fantastic Jack DeJohnette, Não há como não concordar. Surman também é.
(Relendo o que escrevi, acho que sugeri que o CD tem muita coisa eletrônica. É falso. Quase tudo é acústico).
.: interlúdio :. John Surman & Jack DeJohnette: Invisible Nature (ao vivo)
1 Mysterium 15:57
2 Rising Tide 9:32
3 Outback Spirits 12:30
4 Underground Movement 9:45
5 Ganges Groove 6:36
6 Fair Trade 11:21
7 Song For World Forgiveness 9:29
John Surman – soprano and baritone saxophones, bass clarinet, synthesizers
Jack DeJohnette – drums, electronic percussion, piano
Entre 1899 e 1903, Béla Bartók estudou na Real Academia de Música de Budapeste. Mas o principal aprendizado foi de 1908 a 1914 quando se dedicou a estudar e coletar melodias folclóricas húngaras, romenas e de vários outros povos da Europa do leste. A outra grande influência de Bartók, especialmente para sua música orquestral, foi Claude Debussy: menos no que se refere à busca por sonoridades únicas (mas também um pouco nisso) e sobretudo pela quebra que Debussy faz na narratividade musical da música romântica. O tipo de desenrolar não linear de cenas como no Fauno, em La Mer e nos Noturnos, que buscam evitar os desenvolvimentos grandiosos rumos aos céus tão típicos da música austro-germânica (Beethoven, Wagner, Bruckner, Mahler, Strauss). Isso tudo foi absorvido tanto por Bartók como por Stravinsky, lembrando aliás que estes dois nasceram a um ano de distância. Então há diversos momentos no Mandarim de Bartók em que as viradas e paradinhas orquestrais nos fazem crer que estamos ouvindo algo de Debussy ou de Stravinsky.
Nesta gravação, com o compositor Bruno Maderna regendo a orquestra de Mônaco, não temos tutti orquestrais tão impactantes quanto os de Boulez/Chicago (aqui), Rattle/Birmingham (aqui) ou Salonen/Los Angeles (aqui), o destaque aqui fica com os vários momentos solos dos sopros: oboé, fagote… Além das percussões e outros detalhes da composição do jovem Bartók que, aliás, gerou um pequeno escândalo na época pela temátca escandalosa que envolvia prostituição e crimes.
Na Sonata para Dois Pianos e Percussão, o estilo é mais fortemente característico de Bartók. Composta em 1937 e estreada em 38 pelo compositor e sua esposa como pianistas – portanto, doze anos após a estreia do Mandarim que foi composto entre 1918 e 24 -, ela tem elementos já desenvolvidos em obras como Out of doors (1926, aqui) e os Concertos para Piano nº 1 e 2 (1926 e 1931, aqui), como os momentos percussivos dos pianos e o uso de clusters (várias notas próximas tocadas ao mesmo tempo). A pianista Geneviève Joy era uma especialista na música do século XX: basta dizer que ela estreou a belíssima sonata para piano de Henri Dutilleux.
Béla Bartók (1881-1945):
1. O Mandarim Miraculoso
2-4. Sonata para dois pianos e percussão
5. Suíte de Danças (Maderna, Monte Carlo / Joy, Robin, Casadesus, Drouet)
Orchestre National de l’Opéra de Monte-Carlo, Bruno Maderna (faixas 1, 5)
Pianos: Geneviève Joy, Jacqueline Robin (faixas 3-5)
Percussão: Jean-Claude Casadesus, Jean-Pierre Drouet (faixas 3-5)
Ninguém é tão pessoal quanto Scarlatti: as únicas regras que ele obedece são as suas próprias. Chegando em Portugal com 34 anos, ele era ainda um compositor convencional à sombra do seu famoso pai, mas já reconhecido como um virtuose excepcional do cravo e do órgão. Mas a descoberta de novas culturas teve sobre ele um efeito renovador… Nas suas sonatas, tudo pode se confrontar e se misturar. Dança, retórica, teatro, exotismo, prática instrumental, tradições eruditas e populares se articulam e dão origem a simbioses e experiências.
(Adaptado das contracapas dos discos)
Giuseppe Domenico Scarlatti (Nápoles, 26 de outubro de 1685 — Madrid, 23 de julho de 1757) nascia há exatos 340 anos, alguns meses após os nascimentos de J.S. Bach e de G.F. Händel em terras alemãs. É uma coincidência impressionante o nascimento desses três compositores que, entre outras obras, tanto escreveram para os instrumentos de teclado, dos quais o cravo tinha a predominância em ambientes seculares e o órgão, nas igrejas. Então celebremos hoje a vida de Domenico, vida longa para a nossa sorte, pois ao contrário de tantos gênios precoces (Mozart, Chopin, Scriabin) ele produziu a maior parte de sua obra depois dos 40 anos e provavelmente mesmo depois dos 60.
O cravista Pierre Hantaï é um velho conhecido do pessoal aqui do blog, principalmente pelas suas gravações de J.S. Bach (aqui, aqui, aqui, entre muitos outros CDs). Aqui, como em outras gravações, ele utiliza instrumentos de sonoridades um tanto delicadas, cheias de nuances às vezes suaves, diferentes dos cravos que se ouvia mais nas décadas de 1950 a 80, quando o som do instrumento era mais estridente e combinava mais com trilhas de filmes de terror do que com melodias folclóricas espanholas e napolitanas. Não dá pra dar todo o crédito ao instrumentista francês, é claro, pois a preparação do instrumento envolveu outras pessoas: nas últimas décadas os afinadores e outros técnicos especializados passaram a conhecer muito melhor esses instrumentos após o seu ocaso de cerca de 200 anos.
Uma curiosidade sobre a música de Scarlatti é o quanto ela, com diversas melodias de caráter popular, era admirada por Béla Bartók que, como sabemos, além de compositor era também um dedicado estudioso de expressões musicais folclóricas. Como um pintor que escolhe expor os seus quadros ao lado daqueles de poucos mestres selecionados a dedo, quando Bartók tocava piano em público, era quase certo que algumas sonatas de Scarlatti estariam presentes, como relata a biografia Béla Bartók, por József Ujfalussy:
One striking feature of his recitals is that the works performed were, apart from his own compositions and those of Kodaly, mainly sonatas by the eighteenth-century composer, Scarlatti, and selections from Debussy’s Preludes. (…)
In 1911, he played works by Scarlatti, Couperin and Rameau at the concerts organized by UMZE; and in 1912 he wrote an article for Zenekdzlony on ‘the performance of works written for the clavecin’.
The concert he gave in Szeged [Hungary] in November 1921 (…) At this concert he played works by Scarlatti and Kodaly and also some of his own songs and piano compositions.
Domenico Scarlatti (1685-1757):
100 Sonatas (6 CDs)
Pierre Hantaï, cravo
Os napolitanos Farinelli (centro) e Scarlatti (direita) segurando partituras na corte de Madrid, pelo pintor napolitano Jacopo Amigoni (1685-1752)
Pleyel
Quase não há algum aspecto da vida espanhola, da música e dança popular espanhola, que não tenha encontrado seu lugar no microcosmo que Scarlatti criou com suas sonatas.
Domenico Scarlatti nasceu em 1685, o mesmo ano em que nasceram Bach e Handel, dois gigantes da música barroca. O pai de Domenico era um famoso compositor napolitano de óperas e Domenico seguiu os passos do pai, produzindo o mesmo tipo de música que ele. Mas, Domenico era um ás do teclado, especialmente do cravo. De 1720 em diante sua vida se entrelaçou com a Corte Portuguesa e ele tornou-se professor de música da princesa Maria Bárbara de Bragança, que se casou com o príncipe que se tornaria o rei Ferdinando IV de Espanha. De Portugal para Espanha, do fado para o flamenco, calles e castanholas, tudo combinando para a criação de 550 ou mais peças maravilhosas para instrumentos de teclado, que desde suas criações fazem parte do repertório de grandes cravistas e pianistas.
Muzio Clementi editou 10 dessas sonatas em 1791 (ano da morte de Mozart, Beethoven tinha 21 anos e ainda estava morando em Bonn). Carl Czerny (que foi aluno de Beethoven), Brahms e especialmente Chopin tinham grande admiração pelas sonatas de Scarlatti.
Horowitz, Ralph Kirkpatrick, Michelangeli são alguns nomes de uma geração de tecladistas que sempre mantiveram, cada um com seu talento e forte personalidade, vivo o interesse pela obra de Domenico. Eu admiro imensamente as gravações feitas na década de 1990 por Mikhail Pletnev (generosa seleção de 31 sonatas) e Ivo Pogorelich (15 belíssimas sonatas) que me deixaram Scarlatti-dependente. Essas e as (poucas, pena!) sonatas gravadas por Perahia no seu disco com obras de Handel e Scarlatti, outro disco antológico. Passei muito tempo ouvindo esses discos, de novo e de novo. Identificar as sonatas que aparecem em duas (ou mais) dessas gravações é uma diversão muito prazerosa.
Mas, hoje é dia de Alberto Urroz, o artista que escolhi para a postagem, parte da homenagem e a comemoração pelos 340 anos de nascimento do grande Domenico Scarlatti. Isso porque decidi buscar entre os lançamentos mais recentes gravações que exibissem um contínuo interesse pela obra dele e que mostrassem que as novas gerações de intérpretes estão a altura das grandezas dos intérpretes do passado, mesmo que recente.
Urroz dando um ‘test drive’ em um grand da coleção de pianos do PQP Bach Coop.
Escolhi este particular disco do pianista Alberto Urroz por vários motivos. O disco gravado pelo selo espanhol lbs Classical, foi gravado no Auditório Manuel de Falla, em Granada, entre 2 e 4 de setembro de 2017 e tem produção impecável. Som espetacular e livreto muito informativo em espanhol e inglês. A escolha cuidadosa das sonatas forma um conjunto muito representativo. As Sonatas K. 9, em ré menor, K. 96, em ré maior, K. 8, em sol menor, K. 213, em ré menor, aparecem também no álbum de Mikhail Pletnev e eu as amo. Dois exemplos de ‘pares de sonatas’: K. 208 e 209, em lá maior, e K. 132 e 133, em dó maior. A Sonata em lá maior, K. 208 é outras dessas figurinhas carimbadas, linda, é introspectiva e tímida, enquanto sua ‘irmã’, K. 209, é extrovertida, toda saída. Uma deve ter seguido para o convento enquanto a outra vivia nas ruas e feiras… Se você já é fã da obra de Scarlatti, vai se deliciar com o disco. Se você ainda não tem tanta familiaridade assim com ela, encontrará aqui um bom lugar para começar, uma oportunidade para travar conhecimento com música que vai lhe encantar por toda a vida.
Alberto Urroz’s interpretations of Scarlatti’s piano sonatas have been praised for their color, movement, and rhythmic sense, which are informed by dance and subtle variations in timbre.
As the artistic director of the Mendigorria International Music Festival in Spain, pianist Alberto Urroz has produced and created multidisciplinary programs featuring music, art, and dance. I mention this only because color and movement inform his Scarlatti playing, meaning that his rhythmic sense is informed by dance, and he discreetly varies his timbre to imbue repeated phrases with variety and to underline the composer’s tangy dissonances. […] In all, there’s lots of engaging music-making afoot, and if you share my weakness for investigating Scarlatti piano collections, give this release a spin.
I gave even more than one spin…
Aproveite!
René Denon
Tri-gênios da música barroca! Eles compravam suas perucas do mesmo ‘peluquero’…
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a oitava das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
A relativa linearidade da trajetória de Arthur como estudante e pianista de concerto – da juventude no Rio nos anos 40 e 50, passando pelos períodos formativos em Paris e Moscou nos 60, até a década de 70, vivida mormente em turnês com bases em Viena e Barcelona – até que tornou fácil minha tarefa de contar suas muitas proezas ao longo das sete postagens anteriores. Como se diz nas conversas de boteco:
– Até aqui, tudo bem.
O que, sim, me tirou o sono desde que comecei essa série foi a perspectiva de ter que lhes explicar como um multilaureado pianista de concerto, que praticamente tinha cosidas a si a casaca e a gravata-borboleta, mergulhou num mundo povoado por chorões e bardos nordestinos, fardado da inseparável jaqueta de couro de alce finlandês, que usou quase até a desintegração completa.
Ei-la.
Esse longo arco, que começou com o horror de uma mestra – Lúcia Branco, mortificada com o conjunto “Filhos da Pauta”, que tinha Arthur como pianeiro e seus colegas de Colégio Militar a animarem aniversários com boleros e sambas-canção -, terminou com o muxoxo de outro mestre: Rudolf Kehrer, um ardente fã do ex-pupilo que, não obstante, fez saber através de amigos em comum da decepção com os rumos que sua carreira tomara.
Foto totalmente fora de contexto, mas não perderíamos a oportunidade de compartilhar esse registro maravilhoso de Arthurzinho e Nelsim tocando a quatro mãos e, parece, num concurso de semblante mais blasé.
Não que Arthur se importasse: morando na Europa e exasperado pela rotina de turnês, contemplou longamente a ideia de dar um cavalo de pau na sua vida. Sua guinada foi catalisada pela morte precoce de um grande amigo, Cláudio Mauriz, seu colega no Liceu Francês e ex-goleiro do Santos Futebol Clube, que mal conseguira rever entre as andanças de ambos pelo globo. De que lhe valiam suas conquistas, pensava, se não conseguia estar perto dos que mais lhe importavam? Enfim decidira: não só voltaria ao Brasil, como também começaria, aos poucos, a deixar a doideira da rotina de concertista internacional para embarcar em outras doideiras.
Em pouco tempo, enquanto colhia sucessos plantados com a jaqueta de alce e a calçar mocassins, já tinha que se defender assim da previsível chuva de tomates críticos:
O músico não pode ficar restrito a um instrumento, a um gênero musical. Ele tem de errar. Tem de ensaiar, tentar atingir novos universos. O essencial não é brilhar, mas tentar e fazer”
Não faltaram tentativas, e a elas – tomates à parte – tampouco faltou brilho. Arthur estreou no choro em grandíssimo estilo, com o Época de Ouro, conjunto fundado por seu ídolo, Jacob do Bandolim. Mario de Aratanha, fundador da Kuarup Discos, assim nos conta em suas notas ao LP “Chorando Baixinho”:
O envolvimento de Arthur Moreira Lima com a música popular carioca foi gradual, e partiu de seu amor pelo choro e de seus antológicos álbuns dedicados a Ernesto Nazareth. O sucesso que se seguiu levou Albino Pinheiro [um dos fundadores da Banda de Ipanema] a convidá-lo para o famoso Seis e Meia, em setembro de 77. Lá, no [Teatro] João Caetano, Arthur tocou pela primeira vez com um regional: duas músicas com o conjunto do Dadinho, que ele mesmo havia trazido de Santos para a Praça Tiradentes.
Em maio de 78, recém chegado da Europa, Arthur topou fazer seu primeiro show só de música popular, ao lado do conjunto Galo Preto, reforçado na época pelo [violão de] 7 cordas de Raphael Rabello, o Rafa. Foi no MAM do Rio, sob a direção do Paulo Moura, quando ele lançou o Choro de Mãe do Wagner Tiso, tocou Tom e Luizinho Eça, e ‘chorou’ à vontade durante cinco noites. Numa esticada na Churrascaria Jardim, Arthur desabafou seu grande sonho: tocar com os maiores cobrões do choro:
– Imagina eu tocando com o Abel Ferreira? E com o Copinha? E o Época de Ouro em peso lá atrás, com o Dino na baixaria? Hein? Hein? – e voltou a atacar uma nova fatia de maminha de alcatra.
[…] E tudo deu certo. Além de Abel, Copinha e o Época de Ouro, chamou-se o Zé da Velha. No último momento, o Ronaldo do Época de Ouro ficou com hepatite, e o Jorginho então chamou o Joel Nascimento para os solos de bandolim. O Airton Barbosa reuniu o pessoal na casa da Maliza, tia do Arthur, na Avenida Atlântica, e os ensaios viraram roda de choro em volta do piano de sarau. Foi um espetáculo só […] E o sonho virou disco.”
Treinado, dir-se-ia adestrado, desde os tempos de calças curtas a seguir estritamente a música depositada em pautas, Arthur via-se compelido a reinventar-se fora delas, tanto para acompanhar músicos que nunca as precisaram seguir, como para também improvisar com eles. Nesse afã de encontrar um caminho do meio entre a música posta em papel e ouvida em teatros e tudo o mais que havia fora deles, ele soube exatamente a quem recorrer.
Radamés Gnattali, um dos músicos brasileiros mais versáteis de todos os tempos, era dotado duma capacidade única de transitar entre universos e de aproximá-los, com harmonia e orquestração refinadíssimas, de forma sofisticada e inovadora. Tremendo pianista, que Arthur sempre colocou na lista dos maiores que conheceu, Gnattali tivera planos de se tornar concertista, mas foi premido a ganhar o pão como operário da Música. Despendeu décadas como maestro, pianista e prolífico arranjador para rádio e televisão e mostrou que o samba e o choro podiam ser material de música de concerto cheia de verve e elegância.
Para aquela traiçoeira navegação por universos musicais ditos dicotômicos não poderia haver farol melhor. O veterano, por sua vez, ao ver achegar-se aquele virtuose que conhecia desde menino e se enfadara com a vida que ele sonhara para si mesmo, viu a oportunidade de realizar através dele muito do melhor que imaginou para o piano. Sabendo do imenso amor do ex-moscovita por Noel Rosa (ele chegou a declarar ao Pasquim que, se fosse mulher e vivesse no tempo dele, estariam feitos), dedicou-lhe um concerto baseado em seus temas favoritos do mestre de Vila Isabel, que já lhes oferecemos aqui. A morte de Radamés, em 1988, reviveu em Arthur os sentimentos de orfandade que tanto lhe marcaram a infância. Crendo firmemente que jamais fora grato o bastante ao falecido, e sabedor do quão rapidamente o Brasil esquecia seus gênios, teve urgência em lhe fazer um tributo. Em tempo recorde, sob os auspícios da então pujante Varig, viria a público a homenagem ao demiurgo recém-chegado ao céu:
O improvável encontro com Marcus Pereira, que levou à gravação dos álbuns nazarethianos e todos seus desdobramentos, levaria a outro, ainda menos plausível. Dessa vez, foi Marcus quem fez as honras e lhe apresentou o bardo Elomar, o raríssimo combo de músico, poeta e criador de bodes de quem, obviamente, tornou-se instantaneamente amigo. Logo no primeiro encontro, Elomar – doravante “Bodão”, que era como todos amigos o chamavam – assegurou ao pianista que sua música não tinha “nada dessa suvaqueira de bossa nova”. E não tinha mesmo: Arthur achou-a quase medieval e teve a sacada de acompanhá-la ao cravo, que tomou emprestado ao cravista e luthier Roberto de Regina. Não tardou para a parceria, que tantos diriam esdrúxula como siri com Toddy, virasse show e álbum:
Arthur e Bodão planejavam algo ainda maior e, antes que pudessem acionar seu mentor, viram-se devastados pela morte de Marcus Pereira. Enquanto secavam o choro, uniram-se a dois outros virtuoses – Paulo Moura e Heraldo do Monte – e lançaram seu tributo a Marcus na forma do ConSertão, que virou show e também um álbum que vocês já ouviram aqui no PQP.
Arthur é ótimo; o que estraga são os amigos.
Se até críticos que normalmente o reverenciavam, como José Tinhorão, autor do aforismo acima, torciam o nariz ao verem o Arthur de Jaqueta Velha a tocar “André de Sapato Novo“, que diriam aqueles que desde sempre o desancaram? Mesmo alguns fãs rezavam segundo o adágio corrente, o de que Arthur era tão só um ex-pianista que buscara refúgio no ecletismo para disfarçar sua incapacidade de atender aos rigores do pianismo de concerto.
Deixarei que o defenda Luis Fernando Veríssimo, que assim escreveu para o álbum-tributo a Radamés Gnattali:
O eclético, coitado, seria o cara obrigado a se diminuir, dispersando o seu talento. A versatilidade seria a marca da concessão, da rendição ao mercado, do abandono da seriedade. Mesmo os que não são ecléticos por necessidade, mas por gosto, sofrem com este tipo de preconceito. Uma produção musical muito abrangente – segundo o preconceito – só é feita com o sacrificio do rigor que separa o verdadeiro artista do menos verdadeiro. Incrivelmente, o academicismo brasileiro ainda não decidiu se Villa-Lobos, por ter experimentado tanto com formas populares, foi um grande compositor ou apenas um bom gigolô do exótico. Nunca se ouviu discussão parecida sobre o que Béla Bartók fez com o folclore da terra dele. Até o Arthur Moreira Lima é discutido. Haveria algo de errado, de não muito respeitável, com tanta abertura para tantas formas de prazer musical. No Brasil, depois de dizer ‘eclético’ você precisa acrescentar: ‘no bom sentido. Para ficar claro que é elogio.”
Não que nosso eclético herói, que sempre sonhou grande, se importasse com isso. Pelo contrário: adotou com orgulho o epíteto cunhado por Verissimo e, como bom gigolô do exótico, foi mostrar sua surrada jaqueta de alce para as massas.
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
Volume 20: CLÁSSICOS FAVORITOS IV/MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
José Gomes “ZEQUINHA” DE ABREU (1880-1935)
1 – Tico-Tico no Fubá
Eduardo José Alves SOUTO (1882-1942)
2- O Despertar da Montanha
Alfredo da Rocha Vianna Filho, dito PIXINGUINHA (1897-1973)
3 – Lamento
4 – Carinhoso
Antônio Carlos “TOM” Brasileiro de Almeida JOBIM (1927-1994)
5 – Luiza
Laércio de FREITAS (1941-2024)
6 – Teclas e Dedos
Francisco “CHICO” BUARQUE DE HOLLANDA (1944) Marcus VINÍCIUS da Cruz de Mello MORAES (1913-1980)
7 – Valsinha
ARISTIDES Manuel BORGES (1884-1946)
8 – Subindo ao Céu
EROTIDES Jonas de CAMPOS Neves (1896-1945) 9 – Ave Maria
Joaquim Antônio da Silva CALLADO (1848-1880)
10 – Flor Amorosa
Henrique Alves de MESQUITA (1830-1906)
11 – La Brésilienne
Francisca Edviges Neves “CHIQUINHA” GONZAGA (1847-1935)
12 – Gaúcho
Paulo MOURA (1932-2010)
13 – Mão Esquerda
Heraldo do MONTE (1935)
14 – Chuva Morna
Arthur Moreira Lima, piano
Faixas 1, 6, 7 & 9: Gravações: American Institute of Music, Nova York, Estados Unidos, 1984. Produção e engenharia de som: Judith Sherman Coordenação geral: Jay K. Hoffman Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Faixas 2, 8 & 10-14: Gravações: Sala Cecília Meirelles, Rio de Janeiro, Brasil, 1980 e 1982 Piano: Steinway & Sons, Nova York
Faixa 3: Gravação: Multistudios, Rio de Janeiro, Brasil, 1983.
Piano: Steinway & Sons, Nova York.
Faixas 4 & 5: Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998. Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.
Oito Estudos em Ritmo de Choro 2 – Alma Brasileira
3 – Noturno (com Joel Nascimento, bandolim)
4 – Capoeirando
5 – Duas Contas (com Zeca Assumpção, contrabaixo)
6 – Encontro com a Saudade (com Zeca Assumpção, contrabaixo)
7 – Guriatan de Coqueiro
8 – Por Quê?
9 – Nova Ilusão
Brasiliana nº 8 para dois pianos
13 – Schottisch
14 – Valsa
15 – Choro
Arthur Moreira Lima, piano
(nas faixas 13-15, Arthur toca as partes dos dois pianos)
Gravação: Master Studios, Rio de Janeiro, Brasil, janeiro de 1989.
Produção musical: João Pedro Borges Engenheiro de som: Carlos Eduardo de Andrade (Carlão) Técnicos de gravação: Mario Roberto Doria Possollo (Leco) e Luiz Felipe (Mequinho) Afinação, regulagem e afinação dos Pianos: Olivio Valarini Edição musical: Carlos Eduardo de Andrade (Carlão) e João Pedro Borges Supervisão do projeto: Lúcio Ricardo Marques da Silva Idealização, direção artística e produção executiva: Arthur Moreira Lima Coordenação da produção: Manuel Luis da Silva Pianos: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998
Volume 30: HINO NACIONAL BRASILEIRO/BRAZÍLIO ITIBERÊ
BRASÍLIO ITIBERÊ da Cunha (1846-1913)
01 – A Sertaneja, Fantasia Característica, Op. 15
02 – Poème d’Amour, Fantaisie, Op. 22
03 – Étude de Concert d’Après C.P.E. Bach
04 – Caprices à La Mazurka, Op. 32 nº 3
05 – Une Larme, Méditation, Op. 19
06 – Grande Mazurka de Salão, Op. 41
07 – A Serrana, Fantasia Característica
08 – La Dahabieh (La Gondole du Nil), Barcarolle de la Suite “Nuits Orientales”, Op. 27
Louis Moreau GOTTSCHALK (1829-1869)
09 – Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, para piano
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Teatro Álvaro de Carvalho, Florianópolis, Brasil, 1995
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
Engenheiro de Som: Carlos Eduardo de Andrade (Carlão)
Idealização do projeto: Rafael Greca de Macedo
Direção artística e produção executiva: Arthur Moreira Lima
Produção musical e supervisão da gravação: Rosana Martins Moreira Lima
Supervisão do projeto: Geraldo Pougy de Rezende Martins
Coordenação da produção: Manuel Luis da Silva
Edição e masterização: Estúdio Visom (Rio de Janeiro) por Rosana Martins Moreira Lima e Rodrigo Lopes
Masterização final: Estúdio Mondo di Cromo (São Paulo) por Luiz Ferreira e Vanderlei Quintino
Volume 35: CLÁSSICOS FAVORITOS VIII – VALSAS BRASILEIRAS
Zequinha de Abreu
Arranjo de Arthur Moreira Lima
1 – Branca
Alberto MARINO (1902-1967) Arranjo de Laércio de Freitas
2 – Rapaziada do Brás
Ernesto Júlio de NAZARETH (1863-1934)
3 – Epônina
Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998. Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.
Francisco MIGNONE (1897-1986)
Doze Valsas de Esquina, para piano
4 – Nº 1 em Dó menor: Soturno e seresteiro
5 – Nº 2 em Mi bemol menor: Lento e mavioso
6 – Nº 3 em Lá menor: Com entusiasmo
7 – Nº 4 em Si bemol menor: Vagaroso e seresteiro
8 – Nº 5 em Mi menor: Cantando, e com naturalidade
9 – Nº 6 em Fá sustenido menor: Tempo de valsa movimentada
10 – Nº 7 em Sol menor: Moderadamente
11 – Nº 8 em Dó sustenido menor: Tempo de valsa caipira
12 – Nº 9 em Lá bemol menor: Andantino mosso
13 – Nº 10 em Si menor: Lento, romântico e contemplativo
14 – Nº 11 em Ré menor: Moderato
15 – Nº 12 em Fá menor: Moderato – Vivo
Gravação: Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro, Brasil, julho de 1980 (valsas nos. 1, 2, 7, 8 & 12) & janeiro de 1982 Engenheiro de gravação e edição: Carlos Fontenelle Assessoria acústica: Américo Brito Produção musical: João Pedro Borges Assistência da direção: Janine Houard Assistência da gravação: Homero Moraes Assistência da produção: Heloisa Freire, Paulo Barbosa e Grace Elizabeth Produção executiva e direção geral: Mario de Aratanha
“8ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele abordou os seguintes tópicos: LP “Com licença”, e os shows de lançamento por várias cidades do Brasil; LP “De Repente”; sua amizade com Adolpho Bloch o programa de TV “Um toque de classe”, que ele apresentou na Manchete; sua ligação com Raphael Rabello; o show “O pescador de pérolas”, com Ney Matogrosso; os 3 discos de Villa-Lobos, de 1988; suas gravações que ele gosta reouvir; as diferenças entre as gravações de Ernesto Nazareth que ele fez em 1975 e 1982; as diferenças entre gravar um disco e tocar um recital ao vivo; os 8 Estudos em ritmo de choro, de Radamés Gnattali, que ele gravou no final da década de 1980″
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Eis o meia-esquerda Orlando de Azevedo Viana, o Orlando Pingo de Ouro (1923-2004).
Vocês pensam que a lua é de queijo, que o PQP é a fila da Disney, que a vida é um morango? Pois fiquem sabendo que não é nada disso, mas que hoje postamos dois CDs, ambos bastante bons de um período que se pode chamar rigorosamente de “clássico”. Postagens coerentes uma com a outra, uma raridade em nosso blog.
O polonês Blechacz é um jovem pianista — nasceu em 1985 — que é bom pra caralho e que está cheio de gravações na DG. Sua especialidade é Chopin, mas aqui ele dá um show alhures. Muito bom CD!
Haydn / Beethoven / Mozart: Sonatas para Piano (Blechacz)
Franz Joseph Haydn (1732 – 1809)
Piano Sonata in E flat, H.XVI No.52 1) 1. Allegro [7:32]
2) 2. Adagio [7:07]
3) 3. Finale (Presto) [5:30]
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827) Piano Sonata No.2 in A, Op.2 No.2
4) 1. Allegro vivace [6:23]
5) 2. Largo appassionato [7:45]
6) 3. Scherzo (Allegretto) [2:58]
7) 4. Rondo (Grazioso) [6:21]
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791) Piano Sonata No.9 in D, K.311 8) 1. Allegro con spirito [4:11]
9) 2. Andantino con espressione [6:07]
10) 3. Rondeau (Allegro) [6:41]
Para finalizar este festival de concertos de Haydn, trazemos hoje este de 2010 da Accademia Bizantina. O primeiro concerto é mesmo que fecha o último CD de Haydn postado por mim. É a única repetição dentre os nove postados. Finalmente livre dos maneirismos ornamentais de seu início de carreira, Dantone nos traz um Haydn cheio de musicalidade. O disco é excelente e feliz como o compositor.
F. J. Haydn (1732-1809): Concertos para Cravo e Violino (Dantone, Accademia Bizantina)
1. Harpsichord Concerto In D Major Hob.XVIII:11 – 1. Vivace 8:36
2. Harpsichord Concerto In D Major Hob.XVIII:11 – 2. Un Poco Adagio 6:33
3. Harpsichord Concerto In D Major Hob.XVIII:11 – 3. Rondo All’Ungherese Allegro Assai 4:50
7. Clavier Concerto In F, H.XVIII No.6 With Solo Violin – 1. Allegro Moderato 7:46
8. Clavier Concerto In F, H.XVIII No.6 With Solo Violin – 2. Largo 8:10
9. Clavier Concerto In F, H.XVIII No.6 With Solo Violin – 3. Presto 3:37
Ottavio Dantone, cravo e regência
Stefano Montanari, violino
Accademia Bizantina
Aqui estão os três concertos para piano de Haydn tocados com pianoforte. Os intérpretes são grandes especialistas neste gênero de repertório, um luxo. Se Andreas Staier é um dos maiores pianistas e cravistas da nova geração, afirmo que a a Orquestra Barroca de Freiburg é o conjunto de melhor sonoridade que tenho ouvido. Suas gravações das obras dos filhos de Bach, meus irmãos, são esplêndidas e vocês deveriam tê-las. Destaque para o primeiro e último concertos. Para tocar Haydn adequadamente, é necessário uma boa dose de humor. Staier e von der Goltz nos demonstram claramente tal fato. Staier chega a ser excessivo no último movimento do terceiro concerto… Vocês identificarão facilmente o acorde a que me refiro. CD da Harmonia Mundi alemã.
E nunca duvidem das previsões futebolísticas deste que vos fala. O post de ontem foi escrito pela manhã, quando já prevíamos a derrocada gremista e vascaína, deixando o São Paulo livre para fazer uma grande festa no próximo domingo. Já que o meu Inter não conseguiu nada no Brasileiro, melhor que nosso odioso adversário local fique também de fora, apesar da clasificação quase certa para a Libertadores.
Haydn – Concertos para Piano
1. Concerto Pour Pianoforte Et Cordes En Sol Majeur, Hob.XVIII:4: I. Allegro 10:27
2. Concerto Pour Pianoforte Et Cordes En Sol Majeur, Hob.XVIII:4: II. Adagio 8:28
3. Concerto Pour Pianoforte Et Cordes En Sol Majeur, Hob.XVIII:4: III. Finale. Rondo Presto 5:58
4. Concerto Pour Pianoforte, Violon Et Cordes En Fa Majeur, Hob.XVIII:6: I. Allegro Moderato 7:20
5. Concerto Pour Pianoforte, Violon Et Cordes En Fa Majeur, Hob.XVIII:6: II. Largo 8:37
6. Concerto Pour Pianoforte, Violon Et Cordes En Fa Majeur, Hob.XVIII:6: III. Presto 3:47
7. Concerto Pour Pianoforte Et Orchestre En Ré Majeur, Hob.XVIII:11: I. Vivace 8:31
8. Concerto Pour Pianoforte Et Orchestre En Ré Majeur, Hob.XVIII:11: II. Un Poco Adagio 6:13
9. Concerto Pour Pianoforte Et Orchestre En Ré Majeur, Hob.XVIII:11: III. Rondo All’Ungarese 4:52
Andreas Staier, piano
Freiburg Baroque Orchestra
Gottfried von der Goltz
Três concertos, três instrumentos solistas, três regentes, três maestros, nove movimentos, todos de Haydn, formam este espetacular CD. A Sony catou em seu catálogo o que de melhor tinha do compositor e saiu isso aqui. O disco recebeu 5 avaliações na Amazon, todas com a nota máxima. Deveria ir lá e dar a sexta nota cinco. Que beleza de CD. Um raio de sol e alegria.
F. J. Haydn (1732-1809): Three Favorite Concertos
1. Concerto In E-Flat Major For Trumpet And Orchestra: I – Allegro
2. Concerto In E-Flat Major For Trumpet And Orchestra: II – Andante
3. Concerto In E-Flat Major For Trumpet And Orchestra: III – Allegro
Wynton Marsalis
National Philharmonic Orchestra
Raymond Leppard
4. Concerto In D Major For Cello And Orchestra, Op. 101: I – Allegro moderato
5. Concerto In D Major For Cello And Orchestra, Op. 101: II – Adagio
6. Concerto In D Major For Cello And Orchestra, Op. 101: III. – Allegro
Yo-Yo Ma
English Chamber Orchestra
José Luís García
7. Concerto In C Major For Violin And String Orchestra, Hob. VIIa, No. 1: I – Allegro moderato
8. Concerto In C Major For Violin And String Orchestra, Hob. VIIa, No. 1: II – Adagio
9. Concerto In C Major For Violin And String Orchestra, Hob. VIIa, No. 1: III – Presto
Cho-Liang Lin
Minnesota Orchestra
Neville Marriner
Este disco é o irmão do outro postado dias atrás também com cantatas para alto de J.S. Bach. Também aqui, o órgão tem espaço para brilhar, ao contrário da grande maioria das cantatas, na qual esse instrumento faz parte do continuo junto com outros como cravo, viola da gamba, violoncelo, alaúde, etc. O continuo, na música daquele período, não tinha uma instrumentação obrigatória: por exemplo, podemos imaginar que se um talentoso contrabaixista estava visitando a cidade ele se juntava ao grupo naquele dia em específico. Quando um instrumento era realmente obrigatório, usava-se a palavra obbligato, indicando que aquele instrumento é essencial, não devendo ser omitido nem substituído.
Esses dois discos gravados pelos ingleses Davies/Cohen/Arcangelo abrangem todas as cantatas de Bach para alto. Além das três estreadas em 1726 (BWV 35, 169, 170), há também a BWV 54, estreada em Weimar por volta de 1715, e a BWV 82 – Ich habe genug, uma das mais famosas cantatas. Esta última estreou em Leipzig para voz de baixo (1727), depois foi transposta para soprano (1731) e para alto (1747), o que mostra que ela já era popular na época. Tanto a BWV 54 como a 82, como aliás a grande maioria das cantatas de Bach, não têm sofisticados solos para órgão. Nelas, o órgão se funde com o violoncelo e outros instrumentos do continuo, o que apenas acentua o encontro raro e significativo da voz com o órgão naquelas três cantatas de 1726. Naquele momento, Bach “descobriu” os duetos de alto com órgão, descoberta comparável à “descoberta” do clarinete por Mozart e do tímpano por Haydn: um encontro do compositor já maduro com sons que o estimularam por mares nunca dantes navegados. Encontro influenciado por coincidências da vida, algo que os esotéricos talvez relacionariam a uma conjunção de estrelas e os religiosos poderia chamar de milagre.
IESTYN DAVIES countertenor
with CAROLYN SAMPSON soprano / JOHN MARK AINSLEY tenor / NEAL DAVIES bass-baritone
MARK WILLIAMS organ
ARCANGELO / JONATHAN COHEN conductor
Recorded in St Jude-on-the-Hill, Hampstead Garden Suburb, London, 2015
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a sétima das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1966. Depois de iniciar seu exigente programa com a Fantasia de Schumann e a Sexta Sonata de Prokofiev, e antes de fechá-lo com os vinte e quatro Prelúdios de Chopin, o quase moscovita Arthur Moreira Lima, de visita ao pago, viu-se compelido pela bruta força da lei a tocar uma cota de peças brasileiras. Inimigo do óbvio, como sempre, guardou seus muitos Villa-Lobos nas mangas da casaca e tascou as notas inventadas por um seu conterrâneo nascido não tão longe dali, no morro do Nheco. Era a valsa de um pianeiro – pois assim chamavam os pianistas populares, ou de “bossa”, em seu tempo -, de um operário do piano que sonhara com as ribaltas dos grandes teatros, mas tivera que ganhar a vida a dar aulas e tocar em saraus, alguns dos quais frequentados por Luísa, a avó de Arthur. E assim, décadas depois de ser barrada daquele mesmo palco, por ser fruto de um pianeiro e, portanto, acharem-na indigna das salas de concerto, que a grande música de Ernesto Nazareth foi ouvida pela primeira vez no Municipal e o nosso herói começou a dar o maior cavalo de pau de sua vida.
Tocar Nazareth no Municipal era tão improvável que o redator se embananou na descrição do programa e criou um compositor híbrido polono-brasileiro, Ernesto N. Chopin.
Além de “Coração que Sente“, Arthur tocou o “Batuque“. A plateia veio abaixo e a crítica, surpreendentemente, guardou seus tomates. “Com a mesma independência que moveu Moreira Lima a colocar Nazareth entre Schumann, Prokofieff e Chopin”, escreveu um deles, “deve-se assinalar aqui que foram essas breves composições as mais comoventes de toda a noite”. Arthur lembraria, décadas mais tarde, da sensação causada por seu arrojo:
Me orgulho de ter podido contribuir para esse revival de Nazareth numa época em que ele andava meio esquecido, meio fora de moda. Mas como eu ia esquecer, se cresci ouvindo minha avó tocar aqueles tangos todos? É uma imagem que guardo viva comigo: eu pequeno, na casa da rua Dois de Dezembro, no Catete, ouvindo minha avó tocar o piano de armário dela: ‘Famoso’, ‘Escorregando’, ‘Odeon’, ‘Brejeiro’ e o próprio ‘Coração que sente'”
Na década seguinte, o então semivienense estava em nova visita à terrinha. Seu amigo, o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral, chamou-o para almoçar. Entre chopes e ante um bobó de camarão, apresentou-lhe um outro amigo, um publicitário que se urdira da túnica de produtor fonográfico e embarcara na mais ambiciosa, desenfreada e maravilhosa iniciativa até então vista de criar uma gravadora movida tão só a grande Música Brasileira. Arthur Moreira Lima e Marcus Pereira se adoraram à primeira vista, e bastou a centelha de duas palavras de Cabral – “Ernesto Nazareth” – para que recém-amigos se incendiassem com a ideia de gravar aquela grande música. Saíram de lá com o plano firme de um álbum duplo com obras do Mestre do Morro do Nheco, cuja lista preliminar Arthur já rabiscara no primeiro papel que encontrou. Em alguns meses, naquele mesmo ano da graça de 1974, ele adentraria um estúdio londrino para de lá sair, em meros dois dias, com vinte e cinco faixas gravadas. “Arthur Moreira Lima Interpreta Ernesto Nazareth”, lançado no ano seguinte, vendeu sensacionais duzentas mil cópias, e rendeu um segundo tomo, lançado em 1977, com outras vinte e quatro obras e o seguinte veredito do crítico José Ramos Tinhorão, do Jornal do Brasil:
[O disco cumpre o papel de] exorcizar, definitivamente, o preconceito de dependência cultural europeia da elite brasileira, segundo a qual somente autores consagrados merecem interpretação recitalista”
Óbvio que assinamos com o relator.
O sucesso da dobradinha Ernesto/Arthur transformou aquele carioca que tocava mais russamente que os próprios russos no xodó de chorões do Brasil inteiro, e no glúteo favorito dos pontapés de tanta gente obtusa. Inaugurava-se, assim, um dos passatempos favoritos de seus pares no Brasil: falar dele com desdém, certamente incensado pela inveja, a que Arthur, às gargalhadas, sempre deu de ombros até o fim de seus dias. “Dizem que vou ao cinema para torcer pelo bandido”, ria nosso herói, talvez a reconhecer que, para muitos compatriotas incompreensivos, ele próprio era um pouco bandido – um gauche da Música.
Os gauches, claro, sempre se atraem. Em inda outra visita à terrinha, em 1979, já nas saideiras de Barcelona, quase com um pé de volta ao Rio, o novo Rei do Tango Brasileiro encontrou o Demiurgo do Tango Argentino. Astor Piazzolla estava em turnê pelo Brasil, e Arthur aproveitou o ensejo para realizou o antigo sonho de conhecer o ídolo. Não deixaria de fazê-lo, por óbvio, em grande estilo: ofereceu seus préstimos de fã, melômano e afiado hispanohablante a uma emissora de televisão e dela ganhou a incumbência de, com credenciais de repórter impromptu, entrevistar a azeda fera. O que era para ser um curto encontro acabou virando, entre incontáveis veja-bens e che-boludos, uma noite virada em animada charla. Adoraram-se instantaneamente e tornaram-se amigos para toda a vida. Ainda mais que a admiração pela grande música do mestre argentino, Arthur identificava-se com o longo exílio e, sobretudo, com a incompreensão experimentada por Astor em seu país natal, onde era, entre outros impropérios, “el asesino deltango“, acusado de distorcer aquele sacrossanto tesouro cultural argentino com tacapes de música de concerto e de corroê-lo com ácidos jazzísticos.
A devoção a Piazzolla, pensava ele ao sair do memorável encontro, teria que ser eternizada em disco. Levou quase vinte anos para gravá-lo. Astor, que morrera em 1991, chegou mesmo a legar ao amigo brasileiro a distinta dedicatória de uma peça inédita, para que dela fizesse a primeira gravação: um tango para piano solo composto em 1953 em Paris, nos tempos em estudara com Nadia Boulanger, e que deveria chamar-se “Tango” (“sencillamente ‘Tango’, Arthur, nada más“), mas acabou publicada como “Tango Preludio”. Tocá-la, claro, não seria qualquer problema – o que lhe tirava o sono era preencher o restante do álbum, transpondo para um teclado e tão só dez dedos toda a complexidade das composições de Piazzolla para o bandoneón e seu conjunto. Ao conhecer o genial Laércio de Freitas, suspirou em alívio: não só descobriu a quem confiaria a tarefa, com também fez outro amigo para o resto de seus dias:
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
Gravações: American Institute of Arts, Nova York, Estados Unidos, 1982. Produção e engenharia de som: Judith Sherman Coordenação geral: Jay K. Hoffman Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.
1 – Prelúdio em Dó Menor, BWV 999
2 – Prelúdio para órgão em Sol menor, BWV 535 (transcrição para piano de Aleksandr Siloti)
Partita no. 1 em Si bemol maior, BWV 825
3 – Praeludium
4 – Allemande
5 – Courante
6 – Sarabande
7 – Menuet I & II
8 – Gigue
9 – Invenção a duas vozes em Ré menor, BWV 775
Fantasia Cromática e Fuga em Ré menor, BWV 903
10 – Fantasia
11 -Fuga
Partita no. 2 em Dó menor, BWV 826
12 – Sinfonia
13 – Allemande
14 – Courande
15 – Sarabande
16 – Rondeau
17 – Capriccio
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1998. Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.
Astor Pantaleón PIAZZOLLA (1921-1992) Arranjos de Laércio de Freitas (1941-2024)
Tangata, Silfo y Ondina 1 – Fugata
2 – Soledad
3 – Finale
4 – Libertango
Das Cuatro Estaciones Porteñas:
5 – Invierno Porteño
6 – Decarisimo
7 – Oblivion
Astor PIAZZOLLA
8 – Tango-Preludio (dedicado a Arthur Moreira Lima)
Astor PIAZZOLLA Arranjos de Laércio de Freitas
9 – Onda Nueve
10 – Balada para un Loco
11 – Adiós, Nonino
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: St. Philip’s Church, Londres, Reino Unido, 1997. Engenharia de som: Peter Nicholls Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.
Gravações: American Institute of Arts, Nova York, Estados Unidos, 1982. Produção e engenharia de som: Judith Sherman Coordenação geral: Jay K. Hoffman Coordenação da produção: Manuel Luiz da Silva Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo, 1998.
BÔNUS: as históricas gravações de Ernesto Nazareth para o selo Discos Marcus Pereira, que já tínhamos publicado aqui, em ripagens muito melhores que as anteriormente disponibilizadas.
ARTHUR MOREIRA LIMA INTERPRETA ERNESTO NAZARETH, VOLUME 1 (1975)
Disco 1
Fon Fon
Confidências
Retumbante
Faceira
Turuna
Ameno Resedá
Batuque
Coração que sente
Duvidoso
Turbilhão de Beijos
Labirinto
Apanhei-te Cavaquinho
“7ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre sua participação como jurado em um concurso de choro no final da década de 1970, época em que presenciou o renascimento do choro. Falou sobre sua parceria com Elomar, que resultou nos discos Parcelada malunga e ConSertão, e também comentou sobre seu LP Com licença, lançado no início da década de 1980, consolidando sua dedicação à música brasileira. Também mencionou o recital e disco “Bach Meets Chopin” que realizou com João Carlos Martins, e as gravações que ele fez de obras de Chopin, que resultando na gravação da maior parte de seus ciclos, e todas suas obras para piano e orquestra. Falou sobre sua histórica regravação de obras de Ernesto Nazareth em 1982, que teve reconhecimento internacional, e comentou sobre sobre a sua participação na gravadora independente L’Art, da qual ele era um dos sócios.”
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, estamos a montar um álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Na imagem, o atacante Mário Pedro, o Marinho (1926-2005).
Quando a gente encontra um CD com este nome, o mínimo que se espera é que ele seja engraçado. Este tem alguns bons momentos de comédia, mas acaba mesmo por se surpreender pela qualidade do Musica Antiqua Ambergensis. Um disco bem divertido, ao gosto de Clara Schumann (*) e seus elisabetanos. Bem, talvez seja um CD hilariante, mas faltam os textos pra gente poder rir junto. De qualquer maneira, triste não é.
(*) Ex-participante do PQP Bach. Era uma portuguesa admiradora de Schubert e dos “isabelinos”. Ela sumiu.
Banchieri, Vecchi, Dowland, Holborne, etc.: Commedia Musicale (Musica Antiqua Ambergensis)
Adriano Banchieri Madrigalkomödie “Festino”
01 – Chi Brama Havere (5 St.) – Il Diletto Moderno Per Introduzione (1. Szene) 2:18
02 – Qui Vi Siamo (5 St.) – Gl’ Amanti Morescano (Moresca In Aria Spagnoletta) (7. Szene) 1:22
03 – Contraponto Bestiale Alla Mente (5 St.) (12. Szene) 1:34
04 Anonymous– Pastorella (4 St. Instrumental) 1:18
05 Ludwig Senfl– Mag Ich, Herzlieb, Erwerben Dich 2:34
06 Tobias Wipacher– Geigt auf (4 St.) Regensburg 1614 2:27
07 Hans Leo Haßler– HerzliebZu Dir Allein (5 St.) 2:48
08 Johann Hermann Schein– Suite 15 In G: 1. Padouna (5 St.) – 2. Gagliarda (5 St.) – 3. Courente (5 St.) – 4. Allemande (4 St.) – 5. Tripla (4 St.) 6:14
09 Johann Hermann Schein– So Dir Mein Liebes Brüderlein (5 St.) 3:03
Horatio Vecchi* Madrigalkomodie “Le Veglie Dei Siena” – Prima Veglia (Seconda Proposta)
10 – E Voi Signora Laura (6 St.) (4. Szene) 1:07
11 – Villanella Son Io Ma Bella (3 St.) Imitatione della Villanella (5. Szene) 1:26
12 – O Che Sciolta Favella (6 St.) Applauso (6. Szene) 0:57
13 Anonymous– A L’Entrada (Balada) 1:45
14 Moniot D’Arras– Ce Fu En Mai 2:01
15 Pierre-Francisque Caroubel– Bransle Double De Poictu – Bransle Gay Double (4 St. Instrumental) 1:49
16 Antonio Cebrián– Lágrimas (Canción) (4 St.) 1:36
17 John Dowland– Awake, Sweet Love 2:29
18 John Dowland– Fine Knacks For Ladies 1:56
19 Anthony Holborne– Alman “The Honeysuckle” (5 St. Instrumental) 1:49
20 John Dowland– Woeful Heart 2:40
21 John Dowland– Shall I Sue? 1:47
22 Martin Peerson– Locke Up, Fair Lids (4 St.) 3:03
Horatio Vecchi* Madrigalkomödie “Le Veglie Dei Siena” (Seconda Veglia I Varii Homori Della Musica Moderna)
23 – Fate Silentio (6 St.) – Proemio 2:23
24 – Si Grav’é L Mio Dolore (6 St.) 3:27
25 – Viva La Gioia (5 St.) – L’humor Sveggghiato 1:33
26 – Di Marmo Sete Voi (5 St.) – L’humor Licentioso 2:11
27 – Qual’honor (6 St.) – Complimenti Del Principe A Vegliatori 1:26
Este post ficou sem minha inútil introdução por culpa da NET. Mas agora ela finalmente voltou e vocês vão ter que me engolir! Copland não é somente aquele compositor de obras representativas dos States e que Lenny traçou, o compositor também tem boa produção para piano, produto principalmente de seus anos jovens de estudo com Nadia Boulanger, em Paris. Há peças realmente obscuras — complicadíssimas — que revelam que Schoenberg não era estranho a ele. Há outras espaçosas, alegres e estimulantes como suas obras mais famosas para orquestra. E há coisas lindíssimas, como a genial e curtinha Midday Thoughts, escrita quando Copland tinha 82 anos e já estava às portas do Alzheimer. O pianista Smit é um velho amigo e colaborador do compositor. Ninguém melhor do que ele para interpretar esta integral.
Aaron Copland (1900-1990): The Complete Music for Solo Piano
Disc 1
1 Scherzo Humoristique: The Cat and the Mouse (1920)
2 Piano Variations (1930)
3 In Evening Air (1966)
4 Passacaglia (1922)
Piano Sonata (1939-41)
5 I. Molto moderato
6 II. Vivace
7 III. Andante sostenuto
Two Piano Pieces (1982)
8 Midday Thoughts
9 Proclamation
Three Moods (1920-1921)
10 embittered
11 wistful
12 jazzy
Disc 2
1 Petite Portrait (1921)
2 Sentimental Melody (1926)
3 Piano Fantasy (1955-57)
Four Piano Blues (1926-48)
4 Freely Poetic (for Leo Smit)
5 Soft and Languid (for Andor Foldes)
6 Muted and Sensuous (for William Kapell)
7 With Bounce (for John Kirkpatrick)
8 Midsummer Nocturne (1947)
9 The Young Pioneers (1936)
10 Sunday Afternoon Music (1936)
11 Down A Country Lane (1962)
12 Night Thoughts (Homage to Ives) (1972)
Mais um CD de qualidade extraordinária tendo como estrela o soprano Barbara Hannigan. Como 2016 foi o ano do 150º aniversário de nascimento de Erik Satie, Barbara Hannigan e Reinbert de Leeuw apresentam, com grande intensidade expressiva, o mundo sonoro fascinante deste compositor e pianista francês. Hannigan e Leeuw nos permitem descobrir e experimentar composições vocais quase esquecidas de Satie: Trois Mélodies, Trois Autres Mélodies e Hymne. O trabalho principal e título do álbum é a composição Socrate composta por três partes – Portrait de Socrate, Les Bords d’Illissus e Mort de Socrate: música que soa clara, transparente e frágil.
Hannigan e Leeuw durante um papo no jardim
Erik Satie (1866-1925): Socrate, hino e melodias
01. Trois Melodies: Les Anges
02. Trois Melodies: Elegie
03. Trois Melodies: Sylvie
04. Trois Autres Melodies: Chanson
05. Trois Autres Melodies: Chanson medievale
06. Trois Autres Melodies: Les fleurs
07. Hymne
08. Socrate: Portrait de Socrate
09. Socrate: Les Bords d’illissus
10. Socrate: Mort de Socrate
Barbara Hannigan, soprano
Reinbert De Leeuw, piano
Creio que esta seja a terceira vez que estou postando este CD, que considero um de meus favoritos. A qualidade da música e dos músicos envolvidos não deixa dúvidas: esta provavelmente é uma das melhores gravações já realizadas destas obras.
Este é um daqueles cds fundamentais em minha discoteca, um daqueles que me acompanharia se fosse para viver em uma ilha deserta. A dupla formada por Sviatoslav Richter e Mstislav Rostropovich é a minha favorita para este repertório, desde que comprei esse mesmo cd em formato de LP duplo, há uns vinte e sete anos ou mais. E ainda o tenho guardado ali no armário. Enfim, um cd fundamental, obrigatório. E tenho dito e mais não preciso dizer.
CD 1
01. No. 1- I. Adagio sostenuto – Allegro
02. No. 1- II. Rondo (Allegro vivace)
03. No. 4- I. Andante – Allegro vivace
04. No. 4- II. Adagio – Tempo d’andante – Allegro vivace
05. No. 5- I. Allegro con brio
06. No. 5- II. Adagio con molto sentimento d’affetto
07. No. 5- III. Allegro – Allegro fugato
CD 2
01. No. 2- I. Adagio sostenuto ed espressivo – Allegro molto piu tosto presto
02. No. 2- II. Rondo (Allegro)
03. No. 3- I. Allegro ma non tanto
04. No. 3- II. Scherzo (Allegro molto)
05. No. 3- III. Adagio cantabile – Allegro vivace
Sviatoslav Richter – Piano
Mstislav Rostropovich – Cello
Sigamos destemidamente em nosso empreendimento. Desta vez, surge a maravilhosa sinfonia número 6. Para ser franco, cada vez que escuto Bruckner, mais impressiono com Bruckner. Como alguém como ele, sujeito capenga, tímido, de alma frágil, compôs trabalhos tão atordoadores? Confesso que não gostava de Bruckner. Achava o seu trabalho demasiadamente extravagante, habitado por divagações forçadas. Cansava-me com facilidade quando ouvia qualquer das suas obras. O “repisamento”, uma impressão de circularidade, a força julgada, em alguns casos, desnecessária, afastou-me por muito tempo desse católico inveterado. Até que um dia, a música de Bruckner me abraçou com força. Não pude me desvencilhar de seu abraço fatal. Hoje, quando o ouço, faço questão de ligar o volume do meu som numa altura considerável. Sei que os vizinhos me olham obliquamente, mas não ligo. Outro dia estava ouvindo a Quarta Sinfonia do mesmo Bruckner com Harnoncourt e alguém comentou: “Só tu mesmo… Tu é doido!”. Forcei um riso de complacência, mas fiquei interiormente a rir em meu silêncio exultante. Cheguei a uma teoria: as sinfonias de Bruckner, Mahler e Shostakovich só podem ser apreciadas quando em volume máximo. Que os vizinhos reclamem; que continuem com os sorrisos de escárnio. Bruckner é uma galáxia e eu me perco nele. Boa apreciação!
Anton Bruckner (1824-1896) – Sinfonia No. 6 em Lá maior 01. Applause I
02. I. Majestoso
03. II. Adagio. Sehr feierlich
04. III. Scherzo. Nicht schnell – Trio. Langsam
05. IV. Finale. Bewegt, doch nicht zu schnell
06. Applause II Münchner Philharmoniker
Sergiu Celibidache, regente
Gravado ao vivo em Munique, 1991
Mais uma sinfonia dessa imperdível integral. A “Romântica” de Bruckner, como também é conhecida a Quarta Sinfonia, foi gravada em 1874 e passou por inúmeras revisões até o ano de 1888. Revisionismo era uma palavra que seguiu a carreira de Bruckner. Muitas das suas sinfonias passaram por imensas “remodelagens”. Talvez isso fosse uma traço da insegurança do compositor. Embora a Sinfonia No. 4 tenha o nome de “Romântica”, ela não segue o ideário do “amor romântico” do século XVIII. Bruckner segue um programa medieval, inspirado nas óperas Lohengrin e Siegfried de Richard Wagner. Esqueçamos Wagner e nos fixemos em Bruckner, num dos trabalhos mais belos e populares do seu repertório. Confesso que não gostei tanto da versão do Celibidache. As versões com o Abbado e com o Harnoncourt ficaram bem melhores. Com Abbado eu já postei; com Harnoncourt, ainda postarei. Não deixe de ouvir. Boa apreciação!
Anton Bruckner (1824-1896) – Sinfonia No. 4 em Mi bemol maior – “Romântica”
01 – I – Bewegt, nicht zu schnell
02 – II – Andante quasi Allegretto
03 – III – Scherzo. Bewegt – Trio. Nicht zu schnell. Keinesfalls schleppend
04 – IV – Finale. Bewegt, doch nicht zu schnell
Edition: Robert Haas
Total time: 79:11
Münchner Philharmoniker
Sergiu Celibidache, regente
Gravado ao vivo em Munique, 1991
Se Mahler, em toda a sua vida, tivesse escrito apenas o terceiro movimento da Ressurreição, já teria um lugar garantido na história da música. Mas há o resto, e que resto! Obra espetacular e fundamental na obra de Mahler, a Sinfonia Ressurreição se utiliza de um enorme contingente de músicos. A orquestra é ora tratada convencionalmente, ora separada em pequenos grupos de câmara, tornando-se de poderosa para rarefeita, de delicada para violenta, como se estivesse sofrendo a melhor das psicoses maníaco-depressivas.
Mahler foi o maior regente de seu tempo e sabia o que estava fazendo. A “Ressurreição” é obra cheia de surpresas e que não hesita em utilizar alguns recursos pouco convencionais. Há, por exemplo, grupos de instrumentos que tocam fora do palco. Explico o motivo: os dois últimos movimentos da sinfonia propõem-se a fazer uma representação exterior (se bem que, como Mahler dizia, tudo era representação interior…) de nada menos que o Dia do Juízo Final e da Ressurreição dos mortos. Para tanto, o autor manda alguns instrumentistas (trompetes, trompas, percussão) para fora do palco e de lá, dos bastidores, eles iniciam um conflito fantasmagórico com a orquestra que está no palco. Quando a orquestra do palco executa o suave tema da redenção, de fora vem o som das trompas e da percussão executando o que Mahler dizia representar “as vozes daqueles que clamam inutilmente no deserto”. Depois começa a marcha dos ressuscitados no Juízo Final. Em meio a este tema, as trompas e os trompetes que estão lá atrás nos bastidores – representando agora a enorme multidão de almas penadas -, enchem o ar com seus apelos vindos de todos os lados do palco.
Todo este aparato propõe-se simplesmente a responder à pergunta: “Por que se vive?”.
Jorge de Sena, em 1967, escreveu o seguinte poema sobre esta música:
MAHLER: SINFONIA DA RESSURREIÇÃO
Ante este ímpeto de sons e silêncio, ante tais gritos de furiosa paz, ante o furor tamanho de existir-se eterno, há Portas no Infinito que resistam?
Há infinito que resista a não ter portas para serem forçadas? Há um paraíso que não deseje ser verdade? E que Paraíso pode sonhar-se a si mesmo mais real que este?
Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia Nº 2 “Ressurreição” (Rattle)
1. Allegro maestoso
2. Andante Moderato
3. In ruhig fliessender bewegung
4. Urlicht. Sehr feierlich, aber schlicht
5. Im Tempo des Scherzos.
Wild herausfahrend
Wieder sehr breit
Ritardando…Maestoso
Wieder zuruckhaltend
Langsam. Misterioso
Etwas bewegter
Mit Aufschwung aber nicht eilen
Birmingham Symphony Orchestra with
Arleen Auger, Dame Janet Baker
Conducted by Simon Rattle
Se você gosta de música barroca de câmara bem tocada, com bom equilíbrio, estilo sem afetações, com instrumentos originais, esse CD Kleine Cammer-Music da Camerata Köln é um ótimo download. É ideal tanto para ouvintes que desejam mergulhar no universo de Telemann quanto para quem quer ficar tranquilo num fim de tarde ou em leituras, como faz a moça da capa. (Ou aquilo seria uma partitura?) Dá até para esquecer uma derrota em Gre-Nal. Quem espera interpretações extremamente livres ou ornamentadas pode achar contida esta versão mais contida. A Camerata Köln opta por elegância e clareza, transparência sonora e diálogo entre os instrumentos, em vez de virtuosismo pavão.
Georg Philipp Telemann (1681-1767): Kleine Cammer-Music (Camerata Köln)
Kleine Cammer-Music (Petite Musique De Chambre)
Partita 1 For Oboe And B.c. In B Flat Major / B-Dur, TWV 41:B1 (6:31)
1 Con Affetto 1:53
2 Aria 1. Presto 1:17
3 Aria 2. Dolce 2:38
4 Aria 3. Vivace 1:06
5 Aria 4. Largo 2:14
6 Aria 5 0:38
7 Aria 6. Largo 0:51
Partita 6 For Recorder And B.c. In E Flat Major / Es-Dur, TWV 41:Es1 (5:20)
8 Affettuoso 1:52
9 Aria 1. Presto 0:48
10 Aria 2. Vivace 1:13
11 Aria 3. Tempo Di Ciacona 1:20
12 Aria 4. Allegro 0:43
13 Aria 5. Allegro 1:46
14 Aria 6. Tempo Di Minuetto 2:21
Partita 4 For Viola Da Gamba And B.c. In G Minor / G-Moll, TWV 41:G2 (10:17)
15 Grave 1:59
16 Aria 1. Allegro 0:51
17 Aria 2. Allegro 1:53
18 Aria 3. Tempo Di Minuetto 0:57
19 Aria 4. Allegro 1:44
20 Aria 5. Tempo Giusto 1:24
21 Aria 6. Allegro Assai 2:07
Partita 3 For Oboe And B.c. In C Minor / C-Moll, TWV 41:c1 (8:40)
22 Adagio 1:27
23 Aria 1. Presto 0:46
24 Aria 2. Vivace 1:01
25 Aria 3. Vivace 1:15
26 Aria 4. Allegro 0:37
27 Aria 5. Vivace 1:27
28 Aria 6. Presto 0:57
Partita 2 For Transverse Flute And B.c. In G Major / G-Dur, TWV 41:G2 (10:51)
29 Siciliana 1:25
30 Aria 1. Allegro 1:07
31 Aria 2. Allegro 1:26
32 Aria 3. Vivace 0:56
33 Aria 4. Affettuoso 2:38
34 Aria 5. Presto 0:43
35 Aria 6. Tempo Di Minuetto 2:36
Partita 5 For Violin And B.c. In E Minor / E-Moll, TWV 41:e1 (9:29)
36 Andante 1:20
37 Aria 1. Vivace 1:23
38 Aria 2. Presto 0:57
39 Aria 3. Vivace 1:02
40 Aria 4. Siciliana 2:39
41 Aria 5. Vivace 1:24
42 Aria 6. Presto 0:44
Cello – Rainer Zipperling
Ensemble – Camerata Köln
Flute – Michael Schneider (2)
Harpsichord, Organ [Trunk Organ] – Sabine Bauer
Oboe – Hans-Peter Westermann
Traverso [Transverse Flute] – Karl Kaiser
Viola da Gamba – Julie Borsodi
Violin – Mary Utiger
O aparecimento de Danielle de Niese foi assombroso. Imaginem que ela estrou no Met com 19 anos… Em 2007, aos 28, fez sua estreia com este disco que hoje disponibilizamos para vocês. Hoje, ela já tem 46 e cresceu bem bonita. Este CD trata-se de um notável recital de árias de óperas de Handel, algumas familiares e outras relativamente obscuras. A forma espontânea de de Niese dá-nos a fantasia de que está cantando apenas para seu próprio prazer. Faz as pirotecnias exigidas por Handel com leveza, bom humor e segurança, mas está também em casa na gravidade emocional dos lamentos Lascia Ch’io Pianga, de Rinaldo, e Piangerò la sorte mia, de Giulio Cesare. William Christie conduz maravilhosamente a Les Arts Florissants. Um disco espetacular. Não gostou? Morra!
G. F. Handel (1685-1759): Handel Arias (Danielle de Niese)
1. Giulio Cesare / Act 3 – “Da tempeste il legno infranto” 6:16
2. Rinaldo / Act 2 – “Lascia ch’io pianga” 5:02
3. Alcina / Act 1 – Tornami a vagheggiar 4:32
4. Teseo, HWV 9 / Act 2 – Dolce riposo 3:51
5. Teseo, HWV 9 / Act 2 – Ira, sdegni…O stringerò nel sen 4:36
6. Apollo e Dafne (La terra è liberata) – Aria: “Felicissima quest’alma” 5:49
7. Ariodante HWV 33 / Act 2 – “Il mio crudel martoro” 11:11
8. Rinaldo / Act 2 – Vo’ far guerra 7:31
9. Amadigi di Gaula / Act 1 – Ah! Spietato! 5:33
10. Semele HWV 58 / Act 3 – Myself I shall adore 7:34
11. Giulio Cesare / Act 3 – “Piangerò la sorte mia” 6:20
12. Semele HWV 58 / Act 1 – Endless Pleasure, Endless Love 3:32
Danielle de Niese
Les Arts Florissants
Conducted by William Christie