Francisco Mignone (1897-1986): 12 Valsas de esquina (Arthur Moreira Lima, piano)

Os pais eram imigrantes da Itália e ele que ajudava a família. Ele começou a trabalhar com dez anos de idade tocando nas ruas para sobreviver.
[…] da composição ele não ganhava dinheiro. O Mignone escrevia pelo prazer de compor, ele não tinha aquele jeito social de levar a música dele para tocar em recital. Ele sentia um grande vazio quando não compunha.

(M.J.Mignone, viúva do compositor, entrevista a Fernando Reis, 2010)

Compostas entre 1938 e 1943, as Valsas de Esquina de Mignone homenageiam as serestas, choros e concertos noturnos improvisados nas esquinas brasileiras. Homenagem que nunca soa nacionalista no sentido da grandiloquência ingênua, pelo contrário, as influências populares passam para dentro da escrita de Mignone com um ar de simplicidade que não é fácil de ser alcançado. Como nos conta o próprio compositor: “essas Valsas de Esquina, que parecem escritas de um jato só, algumas levaram meses até eu conseguir elaborar e tornar simples, sem parecer uma coisa vazia. Foi muito difícil.”

Vejamos também o que Mignone disse sobre as várias interpretações possíveis das suas valsas. O maestro Roberto Duarte relata que uma vez…

cheguei cedo e fiquei a tocar uma valsa dele ao piano, a Oitava Valsa. Ele chegou por trás de mim, não falou nada e, quando acabei, ele bateu no meu ombro: “Bravo! Bravo! Muito bem!” Alguns meses depois, eu chego atrasado e ele estava tocando a mesma Oitava Valsa, completamente diferente da que eu havia tocado. Disse-lhe: “Maestro, noutro dia eu estava tocando essa valsa, o senhor me elogiou, e disse ‘Muito bem. Você tocou muito bem, meu filho’, mas o senhor toca completamente diferente!” E ele disse: “Mas eu sou outra pessoa. Não quero que minhas composições sejam executadas de uma única maneira. Cada um é um intérprete. Se eu quisesse que minhas composições fossem executadas de uma só maneira, teria gravado todas elas e jogado as partituras fora.” Esse era Mignone.

Entre as principais gravações dessas obras, há algumas valsas avulsas por Arnaldo Estrella com um cantabile que ninguém imita. Há também a gravação pelo próprio Mignone, em 1957 pelo selo Festa, LP que recomendamos fortemente que vocês garimpem nos sebos e similares, pois a digitalização hoje disponível no Spotify não foi bem feita. E, finalmente, a gravação das doze valsas por Arthur Moreira Lima: junto com os discos dedicados pelo pianista a Nazareth, aqui fica clara a fluência de Moreira Lima neste idioma muito brasileiro. Abaixo, temos as notas escritas por Luiz Paulo Horta no primeiro lançamento do disco de Moreira Lima em 1982:

A valsa chegou ao Brasil nos tempos de D. Pedro I pelas mãos de um compositor austríaco, Sigismund Neukomm, professor do Imperador (que também compôs as suas valsas); e saiu da Corte para os salões, espalhando-se por todas as camadas da população. Tanto se podia ver um Carlos Gomes escrever uma Valsa de Bravura, para concerto, como um anônimo, certamente mineiro, rabiscar a Saudades de Ouro Preto.

Lá pelo fim do século, a valsa já estava completamente abrasileirada, sentindo a influência do choro e puxando, por sua vez, a modinha para o compasso 3/4. Nas mãos de Nazareth, ela se torna um delicadíssimo retrato da nossa belle époque – música de salão transformada por um artista genial. Nazareth punha um ouvido em Chopin e outro no que estavam fazendo os chorões. E em Nazareth, o Mignone que Manuel Bandeira chamaria “o rei da valsa” encontrou uma de suas primeiras (e constantes) inspirações.

Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro (Marc Ferrez, ca.1890)

Mignone tinha 16 anos quando foi premiado em concurso de composição com uma valsa: Manon. Mais ou menos nessa época pôde ver Nazareth numa loja de música, onde o grande artista, que ninguém imaginava ser um gênio, lia à primeira vista as músicas para piano em que os fregueses pudessem estar interessados – isto é, fazia o papel que pertence hoje ao toca-discos. Um pouco mais tarde, Mignone seguiria para a Europa, onde a sua veia italiana ia ser reforçada por anos de estudo em Milão.

Mas antes disso ele foi seresteiro – e assim é que começaram a nascer as Valsas de Esquina. “Como flautista – contou a sua primeira mulher – ele ia pelas ruas da capital paulista, altas horas da noite, tocando chorinhos acompanhado pelos violões e cavaquinhos dos demais companheiros. Isso influiu para que ele, mais tarde, compusesse uma série de valsas, denominadas ‘de esquina’, em que a maneira popular transparece lindamente expressa”.

Vendedor de vassouras em rua do centro da cidade de São Paulo (Vincenzo Pastore, ca.1910)

Mignone dá a sua própria versão: o nome dessas valsas, segundo ele, foi dado por Mário de Andrade, pois “lembram aquelas valsas que, à noite, debaixo dos bruxoleantes lampiões a gás das esquinas, os chorões tocavam em suas serenatas às amadas que, atrás das venezianas ou cortinas, ficavam ouvindo. As esquinas serviam de refúgio, caso aparecesse um parente na rua para afugentar os boêmios perturbadores do silêncio noturno”…

Mignone aproveitou, nessas valsas, modelos da época, e até mesmo a sua experiência de músico popular – quando compunha sob o pseudônimo de Chico Bororó. Mas já na primeira valsa, em dó menor, ele mostra que tinha chegado a um estilo novo, que combina a simplicidade do popular com a sofisticação do clássico. O canto começa na mão esquerda – como nos bordões do violão – o que produz um efeito meio sério, meio brincalhão. Mignone libertava-se da sua fase internacionalista, de todas as paisagens estrangeiras, e voltava a ser um poeta perambulando pelas esquinas.

As doze Valsas de Esquina, compostas nos doze tons menores, são ao mesmo tempo simples e misteriosas. A melodia é simples; mas a harmonia é sutilmente construída.

Francisco Mignone (1897-1986): 12 Valsas de esquina
Valsa Nº 1 em dó menor: Soturno e seresteiro
Valsa Nº 2 em mi bemol menor: Lento e mavioso
Valsa Nº 3 em lá menor: Com entusiasmo
Valsa Nº 4 em si bemol menor: Vagaroso e seresteiro
Valsa Nº 5 em mi menor: Cantando, e com naturalidade
Valsa Nº 6 em fá sustenido menor: Tempo de valsa movimentada
Valsa Nº 7 em sol menor: Moderadamente
Valsa Nº 8 em dó sustenido menor: Tempo de valsa caipira
Valsa Nº 9 em lá bemol menor: Andantino mosso
Valsa Nº 10 em si menor: Lento, romântico e contemplativo
Valsa Nº 11 em ré menor: Moderato
Valsa Nº 12 em fá menor: Moderato – Vivo
Arthur Moreira Lima, piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – FLAC

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320kbps

Francisco Mignone, circa 1957

Pleyel

6 comments / Add your comment below

  1. boa noite! que postagem maravilhosa! quero uma ajuda, por favor. estou tentando fazer o download e não consigo…dizem que excedi o numero de downloads no meu ip. estranho. ha alguns dias que não faço. isso pode ser uma invasão ou é frescura do mega para tirar dinheiro. obrigado

  2. boa noite novamente. olha consegui fazer o download pelo flac, onedrive. mas seria possivel passar para o onedrive o mp3?

  3. Bom dia, muito bom dia! Olha, antes de mais nada, quero agradecer novamente a atenção. Acho que o site da mega estava biruta, ontem. Hoje fui tentar novamente e deu tudo certo! Muito obrigado pela postagem! Que maravilha são as valsas de esquina!
    Ah, e um pedido a la Amália Rodrigues ( se é que mereço um pouco de compaixão…)
    Por favor, renovem as postagens de Tchaikovsky com Karajan. O concerto para violino com Ferras e a abertura fantasia Romeo e Julieta, são de arrepiar!

  4. Bom dia Bernardo. Que bom que conseguiu e que gostou da música.
    O onedrive é rápido e prático mas eu tenho um problema pessoal bem específico com a microsoft então não poderei utilizá-lo.
    Também gosto do som do Ferras, mas não me lembro dele neste concerto. Algum dos meus colegas de blog deve ter.
    Abraços

Deixe um comentário