O Clarinete na obra de Bruno Kiefer (1923-1987) – Diego Grendene, clarinete

O quinteto de sopros – clarinete, flauta, oboé, fagote e trompa – é uma formação que surgiu na época de Mozart e Haydn, porém nenhum dos dois compôs obras exatamente para esse grupo de instrumentos. Mozart provavelmente conhecia esse tipo de quinteto que aparece no catálogo Breitkopf desde 1782, diz Harold C. Robbins Landon, mas “ele negligenciou completamente essa combinação, assim como os trios e quartetos de mesmo tipo. Ele parecia firmemente convencido de que ao utilizar sopros em música de câmara isoladamente e não em pares, ele só garantiria a homogeneidade que estimava essencial se utilizasse instrumentos de acompanhamento – teclado ou grupo de cordas. Acompanhar um instrumento de sopro com cordas não era inovação, e a prática mais comum era trocar um primeiro violino de um quarteto de cordas por um sopro. Assim Mozart compôs seus quartetos para flauta e um quarteto para oboé.” (palavras de H.C.R. Landon)

Nas suas obras orquestrais, Mozart empregava constantemente os sopros em duplas: por exemplo no Requiem há dois clarinetes baixos, dois fagotes, dois trompetes e três trombones, no Concerto para Clarinete a orquestra tem duas flautas, dois fagotes e duas trompas, já na peça de adolescência “Exsultate, jubilate” e nos Concertos para Violino, são dois oboés e duas trompas. Haydn também passou longe dessa formação do quinteto, o mais perto a que chegou foi quando compôs um Sexteto em 1793 com dois clarinetes, dois fagotes e duas trompas. Bach, como chamei atenção aqui [BWV 127], utilizou pares de flautas e de oboés em várias cantatas e nas Paixões, somando a isso três trompetes na obras mais festivas.

Já a fusão entre um instrumento de sopro de cada tipo, ao contrário das duplas de iguais, gera combinações um tanto estranhas se comparadas com o som da união de violino, viola e violoncelo, que formam um conjunto bem mais homogêneo – ou, em outra interpretação, mais careta. O quinteto de sopros com um representante de cada instrumento, portanto, se já era vagamente conhecido por Mozart, ganhou um repertório mais vasto pouco após a morte do gênio de Salzburg com as obras do alemão Franz Danzi (1763-1826), do tcheco/alemão Anton Reicha (1770-1836) e do francês George Onslow (1784–1853): mais ou menos da geração de Beethoven, eram compositores que buscavam novas sonoridades diferentes dos já um tanto saturados quarteto de cordas e trio com piano. E, convenhamos, nomes em suma de pouca relevância.

Neste disco de obras de câmara de Bruno Kiefer, o quinteto e o trio de sopros (este último para clarinete, flauta e fagote) me parecem as obras de maior envergadura, representando interessantes experimentos com os timbres. Nesse quinteto de sopros composto em 1975, estamos em um mundo bem diferente da elegante Viena de Haydn: Kiefer combina os instrumentos criando sons estranhos, enigmáticos (nome de um movimento), quase o oposto exato do ideal sonoro dos vienenses. E nessa busca por sonoridades humorísticas, bizarras ou com qualquer outra característica menos a homogeneidade, Kiefer se aproxima de outros grandes compositores de século XX que reabilitaram o quinteto de sopros: Milhaud, Villa-Lobos, Schoenberg, Ligeti e outros. É uma formação que convinha para aqueles criadores que queriam ir além do sentimentalismo dos românticos e ao mesmo tempo não queriam repetir a homogeneidade e a pose “antigo regime” do classicismo vienense

Para mais informações sobre o brasileiro nascido na Alemanha e vivendo no sul do Brasil desde criança, deixo-os com parte de um texto que, aliás, anunciava um concerto celebrando o centenário de Kiefer. Este centenário, em abril de 2023, passou batido aqui no PQPBach mas, como dizem os gaúchos: bah, antes tarde do que nunca!

A entrada no Departamento de Música da UFRGS [em 1969] permitiu a Kiefer se dedicar todos os dias à composição musical – o resultado foi um catálogo que está entre os mais importantes da música brasileira de concerto da segunda metade do século passado.

A lista das mais de 130 composições de Bruno Kiefer inclui música sinfônica, música coral, música para piano, canções e música de câmara. Ele se dedicou a todos os tipos de música que estavam à sua disposição, construindo um estilo composicional único, caracterizado pelas melodias angulares, pela harmonia inovadora e pela temática que passa por um profundo enraizamento na terra – a terra gaúcha que Kiefer adotou como sua, transformando-a em música.
(Celso Loureiro Chaves, compositor e professor do Departamento de Música da UFRGS, aqui)

Bruno Kiefer (1923-1987): obras de câmara com clarinete
1-3. Três Poemas: O exílio, Poema da devastação, Estão enferrujados (barítono, piano, clarinete)
4. Monólogo (clarinete)
5. Pequena música (dois clarinetes)
6. Saudade (clarinete, piano)
7-9. Música para dois: I. Traquinice, II. Pequena Fuga, III. Espirituoso (clarinete, flauta)
10-12. Poema do Horizonte III: I. Moderado, II. Imploração, III. Enigmático (quinteto de sopros)
13-14. Coxilhas: I. Quase lento, II. Devagar – Mais Vivo etc (clarinete, flauta, fagote)

Diego Grendene (clarinete) – todas as faixas
Marcelo Coutinho (barítono), Thalyson Rodrigues (piano) – faixas 1-3
Cristiano Alves (clarinete) – faixa 5
Willian Lizardo (piano) – faixa 6
Sammy Fuks (flauta) – faixas 7-9
Sammy Fuks (flauta), Rodrigo Herculano (oboé), Jeferson Souza (fagote), Josué Soares (trompa) – faixas 10-12
Sammy Fuks (flauta), Jeferson Souza (fagote) – faixas 13-14

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Bruno Kiefer

Pleyel

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