Por algum motivo inexplicável, talvez apenas pela satisfação de ouvir clarinete, novamente volto a ele, desta vez com obras de Brahms dedicadas a ele. Volta e meia estas obras, principalmente as Sonatas, op. 120, uma das maiores obras compostas para o instrumento, aparecem por aqui.
Os solistas também são velhos conhecidos daqui do PQPBach, a clarinetista Sharon Kam e o pianista Martin Helmchen, que se juntam ao violoncelista Gustav Rivinius para tocarem o Trio, op. 114.
Creio que já me utilizei da citação abaixo, retirada da biografia de Brahms escrita por Malcolm McDonald, mas a considero fundamental para situar as Sonatas dentro do repertório para clarinete:
“À sua maneira elas eram, como o Concerto Duplo, pioneiras: como não havia modelos clássicos para tal combinação, ele estava constituindo um novo gênero com peças que desde então tem permanecido pedras angulares do repertório para clarineta”.
Sharon Kam é uma experiente clarinetista, com vasta discografia mas confesso que já ouvi versões mais emocionantes destas obras. Claro que é uma questão de perspectiva, e de ponto de vista. Já ouço estas obras há bastante tempo, e a cada audição novas possibilidades me aparecem. Karl Leister sempre será minha referência em se tratando das obras para clarinete de Brahms, inclusive minha próxima postagem será dedicada a ele.
Johannes Brahms (1833-1897) – Sonatas & Trio – Sharon Kam, Martin Helmchen, Gustav Rivinius
Sonata For Clarinet And Piano In F Minor / F-Moll, Op. 120 No. 1
1 Allegro Appassionato 7:40
2 Andante Un Poco Adagio 4:54
3 Allegretto Grazioso 4:07
4 Vivace 5:01
Sonata For Clarinet And Piano In E Flat Major / Es-Dur, Op. 120 No. 2
5 Allegro Amabile 7:49
6 Allegro Appassionato 5:16
7 Andante Con Moto – Allegro 6:47
Trio For Piano, Clarinet And Violoncello In A Minor / A-Moll, Op. 114
8 Allegro 7:42
9 Adagio 7:32
10 Andantino Grazioso 4:34
11 Allegro 4:26
Sharon Kam – Clarinet
Martin Helmchen – Piano
Gustav Rivinius – Cello
Um bom disco. Quando Kenny Wheeler (1930-2014) mudou-se de seu Canadá natal para a Inglaterra, não foi manchete. Mas com o lançamento de Gnu High, ele se tornou uma figura admirada do jazz contemporâneo. Claro que o time de craques ajudou: o pianista Keith Jarrett, o baixista Dave Holland e o baterista Jack DeJohnette são geniais. Heyoke é uma peça de quase 22 minutos. Esta valsa cadenciada é ao mesmo tempo atmosférica e comovente, um estilo bastante inventivo que se torna mais dramático perto do final. Tudo é alimentado pelo swing de DeJohnette. O gemido vocal de Jarrett é controlado, enquanto seu belo piano sustenta os solos de Wheeler. Certamente este foi um ponto de partida auspicioso para um artista cujo som e inteligência capturaram a imaginação de tantos colegas músicos e ouvintes daquele ponto em diante.
Kenny Wheeler – Gnu High
01. Heyoke 21:49
02. Smatter 5:58
03. Gnu Suite 12:49
musicians
Kenny Wheeler – fluegelhorn
Keith Jarrett – piano
Dave Holland – double-bass
Jack DeJohnette – drums
Tantas vezes postamos a Música Aquática que desta vez vamos apenas aos detalhes históricos e um pouco de opinião depois. Música Aquática (em inglês: Water Music) é uma coleção de movimentos orquestrais, frequentemente divididos em três suítes — but not here –, compostas por Handel. Sua estreia se deu em 17 de julho de 1717, após o rei Jorge I encomendar um concerto para ser executado sobre o rio Tâmisa. O concerto foi executado originalmente por cerca de 50 músicos, situados sobre uma barca nas proximidades da barca real, a partir da qual o monarca escutava a peça com seus amigos mais próximos, incluindo Anne Vaughan, Duquesa de Bolton, a Duquesa de Newcastle, a Condessa de Darlington, Condessa de Godolphin, Madame Kilmarnock, e o Earl das Órcades. As barcas dirigiam-se a Chelsea ou Lambeth. O rei Jorge teria gostando tanto das suítes que pediu a seus músicos, já esgotados, que tocassem-na por três vezes durante o tempo do percurso.
A Akademie für Alte Musik Berlin dá esplêndida interpretação às obras. Os caras parecem ter certa predileção por suítes, pois já fizeram misérias em obras análogas de Telemann.
G. F. Handel (1685-1759): Water Music
Suite No. 1 In F Major (26:40)
1 I. Overture : Largo – Allegro 3:12
2 II. Adagio E Staccato 2:08
3 III. [Allegro 2:08
4 IV. Andante – III. [Allegro] Da Capo 4:30
5 V. Allegro 2:47
6 VI. Air 3:11
7 VII. Minuet 2:23
8 VIII. Bourrée 1:10
9 IX. Hornpipe 1:30
10 X. [Allegro Moderato] 3:41
Suite No. 2 In D Major (11:07)
11 XI. [Allegro] 2:00
12 XII. [Alla Hornpipe] 3:43
13 XIII. [Minuet] 2:49
14 XIV. [Rigaudon 1] 1:07
15 XV. [Rigaudon 2] – XIV. [Rigaudon 1] 1:28
Suite No. 3 In G Major (10:35)
16 XVI. Lentement 1:59
17 XVII. [Bourrée] 1:14
18 XVIII. Menuet [1] 0:56
19 XIX. [Menuet 2] 1:36
20 XX. [Gigue 1] – XXI. [Gigue 2] Da Capo 2:11
21 XXII. Menuet (Coro) 2:39
A jovem pianista achou que fosse apenas cansaço da turnê ou uma virose e continuou cumprindo sua agenda até o último concerto. No entanto, ao acordar depois disso, percebeu que a situação era mais séria – ela não conseguia levantar-se da cama e estava com a visão afetada, pois via tudo duplicado. Demorou duas semanas para que conseguisse voltar a andar de novo. Após muitos exames e visitas a diferentes médicos, a pianista Alie Sara Ott que havia maravilhado o mundo da música com suas interpretações da música de Liszt, Chopin, Beethoven, estava diante de um desafio gigante: foi diagnosticada como tendo esclerose múltipla.
Esclerose Múltipla
Também chamada: EM
Uma doença em que o sistema imunológico ataca a cobertura protetora dos nervos. Na EM, o dano resultante nos nervos interrompe a comunicação entre o cérebro e o corpo. A esclerose múltipla causa muitos sintomas diferentes, incluindo perda de visão, dor, fadiga e coordenação prejudicada. Os sintomas, gravidade e duração podem variar de pessoa para pessoa. Algumas pessoas podem não apresentar sintomas na maior parte de suas vidas, enquanto outras podem ter sintomas graves e crônicos que nunca desaparecem. A fisioterapia e a medicação que suprime o sistema imunológico podem ajudar com os sintomas e retardar a progressão da doença.
Isso ocorreu em 2018. “Encontrei-me a bordo de uma montanha-russa emocional, com sentimentos de pânico, medo e devastação”, ela escreve. No entanto, com o equilíbrio certo de tratamento e terapia, seus sintomas gradualmente diminuíram e Ott conseguiu continuar sua carreira como concertista. “Eu sempre fui uma pessoa positiva. Tenho 31 anos e ainda tenho uma longa vida pela frente. Não quero passar o resto da minha vida sendo lastimável e triste. Isso não é quem eu sou”, ela diz.
Este disco recente mostra que ela tem conseguido seguir com sua carreira de pianista, assim como outras atividades que fazem parte de sua vida. Ela também se conecta às pessoas ao colocar sua proeminência global a serviço de contratos lucrativos. Enquanto Ray Chen se apresenta exclusivamente em ternos Armani, Yuja, Yundi e Domingo consideram o relógio Rolex seu “instrumento favorito”, Alice Sara Ott modela diamantes, pulseiras e todo tipo de joia, e ela projetou uma série de bolsas de couro para uma exclusiva empresa alemã. Ela é a Embaixadora Global da Technics, a marca de áudio Hi-Fi da Panasonic.
Ludwig Van Beethoven (1770 – 1827)
Concerto para Piano No. 1 em dó maior, Op. 15
Allegro con brio
Largo
Allegro scherzando
Sonata para Piano No. 14 em dó sustenido menor, Op. 27 No. 2 “Ao Luar”
Alice Sara Ott entrou no mundo dos smartphones com sua série de adesivos “E Aqui Vem a Alice”, projetada para o popular aplicativo de mensagens instantâneas LINE. Sua estratégia de vendas diz: “Alice toca piano, preferencialmente descalça. Ela adora viajar, chocolate, uísque e origami”. E como toca…
Excelente interpretação de um importante clássico romântico do qual normalmente conhecemos apenas o famoso segundo movimento O Moldava. Porém este é somente um trecho de uma obra muito maior, um trecho do ciclo orquestral Má Vlast (Minha Pátria), que contém seis poemas sinfônicos sobre diferentes aspectos tchecos. Smetana compôs essas obras épicas à maneira de Franz Liszt, evocando imagens dramáticas através de uma orquestração colorida, pintando cenas naturais e históricas através de temas e harmonias de boêmias. Pode-se supor que apenas uma orquestra tcheca poderia tocar essa música com a intensidade adequada, mas a Orquestra Filarmônica da Malásia, sob o comando do alemão Claus Peter Flor, dá um relato emocionante que pode rivalizar com qualquer outro em energia, paixão e atmosfera. De fato, se a música de Smetana se comunica de forma tão convincente que uma orquestra asiática pode interpretá-la fiel e entusiasticamente, pode-se também dizer que a obra toca emoções universais de orgulho e patriotismo. A orquestra oferece todas as mudanças sutis de ênfase nos ritmos de dança que lhe dão tanto interesse. Os ouvintes que amam O Moldava podem definitivamente se familiarizar com o Má Vlast completo, e esta gravação excepcional fornece uma versão que satisfará tanto os recém-chegados quanto os fãs de Smetana.
Eu acho este CD extraordinário. Primeiro, Ashkenazy dá sua interpretação aos Quadros no piano, onde dá um show; depois rege a Philharmonia Orchestra numa versão orquestral que não é a de Ravel, é sua. Não tenho a versão de Ravel em meus ouvidos para poder fazer comparações, porém digo que a versão de Ashkenazy é muito boa. Certamente sua versão fica mais próxima ao estilo de Mussorgsky — vide a ópera Boris Godunov cuja sonoridade voltei a ouvir neste Quadros — do que a orquestração também brilhante, mas muito mais limpa e ocidental, de Ravel.
Quadros de uma Exposição foi moda nos anos 70. Foram feitas dezenas de gravações — na versão original e na de Ravel — a partir de um surpreendente trabalho realizado por Emerson, Lake & Palmer. Voltei ao CD do ELP ontem. Tem momentos bastante divertidos.
Modest Mussorgsky (1839-1881): Quadros de uma Exposição (ao piano e em versão orquestral, Ashkenazy em ambas)
1. Pictures at an Exhibition – for Piano – Promenade – Gnomus 4:06
2. Pictures at an Exhibition – for Piano – Promenade – The Old Castle 5:10
3. Pictures at an Exhibition – for Piano – Promenade – The Tuileries – Bydlo 3:48
4. Pictures at an Exhibition – for Piano – Promenade – Ballet of Unhatched chicks – 2 Polish Jews 4:11
5. Pictures at an Exhibition – for Piano – The Market Place at Limoges – The Catacombs 6:36
6. Pictures at an Exhibition – for Piano – The Hut on Fowls Legs – The Great Gate of Kiev 8:28
Vladimir Ashkenazy, piano
7. Pictures at an Exhibition – Orchestrated by Vladimir Ashkenazy – Promenade – Gnomus 4:02
8. Pictures at an Exhibition – Orchestrated by Vladimir Ashkenazy – Promenade – The old castle 5:24
9. Pictures at an Exhibition – Orchestrated by Vladimir Ashkenazy – Promenade – Tuileries – Bydlo 3:54
10. Pictures at an Exhibition – Orchestrated by Vladimir Ashkenazy – Promenade – Ballet of the unhatched chicks – 2 Polish Jews 4:33
11. Pictures at an Exhibition – Orchestrated by Vladimir Ashkenazy – Promenade – The Market Place at Limoges 7:03
12. Pictures at an Exhibition – Orchestrated by Vladimir Ashkenazy – The Hut on Fowls Legs – The Great Gate of Kiev 9:09
Philharmonia Orchestra
Vladimir Ashkenazy, regente
Após alguns pedidos insistentes, e também consultar o mano PQP Bach, resolvi trazer a versão da banda de rock progressivo inglesa, Emerson, Lake & Palmer para a “Pictures at an Exhibition”, de Mussorgsky. Trata-se de uma visão muito pessoal da obra, e como aqui no PQP estamos abertos a todas as possibilidades, resolvi sair um pouco do meu repertório básico, a saber, barroco, clássico romântico.
Como para muitos outros, este foi meu primeiro contato com Mussorgsky. Posteriormente caiu-me em mãos a versão do Alfred Brendel para piano, e então pude entender melhor a estrutura da obra. O outro lado deste mesmo LP trazia a versão orquestral, não me lembro com qual regente, mas mesmo assim me apaixonei pela obra.
Os três músicos dessa banda têm formação musical acadêmica, e todos são virtuoses em seus respectivos instrumentos. O próprio Keith Emerson, tecladista, compôs um concerto para piano muito interessante, claramente inspirado em Prokofiev e Stravinsky.
Os discos da banda sempre trouxeram trechos de obras de diversos compositores do século XX, como os já citados Stravinsky, Prokofiev, além de Bártok, Copland, entre diversos outros.
Modest Mussorgsky (1839-1881): Pictures at an Exhibition (Emerson, Lake & Palmer)
1. Promenade
2. The Gnome
3. Promenade
4. The Sage
5. The Old Castle
6. Blues Variations
7. Promenade
8. The Hut Of Baba Yaga
9.The Curse of Baba Yaga
10. The Hut Of Baba Yaga
11. The Great Gates Of Kiev
12. Nutrocker
Keith Emerson – Keyboards
Greg Lake – Bass, Guitar & Vocals
Carl Palmer – Drums
Originalidade é uma mercadoria escassa no mundo da música hoje em dia, então a própria existência de um grupo como o Gotan Project é motivo de comemoração. Quando eles apareceram pela primeira vez em 2000 com os singles El Capitalismo Foráneo e Triptico, o Gotan Project, que, como o PQP Bach, tem sede em Paris, se destacou misturando house, jazz e sons latinos baseados nos ritmos e na instrumentação do tango. Embora isso não pareça um conceito particularmente radical, o fato é que ninguém jamais havia feito isso antes, e o Gotan o fez com tanta perfeição, especialmente no deslumbrante Triptico, que ninguém mais poderá seguir seus passos. O som deles é tão particular que está quase além da imitação. Começando com os acordes de abertura de Queremos Paz, o Gotan Project construiu um conjunto de 10 canções de melodias jazzísticas e soltas costuradas por batidas sólidas de rock que parecem pairar em algum lugar entre os tangos argentinos tradicionais e os breakbeats modernos, com talvez apenas um toque de jazz da era bebop para manter a vibração. Os membros oficiais do Gotan são os tecladistas/programadores de beat Philippe Cohen Solal e Christoph H. Müller e o guitarrista Eduardo Makaroff (uma verdadeira coleção internacional de nomes), mas o músico que realmente define o som do grupo é provavelmente Nini Flores. Flores toca bandoneón. Em cada faixa de La Revancha, ele dá um banho. Sua forma de tocar é maravilhosa, nunca excessivamente chamativa, mas transbordando com uma paixão discretamente contida. Basta ouvir as notas altas assustadoras que abrem suas frases flexíveis em El Capitalismo Foráneo, ou a maneira como ele corta a paisagem sonora na sombria Chunga’s Revenge, que é um Frank Zappa platino… Por melhor que Flores seja, os outros músicos convidados de La Revancha combinam com ele sensualmente nota por nota sensual. O violino de Line Kruse e o piano de Gustavo Beytelmann estão em ótima forma, especialmente em Triptico, que como o próprio título sugere é basicamente uma vitrine para cada um dos três solistas. Alguns puristas irão, sem dúvida, protestar contra a apropriação do Gotan Project do estilo musical semioficial da Argentina, mas acho que a maioria dos fãs de tango ficará tão entusiasmada quanto eu com a maneira como eles dão nova vida à forma. Graças ao nível de talento envolvido para reconstruir um ritmo sem deixar que ele ofusque seus músicos principais, La Revancha del Tango é um triunfo geral para a dance music moderna de base latina.
.: interlúdio :. Gotan Project: La Revancha Del Tango
1 Queremos Paz 5:15
2 Época 4:27
3 Chunga’s Revenge 5:01
Written-By – Frank Zappa
4 Tríptico 8:26
5 Santa María (Del Buen Ayre) 5:57
6 Una Música Brutal 4:11
7 El Capitalismo Foráneo 6:12
Written-By – Avelino Flores
8 Last Tango In Paris 5:50
Written-By – Gato Barbieri
9 La Del Ruso 6:22
10 Vuelvo Al Sur 6:59
Written-By – Astor Piazzolla, Fernando E. Solanas
Acoustic Guitar – Eduardo Makaroff
Bandoneon – Nini Flores
Double Bass – Fabrizio Fenoglietto
Drum Programming [Beat Programming], Bass, Keyboards – Christoph H. Müller
Keyboards, Bass, Sounds, Effects [Dub Fx] – Philippe Cohen Solal*
MC – Willy Crook
Percussion – Edi Tomassi*
Piano – Gustavo Beytelmann
Violin – Line Kruse
Vocals – Cristina Vilallonga
Written-By – Christoph H. Müller (tracks: 1, 2, 4 to 7, 9), Eduardo Makaroff (tracks: 1, 2, 4 to 6, 9), Philippe Cohen Solal* (tracks: 1, 2, 4 to 7, 9)
Dias atrás, escrevi aqui que Prokofiev era, em certos sentidos, o anti-Debussy de sua geração. Pois é verdade também que Messiaen, como um continuador do legado de Debussy, é mais ou menos um anti-Prokofiev. Ele não compôs balés, valsas, minuetos, nada para a dança de pés humanos: mais interessante, para ele, era ouvir o som dos pássaros, do vento sobre as águas, de sinos de igreja. Ao contrário de outros compositores que evitavam “entregar o jogo” sobre suas ideias e métodos, Messiaen deu entrevistas e escreveu livros e libretos de obras explicando essa sua busca por sons exóticos e para além da musicaldade humana.
Com a palavra, Messiaen:
“Sempre gostei dos cantos de pássaros. Quando comecei a anotá-los devia ter 17 ou 18 anos, os transcrevia muito mal. Depois tive lições em campo com ornitólogos de renome.”
“Os Choros de Villa-Lobos, que considero maravilhas de orquestração, foram para mim o ponto de partida de algumas justaposições de timbres”
[Entrevista a] Claude Samuel: Um dia, quando eu disse que você era um compositor, você acrescentou: “Eu sou um ornitólogo e um ritmista.” Em que sentido o segundo desses títulos deve ser entendido?
Olivier Messiaen: Eu sinto que o ritmo é a parte primordial e talvez essencial da música. Eu acho que provavelmente existia antes da melodia e da harmonia, e na verdade tenho uma preferência secreta por esse elemento.
C.S.: Se você não se importar, vamos ver alguns exemplos concretos. O que é música rítmica?
O.M.: Resumindo, a música rítmica é música que despreza repetição e divisões iguais, e isso se inspira nos movimentos da natureza, movimentos de durações livres e desiguais. Há um exemplo muito marcante de música não-rítmica que é considerada rítmica: marchas militares. A marcha com seu andamento cadencial, com sua sucessão ininterrupta de valores de notas absolutamente iguais, é antinatural. A marcha genuína na natureza é acompanhada por um fluxo extremamente irregular; é uma série de quedas, mais ou menos evitadas, ocorrendo entre batidas.
C.S.: Então, a música militar é a negação do ritmo?
O.M.: Absolutamente.
C.S.: Você pode nos dar alguns exemplos de música rítmica interessante no repertório clássico ocidental?
O.M.: O maior ritmista da música clássica é certamente Mozart. O ritmo dele tem uma qualidade de movimento, mas pertence principalmente ao campo da acentuação, derivada da palavra falada e escrita. Se a colocação exata dos acentos não for observada, a música mozartiana é completamente destruída.
C.S.: Vamos continuar a nossa pesquisa de compositores rítmicos com uma parada obrigatória em Debussy.
O.M.: Conversamos sobre a orquestração de Claude Debussy e seu amor pela natureza – vento e água. Este amor levou-o diretamente à irregularidade em durações de notas que mencionei, característica do ritmo e permitindo-lhe evitar repetições.
Mais do que um criador de melodias, Olivier Messiaen considerava-se um pesquisador de ritmos: “Tratado de ritmo, de cor e de ornitologia” é o nome do livro em vários tomos que ele escreveu entre 1949 e 1992. O ritmo, portanto, vem em 1º lugar nessa longa obra na qual explica os aspectos importantes de seu método de composição, que, aliás, ele não pretendia impor aos seus alunos (Murail, Stockhausen, Boulez, Almeida Prado… cada um seguiu seu caminho). Os ritmos complexos apaixonavam Messiaen: ele dava como exemplo a simetria das asas das borboletas, compara com a simetria em catedrais góticas e em ritmos simétricos que, diz ele, “os Hindus foram os primeiros a notar e usar, ritmicamente e musicalmente, esse princípio”.
Neste CD que completa as gravações do piano de Messiaen pelo norueguês Håkon Austbø, a obra mais importante e mais longa é La fauvette des jardins: embora o título principal faça referência a um pequeno passarinho europeu, os títulos dos três movimentos mostram que, ao invés de um foco exclusivo neste bicho, a obra evoca uma ampla paisagem de noite e depois de dia: (I) a noite, (II) o lago verde e violeta, (III) ondulações da água. Como Debussy (La cathédrale engloutie para piano, Sirènes para coro e orquestra, La Mer para orquestra), Messiaen se diverte criando cenas aquáticas com meios musicais.
Olivier Messiaen:
1. Les offrandes oubliées (1931)
2. Fantaisie burlesque (1932)
3. Pièce pour le tombeau de Paul Dukas (1935)
4. Rondeau (1943)
5. Prélude (1964)
6-8. La fauvette des jardins (1970-72):
I. (la nuit)
II. (le lac vert et violet…)
III. (ondulations de l’eau…)
Minhas adoradas Danças Eslavas, de Dvorák, estão em muito boas mãos neste excelente CD do selo Supraphon. Compositor tcheco, orquestra tcheca, gravadora tcheca, e um maestro australiano nascido nos EUA que, como poucos, conhecia muito bem a alma eslava, dirigiu durante muitos anos esta orquestra. Enfim, tudo contribui para 72 minutos de puro deleite musical. Até então minha referência para estas obras era a gravação de Antal Doráti, que gravou com muita competência essas obras, com a Royal Philharmonic Orchestra, mas esta aqui está no mesmo nível de excelência, como não poderia deixar de ser.
São muitos os méritos de Mackerras nesse CD. Poderia destacar o profundo conhecimento da cultura eslava, que permitiu melhor penetrar e explorar essa cultura, apoiado é claro por uma excepcional orquestra, mais que tarimbada e especialista neste repertório. Lembro de ter assistido a apresentação de um grupo de dança paranaense, descendentes de eslavos que nos apresentou algumas coreografias baseadas nestas obras. Foi muito bonito e sensível. Comoveu a todos os presentes.
Espero que apreciem, trata-se de um CD delicioso de se ouvir.
Antonin Dvorak (1841-1904): Danças Eslavas, op. 46 e op. 72 – Filarmônica Tcheca, Charles Mackerras
Ist Series, Op.46 (B.83, 1878)
1 No.1 In C Major
2 No. II In E minor
3 No. III In A Flat Major
4 No. IV In F Major
5 No. V In A Major
6 No. VI In D Major
7 No. VII In C Minor
8 No. VIII In G Minor
2nd Series, Op.72 (B. 147, 1886-87)
9 No.I (IX) In B Major
10 No.II (X) In E Minor
11 No. III (XI) In F major
12 No. IV (XII) In D Flat Major
13 No. V (XIII) In B Flat Minor
14 No. VI (XIV) In B Flat Major
15 No. VII (XV) In C major
16 No. VIII (XVI) In A Flat Major
The Czech Philharmonic Orchestra
Sir Charles Mackerras – Conductor
Vou ser claro: eu não gosto de Debussy. Claro que ouço com prazer a Suíte Bergamasque e as peças orquestrais La Mer e Nocturnes, mas aqueles prelúdios e coisinhas para piano… Aquelas brumas diáfanas… Olha, às vezes me parece que Debussy inventou a New Age, o gênero de música que serve para não ser ouvido; aquele que, quando termina, você nem se dá conta, pois não estava prestando nenhuma atenção mesmo!
Juntá-lo com Ravel parece óbvio para os fazedores de CDs, mas não para mim. Seus dois Concertos para Piano são notáveis. O Adagio Assai do primeiro é de morrer por ele! Eu amo Ravel! Então digo que — juro! — ouvi atentamente os dois concertos maravilhosamente interpretados pelo grande Zoltán Kocsis (1952–2016) e seu amigo Iván Fischer e não lembro nada, mas nada mesmo, da tal Fantasia. Vale (muito) pelo Ravel!
Ravel: Concertos para piano / Debussy: Fantasia para piano e orquestra
Piano Concerto in G Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 19:48
1. Allegramente Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 7:50
2. Adagio assai Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 8:14
3.Presto Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 3:44
Piano Concerto for the left hand in D Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 17:38
4. Lento Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 7:45
5. Allegro Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 4:56
6. Tempo I Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 4:56
Fantasy for piano and orchestra Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 19:51
7. Andante ma non troppo-Allegro giusto Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 6:28
8. Lento e molto espressivo Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 7:06
9. Allegro molto Budapest Festival Orchestra, Iván Fischer & Zoltán Kocsis 6:16
Zoltán Kocsis, piano
Budapest Festival Orchestra
Iván Fischer
Às vezes quero postar algo mais contemporâneo ou diferente, e me pego pensando – mas e aquele disco? Tão importante, que não postei ainda?
Por isso, deixo Nicholas Payton para depois e lhes trago a majestosidade de In a Silent Way.
A data da gravação é 18 de fevereiro de 1969. Os mais próximos da discografia de Miles Davis sabem o que isso significa: nada de bop. O final dos anos 60 marca a tomada de direção em rumo ao fusion – mais um estilo com sua assinatura na certidão de nascimento. Ao agregar instrumentos elétricos ao jazz, aceitou a provocação do rock; e antes de quebrar as estruturas do jazz tradicional no (estupefaciente) “Bitches Brew” (1970), Miles cimentou a base do fusion (toda fama de Dave Brubeck) neste álbum. Não somente na música, também na produção: ativo na edição, realizou um segundo trabalho de composição e arranjo para o resultado final. As frases desconexas, muitas vezes, tiveram sua atonalidade amplificada estruturalmente pelo artista.
São duas faixas; uma por lado, batendo nos vinte minutos. Na verdade, cada música é dividida em três partes – veja logo abaixo para as divisões (apenas didáticas) exatas. Notarão que o último segmento tem o mesmo nome do primeiro; propositadamente, a última parte é uma repetição da primeira. Miles compôs as peças num esquema exposição, desenvolvimento e recapitulação, com o intuito de que fossem melhor assimiladas. Exagero. Duas magníficas viagens de jazz ora harmônico e tranquilo, noutras livre e swingado como nos anos 20, em grooves que lembram o berço da raça de Davis, e em solos de virtuosismo poucas vezes reunido. Não vou precisar falar sobre os integrantes da gravação; a ficha técnica logo abaixo da capa diz tudo. (Estão perdoados por interrogações ao baterista, mas somente.) Apenas destaco que dos três pianos operados, o Fender Rhodes de Corea não é apenas uma delícia para os ouvidos, mas também um aceno do que ocorria em 1969, do lado de fora do estúdio B da Columbia, em Nova Iorque.
02 In a Silent Way/It’s About That Time – 19’52
In a Silent Way (Zawinul) – 4’11
It’s About That Time (Davis) – 11’27
In a Silent Way – 4’14
Miles Davis: trumpet
Wayne Shorter: soprano saxophone
John McLaughlin: electric guitar
Herbie Hancock: electric piano
Chick Corea: electric piano
Joe Zawinul: organ
Dave Holland: bass guitar
Tony Williams: drums(muito bem) Produzido por Teo Macero para a Columbia
Esta não é uma grande versão da quinta de Mahler. Ou melhor, a gravação é boa, mas não é candidata ao Olimpo das Gravações. Tornei-me muito exigente em relação a esta obra após ver Daniele Gatti regê-la em Roma. É da vida. A gente vê um cara que realmente é íntimo da obra e ele estraga as outras versões. O alcance emocional da obra pode ser enorme e me parece que Maazel fica aquém dele. O drama é reflexo dos problemas pelos quais o compositor passava. A Sinfonia Nº 5 começou a ser escrita em 1901, após uma grave doença. Na noite entre 24 e 25 de fevereiro, Mahler quase morreu em razão de uma hemorragia intestinal. Durante a convalescença, ele fez o esboço dos primeiros movimentos. No verão seguinte, ele começava uma nova vida acompanhado de sua esposa Alma. Ela também ajudou o marido, sendo a responsável por copiar a partitura da nova sinfonia. Naquele verão, com Alma, ele compôs o famoso Adagietto e o movimento final. Em 24 de agosto de 1901, ele terminaria a partitura, tocando-a ao piano para Alma.
Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia Nº 5 (Maazel)
Part I , Movement I: Trauermarsch
1 In Gemessenem Schritt. Streng. Wie Ein Kondukt. 5:50
2 Prötzig Schneller. Leidenschaftlich. Wild. 2:13
3 Tempo I. 5:56
Part I, Movement II
4 Stürmisch Bewegt. Mit Grösster Vehemenz. 4:30
5 Langsam Aber Immer. 5:48
6 Nicht Eilen. 4:41
Part II, Movement III: Scherzo
7 Kräftig, Nicht Zu Schnell. 2:30
8 Etwas Ruhiger. 4:23
9 Molto Moderato. 4:02
10 A Tempo I. 4:10
11 Tempo I. (Subito)
French Horn – Wolfgang Tomböck Jr.*
2:31
Part III, Movement IV: Adagietto
12 Sehr Langsam. 10:33
Part III, Movement V: Rondo-Finale
13 Allegro. 8:15
14 Nicht Eilen. A Tempo. 3:42
15 Grazioso. 3:20
Conductor – Lorin Maazel
Orchestra – Wiener Philharmoniker
A estrada que liga Olmutz até Absam passa por várias cidades interessantes: Brno, Viena, Linz e… Salzburgo. Por essa estrada deveria ter passado o nosso Henrique Biber, lá no verão (europeu) de 1670. O patrão, bispo Karl II von Liechentstein-Kastelkorn, o enviara até lá para comprar na loja de Herr Jacob Steiner alguns violinos e outros instrumentos de cordas para a sua orquestra. Pois o jovem Biber, lá pelos seus vinte e tantos anos, era virtuose do violino e resolveu passar uns dias em Salzburg, mostrando seus muitos talentos ao Arcebispo Maximilian Gandolph von Kuenburg, que era amigo do bispo Karl. Pois Biber gostou tanto de Salzburgo e das oportunidades locais que nunca saiu de lá.
Eventualmente, o bispo Karl se reconciliou com Biber, em prol de preservar um pouco de dignidade. Biber, na verdade, infringiu seu contrato original por seis anos (1670-1676), enquanto estava ausente e desfrutava das riquezas da vida em Salzburgo. Inclusive se casando em 1672. Biber continuou a viver a grande vida em Salzburgo até sua morte em 1704. Ele até se tornou um pouco um socialite e conquistou favores suficientes para ser nomeado cavaleiro pelo Imperador Leopoldo I em 1690 (foi quando o “von” foi adicionado a “Biber”). Os nomes Ignaz e Franz, de dois santos jesuítas, também foram acrescentados.
Essas sonatas aqui gravadas mostram bem como ele era inventivo e talentoso como compositor, revelando também um pouco de suas habilidades como instrumentista.
Eu gostei imensamente do disco, inclusive por sua linda sonoridade. O selo Glossa é Espanhol e as gravações foram feitas em Antequera, que fica próxima de Málaga. A violinista Lina Tur Bonet já esteve aqui pelo blog, patrocinada pelo próprio PQP Bach, apresentando sonatas de Herr Bach e Mr. Handel. Ela tem um excelente currículo e escreveu as notas do disco. Veja um trechinho: Em Biber, pode-se perceber um caráter intimamente ligado à terra, em sua combinação original de melodias populares, danças e elementos folclóricos, e através de seu desejo de ter seu próprio “estúdio de composição”, além de cultivar um jardim e cuidar de videiras.
Apesar do disco não conter as oito sonatas da obra completa publicada por Biber em Nurenberg, no ano de 1681, achei que as aqui apresentadas dão uma ótima perspectiva do todo.
Lina Tur Bonet selecionou quatro das oito sonatas para violino solo com baixo contínuo e acrescentou uma parthia para duas violas d’amore.
A violinista espanhola Lina Tur Bonet é uma especialista em música virtuosística para violino do início do Barroco e já gravou vários CDs com seu conjunto Musica Alchemica pelo selo Pan Classics.
Sua gravação completa das Sonatas do Rosário de Biber foi celebrada tanto por críticos quanto pelo público, e ela recebeu o prêmio Diapason d’or na França por seu CD “La Bellezza“.
“honest and heartfelt music-making, her releases are becoming things to look forward to”
Aproveitando a deixa do mano PQPBach trago mais um compositor norueguês desconhecido, ao menos por mim. E que bela descoberta. Em minha santa ignorância, a música norueguesa se resumia a Grieg. E Halvorsen, por sinal, era seu amigo.
Mas voltemos à música de Halvorsen. Violinista de mão cheia, escreveu belas peças para o instrumento, peças curtas, por sinal, mas que demonstram um tremendo domínio dos recursos do instrumento, como pode ser ouvido no belo “Andante religioso para Violino e Orquestra”. Como maestro, Halvorsen dirigiu esta mesma Bergen Philharmonic (que na época se chamava Orchestra Harmonien). Para maiores detalhes sobre a vida e a obra de Halvorsen sugiro a leitura do booklet anexo, bem esclarecedor, trazendo detalhes sobre as obras. A coleção tem quatro cds. Trarei um de cada vez para melhor ser apreciado.
Neeme Järvi é um regente de mão cheia, ainda mais com este repertório. E a orquestra, apesar de desconhecida, também é muito boa.
Bela música, para se ouvir num dia nublado e frio como o de hoje.
1 Bojarernes Indtogsmarsch
2 Andante religioso for Violin & Orchestra
3 Suite from ‘Mascarade’ – 1 Holberg-Ouverture. Allegro moderato – Poco meno mosso –
[Tempo I] – Più mosso (un poco) – Intermedium
4 2 Cotillon. Introduktion Allegro – Allegro – Un poco meno mosso – Coda
5 3 Menuetto. Introduktion ad lib. – [ ] – Più mosso
6 4 Hanedansen. Allegro moderato – Con grandezza – Un poco animato – Coda
7 5 Gavotte. [ ] – Musette. [ ]
8 6 Molinasque (Grotesk dans). Allegro moderato – Coda. Più mosso
9 7 Kehraus (Bachanal). Vivace molto
10 8a Arietta. Andante con moto – Più mosso – Poco meno – Più mosso – Meno – Largamente – A tempo I – Adagio
11 8b Passepied. Allegretto grazioso – Meno mosso
12 La Mélancolie Mélodie de Ole Bull (1810–1880) – Andante
13 Symphony No. 1 in C minor – I Allegro non troppo – Un poco più mosso – Poco meno mosso – Agitato – Tempo I – Animato –
Meno mosso – Largamente – Più mosso
14 II Andante – Più mosso – Tempo I – Molto più mosso – Tempo I – Tranquillo – Più mosso – Pesante – Tranquillo – Adagio
15 III Scherzo. Lento – Allegro con spirito – Allegretto – Più mosso – Meno mosso – Tempo I (Allegro con spirito) – Lento – Allegro molto
16 IV Finale (Rondo). Introduction Andante – Allegro deciso – Un poco meno mosso – Tranquillo – Molto tranquillo – Tempo I (Allegro deciso) – Poco meno mosso – Un poco meno mosso – Allegro molto
Marianne Thorsen violin
Bergen Philharmonic Orchestra
Neeme Järvi – Conductor
Algumas obviedades são muito verdadeiras. Quando você Universal Syncopations, entenderá que música é sobre ouvir. Syncopations é um encontro único de grandes músicos que, além de tocarem com verdadeira maestria, parecem ouvir uns aos outros com atenção e respeito. É uma espécie de democracia auditiva: todo mundo tem a chance de dizer o que quer e, ao mesmo tempo, cada um deixa o outro falar. No entanto, Vitous representa a espinha dorsal dessa conversa democrática. Ele está sempre sugerindo o assunto. Ele não impõe, ele propõe. É inútil dizer que Vitous é um mestre orador. Seu discurso não é alto, mas suave e claro e, acima de tudo, imaginativo e habilidoso. Vitous constrói um equilíbrio perfeito entre as virtudes harmônicas e melódicas do baixo. E DeJohnette é um monstro a auxiliá-lo a manter o ritmo. A banda é um bando de veteranos astutos — hoje alguns já morreram — que conversam e colaboram com declarações curtas, mas incisivas e graciosas. A cota de Jan Garbarek talvez seja maior. A incursão inusitada de seu sax é um dos destaques de Universal Syncopations. Já Chick Corea, por sua vez, permanece bastante discreto. Ele diz isso ou aquilo e depois volta ao silêncio. O mesmo acontece com o guitarrista John McLaughin, que parece dizer “olha, eu acho que…” e então se cala. Mas o início de seu pensamento vale a pena ser ouvido com atenção… Por outro lado, o repertório se tece como uma suíte, orgulhosa representante da estética ECM. É mais uma atmosfera audível do que apenas uma sessão de gravação de um grupo de velhos amigos. A foto da capa do disco mostra um misterioso céu noturno adornado com nuvens brancas tracejadas. Se tal imagem pudesse fazer som, as Universal Syncopations de Vitous chegariam direto aos nossos ouvidos, conversando e nos deixando saber porque a música é, apenas, uma questão de ouvir.
Miroslav Vitous: Universal Syncopations (Vitous, Garbarek, Corea, McLaughlin, DeJohnette)
1 Bamboo Forest 4:35
2 Univoyage 10:48
3 Tramp Blues 5:15
4 Faith Run 4:50
5 Sun Flower 7:16
6 Miro Bop 3:59
7 Beethoven 7:13
8 Medium 5:06
9 Brazil Waves 4:26
Double Bass, Written-By – Miroslav Vitous
Drums – Jack DeJohnette
Guitar – John McLaughlin
Piano – Chick Corea
Soprano Saxophone, Tenor Saxophone – Jan Garbarek
Trombone – Isaac Smith (faixas: 2 to 4)
Trumpet – Wayne Bergeron (faixas: 2 to 4)
Trumpet, Flugelhorn – Valerie Ponomarev* (faixas: 2 to 4)
Written-By – Jack DeJohnette (faixas: 8), Jan Garbarek (faixas: 7, 9)
Um disco recente com música que eu amo profundamente (principalmente as Sonatas 1 e 6) interpretada por uma pianista jovem e pouco conhecida. Poderia dar errado: não seria a primeira nem a segunda vez se eu parasse o disco no meio e retornasse aos grandes mestres do passado – ou no caso de Prokofiev, dois grandes pianistas ainda vivos mas já na casa dos 70 anos: Sokolov e Raekallio.
A aposta na moça italiana, porém, deu certo: Stefania Argentieri faz um Prokofiev envolvente e escolhe um repertório bastante interessante, começando com obras maduras (Peças de Cinderela, de 1944, 6ª Sonata, de 1940) e passa depois para obras de quando o compositor tinha menos de 20 anos. Nessa abordagem cronológica invertida, é como se a pianista mergulhasse na individualidade de Prokofiev mostrando como ele partiu de ideias que circulavam em sua época e foi criando, aos poucos, um lugar próprio para si.
Com seus ritmos constantes ligados à dança (não por acaso seus balés e música para o palco em geral tiveram tanto sucesso), Prokofiev seria, na sua geração, uma espécie de anti-Debussy. O francês, em sua busca pelos sons do vento e do mar, nunca imitava o ritmo previsível dos relógios. É verdade que o jovem Debussy havia composto, na Suite Bergamasque (de 1890, retocada para publicação em 1905), um minueto e um passepied, duas danças de ritmo constante apesar de extremamente sofisticadas. Mas seu estilo ainda estava em formação. É nos 24 Prelúdios para piano (1909-1913) que a linguagem de Debussy está plenamente formada e ele utiliza ritmos constantes apenas para quebrá-los pouco depois, como em La sérénade interrompue (A serenata interrompida), de nome autoexplicativo, e em Hommage à S. Pickwick Esq. P.P.M.P.C. (Homenagem a um personagem cômico de Charles Dickens). Nesta última, o hino da Grã-Bretanha começa solene e grave, mas logo se torna bem-humorado e grotesco justamente pelas interrupções e irregularidades.
Assim como Debussy, Prokofiev precisou tatear um pouco antes de achar o seu estilo que aparece nas danças extraídas do balé Cinderela e na 6ª Sonata. Na sua 1ª sonata, Prokofiev ainda era um jovem compositor e pianista estudando no Conservatório de São Petersburgo. O estilo às vezes parece imitar o de Scriabin, mas uma imitação muito bem feita, uma cópia de gênio. E nos estudos a figura de Chopin também aparece nas entrelinhas.
Vejamos abaixo, nas palavras extraídas do encarte do álbum por Attilio Cantore (professor em Milão), outros aspectos da relação entre Prokofiev e o vasto e agitado mundo que existia ao redor dele. Nessa verificação da hipótese mais ou menos óbvia de que Prokofiev não era um sábio em sua torre de marfim isolado da música do século XX, o interessante é percebermos como Prokofiev ocupa, no meio dos outros e relacionado a eles, um lugar que ninguém mais poderia ocupar.
Aluno de Liadov, Tcherepnin e Rimsky-Korsakov, de quem assimilou a veia épica, Sergei Prokofiev apareceu na cena russa e internacional bastante jovem. Seu ecletismo encontrou um terreno fértil numa época em que o cenário musical incluía o impressionismo francês, o romantismo sinfônico tardio da Europa central, além do “profeta” Scriabin e Schönberg participando da crise na organização tonal.
Se é verdade que Prokofiev, quando mais maduro, se sentia estrangeiro ao pensamento dodecafônico, é igualmente verdade que em 1911 foi o jovem Prokofiev que estreou na Rússia os Klavierstücke, Op. 11 de Schönberg. Igualmente significante foi a nunca resolvida rivalidade com Stravinsky: uma contínua batalha com o compositor 9 anos mais velho, também formado em São Petersburgo, que levou o mais jovem ao estudo e à assimilação tática e tácita de características de Stravinsky.
A música de Prokofiev oferece um retorno à tonalidade: de um jeito novo, ele cria um mundo tonal cheio de “notas erradas”. Sua escrita, embora mostre diversas influências, parece evitar estratégias codificadas: é uma escrita com suas próprias leis. Mesmo na mesma obra, podem coexistir diferentes princípios de difícil identificação.
Sergei Prokofiev (1891-1953): Seis peças de Cinderela, op.102
1 I. Valsa: Cinderela e o Príncipe
2 II. Variação de Cinderela
3 III. A disputa
4 IV. Valsa: Cinderela vai para o baile
5 V. Pas de Chale
6 VI. Amoroso Sonata para Piano nº 6 em lá maior, op. 82
7 I. Allegro Moderato
8 II. Allegretto
9 III. Temp di Valzer, Lentissimo
10 IV. Vivace
11 Sonata para Piano nº 1 em fá menor, op. 1 Quatro Estudos, op. 2
12 No. 1 em ré menor
13 No. 2 em mi menor
14 No. 3 em dó menor
15 No. 4 em dó menor 16 Suggestion Diabolique, op. 4 nº 4
Stefania Argentieri, piano
Recorded at Teastro Giuseppe Curci, Barletta, Italy, 2019
Andrew Manze e Rachel Podger que retomam peças fundamentais do barroco alemão: os Concertos para Violino de Johann Sebastian Bach. O CD merece todo meu respeito. O estilo de Manze é altamente individual. Alguns de seus acordes soam notavelmente rústicos. Ele usa o vibrato mínimo, que é o correto. Além disso, ele não tem medo de ornamentar os concertos solo — uma prática que pode irritar quanto satisfazer os ouvintes. Ele geralmente reserva essas alterações nas recapitulações e defende seus embelezamentos com base na própria prática de Bach. Essas novidades vão desde as notas no final do Allegro de abertura do BWV1043 até as intervenções mais extensas no primeiro Allegro de BWV1042. Ouvintes conservadores podem sair correndo… A Academia de Música Antiga oferece um papel coadjuvante competente. Mas vale sempre a pena ouvir Manze em palavras e ações. E aqui ele está acompanhado de uma futura estrela, a jovem, na época, Rachel Podger. Um fato curioso é que ninguém pode ter certeza de quantos concertos para violino Bach escreveu. Sua produção de concerto consiste em várias obras escritas para determinados instrumentos, depois reorganizadas para outros. O cânone estabelecido de seus concertos para violino é limitado ao BWV 1043, 1041 e 1042. O resto não se sabe.
Johann Sebastian Bach (1685-1770) – Solo & Double Violin Concertos
Concerto in D Minor for Two Violins BWV 1043
01. Vivace
02. Largo ma non tanto
03. Allegro
Concerto in A Minor for Violin BWV 1041
04. Allegro
05. Andante
06. Allegro Assai
Concerto in E Major for Violin BWV 1042
07. Allegro
08. Adagio
09. Allegro assai
Concerto in D Minor for Two Violins BWV 1060
10. Allegro
11. Adagio
12. Allegro
Andrew Manze & Rachel Podger, violinos
The Academy of Ancient Music
Andrew Manze, regente
Há quem duvide de que o homem foi à lua. Eu acredito, pois que seria uma tolice típica da nossa espécie (mais propriamente do gênero masculino). Se era por falta de cratera, que viessem conhecer nossas estradas, ruas e calçadas. Aqui em Salvador-BA tem um buraco do qual saem chineses aos magotes semanalmente. Mas como reza uma conhecida canção, a propósito, de um talentosíssimo baiano, sobre o luar nada mais se tem a dizer, só nos restando assim apreciá-lo. Ocorre que amiúde um plenilúnio nos inebria, como se o víssemos pela primeira vez. Jaci na mitologia Tupi; Máni, entidade masculina na mitologia nórdica e irmão da deusa Sól; Selene para os antigos gregos; lar do Super Mouse (quem lembra dele?), vizinho de São Jorge e seu dragão. Essa conversa de viagem à lua não é coisa nova. Talvez o autor mais antigo a imaginar tal odisseia tenha sido Luciano de Samósata, por volta de 150 d.C., em sua obra ‘Uma História Verdadeira’. Ah sim! é mentira, Terta? Bradaria o saudosíssimo Chico Anísio na pele do veríssimo Pantaleão. Luciano narra uma fantástica viagem à lua e menciona extraterrestres, 2000 anos antes da invenção da Ufologia, de Spielberg e dos fumarentos acampamentos na Chapada Diamantina. No século XVIII, o bibliotecário, escritor, cientista e, conforme um biógrafo, trapaceiro, o alemão Rudolph Erich Raspe, escreveu sobre o simpaticíssimo Barão de Munchausen, que dentre inúmeras proezas e tropelias, ascende aos céus de navio e visita o Rei da Lua. No século XIX, o genialíssimo Edgar Allan Poe manda seu intrépido Hans Pfaall para a lua num balão. Naquele mesmo século, o maravilhoso e profético Júlio Verne nos legaria o delicioso ‘Da Terra à Lua’, que nos primórdios do cinema seria tão bem ilustrado pelo gênio do grande Georges Méliès. Como vemos, nosso satélite não atrai apenas as marés, mas nosso imaginário, como nenhum outro personagem do teatro celestial. É inumerável a quantidade de poemas e canções, da antiguidade aos nossos tempos, de Omar Khayyam a Glenn Miller; passando por uma certa Sonata cujo subtítulo apócrifo deixaria seu compositor furioso e por uma das peças mais encantadoras da música de um certo gaulês chamado de impressionista. A Lua sem dúvida é o refúgio de todo poeta, compositor, enfim artista ou quem quer que se arvore a escrever num momento zero de inspiração (como no presente instante). Ela funciona para fascinar e inspirar, com sua luz, suas fases, seus mistérios.
O tema ‘Moon and Sand’ já cativa pelo título, que evoca algo das Mil e uma Noites, filmes de Valentino, romances aventurescos e praias ao luar. Foi composto por Alec Wilder, cancioneiro e compositor erudito, e teve diversas gravações ao longo das décadas, sendo a primeira delas de Xavier Cugat e sua Orquestra em 1941, hoje um nome um tanto esquecido. Uma bonita melodia emoldurada por uma progressão harmônica expressiva cujas características bastante peculiares atrai irresistivelmente os improvisadores. Um registro marcante do tema se encontra na trilha sonora do documentário ‘Let’s Get Lost’, sobre o fabuloso Chet Baker; interpretado pelo próprio, naturalmente. Esse precioso e um tanto raro registro traz um trompetista que brilha altaneiro sobre todos os outros trompetistas do jazz na atualidade. É o último dos gênios trompetistas vivos do jazz, e que os céus o preservem, o magnífico, lírico, adorável, Tom Harrell. Acompanhado pelo excepcional pianista muito pouco comentado em nossas plagas, o formidável Jacky Terrasson, artista de prodigiosa habilidade, feeling e fantástica imaginação, que com este álbum fez sua estreia no mundo fonográfico. No repertório, temas de diversos autores. Só um deles, ’20 Bars Tune’, é do trompetista. Temos ‘Tune Up’, um clássico de Miles Davis; do grande Tadd Dameron, a belíssima balada ‘If You Cold See Me Now’; ‘Just Around Midnight’, a joia de Thelonius Monk; outro encanto de balada, ‘Beautiful Love’, de Victor Young; ‘Com Alma’, de Dizzy Gillespie, entre outros. Tudo tocado com feliz e despojado talento e feeling, como pede o melhor do jazz. A formação em duo é das mais intimistas e difíceis para um trompetista. Particularmente falando como adepto do instrumento, é das minhas formações preferidas. Essa camerística composição teve como pioneiras no mundo do jazz as gravações dos lendários Joe King Oliver e Jelly Roll Morton (‘Tom Cat Blues’ e ‘King Porter Stomp’, de 1924); seguidos por Louis Armstrong e Earl Hines (‘Weather Bird’, de 1928). Um dos mais belos registros nessa formação tive o prazer de postar aqui no PQP, o disco ‘Diane’, com Chet Baker e o pianista Paul Bley. Fico a dever outra joia, também com Tom Harrell e o pianista Dado Moroni, para breve. Mr. Harrell, a quem escrevi no Facebook dizendo que ele me faz crer em anjos músicos. Ele curtiu! Fiquei feliz da vida. Dedico esta postagem à amiga, hoje raio de luar, Lara Lins.
Moon and Sand – Tom Harrell & Jacky Terrasson (1991)
Moon and Sand (Alec Wilder)
Tune Up (Miles Davis)
Beautiful Love (Victor Young)
If You Cold See Me Now (Tadd Dameron)
20 Bars Tunes (Tom Harrell)
What Kind of Fool Am I (Leslie Bricusse)
Parisian Thoroughfare (Bud Powell)
Janine (Duke Pearson)
Just Around Midnight (Thelonious Monk)
Rythm-A-Ning (Thelonouis Monk)
Com Alma/Well You Needn’t (Dizzy Gillespie/Th. Monk)
Há pouco tivemos um pequeno Ligeti frenzy onde algumas ótimas gravações dos Études para Piano foram postadas. Mas, como nosso apetite por essas obras é insaciável, sempre que uma nova gravação tão bem recomendada como esta aparece, nosso editor chefe logo encomenda uma postagem, com urgência!
Realmente, o disco do Han Chen merece toda a nossa apreciação. Este jovem pianista é natural de Taichung, Taiwan, e estudou com Yoheved Kaplinsky na Juilliard School, onde obteve seu bacharelado e mestrado. Ele foi beneficiado, em parte, com uma bolsa de ex-alunos do Van Cliburn. Foi vencedor do primeiro prêmio no Sexto Concurso Internacional de Piano da China e o seu álbum de estreia, pela Naxos, oferece algumas transcrições de óperas de Liszt.
Este álbum dos Études foi escolhido pelo editor da Gramophone como um dos dez melhores para a última edição da revista. Veja um trecho da resenha: “[Chen]’s one of the few pianists who handles both gnarly contemporary scores and over-the-top Romantic showpieces with equal authority and style…” (“Chen é um dos poucos pianistas que domina tanto partituras contemporâneas desafiadoras quanto peças românticas exuberantes com igual autoridade e estilo…“)
Outro álbum do Chen é uma coletânea de peças do compositor e regente inglês Thomas Adès, que talvez apareça dia desses no seu PQP Bach mais próximo.
Sobre a música desse álbum, você já sabe, Ligeti compôs seus Estudos para Piano ao longo de sua carreira, deixando três livros, o terceiro meio que por terminar, mas assim terminado pela situação. Eu não consigo deixar de ficar muito impressionado com os arrasadores estudos Désorde (lembro do Caos da Matemática), Der Zauberlehrling (O Aprendiz de Feiticeiro) e L’escalier du diable. Mas há muito o que admirar nestas peças e espero que você comente depois de ouvir o disco, indicando quais estudos lhe impressionaram mais.
A ordem aqui é um pouco diferente dos outros discos postados. Primeiro o Livro Um e o Livro Três. Em seguida, como intermezzo, duas peças mais de juventude, dois Caprichos. Completando o disco, o Livro Dois, que inicia com o Galamb Borong (com jeito de música javanesa), Fém (que é ferro…), além de dois estudos dos que mencionei acima, terminando com a Columna infinta, que talvez nunca acabe…
Eis mais um delicioso CD do incansável clarinetista Dieter Klöcker, que gravou dezenas de CDs com obras para o seu instrumento. Aqui ele junta-se a um Quarteto de Cordas para tocarem o Quinteto para Clarinete K. 516c. Já trouxemos gravações dessa obra em outras ocasiões, com outros solistas. Mas já me declarei fã deste músico, que tem uma discografia considerável, tendo sido um musicólogo especializado na redescoberta de obras esquecidas para o seu instrumento, principalmente de compositores contemporâneos de Mozart e de Beethoven. Já trouxe outros CDs dele, quem não conhece, recomendo fortemente.
“O Quinteto para Clarinete em lá maior de Mozart, K. 581, foi escrito em 1789 para o clarinetista Anton Stadler. É o único quinteto de clarinete de Mozart e é uma das primeiras e mais importantes obras escritas para o instrumento. O quinteto é considerado uma conquista suprema da era clássica e é uma das obras mais populares de Mozart.”
É sempre bom ouvirmos este Quinteto. É uma obra deliciosa, que apenas confirma a genialidade de Mozart.
01. Movement for Clarinet and String Quartet in B-Flat Major, KV 516c Allegro
02. Movement for Clarinet and String Quartet in A Major, KV 581a Allegro non troppo
03. Movement for Clarinet, Bassetthorn and String Trio in F Major, KV 580b Allegro
04. Clarinet Quintet in A Major, KV 581 I. Allegro
05. Clarinet Quintet in A Major, KV 581 II. Larghetto
06. Clarinet Quintet in A Major, KV 581 III. Menuetto
07. Clarinet Quintet in A Major, KV 581 IV. Allegro con Variazioni
Pensaram que as homenagens pelos 100 anos de Ligeti tinham acabado? Pois é, eu também pensei, pensei até o momento em que este CD caiu no meu colo. E ele é muito bom! As Seis Bagatelas são de 1953, o Concerto de Câmara é de 1970 e as 10 Peças são mais ou menos da mesma época, de 1968. É curioso observar o Ligeti inicial e compará-lo com aquele mais próximo da composição de Lux Aeterna. O segundo é muito melhor, apesar de terem quase a mesma linguagem. Como escreveu Arthur Nestrovski, alegria e humor não são exatamente as primeiras palavras que vêm à cabeça quando se pensa em música contemporânea. Mas numa época de indefinição e falta de rumo para a composição, a música alegre do húngaro Gyõrgy Ligeti é uma das poucas unanimidades entre crítica e público. A tradição do humor húngaro — entre o absurdo e o francamente cômico, de uma alegria também desesperada — encontra em Ligeti o seu maior e inesperado expoente. Confiram!
György Ligeti (1923-2006): Six Bagatelles / Kammerkonzert / Dix Pièces Pour Quintette À Vent (Les Siècles, Roth) — 100 anos de Ligeti!
Six Bagatelles
Bassoon [Basson] – Michael Rolland
Clarinet [Clarinette] – Christian Laborie
Flute – Marion Ralincourt
Horn [Cor] – Pierre Rougerie (2)
Oboe [Hautbois] – Hélène Mourot
1 Allegro Con Spirito 22:21
2 Rubato. Lamentoso
3 Allegro Grazioso
4 Presto Ruvido
5 Adagio. Mesto (Béla Bartók In Memoriam)
6 Molto Vivace. Capriccioso
Kammerkonzert
Conductor [Direction] – François-Xavier Roth
Ensemble – Les Siècles
7 Corrente: Fließend
8 Calmo Sostenuto
9 Movimento Preciso E Meccanico
10 Presto
Dix Pieces Pour Quintette A Vent
Bassoon [Basson] – Michael Rolland
Clarinet [Clarinette] – Christian Laborie
Flute – Marion Ralincourt
Horn [Cor] – Pierre Rougerie (2)
Oboe [Hautbois] – Hélène Mourot
11 Molto Sostenuto E Calmo
12 Prestissimo Minaccioso E Burlesco
13 Lento
14 Prestissimo Leggiero E Virtuoso
15 Presto Staccatissimo E Leggiero
16 Lo Stesso: Presto Staccatissimo E Leggiero
17 Vivo, Energico
18 Allegro Con Dleicatezza
19 Sostenuto, Stridente
20 Presto Bizzarro
Sobre a cantora: nos 20 ou 30 anos em que esteve no auge da carreira, Jessye Mae Norman (Augusta, Georgia, 1945 — New York, 2019) foi provavelmente a maior intérprete do repertório em alemão: Beethoven, Schubert, Wagner, Mahler, Strauss, Schoenberg… Outro dia uma amiga que morou em Viena por 20 anos me disse que, além da tremenda voz, ela cantava especialmente bem em alemão. Incompetente para opinar sobre esse idioma, falei com os colegas de blog Karlheinz e Vassily, que confirmaram: Jessye era absolutamente idolatrada na Alemanha e sua dicção na língua alemã era belíssima.
Sobre o compositor: outro dia vi alguém falar que a relação entre T.W. Adorno e A. Schönberg era praticamente o que hoje os jovens chamam de broderagem. Talvez fosse… O fato é que gente inteligente como o escritor Adorno e o maestro-compositor-TV-star L. Bernstein superestimaram a figura de Schönberg como grande luz que iluminaria a música erudita por séculos. Uso aqui “superestimar” com um pouco mais de rigor do que o uso hoje muito comum dessa palavra (a cantora A lançou um hit ontem, está no 1º lugar no spotify, os fãs da cantora B dizem: superestimada). Refiro-me ao impacto que Schönberg teve sobre a música nos, digamos, 50 anos após a sua morte: foi grande, mas nada comparável à influência de Beethoven nas décadas de 1830-1880 ou de Chopin nas décadas de 1850-1900. Estou falando tanto da influência sobre outros compositores como sobre os públicos, casas de edição de partituras, o vasto mundo lá fora: foi superestimada. Por outro lado, seria um erro descartar a obra do alemão. Erwartung é, na minha opinião, um dos seus pontos mais altos. E discordo de CDF Bach, abaixo, quando ele diz que não é algo bonito de se ouvir.
O. Messiaen disse sobre essa obra, em uma entrevista: “pode ser verdade que a escola serial escreveu apenas sobre assuntos mórbidos e obras quase sempre passadas à noite. Não é por acaso que Erwartung de Schoenberg se passa à noite e é um assunto horrível, uma mulher que vê o cadáver de seu amante… – [entrevistador] E podemos adicionar Wozzeck e… – Muitas outras que são obras-primas, sem dúvida, mas são obras-primas sombrias.
Pleyel (a seguir a postagem original de 2009)
É tão compreensivo que um ouvinte rejeite a música de Schoenberg. Como sentir prazer diante de algo que só é possível assimilar (caso assimile) acostumando o cérebro às dissonâncias e contrastes expressionistas, muitas vezes reveladoras de uma face pouco encantadora da natureza humana? No entanto como podemos ser completos, observando o mundo e a nós mesmos, se não lidamos com todos os aspectos conflitantes, como aqueles revelados na literatura de Dostoievski e tão bem aceitos por nós? Mas a música, por ser algo mais direto, parece ter aceitação quando apenas nosso lado romântico, engraçado, virtuoso ou divino é mostrado.
Erwartung de Schoenberg é um monodrama sobre medo e o descontrole. Alguns críticos a chamam de música freudiana. Não é realmente algo bonito de se ouvir. A história é um monólogo psicológico sobre uma mulher que espera seu amante numa floresta, até que ela descobre o corpo do rapaz assassinado. A partir daí ela começa a ter uma série de distúrbios e lembranças sobre uma possível traição dele ou até mesmo dela ter sido a autora do crime. A obra foi escrita para soprano e orquestra com pavorosas situações de desespero e agonia. Jessye Norman confessou que foi o papel mais difícil de sua carreira. Mas como foi recompensador o seu esforço, não há quem a supere aqui.
Quem vai encarar?
Para aqueles que não vão nessa empreitada, tentem ouvir as músicas de cabaret de Schoenberg. São lindíssimas e engraçadas, com destaque para a última faixa do disco que não canso de ouvir.
Arnold Schoenberg (1874 – 1951):
1-9. Erwartung, Op.17
10. Cabaret Songs – Galathea
11. Cabaret Songs – Gigerlette
12. Cabaret Songs – Der genügsame Liebhaber
13. Cabaret Songs – Einfältiges Lied
14. Cabaret Songs – Mahnung
15. Cabaret Songs – Jedem das seine
16. Cabaret Songs – Seit ich so viel Weiber sah
17. Cabaret Songs – Nachtwandler
Jessye Norman – soprano
Metropolitan Opera Orchestra (NYC, USA)
Conducted by James Levine
Deus gravou este mesmo repertório melhor do que Perahia. Deus é Pollini, óbvio. Mas a gravação do pianista e maestro nova-iorquino também é sensacional. Ele é enormemente elegante nos movimentos lentos. Seu problema é a comparação com os movimentos rápidos de Pollini, onde este é diabolicamente decidido e exato. Mas, se fosse você, eu baixaria estes CDs sem medo. É um grande repertório que os pianistas costumam não tocar juntos em concertos em função dos tamanhos de cada uma das 3 últimas sonatas. Ou seja, Perahia enfrenta uma forte concorrência de nomes como Brendel, Pollini e Arrau, bem como de veteranos como Schnabel. Mesmo em tal companhia ele se sai bem, tocando com uma sonoridade enxuta que marca claramente as belas linhas melódicas de Schubert. Sua abordagem mantém a visão geralmente clássica das obras, sem transformá-las em extravagâncias românticas. Argh! Perahia é uma adição digna à discografia de Schubert.
Franz Schubert (1797-1828): As Últimas Sonatas para Piano, D. 958, 959 e 960
CD1:
1. Sonata in C minor for Piano, D. 958/I. Allegro 10:50
2. Sonata in C minor for Piano, D. 958/II. Adagio 8:27
3. Sonata in C minor for Piano, D. 958/III. Menuetto. Allegro – Trio 3:08
4. Sonata in C minor for Piano, D. 958/IV. Allegro 9:09
5. Sonata in A Major for Piano, D. 959/I. Allegro 15:20
6. Sonata in A Major for Piano, D. 959/II. Andantino 8:03
7. Sonata in A Major for Piano, D. 959/III. Scherzo. Allegro vivace – Trio. Un poco più lento 4:45
8. Sonata in A Major for Piano, D. 959/IV. Rondo. Allegretto 11:41
CD2:
1. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/I. Molto moderato 19:04
2. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/II. Andante sostenuto 9:34
3. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/III. Scherzo. Allegro vivace con delicatezza 3:48
4. Sonata in B-flat Major for Piano, D. 960/IV. Allegro ma non troppo 7:57
Sim, o fantástico Quinteto para Piano “A Truta” de Schubert!
Como estou meio ocupado, transcrevo um excelente texto explicativo encontrado neste blog:
Esta peça em Lá Maior foi composta quando Schubert tinha apenas 22 anos embora tenha sido publicada em 1829 – um ano após a sua morte.
A peça é composta à volta de um conjunto de variações de um Lied anterior de Schubert Op.32 (D.550) e é formada por cinco andamentos. Tal como em muitas das obras de Schubert podemos criticar uma composição pouco perfeita , como uma espécie de esquisso. A esta obra em particular é frequentemente apontado o facto de existir uma fraca coesão entre andamentos e de serem frequentes longas repetições de material temático com pouca ou nenhuma transformação. A composição do quinteto é pouco usual pela presença do contrabaixo tendo permitido a Schubert a exploração de outras sonoridades.
1º Andamento (Allegro vivace) : Este andamento está escrito na forma de sonata. A explicação sobre o significado deste termo está prometida para um destes dias.
2º Andamento (Andante) : Este andamento está construído com base em diálogos entre instrumentos que por várias vezes parecem estar a terminar mas que depois recomeçam transmitindo algum humor (pela repetição do fim anunciado … )
3º Andamento (Scherzo – Presto) : Este andamento é rápido como o nome indica transmitindo um grande vigor a que se junta um melancólico trio para balancear o andamento.
4º Andamento (Andantino – Allegretto) : Este andamento é baseado em variações sobre a canção de que falámos no início deste post. Cada um dos instrumentos toca a melodia a seu tempo.
5º Andamento (Allegro giusto) : Semelhante na construção ao segundo andamento mas por vezes considerado excessivamente repetitivo (em alguns casos os interpretes optam mesmo por não fazer as repetições marcadas pelo compositor).
Franz Schubert (1797-1828): Quinteto “A Truta”, D. 677, e Movimento para Quarteto de Cordas D. 703
Quintet for Piano, Violin, Viola, Cello and Double-bass in A major, D 667 “The Trout”