Concurso Tchaikovsky 1962 – O Empate: Vladimir Ashkenazy & John Ogdon

O mundo da música clássica tem uma paixão quase esportiva por concursos, já há muitas e muitas décadas. Jovens músicos foram alçados ao estrelato e carreiras foram feitas a partir de premiações em competições internacionais. Em meio a essa mitologia, um dos mais tradicionais e prestigiosos quando se trata de pianistas é o Concurso Internacional Tchaikovsky, que acontece a cada quatro anos em Moscou e São Petersburgo desde 1958. Depois meses antes de Bellini se tornar o primeiro brasileiro a erguer a Jules Rimet, Van Cliburn arrebatou o prêmio em Moscou, aos 23 anos.

Ao centro, a partir da esquerda: Ashkenazy, o premiê soviético Nikita Kruschov e Ogdon

A edição seguinte, em 1962, ficou marcada por um empate entre dois jovens, futuros titãs, mas que já experimentavam ali algum sucesso internacional: o russo Vladimir Ashkenazy, 24 anos, e o inglês John Ogdon, 25. O júri tinha gente do mais alto calibre: além do presidente Emil Gilels, estavam nomes como Nadia Boulanger, Lev Oborin, Yakov Flier e a nossa dame Magdalena Tagliaferro. A Guerra Fria estava, como dizem os jovens hoje em dia, torando – o episódio que ficou conhecido como Crise dos Mísseis, em que o planeta quase foi pro beleléu, estava logo ali na esquina: aconteceu em outubro daquele ano.

Nadia Boulanger e Emil Gilels julgando pacas

Este disco traz as gravações das finais do concurso. Ashkenazy interpreta duas peças do padroeiro do concurso, ele mesmo, Piotr Ilyich Tchaikovsky: o Concerto para Piano nº 1, em si bemol menor, op. 23Dumkaop. 59. Já Ogdon optou por duas peças do húngaro Franz Liszt: O Concerto para Piano nº 1, em mi bemol maior, e a Valsa Mefisto nº 1.

O encarte do disco traz um interessante relato de Ashkenazy, pinçado de sua autobiografia Beyond Frontiers, de 1984, escrita em parceria com o tycoon de agenciamento de artistas eruditos Jasper Parrott:

       “Eu disse [ao Ministro da Cultura] que não queria participar, sobretudo porque não era o meu tipo de música. Eles responderam: ‘Como assim? Como você pode dizer que Tchaikovsky, nosso grande compositor russo, não é o seu tipo de música?’ Então, no fim, eu tive que engolir minhas palavras – simplesmente não havia maneiras de fazê-los entender que um artista pode ser mais adequado para tocar, digamos, Beethoven que Tchaikovsky…

       De todo modo, eu ainda era muito jovem e acostumado a aceitar que na União Soviética você não resiste por muito tempo à pressão que vem de cima se você não quer a sua vida arruinada das mais diferentes formas. Por fim, como esperava-se tanto de mim, foi difícil não aceitar o desafio: ainda que não fosse a competição certa para que eu mostrasse o meu melhor trabalho.

       Mas, ainda que eu não tenha gostado da competição por causa de todas as pressões artificiais e musicais, assim que eu ouvi a maioria dos outros competidores eu realmente senti que tinha mais a dizer. Mas ganhar o primeiro prêmio era outra história. Até porque, no fim, ganhar depende muito de como você toca naquele dia em particular, e com toda a atenção voltada para o concerto em si bemol menor de Tchaikovsky na rodada final, o resultado era especialmente incerto. Para tocar toda aquela bravura, que eu na verdade detestava, você tem que crer de forma apaixonada além de ter o ‘equipamento’. E aquele tipo de tocar oitavado realmente não era o meu negócio – aquilo era pra John Ogdon, Van Cliburn e Horowitz.”

Ogdon realmente esmirilhava nas oitavas, mas era muito mais do que isso: foi um estupendo intérprete de Liszt, e esse disco mostra o brilho incandescente e vigoroso de seu pianismo. Também gravou alguns compositores menos óbvios, como Carl Nielsen e Charles-Valentin Alkan. Discípulo de Egon Petri, Ogdon teve sua carreira e sua vida tragicamente abreviados por uma esquizofrenia aguda, vindo a falecer precocemente em 1989, aos 51 anos.

Senhoras e senhores, sem mais delongas, apertem os cintos, pois vamos voar para Moscou, 1962. счастливого пути!

ps: Se alguém quiser brincar de jurado, a caixa de comentários está aberta e pitacos são muito bem vindos. Quem você premiaria?


1962 International Tchaikovsky Competition – The Draw

Piotr Ilyich Tchaikovsky (1840-93)

Concerto para Piano nº 1, op. 23, em si bemol menor
1. Allegro non troppo e molto maestoso; Allegro con spirito
2. Andantino semplice; Prestissimo
3. Allegro con fuoco

4. Dumka, op. 59 (“Scene from Russian country life”)

Vladimir Ashkenazy, piano
Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Konstantin Ivanov, regência

Franz Liszt (1811-86)

Concerto para Piano nº 1, em mi bemol maior
5. Allegro maestoso
6. Quasi adagio
7. Scherzo
8. Finale: Allegro marciale animato

9. Valsa Mefisto nº 1 (“A dança na estalagem”)

John Ogdon, piano
Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Victor Dubrovsky, regência

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Karlheinz

6 comments / Add your comment below

  1. Bom dia ! Prezado amigo,conheço muitas gravações como as estão nesse cd,fiquei encantado com as duas interpretações,o meu muito obrigado !

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