Hermeto: homem de uma só palavra

Em março de 2008, fiz um post começando com a seguinte citação:

Quem quiser piratear os meus discos, pode ficar à vontade. Desde que seja para ouvir uma boa música. (…) Mesmo o meu trabalho em gravadoras, o povo tem mais é que piratear tudo. Isso não é revolução. O que queremos é mostrar essa música universal. Porque isso não toca em rádio nem aparece na capa do jornal. Sabe o que Deus falou? Muita gente pensa que é só para transar. Mas, não. “Crescei e multiplicai-vos”. Isso é em todos os sentidos. Vamos crescer na maneira de ser e multiplicar o que tem de bom. Sem barreiras. A música é universal. Eu toco no mundo inteiro e é sempre lotado. Eu só cheguei a isso porque os meus discos são pirateados, estão à vontade na Internet.

Hoje sai a notícia no caderno Link, do Estadão:


“Minhas músicas são pétalas soltas, estão voando por aí.”
E, assim, Hermeto deixou suas pétalas ao vento. Desde novembro, abriu mão das licenças pela internet e liberou para uso de qualquer músico todas as composições registradas em seu nome. Nesta semana, promete disponibilizar parte da imensa e riquíssima discografia (são 34 álbuns) para download gratuito, num processo que chegará em alguns meses à totalidade da produção formal.

 

Hermeto, esse artista único: ele entende a música. E nós ganhamos com sua generosidade. Em compor e ensinar.

O restante dos artistas brasileiros pode continuar envergonhado.

obrigado a Cecília pela dica!

9 comments / Add your comment below

  1. O Hermeto é um tipo de artista peculiar. Como as orquestras e muitos outros músicos éxperimentais, quanto mais a música for veiculada mais se garantem execuções ao vivo, e é aí que se ganha o leite das crianças. Mas a indústria musical consideral que o custo para produção musical necessita de um retorno pela venda das faixas produzidas, e não há incorreção absoluta nisso. Em sendo a música inteiramente gratuita, os custos de gravação teriam que ser bancados exclusivamente pelo artista, contando com a difusão e a renda das apresentações; porém, nesses termos, o acesso à produção e à oportunidade de veiculação gratuita é restrita, embora as gravadoras, por outro lado, também afunilem o processo de produção musical. A gratuidade absoluta afeta até a formação de músicos, cujos ganhos por execução em estúdio ficam comprometidos pela carência de fontes imediatas de arrecadação e, aí, quem se interessará em aprender os fundamentos musicais, desenvolver técnicas, pesquisar partituras, etc? Sinceramente, a saída-Hermeto é boa para ele e para mais alguns, mas também faz suas vítimas, e não são somente os músicos de mérito duvidoso, mas justamente aqueles dedicados á pesquisa musical mais séria. O problema é: alternativa há? Não parece. O futuro, assim, se apresenta sombrio, com a multiplicação de cópias e ausência quase completa de criação pautada em conhecimentos técnicos maiores do que aqueles que possibilitam a manipulação de samplers.

    1. Não sei. Os eruditos são, em sua esmagadora maioria, favoráveis à livre distribuição. Até Emma Kirkby, com enorme elegância, sugeriu isto em entrevista a nosso blog.

  2. Hermeto nunca nos decepciona, seja em CDs, seja em shows, seja nas opiniões sempre inteligentes, generosas e loucas.

    Eu AMO Hermeto há muitos anos.

    1. Isso não discuto. Ir a um show de Hermeto ajuda a reafirmar a música como discurso mais inerente à razão do que as palavras mesmo que, embora também música enquanto sonoras, tem a prisão do significado atrelado à significação da soma dos fonemas.

Deixe um comentário