Mais um disco em que Barbara Strozzi, junto dos seus contemporâneos, se mostra mais delicada, mais surpreendente, menos previsível. Já tinha acontecido aqui. Este disco ganhou boa parte dos prêmios que poderia ter ganho na mídia inglesa em 2022 e 2023: para a revista da BBC, a voz de Charlston é cheia como um bom vinho rosé, e altamente expressiva, mergulhando nos textos com variedade de timbres… Para a Gramophone, que deu o prêmio de “Concept Album of the Year”, a inteligência do programa é do mesmo nível que sua execução – legatos bem feitos, mudanças de tom que capturam os monólogos de Strozzi e Monteverdi.
A essas resenhas, acrescento a minha apreciação pela gravação: realizada dentro de uma igreja na Escócia, com uma acústica que faz os sons ressoarem um pouco, mas não excessivamente. Assim, nas finalizações de frases, temos o balanço perfeito entre o tom íntimo dos lamentos e certo aspecto um pouco mais grandioso do que o conceito mais moderno de intimidade em um quarto burguês… Ou seja, o ambiente soa perfeitamente adequado para essas obras que datam, em sua maioria, do período inicial do barroco.
Barbara Strozzi (1619-1677), Henry Purcell (1659–1695), Claudio Monteverdi (1567–1643) et al: Árias (Helen Charlston, mezzo-soprano / Toby Carr, theorbo)
1 O lead me to some peaceful gloom
Composed By – Henry Purcell
2:58
2 L’Eraclito Amoroso
Composed By – Barbara Strozzi
5:55
3 Prélude
Composed By – Robert de Visée
1:25
4 Restless In Though
Composed By – John Eccles
4:24
Dido’s Lament
Composed By – Henry Purcell
(3:57)
5 Thy Hand, Belinda
6 When I Am Laid In Earth
Battle Cry
Composed By – Owain Park
(16:51)
7 Boudicca
8 Philomela In The Forest
9 A Singer’s Ode To Sappho
10 Marietta
11 Preludio V
Composed By – Giovanni Girolamo Kapsberger
1:04
12 La Travagliata
Composed By – Barbara Strozzi
4:42
13 Lamento D’Arianna
Composed By – Claudio Monteverdi
9:03
14 Sarabande
Composed By – Robert de Visée
2:12
15 An Evening Hymn
Composed By – Henry Purcell
4:42
O lead me to some peaceful gloom / L’Eraclito Amoroso / Prélude / Restless In Though / Dido’s Lament / Battle Cry
/ Preludio V / La Travagliata / Lamento d’Arianna / Sarabande / An Evening Hymn
Helen Charlston, mezzo-soprano
Toby Carr, theorbo
Recorded on 29-30 October and 1 November 2021 in Crichton Collegiate Church, Midlothian, Scotland, UK
Das três sonatas para piano que Schubert completou em seus últimos meses, a Sonata em dó menor, D. 958, parece lidar mais diretamente com o legado de Beethoven.
Guardem esse nome – Can Çakmur, pianista turco de mão cheia (desculpem o trocadilho…). A primeira vez que vi seu nome foi num disco da série Next Generation, mentorada por Howard Griffiths e que apresenta os concertos de Wolfi Mozart, não apenas os para piano, interpretados por jovens solistas, como Claire Huangci e o próprio Can Çakmur. Ele interpreta o Concerto No. 8, ‘Concerto Lützow’, no primeiro disco da série. Nomes tais como Mélodie Zhao, Jeneba Kanneh-Mason, Aaaror Pilsan, pianistas, além de Johan Dalene, violino, Nicolas Ramez, trompa, e Gabriel Pidoux, oboé, já estão presentes nos outros discos da série.
Mas, a postagem é a propósito de Can Çakmur que tem produzido para a BIS uma série de discos com foco na obra para piano de Franz Schubert. Cada disco da série apresenta peças de Schubert acompanhadas de alguma peça de outro compositor que foi influenciado por ele ou que o tenha influenciado. Eu tenho ouvido esses discos com algum interesse, mas há tantas coisas que chamam a minha atenção no universo da música gravada, que acabei deixando-os na pilha dos que pretendo ouvir mais vezes. No entanto, esse aqui eu achei uma ‘maraviglia’ logo de cara e o ouvi diversas vezes. Tanto gostei que resolvi postá-lo, independentemente de voltar a postar algum outro da série. A Sonata em lá maior é em três movimentos e tem toda a leveza e graciosidade do período clássico. As variações do Ludovico apontam mais para a Sonata em dó menor, D. 958, a primeira das últimas três grandes sonatas, em quatro movimentos. Uma obra prima!
Franz Schubert (1728 – 1828)
Piano Sonata in A Major, D. 664
Allegro moderato
Andante
Allegro
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Variations (32) on an Original Theme in C minor, WoO 80
Trechos da resenha ‘rasga seda’ feita por Patrick Rucker para a Gramophone
Can Çakmur’s ‘Schubert+’ series, begun in 2023 and combining works by Schubert with composers influencing or influenced by him, has now reached its fifth instalment. Here he presents the exquisite A major Sonata of 1819, while Beethoven’s C minor Variations serve as a sort of overture to the first of the three crowning sonata masterpieces of Schubert’s final year.
If the 32 C minor Variations are not Beethoven’s most profound, they nevertheless effectively explore seemingly limitless instrumental textures. […]This is a carefully conceived performance, brilliantly executed.
Schubert’s ‘little’ A major Sonata is only small in comparison to the huge A major Sonata, D959. Here it is given a rhetorically apt, pristine performance of extraordinary beauty and nuance. […]
I don’t know of another performance of D958 that so successfully subordinates Schubert’s occasionally awkward pianistic demands to the grand musical sweep of this monumental work. […]
Finally, one admires most Çakmur’s inerrant kinaesthesia, vibrant, breathtaking, yet somehow always tempered by love for the beauty revealed in his art. Wholeheartedly recommended.
Há muita discussão em torno das opções tomadas por Anne-Sophie Mutter nesta série de gravações das Sonatas Completas para Violino e Piano de Beethoven. Em alguns momentos bem determinados, ela carrega nos vibratos “apaixonados” como se não houvesse amanhã. Em outros, retorna ao normal. O que é lento ficou beeeemmm lento. Gostei muito das interpretações de algumas Sonatas e guardo restrições a algumas coisinhas. Mutter e Orkis passaram um ano dedicados exclusivamente a este repertório, dando concertos e ensaiando. (É óbvio que antes e depois seguiram eventualmente com Beethoven, super-compositor incontornável). O resultado é geral é muito bom. Mas o que surpreende mesmo é a coragem de Mutter de aventurar-se em versões imaginativas de um repertório ultra solidificado em nossas memórias. Se fosse um ser humano menor, gravaria conforme faz o main stream e ganharia rios de dinheiro. Escolheu ser original. Incomodou os conservadores. Acho digno.
O estilo livre adotado caiu muito bem na Sonata Kreutzer, não tem bem na Primavera e maravilhosamente no Op. 30 e 96. Vale a pena ouvir. Nem que seja para depois falar mal.
Ludwig van Beethoven (1770-1827): Integral das Sonatas para Violino e Piano (Mutter/Orkis)
CD 1
Sonate No. 1 D-Dur Op. 12 No. 1 In D-Major (22:14)
1.1 1. Allegro Con Brio 9:20
1.2 2. Tema Con Variazioni. Andante Con Moto (Var. I-IV) 7:42
1.3 3. Rondo. Allegro 5:10
Sonate No. 2 A-Dur Op. 12 No. 2 In A Major (17:42)
1.4 1. Allegro Vivace 6:50
1.5 2. Andante Più Tosto Allegretto 5:15
1.6 3. Allegro Piacévole 5:37
Sonate No. 3 Es-Dur Op. 12 No. 3 In E Flat Major (19:11)
1.7 1. Allegro Con Spirito 8:38
1.8 2. Adagio Con Molta Espressione 6:12
1.9 3. Rondo. Allegro Molto 4:21
CD 2
Sonate No. 4 A-Moll Op. 23 In A Minor (17:53)
2.1 Presto 9:06
2.2 Andante Scherzoso, Più Allegretto 8:47
2.3 Allegro Molto 5:58
Sonate No. 5 F-Dur Op. 24 “Frühlings-Sonate” (25:22)
2.4 1. Allegro 10:34
2.5 2. Adagio Molto Espressivo 5:57
2.6 3. Scherzo. Allegro Molto 1:22
2.7 4. Rondo. Allegro Ma Non Troppo 7:29
Sonate No. 6 A-Dur Op. 30 No. 1 In A Major (23:48)
3.1 1. Allegro 8:25
3.2 2. Adagio Molto Espressivo 7:07
3.3 3. Allegretto Con Variazioni (I-VI) 8:16
Sonate No. 7 C-Moll Op. 30 No. 2 In C Minor (26:44)
3.4 1. Allegro Con Brio 8:30
3.5 2. Adagio Cantabile 9:09
3.6 3. Scherzo. Allegro – Trio 3:35
3.7 4. Finale. Allegro – Presto 5:30
Sonate No. 8 G-Dur Op. 30 No. 3 In G Major (20:16)
3.8 1. Allegro Assai 6:53
3.9 2. Tempo Di Minuetto, Ma Molto Moderator E Grazioso 9:35
3.10 3. Allegro Vivace 3:48
3.11 Contretanz B-Dur In B Flat Major. Contretanz Es-Dur (12 Contretänze Für Orchester WoO 14: Nos. 4 & 7) 1:50
CD 4
Sonate No. 9 A-Dur Op. 47 “Kreutzer-Sonate” In A Major (43:56)
4.1 1. Adagio Sostenuto – Presto 15:19
4.2 2. Andante Con Variazioni (I-IV) 18:14
4.3 3. Presto 10:23
Sonate No. 10 G-Dur Op. 96 In G Major (29:13)
4.4 1. Allegro Moderato 11:27
4.5 2. Adagio Espressivo 6:11
4.6 3. Scherzo. Allgro – Trio – Coda 1:58
4.7 4. Poco Allegretto – Adagio Espressivo – Tempo I 9:37
Com a confessada intenção de demonstrar como nosso blog é foda, programei um Festival Fasch para hoje. Tá bom, este é um disco com Fasch, mas os próximos três serão exclusivamente de Johann Friedrich. Fasch é bom pra caraglio, vocês verão. E compreenderão que este blog fodão quer apenas lhe dar prazer ao introduzir Fasch em sua vida. Esse CD é da Harmonia Mundi e só o fato de ser com a Camerata Köln já deveria bastar para deixar excitado qualquer pequepiano que se preze. A ligação que há entre estes concertos barrocos é clara: eles estão no mesmo CD. Não há Cristo que vá me convencer da lógica de enfiar Vivaldi, Fasch, Marcello e mano Johann Christian no mesmo saco. OK, Fasch era fã de Vivaldi e de Telemann, que não está no disco… Vão tomar no cu. Mas o disco é do caraglio, repito. Muita atenção para a versão abusiva ma non troppo para o célebre concerto de Marcello. O grupo de músico realmente interpreta oq eu toca. Um tremendo CD!
Festival Fasch: Vivaldi, Marcello, Quantz, J. C. Bach, Fasch: Florilegium Musicale (Camerata Köln)
# Chamber Concerto (“La notte”), for flute or violin, 2 violins, bassoon & continuo in G minor, RV 104
Composed by Antonio Vivaldi
with Cologne Camerata
1. La Notte
2. Fantasmi
3. Il Sonno
4. Allegro
# Concerto for oboe, strings & continuo in D minor, SF. 935
Composed by Alessandro Marcello
with Cologne Camerata
5. Andante
6. Adagio
7. Allegro
# Trio in C
Composed by Johann Joachim Quantz
with Cologne Camerata
8. Affettuoso
9. Alla breve
10. Larghetto
11. Vivace
# Quintet for flute, oboe, violin, cello & keyboard in D major, Op. 22/1, CW B76 (T. 304/6)
Composed by Johann Christian Bach
with Cologne Camerata
12. Allegro
13. Andantino
14. Allegro assai
# Quartet for 2 oboes, obbligato basson & continuo in D minor, FaschWV N:d2
Composed by Johann Friedrich Fasch
with Cologne Camerata
15. Largo
16. Allegro
17. Largo
18. Allegro
# Piccolo (Flautino) Concerto, for piccolo (or recorder/flute), strings & continuo in C major, RV 444
Composed by Antonio Vivaldi
with Cologne Camerata
19. Allegro non molto
20. Largo
21. Allegro molto
Ronald Brautigam, pianista holandês, é um dos grandes pianistas do século XXI. Há algum tempo ele se especializou nos pianofortes (ou fortepianos) construídos como réplicas de intrumentos antigos. Após anos tocando esses instrumentos, ele tem a intimidade, a experiência para saber o que soa bem e o que soa mal nos fortepianos.
Ele gravou uma integral de Beethoven na qual o primeiro CD se inicia com a Sonata Patética (Sonata No. 8 em Dó menor, Op. 13) que começa logo com acordes tão marcantes e com som tão profundamente diferente de um piano Steinway que milhares de ouvintes já se apaixonaram nos primeiros segundos. Logo após esse pacotaço de Beethoven, Brautigam retornou a Mozart, de quem ele já tinha gravado a integral das sonatas, lançamento do ano 2000 que não teve tanta aclamação quanto o seu Beethoven.
A gravação dos concertos foi feita com mais calma e os discos foram sendo lançados separados: alguns já foram postados por FDP Bach. Neste aqui, gravado em Köln em 2012 e lançado em 2014, Brautigam utiliza uma réplica de instrumento feito por Anton Walter (circa 1795). Mozart comprou em 1782 um pianoforte de Walter, que já era um fabricante e vendedor respeitado em Viena desde 1778.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791):
Concerto para Piano nº 18, K 456
Concerto para Piano nº 22, K 482
Ronald Brautigam, fortepiano (after Walter circa 1795)
Die Kölner Akademie, Michael Alexander Willens
Cadenzas: W. A. Mozart (K 456); R. Brautigam (K 482)
PS: Estes discos de Mozart também tiveram os links consertados: Quintetos K 515 e 516 – Talich Qt. (aqui) / Piada musical, K.522 – Barshai, Moscow (aqui)
We are Ensemble Odyssee, and we are eager to share our music with you.
[Frase do livreto]
Bach, assim como vários outros compositores do período barroco, usava peças compostas anteriormente para produzir novas obras, adaptando para outros instrumentos ou combinação diferente de instrumentos, revivendo assim peças que poderiam ficar esquecidas. Esse parece ter sido o caso dos concertos para cravo que ele produziu para as apresentações no Café Zimmermann, em Leipzig.
Este disco sugere um percurso inverso, com arranjos de alguns desses concertos para uma combinação de outros instrumentos solistas e formação camerística. O pequeno número de instrumentos, no entanto, não rouba da música toda a sua grandiosidade e fleuma assim como sua diversidade sonora. Eu adorei tudo, em especial os andamentos, que podem ser perigosamente rápidos no caso dos grupos historicamente informados.
Para fechar o disco, um arranjo do próprio João Sebastião como que para ilustrar que a prática é ‘legítima’ e que a música é verdadeiramente de Bach. Eu diria que nem precisava…
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto in E-Flat Major, after BWV 1053, 169, 49,
(Arr. for Recorder & Orchestra by Andrea Friggi & Anna Stegmann)
[Allegro]
Siciliano
Allegro
Concerto in D Minor, after BWV 1052, 146,
(Arr. for Violin & Strings by Eva Saladin & Andrea Friggi)
Allegro
Adagio
Allegro
Concerto in G Minor, after BWV 1056,
(Arr. for Oboe & Strings by Georg Fritz & Andrea Friggi)
[Allegro]
Largo
Presto
Concerto in F Major BWV 1057, 1049,
(Arr. for Harpsichord, two Recorders & Strings by Johann Sebastian Bach)
[Allegro]
Andante
Allegro assai
Ensemble Odyssee
Anna Stegmann, Georg Fritz, flautas doce
Georg Fritz, Daniel Lanthier, oboés
Hanna Lindeijer, oboé da caccia
Eva Saladin, Ivan Iliev, Tomoe Badiarova, Elise Dupont, violinos
O pessoal do Ensemble Odyssee esperando o início da matinée
“The overall refinement of their musical expression, profound knowledge in the field of historically informed performance practice, flawless intonation and sense of subtle nuances, confirm that Ensemble Odyssee is clearly among the top in its field.” Karel Veverka, Opera Plus 2017
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a quarta das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
– Mais de duzentos milhões de seres humanos falam russo. Só uns poucos tocam bem piano. Não deve ser difícil aprender russo.
Com essa voadora à queima-roupa, recebida como resposta à sua preocupação com o aprendizado do idioma do país ao qual acabara de chegar, Arthur Moreira Lima Júnior foi devidamente apresentado a Rudolf Rikhardovich Kerer (doravante Kehrer), para cuja classe fora designado durante os cinco anos de sua bolsa no Conservatório Pyotr Ilyich Tchaikovsky de Moscou, sob os auspícios do Ministério da Cultura da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, no ano da graça de 1963.
Ao mostrar-lhe a caixa de ferramentas, à maneira do que o famigerado beque Gum faria no Fluminense de quatro décadas depois, Kehrer apresentava o recém-chegado ao modus russicus. No entanto, e por mais dura que imaginássemos a adaptação do carioca bonachão ao planeta soviético, com todas cores tragicômicas das histórias de peixes fora d’água, nosso herói a tirou de letra. Safo, flexível e de ouvido afiado, Arthur Arthurovich transpôs com rapidez as temidas dificuldades de adaptação a território, cultura e idioma. Não tardou para que o novo moscovita estivesse, sob temperaturas dúzias de graus abaixo daquelas de seu habitat, a desfrutar muito a experiência mais decisiva de sua vida – e também, naturalmente, a jogar muita conversa fora po-russki.
Arthur Arthurovich e Rudolf Rikhardovich: sempre no limiar entre a lição e o entrevero.
Enquanto o Brasil marchava para suas décadas de sangue e chumbo, a União Soviética experimentava um minúsculo relaxamento de tensões. Ainda que todas paredes enxergassem, que qualquer moita tivesse muitos ouvidos, e que a Guerra Fria tivesse ebulido com a Crise dos Mísseis do ano anterior, os níveis de paranoia na Moscou de Khruschev eram baixos o suficiente para que a fauna humana vinda do exterior fosse recebida com curiosidade e acolhimento. Ciente de sua posição privilegiada dentro dum regime que controlava todas as instâncias da sociedade, Arthur guardava para si suas críticas e, driblando sensores e censores, aproveitou o que o Regime de melhor tinha a lhe oferecer. O transporte público milagrosamente eficiente e a segurança agradaram-lhe tanto quanto o pervasivo senso de coletividade em tudo e de todos. Mesmo no mítico Conservatório, possivelmente o maior centro formador de músicos do seu tempo, o que em outras paragens seria um ambiente propício a canibalismo entre concorrentes era, na prática, imbuído tão só de camaradagem. Os colegas estudavam juntos, ajudavam-se, retroalimentavam-se, sem vislumbres da competitividade entre pianistas, que Arthur adorava comparar à dos jóqueis nos saudosos páreos da Gávea. Sua maior satisfação, por certo, era com formação holística oferecida aos estudantes. Muito além da Música e de sua História, eles eram instruídos num amplo escopo de disciplinas, da Economia à Política, com doses generosas da doutrina que fundamentava o onipresente Regime. As dezenas de salas do Conservatório vertiam música em todas as vozes e instrumentos, e de suas portas saíam figuras legendárias – gente do naipe de Gilels, de Rostropovich, de Oistrakh – a formarem, por trás delas, novas lendas.
Naquela usina de pianistas em que até os faxineiros assoviavam Rachmaninov, no cerne da então Capital de Todas as Rússias, ninguém o marcaria mais que Rudolf Kehrer. Admirado expoente da Grande Escola Russa, Kehrer incutiu-lhe com eficiência seus fundamentos e prática, que muito divergiam da Escola de Liszt – que fora professor do professor de dona Lúcia Branco – e da Escola Francesa de Mme. Marguerite Long. Os incontáveis arranca-rabos, que Arthur contaria às gargalhadas aos amigos pelo resto da vida, até que foram poucos, se levarmos em conta as culturas e temperamentos diametralmente opostos. Era óbvio ao mestre que o pupilo era uma gema rara, e o talentoso aprendiz sorvia as lições por todas suas terminações nervosas. O resultado não tardou: o pianismo do moço ficou russíssimo, mais russo que os próprios russos (e aqui citamos o crítico e tradutor Irineu Franco Perpétuo, “he outrusses the Russians”). Não perderei tempo tentando convencê-los disso com inda mais verborreia – apenas ouçam, por exemplo, a gravação do Concerto no. 3 de Rachmaninov que incluímos nessa postagem, uma das maiores que existem para essa obra icônica. Ou, talvez, esses Quadros de uma Exposição de Mussorgsky, gravados na Grande Sala do Conservatório de Moscou, seguidos dos Prelúdios de Chopin e de nada menos que OITO peças de bis (porque, sim, recitais mastodônticos são especialidades da Grande Escola Russa)…
… ou esse outro recital-maratona, com duas sonatas de Chopin, a integral de suas valsas, e mais alguns punhados de bis:
Quem ainda não se convenceu poderá mudar de ideia com esse incrível combo Schubert + Barber…
.
.. ou com essa gravação feita pelo próprio Kehrer da plateia, talvez o ponto alto do pianorrussismo de Arthur Arthurovich, com uma Rapsódia Espanhola antológica, a melhor que já ouvi:
Rudolf Rikhardovich, o Estoico, só sorriria uma vez para Arthur. Foi na mesma tarde em que, após concluir os cinco anos de estudos sob sua supervisão, o mais meridional de seus pupilos o recebeu em seu apartamento e lhe tocou a Sonata de Liszt – ao que o mestre, notório por nunca elogiar os alunos, por acreditar que a bajulação era danosa à formação de artistas, então tascou:
– Isso foi muito bonito.
E deve ter sido, pois Kehrer convidou Arthur para ser seu assistente na cátedra de piano. Por três anos, sempre o titular viajava, quem assumia suas classes era um carioca de Estácio que, em russo fluente, ensinava pianistas russos como tocar mais russamente que os próprios russos.
Isso é russo o bastante? Para Arthur, ainda não. Sempre mais atento à voz do povo que às academias, ele receberia sua certidão definitiva junto com outro sorriso difícil de conquistar: o daquela rubicunda babushka que, depois de mais um recital abarrotado, veio cumprimentá-lo com um singelo:
– Artur ― nash!
“Arthur é nosso”. E é deles, sim – tanto quanto orgulhosamente nosso. ❤️
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
Volume 13: A GRANDE ESCOLA RUSSA
Aleksandr Nikolayevich SCRIABIN (1872-1915)
Das Três Peças para piano, Op. 2:
1 – No. 1: Estudo em Dó sustenido menor
Oito Estudos para piano, Op. 42 2 – No. 1 em Ré bemol Maior: Presto
3 – No. 2 em Fá sustenido menor
4 – No. 3 em Fá sustenido maior: Prestissimo
5 – No. 4 em Fá sustenido maior: Andante
6 – No. 5 em Dó sustenido menor: Affanato
7 – No. 6 em Ré bemol maior: Esaltado
8 – No. 7 em Fá menor: Agitato
9 – No. 8 em Mi bemol maior: Allegro
Dos Doze Estudos para piano, Op. 8: 10 – No. 5 em Mi maior: Brioso
11 – No. 11 em Si bemol menor: Andante
12 – No. 12 em Ré sustenido menor: Patetico
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986 Engenheiro de som: Georgi Harizanov Produção: Nikola Mirchev Piano Steinway & Sons, Hamburgo Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Dumka, Cena Rústica Russa em Dó menor, para piano, Op. 59
13 – Andantino cantabile
Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)
Sonata para piano no. 2 em Ré menor, Op. 14
14 – Allegro non troppo
15 – Allegro moderato
16 – Andante
17 – Vivace
Concerto para piano e orquestra no. 3 em Ré menor, Op. 30
1 – Allegro ma non tanto
2 – Adagio
3 – Alla breve
Arthur Moreira Lima, piano Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional da Polônia Thomas Michalak, regência
Gravação: Katowice, Polônia, 1984 Produção: Thomas Frost
Engenheiro de som: Tom Lazarus
Piano: Steinway & Sons, Hamburgo Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)
Dos Dez Prelúdios para piano, Op. 23:
4 – No. 4 em Ré maior: Andante cantabile
5 – No. 5 em Sol menor: Alla marcia)
Dos Nove Études-Tableaux, Op. 39:
6 – no. 5 em Mi bemol menor: Appassionato
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Sala de Concertos “Bulgaria” em Sofia, Bulgária, 1986 Engenheiro de som: Georgi Harizanov Produção: Nikola Mirchev Piano Steinway & Sons, Hamburgo Remasterização: Rosana Martins Moreira Lima (1998)
Quadros de uma Exposição, para piano
1 – Promenade [I]
2 – Gnomus
3 – [Promenade II] Moderato commodo assai e con delicatezza
4 – Il Vecchio Castello
5 – [Promenade III]. Moderato non tanto, pesamente
6 – Tuileries (Dispute d’enfants après jeux)
7 – Bydło
8 – [Promenade IV]. Tranquillo
9 – Balé dos Pintinhos nas Cascas
10 – Dois Judeus Poloneses: um rico, outro pobre (Samuel Goldenberg und Schmuÿle)
11 – Promenade [V]
12 – Limoges, le marché (La grande nouvelle)
13 – Catacombæ (Sepulcrum romanum) – Cum mortuis in lingua mortua
14 – Baba-Yaga: A Cabana sobre Pernas de Galinha
15 – A Porta de Bogatyr na Antiga Capital de Kiev
Sergey PROKOFIEV
Transcrição livre para piano de Tatiana Nikolayeva (1924-1993)
Suíte do Conto Sinfônico Pedro e o Lobo, Op. 67
16 – Pedro (Tema com Variações)
17 – O Passarinho
18 – O Pato
19 – O Gato
20 – O Avô de Pedro
21 – O Lobo
22 – O Sexteto Final: Todas as Personagens
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Londres, Reino Unido, 1999 Engenheiro de som: Peter Nicholls Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
As Estações do Ano, Suíte para piano, Op. 37a
1 – Janeiro: Junto à Lareira
2 – Fevereiro: Carnaval
3 – Março: O Canto da Cotovia
4 – Abril: Flor da Primavera
5 – Maio: Noites Brancas
6 – Junho: Barcarola
7 – Julho: O Canto do Ceifeiro
8 – Agosto: Colheita
9 – Setembro: Caça
10 – Outubro: O Canto do Outono
11 – Novembro: Troika
12 – Dezembro: Natal
Pyotr TCHAIKOVSKY
Transcrições de Arthur Moreira Lima (1940-2024)
Quatro Romances para piano 13 – Apenas Um Coração Solitário, Op. 6 No. 6
14 – Ode às Florestas, Op. 47 No. 5
15 – Janela Escancarada, Op. 63 No. 2
16 – Sozinho outra Vez, Op. 73 No. 6
Pyotr TCHAIKOVSKY
Das Seis Peças para piano, Op. 51 17 – No. 6: Valsa Sentimental
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Rosslyn Hill Chapel, Londres, Reino Unido, 1999 Engenheiro de som: Peter Nicholls Produção, edição e masterização: Rosana Martins Moreira Lima Piano: Steinway & Sons, Hamburgo
“4ª parte da entrevista do pianista Arthur Moreira Lima a Alexandre Dias, em que ele falou sobre algumas filmagens raras que está encontrando em seu acervo, que incluem seu programa apresentado na Manchete na década de 1980. Depois relembrou o recital de Arnaldo Estrella a que assistiu em Moscou na década de 1960 e do contato que teve com ele nesta época. Mencionou um raro disco que gravou com obras de Chopin em 1969, o que acabou resultando em um convite de Arturo Michelangeli para ser um de seus alunos neste ano, e comentou o motivo que o levou a declinar. Também falou sobre russos célebres que conheceu na época, como Dimitri Shostakovich e Maya Plisetskaya. Depois relembrou recitais e concertos que tocou no Brasil após sua premiação no Concurso Chopin de 1965, incluindo o histórico recital em que tocou pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio de Janeiro músicas de Ernesto Nazareth em 1966, anos antes dos discos antológicos que viria a gravar com obras deste compositor. Nesse contexto, falou sobre o contato que teve com o grande pesquisador Mozart de Araújo. Também comentou sobre quando se tornou assistente de Rudolf Kehrer depois que se formou no Conservatório de Moscou, e relembrou outros concursos de que participou na época, como o Concurso de Montreal em 1968, e o Concurso de Leeds em 1969, no qual ficou classificado em 3º lugar, e falou sobre os problemas que houve nesta edição. Também mencionou as vantagens e desvantagens de se tocar o Concerto No. 2 de Chopin em concursos.”
BÔNUS:
Nossa homenagem a Arthur abre vastos parênteses para estender nossa gratidão a seu professor, Rudolf Kehrer (1923-2013), por tudo que compartilhou com nosso herói. Nascido em Tbilisi, capital da Geórgia, Kehrer teve sua trajetória interrompida pela Segunda Guerra Mundial, quando sua família, de origem alemã, foi deportada para o Cazaquistão. Proibido de tocar piano durante o seu exílio, e autorizado a tão-só dedilhar o acordeão, manteve a destreza tanto quanto pôde tocando um teclado falso feito de um pedaço de madeira. Foi somente após a morte de Stalin, em 1953, que conseguiu retomar seus estudos no ainda remoto Conservatório de Tashkent, no Uzbequistão. Em 1961, viu sua carreira de concertista ser enfim lançada após vencer o Concurso de Toda-União em Moscou – cujo vencedor anterior fora também um brilhante pianista de origem alemã, de nome Sviatoslav Richter, e para o qual obtivera, aos 37 anos, a autorização excepcional para competir com pianistas mais jovens. Ainda proibido de se apresentar no Ocidente, assumiu uma cátedra no Conservatório de Moscou e fez muitas gravações para o selo Melodiya que, por muito tempo, só circularam pela sovietosfera. Eu as desconhecia completamente, até encontrar essa enorme coletânea da Doremi. O que ouvi derrubou meu queixo. Apesar da capinha safada, que parece ter sido feita pelo Paint duma babushka, o som é bom, e Kehrer, melhor ainda. Ainda mais que uma máquina de vencer na vida (vide seus retratos, que seriam bastantes para ilustrar todos os verbetes duma Enciclopédia do Estoicismo), ele foi um pianista MONSTRUOSO, tão imenso quanto seu repertório. É ouvir para crer.
CD 1
Johannes BRAHMS (1833-1897)
Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré menor, Op. 15
Grande Orquestra Sinfônica da Rádio de Moscou
Gennady Rozhdestvensky, regência
Gravado em 1969
Sergei RACHMANINOFF
Concerto para piano e orquestra no. 2 em Dó menor, Op. 18
Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1963
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791) Concerto para piano e orquestra no. 21 em Dó maior, K. 467
Orquestra Filarmônica de Moscou
Viktor Dubrovsky, regência
Gravado em 1965
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827) Concerto para piano e orquestra no.5 em Mi bemol maior, Op. 73 Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1963
Franz LISZT Concerto para piano e orquestra no. 1 em Mi bemol maior, S. 124
Orquestra Filarmônica de Moscou
Viktor Dubrovsky, regência
Gravado em 1965
Sergei PROKOFIEV(1891-1953) Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré bemol maior, Op. 10
Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1961
Georgy Aleksandrovich MUSHEL (1909-1989) Concerto para piano e orquestra no. 2 em Lá menor
Orquestra Filarmônica de Moscou
Kirill Kondrashin, regência
Gravado em 1963
Wilhelm Richard WAGNER (1813-1883)
Arranjo de Franz LISZT Abertura de “Tannhäuser”, S.442 (1848)
Gravada em 1961 BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
CD4
Wolfgang Amadeus MOZART Sonata para piano em Lá menor, K. 310
Gravada em 1975
Ludwig van BEETHOVEN Sonata para piano no. 8 em Dó menor, Op. 13, “Patética” Sonata para piano no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Ao Luar”
Gravadas em 1975
Georgy Vasilyevich SVIRIDOV (1915-1998) Sonata para piano
Gravada em 1975
Franz LISZT Estudo Transcendental no. 10 em Fá menor, S. 139 (1852)
Gravado em 1961 Années de Pèlerinage, Livro 2, S. 161 – No. 1, “Sposalizio”
Gravado em 1975
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952, . Eis o volante Jair Florêncio de Santana, ou, simplesmente, Jair (1929-2014).
Você encontra inspiração em outras coisas além da música?
Talvez três ou quatro anos atrás eu teria dito não, ou dito algo normal, como ler livros ou assistir a filmes, mas hoje me inspiro cada vez mais na minha vida familiar. Meus filhos são muito pequenos e, nessa idade, você precisa de muita paciência, de certa forma, para criá-los e para se criar, e isso ajuda muito com a música. [De uma entrevista com BP]
O primeiro álbum de Bruno Philippe que eu conheci foi a gravação das Suítes para Violoncelo de Bach que eu gostei muito e postei. O disco foi preparado e gravado (como aconteceu com muitos artistas) nos dias da pandemia, período terrível que vivemos e, ao que parece, já é esquecido das gentes. Depois disso ouvi um disco no qual ele toca ao violoncelo acompanhado de piano a Sonata ‘Arpeggione’, de Schubert. Nesta empreitada ele se faz acompanhar do pianista Tanguy de Williencourt. Completando o disco um arranjo para violoncelo e piano da Sonata ‘Kreutzer’ (para violino e piano) de Beethoven. Este disco você pode encontrar aqui. Há um outro disco da dupla Philippe – de Williencourt tocando Brahms/Schumann, este postado pelo nosso highlander colaborador FDP Bach, aqui.
Demorei um pouco para ouvir esse novo disco do Bruno Philippe, pois a quantidade de novidades que quero ouvir é grande e ando também bem ocupado com outras coisas, esses dias. Vocês devem imaginar, os artistas e gravadoras não param de nos enviar álbuns novos e relançamentos esperando que venhamos a apresenta-los aos nossos ávidos leitores e seguidores, devidamente endossados pela nossa ilibada e meritória opinião. Mas, finalmente chegou o dia (ou melhor, a noite) deste maravilhoso disco, que me cativou desde o início, uma pecinha para violoncelo e piano de Fauré, o Romance. Você poderá perceber que o Bruno está em outro patamar no universo dos violoncelistas. Assim como foi o caso da ‘Kreutzer’, no outro disco, temos a belíssima Sonata para Violino de César Franck, em arranjo para violoncelo. Bruno toca também o Concerto No. 1 para Violoncelo de Camille Saint-Saëns e a linda Sonata (essa originalmente escrita) para violoncelo de Poulenc. Atuando como prelúdio, interlúdios e encore, temos mais algumas peças de Fauré e Saint-Saëns. Nas peças para violoncelo e piano, Bruno é acompanhado pelo já nosso conhecido Tanguy de Williencourt e no concerto a orquestra é a Frankfurt Radio Symphony regida pelo maestro Christoph Eschenbach.
Eu achei que o FDP Bach postaria esse disco, mas após ouvi-lo umas três ou quatro vezes nesses últimos dias, achei que vocês não poderiam esperar mais. Se bem que essa postagem está sendo escrita a dois terços passados do mês de agosto do Ano da Graça de 2025 e não sei que dia pode ser hoje, quando a postagem efetivamente indo ao ar do nosso primoroso blog. De uma forma ou de outra, espero que gostem do disco, pelo menos uma fração do que eu gostei…
GABRIEL FAURÉ (1845-1924)
1 | Romance Op. 69 3’34
CÉSAR FRANCK (1822-1890)
Violin Sonata FWV 8
A major / La majeur / A-Dur
(transcription for cello and piano by Jules Delsart)
2 | I. Allegretto ben moderato 6’20
3 | II. Allegro 8’31
4 | III. Recitativo-Fantasia. Ben moderato – Molto lento 7’39
5 | IV. Allegretto poco mosso 6’27
CAMILLE SAINT-SAËNS (1835-1921)
Cello Concerto No. 1 Op. 33
A minor / La mineur / a-Moll
6 | I. Allegro non troppo 6’00
7 | II. Allegretto con moto 5’34
8 | III. Molto allegro 9’07
GABRIEL FAURÉ
9 | Papillon Op. 77 3’07
FRANCIS POULENC (1899-1963)
Cello Sonata FP 143
10 | I. Allegro – Tempo di Marcia 5’56
11 | II. Cavatine 6’13
12 | III. Ballabile 3’28
13 | IV. Finale 6’45
GABRIEL FAURÉ
14 | Après un rêve Op. 7 No. 1 2’57
(transcription for cello and piano)
CAMILLE SAINT-SAËNS
15 | Le Cygne 2’56
(extr. Le Carnaval des animaux – transcription for cello and piano)
Bruno Philippe,cello
Tanguy de Williencourt, piano (1-5, 9-15)
Frankfurt Radio Symphony | Christoph Eschenbach, conducting (6-8)
This enterprising and beautifully recorded programme, combining elements of late-Romanticism with Neo-classicism, provides cellist Bruno Philippe with a suitably wide stylistic range. Indeed, his magnetic playing proves to be a triumph, not least because his approach is self-effacing in allowing the music to speak for itself, thereby creating interpretations that are both natural and subtle. […]
Philippe’s interpretation of Saint-Saëns’s First Cello Concerto revels in its underlying Classical restraint, while offering sufficiently theatrical playing in the bravura passages; the Frankfurt Radio Symphony Orchestra under Eschenbach combines wonderfully precise and expressive playing.
Even more alluring, however, is Poulenc’s Cello Sonata. This underplayed work is exceedingly difficult to make rhythmically neat and expressive – needing performers who are alert to its rapidly changing moods and virtuosic demands. Both artists ensure that every bar sounds amazingly fresh and spontaneous. [Trechos da crítica na revista The Strad]
From the overt Romanticism of Saint-Saëns to the nostalgia-laden modernity of Poulenc, Bruno Philippe takes us on a journey through (almost) a century of French cello music. Alongside Tanguy de Williencourt, he also performs the cello version of Franck’s famous Violin Sonata, one of the absolute peaks of nineteenth-century chamber music. [da página da harmonia mundi]
É mais difícil escrever sobre música instrumental do que música com letra, é mais difícil escrever sobre música improvisada do que sobre música com estrutura bem determinada. É bastante difícil para mim falar sobre Hermeto Pascoal, também por esses motivos, além da sua carreira de camaleão nordestino de berço, carioca nos últimos anos por adoção e universal por vocação. Após o recente fim da sua longa e produtiva vida, vi um portal de notícias dizer que Hermeto deixou “um legado de 75 anos dedicado ao jazz, samba e forró” e em um primeiro momento fiquei puto: forró, samba, é assim que estão rotulando o Hermeto? Mas umas horas depois, dou o braço a torcer. É difícil escrever sobre Hermeto pela caleidoscópica mistura de sons que suas bandas fizeram, mas por outro lado talvez seja fácil: qualquer coisa que se disser vai ter um fundo de verdade. Sim, ele também fez forró.
Na verdade ele já cantou a pedra há muito tempo, em uma entrevista lá em 1972 para a revista Rolling Stone: Eu não gosto de dizer que faço um tipo de música. Porque eu faço questão de não fazer só um tipo de música. Eu quero fazer tudo: baião, rock, jazz, tudo sem uma intenção premeditada de fazer uma coisa específica. Depois ninguém vai dizer que o Hermeto tem um conjunto de baião ou de rock, todo mundo vai dizer que o Hermeto tem um conjunto de música, que para mim é o mais importante. (clique abaixo para expandir)
Então, constatando que tudo que se escreve sobre o bruxo tem boa chance de descrever em alguma medida a sua música, me atrevo a escrever sobre Hermeto Pascoal. Nos seus últimos anos ele manteve uma banda fixa com fiéis escudeiros que já tinham uma comunicação telepática com ele. Aliás, nos anos 1980 a banda também era espetacular, com destaque para o flautista e multiinstrumentista Carlos Malta, como vemos nesse disco postado mais abaixo. Mas voltemos aqui para o Hermeto já octogenário: vi dois shows desse seu último grupo. O primeiro eu vi de perto e me lembro que o solo de chaleira era o momento mais marcante para o público, aquele instante em que se impressionavam e se uniam em atenção unânime tanto os melômanos mais dedicados como o pessoal que estava por acaso naquele evento e sabia bem mais ou menos quem era o velhinho barbudo no palco. Ele tinha esse caráter do absurdo, do exótico que encanta quem normalmente não se preocupa com música instrumental. E quem se preocupa também se encantava com ele, nem preciso explicar os por quês, né?
O segundo show acabou sendo o último dele no Brasil, três meses atrás, no Circo Voador, junto aos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro. Show gratuito e lotadíssimo, não consegui entrar mas, colado à grade externa, foi possível ouvir tudo e ver uns 30% do palco, a parte da esquerda, sobretudo o pianista André Marques. Alguns solos, mesmo sem ver, eram óbvios: de bateria, de sax, etc. E nos momentos mais estranhos e absurdos, era evidente que o bruxo estava tocando. Deixo abaixo esse simplório vídeo que registra mais o ambiente do que a música, mas não deixa de ser histórico esse registro de nove segundos do último show da banda de Hermeto Pascoal no Rio, com gente na fila abaixo dos Arcos até o fim do show tentando entrar.
Terminado esse relato – no qual realmente não consigo botar em palavras as experiências desses dois shows de Hermeto, incompetência que espero justificada – deixo aqui um dos seus discos mais importantes, cheio de improvisos e de sons do cotidiano pois, como dizia Hermeto, “as coisas que fazem parte do meu dia a dia é que ditam meu som”. Em dois momentos do disco, trechos de locutores de futebol servem de base para a música. Aliás, para situar melhor aquele dia na Lapa: poucos minutos antes do início do show, eu chegava atrasado pela Rua Riachuelo e via, em um bar, botafoguenses pularem no momento do gol do Botafogo contra o PSG. Então os torcedores do glorioso podem guardar isso na memória: no mesmo dia dessa vitória improvável, a última aparição em um palco brasileiro desse músico, arranjador e compositor profundamente improvável, nascido em 1936 no município do agreste alagoano que dá nome ao disco.
Hermeto Pascoal e grupo: Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca (1984)
Lado A
1. Ilza na feijoada (Hermeto Pascoal)
2. Santa Catarina (Hermeto Pascoal)
3. Tiruliruli (Osmar Santos)
4. Papagaio alegre (Hermeto Pascoal)
5. Vai mais, garotinho (José Carlos Araújo) / decisão do campeonato nacional 1984
6. Monte Santo (Hermeto Pascoal e João Bá)
Lado B
1. Spock na escada (Hermeto Pascoal)
2. Mestre Radamés (Hermeto Pascoal)
3. Aquela coisa (Hermeto Pascoal)
4. Frevo Maceió (Hermeto Pascoal)
5. Desencontro certo(Hermeto Pascoal)
Dieter Ilg Trio – Ravel: Classical meets jazz in virtuoso reimaginings of Maurice Ravel’s masterpieces, rich with depth and musical freedom.
Como vocês sabem, aqui nas empresas do PQP Bach somos apresentados a diversas experiências musicais, a grande maioria completamente inúteis e desnecessárias, mas sempre com grande cuidado e tomadas todas as precauções para preservar os nossos colaboradores.
Uma dessas experiências consiste em selecionar discos só pela capa – fora dos padrões ‘clássicos’ – ou pelo nome exótico de algum músico. O disco dessa postagem foi selecionado por satisfazer os dois critérios: capa e nome do músico: Ilg, Dieter Ilg.
É verdade, o baixista já andou aqui pelas colinas do PQP Bach, acompanhando o excelente barítono Thomas Quasthoff em uma excursão pelo mundo do (gasp!) jazz! O link desta antiga postagem andou derrubado, mas já está novamente funcionando.
Eu me voluntariei para o experimento apostando no compositor, sou fã de Ravel, Bolero e tudo… E me dei bem, gostei do disco que foi ouvido no balanço da rede onde me esparramo depois do almoço. Hoje tivemos filezinhos de frango empanados em aveia com acompanhamento de abobrinhas verdes refogadas levemente. É claro, arroz e feijão com algumas poucas rodelas finas de paio, pimenta malagueta à vontade.
Rainer, Dieter e Patrice numa pausa após o almoço…
Bem, divago! Voltando ao disco – formação clássica de trio com piano (Rainer Böhm), bateria (Patrice Héral) e contrabaixo (Dieter Ilg). Pelos nomes você já vê que são todos baianos…
Uma delícia ficar ouvindo os temas do Maurice vestidos de roupas jazzísticas. O manjado Bolero, o Trio e o Quarteto e a deliciosa Sonatine. Sem esquecer o Jardin féerique e outras cositas más. Veja se você gosta da versão da peça que inicialmente inspirou o disco – a Pavana para uma infanta defunta.
Foi a “Pavane pour une infante défunte” que despertou o interesse de Ilg pelo maître francês. Ilg já havia ficado fascinado pela versão com Jim Hall e Art Farmer: “Quando eu buscava uma nova fonte de inspiração para o meu trio, a lembrança desta peça me retornou. Mergulhamos mais profundamente na obra de Ravel e encontramos uma ampla gama de abordagens interpretativas […]. Sua música é feita sob medida para nós!”
(da série “Gostei, postei!”)
Aproveite!
René Denon
PQP Bach Quizz: Qual desses músicos é um bamba do jazz?
Caso você tenha acesso às plataformas de distribuição de músicas, aqui está uma possibilidade para a audição:
Publicado por Bluedog em 2008, restaurado por PQP Bach em 15/9/2025, em homenagem à viagem de volta do Campeão para seu planeta, iniciada em 13/9/2025 (Vassily)
IM-PER-DÍ-VEL !!!
Quem quiser piratear os meus discos, pode ficar à vontade. Desde que seja para ouvir uma boa música. (…) Mesmo o meu trabalho em gravadoras, o povo tem mais é que piratear tudo. Isso não é revolução. O que queremos é mostrar essa música universal. Porque isso não toca em rádio nem aparece na capa do jornal. Sabe o que Deus falou? Muita gente pensa que é só para transar. Mas, não. “Crescei e multiplicai-vos”. Isso é em todos os sentidos. Vamos crescer na maneira de ser e multiplicar o que tem de bom. Sem barreiras. A música é universal. Eu toco no mundo inteiro e é sempre lotado. Eu só cheguei a isso porque os meus discos são pirateados, estão à vontade na Internet.
O único motivo para Hermeto Pascoal não estar no Olimpo da humanidade – como Davis, Corea, Coleman ou Monk – é o fato de ter nascido na América do Sul. Fosse europeu ou norte-americano, seria um pilar da história da música e do jazz. Já é, mas a falta de reconhecimento, popularidade e admiração lhe tomam o lugar que deveria ocupar. Não que essas coisas preocupem, ou pareçam ter algum dia preocupado o velho bruxo. Hermeto é um artista que cabe naquela acepção tão cara a Adorno: um ungido pelos deuses e destinado a produzir sua arte sem que nada além importe, sem que nada se interponha. De muito criança já improvisava pífanos em galhos de mamona. Aprendeu a tocar o acordeão do pai aos 7. Isso em Lagoa da Canoa, um (hoje) município de 20 mil habitantes no estado de Alagoas.
Estas três últimas frases, de certa forma, podem definir muito bem a trajetória de Hermeto. Gênio inquieto, construtor de instrumentos, improvisador, extravagante. Seu estilo vocal de fazer jazz e misturá-lo a sonoridades típicas brasileiras – seja no estilo, como o choro, samba e baião, seja nos instrumentos, como o acordeão e a chaleira – pode tanto mostrar um maestro formidável quanto um ser humano que só pode haver dando vazão à tudo que sai de si como música. Quase como uma respiração ao contrário. Este Slaves Mass, de 1976, seu segundo álbum, foi quem sedimentou o nome de Hermeto no cenário do jazz mundial, onde se consagraria três anos depois, no festival de Montreaux. Além do talento imaginativo de Hermeto, notam-se influências de Wayne Shorter, Cannonball Adderley (a quem foi dedicada a faixa 4), Joe Zawinul (aqui, pode ser um exagero deste cão; mas não consigo escutar as notas brilhantes do Fender Rhodes sem pensar nele) e Miles Davis, principalmente no fusion de Star Trap. Sobre Miles e Hermeto, aliás, mais em breve.
A edição trazida aqui é a de 2004, que conta com três faixas bônus. Pela duração, é quase um outro disco-gêmeo, mais solto nas jams, generoso em harmonias cromáticas. Os arquivos estão compactados independentemente (a parte 2 contém apenas a última música).
Para quem conhece pouco do bruxo, um aviso: fique de ouvidos abertos. Que aos 72, segue lotando os lugares onde pisa, em qualquer uma das cinco formações utilizadas para se apresentar – Hermeto Pascoal e Grupo, Hermeto Pascoal e Aline Morena (sua esposa), Hermeto Pascoal Solo, Hermeto Pascoal e Big Band e Hermeto Pascoal e Orquestra Sinfônica. Quando não está viajando, mora em Curitiba. É o músico mais carismático, e grato, que já vi de verdade.
Muita gente confunde inovar com idade, com números. Muita gente pensa que, quando um menino pega um violão e sai cantando, o povo acha que aquilo é coisa nova. Tem muita gente de 18 anos tocando coisas velhas e quadradas. (…) Não é que o velho seja ruim, é que o novo tem nascido velho.
Hermeto Pascoal – Slaves Mass (vbr)
Hermeto Pascoal: voz, piano, piano Rhodes, clavinet, flauta, sax soprano
David Amaro: guitarra, violão, violão 12
Alphonso Johnson: baixo, efeitos especiais
Raul de Souza: trombone
Chester Thompson: bateria
Airto Moreira: bateria, percussão, porcos
Ron Carter: contrabaixo acústico
Flora Purim: voz
Produzido por Kerry McNabb para a Warner
01 Mixing Pot 9’18
02 Slaves Mass 4’19
03 Little Cry for Him 2’11
04 Cannon 5’20
05 Just Listen 7’08
06 That Waltz 2’46
07 Cherry Jam 11’45
08 Open Field 4’25
09 Pica Pau [take 1] 14’20
10 Star Trap [part 2] 15’45
Postagem original de 2017 por Wellbach, republicada em 15/9/2025 em homenagem ao Mago, que partiu desse triste rochedo em 13/9/2025 (Vassily)
IM-PER-DÍVEL !!!
Magos existem. Eu vi um deles. Na verdade o último dos magos da música ainda sobre a terra. Capaz de transformar tudo o que toca, literalmente falando, em matéria musical. Sua aura faz brotar música por onde ele passa e quando ele toca a sua alquimia deixa pasmos até mesmo os que o acompanham há anos; a música se transforma, se transmuta, o que era bossa vira valsa, frevo, choro… Os músicos ao seu lado se esquecem de tocar, boquiabertos diante daquilo. Seu poder parece emanar de alguma Pedra Filosofal que traz entre as barbas alvas – com as quais ele também produz música, quando quer. Hermeto Pascoal é uma força da natureza. Quero narrar aqui um sonho que tive há alguns anos, embora ache piegas esse negócio de contar sonhos, mas Jung me autorizaria e para mim ele também é mago. Havia uma grande clareira em meio a uma mata, ali acontecia uma festa, índios e outras pessoas de diferentes origens. Hermeto tocava flauta no meio de uma roda de músicos, meio toré, meio arraial nordestino. Ele saia da roda e se afastava mais e mais em direção à mata. Eu o seguia mata dentro e o perdia de vista; logo mais notei no chão suas pegadas e eram luminosas. Emanava uma luz forte e azulada. Ora, interpretar sonhos ficou pro Zezinho da Bíblia e para o saudoso Pedro de Lara. Apenas digo que meus encontros com o mago me deixaram tatuagens musicais nos ossos, impressões radioativas provocadas por sua aura poderosíssima. A mais representativa foi em Mar Grande, na Ilha de Itaparica, do outro lado do mar frente a Salvador, na pousada ‘Sonho de Verão’ do amigo irmão Eratóstenes (Toza) Lima; singularíssima pessoa, mistura de músico, administrador, ecologista, ufólogo, mestre cuca, cronista, arquiteto, escultor… Neste lugar onde vivemos muitas aventuras musicais havia um grande palco em frente à piscina e ali uma diversidade de instrumentos à disposição de todos os músicos que por ali passassem. Hermeto pousou ali por uma noite e nos deu de sua arte fartamente. Espetáculo. Após o que, antes que tivéssemos o privilégio de tocar para o mestre, fui até ele e pedi que autografasse minha surdina growl, um desentupidor de pia; objeto muito conhecido entre jazzistas trompetistas, objeto que guardo como relíquia hierática.
Na manhã seguinte acordei bem cedo, queria me despedir do mestre, que partiria presto. Fiquei ruminando no flugelhorn uns exercícios de rotina. Ele apareceu e disse: “Você estava tocando escalas cromáticas! É difícil no flugel, não é? Você sabe onde posso conseguir uma surdina pra flugel?” Respondi que existe, mas que é rara e ajudaria apenas amarrar um pano na campana. Ele gostou da ideia, disse que tinha o hábito de acordar muito cedo, sentar no chão e tocar flugel, acordando a casa toda e por isso ficavam furiosos; daí o interesse numa surdina (risos). No café da manhã seu filho indagou: “Pai, quer pão?” Foi o bastante para Hermeto, que tomou uns talheres, percutiu as xícaras e fez um baião: “Kepão, kepão…”
Outra vez que o encontrei foi numa casa noturna na qual eu tocava. Ele chegou e estávamos em ação. Parei tudo e lhe dedicamos uma Asa Branca bem Free-jazz. Ele tocou no meu trompete e depois subiu ao palco para nos conceder duas horas de maravilhas ao piano. A última vez que o vi foi um acaso, estava num ponto de ônibus diante de um restaurante chinês. Um taxi apareceu e ele surgiu. Fui lá pedir-lhe a bênção. Não preciso ressaltar que para um músico instrumentista toda essa tietagem é normal e dá orgulho tratando-se de Hermeto. Mas falemos do presente registro sonoro. Em 1988 Hermeto entrou num estúdio para gravar um disco solo no piano acústico. Muitas das faixas foram improvisadas, temas criados, desenvolvidos e concluídos instantaneamente; como somente os seus feitiços poderiam conceber. A primeira faixa, uma joia chamada ‘Pixitotinha’. Para quem não sabe a palavra é um substitutivo carinhoso para algo ou alguém pequeno, como uma criança; significando ‘pequenininha’. Termo muito usado em minha terra e no meu tempo de criança, Caruaru – Pe; meu avô Raimundinho (que Deus o tenha) usava bastante esta palavra. Foi uma peça criada instantaneamente, como uma pérola ou uma rosa que se materializa entre as mãos do mago. A sua conhecida peça Bebê nos vem com impetuosa e expressiva verve, tema talvez mais famoso do mestre. ‘Macia’ é uma brisa alvissareira, uma impressão suave como o nome da peça, um lampejo Debussyano, um véu que esvoaça. ‘Nascente’, um evocação da força criativa da natureza, que evolui para figuras cada vez mais complexas. ‘Cari’, uma melodinâmica de passagem, um trecho de energia musical do qual temos apenas um vislumbre. ‘Fale mais um pouquinho’, outro momento musical curioso e meio jocoso, como o titulo. ‘Por diferentes caminhos’, título do álbum, partindo de um ostinato que até lembra certo prelúdio gotejante de Chopin, para logo nos mergulhar em reflexões melódicas de cativante beleza; brisas de nordeste entrando pela janela, ponteios… ‘Eu Te Tudo’, uma peça inquieta, que certa nostalgia tenta apaziguar sem sucesso; as progressões engolfam a melodia, que luta para se instaurar, perdendo-se na distância das últimas notas agudas. ‘Nenê: um dos mais belos momentos do disco e que dispensa qualquer comentário, apenas ouçamos; digo apenas que o velho Villa decerto trocaria alguns dos seus charutos por certos trechos improvisados por Hermeto; a faixa é aberta pela voz do próprio, dedicando a música, que será feita naquele instante a um amigo baterista e compositor. Ao final, arrematando numa imponente cadência em ritardo, ouvimos o grito de Hermeto: “Obrigado Nenê!”, que a essa altura deve ter-se acabado de emoção. Na faixa ‘Sintetizando de verdade’ temos o que considero um dos maiores momentos de improvisação musical já gravados. Hermeto, no piano preparado (ou sabotado), nos arrebata com uma espantosa, meditativa e tenaz odisseia por plagas nordestinas; encontramos pelo caminho rastros de cangaceiros e beatos, depois o que parece um oriental com seu burrico carregado de quinquilharias, moçoilas com potes de água fresca, mandacarus e flores exóticas, frutas de palma e revoadas de passarinhos verdes; serras e riachos secos; para enfim nos levar a um povoado em festa, foguetório e forró na praça, meninada e bacamarteiros, bandas de pife e sanfonas. A habilidade do músico é espantosa e diria, sem receio, que a peça faria inveja a Prokofiev e Bartók – quem nem tiveram a sorte de conhecer a música nordestina. Em ‘Nostalgia’ Hermeto nos surpreende com um famoso tango que executa à sua maneira, lembrando talvez dos tempos em que tocava na noite e em happy hours. Uma história que ele mesmo conta desses tempos é que naquelas ocasiões, enquanto a audiência batia papo alheia ao seu piano, ele aproveitava para estudar algumas ousadias harmônicas e afins. Certa vez um sujeito veio de lá e perguntou: “O que você está tocando aí?” e ele: “E vocês, o que estão falando lá?” (mais risos). A última faixa, ‘Amanhecer’, mais um meditativo momento que evoca alvoradas e atmosferas orvalhadas, com um perfume de melancolia; a inquietude também está lá, porém dessa vez a melodia impera e nos conduz a um final cheio de luz – como as suas pegadas em meu sonho. Hermeto é inextinguível, temos a sorte de existir tal artista em nossas terras e, graças aos céus, ainda entre nós e gerando música. Que assim permaneça pelos séculos do séculos, magnífico Hermeto Pascoal, Mago dos Magos.
Por Diferentes Caminhos – Hermeto Pascoal – Piano solo, 1988
1 Pixitotinha
2 Bebê
3 Macia
4 Nascente
5 Cari
6 Fale mais um pouquinho
7 Por diferentes caminhos
8 Eu Te Tudo
9 Nenê
10 Sintetizando de verdade
11 Nostalgia
12 Amanhã
O que dizer? Que eu amo Hermeto? Sim, direi isto. Que não perdi nenhum show dele que passou perto de mim? Sim, direi. Que uma vez faltei ao trabalho porque estava trabalhando em Pelotas, tinha que voltar naquela manhã, mas vi no jornal que ele estava na cidade e iria se apresentar naquela noite? Fiquei lá, óbvio. Voltei um dia depois e disse com sinceridade pro meu chefe o motivo da minha falta. E ele ficou tão apalermado que disse meio puto para eu ir trabalhar. Não falou comigo por uma semana, mas não me demitiu.
Hermeto Pascoal (1936) é um compositor, arranjador e super e multi-instrumentista brasileiro. Toca acordeão, flauta, piano, saxofone, flauta, violão, baixo e diversos outros instrumentos. Hermeto é uma figura significativa na história da música brasileira, reconhecido principalmente por suas habilidades em orquestração e improvisação, além de ser produtor musical e colaborador de diversos álbuns nacionais e internacionais. Conhecido como “O Bruxo” ou “O Campeão”, ele frequentemente faz música com objetos não convencionais, como bules, brinquedos infantis e animais, bem como teclados, acordeão de botões, melódica, saxofone, violão, flauta, voz, vários metais e instrumentos folclóricos. Talvez por ter crescido no campo, usa a natureza como base para suas composições, como em sua Música da Lagoa, em que os músicos borbulham água e tocam flautas imersos em uma lagoa: uma emissora de televisão brasileira de 1999 o mostrou solando a certa altura, cantando em um copo com a boca parcialmente submersa na água. Há muita controvérsia em relação ao local onde ele nasceu, com várias fontes dizendo que ele nasceu em Olho d’Água Grande ou Lagoa da Canoa, ambas cidades de Alagoas. Hermeto nasceu com estrabismo e é portador de albinismo, o que fez com que ele não tivesse que trabalhar na roça desde a infância por ele não poder se expor muito ao sol.
Quando saiu da roça, vocês sabem o que aconteceu. Pesquisem, né?
Quem quiser piratear os meus discos, pode ficar à vontade. Desde que seja para ouvir uma boa música. (…) Mesmo o meu trabalho em gravadoras, o povo tem mais é que piratear tudo. Isso não é revolução. O que queremos é mostrar essa música universal. Porque isso não toca em rádio nem aparece na capa do jornal. Sabe o que Deus falou? Muita gente pensa que é só para transar. Mas, não. “Crescei e multiplicai-vos”. Isso é em todos os sentidos. Vamos crescer na maneira de ser e multiplicar o que tem de bom. Sem barreiras. A música é universal. Eu toco no mundo inteiro e é sempre lotado. Eu só cheguei a isso porque os meus discos são pirateados, estão à vontade na Internet.
Hermeto Paschoal: A Música Livre De Hermeto Paschoal
A1 Voz E Vento
A2 Música Das Nuvens E Do Chão
A3 Dança Da Selva Na Cidade Grande
A4 Amor, Paz E Esperança
A5 Diálogo
B1 Correu Tanto Que Sumiu
B2 Festa Na Lua
B3 Eita Mundo Bom!
B4 Religiosidade
B5 Arrasta Pé Alagoano
B6 Vou Esperar
B7 Auriana
B8 Banda Encarnação
Hermeto Pascoal & Grupo – Só Não Toca Quem Não Quer
De Sábado Prá Dominguinhos 4:35
Meu Barco 0:50
Viagem 4:25
Zurich 9:30
O Correio 0:49
Intocável 3:00
Suíte Mundo Grande 4:03
Cancão Da Tarde 2:35
Mente Clara 2:13
Ilha Das Gaivotas 4:49
Rebuliço 2:36
Quiabo 5:14
Itiberê Orquestra Família e Hermeto Pascoal: Hermetismos Pascoais – ao Vivo em SP (2002)
1. Apresentação
2. Preto Velho
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família e Hermeto Pascoal
3. Suíte do Parque Infantil / Suíte do Realejo
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família
4. Na Carioca
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família e Hermeto Pascoal
5. Passando o Ano a Limpo
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família
6. Agalopada
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família e Hermeto Pascoal
7. Pedra Vermelha
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família
8. Esse Mambo É Nosso
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família e Hermeto Pascoal
9. Feitinha pra Nóis
(Hermeto Pascoal) – Itiberê Orquestra Família
10. No Varal
(Itiberê Zwarg) – Itiberê Orquestra Família e Hermeto Pascoal
Itiberê Orquestra Família:
Mariana Bernardes – voz e percussão
Mariana – flauta
Carolina – flauta e viola
Letícia – flauta
Aline – flauta, flautim, flauta baixo e clarinete
Joana – clarinete e clarone
Pedro – trompete e melofone
Flávio – trompete
Sidney – sax alto, sax tenor, sax soprano e flauta
Thiago – sax alto, sax tenor
Janjão – trombone
Bernardo Ramos – guitarra
Luciano – guitarra e violão
Miguel – guitarra e violão
Cristiano – bandolim e violão
Vitor Gonçalves – piano e sax alto
João – piano, sanfona e percussão
Renata – violino
Isadora – violino
Maria Clara – violoncelo
Pedro – violoncelo
Bruno – baixo acústico e baixo elétrico
Mayo – baixo acústico e baixo elétrico
Pedro Albuquerque – baixo acústico
Pedro Christiano – tuba e baixo elétrico
Ajurinã – bateria, percussão e gaita
Georgia – percussão e bateria
Mingo – percussão e bateria
Itiberê Zwarg: arranjos e regência
Show realizado no Sesc Consolação em 10 de abril de 2002, no projeto “Hermetismos Pascoais”.
Uma deliciosa postagem lá de 2008, uma das últimas realizadas por Claudio Abbado, ao lado do genial violinista italiano Giulano Carmignola,em sua primeira incursão na obra de Mozart. Por algum motivo essa postagem nunca teve os links atualizados. Resolvi trazer novamente, eram outros tempos, internet lenta, baixo bitrate dos arquivos, enfim, pré história do PQPBach. Foram muitos os pedidos para repostar, então vamos atendê-los.
Mas FDP Bach está novamente postando Mozart? O que aconteceu? Um surto repentino de repertório mozartiano é sempre bem vindo, tenho certeza. Além disso, fiquei tão empolgado com este cd, que logo quis compartilhar com os senhores. Explico. Por um destes motivos inexplicáveis, até então o blog não havia postado estas obras, ou seja, os concertos para violino. Talvez o mano pqp tenha postado a Sinfonia Concertante, mas não me lembro dos outros concertos. Fiquei me enrolando por um bom tempo, tentando definir qual era a versão escolhida, entre tantas que tinha.. Mutter, Kremer, Oistrakh, Grumiaux, Mintz, Mullova, e sei lá mais quem, são várias as versões que possuo. Mas esta aqui em especial me chamou a atenção por trazer um mestre do violino barroco, Giuliano Carmignola. Sei que alguns pedirão este ou aquele solista, mas estas gravações de Carmignola são uma das melhores que já tive a oportunidade de ouvir na minha vida.
Eis um comentário encontrado na rede:
Renowned period-instrument violinist Giuliano Carmignola makes his first Mozart recording, and internationally acclaimed maestro Claudio Abbado records Mozart for the first time on period instruments! Abbado and Carmignola are long-standing collaborators and have performed Mozart together for some time; the album was born out of their feeling that it was time to commit their interpretations to disc. In addition to the five violin concertos, Carmignola teams with violist Danusha Waskiewicz on another audience favorite, the Sinfonia concertante. One of five releases celebrating Claudio Abbado’s 75th birthday, this attractively priced two-disc set promises to be one of the most important Mozart recordings of the year.
Alguns irão torcer o nariz por se tratar de Abbado, ainda mais tocando pela primeira vez com uma orquestra com instrumentos de época, mas não se preocupem.. é material de primeiríssima qualidade.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791): Os Concertos para Violino + Sinfonia Concertante, K. 364 (Carmignola, Abbado)
CD 1
1 – Concerto for Violin and Orchestra nº 1 in B Flat Major, K. 207 – Allegro moderato
2 – Concerto for Violin and Orchestra nº 1 in B Flat Major, K. 207 – Adagio
3 – Concerto for Violin and Orchestra nº 1 in B Flat Major, K. 207 – Presto
4 – Concerto for violin and Orchestra nº 1 in D Major, K. 211 – Allegro moderato
5 – Concerto for violin and Orchestra nº 2 in D Major, K. 211 – Andante
6 – Concerto for violin and Orchestra nº 2 in D Major, K. 211 – Rondeau – allegro
7 – Concerto for violin and Orchestra nº 3 in G Major, K. 216 – Allegro
8 – Concerto for violin and Orchestra nº 3 in G Major, K. 216 – Adagio
9 – Concerto for violin and Orchestra nº 3 in G Major, K. 216 – Rondeau – Allegro
CD 2
1 – Concerto for violin and orchestra nº 4 in D Major, K. 218 – Allegro
2 – Concerto for violin and orchestra nº 4 in D Major, K. 218 – Andante cantabile
3 – Concerto for violin and orchestra nº 4 in D Major, K. 218 – Rondeau – Andante grazioso
4 – Concerto for violin and orchestra nº 5 in A Major, K. 218 – Allegro aperto
5 – Concerto for violin and orchestra nº 5 in A Major, K. 218 – Adagio
6 – Concerto for violin and orchestra nº 5 in A Major, K. 218 – Rondeau – tempo di minueto
7 – Sinfonia Concertante in E flat major, K. 364 – Allegro maestoso
8 – Sinfonia Concertante in E flat major, K. 364 – Andante
9 – Sinfonia Concertante in E flat major, K. 364 – Presto
Uma das coisas que me impede de ouvir mais obras barrocas com vozes e coro – oratórios, música sacra, óperas – é a duração dessas obras. Oratório tal de tal compositor, 3 CDs! Ópera deste ótimo compositor, mais outros tantos CDs. E tem a minha mania (cada dia mais fraca) de ouvir a obra toda. Imaginar essas peças completas no nosso dia-a-dia provoca, senão um choque cultural, pelo menos um pequeno abalo. Entender isso deve ser um bom tema para uma dissertação de mestrado em antropologia, talvez. O tempo que as pessoas dispunham para esses entretenimentos nos dias de suas criações, muito provavelmente era diferente do que dispomos hoje para os nossos próprios entretenimentos. Isso sem contar as infinitas possibilidades de que dispomos para as nossas escolhas de diversão.
Talvez isso explique o sucesso de lindas peças mais ‘curtas’ do período barroco, como o Glória, de Vivaldi, ou o Stabat Mater, de Pergolesi. Mas, divago… O que eu quero dizer é que achei muito interessante essa proposta do grupo Les Ombres, de montar um espetáculo, que posteriormente rendeu o álbum. Eles reuniram peças e trechos de obras de diferentes compositores do mesmo período cultural para montar uma ‘narrativa’ que justapõem o mito de Sêmele, que é muito bonito, com a (des)aventura de Ícaro.
Cena de uma das apresentações…
No caso de Sêmele, a história vai, mais ou menos, assim: ela teve um caso com Zeus (que surpresa!), o que gerou ciúmes em Hera, que resolveu vingar-se da rival. (Ciúmes, vingança… bom, não é?) Hera astuciosamente transmutou-se na aia de Sêmele e lhe sugeriu que pedisse ao deus que lhe mostrasse toda a sua ‘majestade divina’. O deus a alertou que isso poderia ser um pouquinho demais, mas ela, atiçada pelas pérfidas e invejosas (outro sentimento danado de bom nessas histórias) irmãs Ino e Agave, insistiu com o deus. Como Zeus estava sob juramento de cumprir a todos os desejos de Sêmele, foi obrigado a exibir seus raios e trovões, que acabou incendiando o palácio onde estavam e tudo o mais, matando a pobre Sêmele.
Zeus então retirou o feto calcinado fruto desse amor e o implantou em sua própria coxa, donde nasceu o deus Dionísio (Viva Bacchus, Bacchus viva!).
O mito de Ícaro é mais conhecido, pelo menos eu creio. Dédalo e seu filho Ícaro ‘voam’ da Ilha de Creta usando asas construídas pelo engenhoso Dédalo com cera e penas. A despeito dos conselhos do pai (desde aqueles dias, filhos davam trabalho) Ícaro voa perigosamente perto do Sol e acaba (a cera derrete, essas coisas…) com os burros n’água, mitologicamente.
O programa do álbum inicia com uma sinfonia de pífaros, de ótimo augúrio, seguido de uma suíte de danças, com uma ária, com trechos de Marais. A seguir, uma cantata de Destouches, ‘Sémélé’. Até aí, tudo em francês.
Quando entra Handel, percebemos na hora, um de seus lindos concerti grossi, seguido da belíssima ária de sua ‘Semele’, da qual ‘roubei’ dois versinhos finais e coloquei no início da postagem, a título de preâmbulo… Divino, para mim, vale o disco. Uma ‘aria’ para a flauta e, na sequência, uma cantata em italiano “Tra le fiamme’, sobre o mito de Ícaro, que termina com os seguintes versos, a título de ‘moral’:
Sì, sì, pur troppo è vero:
nel temerario volo
molti gl’lcari son, Dedalo un solo.
Para terminar, uma exibição de gala das habilidades do saxão, árias de Semele e Theodora, lindamente acompanhadas por orquestra. Maraviglia!
Marin Marais (1656 – 1728)
Sémélé (Excerpts From Opera, 1709)
Marche D’ægipans Et de Ménades
Ouverture
Air « Quel Bruit Nouveau Se Fait Entendre »
Deuxième Air Des Guerriers
Chaconne
André-Cardinal Destouches (1672 – 1749)
Sémélé (Cantata, 1719)
Récitatif « Déjà Par Un Serment Terrible »
Air « Ne Cesse Point de M’enflammer »
Récitatif « Aussitôt Le Bruit Du Tonnerre »
Air « Est-il Un Destin Plus Heureux »
Récitatif « Elle Finit, Elle Est Toute Embrasée »
Air « Régnez Sans Partage »
George Friedric Handel
Concerto Grosso No. 4 En Fa Majeur, HWV 315, Op. 3
Largo – Allegro – Largo
Andante
Allegro
Semele, HWV 58 (From Opera 1743)
Air « Oh Sleep »
Il Penseroso Ed Il Moderato, HWV 55 (1740)
Air « Sweet Bird » (instrumental)
Tra Le Fiamme, HWV 170 (1707)
Air « Tra Le Fiamme »
Récitatif « Dedalo Già »
Air « Pien di Nuovo E Bel Diletto »
Récitatif « Sì, Sì, Purtroppo è Vero »
Air « Voli Per L’Aria »
Récitatif « L’uomo Che Nacque Per Salire Al Cielo »
De uma entusiástica crítica amadora: Pour qui aime la musique baroque! Ce CD est magnifique, la musique de Marin Marais, coule comme un ruisseau! On a envie de le suivre! [Para quem ama música barroca! Este CD é magnífico, a música de Marin Marais flui como um riacho! Queremos segui-la!]
O já conhecido Departamento de Artes do PQP Bach Coop. enviou esse instantâneo de Marin Marais tomado em sua última visita aos nossos headquarters…
A grana que eles ganhavam com música ia quase toda para as parrucchieres…
Joyce Arleen Auger foi uma cantora especialmente associada ao repertório vienense: Mozart, Haydn e também este álbum de Schubert gravado mais para o fim da sua vida que, infelizmente, não foi muito longa. Tampouco foi longa a vida de Franz Schubert, mas foi povoada por incontáveis melodias. O compositor Aaron Copland, em seu livro What to listen to in music, chama atenção para a gigantesca produção de Schubert como reflexo de sua personalidade como compositor, bastante diferente da de Beethoven. Isso não diminui a grandeza de Schubert, apenas o posiciona historicamente como alguém que vivia o comecinho do que entendemos como Romantismo em música e tinha certas diferenças em relação ao seu contemporâneo Beethoven, embora Schubert tivesse enorme admiração pelo alemão falecido em Viena um ano antes dele:
O tipo que mais tem fascinado a imaginação pública é o do compositor de inspiração espontânea – em outras palavras, o tipo Franz Schubert. Todos os compositores, naturalmente, são inspirados, mas esse tipo é o de inspiração mais fácil. A música parece jorrar de cada um deles. Muitas vezes, eles não são capazes de anotar as ideias na rapidez em que elas lhe ocorrem. Esse tipo de compositor pode ser identificado pela abundância da sua produção. Em certas épocas, Schubert escrevia uma canção por dia …
Invariavelmente, eles trabalham melhor nas formas mais curtas. É muito mais fácil improvisar uma canção do que improvisar uma sinfonia.
Beethoven simboliza o segundo tipo – o tipo construtivo, como se poderia chamar. Beethoven não era absolutamente um compositor ao estilo de Schubert, bem-amado da inspiração; era obrigado a seguir o caminho mais longo, começando com um tema, transformando-o em uma ideia germinal, e construindo em cima disso uma obra completa, em um trabalho diário e exigente. Desde os dias de Beethoven, esse tipo de compositor tem se revelado o mais comum. (A. Copland, trad. L. P. Horta)
Franz Schubert (1797-1828):
1. Gretchen am Spinnrade, Op. 2, D. 118
2. Heidenröslein, Op. 3.3, D. 257
3. Lieb Minna, D. 222
4. 3 Lieder, Op. 19.3, Ganymed, D. 544
5. Geheimes, Op. 14.2, D. 719
6. Auf dem See, Op. 92.2, D. 543
7. 3 Lieder, Op. 92.1, Der Musensohn, D. 764
8. Suleika I, Op. 14.1 No. 1, D. 720
9. Suleika II, Op. 31, D. 717 “Ach um deine feuchten Schwingen”
10. Daß sie hier gewesen, Op. 59.2, D. 775
11. 3 Lieder, Op. 20.1, Sei mir gegrüßt, D. 741
12. Du bist die Ruh, Op. 59.3, D. 776
13. Lachen und Weinen, Op. 59.4, D. 777
14. Seligkeit, D. 433
15. An die Nachtigall, Op. 98.1, D. 497
16. Wiegenlied (Schlafe, schlafe) D498
17. Am Grabe Anselmo’s, Op. 6.3, D. 504
18. 4 Lieder, Op. 88.4, An die Musik, D. 547
19. Die Forelle, Op. 32, D. 550
20. Auf dem Wasser zu singen, Op. 72, D. 774
21. 2 Lieder, Op. 43.1, Die junge Nonne, D. 828
22. 4 Lieder, Op. 106.4, An Sylvia, D. 891
23. Ständchen, D. 889
Para honrar a memória e celebrar o legado extraordinário de Arthur Moreira Lima, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, publicaremos a integral da coleção Meu Piano/Três Séculos de Música para Piano – seu testamento musical – de 16 de julho, seu 85° aniversário, até 30 de outubro de 2025, primeiro aniversário de seu falecimento. Esta é a terceira das onze partes de nossa eulogia ao gigante.
Ainda que desembarcasse em Paris com 18 anos, Arthur buscava em Lutécia resolver sua adolescência musical. Idos eram seus tempos de menino-prodígio, e longínqua lhe parecia ainda a perspectiva de viver de Arte. Ademais, deixara para trás o renome que tinha em seu país, imenso, esparso, periférico, para adentrar anônimo uma Meca cultural em que qualquer pedra que se levantasse do calçamento revelaria um punhado de artistas aspirantes – aos quais, agora, se somaria ele próprio. E aquele formigueiro artístico, percebia-se, já vestira roupas melhores: com a Revolução Argelina de vento em popa, a Quarta República ruía, e o vasto império colonial francês colapsava enquanto secavam seus cofres nutridos por riquezas sanguinolentas. Mesmo assim, a turbulenta Paris oferecia um cardápio vasto ao mocetão sedento de experiências que, com o idioma afiado pelos muitos anos no Liceu Francês, logo se jogaria de corpo inteiro ao seu desporto favorito: conversar sobre tudo e com todos, como um dos mais virtuosos paus-de-enchente que seu planeta viria a conhecer.
Tão animada era a entrega de Arthur à hedonia que seria fácil esquecer o piano. Quem garantiu que o esquecimento ficasse por ali mesmo, no futuro do pretérito, foi a responsável pela importação de Monsieur Le Bâton d’Inondation: Madame Marguerite Long. A mestra, sempre muito exigente, não demorou a corroborar a ótima impressão que tivera dele no Concurso Internacional do Rio e, sobretudo, a solidez da formação que tivera sob Lúcia Branco. O jovem boêmio manteve-se na linha, expandiu seu repertório – para antes e para muito além das obras do Alto Romantismo que eram cada vez mais seus xodós – e, só para variar, agregou mais alguns diplomas à coleção que, com folga, o tornaria o mais laureado pianista brasileiro: o primeiro prêmio da Academia Marguerite Long e a menção honrosa no Concurso Internacional Marguerite Long-Jacques Thibaud.
Depois do biênio na França, a volta ao Rio não poderia ter sido mais anticlimática. Afora aqueles que morriam de saudades, não houve comoção alguma com a sua chegada. Sentia-se um João-Ninguém, tocando para a indiferença, um pinto oprimido no ovo que era o circuito da música de concerto em seu país. Logo ficou claro que sua bússola teria que, novamente, apontar para o Exterior. Arthurzinho, o Concurseiro Virtuoso, buscou uma vez mais catapultar-se através de triunfos e, claro, conseguiu: o terceiro lugar na nova edição do Concurso Internacional do Rio de Janeiro rendeu-lhe uma viagem aos Estados Unidos. Participou do Primeiro Concurso Internacional Van Cliburn no Texas, e, ainda mais importante, conheceu seu jovem patrono, então o mais célebre pianista do planeta, ainda a surfar o tsunami de sua vitória da edição de estreia do Concurso Tchaikovsky em Moscou. Cliburn, impressionado com o Chopin que saía das mãos-sósias de Arthur, apresentou-lhe sua própria mestra, a russa Rosina Lhévinne, que o convidou a estudar por dois anos na Juilliard School, em Nova York. Nosso herói, sempre disposto a profundos mergulhos de cabeça, queria beber direto da fonte: a estudar com uma russa no Novo Mundo, preferiu a própria Escola Russa de piano, in loco. Assim, e muito estimulado por Cliburn, reuniu rapidamente um rol notável de recomendações – de professores do Conservatório de Moscou, que conhecera em concursos mundo afora, até Luís Carlos Prestes, com quem seu tio Lourenço lutara nos dois anos da Coluna Invicta – e as enviou à então Capital de Todas as Rússias. O telegrama de resposta o encheu de alegria: o Ministério da Cultura da União Soviética concedera-lhe uma bolsa de cinco anos para, sob Rudolf Kehrer, estudar no Conservatório Tchaikovsky e, de quebra, charlar em inda outro idioma pelo maior país do planeta.
ooOoo
Falar de Villa-Lobos neste blogue carrega sempre a frustração de não compartilhar Villa-Lobos, pelos curtos e grossos motivos apontados aqui. Compensaremos essas clareiras com fontes alternativas das mesmas gravações nas plataformas de transmissão, enquanto esperamos – em chamas – pelo glorioso 1° de janeiro de 2030, quando por aqui retumbará um VILLA-LOBAÇO tamanho que será ouvido até lá nas Esferas de onde Heitor ora nos olha.
Oremos.
ARTHUR MOREIRA LIMA – MEU PIANO/TRÊS SÉCULOS DE MÚSICA PARA PIANO Coleção publicada pela Editora Caras entre 1998-99, em 41 volumes Idealizada por Arthur Moreira Lima Direção artística de Arthur Moreira Lima e Rosana Martins Moreira Lima
Volume 5: VILLA-LOBOS I
Heitor VILLA-LOBOS (1887-1959)
Dezesseis Cirandas para piano, W220
1 – Therezinha de Jesus
2 – A Condessa
3 – Senhora Dona Sancha
4 – O Cravo brigou com a Rosa
5 – Cobra-Cega (Toada da Rede)
6 – Passa, Passa, Gavião
7 – Xô, Xô, Passarinho
8 – Vamos Atrás da Serra, Calunga
9 – Fui no Itororó
10 – O Pintor de Cannahy
11 – Nesta Rua, nesta Rua
12 – Olha o Passarinho, Dominé
13 – À Procura de uma Agulha
14 – A Canoa Virou
15 – Que Lindos Olhos
16 – Có, Có, Có
Gravação: Master Studios, Rio de Janeiro, 1988
Produção: João Pedro Borges e Carlos E. de Andrade (Carlão)
Engenheiro de som: Denílson Campos.
Coordenação de produção: Manuel Luiz da Silva
Remasterização digital: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo (1995)
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Volume 18: VILLA-LOBOS & RADAMÉS GNATTALI
Heitor VILLA-LOBOS
Concerto no. 1 para piano e orquestra, W453 1 – Allegro/Allegro
2 – Andante
3 – Allegro non troppo
Arthur Moreira Lima, piano Orquestra Sinfônica da Rádio de Moscou Vladimir Fedoseyev, regência
Gravado no estúdio central da Rádio de Moscou, União Soviética, 1974
Noel de Medeiros ROSA (1910-1937)
Arranjos para piano de Radamés Gnattali (1906-1988)
4 – Feitiço da Vila (em parceria com Osvaldo Gogliano, o Vadico)
5 – Último Desejo/Três Apitos
6 – Fita Amarela/Silêncio de um Minuto
7 – De Babado Sim (parceria com João Mina)/Até Amanhã
Arthur Moreira Lima, piano
Radamés GNATTALI (1906-1988)
Concerto para Noel Rosa, para piano e orquestra
8 – As Pastorinhas (sobre um tema de Noel Rosa e João de Barro)
9 – Em Feitio de Oração (sobre um tema de Noel Rosa e Vadico)
10 – Conversa de Botequim (sobre um tema de Noel Rosa e Vadico)
Arthur Moreira Lima, piano Radamés Gnattali, regência
Gravação: Estúdios Vice-Versa, São Paulo, 1978.
Produção: Marcus Vinícius
Engenheiros de som: Renato Viola e Wilson Gonçalves
Coordenação: Manuel Luiz da Silva
Remasterização digital: Rosana Martins Moreira Lima e Peter Nicholls, Londres, 1998.
A Prole do Bebê nº 1, W140 1 – Branquinha (A Boneca de Louça)
2 – Moreninha (A Boneca de Massa)
3 – Caboclinha (A Boneca de Barro)
4 – Mulatinha (A Boneca de Borracha)
5 – Negrinha (A Boneca de Pau)
6 – Pobrezinha (A Boneca de Trapo)
7 – O Polichinelo
8 – Bruxa (A Boneca de Pano)
Ciclo Brasileiro, para piano, W374 9 – Plantio do Caboclo
10 – Impressões Seresteiras
11 – Festa no Sertão
12 – Dança do Índio Branco
13 – Chôros No.5, “Alma Brasileira”, para piano, W207 14 – Rudepoêma, para piano, W184
Arthur Moreira Lima, piano
Gravação: Master Studios, Rio de Janeiro, 1988
Produção: João Pedro Borges e Carlos E. de Andrade (Carlão)
Engenheiro de som: Denílson Campos.
Coordenação de produção: Manuel Luiz da Silva
Remasterização digital: Rosana Martins Moreira Lima, na Cia. de Áudio, São Paulo (1995).
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Até que irrompa a alvorada do VILLA-LOBAÇO de 1° de janeiro de 2030, as sensacionais leituras de Arthur estarão legalmente disponíveis nas seguintes (e em outras) plataformas, rendendo aos responsáveis a bagatela de (assim estimamos) 0,0000000001 centavo por audição. Vamos torná-los ricos?
Heitor Villa-Lobos por Arthur Moreira Lima – Cirandas
Como a gravação do Concerto no. 1 de Villa não está nas plataformas, a cornucópia do Instituto Piano Brasileiro veio, como sempre, em nosso socorro:
Digna de nota é a capa da edição soviética dessa gravação, em que se vê que a orquestra, listada modestamente em português como “Sinfônica da Rádio de Moscou”, era em verdade a GRANDE ORQUESTRA SINFÔNICA DA RÁDIO DE TODA A UNIÃO – pelo menos em nome, um Leviatã capaz de encarar as insanas dificuldades da partitura de Villa.
Já que recorremos à cornucópia do IPB, aproveitei para colher dela três outros lindos pomos com a música de Villa:
Esse álbum lançado somente no Japão em 1977 é um dos melhores na imensa discografia de Arthur. Certamente ciente da qualidade maravilhosa do som, ele parece aproveitar a oportunidade para saborear até os últimos harmônicos de cada nota. A Valsa da Dor tem, aqui, minha interpretação favorita em todos os tempos.
As incursões búlgaras de Arthur, que renderam as gravações da integral de Chopin para piano e orquestra, também nos deixaram esse álbum com peças brasileiras em que Villa predomina. Digno de nota o heroísmo do tradutor búlgaro, que transformou “Apanhei-te, Cavaquinho” em “Tenho tempo pra ti, Ukulele”.
E não sabemos se Arthur foi visto dormindo em Sofia, pois é impressionante que, além de todo resto, tenha também tido tempo para dar esse recital mastodôntico (um costume que criou na União Soviética, como veremos em breve).
BÔNUS: como compensação por nada podermos postar de Heitor, o Proibidão, ofereceremos algo da mestra francesa de Arthur. Muito próxima de Ravel, Marguerite Long foi honrada com o convite para ser a solista da première do Concerto em Sol, em 1932, sob a batuta do compositor. A primeira gravação da obra, que apresentaremos a seguir, aconteceria algumas semanas depois, com o português Freitas Branco no pódio e o compositor a supervisionar dos bastidores (e não regendo, a despeito de muitas afirmações em contrário, inclusive da capa do álbum). Inclusas, também, a regravação que Long fez do Concerto em 1952, alguns anos antes de conhecer Arthur, e a primeira gravação do Concerto no. 1 de Milhaud, com a regência do próprio.
Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)
Concerto em Sol maior para piano e orquestra, M. 83 1 – Allegramente
2 – Adagio assai
3 – Presto
Marguerite Long, piano Pedro de Freitas Branco, regência
Gravado em Paris em 1932, sob supervisão do compositor
Darius MILHAUD (1892-1974)
Concerto para piano e orquestra no. 1, Op. 127
4 – Très vif
5 – Mouvement de Barcarolle
6 – Final (Animé)
Marguerite Long, piano Darius Milhaud, regência
Gravado em Paris em 1935
Maurice RAVEL
Concerto em Sol maior para piano e orquestra, M. 83
7 – Allegramente
8 – Adagio assai
9 – Presto
Marguerite Long, piano
Orchestre de la Société des Concerts du Conservatoire
Georges Tzipine, regência
Terceira parte do podcast “Conversa de Pianista”, com as entrevistas que Alexandre Dias conduziu com Arthur em 2020. Nessa parte, “ele falou sobre sua ida em 1963 para a cidade de Moscou, e como foi sua experiência na União Soviética em plena Guerra Fria, tanto suas vantagens como desvantagens. Comentou sobre as matérias que cursou no Conservatório Tchaikovsky, e suas aulas de piano com o professor Rudolf Kehrer. Falou sobre a necessidade de um pianista ter uma formação humanista, interessando-se por várias áreas do conhecimento – neste contexto, falou sobre como os russos valorizam muito a cultura. Relembrou nomes de gigantes do piano russo, como Heinrich Neuhaus, Emil Gilels e Sviatoslav Richter, alguns dos quais ele chegou a assistir em concertos. Depois, falou sobre sua preparação para participar do Concurso Chopin de 1965, no qual viria a ficar em 2º lugar, tornando-se favorito do público e obtendo fama mundial, e detalhou o repertório que estudou, e a rotina intensa de estudos a que se submeteu, com grande antecedência. Também relembrou como foi a experiência no concurso em si, em que conheceu Martha Argerich, e onde também encontrou Magda Tagliaferro, como membro do júri. Por fim, mencionou vários países em que realizou gravações nesta época, e que ainda não foram encontradas”.
Em homenagem a Fluminense Moreira Lima, seguimos com o álbum de figurinhas dos campeões da Copa Rio de 1952. Eis o zagueirão João Carlos Batista Pinheiro, o Pinheiro (1932-2011), que formou com o goleiro Castilho e o capitão Píndaro a “Santíssima Trindade” da defesa tricolor.
Não dá para dizer que eu tenha amado o curioso trabalho de transcrição destes concertos para o piano. Achei engraçado e uma completa bobagem. Minha mulher fez a pergunta fatal: “Para que transcrever? Será que não há repertório suficiente para teclado?” Ah, pois é. Há tantas boas Sonatas barrocas e clássicas, coisas ótimas e originais, pra que vir com transcrições, ainda mais estas? Os movimentos lentos ficaram aceitáveis, mas faltou colorido aos rápidos, penso. Acho que é um download obrigatório para quem ama bizarrices. Os amigos do drama, do visceral e dos originais podem passar adiante — aqui há apenas caricaturas que fazem Vivaldi estremecer em seu túmulo.
Antonio Vivaldi (1678-1741): As Quatro Estações / Concerto para Bandolim / Concerto para Alaúde (transcrições para piano, por Jeffrey Biegel)
As Quatro Estações (Primavera)
1. I. Allegro 00:03:16
2. II. Largo 00:02:51
3. III. Allegro Pastorale 00:04:01
As Quatro Estações (Verão)
4. I. Allegro non molto 00:05:22
5. II. Adagio e piano – Presto e forte 00:02:02
6. III. Presto 00:02:36
As Quatro Estações (Outono)
7. I. Allegro 00:04:22
8. II. Adagio molto 00:02:16
9. III. Allegro 00:03:10
As Quatro Estações (Inverno)
10. I. Allegro non molto 00:03:30
11. II. Largo 00:02:02
12. III. Allegro 00:02:49
Mandolin Concerto in C major, RV 425 (arr. A. Gentile for piano)
13. I. Allegro 00:03:31
14. II. Largo 00:04:48
15. III. Allegro 00:02:08
Lute Concerto in D major, RV 93 (arr. A. Gentile for piano)
16. I. Allegro guisto 00:04:17
17. II. Largo 00:04:53
18. III. Allegro 00:02:38
Jeffrey Biegel, piano (e arranjo para “As Quatro Estações”)
Repostagem de dois cds imperdíveis de Claudio Abbado frente à Orquestra Mozart que ele mesmo fundou, escolhendo a dedo seus membros. Já havia feito outra repostagem há alguns anos, mas os links expiraram e entendo que são CDs fundamentais para os fãs do grande maestro e claro, de Mozart.
Por algum motivo desconhecido, decidi que Mozart é o ideal para se ouvir neste final de semana com feriado caindo no sábado, Dia das Crianças, e Dia de Nossa Senhora Aparecida da, Padroeira do Brasil.
Trago então dois CDs deliciosos, ótimos para ouvir numa manhã de sábado de primavera.
Claudio Abbado reúne a excelente Orchestra Mozart para tocar uma peça infelizmente pouco interpretada de nosso querido Wolfgang, a Sinfonia Concertante para Sopros e Orquestra, e o belíssimo Concerto para Flauta e Harpa, K. 299.
A inusitada formação dos instrumentos solistas da Sinfonia Concertante, com oboé, clarinete, fagote e trompa, nos traz melodias lindíssimas, tocadas com muita sensibilidade e leveza, e que nos deixa de bem com a vida.
O Concerto para Flauta e Harpa já nos é conhecido, devem ter umas duas ou três versões publicadas nos últimos anos aqui no PQPBach, e traz, em minha opinião, uma das mais belas melodias já compostas na história da Música, seu segundo movimento, um Andantino. Os que não conhecem ouçam com atenção e depois me digam se não tenho razão. O segundo cd também nos traz Claudio Abbado e sua Orchestra Mozart, porém desta vez temos o 4 Concertos para Trompa, interpretados por Alessio Allegrini. Redundante seria dizer que trata-se de música para a alma e para o espírito, e que Mozart nos proporciona isso com certeza. Portanto, vamos ao que interessa.
01. Sinfonia concertante in E flat major K. 297b – I. Allegro
02. II. Adagio (Andante)
03. II. Andantino con variazioni
04. Concerto for Flute, Harp and Orchestra in C major K. 299 (297c) – I. Allegro
05. II. Andantino
06. III. Rondeau – Allegro
01. Concerto for Horn and Orchestra Nº1 in D mayor K. 412/514 – I. Allegro
02. II. Rondo (Allegro)
03. Concerto for Horn and Orchestra Nº2 in E flat mayor K. 417 – I. Allegro maestoso
04. II. Andante
05. III. Rondo
06. Concerto for Horn and Orchestra Nº3 in E flat mayor K. 447 – I. Allegro
07. II. Romanze (Larghetto)
08. III. Allegro
09. Concerto for Horn and Orchestra Nº4 in E flat mayor K. 495 – I. Allegro moderato
10. II. Romanza (Andante)
11. III. Rondo (Allegro vivace)
O dia de hoje, 28 de julho, marca a data de morte de Antonio Vivaldi e de Johann Sebastian Bach — mais detalhes e coincidências entre os dois maiores mestres do barroco estão neste link. Então, farei duas postagens bem consistentes, uma de cada um deles. A de Bach entrará ali pelo meio da tarde, certo?
L’Estro Armonico (A Inspíração Harmônica, em italiano), Op. 3, é uma coleção de doze concertos para 1, 2 e 4 violinos escritos por Antonio Vivaldi em 1711. Foram obras que se tornaram logo muito famosas chegando a atingir Bach, tanto que ele transcreveu vários destes concertos para o cravo e o órgão. Ele, seus filhos legítimos e seus alunos costumavam tocá-los em saraus e nas aulas. Eu, pobre ilegítimo, o 21º filho, nunca pude tocá-los. Me dá uma tristeza! Ouçam como são belos! Dá vontade da mandar tomar no cu aquele russo nanico que disse que Vivaldi fez 477 vezes o mesmo concerto. É o que farei: “Ei, Stravinsky, vai tomar no cu!”.
O disco é razoável, boa orquestra de som antiquado, ante-diluviano. O CD deve ter décadas. Mas traz todo o Op. 3. Legal, né?
Vivaldi – L’estro armonico, Op.3 – Virtuosi di Roma
CD1
Concerto No. 1 D-dur, RV 549
01. I: Allegro [0:03:10.70]
02. II: Largo e spiccato [0:03:49.45]
03. III: Allegro [0:02:32.60]
Franco Gulli, Edmondo Malanotte, Mario Benvenuti, Alberto Poltronieri, violins
Junto com outras duas sonatas para piano e o sublime Quinteto de Cordas, a Sonata para Piano em Lá maior D959 é uma das quatro obras-primas visionárias que Schubert concluiu em 1828 e que estariam entre as últimas coisas que ele escreveu.
[trecho do site da Hyperion]
A Sonata para Piano gravada neste disco foi composta com mais outras duas nos últimos meses de vida de Schubert, entre a primavera e o outono de 1828. Essas três obras são espetaculares, produção de um compositor que desenvolveu todos os seus talentos e estava no domínio completo de sua arte. Schubert tinha em alta conta as obras de Haydn e Mozart e veneração pela obra de Beethoven, de quem foi contemporâneo, mas sua obra, especialmente a música de câmara, Lieder e as obra para piano, revelam uma voz distinta, única.
É impressionante como o desenvolvimento de uma personalidade artística toma um próprio tempo para se estabelecer em diferentes artistas e como esses talentos individuais podem revelar-se de maneira proporcional ao tempo biológico de cada um deles.
Basta considerar o exemplo de Schubert, que atingiu essas alturas aos 31 anos, a poucos meses do fim, enquanto Beethoven, aos 31 anos tinha sob seu cinturão a Primeira Sinfonia e estava a um ou dois anos de apresentar a Segunda Sinfonia com grande parte de suas obras ainda por vir. Ou seja, se sua personalidade artística ainda não se revelou, pode ser que você ainda não tenha vivido o suficiente…
Schubert também tinha atenção para a música de compositores menos grandiosos. A coleção de Momentos Musicais segue a tradição de coleção de peças em voga naquelas dias, como os Impromptus de Jan Václav Voříšek. E não são menos adoráveis por isso.
Este disco é mais uma pérola na ótima discografia do pianista Steven Osborne construída na gravadora Hyperion, alguns deles disponíveis e resenhados no seu PQP Bach mais próximo…
Este é para ser ouvido e ouvido de novo, para grande deleite de vossas mercês…
‘This is a performance of D959 that was still resonating in my mind long after I’d finished listening: it’s that good. Superb Schubert from Steven Osborne, a new release from Hyperion—it’s my Record of the Week’ (BBC Record Review)
‘The Moments musicaux speak with a morning freshness throughout, each imbued with its own unmistakably individual identity’ (Gramophone)
Aproveite!
René Denon
Steven todo prosa com seu novo disco…
Caso você tenha acesso às plataformas de distribuição de músicas, aqui está uma possibilidade para a audição:
O húngaro Miklós Perényi é reconhecido como um dos grandes violoncelistas da sua geração, com um som distinto, matizado, acompanhado de uma musicalidade extraordinária. Aqui ele dá o seu primeiro recital a solo para a ECM, interpretando obras notáveis de Bach, Britten e Ligeti. O CD veio logo após sua brilhante atuação, ao lado de András Schiff, nas premiadas gravações da Música Completa para Piano e Violoncelo de Beethoven. Perényi interpreta a Terceira Suíte de Benjamin Britten para violoncelo solo, op. 97 (1971) e a Suite n.º 6 de Johann Sebastian Bach em ré maior, BWV 1012, tornando clara a sua interligação histórica e temática. Britten escreveu suas suítes para violoncelo para Mstislav Rostropovich, inspirado por ouvi-lo tocar as suítes de Bach. Rostropovich saudou todas as suítes de violoncelo de Britten como obras-primas, mas destacou a Terceira (escrita em 1971) para um elogio especial: “puro gênio”, em suas palavras. Na obra, Britten cita fragmentos de melodias de canções folclóricas russas que emergem plenamente no movimento final. Neste disco, a última suíte para violoncelo de Bach segue a de Britten, e o Bach de Perényi dança com elegância e energia. O álbum termina com um retorno à Hungria e à Sonata para violoncelo solo de Gyorgy Ligeti de 1948-1953. Ligeti lançou a peça para publicação apenas em 1979, então ela figura na cronologia antes e depois de Britten. Trata-se de uma obra poderosa e sincera de um compositor que estudou violoncelo.
Britten, Bach, Ligeti: Peças para Violocelo Solo (Perényi)
Benjamin Britten: Third Suite op. 87 (1971)
01 Introduzione. Lento 2:15
02 Marcia. Allegro 1:34
03 Canto. Con moto 1:08
04 Barcarola. Lento 1:12
05 Dialogo. Allegretto 1:09
06 Fuga. Andante espressivo 2:32
07 Recitativo. Fantastico 1:09
08 Moto perpetuo. Presto 0:51
09 Passacaglia. Lento solenne 8:33
Johann Sebastian Bach: Suite VI D-Dur BWV 1012
10 Prélude 5:31
11 Allemande 6:34
12 Courante 3:50
13 Sarabande 5:42
14 Gavotte I – II 4:32
15 Gigue 3:46
György Ligeti: Sonata (1948/53)
16 Dialogo. Adagio, rubato, cantabile 3:59
17 Capriccio. Presto con slancio 3:35
Um disco absurdamente bom de árias de óperas de Vivaldi. Através de um repertório desconhecido, a estadunidense Vivica Genaux — nasceu em Fairbanks, Alasca — dá um banho de competência artística e vocal. Biondi e sua Europa Galante acompanham à perfeição as pirotecnias da bela moça. Creio que várias destas árias tenham sido compostas para a talentosa cantora Anna Giraud (Anna Girò) que era amante do padre vermelho. (Vivaldi dizia que não podia rezar missa por ser asmático, mas tinha fôlego de sobra para Anna). Sim, Girò era soprano e Genaux é mezzo, mas vejam bem: no século XVIII, a classificação vocal era menos rígida do que hoje. Sopranos podiam cantar papéis que hoje associamos a mezzos, dependendo da tessitura e estilo. Vivaldi explorava os pontos fortes de seus intérpretes, e Anna era conhecida por sua agilidade, capacidade dramática e versatilidade. Genaux também, como comprova o CD. As árias de Vivaldi para Anna Girò abrangem uma tessitura típica de soprano, porém alguns musicólogos sugerem que ela poderia ser classificada como mezzo-soprano em termos modernos, devido à certeza da riqueza de seu timbre em registros médios. No entanto, a maioria das fontes históricas refere-se a Girò como soprano.
A. Vivaldi (1678-1741): Vivaldi Pyrotechnics – Opera Arias (Genaux)
1. Catone In Utica: Come In Vano Il Mare Irato 5:27
2. Semiramide: E Prigioniero E Re 4:55
3. La Fida Ninfa: Alma Oppressa 5:10
4. Griselda: Agitata Da Due Venti 5:20
5. La Fida Ninfa: Destin Nemico….Destin Avaro 5:55
6. Il Labbro Ti Lusinga 7:29
7. Ipermestra: Vibro Il Ferro 3:50
8. Farnace: No, Ch’amar Non È Fallo In Cor Guerriero….Quell’usignolo 7:50
9. Tito Manlio: Splender Fra ‘l Cieco Orror 4:49
10. Rosmira Fedele: Vorrei Dirti Il Mio Dolore 6:52
11. Catone In Utica: Chi Può Nelle Sventure….Nella Foresta 7:25
12. Farnace: Ricordati Che Sei 3:43
13. Sin Nel Placido Soggiorno 6:50
Vivica Genaux, mezzo-soprano
Europa Galante
Fabio Biondi
Vamos a mais uma postagem com conteúdo chopiniano. Selecionei alguns CDs para postar. Entre eles destaco uma box com treze CDs com a música de Chopin, sendo interpretada por Vladimir Ashkenazy. Fiquei a pensar se deveria postar Arrau (box com 7 CDs) ou Biret (box com 17 CDs). Optei por Ashkenazy, que é um bom pianista. Por isso, esperem uma bombardeio com material do músico polaco. Há ainda um material com compositores avulsos. Vamos a um deles: ficamos agora com o pianista russo Alexei Borisovich Lubimov, que tem uma forte ligação com a música ocidental. Nos tempos da União Soviética chegou até a ser repreendido por causa desse fato. É um extraordinário CD. Não deixe de ouvir o trabalho de Lubimov. Boa degustação!
P.S. de Pleyel ao respostar – existem os especialistas em Chopin, conhecidos por vocês: Artur Rubinstein, Guiomar Novaes, Maurizio Pollini, Dang Thai Son… além dos já citados acima pelo Carlinus. E existem discos um tanto surpreendentes com a música de Chopin gravada por pianistas não tão associados a ele. É o caso deste álbum em que Lubimov demonstra uma profunda sabedoria tanto sobre a música de Chopin como sobre o pianoforte Érard de 1837.
O pianista Herbert Henck tem uma série de CDs na grande ECM que vale muito a pena explorar. Este disco une duas importantes figuras — por muito tempo ignoradas — da música americana moderna. Sabemos que muitas vezes se passam anos entre a inovação e a sua aceitação geral. Hoje, nós tiramos de letra o distorcido jazz dos anos 30 presente nas composições eruditas modernosas de Nancarrow e Antheil.
Ficou complicado levar George Antheil (1900-1959) a sério nos EUA após o fracasso de seu Méchanique Ballet. Ele foi um ser humano severamente multifacetado. Escreveu muita música e também foi escritor. Sua excelente e divertida autobiografia, “O Bad Boy da Música”, é elogiadíssima. Sua música alegre e cheia de invenção fazia discreto sucesso… na França. Esta é uma seleção bem dele, e mostra seu amor pelo ritmo e o interesse pelo jazz. Vários dos títulos aludem às máquinas. Leiam abaixo, a relação de obras mais parece um rol de equipamentos industriais. Há uma Sonatina para rádio (?) e outra chamada de “O Aeroplano”, mas também uma Sonata Sauvage… E aquele monte de “Acelerandos” ali?
Conlon Nancarrow (1912-1997) é conhecido por seus estudos para o piano, que também incluía aquelas pianolas mecânicas das quais acabo de esquecer o nome. Algumas de suas obras são tão complexas em termos de ritmo que é melhor programar o piano com aqueles rolos de papel (ei, alguém me ajude!). Somente em seus últimos anos de vida, Nancarrow desfrutou de fama internacional e seus estudos chegaram ao status de cult. (Ouvi uma vez a música programada em rolos de papel, achei mais apaixonante do que bela).
A capa do CD da ECM traz uma vaquinha tão triste quanto o destino da música moderna em nossos dias — vejam o ocorre com o pianista na imagem que finaliza o post. Triste fiquei eu ao notar que o CD tem apenas 38 minutos!
Conlon Nancarrow (1912-1997) / George Antheil (1900-1959): Música para Piano
1. Nancarrow – Three 2-part studies – I. Presto
2. Nancarrow – Three 2-part studies – II. Andantino
3. Nancarrow – Three 2-part studies – III. Allegro
4. Nancarrow – Prelude (Allegro molto)
5. Nancarrow – Blues (Slow Blues Tempo)
6. Antheil – Sonatina für Radio (allegro moderato)
7. Antheil – Second Sonata, ‘The Airplane’ – I. To be played as fast as possible
8. Antheil – Second Sonata, ‘The Airplane’ – II. Andante moderato
9. Antheil – Mechanisms
10. Antheil – A machine
11. Antheil – Sonatina (Death of the Machines) – I. Moderato
12. Antheil – Sonatina (Death of the Machines) – II. Accelerando
13. Antheil – Sonatina (Death of the Machines) – III. Accelerando
14. Antheil – Sonatina (Death of the Machines) – IV. Accelerando
15. Antheil – Jazz Sonata (Sonata No. 4)
16. Antheil – Sonata Sauvage – I. Allegro vivo
17. Antheil – Sonata Sauvage – II. Moderato
18. Antheil – Sonata Sauvage – III. Moderato/Xylophonic, Prestissimo
19. Antheil – (Little) Shimmy