David Lang (1957): Prisoner of the State

David Lang (1957): Prisoner of the State

Esta é uma bela ópera de David Lang inspirada por Beethoven. Trata-se de uma versão moderna e sombria da única ópera de Beethoven, uma atualização de Fidelio. Fidelio conta a história de uma nobre espanhola que, disfarçada, consegue um emprego humilde em uma prisão onde seu marido está sendo injustamente detido por um poderoso inimigo político. Mas a ópera é sobrecarregada por um romance secundário e por porções cômicas que minam seus temas de combate à tirania e defesa da liberdade. Lang dinamiza a história e a coloca em um tempo contemporâneo não especificado. O libreto foi escrito pelo próprio Lang. Ele se baseia em frases dos libretos que Beethoven leu em versões anteriores de sua ópera e também adapta textos de Maquiavel, Jeremy Bentham e outras fontes. A música — lírica e assustadora — é excelente e cresce quando Lang afasta-se de Beethoven.

David Lang (1957): Prisoner of the State

1. I was a woman
2. prisoners! wake up!
3. I stole a loaf of bread
4. where is the boy?
5. gold
6. there is one thing
7. prison song
8. entrance of the governor
9. better to be feared
10. o what desire
11. uhhh. so dark
12. how cold it is
13. he’s moving
14. return of the governor
15. stand back
16. what is one man?
17. waiting for the inspectors

Julie Mathevet, Soprano (The Assistant)
Alan Oke, Tenor (The Governor)
Jarrett Ott, Baritone (The Prisoner)
Eric Owens, Bass-Baritone (The Jailer)
Matthew Pearce, Tenor (Guard)
John Matthew Myers, Tenor
Steven Eddy, Baritone (Guard)
Rafael Porto, Bass-Baritone (Guard)
Men of the Concert Chorale of New York
New York Philharmonic
Jaap van Zweden, Conductor

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David Lang

PQP

Gioacchino Rossini (1792-1868): La Cenerentola – Gabriele Ferro / Claudio Abbado

Gioacchino Rossini (1792-1868): La Cenerentola – Gabriele Ferro / Claudio Abbado

Gioachino Antonio Rossini (1792 — 1868) estava entrando num período de extrema produtividade e criatividade, só para se ter uma ideia entre 1814 e 1818 o jovem Rossini produziu nada menos do que 14 óperas (justamente no momento de maior hiato do nosso renano com 250 primaveras a completar este ano e que está sendo homenageado com as monumentais, espetaculares e sempre bem humoradas postagens do Vassily por AQUI). Com muito talento nadou de braçada o italiano em qualidade e em prestígio, alguns trabalhos deste curto período de cerca de 4 anos são obras primas indiscutíveis: “Il Turco in Italia” (1814) “Il barbiere di Siviglia” de (1816),” Otello, ossia Il moro di Venezia” (1816), “La gazza ladra” (1817) e a belíssima “La Cenerentola, ossia La bontà in trionfo” (Teatro Valle, Roma, 25 de janeiro de 1817) que teremos a alegria de compartilhar com os amigos do blog !

Outro incrível e talentoso artista desta época foi o libretista Jacopo Ferretti (1784 – 1852). Ao todo, Ferretti escreveu cerca de 70 libretos para óperas. É mais conhecido por ter fornecido libretos para duas óperas compostas por Rossini (“La Cenerentola “ e “Matilde di Shabran” de 1821) e cinco óperas compostas por Donizetti. Seu primeiro grande sucesso como libretista foi “La Cenerentola”, escrita em grande velocidade para Rossini durante o Natal de 1816.

Jacopo e Gioacchino tirando onda

A história da criação desta ópera é bem divertida: O contrato de Rossini com o Teatro Valle para a temporada carnavalesca de 1817 fora firmado após a estreia de “Il barbiere di Siviglia” e pelo contrato Rossini deveria escrever a obra de abertura da temporada (26 de dezembro de 1816) e o teatro empenhou-se em lhe fornecer um libreto em outubro. O prazo, que já era apertado, sofreu um imprevisto e uma situação dificultou mais ainda a composição: nas memórias de Ferretti ele escreveu que o libreto original escolhido era “Ninnetta ala corte” e havia sido inesperadamente vetado pelo censor papal, por ter sido considerada “imoral e libertina” não deixando tempo para alterar o texto para que pudesse satisfazer todas as partes envolvidas (censura, empresário e autores). Um substituto teria que ser encontrado. O libretista se reuniu com o compositor e o empresário Cartoni e começou a sugerir temas para o novo trabalho, um após o outro foi rejeitado por diversas razões: um muito sério para a temporada de Carnaval; outro muito frívolo; outro muito caro e difícil de encenar…etc. Ferretti propôs mais de duas dúzias de título sem sucesso. Finalmente, entre bocejos, e com Rossini meio que dormindo em um sofá, o poeta mencionou “Cinderela”. Com isso, Rossini despertou o suficiente para desafiar Ferretti sobre se conseguiria escrever um libreto para o conto; Ferretti por sua vez retrucou com um desafio para Rossini musica-lo. Rossini então perguntou ao libretista se ele tinha alguns versos prontos para começar a trabalhar. Ferretti respondeu: “Apesar do meu cansaço, amanhã de manhã!” O compositor acenou com a cabeça, se acomodou em suas roupas, virou-se no sofá e voltou a dormir. Ferretti trabalhou durante a noite e tinha as primeiras partes do trabalho prontas como prometido pela manhã. Ele terminou o libreto em vinte e dois dias de trabalho, e Rossini completou a pontuação em 24 dias igualmente agitados, porém foi ajudado por outros músicos, ao estudarmos as óperas do mestre encontramos, com certa frequência, recitativos ou números musicais de personagens secundários escritos por colaboradores, certamente tendo como objetivo honrar os prazos dos contratos. Em “La Cenerentola” não foi diferente e o músico Luca Angolini, compositor romano conhecido pela sua Música Sacra, ficou responsável por elaborar alguns recitativos e a ária de Clorinda perto do fim do segundo ato. Rossini conseguiu compor quase que a ópera toda do “zero”, sem tomar “emprestado” música de outras obras acabadas. Porém Rossini economizou tempo reutilizando uma abertura de “La gazzetta” e parte de uma ária de O Barbeiro de Sevilha no rondó final da heroína “Non piu mestra acanto al fuoco”.

O Cabeludo Charles Perrault (1628-1703)

A versão de Cinderela mais conhecida é a de Charles Perrault, publicada em “Contos” de 1697 sob o nome de “Cendrilon ou La Petite pantoufe de verre” (Cinderela ou a pantufa de vidro). Devemos a Perrault a criação da fada madrinha, madrasta má, baile do príncipe, as doze badaladas da meia-noite, do sapatinho perdido bem como da abóbora, feitiços dos animais que se transformavam em cavalos, cocheiro e lacaios… todos associados de maneira indelével à história tão querida das crianças. Porém, contudo, no entanto….. nenhum desses elementos aparece no libreto do Ferretti. Rossini tinha aversão a elementos mágicos e acontecimentos sobrenaturais em suas óperas, pois ainda não havia tecnologia confiável para ser convincente a apresentação nos palcos, os “efeitos especiais” daquela época eram toscos demais e normalmente davam bem errado, tirando gargalhadas da plateia mudando completamente o foco.

“La Cenerentola” estreou em 25 de janeiro de 1817, e rapidamente ganhou popularidade tanto na Itália quanto internacionalmente, apesar de uma recepção inicial fria dos críticos na estreia, certamente devido à falta de ensaios e cenários. Em suma, a previsão de Rossini tornou-se inteiramente verdadeira, e “La Cenerentola” logo ofuscou até “Il barbiere di Siviglia” ao longo do século XIX.

O que mais me chama a atenção nesta belíssima ópera são os papeis dos “baixos”. Don Magnífico e Dandini são, naturalmente, personagens cômicos no sentido verdadeiro da tradição italiana, com suas árias a solo “buffo” são maravilhosas, quero dizer estupendas, um exemplo é o dueto “Um segreto d’importanza”(CD2 faixa13 com o Enzo Dara ou CD2 faixa 27 com o Paolo Montarsolo), este mero admirador acha que é um dos melhores duetos cômicos escritos pelo mestre Rossini. Aqui se encontra também a deliciosa estrutura típica dos duetos rossinianos, mas no seu contexto o mestre da suas pinceladas incisivas em cada parte do diálogo, individualizando os personagens e as suas reações. Para este admirador “o Barão de Montefiascone” é particularmente bem dotado de árias cômicas: são duas árias independentes e praticamente uma terceira que abre o primeiro finale. Estas árias são simplesmente deliciosas, oferecem uma gama extraordinária de efeitos e situações cômicas. São os pontos altos da ópera na minha nula opinião !!! Uma delícia de ouvir !

O Enredo
Sinopse baseada no encarte “La Cenerentola” de Zito Baptista Filho e Wikipédia

Ato 1
Primeira cena – Ao abrir das cortinas estamos no castelo de Don Magnífico, as suas filhas Tisbe e Clorinda experimentam vestidos e se admiram diante do espelho elas se divertem a ensaiar alguns passos de dança enquanto se arrumam com esmero. A enteada, Angelina (apelidada de Cinderela), encarregada de todas as tarefas domésticas, prepara café na cozinha enquanto canta uma cançoneta. Batem a porta, quando Cinderela abra a porta, entra um mendigo, é o disfarce de Alidoro o filósofo tutor do príncipe Ramiro. As irmãs negam qualquer ajuda, mas Cinderela lhe dá pão e café. O falso mendigo abençoa Angelina pelo seu gesto de bondade. As suas irmãs, contrariadas pela criada, atacam-na com fúria. Novamente alguém bate à porta. Entra então um grupo de cortesãos que anuncia a chegada do príncipe, Don Ramiro , que convida as filhas de Don Magnífico para uma grande festa no palácio. No decorrer do baile, Don Ramiro escolherá como esposa a mais bela das jovens presentes. Clorinda e Tisbe, agitadas pela grande notícia, atormentam a pobre Cinderela, exigindo continuamente os seus serviços para se tornarem as mais bonitas. A pobre criada lamenta-se pela sua sorte: ficará no castelo, junto às cinzas da lareira, enquanto Don Magnífico e suas filhas irão se divertir no baile. O falso mendigo vai-se embora, enquanto as irmãs discutem quem irá dar a notícia do baile ao pai.

Don Magnífico entra em cena bastante mal-humorado por ter sido acordado pela algazarra das irmãs. Don Magnífico havia sonhado que era um burro e que saíam plumas do burro. Após o sonho, o velho explica que esse sonho era um bom augúrio, pois suas filhas serão rainhas, e ele, avô de príncipes. Quando Clorinda e Tisbe comunicam ao pai que o príncipe chegará logo e que tem a intenção de se casar, Don Magnífico não consegue conter sua satisfação e diz que seu sonho tornar-se-á realidade e que ele estava próximo de pagar todas as suas dívidas.

Todos saem de cena. Entra o príncipe, disfarçado de valete, conforme lhe aconselhara o seu tutor, Alidoro. Já o valete do príncipe, Dandini, está disfarçado de príncipe. Dessa forma, o nobre pretende reconhecer com mais facilidade a bondosa mulher que vive naquela casa e que será a sua esposa, segundo o seu conselheiro Alidoro. Entra em cena Angelina que canta distraidamente uma canção, segurando uma bandeja com um copo e um prato. Ao encontrar o jovem, grita, assustada, derrubando a bandeja. Logo em seguida, os dois se apaixonam perdidamente, mas a troca de olhares é interrompida pelo chamamento de Don Magnífico e das suas filhas. Mal Angelina sai, chega o barão, vestido de gala para receber o príncipe. Entram em cena todos criados da corte do príncipe e Dandini disfarçado de príncipe, logo em seguida Don Magnífico apresenta as suas filhas Clorinda e Tisbe sob o olhar pasmo de Ramiro por não reconhecer a mulher que ele ama, depois Dandini convida as irmãs ao baile no palácio que as elogia muito, despertando as ilusões dos três ambiciosos. A pobre Cinderela troca olhares com Ramiro. Depois de Dandini e as irmãs saírem em direção á carruagem real, Angelina tenta convencer Don Magnífico para que lhe dê autorização para ir ao baile. O velho barão nega-se rotundamente, lembrando à jovem que ela é apenas uma criada, perante o olhar de Don Ramiro e Dandini, que voltou a cena. Perante a insistência da jovem, o velho barão ameaça bater-lhe com o seu bastão. Ramiro e Dandini defendem Angelina. Don Magnífico pede desculpa pelo seu comportamento perante o falso príncipe, dizendo que Angelina não passa de uma inútil, enquanto Ramiro tenta conter a sua raiva por Magnífico. Então entra em cena Alidoro, disfarçado agora de oficial de registro da corte, e solicita a persença de uma terceira filha de Don Magnífico, que conta estar no registro da corte. O velho explica que essa terceira filha morreu, mas Angelina fala para o velho que está bem viva e sussurrando o velho diz que irá estrangula-la se não ficar calada, mesmo assim os presentes não escutam e desconfiam da história. Todos saem de cena e Angelina vai para o seu quarto. Pouco depois recebe uma nova e surpreendente visita: Alidoro volta, só que agora vestido de mendigo para lhe pedir que o acompanhe ao baile, prometendo-lhe um prêmio pela sua bondade.

Segunda Cena – Num gabinete do palácio, Dandini, que continua se disfarçando de príncipe, promete a Don Magnífico nomeá-lo chefe dos mordomos real se ele conseguir estar equilibrado depois de 30 taças de vinho, e convida-o para fazer a prova. Depois, suporta com paciência a feroz briga em Clorinda e Tisbe, que rivalizam sem pudor pelo futuro trono.

Num pavilhão do palácio, diversos cavaleiros entregam a Don Magnífico uma capa bordada com cachos de uvas. O velho nobre suporta a prova e é nomeado finalmente chefe dos mordomos. Fazendo uso do seu novo cargo, ordena que, em 15 anos, não se acrescente água ao vinho e promete dar um prêmio a quem beber a maior quantidade de vinho.

Logo em seguida, Ramiro e Dandini encontram-se. O falso príncipe informa ao seu patrão que nenhuma das irmãs Clorinda e Tisbe é apropriada a ele. Entram em cena justamente as duas irmãs que anseiam saber que será a esposa do príncipe. Dandini conta-lhes que escolherá somente uma, mas a outra será destinada ao seu criado, esta decisão provoca ira entre as duas ambiciosas mulheres. Entra em cena Alidoro, que anuncia a chegada de uma mulher desconhecida. Trata-se de Angelina, que aparece com um deslumbrante e luxuoso vestido de gala e coberta por um véu que tampa o seu rosto. A jovem elogia o verdadeiro amor perante os bens materiais e então destapa o rosto, deixando todos os presentes estupefatos. De repente entra Don Magnífico que logo vendo a misteriosa mulher, fica mais surpreso ainda e comenta com suas filhas e que a mulher é parecidíssima com sua criada desprezada Angelina. Ramiro fica apaixonado ao ver a mulher. Um encerramento de ato lindo !!!!!

Ato 2
Primeira cena – Na adegado palácio. Don Magnífico comemora a nomeação para mordomo chefe experimentando os vinhos do príncipe. Don Magnífico confessa às suas filhas que lhe invade um sentimento de intranquilidade: acha que reconheceu a Angelina na dama recém-chegada e fica apreensivo se alguém descobrir que maltrata sua enteada, e que renegou todos os seus bens a favor de suas filhas. Mas, uma vez tranquilizado por Clorinda e Tisbe, faz planos sobre o que será a sua vida futura graças ao frutuoso casamento de uma delas.

Segunda cena – Quando saem do gabinete, chega Ramiro, mas esconde-se ao perceber que se aproxima alguém. Entram em cena Angelina e Dandini. Dandini diz que se apaixonou por Angelina, mas ela diz que está apaixonada por outro homem, este homem é o príncipe disfarçado de criado, assim Ramiro sai de seu esconderijo e declara o seu amor pela jovem, mesmo assustado pela jovem criada preferir um mero criado do que um príncipe. Angelina percebendo que logo depois do baile irá vestir as rasgadas roupas de criada, decide entregar ao príncipe um de seus braceletes e pede para que ele a encontre, colocando o bracelete em cada braço de cada mulher do reino, caso ele encontra-la ela se casará com o príncipe e ordena ao príncipe a não segui-la. Depois Angelina abandona a cena. Alidoro que também estava escondido observando a cena, sai também e aconselha a Don Ramiro que o seu coração o aconselhe. O príncipe disfarçado de criado, volta a ser príncipe e manda aos seus súditos uma carruagem para que possa procurar a misteriosa dama.

Don Magnífico encontra-se com Dandini. Dandini ainda continua disfarçado de príncipe, Don Magnífico tenta arrancar do suposto príncipe o veredicto final para se casar com uma de suas filhas. Dandini responde-lhe que existe um segredo que não pode revelar. Dandini pergunta à Don Magnífico como deverá tratar a sua futura esposa. Don Magnífico por sua vez responde-lhe que deverá tratá-la com muito luxo, pedras preciosas, e prazeres que um simples criado nunca poderia realizar. Dandini responde que sendo um mero criado não pode oferecer esta vida a sua esposa, o barão diz que ele está de brincadeira, mas então o criado tira a túnica de príncipe e revela ao barão que é um mero criado que lava roupas, e arruma o príncipe. Depois aconselha ao barão, que se sente enganado, a abandonar o palácio com suas filhas.

Terceira cena – No castelo de Don Magnífico. A cena começa num grande salão do castelo do barão. Angelina aparece em cena com as suas velhas e rasgadas roupas e canta uma cançoneta que conta como o rei escolhe, dentre três mulheres, a que possui bom coração. Entra em cena as duas filhas do barão e também o barão, que descontam na pobre Angelina a sua raiva pelo que aconteceu no palácio. De repente estoura uma violenta tempestade. Alidoro se encarregasse de que a carruagem do príncipe chegue ao castelo de Don Magnífico. Ouve-se baterem a porta. O barão abre a porta e entram o príncipe e Dandini, que se revela ao velho que é o verdadeiro príncipe. Don Magnífico ordena a Angelina que traga uma garrafa para o príncipe. A criada obedece à ordem, mas vê Dandini. Quando descobre que o seu amado Ramiro, é na verdade, o príncipe, tenta fugir escondendo o rosto. O apaixonado descobre o bracelete, reconhece-a e declara o desejo de fazer de Angelina a sua esposa e futura rainha. Apesar disso, o barão e suas filhas continuam a insultá-la. Angelina, ao contrário, implora ao seu amado que perdoe os três desalmados. Saem de cena Don Ramiro, Angelina, Dandini e Don Magnífico. Clorinda e Tisbe sozinhas em cena não dão importância para o acontecimento. Entra em cena Alidoro, que proclama a vitória da bondade sobre a maldade, e aconselha as duas malvadas a implorarem perdão à futura rainha.

Quarta cena – A cena muda para o salão do trono do palácio, os cortesãos proclamam e exaltam novamente o triunfo da bondade. Entram no salão do trono Angelina e Don Ramiro, vestidos de gala. Após os dois apaixonados entrarem em cena, entram Don Magnífico e suas filhas pedindo perdão a Angelina. Angelina perdoa a suas irmãs e ao seu padrasto, dizendo que, nela pode se ter filha, irmã e amiga. Em seguida todos se abraçam e todos acabam felizes para sempre….. desce o pano.

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Gioacchino Rossini – “La Cenerentola”

Personagens e intérpretes

Trago aos amigos do blog duas interpretações, que para mim, são mais que incríveis. Rossini é o favorito de muitos ouvintes e frequentadores da ópera, por sua trilha sonora leve que transmite a natureza cômica do libreto. Estas são duas mega gravações, bem cantadas e as orquestras são impecáveis. Pode-se realmente imaginar a atuação ocorrendo no palco através do canto e das vozes. Não me cansa de ouvi-las vezes sem conta. Como diz o mestre pqpbach “IM-PER-DI-VEL”.

A primeira é esta do Gabriele Ferro gravada em 1983. A que eu gosto mais e recomendo 100%, todos os cantores estão…… Magnificos. Um conjunto de dois CDs que comprei láaa na década de oitenta. A primeira ópera completa de Rossini que ouvi. De cara a ária do Don Magnifíco do início do segundo ato (“Sai qualunque Figlie” CD2 faixa 09) Enzo Dara é impressionante….. Escrevendo esta postagem acho que ouvi esta área umas 10 vezes…. vou tentar deixar que a passionalidade não me influencie no comentário, mas é difícil. Além de serem cantados e regidos soberbamente por Gabriele Ferro, os instrumentos de época adicionam muito ao ar de autenticidade estilística que permeia cada compasso dessa performance excepcional. Terrani (1946 – 1998) não apenas possuía exatamente a voz correta para o papel, ela abordou este e todos os seus papéis com um senso de dignidade, respeito e integridade musical raramente encontrado neste repertório. Ela deve ter abordado, estudado e trabalhado seus papéis da mesma forma como vimos em outras postagens que os grandes performers wagnerianos tratam os seus. No repertório de Rossini, em particular, ela é um dos

Enzo Dara (1938-2017)

MUITO poucos contraltos que consegue fazer as notas agudas flutuarem suavemente o suficiente para atender às demandas. Uma das principais mezzos contemporâneos de coloratura italiana, ela tinha uma voz rica, cremosa e ágil, usada com excelente musicalidade. O Francisco Araiza tem um tom de voz tão rico, bonito, agilidade sem esforço e confiança que todo tenor diferenciado tem! Com uma Angelina tão superlativa, Araiza foi capaz de cantar o Ramiro mais estiloso e expressivo que eu já ouvi. Com esta gravação, os amigos poderão entender o porque ele se tornou o tenor de Rossini e Mozart mais procurado do mundo durante os anos 1980.

Don Ramiro, Príncipe de Salerno – Francisco Araiza, tenor
Dandini, seu servo – Domenico Trimarchi, baixo
Don Magnífico, Barão de Monte Fiascone – Enzo Dara, baixo
Clorinda, filha do barão – Emília Ravaglia, soprano
Tisbe, filha do barão – Marilyn Schmiege, meio-soprano
Angelina, Cinderela, a enteada do Barão – Lucia Valentini Terrani, contralto
Alidoro, filósofo –Alessandro Corbelli, baixo
Coro da Rádio Alemã
Cappella Coloniensis (instrumentos da época)
Regente Gabriele Ferro

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A segunda é esta do Cláudio Abbado. Sem dúvida outra grande gravação, uma das melhores que existe. Na verdade, esta gravação foi a primeira de Abbado como regente de ópera em 1971. Ele oferece uma versão totalmente espirituosa, brilhante e viva, calorosa e humana, e faz com que a London Symphony Orchestra toque seus corações; a execução orquestral é tecnicamente impressionante, é claro, ritmicamente exata, mas o mais importante é conseguir realizar uma gama de cores e texturas e um frescor que raramente se ouve em uma ópera de Rossini. Porém, para este admirador influenciado pela gravação da Terrani, acho que os cantores talvez sejam um pouco mais variáveis. Teresa Berganza é maravilhosamente idiomática e simpática como Cenerentola, dando um retrato comovente e vívido, lindamente cantado e calorosamente

Tereza Berganza

caracterizado. Luigi Alva é um Don Ramiro firme e cantado de forma bela e Ugo Trama, embora às vezes seja um pouco pesado, geralmente é bom como Alidoro. Avaliar a atuação de Capecchi é mais difícil – por um lado, ele nos dá um papel cantado de forma impressionante, com muito caráter e cor, mas por outro parece que falta um pouco de humor. Algo parecido se aplica ao Don Magnifico de Montarsolo. No entanto, a glória do conjunto é inegavelmente Abbado e o LSO, e acredito que ele é responsável pelo fato de os conjuntos serem consistentes. É importante ressaltar que a qualidade do som de 1971 é exemplar; vívido e claro. No final das contas, esta não é uma gravação que você gostaria de ficar sem ouvir, eu diria que é um clássico. Lembrando que não sou especialista e sim apenas um entusiasta.

Don Ramiro, Príncipe de Salerno – Luigi Alva
Dandini, seu servo – Renato Capecchi
Don Magnífico, Barão de Monte Fiascone – Paolo Montarsolo
Clorinda, filha do barão – Margherita Guglielmi
Tisbe, filha do barão – Laura Zannini
Angelina, Cinderela, a enteada do Barão – Teresa Berganza
Alidoro, filósofo –Ugo Trama
Scottish Opera Chorus
London Symphony Orchestra
Claudio Abbado

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Rossini é fantástico. Experiências do “bel canto” deliciosas, com um bom vinho, pão e queijo então…… Se você tiver essas gravações, garanto que as ouvirão indefinidamente … um verdadeiro tesouro operístico! Deliciem-se !!!!

Ammiratore

Gaetano Donizetti (1797-1848): Don Pasquale – Ruggero Raimondi, Isabel Rey, Juan Diego Flores

Gaetano Donizetti (1797-1848): Don Pasquale – Ruggero Raimondi, Isabel Rey, Juan Diego Flores

Hoje vamos enveredar por caminhos nunca dantes navegados, até agora: óperas de Gaetano Donizetti (Bérgamo 1797 – Bérgamo 1848). Vamos começar pela obra que é considerada por muitos como “ l’ultima delle grandi opere buffe italiane”: seu “Don Pasquale”.

Em outubro de 1842, Giovanni Ruffini (1807 – 1881) passou a viver dias extremamente agitados, uma “máquina de escrever versos”, como diz em carta escrita à mãe no dia 18 daquele mês. Vem produzindo rimas de modo tão intenso, a toque de caixa, para a nova ópera cômica do incansável Donizetti intitulada “Don Pasquale”. Convenhamos era uma grande responsabilidade, afinal o compositor com 62 óperas no currículo (esta seria a sexagésima terceira) já era consagrado. Reza a lenda que o compositor era dotado de extraordinária capacidade de trabalho, exigindo dos colaboradores pleno empenho na realização de qualquer tarefa. A todos (libretista, cantores, músico e qualquer um que estivesse envolvido com sua ópera) ia espicaçando impiedosamente, até o último ensaio. Era uma “vida loca” ele tinha que atender a seguidas encomendas de óperas e mais óperas, num encadeamento que colocaram Donizetti numa verdadeira “roda-viva”. Imaginem os (as) senhores (as) ele concluiu sua primeira ópera (“Enrico di Borgogna”) em 1818 e cerca de 24 anos depois ele já havia produzido 62 óperas, são quase 3 óperas por ano !!!! Mas não era só isso, o mestre ainda escreveu entre uma ópera e outra, para distrair, 30 cantatas, 13 sinfonias, 18 quartetos para cordas e dezenas de pequenas peças litúrgicas. O italiano era um furacão, consequência direta das exigências contratuais que o obrigavam a desdobrar-se em múltiplas e sucessivas criações, mais ou menos “acabava uma e começava outra”, sem pausas para intervalos sabáticos. Porém o reconhecimento e prestígio ia para além das fronteiras italianas e não raro ele era chamado a frequentar salões imperiais nos quais recebia admiração e honrarias. Sua fama consolidou-se na facilidade com que sempre respondia as solicitações do seu público, o comum era a receptividade sempre calorosa junto as plateias de Milão, Nápoles, Roma Paris ou Viena.

Em 15 setembro de 1842 Donizetti escreve a um amigo: “Estou indo a Paris, tratar da tradução das óperas “Maria Padilla” e “Linda di Chamounix”. Sabe Deus que outra coisa farei”. Faria “Don Pasquale”. Em 27 deste mesmo mês ele assina o contrato e como em ocasiões anteriores, assumia um compromisso para dele se ocupar não podendo pensar em desperdiçar um minuto que fosse. A 20 de outubro vende os direitos da partitura para o editor Ricordi, para divulgação na Itália e Alemanha. Exatamente trinta dias depois, informa por carta que iniciaria os ensaios na semana seguinte. Havia transcorrido não mais que dois meses e alguns dias desde o momento em que aceitara a produção da nova ópera e sua conclusão.

Giovanni Ruffini

O libreto é baseado nos versos que Angelo Anelli escreveu para a ópera “Ser Marcantonio” do compositor Stefano Pavesi (1779-1850), apresentada em 1810. Donizetti incumbiu o libretista Giovanni Ruffini de fazer a adaptação do libreto existente para sua música. Era uma solução de emergência não havia tempo para criar algo novo, então como recurso reformularam um libreto de sucesso já existente (era um artifício comum na época, sem nenhuma conotação de demérito para o beneficiário). Nestes dias agitados Giovanni conta o que significava trabalhar com Donizetti: “faltava uns cinquenta versos de recitativo e um rondó final (…) que me fez suar sangue e água. Senti nos rins uma espada de dois gumes, os editores de um lado e Donizetti do outro dizendo que gostaria que lhe entregasse material para musicar, não todos os dias, como faço, mas todas as horas…..”.

Ilustração Francesa do seculo XIX

A estréia, um estrondoso sucesso, aconteceu em 3 de janeiro de 1843 no Theatre des Italians em Paris, tendo como intérpretes: a soprano Giulia Grisi como Norina, o tenor Giovanni Matteo di Candia como Ernesto, o baixo Luigi Lablache como Don Pasquale, o barítono Antonio Tamburini como médico Malatesta e o contrabaixo Federico Lablache, filho de Luigi Lablache, como tabelião.

L’Elisir d’Amore” (1832), “Lucrezia Borgia” (1833), “Lucia di Lammermoor” (1835), “La Fille du Régiment” (1840) são apenas algumas de suas 67 óperas, as que mais impressionaram as plateias e sobreviveram ao teste do tempo. “Dom Pasquale” foi o seu grande último êxito. No mesmo ano da estreia, em Paris, Donizetti caiu em profunda depressão, muito provavelmente por causa do excessivo trabalho e sobretudo da tristeza vivenciada em seu drama familiar: em 1828, casou-se com Virgínia Vasselli, ela morreu 9 anos após o casamento tendo perdido, ainda recém-nascidos, os três bebes que concebera com o compositor. O Resultado foi a depressão acompanhada de sintomas de desequilíbrio mental e progredindo com uma paralisia dos membros. Cerca de dois anos após a estreia de Don Pasquale o amigo de Donizetti, Heinrich Heine, relata uma visita em um hospital:

Pintura de Ponziano Loverini

“Enquanto suas melodias alegram o mundo, enquanto as pessoas o cantam e admiram em toda parte, ele mesmo, uma imagem horrível, sentado em um quarto de hospital.” Donizetti tinha conservado apenas uma consciência infantil para ficar arrumado: “Era preciso vesti-lo cuidadosamente todos os dias, de gala completo, fraque decorado com todos os seus enfeites; então ele ficava sentado imóvel, com o chapéu na mão, de manhã até tarde da noite ”(Heinrich Heine, 1844). o compositor morreu a 8 de abril de 1848 aos 51 anos de idade.

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O Enredo
Roma, início do século XIX. Casa de Don Pasquale, um velho solteirão rico e avarento. Ouvimos uma abertura que antecipa muitas belas melodias da ópera. A abertura começa com alguns acordes altos cuja função, na época, era a de silenciar o público que tagarelava antes do início da peça, solicitando atenção. Em seguida, ouvimos uma melodia lírica tocada por um violoncelo solo.

Ato 01
Rico, extremamente conservador e sovina, o velho solteirão decidiu casar-se para mais facilmente deserdar o sobrinho Ernesto. E por que ele age deste modo ? Enamorado de Norina, jovem viúva, o rapaz recusa-se obstinadamente a tomar por esposa aquela que o tio escolheu, moça nobre, rica e muito prendada. Aos olhos de Don Pasquale, tal rebeldia é inadmissível. Ao iniciar a ópera encontramos Don Pasquale impaciente e nervoso, pois espera que seu médico de família e amigo Dr.

Milão 1904

Malatesta discuta um assunto importante. Quando ele finalmente aparece, Don Pasquale pergunta animado se ele encontrou uma noiva. Malatesta afirma e fala de uma jovem adorável e modesta que escolheu para ele, ouve extasiado a descrição que Malatesta faz da jovem que lhe arranjou para esposa. Bela e virtuosa, não há qualidade que lhe falte. Exultante, Don Pasquale pergunta pela família desse anjo. “Abastada, honesta”, esclarece o doutor. “E o nome?” indaga o velho. Ao saber que é a própria irmã de Malatesta, já não cabe em si de alegria. Quer saber quando a verá. “Esta noite”, promete o amigo. Sozinho de novo entrega-se a devaneios. Considera-se um privilegiado. Como disse ao médico, sente-se jovem novamente.

Seu sobrinho aparece. Don Pasquale gostaria de deixar sua herança para Ernesto, com a condição de que ele se casasse de maneira respeitável e rica. Don Pasquale já escolheu uma pretendente. Ernesto ama a pobre Norina. Mas Don Pasquale não gosta e lhe diz que se ele se casar com ela, ele o deserdaria. Ernesto rejeita a candidata de Pasquale, ao que este lhe diz que se casará novamente e que Ernesto voltará de mãos vazias. Ernesto não compreende, pede explicações, mal suporta o impacto que lhe causam a atitude do tio: e agora, o que fazer da vida? Ainda tenta retardar os acontecimentos e pergunta a Don Pasquale se não conviria pedir a opinião do Doutor Malatesta a respeito de seus planos de casamento. Rindo, o velho lhe dá a nova informação: já o fez e é justamente com a irmão do médico a sua eleita. Ernesto é dominado por íntima revolta: não esperava tal atitude de Malatesta, a quem considerava amigo fiel. Não imagina, porém, que o doutor planeja justamente beneficiá-lo, ao cabo da audaciosa farsa que está tramando.

Na segunda cena, encontramos Norina em sua casa e ela lendo uma história de amor com complicações. Ela sorri, porque ela mesma conhece todos os truques para fazer o coração de um homem bater mais rápido. Um servo traz para ela uma mensagem de Ernesto. Ela fica sabendo dos planos de casamento de Pasquale e que Ernesto decidiu deixar a Europa por desespero. Quando Malatesta chega, ele encontra Norina desesperada. Ela conta-lhe que Ernesto, como diz a carta, esta prestes a deixar Roma, por ter Don Pasquale decidido a deserda-lo. As últimas linhas: “Ele obrigou-me a renunciar ao teu amor. Adeus, sejas feliz”. Quando Malatesta descobre o motivo, ele ri. Ele explica a ela que a coisa toda foi armada por ele para enganar o velho. A irmã nem existe. Seu plano é que a própria Norina interprete a irmã de Malatesta. Ela teria que interpretar uma garota modesta e ingênua. Don Pasquale, se for enganado, ira arranjar um casamento em sua casa e quando o Don assinar o contrato de casamento, ele estará à mercê dela. Norina fica entusiasmada com o plano.

Ato 02
À noite na casa de Don Pasquale. Ernesto está sentado com as malas prontas. Ele se sente abandonado e triste porque se tornou impossível se casar com Norina. Donizetti nos apresenta algo incomum nesta ária. Um solo de trompete profundamente triste nos introduz no humor de Ernesto. Normalmente este instrumento não está associado a esses sentimentos. Donizetti provocou deliberadamente esse efeito para enfatizar a complexidade dessa trama, que se pretende mais do que uma mera comédia. Entrementes, enquanto Ernesto amarga suas frustrações num cômodo da casa de Don Pasquale, em outo aposento o tio prepara-se para receber Malatesta e a sua futura esposa. Eufórico e espiritualmente rejuvenescido, troca palavras alegres “com seus botões”. Roda sobre si mesmo, vaidosamente, equilibrando-se numa perna. Sente-se um garotão ! Já se vestiu com suas melhores roupas na alegre expectativa da noiva.

Ela aparece acompanhada por Malatesta mas com um véu no rosto Dom Pasquale está encantado com sua modéstia e Norina interpretando uma mulher recatada busca convencer em seu papel de donzela recém saída do convento. Don Pasquale – oculto num canto, onde se pusera a um sinal do doutor – acompanha com vivo interesse a conversa entre Norina e Malatesta (que a chama de Sofrônia), repleta de expressões e gestos que o convencem sempre mais da riqueza de qualidades da moça. Finalmente, são apresentados por Malatesta. Norina simula sentir-se profundamente chocada ante a visão de um homem estranho: “Como? Um homem! Ah, como sou miserável! Depressa, irmão , fujamso daqui!”. Tal reação, para Don Pasquale, é a prova conclusiva de que se encontra frente a uma jovem de incontestável pureza. Agora, quer ver-lhe o rosto. Norina se conserva toda pudica, finge supremo constrangimento, mas cede, afinal. O velho fica maravilhado, gagueja, faz acenos nervosos a Malatesta e este induz Norina a responder afirmativamente as pretensões matrimoniais do amigo.

Milão 1904

Don Pasquale quer que o notário apareça imediatamente. Claro, Malatesta já tem seu tabelião esperando do lado de fora, Carlotto (primo de Malatesta). Existe um problema. Quando o casal assina, só há uma testemunha: Malatesta. Chamam Ernesto. Dom Pasquale diz-lhe com prazer que ele deve servir de testemunha do casamento. Ernesto olha para a noiva e não acredita em seus olhos quando vê Norina. Malatesta discretamente o apresenta ao plano e seus benefícios.

Tão logo a cerimônia chega ao fim a moça sofre abrupta transformação. A modesta freira se torna um monstro. Ela intimida o pobre Don Pasquale e, quando escolhe Ernesto como seu companheiro para um passeio, ele fica totalmente pasmo e Ernesto se diverte deliciosamente. Ouvimos o lindo quarteto “e rimasto la impietrato”. Em seguida, Sofrônia pede para ver os criados. Para horror de Pasquale, ela decide dobrar o salário e contratar mais funcionários. Quer duas carruagens, dez cavalos de raça inmglesa, novo mobiliário e diversas outras extravagâncias. Ao marido, “abismado” e inutilmente raivoso, ainda faz outra exigência: que Ernesto fique permanentemente em sua companhia. Don Pasquale percebe que foi enganado e Ernesto se regozija.

Ato 03
A velha casa mudou, está irreconhecível foi recentemente mobiliado tudo novo e há empregados por toda parte. Dom Pasquale é um homem desesperado, fica pasmo e repassa todas as contas. Quando Sofrônia aparece ele tenta protestar, mas ela interrompe lhe as queixas com duras palavras. Muito elegante, ela está vestida para ir ao teatro. Quando Don Pasquale tenta deter a saída para o teatro, ela lhe dá um tapa no rosto. Pasquale desmaia e Norina sente um pouco de pena. Mas o plano tem que ser executado. Ao sair, ela deixa cair deliberadamente um pedaço de papel. Furioso Don Pasquale acorda e clama pelo divórcio, acha o papel e o lê. É uma carta de Ernesto para um encontro à meia-noite no jardim.

Fora de si – a esposa começava o casamento com um ato de infidelidade, Don Pasquale manda chamar Malatesta com quem quer traçar um plano. O médico atende prontamente e eles decidem emboscar secretamente Sofrônia e Ernesto. Com essa prova, ele poderia então expulsar a esposa não amada de casa (este dueto tornou-se famoso pelas suas sílabas cantadas rapidamente, o Presto-Sillabato, e é um dos destaques absolutos desta ópera).

Milão 1904

É noite no jardim. Ambos estão a espreita. Ernesto canta uma serenata como senha. Ouvimos outra bela ária de Donizetti para o tenor Ernesto. Em seguida ouvimos o grande dueto de amor. Don Pasquale precipita-se sobre o casal, mas o rapaz consegue escapar. Norina não se abala, e até afirma que ali estava sozinha. A situação fica tensa: Don Pasquale quer expulsá-la de casa, mas Sofrônia se recusa se fazendo de irônica: esquecia ele que no contrato de casamento ele lhe destinara todos os bens… inclusive a casa ? Malatesta intervém para sugerir que, como forma de resolver a questão, Don Pasquale permita que Ernesto despose Norina. Quando Sofrônia ouve o nome de Norina, ela explica que nunca viverá sob o mesmo teto que esta mulher. Don Pasquale agora sente o cheiro de sua chance. O plano de Malatesta parece funcionar e ele busca Ernesto, e Don Pasquale aceita seu casamento.

Ele até concorda em dar a eles um dote apenas para se livrar do monstro Sofronia. Perplexo, ouve então do doutor a confissão da farsa, arquitetada para provar lhe que não estava mais em idade de pensar em casamento. O velho compreende a difícil lição, e dá sua bênção ao casamento do sobrinho. Norina apresenta a moral da história: Quem quer casar na velhice faz de si mesmo apenas um tolo, no belíssimo rondó que encerra a ópera.

Personagens e intérpretes
Esta versão que ora temos o imenso prazer de compartilhar com os amigos do blog é a versão de 2006 ao vivo da Ópera de Zurique. Quanto à gravação em minha modestíssima opinião está bem aceitável, as vezes deixa os cantores longe do microfone, acho mais legal as gravações de ópera ao vivo conseguimos captar “eletricidade” no ar. A abertura da ópera está ótima, com bom equilíbrio e presença. O maestro Nello Santi conduz com a energia donizettiana apropriada.

O papel-título do irascível Don Pasquale é cantado pelo grande barítono italiano, o veterano Ruggero Raimondi e um excelente elenco de apoio. Raimondi, com a voz mais seca do que em seus dias de juventude, é um ótimo Don Pasquale, atuando com brio cômico, irrompendo em danças de alegria quando sua proposta parece estar dando certo e mergulhando em um desespero sentido quando as coisas começam a dar errado, altamente convincente. No dueto do terceiro ato com Oliver Widmer foi ao ponto de recompensar o público com um bis muito bem-vindo! O tenor Juan Diego Flórez como sobrinho do Don, o apaixonado Ernesto, sua interpretação está simplesmente im-per-dí-vel para qualquer admirador do bel canto. Sua voz é doce e terna, mas com um toque firme, seus

Shhhh, pianíssimo !!!
Nello Santi (1931-2020)

pianíssimos são arrebatadores e sua ária de último ato, “Com’è gentil”, é radiante. Sua voz é um milagre, cheia de fluidez e graça, com notas agudas brilhantes, livres de quaisquer manchas ásperas, uma alegria de ouvir. Como Dr. Malatesta, o barítono Oliver Widmer aparece muito bem. Um Malatesta divertido e muito bem cantado. Norina é a soprano espanhola Isabel Rey, que oferece uma excelente performance vocal, lidando otimamente bem com suas coloraturas definitivamente cheias de vida. No geral, é uma audição maravilhosa e vale a pena ouvir. Divritam-se !!!!!

Donizetti – Don Pasquale

Don Pasquale – Ruggero Raimondi
Ernesto – Juan Diego Flórez
Norina – Isabel Rey
Dottor Malatesta – Oliver Widmer
Um notaro – Valeriy Murga

Chorus and Orchestra of the Opernhaus Zürich
Nello Santi – Maestro

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Mesa de Trabalho do Gaetano com ilustrações e nomes das suas operas.

Ammiratore

Richard Wagner (1813-1883) -Tristão e Isolda – Heger / Böhm / Kleiber / Rattle

A dupla FDPBach / Ammiratore orgulhosamente apresenta mais uma postagem em parceria, e de uma das mais belas óperas já compostas, “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner(1813-1883).

Poucas obras me impressionaram tanto em uma primeira audição quanto a abertura de “Tristão und Isolda”, uma das peças mais dramáticas, doloridas e belas já escritas na História da Música. Tive uma relação bem pessoal com essa ópera, foi a obra que me acompanhou em algumas ressacas por amor não correspondido. Quem nunca sofreu por um amor não correspondido? Ainda mais naquela fase confusa de nossas vidas chamada Adolescência.

Os anos passaram, a idade chegou, junto com os primeiros cabelos brancos, mas o impacto da obra continua o mesmo. Definitivamente, é uma obra atemporal.

Ammiratore, com seu incrível arsenal discográfico (confessou que tem dezessete gravações dessa ópera) escolheu a dedo quais iria postar. Dei minhas sugestões, sempre lembrando dos medalhões wagnerianos, aquelas gravações jurássicas, como René Denon as caracteriza. Dada a complexidade da discussão, na qual se discute qual é a melhor Isolda ou o melhor Tristão, se Furtwangler é superior a Karajan, se a gravação ao vivo em Bayreuth é mais impactante do que em estúdio, enfim, são tantas as variáveis que optamos em trazer várias opções, seguindo estas mesmas possibilidades.  Na verdade, este vem sendo o mote destas postagens wagnerianas, oferecer várias possibilidades de interpretação. Deixamos a cargo dos senhores escolher qual a que mais lhes satisfaz.

Esta ópera que é uma das mais belas realizações deste gênero é um marco dentro da história da música ocidental. Wagner criou um drama onde expõe de maneira simbólica os temas da própria criação humana: amor e morte, corpo e alma, determinismo e vontade – todos os contrários estão ai reunidos. A aspiração à morte libertadora, o culto à noite e a dissolução das almas na essência do universo. É uma obra com pouca movimentação cênica. Musicalmente é uma partitura de intenso lirismo e expressividade poética e é a mais ousada harmonicamente. A partir desta ópera o estilo de Wagner torna-se nitidamente contrapontístico, os temas se superpondo e se fundindo. “Tristan und Isolde” foi o divisor de águas entre a antiga e a nova harmonia, ao mesmo tempo, a porta de entrada para a atonalidade do século XX.

O casal Ludwig e Malwine Schnorr von Carolsfel em 1865

Baseando-se em uma antiga lenda medieval celta, escrita por Gottfried de Strasburgo no século XIII, o compositor criou o poema e musicou a ópera em praticamente três anos, a estreia da obra deu-se no Teatro da Corte de Munique, a 10 de junho de 1865 (a exatos 155 anos) com Hans von Bülow à frente da orquestra. Os primeiros Tristan e Isolda foram Ludwig Schnorr von Carolsfeld e sua esposa Malwine. Três semanas após a última apresentação da ópera, Ludwig morreu em Dresden. Muitos sentiram que a tensão do papel matou o cantor.

Depois de Lohengrin, ainda no exílio, entre 1851 e 1853, Wagner redigiu os libretos das quatro óperas que constituiriam a grandiosa tetralogia O Anel dos Nibelungos (Der Ring des Nibelungen), com base na mitologia germano-escandinava: O Ouro do Reno (Das Rheingdd), A Valqulria (Die Walküre), Siegfried e o Crepúsculo dos Deuses (Gotterdümmerung) . Nos anos seguintes, Wagner se ocuparia da elaboração da partitura das primeiras óperas que formam o ciclo do Anel, interrompendo esse trabalho em 1857, pois fervilhava em sua cabeça a música de “Tristan und Isolde”. Aliás, de 1854 até o final dessa década, Wagner viveria um período de grande agitação, tanto no plano intelectual e artístico – a descoberta da filosofia de Schopenhauer e das inovações harmônicas de Liszt – quanto no plano profissional, apresentando-se como regente em muitos concertos. No plano afetivo, por sua vez, Wagner iniciara, em 1853, um relacionamento com Mathilde Wesendonk, esposa de seu amigo e protetor Otto Wesendonk. Ao contrário da lenda, o envolvimento dele com Mathilde – mulher bela, sensível, culta e inteligente – não determinou a criação da partitura de “Tristan und Isolde”. Apenas funcionou como fonte de inspiração para o músico, dando-lhe forças para realizar seu trabalho criador. Wagner iniciou a elaboração de “Tristão und Isolda” em 1857, época em que fixou residência numa pequena casa construída especialmente para ele e Minna por Otto Wesendonk. Situada ao lado da mansão dos Wesendonk, em Zurique, era chamada carinhosamente de “refúgio” por Wagner. Ali compôs o primeiro ato de “Tristan” e musicou cinco poemas de autoria de Mathilde, peças que ficariam conhecidas sob a denominação de Wesendonk Lieder e que, musicalmente pertencem ao universo sonoro da ópera.

Dom Pedro II

Durante estes difíceis tempos de exílio e perseguição política, quando o dinheiro era escasso e o incentivo para continuar apenas como compositor era difícil, muito antes de o rei Ludwig se apressar em seu socorro e, finalmente, assumir a responsabilidade financeira, o compositor também teve o apoio de outros membros da realeza na Europa e no Novo Mundo. Vocês sabiam que o Pedro II, sim o Imperador do Brasil, era um entusiasta ávido por Wagner e um amante da música? Dom Pedro escreveu uma carta a Wagner manifestando seu interesse por ele escrever uma ópera para a Companhia Italiana no Rio de Janeiro. A oferta estipulava que Wagner poderia pedir qualquer quantia que ele desejasse. Dom Pedro ofereceu a ele uma suíte em seu palácio quando foi exilado da Baviera, e em um apelo manuscrito levou o compositor a terminar “Tristan und Isolde”. Dom Pedro o convidou para vir ao Brasil para estrear o novo trabalho. A oferta era tentadora, mas Wagner previa que os cantores de ópera italianos que atuavam por aqui em terras Tupiniquins apresentassem de forma incorreta o tipo de drama musical que ele estava prestes a escrever. Ele recusou a oferta. No entanto, as aberturas amigáveis de Dom Pedro moldaram sua resolução de trabalhar seriamente em “Tristan und Isolde”. O rei Ludwig, é claro, acabou financiando a estreia no Teatro da Corte Real de Munique. A orquestra era tão grande que alguns dos assentos na frente do teatro tiveram que ser removidos para acomodar todos os músicos.

Ludwig II

Na nossa despretenciosa tentativa de meros blogueiros ser metidos a psicólogos, ao tentarmos descrever, dramaticamente, a paixão intensa entre Tristão e Isolda e o modo de como os amantes do drama só conseguiram realizar-se no amor através da morte, percebemos que Wagner mostra sua própria versão para as ideias de Schopenhauer. Não sendo puramente físico, o amor seria uma forma de ir além da existência sensível, além da vontade de viver. Pelo amor e pela morte da existência individual, o claro e o escuro, Tristão e Isolda encontrariam a pacificação da vontade. Eles negam um mundo em que o amor que sentem um pelo outro não pode ser realizado, negam as condições de um mundo que inviabiliza a paixão entre os dois. Emancipando-se desse mundo, eles dão um passo além da vida, superam a própria vida e se unem, com a dispersão de suas identidades, em uma realidade superior. Está claro que existe um amor físico entre Tristão e Isolda, no entanto, não haveria efetivamente uma oposição excludente entre sensualidade e espiritualidade. Tristão e Isolda não se libertam dos sentidos de uma forma castradora, o que acontece é uma transfiguração do amor físico, uma espécie de sublimação da sensualidade.

Alguns Causos
A edição de 5 de julho de 1865 do “Allgemeine musikalische Zeitung” relatou: “ Sem mencionar as palavras, é a glorificação do prazer sensual, é o materialismo incessante, segundo o qual os seres humanos não têm um destino mais elevado do que desaparecer em odores doces, como uma respiração…. (Wagner) faz da própria sensualidade o verdadeiro sujeito de seu drama … Pensamos que a apresentação do poema “Tristan und Isolde” no palco representa um ato de indecência. Wagner não nos mostra a vida de heróis das sagas nórdicas que edificariam e fortaleceriam o espírito de seu público. O que ele apresenta é a ruína da vida dos heróis através da sensualidade. A paixão é profana em si mesma e sua representação é impura, e por essas razões nos alegramos em acreditar que tais obras não se tornarão populares. Se eles o fizeram, estamos certos de que sua tendência seria maliciosa e, portanto, há motivos para felicitar o fato de a música de Wagner, apesar de toda a sua habilidade e poder maravilhosos, repele um número maior de pessoas do que as que ele fascina.”

Conta-se que horrorizados com o erotismo, os homens na estreia da ópera retiraram suas esposas do teatro, e um padre foi visto se benzendo antes de se retirar apressadamente da apresentação, coisa de louco meu, bah.

O maestro Bruno Walter ouviu seu primeiro “Tristan und Isolde” em 1889 quando estudante e relatou: “Então, lá estava eu sentado na galeria mais alta da Ópera de Berlim no auge dos meus 13 anos, e desde o primeiro som dos violoncelos meu coração contraiu-se espasmodicamente … Nunca antes minha alma foi inundada por tanta paixão, nunca meu coração foi consumido por tal desejo e felicidade sublime … Uma nova época havia começado: Wagner era meu deus, e eu queria me tornar seu profeta.” Parece que conseguiu né ?

O Enredo
Lugar: a bordo de um navio, Cornualha e Bretanha
Época: período medieval

Como descrito acima Wagner completou a partitura em 1859, mas seis anos transcorreram antes que essa grande obra-prima tivesse sua estreia. Após repetidos adiamentos, foi levada à cena sob a batuta do brilhante maestro, Hans von Bülow, diante do jovem Rei Ludwig II da Baviera, o protetor de Wagner, e de uma plateia de personalidades notáveis. Embora as avançadas ideias musicais de “Tristão” ficassem fora do alcance do público, que a ouviu pela primeira vez, e dos causos contados, a ópera foi entusiasticamente aplaudida. Representou antes um artístico triunfo do que um sucesso popular.

A belíssima introdução que todos os amantes da música conhecem mostra, de forma eloquente, diversos motivos musicais da ópera. Começa com os temas da confissão do amor e do desejo, depois constrói o motivo da magia do olhar. Aumentando de intensidade, a música apresenta os motivos do filtro do amor, da poção da morte e do cofre mágico até o motivo simbolizando o desejo dos amantes pela libertação através da morte. O primeiro tema é novamente entrelaçado quando a música constrói um tremendo clímax, após o qual desce até um meditativo restabelecimento do motivo do amor-sofrimento-desejo.

O desenvolvimento dos atos foram baseados no livro “As mais belas óperas do Milton Cross” e os trechos da tradução do poema foram retirados do incrível site “agrandeopera”.

Ato 01
O convés do navio, no qual Tristão está trazendo Isolda da Irlanda para ser a noiva de seu tio, o Rei Marke da Cornualha. Vemos um pavilhão real erguido perto da proa do navio. Está decorado com luxuosas tapeçarias e fechado ao fundo. A um lado há um leito, onde Isolda, com 16 ou 17 anos, está reclinada. Seu rosto exprime raiva e desespero. Ela irá casar-se com o rei Marke, numa solução, após guerra, de pacificação entre os dois países. Na verdade, nessa viagem, ela é mais uma prisioneira. Brangäne, de pé perto da abertura da cortina, está olhando para o mar.

Do posto de vigia do mastro vem a voz de um marinheiro entoando uma marcante cantiga acerca de uma jovem irlandesa que ele deixou para atrás. As palavras soam aos ouvidos de Isolda como um escárnio, e ela se ergue do leito com uma exclamação de enfado por causa daquele suposto insulto. Impaciente, ela pergunta a Brangäne quanto falta para chegarem. Quando a dama de companhia responde que o navio atracará na Cornualha à noite, Isolda se entrega a amargas reflexões. Ela, descendente de poderosas feiticeiras que podem comandar os elementos, tem de se contentar em preparar poções mágicas para curar seu mais cruel inimigo. Num assomo de raiva, ela invoca os ventos e as ondas para destruir o navio, e todos que estão nele. Também ela deixou uma paixão, e agora é obrigada a aceitar um casamento imposto. Brangäne, muito abatida, tenta acalmar a fúria de sua senhora. Isolda exclama que está ficando sufocada, e ordena a Brangäne que abra as cortinas.

IsoldaRaça degenerada! Indigna de seus antepassados! Aonde, mamãe, deixaste teu poder de dominar o mar e a tempestade? O’arte doméstica da magia, que somente bebidas balsâmicas ainda fabrica! Desperta de novo em mim o audacioso poder; emerge-o do meu peito, onde ele se esconde!. Ouvi meus desejos, hesitantes ventos! Apareçam para o conflito e bramem a tempestade! Às furiosas tormentas, um raivoso redemoinho! Levantem do sono este mar sonhador. Despertem do abismo sua ânsia trovejante. Mostrem-lhe a presa que eu ofereço. Destruam este arrojado navio, e deixem as ondas devorá-lo em fragmentos despedaçados. E tudo que vive, suspira e respira a bordo, ventos, eu vos dou como recompensa!
Brangäne Oh, desgraça! Ah! Ah! Aí tens o mal que eu pressenti, Isolda! Senhora! Caro coração! Que me tens ocultado por tanto tempo? Por teu pai e tua mãe, tu não derramaste uma lágrima. Quase não deste um adeus àqueles que abandonaste. Tu te separaste da Pátria, fria e muda; tu, sempre pálida e silenciosa, durante a travessia; sem dormir, sem tomar alimento, embirrada e infeliz, rude e inquieta. Como tenho de suportar ver-te assim; não ser mais nada para ti; comportar-me perante ti como uma estranha! Oh, dize-me agora, qual é o teu problema? Dize, abre-te comigo, o que te atormenta? Ama Isolda, graciosa e querida! Se Brangäne pode se considerar digna de ti, abra- te com ela!
Isolda – Ar! Ar! O coração me sufoca. Abre! Abre tudo lá!

Uma grande parte do convés principal torna-se visível agora. Marinheiros estão entregues às suas tarefas; homens armados estão sentados por toda parte. Entregue a seus pensamentos, Tristão está afastado, olhando para o mar. Kurvenal está sentado perto dele. A voz invisível é ouvida outra vez, entoando sua cantilena com seu característico motivo marinho. Isolda fixa os olhos em Tristão, desdenhosamente notando que aquele fabuloso herói, que tem apenas a morte no coração, perde a coragem diante dela. O sombrio motivo da morte parece ameaçar suas palavras. Ela pede a Brangäne que informe a Tristão que deseja vê-lo, e que isso é uma ordem, não um pedido.

Com o motivo do mar soando em um ritmo forte e marcante na orquestra, Brangane temerosamente se aproxima de Tristão, que sai de seu devaneio por uma palavra de advertência de Kurvenal. Brangane dá-lhe o recado. Cortesmente, Tristão responde que, quando o navio ancorar, ele terá orgulho de ter cumprido sua tarefa e entregará Isolda ao Rei Marke. Acrescenta que, naquele momento, não pode deixar o leme. Asperamente, Kurvenal interrompe para observar que o cavalheiro Tristão não é um homem que possa receber ordens de uma mulher. Entoa um insolente refrão ( “Herr Morold zogzu Meere her ” ) , no qual, sarcasticamente, relata como Morold, o senhor irlandês que ia desposar Isolda, tentou cobrar tributo na Cornualha. Por causa desses desmandos, o bravo Tristão cortou-lhe a cabeça e mandou-a para a Irlanda, especificamente para Isolda. Os marinheiros repetem alegremente o refrão.

Kurwenal Que diga isto à senhora Isolda! Aquele que dá a herança da Inglaterra e da Coroa da Cornualha à filha da Irlanda, não pode ser o vassalo da nobre donzela, pois que ele a deu, ele mesmo, ao seu tio. Um Senhor do Mundo, Tristão, o herói! Eu o proclamo: diga isto, mesmo que se ressintam com minhas palavras, até mil senhoras Isoldas! “Senhor Morold atravesse o mar até aqui e venha recolher tributo da Cornualha; uma ilhazinha flutua sobre o mar deserto, é aquela lá que dorme agora em terra, mas vossa cabeça remanesceu enforcada no país da Irlanda, como tributo pago pelo país dos Ingleses. Hei! Nosso herói Tristão, como podes pagar ainda tributo!

Raivosamente, Brangäne sai, enquanto Tristão tenta acalmar seu escudeiro. Fechando as cortinas atrás de si, Brangäne volta a entrar no pavilhão, relatando a Isolda a recusa de Tristão e o insulto de Kurvenal. Em fúria, Isolda lembra os fatídicos acontecimentos na Irlanda. Tristão, gravemente ferido na luta com Morold, foi à Irlanda para ser tratado pelas artes mágicas de Isolda. Ele se intitulou Tantris, mas Isolda logo descobriu sua verdadeira identidade. Ela notou que um pedaço fora perdido no fio da espada de Tristão, e que um fragmento do aço, tirado da cabeça de Morold, se encaixava exatamente na lâmina da espada. Assim, Isolda tirou a espada da mão do ferido Tristão, resolvida a matá-lo como vingança. Mas o cavalheiro olhou-a nos olhos, tirando-lhe a determinação de matar. Mesmo sabendo que estava em suas mãos eliminá-lo, não o fez porque, em verdade, já começara a se apaixonar por ele. Isolda restituiu a saúde do cavalheiro e mandou-o de volta para a Cornualha. Curado, Tristão confessou-se eternamente grato, e, lacônico, procurou não deixar escapar uma só palavra de simpatia, ternura e muito menos amor por Isolda, muito embora a apreciasse. Esse grande herói pagou o carinho dela, prossegue Isolda sardônica, voltando para levá-la como noiva para seu velho tio, o Rei Marke. Furiosa, Isolda reprova a si mesma por ter demonstrado piedade por Tristão.

IsoldaEu entendi tudo; nenhuma palavra dele me escapou. Tu percebeste a minha vergonha, então ouve, agora, o que tem valor. Como eles riem e cantam suas canções para mim, eu poderei também lhes falar de um pequeno escaler, sem valor e necessitado, que vagueava nas costas da Irlanda. Ele lá tinha dentro, consumido pela enfermidade, um desafortunado em vias de morrer. A arte de Isolda foi dele conhecida; com unguentos e bálsamos, ela tratou com cuidado fielmente a ferida. Por precaução, ele usou de astúcia fazendo-se passar por Tantris, mas Isolda logo reconheceu que ele era Tristão, porque, na espada do enfermo, ela descobriu uma fenda, onde exatamente se ajustava um estilhaço que sua hábil mão havia achado há pouco na cabeça do cavaleiro da Irlanda, que ele lhe tinha enviado por desprezo. Um grito surgiu do mais profundo do meu ser. Empunhando a espada, na claridade, eu me armei diante dele, para nele vingar, nele o insolente, a morte do senhor Morold. De seu leito ele olhava tão-só para mim, não para a espada, não para a mão que a brandia no ar – ele me olhava ternamente nos olhos. Sua aflição me deu piedade e compaixão; a espada eu a deixei cair! A ferida que Morold havia feito, eu a curei, que ele são e saudável pode retomar para casa – e não fui mais atormentada pelo seu olhar!
BrangäneO prodígio! Onde estavam meus olhos? O hóspede, a quem uma vez eu ajudei a tratar?
Isolda – Tu acabas de ouvir sua louvação: “Ei, nosso herói Tristão” – Era esse homem, agora desapiedado. Ele me fez mil juramentos de reconhecimento e fidelidade eterna! Escuta agora como um herói tem palavra! O Tantris que eu deixei partir, sem querer o reconheço sob o nome de Tristão. Revejo-o aqui insolentemente, sobre um arrogante navio de alto bordo, ele demandando em casamento a herdeira da Irlanda para o rei cansado da Cornualha, para Marke, seu tio. Tivesse Morold vivido, teria ele ousado nos infligir tamanha afronta? Maquinar a coroa da Irlanda para um tributário, o príncipe da Cornualha! Oh, miséria para mim! Sou eu mesma que do fundo do coração sou atirada a esse ultraje. A espada vingadora, ao invés de a brandir e estocar, sem força, eu a deixei cair. E agora sirvo ao vassalo!

Brangäne tenta acalmar e consolar Isolda, dizendo que, como noiva do Rei Marke, será depois Rainha de um vasto reino. Isolda trai seus verdadeiros sentimentos quando fala do tormento de viver perto de Tristão um amor sem recompensa. A leal, mas ingénua Brangäne, percebendo que Isolda está preocupada com o sucesso de seu casamento, logo lhe assegura que os filtros mágicos feitos pela mãe de Isolda certamente trarão a felicidade conjugal.

BrangäneQuando a paz, a reconciliação e a amizade são juradas para todos, cada um se regozija nesse dia; como eu poderia saber que tudo isso te levaria ao pesar?
IsoldaÓ olhos cegos! Ó coração fraco! Mansa coragem, silêncio desalentado! Como outra pessoa Tristão se vangloria do que eu tinha ocultado! Aquela que em silêncio lhe havia dado a vida, que por seu silêncio o havia livrado da vingança do inimigo, este mutismo que o havia protegido por sua saúde, ele o sacrificou, e a ela agora paga esse preço. Arrogante de sua vitória, curado, magnífico, com voz clara e alta ele me descreveu: “Ela será um tesouro, meu tio e senhor. Que podeis melhor esperar para vossa esposa? A beleza irlandesa, eu vos trarei; atalhos e caminhos me são bem conhecidos; um sinal e eu corro velozmente à Irlanda. Isolda, ela vos pertencerá. A mim essa aventura sorri!” Maldito sejas tu, infame! Maldita seja tua cabeça! Vingança! Morte! Morte para nós dois!

Isolda, obcecada por pensamentos de vingança e morte, ordena a Brangäne que traga o cofre contendo os preparados de sua mãe. Ela pega o frasco de veneno e diz a Brangäne que é a única poção mágica que deseja. A ama fica apavorada. Enquanto isso, ouve-se um forte barulho no convés quando os marujos preparam o navio para atracar. Kurvenal irrompe no pavilhão, dizendo a Isolda que seu senhor pede-lhe que se apronte para saudar o Rei Marke. Friamente, Isolda retruca que, antes de Tristão levá-la ao Rei, deverá primeiro pedir desculpas pela sua conduta deplorável. Asperamente, Kurvenal promete informar Tristão a respeito.

Em grande desespero, Isolda pensa em suicídio. Fervorosamente, ela abraça Brangäne, para em súbita resolução, e depois ordena a Brangäne que prepare a taça de veneno. Diz que Tristão beberá com ela a bebida da morte. Quando Brangäne tenta dissuadi-la, Isolda responde com um terrível sarcasmo. Na verdade, diz ela, sua mãe lhe deixou úteis beberagens. Uma, mais do que todas, vai livrá-la de seu pior sofrimento: a poção da morte. Com crescente intensidade, Isolda canta o motivo da morte. Quando ela ordena a Brangäne que prepare a bebida, entra Kurvenal a fim de anunciar Tristão.

Isolda Poupa-me tu mesma, serva infiel! Não conheces a arte de minha mãe? Pensas tu que ela, que so pesa tudo com sabedoria, me enviou contigo à terra estrangeira sem me dar conselho? Para a dor e feridas, ela me deu os bálsamos; para os venenos malignos, os contravenenos; para a mais profunda dor, para o mais profundo sofrimento, ela me deu o filtro da morte. Que com a morte, agora, lhe rendamos graças!

O motivo de Tristão soa na orquestra. Calmamente, o cavalheiro entra no pavilhão, saudando Isolda com as palavras “Nobre dama, o que deseja?” . Em resposta, Isolda observa rudemente que o nobre Tristão evidentemente esqueceu as principais regras da cavalaria: reparar os erros cometidos e perdoar seus inimigos. Lembra-lhe que o sangue derramado entre eles ainda não foi detido. Furiosamente, condena-o por seu leviano assassínio de Morold, e jura que ela ainda se vingará.

TristãoEm campo aberto, na presença de todo o povo, um juramento de esquecimento e de paz entre nossos países foi celebrado!
IsoldaEssa celebração, particularmente, não ocorreu entre nós, quando eu ocultei Tantris, e Tristão rendeu-se a mim. Lá ele se portou como um cavalheiro, sublime e coerente; mas, aquilo que ele jurou a mim, eu não o jurei: eu simplesmente aprendi a guardar silêncio. Quando ele ficou doente naquele tranquilo quarto, muda, com a espada à mão, eu me postei diante dele: eu segurei minha língua, eu retive minha mão… embora um dia com mão e boca eu tenha jurado em silêncio de o ter. E agora eu vejo a hora de por termo ao meu juramento.
TristãoQue juramento, Senhora?
IsoldaDe vingança por Morold!

Com grande dignidade, Tristão lhe oferece sua espada. Em gélido desdém, Isolda observa que o Rei Marke dificilmente receberia como noiva a assassina de seu mais caro cavalheiro. Então, fingindo esquecer pensamentos de vingança, pede a Tristão para beber a taça da paz com ela. O coro dos marinheiros quebra a atmosfera da cena. Com um gesto de impaciência, Isolda ordena a Brangäne que lhe traga a bebida. Suavemente, Tristão expressa seu pressentimento sobre o destino que espreita ambos naquela taça. Ele logo compreende que, na bebida, há veneno; com firme resolução, a aceita. Brangäne, naturalmente sem que Isolda o soubesse, em vez do filtro da morte pusera no vinho o filtro do amor. Isolda oferece-lhe a taça, dizendo sarcasticamente que Tristão agora poderá dizer a seu senhor que bebeu a taça da amizade com sua bela noiva, que lhe salvou a vida. Confuso e chocado, Tristão nervosamente grita uma ordem para os marinheiros, depois pega a taça. Com uma vibrante frase de desespero e resignação, ele bebe. Isolda espera um momento, depois arrebata-lhe a taça das mãos, bebe, e a atira longe. Ambos ficam parados como em êxtase, enquanto o tema de amor começa sussurrante na orquestra. Com a música crescendo em intensidade, olham um para o outro como enfeitiçados. Com gritos apaixonados, correm um para os braços do outro. De outra parte do navio vem um coro de marinheiros aclamando o Rei Marke. Brangäne, observando os enamorados, lamenta sua terrível astúcia de substituir a poção da morte pelo filtro d o amor. Esquecidos de tudo, Isolda e Tristão confessam seu amor um pelo outro.

Tristão Isolda!
IsoldaTristão!
TristãoA mais doce das mulheres!
Isolda O mais querido dos homens!
AmbosComo nossos corações se excitam e fervem! Como todos os nossos sentidos estremecem de felicidade! Floração desabrochada do desejo do amor, ardor delicioso da languidez do amor. Desejo ardente jorrante do coração! Isolda! Tristão! Arrebatai o mundo todo aqui para mim! Eu não tenho consciência de mais nada, só de ti, suprema volúpia do amor!

Enquanto todos os homens a bordo aclamam o Rei Marke em um poderoso coro, Tristão continua inexplicavelmente olhando para as margens. Rapidamente, Brangäne coloca o manto real sobre os ombros de Isolda. Em súbito terror, Isolda lhe pergunta: “Ah ! Qual foi a poção?“. Quando Brangäne responde que foi a poção do amor, Tristão e Isolda gritam em uma mistura de êxtase e desespero.

Ato 02

O jardim do palácio do Rei Marke na Cornualha. A breve introdução e dominada pelo agitado tema da preocupação. É noite. Uma tocha brilha na entrada dos aposentos de lsolda, fora de um balcão ao fundo. Vê-se ao lado uma floresta escura, com grandes árvores no parque do castelo do rei. As trompas de caça do Rei Marke soam a distância. Brangane olha apreensiva para a floresta, depois se volta para a porta de entrada. lsolda entra agitada. Perdida de paixão, ela canta sua impaciência por estar nos braços de Tristão. Brangane, cheia de remorso e medo por causa de seu ato, em vão tenta trazer lsolda a razão. Adverte que Melot, cavaleiro do rei, embora passando por amigo, esta planejando alguma traição, e que aquela caçada é parte de seu plano diabólico, pois descobriu que a caçada não passa de um pretexto, arquitetado por Melot, apaixonado por Isolda, para surpreender Tristão em infidelidade ao Rei com a rainha. Mas lsolda ri de seus temores, e ordena-lhe que apague a tocha como um sinal de que Tristão está se aproximando. Quando Brangäne protesta, lamentando amargamente a troca da poção do amor, lsolda canta que foi o destino quem reuniu ela e Tristão. Impetuosamente, ela atira a tocha no chão, enquanto o tema da preocupação percorre a orquestra. Brangäne, perturbada e inquieta, sobe os degraus de uma torre, onde ficará de vigia, e avisara os amantes da volta do Rei Marke e seus caçadores.

BrangäneSe o filtro pérfido de Mina (Frau Minne, personificação do amor na poesia germânica) extinguiu a luz de tua razão, se não podes compreender minhas advertências, escuta hoje, ao menos, minha súplica. Não apagues nesta noite, tão somente nesta noite, a tocha salvadora, a luz que ilumina o perigo.
IsoldaA que inflama o fogo em meu peito, que abrasa meu coração e me sorri como a aurora que espera a alma; Senhora Mina quer que venha a noite para resplandecer ali, onde tu luz a afugentas… e tu a vigias! Vigia-a em alerta! A tocha – assim foi a luz de minha vida – não temeria extingui-la rindo!

lsolda olha arrebatada para as muralhas, e agita esperançosa seu lenço, enquanto o motivo do lenço simbólico acompanha seus movimentos. A música cresce selvagemente quando ela vê Tristão e o aponta em arrebatada excitação. Nesse ponto de clímax, entra Tristão. Eles se abraçam em grande êxtase e cantam, em tons exultantes, o milagre de seu amor. O arrebatamento de suas declarações apaixonadas gradualmente decresce. Lentamente, Tristão leva lsolda para um suave declive de relva. Olhando um nos olhos do outro, cantam o magnifico dueto de amor.

IsoldaMas o dia, afugentado, se vingou, conjurando-te com tuas próprias culpas: o que te revelara assim a noite crepuscular, tiveste que entregá-lo ao astro do dia, para que sob seu poder real vivesses solitário e reluzente, com ermo esplendor. Ah, como pude suportá-lo! Como pude todavia conformar-me?
TristãoOh, estávamos, pois, consagrados à noite! O pérfido dia, sempre invejoso, podia separar-nos com seus ardis, porém já não logrará enganar- nos com sua falácia. De seu vão fulgor, de seus altivos resplendores, defrauda- se a olhadela que se consagrou à noite. Seus fugitivos raios de luz tremelicantes já não podem cegar nossos olhos. Para quem ama a noite da morte, e recebe em confidência seu profundo mistério, se esfumam as mentiras do dia, a glória e a honra, a riqueza e o poder, deslumbrantes como o pó fugaz de um raio de sol. Entre M2 0 as vãs quimeras do dia, só prevalece um desejo: a aspiração à sagrada noite, em que sorri a verdade eterna e única, o êxtase do amor. Ó noite de arrebatamento que desce sobre nós, noite de amor.
IsoldaO noite de encantamento que desce sobre nós, noite de amor,
TristãoDá-me o esquecimento para poder viver.
IsoldaDá-me o esquecimento para poder viver.
TristãoAcolhe-me em teu seio.
IsoldaAcolhe-me em teu seio.
TristãoLiberta-me do mundo!
IsoldaLiberta-me do mundo!
TristãoJá se extinguiram os últimos fulgores;
IsoldaEnquanto pensávamos, enquanto sonhávamos,
TristãoTudo de nossas saudades,
IsoldaTudo de nossas imagens,
AmbosPressentimento sublime do sagrado crepúsculo, anseio da ilusão, tu apagas o horror da loucura e nos libertas do mundo.
IsoldaSe o sol se obscureceu em nossas almas, agora luzem sorridentes as estrelas do deleite.
TristãoDocemente enlaçados pelo seu encanto, transfigurados diante de seus olhos.
IsoldaMeu coração no teu coração, minha boca na tua boca…

São interrompidos pela voz de advertência de Brangäne, vem da torre (“Solitária velo na noite! Vós outros, para quem sorri o sonho do amor, prestai ouvido à voz que pressagia a desdita dos adormecidos, e temerosa exorto-vos a despertar. Tende cuidado! Tende cuidado! Atenção! Alerta! Logo, logo, evade-se a noite!“). Outra vez ela avisa, e mais uma vez em vão. Tristão e Isolda prosseguem seu dueto. Na intensidade de sua paixão, gritam pela morte, de modo que possam ficar unidos para sempre, fora do alcance do mundo. A noite é de encantamento, propícia ao par de amantes, que maldizem o dia, quando não podem aparecer juntos.

IsoldaDeixa que a morte vença o dia!
Tristão Arrostaremos as ameaças do dia?
IsoldaEvitar para sempre sua mensagem.
TristãoSem que nunca nos angustie sua aurora?
IsoldaEnvolva-nos a noite por toda a eternidade!
Tristão segura Isolda, abraçando-a com exaltação enquanto cantam em êxtaseOh, doce noite! Eterna noite! Augusta e sublime noite de amor! Aquele a quem tu amparas e para quem sorris, como poderia despertar sem angústia fora de ti? Morte propícia, dissipa inquietudes e temores! Oh, morte de amor, ardentemente desejada! Recebemos o teu abraço, entregues a ti, ao calor do teu sagrado sono, redimidos das misérias do despertar. Como alcançá-lo? Poderíamos renunciar a tal delícia? Longe do sol, longe do lamento que geme no dia! Suave aspiração sem quimeras vacilantes, doce anseio sem angústia, sublime morrer sem agonia, benignas trevas sem enfraquecimento! Sem separação nem fuga, íntima solidão na morada eterna! Sobre-humanos sonhos através do infinito espaço! Tu, Isolda; eu, Tristão! Já não somos Tristão nem Isolda! Sem nomes que nos separem! Uma nova essência! Uma nova chama ardente!… Sem fim! Um só ser pela eternidade! Uma consciência! Um coração abrasado no supremo deleite do amor!…

A torrente da música de amor para subitamente no seu auge. Um ríspido acorde soa na orquestra. Brangäne grita de terror. Kurvenal corre, lançando um grito de advertência a Tristão. Depois, o Rei Markee seus caçadores, capitaneados por Melot, entram. Brangäne corre para o lado de Isolda. Tristão se levanta e fica de pé diante dela, escondendo-a com sua capa. Por um longo momento, ninguém se move nem fala, enquanto na orquestra se mesclam suavemente os motivos da transfiguração do amor e do amanhecer.

Tristão é o primeiro a quebrar o silencio, murmurando (“Pela última vez o dia esteril“). Melot exulta que sua astucia teve sucesso em surpreender os amantes. O Rei Marke se volta para Tristão com uma torrente de ásperas reprovações por ter traído sua amizade e sua honra. Em grande confusão, ele pergunta por que o destino se abateu tão duro sobre ele.
MarkeIsto a mim, Tristão? Onde está a fidelidade, se Tristão me enganou? Que se fizeram da honra e da lealdade, posto que as perdeu Tristão, guardião de toda a honra. A virtude que o elegera por escudo, onde está ela então abalada, posto que ela se foi e com ela meu amigo, por quê Tristão me traiu? Com que finalidade os inumeráveis serviços, honras e glórias, grandeza e poderio por ti conquistados para Marke, se tão altos favores haveriam de ser pagos com tua afronta? Desdenhaste sua gratidão, já que tudo quanto o havias conquistado, fama e reino, te legava em herança e patrimônio!

Para essa pergunta, diz Tristão dolorosamente, não ha resposta. Pergunta a lsolda se ela está pronta a segui-lo a terra negra da Noite, para onde ele irá agora. Quando lsolda responde afirmativamente, Melot grita que ele vingara esse insulto final ao Rei. Sacando sua espada, desafia Tristão, que aceita com gélido desdém.

MelotAh, traidor! Vingança, Rei! Deves tu sofrer este ultraje?
TristãoQuem arrisca sua vida contra a minha? Este aqui era meu amigo e dizia que me amava muito e fielmente; com seu afeto por mim logrou conquistar-me como nenhuma fama e honras.. Impulsionava meu coração ao orgulho e guiou muita gente para me induzir a compelir-me a te buscar para desposar-te com o monarca, aumentou, assim, minha soberba gloriosa. Teu olhar, Isolda, também o deslumbrou…Ciumento, o amigo me traiu com o rei a quem eu atraiçoei! Defende-te, Melot!

Ele ataca Melot, mas depois deixa deliberadamente que seu adversário o fira. Kurvenal e lsolda correm para Tristão quando ele cai ao chão, enquanto o Rei Marke detém o feroz Melot. O motivo do Rei Marke é entoado enquanto a cortina se fecha.

Ato 03
O pátio rochoso do castelo de Tristão em Kareol, na Bretanha. Ao fundo há uma torre de vigia dominando a vista de uma vasta porção do oceano. Antes da cortina se abrir há um breve prelúdio, no qual o tema do sofrimento e do desejo se combina com o lamentoso lema da desolação. O prelúdio do terceiro ato nos envolve no ambiente da ação. Sua linha melódica grave, profunda, sombria e de desolação comove intensamente. Desde os primeiros compassos, a música lamenta a dor da solidão, o pranto da ausência, a nostalgia incurável. O primeiro violino, associado ao timbre das trompas canta um tema de índole muito diferente por sua ondulante e doce linha melódica, desenvolvida em progressão. E uma frase altamente expressiva, de agudo, de queixume e de dor. Ao extinguir-se a voz dos violinos, começa a melodia triste do pastor, larga frase de 42 compassos, desenvolvida pelo corne inglês, interno. Este amplo solo, sem harmonização alguma – como tampouco se achava harmonizada a canção do marinheiro, inicial do drama -, confiado ao timbre de queixume e rústico do instrumento que o executa, é todo poesia e desolação. Dor melancólica feito música, a alma da natureza triste, do romântico e abandonado castelo, do mar, da paisagem, da solidão.

Tristão, gravemente ferido, jaz num tufo de relva. Kurvenal está a seu lado, observando-o atentamente. De trás das muralhas vem o som triste e melancólico de uma flauta de um pastor. Logo depois, surge o jovem pastor e pergunta se Tristão ainda está adormecido. Kurvenal responde tristemente que acorda-lo será apenas trazer-lhe a morte. Pede ao pastor que vigie atentamente qualquer sinal de navio no horizonte e o informe mudando sua triste canção para tons alegres quando uma embarcação for avistada.

O Pastor Kurwenal! Olá, Kurwenal! Diz- me, bom amigo! Se ele despertou?
KurwenalSe ele despertasse só seria para nos abandonar para sempre…A menos que chegasse antes a única salvadora que pode socorrer-nos. Não tens visto nada ainda? Nenhum navio no mar?
O PastorOutra melodia terias ouvido, a mais alegre que sei. Dize-me agora com franqueza, velho amigo, o que aconteceu a nosso senhor?
KurwenalNão me perguntes! Nunca poderás sabê-lo…Vigia atento e se vires um navio toca uma melodia viva e alegre.
O PastorVazio, deserto está o mar!

Tristão volta a si, e em resposta as suas perguntas confusas Kurvenal explica como eles vieram até o castelo de Tristão, já que, após o duelo, ele transportou seu senhor para o navio que os trouxe para casa. Ali, na sua terra natal, assegura-lhe Kurvenal, seus ferimentos logo se curarão. Mas Tristão agora está delirando, chamando freneticamente por Isolda, e injuriando contra a luz do dia, a qual associa sua perdição.

Kurwenal Ah, como vieste? Não foi a cavalo. Conduziu-te um barco e até ele foste em meus ombros. Amplas ainda são as costas que te levaram até à margem. Agora estás em tua propriedade, em tua verdadeira pátria, na terra natal, em teus próprios prados, no ditoso país, ensolarado pelo velho sol. Aqui sararás felizmente de tua ferida e escaparás da morte.
TristãoAssim o crês? Eu sei que será diferente, porém não posso explicar-te. Lá onde acordei eu não me detive, mas, onde me encontrei, não posso te dizer. Eu não vi o sol, nem terra, nem povo. Todavia o que eu vi eu não posso te dizer. Eu estive onde desde sempre eu estive, para onde eu ainda vou: ao vasto império da noite universal. Lá só se possui um conhecimento: o divino, o eterno e primitivo esquecimento. Como se desvaneceu tal presságio? Pressentimento do desejo, de novo me impeles até à luz do sol? Só conservo a ardente chama do amor que me impulsiona desde a sombra deliciosa da morte a contemplar a luz enganosa, clara e dourada, que brilha todavia para ti, Isolda! Isolda permanece, todavia, no reino do sol! Entre o fulgor do dia encontra- se ainda Isolda! Que desejo angustioso e ardente de vê-la! Então poderão fechar-se diante de mim as portas da morte, que agora se me abrem amplamente de novo. Elas surgiram sob os raios do sol! Com clara e desperta revista, surgindo da noite, hei de buscá-la, vê-la, encontrá-la.. Unicamente perecer e consumir-se nela, seja-o concedido a Tristão. Ai, sinto crescer em mim o tormento feroz do pálido, angustioso dia! Seu astro penetrante e falaz desperta meu cérebro ao engano, à ilusão! O’ dia! Malditos sejam teus resplendores! Velarás eternamente sobre minha tortura? Arderá para sempre a tocha que ainda na noite me afastava temerosamente dela? Ah, doce e terna Isolda! Quando, ai, quando extinguirás a tocha, anunciando-me a felicidade? Quando expirará a luz? Quando descerá a noite sobre tua morada?
Kurwenal – Aquela a quem eu ultrajei um dia, em razão da minha fidelidade a ti, anseio agora vê-la aqui, tanto quanto tu mesmo… Crê em minhas palavras. Aqui a verás, certamente ainda hoje. Se ainda vive, poderá oferecer-te esse consolo.
Tristão – Todavia não se extinguiu a luz! Ainda não penetrou a noite em tua morada! Isolda vive e vela! Chama-me desde o sono da noite!

Quando ele se acalma de novo, Kurvenal lhe conta que enviou um servo a Cornualha para trazer Isolda, pois ela já o curou uma vez e poderá fazer o mesmo agora. Em comoventes frases, Tristão expressa sua gratidão pela lealdade de Kurvenal, tendo compartilhado com ele alegria e dor, e até mesmo traição. Apenas uma coisa seu leal amigo não pode dividir com ele: o terrível sofrimento de amor no seu coração. Em fervorosa agitação, Tristão imagina que o navio de lsolda está se aproximando.

KurwenalJá que vives, deixa sorrir a esperança! Ainda que eu te pareça torpe, hoje não repreenderás Kurwenal.. Jazias como morto desde o dia em que te feriu o malvado Melot. Como curar a funesta ferida? Ainda ignorante, imaginei que quem soube fechar a chaga causada por Morold, curaria também a ferida aberta pela espada de Melot. Encontrei essa benéfica mão, a melhor médica, e enviei a Cornwall um homem fiel que em seu navio trará ainda hoje Isolda.
TristãoIsolda vem! Isolda chega! Oh, fidelidade nobre e sublime! Oh, Kurwenal, meu amado amigo de lealdade inquebrantável! Como poderá Tristão te agradecer? Eras meu escudo e muralha no combate, compartilhando sempre comigo sofrimentos e alegrias. Odiaste a quem me aborrecia, amavas a quem eu amava. Servi, solícito, ao bom Marke, e para ele foste mais fiel que o ouro. Traí o nobre senhor e tu logo o traístes sem vacilar. Não te pertences, és unicamente meu. Porém ainda que sofras se eu sofro, o que eu padeço agora não podes tu sofrê-lo. Oh, se eu pudesse dizer-te qual é o terrível desejo que me abrasa, a ardorosa languidez que me devora, se pudesses compreender tal martírio, não permanecerias aqui. Correrias, voando até a vigia, e ansioso, aguçando teus sentidos, espiarias o mar para divisar bem longe as velas que se inflamam ao vento, lá onde Isolda navega para chegar a mim, impulsionada pela ânsia abrasadora do amor! Avança até lá! Chega lá com intrépida rapidez! Ondeia o cortinado sobre o mastro! O navio, o navio! Roça os escolhos! Não o vês? Kurwenal, não o vês?

Tenta erguer-se, mas cai para trás exausto. Ouvindo o som sombrio da flauta do pastor, ele murmura que ouviu seu dobre de finados, da mesma maneira que na morte de sua mãe e seu pai, e que aquele refrão está entrelaçado com seu próprio destino. Outra vez, a loucura da dor toma conta dele e, num espasmo de angustia, amaldiçoa o filtro do amor. Gritando desesperado que o navio está se aproximando, implora a Kurvenal para chegar até a muralha. Quando Kurvenal, profundamente triste, tenta acalma-lo, o som da flauta do pastor muda para uma alegre e brilhante melodia. Trisão ordena-lhe que vá buscar Isolda.

TristãoO navio. Não o vês ainda?
KurwenalO navio? Certamente, já se aproxima; não tardará..
Tristão – Nele Isolda me saúda! Brinda amavelmente por nossa reconciliação! Não a vês ? Tu ainda não a vês? Como ela, feliz, majestosa e com doçura cruza os campos do mar! Suavemente vem luminosa para a terra, sobre afáveis ondas de deliciosas flores. Seu sorriso procura me dar consolo e doce repouso. Traz para mim o supremo bálsamo. Ah, Isolda! Isolda! Quão formosa és! E tu, Kurwenal, como não a vês? E a vigia acima, pícaro inútil! É possível que não percebas o que eu vejo tão claro e luminoso? Não me ouves? Pronto, sobe até a vigia! Estás já em teu posto? O navio! O navio de Isolda! Deves vê-lo! Não o vês ainda?
KurwenalO’encanto! O’ alegria! O navio! Do norte eu o vejo aproximando-se!
TristãoNão o sabia? Não o disse? Que ela ainda vive, ainda tece para mim a vida? Como poderia falar-se Isolda fora do mundo, se todo este mundo é ela?
KurwenalAh, que valente navega o barco! Enchem-se suas velas com força poderosa! Como avança, veloz! Voa!
Tristão O pavilhão? O pavilhão?
KurwenalA bandeira está flutuando no mastro, alegre e brilhante!
TristãoDa alegria! No dia luminoso, Isolda vem a mim. Tu próprio a vês?

Salvador Dali, 1944

Em um paroxismo de êxtase e dor, Tristão se ergue, arranca suas bandagens e tenta se firmar de pé. Surge lsolda, chamando por ele, enquanto o motivo do amor ardente soa em um grande crescendo. Tristão cai-lhe nos braços. Depois, ternamente sussurrando seu nome, ele morre. Isolda, atônita, ajoelha-se ao lado de seu cadáver. Amargamente, lamenta que a morte lhe tenha roubado a felicidade dessa união. Cai desmaiada ao lado de Tristão.

IsoldaAh, Tristão!
TristãoIsolda!
IsoldaAh! Sou eu! Sou eu.. amadíssimo e dulcíssimo amigo! Levanta-te! Escuta mais uma vez minha voz! Isolda te chama! Isolda veio, fiel, para morrer com Tristão! Por que permaneces mudo para mim? Agora, uma hora; somente uma hora fica comigo desperto! Velei tantos dias angustiosos para velar contigo um instante! Enganará Tristão a Isolda, no momento supremo do eterno reencontro? Enganará Isolda, a enganará Tristão, nessa única e eterna brevidade, no último momento da felicidade terreal? A ferida! Onde está? Deixa-me curá-la, para compartir contigo as excelsas delícias da noite! Não! Não sucumbas a tua ferida! Não morras! Unamo-nos e extinga-se em nós juntos a luz da vida! Apagou-se tua vista? Rígido o coração! (Tristão infiel, por que me atormentas) Não é o fugitivo alento de um suspiro! Há de permanecer em tua presença, soluçando, quem cruzou o mar, intrépida, para desposar-se contigo no deleite? Demasiado tarde! Cruel, tão duramente me castigas? Sem piedade para minha dolorosa culpa? Só um instante, .um instante ainda! Tristão.. escuta.. desperta.. amado!

Kurvenal, que viu tudo, aterrado, é chamado à atenção pela advertência do pastor de que outro navio está chegando. Olhando para o mar, Kurvenal reconhece o navio do Rei Marke. Apressadamente, ele e o pastor tentam barricar o portão de entrada do pátio. Um momento depois, há uma confusão de sons, e o barulho de espadas debaixo da muralha. Ouve-se Brangäne chamando por Isolda. Melot se precipita, e Kurvenal o mata com uma estacada. Quando o Rei Marke e seu séquito retiram a barricada, Kurvenal ataca-o furiosamente. Enquanto eles estão lutando, Brangäne se dirige até Isolda. Logo depois, Kurvenal, fatalmente ferido, se arrasta até Tristão, e cai morto. O Rei Marke olha para a cena, murmurando tristemente.

Marke Todos estão mortos! Meu Tristão! Meu herói! Amadíssimo amigo! Também hoje me atraicionarás quando venho demonstrar-te minha lealdade suprema? Desperta! Desperta aos meus lamentos!

Isolda volta a si. Brangäne explica-lhe que ela confessou ter trocado a poção do amor, e que, quando o Rei Marke ouviu sua história, veio a toda pressa da Bretanha para perdoar Isolda. Em tons patéticos, o Rei acrescenta que absolveu Tristão de qualquer culpa, e estava pronto a lhe dar lsolda como noiva. Mas, apenas a morte triunfou, exclama com tristeza e desespero.
Brangäne – Desperta! Vive! Isolda, escuta-me! Sabe qual é a expiação de minha culpa. Revelei ao Rei o segredo do filtro, e imediatamente, preso de inquietação, embarcou o soberano para alcançar-te, para renunciar a ti e conduzir-te para junto do teu amado.

MarkePor quê, Isolda, desconfias de mim? Quando me foi revelado claramente o que eu não podia compreender, senti-me ditoso de falar ao meu amigo isento de culpa. Então, para enlaçar-te com o homem adorado, eu te segui a velas desdobradas. Porém quem trazia a paz não logrou deter a impetuosa fatalidade. Tão só pude aumentar a colheita da morte. A ilusão só fez aumentar a desdita!

Com os olhos fixos na face de Tristão, Isolda começa sua magnifica e comovente canção de adeus, o “Liebestod” (“Mild und Ieise wie er lachelt”). Enquanto ela proclama, em exaltação, a aproximação da morte, os temas da felicidade, da separação e da transfiguração surgem através da orquestra, levando a um clímax opressivo. Isolda cai sobre o corpo de Tristão, e os amantes se unem afinal na morte. O Rei Marke ergue as mãos abençoando a morte. A música morre nas cordas.

IsoldaComo é doce e delicado o seu sorriso! Seus olhos se entreabrem com ternura. Estão vendo, amigos? Não estão vendo? Como resplandece com luminosidade sempre mais viva! Como ascende irradiante, cercado de fulgurantes estrelas? Não o estão vendo? Como o seu coração se inflama, orgulhosamente, e pulsa-lhe no peito pleno e sublime? Como escapa delicadamente de seus lábios um doce suspiro de suave encanto? Oh, amigos, vejam-no! Não o sentem? Não estão vendo? Serei a única a escutar esta melodia que, maravilhosa e suave, suspirante de alegria, inteiramente reveladora, doce e conciliadora, dele se desprende e em mim penetra, cheia de ímpeto, ecoando sublime ao meu redor? Ondas vibrantes de brisas em luminosa efervescência, ondas de embriagadoras fragrâncias? Dilatando-se, envolvendo-me em suaves murmúrios para abranger-me toda? Nuvens de encantadoras fragrâncias? Como se enfunam a fremer ao meu redor? Deverei respirar? Deverei escutar? Deverei saborear? Afogar-me, contente? Exalar docemente essa fragrância? Mergulhar, submergir, privada dos sentidos, na vaga ondejante? Na rima sonora? No cosmo inspirante da respiração universal? Deleite supremo!

Para este simples admirador este último ato do drama musical é o mais apaixonante já escrito, que se eleva a um plano de tensão e culmina na beleza transcendental da última canção de Isolda, de imensa poesia, coroa a tragédia com inspiração maravilhosa.

Cai o pano.

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Agora que Tristan estava completo, Wagner se pôs a terminar o monumental Anel dos Nibelungos (que já postamos, links no início do post) , uma obra que nunca foi composta e que precisava de um teatro que não existisse. Os anos anteriores de sua vida foram preenchidos com as inovações revolucionárias que fizeram o mundo falar e, mais do que nunca, discutir sobre ele e sua música. As próximas décadas de sua vida seriam as mais prolíficas e revolucionárias de todas.

Personagens e Intérpretes
Estas são as versões de “Tristan und Isolde” que ora oferecemos aos amigos do blog, regentes, orquestras e cantores – dando a vocês a magia de uma história de amor, um conto antigo, reinterpretado pela mente genial de Wagner. Boa música, canto fantástico e uma experiência inesquecível. Abrem-se as cortinas e se deliciem com a soberba música de “Tristan und Isolde”.

Para muitos, “Tristan und Isolde” significa apenas uma gravação: Furtwängler, com Flagstad e Suthaus. É uma gravação linda e poderosa postada a pouco tempo pelo nosso querido Vassily Genrikhovich (AQUI). Outra versão que já apareceu nestas bandas do blog é a do Leonard Bernstein (AQUI). Porém vamos compartilhar mais quatro magníficas “Ilhas musicais” da mágica ópera que é “Tristan und Isolde”.

Robert Heger (1886 – 1978)
A primeira é a versão do maestro Robert Heger. Para quem ainda não o conhece ele atuou como assistente do maestro Bruno Walter na Ópera Estatal de Munique, entre 1920 a 1925. Heger dirigiu a Ópera Estatal de Munique até 1933. No ano da ascensão de Hitler ao poder, em 1933, Heger mudou-se para a Alemanha para assumir compromissos como maestro na Ópera Estatal de Berlim (Staatsoper), como diretor geral de música em Kassel e no Waldoper em Zoppot, um festival de verão no qual as óperas de Wagner eram realizadas ao ar livre, explicando o apelido de ‘Bayreuth do Norte’. Ele também foi um convidado frequente nas temporadas internacionais de ópera no Covent Garden, em Londres. Heger esteve ativo em Berlim durante a Segunda Guerra Mundial, fazendo várias gravações de rádio com os músicos remanescentes da Staatskapelle de Berlim. Permaneceu em Berlim após a segunda guerra mundial, conduzindo a Städtische Oper municipal. Heger foi um maestro altamente respeitado durante toda a sua vida e foi um excelente exemplo da tradição Kapellmeister alemã.

Tenho cerca de 17 “Tristans” entre Lp’s, CD’s ou DVD’s e amo todas as gravações por um motivo ou outro. Porém…., contudo…., no entanto…. esta gravação de Berlim realizada no longínquo 1943 eclipsa, em minha modestíssima opinião, todas elas. PQP que interpretação f….. O som é bom para o seu tempo. Max Lorenz é muito musical, destas gravações que estamos compartilhando acho o melhor Tristan o terceiro ato é simplesmente subilme. Buchner tem uma voz exuberante com excelente atuação vocal e dicção. Klose tem um enorme timbre de contalto, além de ótima atuação vocal. A condução do maestro Heger é muito emocionante, é rápido, sim, mas nunca indevidamente, os atos simplesmente se desenvolvem com verdadeira paixão, ardente. Todos os artistas aqui se combinam para fazer a melhor interpretação de “Tristan und Isolde” que eu já ouvi. Esta é uma obrigação para todos os que gostam de Wagner. Eu pensava que já tinha ouvido os melhores cantores e interpretações, então esta seria apenas mais uma “gravação histórica”, mas me enganei. Eu não acreditei que pudesse mudar os conceitos para “Tristan und Isolde”, até ouvir esta incrível interpretação direto da “cápsula do tempo”. Uma curiosidade muito legal nesta gravação é lá no final do prelúdio do primeiro ato, quando a orquestra acalma, podemos nitidamente ouvir a Paula Buchner aquecendo as cordas vocais antes de entrar em cena.

Tristan – Max Lorenz
Isolde – Paula Buchner
Marke – Ludwig Hofmann
Kurwenal – Jaro Prohaska
Brangäne – Margarete Klose
Melot – Uegen Fuchs
Hirt – Erich Zimmermann
Steuermann – Felix Fleischer

Staatskapelle Berlin;
Männerchor der Staatsoper Berlin;
Recorded May 14-19, May 1943 – Berlin;
Conductor: Robert Heger

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Karl Böhm (1894-1981)
A segunda versão, é mais que obrigatória, do maestro Karl Böhm conduzindo a Orchester der Bayreuther Festspiele. Interpretação linda, ponto de referência para muitos. O som flui redondo nesta gravação. É considerada um marco da ópera em gravações estéreo. Böhm conduz de forma transcendente, o som é impressionante. Claro que a diva Birgit Nilsson brilha como Isolde, sua interpretação do papel é lendária, e esta gravação mostra com razão o “porque”. Agora o delírio do Tristan no Ato III de Wolfgang Windgassen é de emocionar, forte e frágil quando necessário. Ele consegue retratar este complexo personagem com imensa convicção, sempre focado no drama, e sua voz é firme. Eberhard Waechter é um excelente Kurwenal, Christa Ludwig, uma Brangene, em minha opinião, insuperável e Martti Talvela, com seu lindo timbre, um dos melhores King Mark. Esta é uma tremenda gravação nos oferecem muita emoção.

Tristan – Wolfgang Windgassen
Isolde – Birgit Nilsson
Marke – Martti Talvela
Kurwenal – Eberhard Wächter
Brangäne – Christa Ludwig
Melot – Claude Heater
Hirt – Erwin Wohlfahrt
Steuermann – Gerd Nienstedt

Orchestra/Ensemble: Bayreuth Festival Orchestra, Bayreuth Festival Chorus ;
Date of Recording: 1966 ;
Live Festspielhaus, Bayreuth, Germany;
Conductor: Karl Böhm

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Carlos Kleiber (1930 – 2004)
A terceira gravação que compartilharemos é esta estupenda versão do maestro Carlos Kleiber que nos prova toda a sua qualidade musical como um dos principais expoentes da condução de Wagner nos oferecendo toda a paixão, erotismo, lirismo, tragédia e beleza exigidos nesta partitura juntamente com a contribuição da Dresden Staatskapelle (orquestra favorita de Wagner), o som das cordas durante o último ato de Tristan é quase assustador em sua intensidade Mas a característica mais marcante desta gravação é, sem dúvida, os personagens interpretados pelo Kurt Moll e pela Margaret Price. Nunca tendo cantado Isolde no palco, Margaret Price dá a esse personagem um lirismo, qualidade juvenil e beleza diferente de todas as outras gravações, lembrando que a Isolde do drama tem entre 16 e 17 anos, o timbre e interpretação da Margaret Price é de uma beleza intensa, linda voz. Ela é uma das melhores Isolde que eu já ouvi sua voz é madura, mas nunca tensa, sempre bonita; se você ouviu apenas os sopranos “wagnerianos” nesse papel, Price irá, sem dúvida, surpreender é diferente, certamente irá seduzi-los. Kurt Moll é revelador como o rei Mark. Seu monólogo é soberbamente cantado e encenado, começa em um sussurro e depois aumenta e diminui, envolvendo-nos inteiramente. Rene Kollo, que faz um retrato incrivelmente jovem e sincero do Tristan oferece, combinando com o timbre de Price, um tom jovem, lirismo ardente e impacto dramático diferente das gravações mais aclamadas. Fassbaender é uma excelente Brangaene. O Kurwenal de Fischer-Dieskau, …. rapaiz, bonito demais de ouvir sô – dificilmente uma frase escapa a um colorido deste gigante. Esta foi a primeira versão completa do Tristan que eu ouvi. Conjunto com 5 Lp’s comprado numa famosa galeria no centro de Sampa no final dos anos 80. Na minha humildíssima opinião, o primeiro ato desta gravação tem uma energia e a caracterização dos solistas envolvidos transforma a música numa atmosfera envolvente que é absolutamente impressionante! É uma performance lindamente concebida em meses de gravação e belamente executada.

Tristan – Rene Kollo
Isolde – Margaret Price
Marke – Kurt Moll
Kurwenal – Dietrich Fischer-Dieskau
Brangäne – Brigitte Fassbaender
Melot – Werner Götz
Hirt – Anton Dermota
Steuermann – Eberhard Büchner

Dresden , Lukaskriche
26,27,29,31 August & 18-26 October ,1980;
5-10 February & 10,21 April , 1981;
27 February & 4 April , 1982;
Dresden Staatskapelle , Leipzig Radio Chorus;
Conductor: Carlos Kleiber

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Sir Simon Denis Rattle (1955)
Esta quarta gravação é a ótima performance gravada ao vivo, em forma de concerto,em 03 de abril de 2016 conduzida pelo magnífico regente Sir Simon Denis Rattle a frente da não menos magnífica Orquestra Filarmônica de Berlim. A Isolda da Eva-Maria Westbroek é rica em som e volume, seu canto em piano é tão sonoro quanto o forte de outros sopranos e com bastante vibrato o que às vezes dificulta a interpretação precisa das palavras, suas explosões vocais são colossais, ela está inteirona aos 45 anos. Sarah Connolly como Brangäne também tem um vibrato distinto, timbre levemente amargo. O Tristão do Stuart Skelton tem um fraseado é excelente. Tem cores. A emoção e o afeto sempre vêm do canto, cada nota é audível nas passagens altamente dramáticas do mitológico Ato III. Ele canta cada nota sem gritar. Nunca. Tecnicamente ótimo, o mais gratificante Tristan desta geração do século XXI. O Kurwenal do Michael Nagy também é magnífico, voz bastante sonora mas as vezes soa um pouco tumultuado. O King Marke interpretado pelo Stephen Milling ficou um pouco apagado nesta gravação. O coro da rádio de Berlim canta apaixonadamente, gostei. Simon Rattle conduz com seu rigor característico. No prelúdio do início da ópera ele está absorto num crescendo resoluto, tão dramático quanto complexos, muito bonito! A Berliner Philharmoniker impecável, como de costume, tensão violenta e relaxamento, cada compasso é vivo, a intensidade de Rattle triunfa no seu ótimo “Tristan”.

Tristan – Stuart Skelton
Isolde – Eva-Maria Westbroek
Marke – Stephen Milling
Kurwenal – Michael Nagy
Brangäne – Sarah Connolly
Melot – Roman Sadnik
Hirt – Thomas Ebenstein
Steuermann – Simon Stricker

Rundfunkchor Berlin (Simon Halsey, Einstudierung) ;
Berliner Philharmoniker ;
Philharmonie Berlin – 3 April 2016;
Conductor: Sir Simon Rattle

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“Nunca, em minha vida, experimentei a verdadeira felicidade do amor, erguerei um memorial a esse mais adorável de todos os sonhos, no qual o amor encontrará, pela primeira vez, uma completa satisfação.” Trecho da uma carta enviada a Liszt.

Richard Wagner (1813-1883) – Lohengrin – Heger (1942) / Solti (1985) / Thielemann (2019)

O Santo Graal, o vaso de esmeralda em que José de Arimatéria teria guardado o sangue de Cristo, quando ferido pelo centurião romano no Calvário, foi levado, por anjos, a Titurel, santo cavaleiro que o guarda no cimo imaculado da montanha de Montserrat localizado ao norte da Espanha Gótica, no mosteiro de Montsalvat. Outros cavaleiros, puros como o chefe, da relíquia também tiram seu vigor divino. Uma pomba celeste, uma vez por ano vem renovar a força do Santo Graal. Elevam-se da orquestra sons agudíssimos, murmúrios de violinos que flutuam e logo se agregam em frases precisas; sutilmente ouvimos o tema do Graal. Passando pausadamente pela orquestra, esta página de deslumbrante esplendor, nos prepara para a lenda de Lohengrin que é a quinta ópera e a última da segunda fase do trabalho de Richard Wagner (1813-1883). Pela primeira vez, o compositor não chama mais a introdução de “abertura”, mas de “prelúdio”. Isso documenta a mudança no papel da introdução. Não é mais uma peça que expõe os temas (como era em Tannhäuser), mas se torna parte da história, onde o ouvinte está sintonizado com o que está por vir.

Hoje a dupla FDPBach e Ammiratore irá contar a história desta brilhante ópera, com ótimas cenas e fortes contrastes. Assim como em Tannhäuser, esta ópera apresenta dois mundos diferentes: a pureza dos Cavaleiros do Graal e o mundo sombrio e mágicos dos pagãos. Wagner conseguiu extrair muitos dos temas da ópera de lendas medievais. Mas é mérito do compositor que Lohengrin se torne uma narrativa coerente e emocionante, unindo as várias sagas e fragmentos históricos com sua incrível capacidade criativa. Como já dissemos no post anterior, Wagner descobriu as lendas de Tannhäuser e de Lohengrin na mesma época, em 1841. As fontes de Lohengrin foram o poema épico de Wolfram von Eschenbach “Parzival”, do início do século XIII, e um épico anônimo de “Lohengrin”, do século XV. Ambos contam a história de um cavaleiro que chega em um barco puxado por um cisne para resgatar uma dama em perigo e que ele deverá partir quando esta dama lhe fizer perguntas que foram proibidas. O libreto terminou em 1845, a composição estava em andamento no ano seguinte e a partitura completa no final de abril de 1848.

Revolution 1848-1849 Dresden

No entanto, circunstâncias não-musicais atrasaram a estreia. Wagner não pôde comparecer à apresentação porque estava escondido em seu asilo suíço. Por sinal a década de 1840 foi extraordinariamente movimentada para Wagner (e para a Europa). Musicalmente, ele completou quatro óperas – “Rienzi”, “Der fliegende Hollender”, “Tannhäuser” e “Lohengrin” – estava ocupado como maestro e arranjador e ativo como jornalista e ensaísta musical. Mas os eventos mais perigosos para ele foram os políticos. Wagner era um ativista radical de esquerda com tendências revolucionárias em uma era de muita agitação política na Europa. E ele não escondeu seus sentimentos. Os admiradores que o conheceram socialmente naquela época ficaram surpresos com o fato de a música geralmente não ser um tópico em suas conversas. Em vez disso, ele era obcecado por política. Ele fez pelo menos um discurso político público e se associou a vários personagens radicais contra os poderes autocráticos da realeza da Alemanha e Áustria, o resultado foi que ele conseguiu a atenção da polícia, colocou sua carreira e posição como “Royal Kapellmeister” em risco ao escrever um artigo em que previa a queda da aristocracia. Quando a insurreição eclodiu em Dresden, em 1849, Wagner estava envolvido, embora toda a extensão de suas atividades permanecesse incerta. Foi obrigado a abandonar o seu país e não teve permissão para andar em solo alemão por 12 anos.

Pode deixar a ópera comigo Wagner, tamo junto !

Franz Liszt, em Weimar, preparou e conduziu a estreia de Lohengrin, que finalmente ocorreu em agosto de 1850. Wagner teve que supervisionar pelo correio a uma distância bem segura, não se atreveu a comparecer pessoalmente porque corria o risco de ser preso. De fato, foi somente em maio de 1861, 13 anos após sua conclusão, que Wagner pôde assistir a uma performance de Lohengrin.

Por um longo tempo, Lohengrin foi o trabalho mais apresentado de Richard. A grosso modo Lohengrin constitui, primeiramente, um conflito histórico entre a cristandade e o paganismo. Ortrud, que é um produto da imaginação wagneriana e de seu apelo aos deuses da mitologia alemã, revelava que, para ela, o cristianismo seria uma heresia e que a força dos deuses e da natureza terminariam por triunfar. Assim, a metamorfose do cisne em um menino, no final da ópera, aparece como o apogeu de uma luta entre os deuses da mitologia, que haviam transformado o menino em um cisne, e Cristo, o novo deus, que triunfa quando dá de volta ao menino a forma humana.

A ópera provou ser um grande sucesso, e o nome de Wagner começou a ser mencionado na mesma intensidade que os compositores de ópera já estabelecidos da época (Rossini e Meyerbeer). O sucesso de Lohengrin também garantiu o avanço definitivo de Wagner como compositor de ópera. Em pouco tempo tornou-se o compositor mais famoso da Europa. Como resultado de seu grande sucesso, ele recebeu anistia parcial em 1860.

No entanto, havia agora outra corte real que começou a interessá-lo muito mais do que a de Dresden: a corte do rei Ludwig II de Munique. Reza a lenda que o jovem rei Ludwig II assistiu uma apresentação de Lohengrin em 1857 e deixou o teatro de Munique em lágrimas. Essa experiência não só mudou a vida do monarca, mas também a vida de Wagner…. Uma curiosa cadeia de eventos positivos em sua carreira, que o compositor não poderia ter previsto quando começou a trabalhar na história do cavaleiro dos cisnes, ocorreu. O rei ficou obcecado pelo compositor e por suas obras e desempenhou um papel poderoso no apoio à sua carreira: ele forneceu dinheiro e usou sua influência para avançar em projetos importantes, incluindo a construção do Festspielhaus em Bayreuth. Literalmente o legítimo “fã de carteirinha” do século XIX.

A atração do rei por Lohengrin (talvez se explique porque um cisne era o símbolo da família real), foi a inspiração para construir um dos castelos mais famosos do mundo. Enquanto planejava o Castelo Neuschwanstein, Ludwig escreveu a Wagner o que equivalia a uma dedicação do castelo ao compositor e suas óperas, mencionando Lohengrin especificamente. Quando esta pandemia passar e se você estiver passeando pela Baviera, junte-se às hordas de turistas em Neuschwanstein: você sentirá os fantasmas de Richard Wagner e seu misterioso cavaleiro dos cisnes em praticamente todas as alas. Este castelo também inspirou Walt Disney, um século depois, a construir o seu “Magic Kingdom”.

O Enredo
(baseado no livro “As mais belas óperas” de Milton Cross)

Local: Antuérpia da primeira metade do século X.
Como dito no início do texto desta postagem, o prelúdio começa com o motivo do Santo Graal, levando ao refrão do Sonho de Elsa do primeiro ato, a música cresce até um tremendo clímax, concluindo em uma bela volta ao tema do Santo Graal, nesta volta as cortinas lentamente começam a subir.

Ato 1
Um campo nas margens do rio Scheldt, além das muralhas de Antuérpia.

O Rei Henrique está sentado em seu trono sob o “Carvalho do Julgamento”, cercado pelos seus nobres saxões. Diante deles, a alguma distância, está sentado Frederico Telramund, com Ortrud junto dele. Tem a seu lado os nobres de Brabante. O arauto avança, e faz um sinal para os trompetes tocarem uma fanfarra.

Ele anuncia que o Rei Henrique está convocando os homens de Brabante para a defesa do reino germânico. Vigorosamente, os brabanções prometem seus leais esforços em benefício de seu país. Em seguida, o rei se ergue e saúda seus vassalos (“Deus esteja convosco, queridos homens de Brabant”). Em tons solenes, ele lhe diz que as hordas húngaras estão ameaçando a Alemanha nas fronteiras do leste. Uma trégua de nove anos expirou, e agora os húngaros estão se preparando para a luta. O Rei Henrique diz que veio pedir aos “brabanções” que marchem com ele imediatamente para Mainz, e enfrentem o inimigo. Voltando-se para Telramund, ele indaga por que Brabante, com que contava para apoiá-lo naquela hora crucial, está dividida pela guerra civil e desavenças.

Telramund agradece ao rei por ter vindo agir como árbitro (“Muito obrigado, meu rei, por teres vindo aqui também para fazeres justiça!”), e depois dá sua explicação. Relata que o Duque de Brabante, no seu leito de morte, entregou a seus cuidados a educação dos dois filhos do duque, Elsa e Gottfried. Um dia, Elsa deixou o palácio com seu irmão e, mais tarde, voltou sozinha. Gottfried nunca mais foi encontrado. Convencido pela conduta culposa, e pelas evasivas de Elsa, de que ela era responsável pelo desaparecimento do irmão, prossegue Telramund, ele renunciou ao direito de tomá-la sua noiva – um direito assegurado a ele pelo duque – e desposou Ortrud. Telramund acusa, então, Elsa pelo assassinato do irmão, e reclama o trono de Brabante. Há um murmúrio de surpresa e desapontamento por parte das pessoas da Corte a respeito dessa alarmante situação. Quando Telramund prossegue, acusando incisivamente Elsa de ter conspirado depois para governar Brabante com um amante secreto a seu lado, o Rei Henrique o silencia. Os saxões e os “brabanções” erguem suas espadas, e cantam que suas armas permanecerão fora de suas bainhas até que seja proclamado o julgamento da acusada pelo rei. O arauto convoca Elsa.

Com o acompanhamento de um exaltado tema, Elsa se aproxima para tomar lugar diante do rei. Os homens comentam suavemente que aquele que ousa acusar um ser tão puro deve estar mesmo certo de sua culpa. O Rei Henrique pergunta se ela é Elsa de Brabante (“És tu, Elsa de Brabant? Reconheces-me como teu juiz!”). Ela faz uma reverência sem responder. Quando ele pergunta se ela conhece a natureza das acusações contra si, Elsa calmamente inclina a cabeça. O rei pergunta se ela confessa sua culpa (“Dize, Elsa! Que tens para me confidenciar?”). Como se estivesse em transe, Elsa murmura sobre seu irmão. Depois, começa o dramático solilóquio conhecido como “O Sonho de Elsa” (“Sozinha em agitados e tristes dias, eu implorei a Deus para aliviar a minha dor.”). Perdida e sozinha, canta Elsa, ela rezou pedindo ajuda, e um grito de angústia irrompeu de seus lábios. Quando o eco lhe trouxe a morte de volta, ela caiu adormecida no chão. Aí, então, em uma visão apareceu diante dela um cavalheiro em uma reluzente e nobre armadura. Ele seria seu defensor naquela hora de profunda tristeza. (“No brilho da luz de suas armas, um cavaleiro aproximou-se de mim, tão puro e de virtudes como eu nunca havia imaginado: da garupa pendia uma dourada trompa, apoiada sobre sua espada. É como se ele tivesse vindo do céu para mim, um autêntico herói; com um gesto honesto e puro ele me consolou. É esse cavaleiro que eu espero que seja meu defensor!”).

Profundamente comovido pela sua atitude muito dignificante, o Rei Henrique aconselha Telramund a pensar cuidadosamente antes de persistir em suas acusações. Em resposta, Telramund furiosamente desafia para o combate qualquer um que questione a verdade de suas afirmativas. Voltando-se para Elsa, o rei pergunta quem ela escolherá como seu defensor. Em um estático refrão, ela repete que o guerreiro de sua visão lutará por ela. Sua mão será a sua recompensa.

Agitadamente, os homens dizem que um prêmio real espera o guerreiro que aceitar o desafio. Após uma fanfarra, o arauto ordena que o defensor se apresente. Quando não há resposta, Telramund grita que suas acusações estão justificadas, e que ele está certo. Elsa implora ao rei que toque a fanfarra mais uma vez. Mais uma vez, há o silêncio. Caindo de joelhos, Elsa canta a eloquente e comovedora oração, na qual ela pede que seu cavalheiro apareça (“Ele me apareceu sob tua ordem: Ó Senhor, dizei agora ao meu cavaleiro para me ajudar em minha aflição. Deixa-me vê-lo, como eu já o vi!”). As damas de seu séquito se unem a ela em coro em seu pedido. De repente, os homens que se encontram próximos da margem do rio exclamam que está se aproximando um bote puxado por um cisne. Outros unem suas vozes para afirmar que um guerreiro de resplandecente armadura está de pé no bote, guiando o cisne com rédeas de ouro. O coro sobe a um tremendo crescendo quando o bote de Lohengrin se aproxima da margem. Elsa, de pé, como enfeitiçada, não se volta para olhar. O Rei Henrique observa a cena enlevado. Telramund olha em um misto de medo e raiva, enquanto Ortrud mira o cisne aterrada.

Lohengrin, metido na sua magnífica armadura, apoia-se em sua espada assim que o bote toca na margem. Um grito de boas-vindas ecoa da multidão (“Nós te saudamos, homem enviado de Deus!”). Há grande expectativa quando Lohengrin desce do bote, e se despede do cisne (“Agora, cabe-me agradecer-te, meu querido cisne! Retorna, pelas vastas ondas, lá para baixo, de onde me conduziste em tua barca; retorna somente para trazer-nos a felicidade! O teu dever tu fielmente o cumpriste! Adeus! Adeus, meu caro cisne!”). Ele agradece ao cisne, e lhe diz que retome à terra mágica de onde vieram, e tristemente lhe dá adeus à medida que o cisne se afasta. O coro comenta em tons de pasmo.

Lohengrin apresenta suas homenagens ao rei e, enquanto o tema do Graal soa suavemente na orquestra, diz-lhe que veio para proteger a jovem que foi tão cruelmente acusada. Voltando-se para Elsa, ele pede o privilégio de ser seu cavalheiro defensor. Apaixonadamente, ela o saúda como seu herói e salvador (“Meu herói, meu salvador! Aceita-me; eu dou para ti tudo o que eu sou!”). Segue-se um dramático colóquio, no qual ela se promete a Lohengrin se ele vencer o combate. Por outro lado, ele arranca dela a promessa de que ela nunca perguntará seu nome nem procurará saber de que lugar de veio (“Elsa, se eu devo chegar a ser teu esposo, se eu devo proteger teu país e teu povo, se nada me deverá separar de ti, existe uma coisa que tens de saber e me prometer: jamais deverás perguntar, nem mesmo ter curiosidade de saber, de onde eu procedo e qual é o meu nome, ofício e origem.”). Elsa fervorosamente declara que manterá a promessa (“Jamais, Senhor, eu vos colocarei essas perguntas.”), Lohengrin toma-a nos braços, gritando que a ama (“Elsa! Eu te amo!”).

Enquanto o coro canta suavemente o estranho encanto dessa cena, Lohengrin escolta Elsa até o Rei Henrique, entregando-a a seus cuidados. Rapidamente se defrontando com Telramund, ele declara que ela é inocente, e que suas acusações são falsas. Quando Telramund é aconselhado pelos seus próprios homens a não lutar com aquele adversário enviado dos céus, ele responde que seria melhor morrer do que provar ser um covarde (“Melhor morrer do que me acovardar!”).

Nesse ínterim, os nobres marcam a área do combate. Após o arauto anunciar as regras do desafio, e os dois adversários invocarem a ajuda de Deus, o Rei Henrique oferece uma dignificante e solene oração, na qual pede que o direito triunfe (“Meu Senhor e Deus, eu te faço uma invocação para que estejas presente neste combate! Proclama a tua sentença com a vitória da espada, mostrando claramente onde está a mentira e onde está a verdade! Fazei com que aquele que for inocente bata-se com a arma do herói, e possa o que agir com falsidade ser castigado! Ajuda-nos, então, meu Deus, neste instante, porque nossa sabedoria é falível!”), conhecida como a “Invocação do rei”. Todos entoam a prece em um majestoso coro. Quando as trombetas soam, o rei bate a espada três vezes em seu escudo, que é o sinal para o início do combate.

Os dois cavalheiros se atiram um contra o outro, e há um breve, mas furioso retinir de espadas. Com um poderoso golpe, Lohengrin põe Telramund no chão, e depois se coloca sobre seu inimigo vencido com a ponta da espada na garganta dele. Em uma dramática frase, o cavalheiro afirma que poupará a vida de Telramund. Enquanto o coro saúda o vencedor com um possante grito, Elsa se entrega a Lohengrin com frases apaixonadas (“Oh! Eu reencontrei a alegria, igualmente a tua glória, que eu seja digna de ti, no mais abundante louvor. Em ti eu devo deixar de ser eu; diante de ti eu me faço esquecer, porque eu sou afortunada, torna então tudo que eu sou!”). Segue-se um magnífico coro de louvor e regozijo. Ele é cantado por todos, exceto por Telramund e Ortrud, que lamentam sua derrota e vergonha. Vencido pela ira e humilhação, Telramund cai aos pés de Ortrud, enquanto Elsa e Lohengrin gozam do triunfo no brilhante clímax do coro.

Ato 2
A fortaleza de Antuérpia. Ao fundo Pallas, a morada dos cavalheiros. Na direção do fundo, à direita, o Kemenate (residência das damas na idade média). É noite. Há luzes nas janelas, e sons alegres vêm de dentro. Nas sombras dos degraus da catedral, no lado oposto aos dos aposentos reais, estão sentados Telramund e Ortrud. Foram destituídos de suas prerrogativas reais, e estão trajando roupas de mendigos. Telramund está absorto em pensamentos, enquanto Ortrud dirige um olhar malévolo às janelas iluminadas.

De repente, Telramund se volta para sua mulher com amargas observações, dizendo que foi sua diabólica feitiçaria que o levou a perder sua honra no combate. Ortrud responde-lhe com escarnecedor desdém, dizendo que a raiva dele é muito tardia, e deve ser dirigida contra seus inimigos, aqueles que provocaram aquela desgraça. Ainda resta uma esperança para eles, diz Ortrud, pois ela conhece o feitiço que permitirá dominar Lohengrin. Assim que o cavalheiro revelar seu nome e sua estirpe, seu poder mágico será quebrado. Somente Elsa poderá obter esse segredo dele, e ela precisa ser persuadida, ou forçada, a interrogar o cavalheiro. Deliberadamente, ela consegue levar Telramund a uma fúria selvagem ao lhe dizer que se ele conseguir tirar uma gota de sangue de Lohengrin, isso o deixaria indefeso. Em um dramático e poderoso refrão, cantado em uníssono, Ortrud e Telramund juram que obterão uma terrível vingança (“Eu a chamo a obra da vingança da noite tempestuosa de meu coração! Vós que estais perdidos em um doce sono, sabei que a desventura vos espera!”).

A medida que suas vozes morrem num ameaçador sussurro, Elsa aparece no balcão do Kemenate, e ali fica parada um instante em feliz reflexão. As ardentes frases de sua canção marcam o início do que é conhecido como a “Cena do Balcão” (“A vós, brisas, que tão frequentemente vos inteirastes de meus tristes lamentos, eu vos devo agora agradecer, dizendo como se revela a minha felicidade!”). Ortrud manda Telramund sair e, com uma voz dolorosa, chama por Elsa. Maliciosamente afirmando estar com remorso e arrependimento, ela lamenta o mal que possa ter causado, e que Telramund tenha agido com ira irracional e impensada. Elsa, comovida pela sua aparente tristeza, tenta confortá-la. Pede a Ortrud para que aguarde, e apressadamente entra no quarto. Sozinha, Ortrud apela, em uma selvagem exultação, para Odin e Freia, os deuses pagãos, para ajudá-la na realização de sua vingança. Quando Elsa reaparece com duas damas de companhia, Ortrud se ajoelha diante dela em uma atitude servil. Elsa, em transportes de alegria pelo seu próximo casamento, assegura a Ortrud seu perdão, e diz que também conseguirá uma palavra de perdão de seu defensor.

Habilmente, Ortrud aconselha a Elsa a não amar tão cegamente, expressa a esperança de que ela nunca se decepcione por causa de seus sentimentos. Embora momentaneamente atemorizada pelo ominoso som das palavras de Ortrud, Elsa, com fervor, tenta fazer com que ela acredite que somente a fé pode trazer a felicidade ao amor (“Deixa-me ensinar-te quão doce é a felicidade decorrente da pura confiança! Deixa-te livremente convencer-te dela: é uma felicidade que não conhece o remorso!”). Em voz baixa, Ortrud, sarcasticamente, observa que o verdadeiro triunfo de Elsa provará ser sua ruína (“Ah! Esse orgulho deve me ajudar em como combater sua fé! Contra essa soberba dirigirei minha arma, através de sua arrogância virá seu remorso.”). As vozes das duas mulheres se unem em um breve, mas expressivo dueto que leva o colóquio a um fim. Elsa permite a Ortrud que a acompanhe ao Kemenate. Assim que as mulheres entram, surge Telramund. Olhando para elas, murmura satisfeito que a diabólica feitiçaria de Ortrud destruirá aqueles que lhe tiraram a honra (“Assim penetra a desventura nessa Casa! Executa, mulher, o que a tua astúcia idealizou; eu não me sinto capaz de impedir a tua obra! A desgraça começou com a minha caída e ruína, agora, ela fará cair quem me ocasionou esta situação! Somente uma coisa agora conta para mim: aquele que arrebatou a minha honra deve perecer!”).

Ouvem-se trompetes em várias torres da cidadela saudando o romper do dia. Rapidamente, Telramund se esconde atrás de uma coluna da catedral para evitar ser visto pelos criados, que entram para realizar suas tarefas matinais. Logo, o espaço diante do Pallas fica cheio de cortesãos e homens da fortaleza. Em um vibrante coro eles cantam os gloriosos eventos que marcarão aquele dia (“À fanfarra do amanhecer nos congrega de novo, e o dia nos promete muito! Aquele que aqui fez a respeito de si nobres prodígios executará talvez novas ações!”). Depois, todos se voltam na direção do arauto, que sai do Pallas. Ele proclama o edito real banindo Telramund como um traidor, e dizendo que qualquer um que o ajude seja passível de pena de morte. Os homens amaldiçoam-no com veemência. O arauto depois anuncia que o defensor de Elsa declinou do título de duque, e pediu para ser chamado de Protetor de Brabante. O coro aclama seu herói.

Após um trompete pedir selênio à multidão, o arauto informa que o defensor de Elsa convida a todos para se unirem a ele, naquele dia, nas festividades de seu casamento. No dia seguinte, porém, eles devem estar prontos para seus deveres militares e para marcharem para a guerra. Os homens juram sua lealdade em um exultante coro (“Não hesitai em ir à guerra, pois o nobre herói vos guiará! Aquele que corajosamente combater ao lado dele, a glória lhe sorrirá! Avante!”). Enquanto povo e guerreiros se misturam em grande excitação, quatro nobres “brabanções”, antigos seguidores de Telramund, reúnem-se à parte, e sombriamente discutem entre si o problema de marcharem contra um inimigo que nunca os desafiou. Neste momento, aproxima-se Telramund furtivamente. Ele declara que está resolvido a desmascarar o pretenso líder como um feiticeiro e um renegado. Espantados com o aparecimento de Telramund, eles o advertem para que se mantenha escondido, e tentam escondê-lo dos olhos da multidão.

Quatro pajens anunciam agora Elsa e seu cortejo nupcial. Com o acompanhamento de um marcante refrão, o cortejo sai do Kemenate, enquanto os nobres e o povo alinham-se do outro lado da grande praça. Há um tremendo coro de aclamação quando Elsa e as damas se movem na direção da catedral (“Como um anjo ela se aproxima, inflamada de um casto fervor!”). No cortejo, está Ortrud, agora com trajes reais.

Quando Elsa está começando a subir os degraus da catedral, Ortrud avança, e para diante dela. Em incontida fúria, ela declara que jamais a seguirá como uma reles subalterna, e que forçará Elsa a ficar no lugar dela. Quando Elsa iradamente a repele, Ortrud altivamente a desafia a dizer o nome do cavalheiro de quem ela é a noiva. Exclama que talvez haja um bom motivo porque ele evita perguntas sobre sua origem. Em uma dramática e impetuosa frase (“Tu, difamadora! Mulher covarde!”), Elsa repele as terríveis acusações de Ortrud. Chama a todos como testemunhas de que seu cavalheiro é um homem imaculado que poupou a vida de seu terrível inimigo. Furiosa, Ortrud retruca que seu defensor desconhecido é um diabólico impostor.

Nesse ponto, trompetes assinalam a aproximação do Rei Henrique, Lohengrin e seus seguidores, que avançam majestosamente, deixando o Pallas. Espantados com aquele rebuliço, o rei e Lohengrin se detêm. Elsa corre para os braços do cavalheiro, implorando-lhe que a proteja. Imperiosamente, Lohengrin ordena a Ortrud que saia, e depois ternamente pede a Elsa que o acompanhe até a catedral.

O cortejo se movimenta de novo. Subitamente, Telramund irrompe pela multidão, defronta-se com o rei, e com raiva pede para ser ouvido. Os guerreiros gritam ameaçando-o, enquanto o rei ordena que ele seja detido. Quando a multidão recua de medo diante de sua fúria, Telramund lança-se numa violenta acusação (“Aquele que eu vejo no esplendor diante de mim eu o acuso de magia negra!”). Acusa Lohengrin de ser um feiticeiro, e pede que ele revele seu nome e estirpe. Com violência, acrescenta que ele ali chegou em circunstâncias muito misteriosas que merecem uma explicação. O povo começa a murmurar, tomado de suspeitas.

Com veemência, Lohengrin replica que nenhuma acusação falsa pode manchar sua honra. Diz que nem mesmo o rei pode forçá-lo a falar. Apenas a uma pessoa ele responderá: Elsa. Ao dizer o nome dela em uma bela frase, Lohengrin se volta para Elsa, observando uma expressão de terror no rosto da jovem. O grande coro de conclusão do ato começa agora quando os espectadores expressam seu espanto e confusão (“Que segredo é esse que o herói deve ter bem guardado?”). Ortrud e Telramund exultam porque o veneno da suspeita está provocando seu efeito fatal no coração de Elsa. (“Eu a vejo exposta a uma violenta emoção. O germe da dúvida foi colocado no fundo do seu coração!”). A própria jovem, abalada, expressa suas dúvidas e temores, enquanto Lohengrin diz que seus acusadores terão de apresentar provas.

Encabeçados pelo rei, os nobres se reúnem à volta de Lohengrin, e asseguram-lhe seu apoio. Telramund se aproxima de Elsa, e miseravelmente sugere-lhe que entregue Lohengrin nas mãos dele. Uma gota do sangue do cavalheiro, diz-lhe, roubará dele sua proteção mágica, e também o tornará indefeso. Elsa tenta mandar Telramund embora. Vendo os dois em conversa, Lohengrin se coloca entre eles, e, com voz terrível, ordena que Telramund se retire.

Elsa, abatida pela vergonha e pela dúvida, cai ao chão, aos pés de Lohengrin. Este, gentilmente, a ergue, perguntando-lhe se deseja fazer a pergunta fatal. Em um comovedor refrão, ela responde que o amor vence qualquer dúvida (“Meu salvador, que me trouxe a felicidade! Meu herói, ao qual eu devo me unir! Meu amor deve ser maior do que a força da dúvida”). Em seguida, Lohengrin a conduz até o rei. Enquanto todos saúdam o casal de noivos, no brilhante clímax do coro. O rei os conduz até o alto da escadaria da catedral. Elsa e Lohengrin se abraçam. Neste momento, Elsa vê Ortrud de pé, abaixo dela, com o braço erguido em um gesto de triunfo. Controlando-se com um esforço supremo, Elsa se vira rapidamente, e entra na igreja com Lohengrin e com o rei.

Ato 3
Câmara nupcial ricamente adornada. De um lado, uma janela aberta. O brilhante prelúdio, peça de concerto muito conhecida, descreve a atmosfera das festividades nupciais que encerraram o ato. Na conclusão do prelúdio, as portas do fundo se abrem, e entra o cortejo nupcial, encabeçado elos pajens carregando velas.

As mulheres escoltam Elsa, enquanto os homens acompanham o Rei Henrique e Lohengrin. Todos cantam o mundialmente famoso “Coro Nupcial” ou popularmente conhecido como “Lá vem a noiva” (“Fielmente guiados, entrai lá, onde encontrareis a bênção do amor! Na coragem triunfante, o prêmio do amor fará de vós o mais feliz dos casados. Campeão da juventude, avança! Glória da juventude, avança! Que o sussurro da festa fique agora para trás, que a felicidade do coração vos seja total!”).

Enfim a sós !

Elsa e Lohengrin se abraçam. Os pajens retiram seus mantos, e então o rei se aproxima e abençoa o casal. Os homens e as mulheres, juntamente com o rei, se retiram acompanhados pelos acordes do “Coro Nupcial”. Suas vozes morrem a distância à medida que os pajens fecham as portas. Deixando o casal “enfim a sós”.

Lohengrin conduz Elsa a um sofá, e ternamente inicia o magnífico dueto de amor, (“O doce canto se perde ao longe; sozinhos estamos; sós pela primeira vez, desde que nos encontramos. Nós estamos presentemente retirados do mundo, nenhum curioso pode ouvir as saudações dos nossos corações. Elsa, minha mulher! Tu, doce criatura, pura esposa! Dize-me, agora, se és feliz!”). Em frases apaixonadas, com um sensual acompanhamento orquestral, os enamorados dão vazão à sua paixão. Mas, quando Lohengrin, em êxtase, diz o nome de Elsa, e ela responde, há uma sutil mudança na atmosfera. Elsa murmura que seu nome soa doce nos lábios dele (“Com que doçura tua boca pronuncia o meu nome! Não podes tu outorgar-me o nobre som de teu nome? Somente quando formos conduzidos à bonança do amor, tu permitirás que minha boca o pronuncie? “), mas há acordes sombrios quando ela tenta fazer com que Lohengrin lhe diga seu nome.

Lohengrin desvia a resposta com fervorosos protestos de amor, dizendo que ele deseja, em troca da incomensurável devoção por ela, a confiança da jovem. Mas o comportamento de Elsa se torna mais agitado quando ela insiste para que ele revele seu segredo. Quando ele lhe diz que veio dos reinos da luz para salvá-la e ganhar seu amor, ela grita desesperada que, por aquelas palavras, ela sabe que seu amor está perdido. Agora, lamenta-se ela, cada dia trará o medo atormentador de que ele a deixará para voltar para o país encantado de onde veio. Alarmada, ela imagina ver o cisne voltando para levar seu amado. Lohengrin pede-lhe que deixe de fazer a pergunta, neste momento em que ouvimos de novo o tema da advertência associado com as palavras (“Cessa de assim te atormentar! “). Louca de dúvida e de medo, Elsa quer saber seu nome, de onde veio, qual sua estirpe (“Nada poderá me dar a paz, nada poderá arrancar a minha loucura, a menos que – mesmo ao preço de minha vida – tu me reveles quem tu és! De onde vieste? Qual é a tua origem?”).

Neste momento, Telramund e seus quatro vassalos irrompem no quarto de espadas na mão. Gritando de terror, Elsa apanha a bainha da espada de Lohengrin, que estava junto ao sofá. Ela lhe entrega a arma, Lohengrin a brande, e mata Telramund com um terrível golpe. Nesse ínterim, os quatro nobres jogam suas espadas no chão, e ajoelham-se aos pés de Lohengrin. Elsa desmaia nos braços do cavalheiro.

Há uma longa e tensa pausa. Depois, Lohengrin tristemente murmura que toda a felicidade se foi (“Desgraça, agora se foi toda a nossa felicidade!”). Carrega Elsa para o sofá. Ela volta a si, e murmura uma prece. Lohengrin, então, ordena aos nobres que levem o corpo de Telramund até o rei. Chamando duas damas de companhia, pede-lhes que vistam Elsa com os trajes nupciais, e a escoltem até o trono. Lentamente, Lohengrin deixa a câmara, enquanto Elsa é levada pelas damas de companhia. O dia rompe, e os pajens apagam as velas.

Aqui, a cortina é fechada por alguns momentos. Ouve-se uma fanfarra à distância. A cena muda para um prado às margens do Escalda, como no início da ópera. Com agitada música marcial, o Rei Henrique e os nobres chegam com seus séquitos. Eles se dispõem em formatura quando o rei, mais uma vez, toma seu lugar no trono sob o grande carvalho. Em um heroico refrão (“Eu agradeço a vós, gentis homens de Brabant! Como meu coração se inflamaria de orgulho se encontrasse em cada país da Alemanha um exército tão rico e tão forte! Agora, avizinha-se a hora de enfrentar o inimigo do rei; nós o receberemos com valentia: de suas tristes regiões do leste, ele jamais deverá de novo atacar! Pela terra alemã, a espada alemã! Assim será provada a força do Império!”), ele pede a seus seguidores que se preparem para marchar contra o inimigo, e depois pergunta sobre o herói que os chefia.

Nesse ponto, entram os quatro nobres, carregando o corpo de Telramund numa padiola, colocando-o diante do trono. O rei e os presentes lançam uma exclamação de horror e surpresa. Elsa, curvada sob o peso da dor, surge com seu séquito, seguida de perto por Lohengrin. Envergando sua armadura de combate, ele caminha com solene dignidade quando o Rei Henrique e os guerreiros o aclamam como o herói de Brabante.

Em seguida, os homens ouvem, incrédulos, o cavalheiro declarar que não pode conduzi-los na batalha. Não veio como guerreiro, mas para se justificar, e, com essas palavras, descobre o cadáver de Telramund. Explicando as circunstâncias do ataque, Lohengrin pede um julgamento pela morte de Telramund. Em um vigoroso coro, o rei e os guerreiro proclamam a justiça de seu ato.

Mas, há ainda outra acusação prossegue Lohengrin. Dramaticamente, conta para a tensa audiência que Elsa, através de pérfida traição, quebrou a promessa feita, perguntando-lhe seu nome e sua estirpe. Agora, ele anuncia, chegou o momento predestinado de revelar seu segredo. E assim o faz na sua famosa ária. A medida que o exaltado tema do Graal percorre a orquestra, ele canta o templo na montanha de Monsalvat, onde repousa o cálice sagrado, o Santo Graal. Seu poder divino é renovado a cada ano pela visita de uma pomba celestial. O Graal é guardado por uma legião de consagrados cavalheiros. É dever desses guerreiros imaculados acorrer em defesa daqueles que são ameaçados pelo mal na Terra. Mas, assim que o nome do cavalheiro é conhecido, ele deixará para sempre a companhia daqueles que redimiu. Foi como um cavalheiro do Graal que ele próprio veio até ali, prossegue Lohengrin. No brilhante clímax de sua canção, ele proclama que é filho de Parzifal, um dos cavalheiros do Graal e que seu nome é Lohengrin. (“Em um país bem longe daqui, inacessível a vossos passos, há um castelo com o nome de Montesalvat; um templo luminoso e esplêndido encontra-se dentro dele, não se conhece no mundo nada de mais precioso; dentro dele, um cálice de poder divino e milagroso, está guardado como a mais sagrada relíquia: uma corte de anjos o trouxe lá para que por desvelo o guardem os homens mais puros. Cada ano uma pomba branca desce do céu para reforçar o seu maravilhoso poder: ele se chama Graal, e a fé a mais pura por ele é difundida sobre todos os cavaleiros. Aquele que é eleito para servir ao Graal, este ele o arma de um poder sobrenatural; nenhum maligno embuste ou fraude pode atingi-lo. Logo que ele o divisar, a noite da morte se esvanece sobre o infrator. Mesmo aquele que é enviado a um país distante para defender o direito e a virtude, da sua força divina não ficará despido, pois ele permanece incógnito. O Graal é de uma natureza tão sublime que, quando é descoberto, deve evitar o profano; é por isso que não se deve nutrir dúvida sobre seu cavaleiro, que, uma vez descoberto, deve deixar a companhia daqueles onde se encontra. Ouvi, agora, como recompensa, a resposta à pergunta proibida! Foi o Graal que me enviou até vós: meu pai, Parzival, carrega sua coroa, e eu, seu cavaleiro, me chamo Lohengrin!”).

O povo, abalado e maravilhado, comenta aquela maravilhosa história. Elsa dá um grito de remorso, e se aproxima de Lohengrin, vacilante. Ele a toma nos braços, e canta uma pungente frase de tristeza e reprovação e lamenta o trágico destino que destruiu a felicidade de ambos, e depois dá adeus (“Ó Elsa! O que me fizeste? Quando meus olhos te viram pela primeira vez eu me senti ardente de amor por ti e rapidamente conheci uma nova felicidade: o poder sublime, o prodígio de minha origem, a força que dissipou meu segredo, antes de tudo eu quis me por ao serviço do coração mais puro. Por quê me forçaste a revelar-te meu segredo? Agora devo, ah, ser separado de ti!”).

Elsa implora que ele não a deixe. O povo soma suas vozes à dela em um dramático acompanhamento de frases vibrantes. Mas Lohengrin replica que sua ausência já provocou a indignação do Graal, e que somente partindo o pecado da quebra da promessa de Elsa poderá ser expiado. Em resposta ao pedido dos guerreiros, que lhe pedem que fique para chefiá-los contra seu inimigo, Lohengrin se volta para o Rei Henrique, e assegura-lhe uma gloriosa vitória.

Uma grande comoção percorre a multidão quando o cisne subitamente aparece à distância. Quando ele atinge a margem, Lohengrin o saúda em tons tristes (“Meu caro cisne! Ah, esta última, triste viagem, como bem queria dela te poupar!”). Quando o cavalheiro canta sua saudação, a orquestra toca o motivo do cisne. Lohengrin explica que será esta a última viagem que farão juntos, pois, dentro em breve, o cisne terá cumprido o seu ano de serviço e, então, liberto pelo poder do Graal, será transformado, readquirindo a forma humana. Em agonia e desespero, volta-se para Elsa. Diz que se ela tivesse confiado nele durante aquele ano de prova, de modo que ele tivesse permanecido com ela, o poder do Graal devolver-lhe-ia seu irmão ao seu lugar de direito, ao lado dela.

Em seguida, entrega a Elsa sua espada, assim como sua trompa e seu anel, pedindo-lhe que os entregue ao irmão assim que retornar. A espada o protegerá, a trompa emitirá um pedido de socorro quando houver perigo, e o anel o lembrará do defensor que acorreu para socorrer sua irmã (parêntesis dos blogueiros: igual as relíquias do “Ciclo do Anel” – Siegfrid). Apaixonadamente, Lohengrin beija Elsa em despedida, enquanto ela permanece como transfigurada. Em tons sombrios, todos lamentam sua partida.

De repente, irrompe Ortrud. Sarcasticamente, ela diz a Lohengrin que volte para sua casa. Agora, ela pode contar à sua infeliz noiva a verdade. O cisne que puxa o bote nada mais é do que o herdeiro de Brabante transformado em animal. O colar em volta do seu pescoço é o instrumento de feitiçaria, com o qual ela tirou a forma humana do rapaz. (“Vai para casa! Vai para tua casa, soberbo herói, para que eu possa revelar com júbilo a esta tola moça quem estava te levando na barca! Pela corrente de ouro que eu o envolvi, vi claramente que ele é aquele cisne: ele é o herdeiro de Brabant!”).

Em orgulhosa exultação, ela se volta para Elsa, dizendo que se não fosse sua traição em revelar seu nome, Lohengrin poderia libertar seu irmão do encantamento no fim de um ano. Agora, o terrível encanto mantém sua força (“Aprendei como se vingam os deuses que vocês que não mais os adoram!”). O rapaz permanecerá como cisne, e é este cisne que levará o defensor de Elsa para sempre. Ao ouvir isso, o povo grita violentamente contra Ortrud.

Lohengrin, que está junto à margem do rio, entendeu perfeitamente as palavras de Ortrud, e cai de joelhos solenemente para uma muda prece. Todos os olhares se voltam para ele, numa expectativa plena de tensão. A branca pomba do Graal desce sobre o barco. Lohengrin a avista, com um olhar de reconhecimento, levanta-se e liberta o cisne de sua cadeia; a seguir, devolve à terra um belo rapaz, vestido numa roupa prateada e cintilante: é Gottfried.

À visão de Gottfried, Ortrud cai ao chão. Lohengrin salta rápido para dentro da barca. Elsa olha Gottfried, transfigurada no último momento de alegria, o qual avança e se inclina diante do rei. Todos o contemplam com admiração e alegria, e os “brabanções” se ajoelham diante dele em sinal de respeito e de homenagem. Gottfried precipita-se, em seguida, para os braços de Elsa .

Após um curto momento de alegre júbilo, Elsa torna vivamente seu olhar para o rio, onde ela não avista mais Lohengrin. Ao longe, pode-se ainda avistar Lohengrin; ele está sentado na barca, a cabeça inclinada, apoiada tristemente sobre seu escudo.

Elsa, que Gottfried segura nos braços, cai lentamente sobre a terra, sem vida. Lohengrin é visto sempre cada vez mais distante.

Cai o pano !

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Personagens e Intérpretes

Nesta postagem que ora vamos compartilhar, com imensa alegria, para os amigos do blog, traremos três gravações de períodos distintos. Uma gravação ao vivo em 1942 da Staatskapelle Berlin sob a regência do maestro Robert Heger. Uma versão absolutamente clássica que é a do Solti de 1985. A terceira versão, ao vivo, gravada no Bayreuth Festspielhaus 2019 em 26 de julho transmitida nas ondas da net sob o comando do maestro Christian Thielemann. Pessoal, divirtam-se com mais esta ópera (nos divertimos bastante escrevendo o texto….ufa!)

Lohengrin – Robert Heger (1942)
Esta é a lendária apresentação nazista de Lohengrin feita em 1942 conduzida por Robert Heger com a Berliner Staatsoper. Sim, relatos desta gravação dizem que Hitler estava na plateia enquanto suas tropas se organizavam para tentar invadir o sul da Rússia. A primeira impressão que notamos sobre essa apresentação ao vivo de 1942 é o som extraordinariamente vívido, que provavelmente deriva de uma matriz original em ótimas condições. Os cantores apreciam o drama como se fossem realmente os personagens que retratam: desde o imponente Heinrich de Ludwig Hoffmann e a madura Elsa de Maria Müller, até a ameaçadora Ortrud de Margarite Klose e, o melhor desta gravação, é o Franz Völker com o papel-título. A execução da orquestra varia de surpreendentemente segura para uma espécie de tensão dispersiva, talvez pelo momento bélico em que viviam a época. Ouvindo esta performance com atenção ela começa um pouco penosa, tensa, quase vazia do misticismo wagneriano, conforme os atos vão acontecendo a concentração vai melhorando. Só no último ato este registro pega fogo, ai sim a dramaticidade fica evidente. Vale pelo registro histórico.

Lohengrin – Franz Völker
Elsa – Maria Müller
Ortrud – Margarete Klose
Friedrich von Telramund – Jaro Prohaska
König Heinrich – Ludwig Hofmann

Der Heerrufer des Königs – Walter Großmann
Chor der Staatsoper Berlin
Staatskapelle Berlin – Robert Heger

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Lohengrin – Georg Solti (1985/1986)

Esta leitura do iluminado Sir Georg Solti é, penso eu, uma de suas grandes pérolas, ele deixa que a música respire, ganhe vida. Por exemplo, nesta gravação ele permite que as belezas “ocultas” do prelúdio brilhem como se ele estivesse desmembrando as seções com amor e o resultado é o que deveria ser: um prelúdio interpretado de forma genial, lindo mesmo. O trabalho da Filarmônica de Viena é quase perfeito, um trabalho lindamente modulado que deixa evidente o extraordinário entendimento que o maestro tinha da música de Wagner. Os cantores são ótimos. Plácido Domingo, é claro, tem uma voz bonita, sua interpretação é cheia de paixão, alguns críticos gostam de chamar a atenção para a pronúncia com sotaque, acho que ele vai bem pois no final das contas o Lohengrin vem do mosteiro de Monsalvat, montanha de Montserrat, que fica na Catalunha, logo deveria mesmo ter sotaque espanhol……. Jessye Norman também tem uma voz magnífica, acho um pouco forte demais para a virginal Elsa. Hans Sotin é um excelente rei. A Ortrud de Randová excelente, sua voz crepita como faíscas e demonstra bem o seu ódio por todos. Siegmund Nimsgern também interpreta o complexo Telramund com voz que mostra indignação e é cheia de lamentações, quando necessário. Se eu fosse aconselhar alguém que seja estreante nesta ópera esta é a versão que eu recomendaria. O impacto é emocional, muitas vozes bonitas e cheias de paixão al´me da batuta do mestre Solti. . Esta gravação é, artística e tecnicamente, magnífica.

Lohengrin – Plácido Domingo
Elsa – Jessye Norman
Ortrud – Eva Randová
Friedrich von Telramund – Siegmund Nimsgern
König Heinrich – Hans Sotin
Der Heerrufer des Königs – Dietrich Fischer-Dieskau

Chor der Wiener Staatsoper
Wiener Philharmoniker – Sir Georg Solti

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Lohengrin – Christian Thielemann (2019)
Gostei desta recente versão do maestro Thielemann realizada no dia 26 de julho de 2019 no Bayreuth Festspielhaus. Foi muito bem nos primeiro e terceiro atos, a Orquestra fazendo bonito mais uma vez e respeitando o andamento um pouco mais rápido do Thielemann em comparação ao andamento da gravação do Solti. O elenco desta geração é admirável. O Lohengrin de Klaus Florian Vogt é muito bonito de ouvir, majestoso. A Elsa de Camilla Nylund meiga e dramática fez uma performance inteligente, comprometida e lindamente cantada, gostei bastante. Tomasz Konieczny e Elena Pankratova ofereceram seus personagens Telramund e Ortrud igualmente inteligentes e altamente musicais. Georg Zeppenfeld, na minha modestíssima opinião, nunca desaponta, é um rei Henrique muito bem cantado. Egils Silins também atraiu minha atenção e admiração, bonito de ouvir. E por último, mas não menos importante, as performances marcantes do Bayreuth Festival Chorus, o peso vocal, musicalidade são memoráveis. O registro digital ao vivo faz toda a diferença…. lindão!

Lohengrin – Klaus Florian Vogt
Elsa – Camilla Nylund
Ortrud – Elena Pankratova
Friedrich von Telramund – Tomasz Konieczny
König Heinrich – Georg Zeppenfeld
Der Heerrufer des Königs – Egils Silinš

Bayreuth Festival Chorus
Bayreuth Festival Orchestra – Christian Thielemann

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Avalio a morte da pobre Elsa (desculpe a sinceridade, mas com todo o respeito pela sua bela música Richard) causada 40% pelo luto do irmão desaparecido, 10% de vergonha pelo contexto que resultou na partida do bonitão de volta para o Mosteiro, mas os outros 50% são sem nenhum motivo aparente….. sei lá….

FDPBach e Ammiratore

Richard Wagner (1813-1883) – Tannhäuser – Georg Solti / Franz Konwitschny

Chegou a hora de trazermos para os senhores a monumental “Tannhäuser”, a obra prima de Richard Wagner (1813-1883), provavelmente a ópera mais famosa do compositor, ou pelo menos, que tem a mais famosa das aberturas e, claro, o Coro dos Peregrinos. Ouvi a abertura pela primeira vez ainda adolescente e fiquei totalmente absorvido pela música. Só anos depois tive acesso a obra completa, com o libreto e tudo.

Como já é tradição nas postagens de Wagner vamos contar um pouco de historinha…. Nos difíceis dois anos em que Richard Wagner viveu em Paris, basicamente voltando seu talento para o ensino, arranjos e composições de “post-pourris”, e enquanto esperava pelas oportunidades que nunca viriam na capital francesa, ele teve acesso a muita literatura e dois trabalhos lhe chamaram a atenção: o poema “Der getreue Eckart und der Tannhäuser” de Ludwig Tieck (1773-1853) que lhe causara boa impressão assim como a leitura do conto de E. T. Hoffmann (1776-1822) “O Torneio dos Cantores” que descreve um concurso de canções no castelo de Wartburg, com relato das atividades libidinosas de Tannhäuser, no Venusberg (o monte Hörselberg, na Turíngia), sua peregrinação a Roma, com vistas a obter o perdão do Papa, a fim de poder ser digno de corresponder à paixão da sobrinha do Landgrave, princesa Elisabeth, virgem e de coração puro. Pronto, uma idéia de ópera lhe ocorrera. Enredão! Porém em Paris as coisas não vão bem e Richard resolve partir. Então no início da primavera de 1842, a diligência do jovem casal Wilhelm e Minna atravessa a planície da Turíngia, rumo a uma vida melhor em Dresden, Paris a muitos quilômetros atrás não deixou saudades.

Wartburg Castle

Pela janela da diligência, Wagner vê a colina sobre a qual se ergue o Castelo de Wartburg, a idéia, ainda adormecida, dos contos lidos em Paris desperta e ele teve aquele momento de inspiração para compor Tannhäuser. Em sua autobiografia, Wagner diria que, naquele trecho da viagem, pode visualizar a ação do drama. Foi quando delineou as primeiras linhas dos temas musicais, após ser levado pela sorte sobre sucessivos sons que lhe inspiram a volta do caminho da pátria. Ele se imagina no meio de peregrinos, no desfiladeiro, diante do som de gaita pastoril abaixo no vale. Assim, se vê na segunda cena em que Tannhäuser descortina a procissão dos peregrinos carregando uma pesada cruz em marcha para Roma. Reteria na memória cada detalhe da paisagem para orientar, anos depois, já em Dresden, os preparativos da primeira representação do seu segundo “drama musical”, música e versos fundindo-se numa unidade. O libreto foi concluído em maio de 1843, passando a ocupar-se da composição até meados de 1844.

Wagner conseguiu nesta nova obra que a realidade e a ficção fossem fundidas como num belo aço de padrão Damasco, dificilmente notamos os traços da misteriosa e bela lenda de Tannhäuser e em que ponto começava ou terminava o registro dos fatos históricos. De fato, sabe-se que em princípios do século XIII, o príncepe Hermann, da Turíngia, costumava organizar torneios poéticos no Castelo de Wartburg, com a participação de célebres cavalheiros menestréis da época, como Henrich von Ofterdingen, que Wagner fundiu para criar a personalidade do herói Tannhäuser.

Um causo curioso: Wagner estava orquestrando a sua nova ópera então batizada como “Der Venusberg” (Monte de Vênus), todavia amigos em Dresden o convenceram a desistir desse nome por ser um termo familiar para designar, digamos, uma parte íntima da anatomia feminina; assim, sua ópera poderia ser ridicularizada (que dúvida!). Por essa razão ele a rebatizou de Tannhäuser que completou em abril de 1845.

Wilhelmine Schröder

Em 19 de outubro, sob a regência do compositor a ópera foi estreada. Não foi uma noite muito feliz, o cenário não estava completo (muitas partes não ficaram prontas a tempo), foi o primeiro motivo para o povão não ficar feliz. A segunda razão era que para o público da época o fato de um músico se fazer de filósofo, e de tendências pessimistas, era chocante; a música deveria servir para alegrar e distrair e não obrigar a pensar; as pessoas pediam danças e árias mas Wagner lhes oferecia ação e drama. O papel principal foi atribuído a Joseph Tichatschek, um leal amigo, de uma magnífica voz, todavia, como ator, medíocre e ultrapassado para os seus desígnios. Era capaz unicamente de decorar os recitativos e a fonética. A prima do compositor, Johanna, interpretou Elisabeth. Vênus ficou a cargo de Wilhelmine Schöder, a grande soprano alemã da época. Com alguma razão, Wagner atribuiu aos cantores parte da responsabilidade pelo êxito restrito de Tannhäuser. Após a primeira apresentação, fez-se um intervalo de uma semana para que o tenor se recuperasse de forte rouquidão. Wagner aproveitou esta semana para fazer cortes e adaptações para a segunda representação que já contava com os novos cenários. Ao todo foram sete apresentações, sem alcançar pleno êxito nem cair no fracasso.

Poster da premiere – Paris-1861

Wagner fez uma grande revisão na ópera, em 1861, depois que Napoleão III lhe encomendou uma produção do Tannhäuser para a Ópera de Paris. A obra deveria ser cantada em francês e possuir um ballet com grande destaque. Era costume na ópera parisiense incluir um bailado no segundo ato de qualquer ópera ali encenada. E por um motivo prático. Em geral, a hora do início dos espetáculos coincidia com o horário de jantar de boa parte dos frequentadores e como estes acabassem por comparecer somente no segundo ato os compositores incluíam propositadamente o momento mais apreciado pelos franceses, o bailado (em outros textos escrevemos que antigamente era um entra e sai danado nas apresentações de óperas, não era nem de longe como hoje, todo mundo quietinho). Wagner claro que resistiu pois não concordava em satisfazer retardatários com mania por ballet, mas como geralmente esse pessoal era o da grana ele acabou concordando, mas do jeito dele. E agradando a direção da Ópera, criou um bailado no começo do primeiro ato não no segundo. O ballet é frenético, com um Bacanal em Venusberg, tornando a abertura mais longa. Assim a nova abertura ficou pronta fazendo com que a “overture” original se interrompesse com os primeiros compassos do tema do “Venusberg”: nesse momento abrem-se as cortinas para a apresentação do bailado. Nessa versão, as direções cênicas orientavam para uma gruta com náiades se banhando, sereias reclinadas e ninfas dançando. Vênus aparece recostada num divã, sob uma luz rósea, tendo a seus pés Tannhäuser, com a cabeça em seu colo e apoiado sobre um joelho, a nova música para as danças eróticas no Venusberg correspondiam ao espírito sedutor, típico de Wagner, e sua localização com a abertura teve um efeito dramático que ultrapassava de longe o que Wagner tinha escrito originalmente. Por isso, criou diferenças na partitura que passou a ser duplamente considerada: a versão de Dresden e a versão de Paris.

Após Tannhäuser, Wagner consolidou seu prestígio e posição profissional. Os anos difíceis em Paris estavam sepultados, assim como o princípio igualmente árduo de sua carreira.

O Enredo (baseado no livro “Outras Óperas Famosas” – Milton Cross)
Na base desta grande ópera de uma lenda medieval alemã vamos encontrar uma parte de história, outra parte de mitologia, e uma terceira parte da própria e rica imaginação de Wagner. A ação tem lugar na Turíngia, Alemanha, no início do século XIII, onde se localiza o poderoso castelo de Wartburg. Próximo do castelo há um sítio escondido, conhecido como Horselberg ou Venusberg (Gruta de Vênus), de acordo com a lenda era debaixo desta montanha que a deusa Vênus tinha sua morada. O próprio Wagner visitou o castelo e tirou a história das antigas tradições centralizadas em torno daquela pitoresca e antiga construção, onde, seis séculos antes, os cavalheiros menestréis, ou minnesingers, se reuniam em seu grande salão para torneios de canções.

A ópera se desenvolve em torno de um desses legendários cavalheiros menestréis, o apaixonado e brigão Tannhäuser. Buscando refúgio dos tormentos do mundo, Tannhäuser deixou sua existência terrena para viver sob o mágico encanto de Vênus, a deusa do amor. Quando a ópera começa, Tannhäuser está com Vênus há um ano e um dia.

Essa história do amor sagrado e do amor profano ofereceu a Wagner excelentes oportunidades para as cenas coloridas, rica música e flagrantes contrastes, como, por exemplo, entre o sedutor encanto de Vênus e seu reino fantástico, e a nobreza simples da fervente multidão de peregrinos, que caminham conosco durante toda a ópera.

A ópera começa com a sua conhecida abertura, aparece o tema “dos peregrinos”, à medida que cresce a sensual melodia da “Música de Venusberg” a cortina se abre para a cena inicial que decorre na misteriosa e fantástica gruta no interior de Venusberg, onde a deusa tem sua corte, e mantém aprisionadas as almas dos homens.

Ato 01
Cena 01

A gruta de Vênus. Quando a cortina se abre, revela uma sedutora cena. No ponto visível mais distante, de uma caverna aparentemente sem fim, vê-se um lago azulado, no qual estão nadando náiades, enquanto sereias reclinam-se nas suas margens. No centro, grupos de ninfas dançantes. Reclinados em montículos nas margens estão casais, alguns dos quais se unem às danças das ninfas no coro da cena. Em primeiro plano, Vênus está deitada em um sofá, cercada pelas Três Graças. Ajoelhado diante dela está Tannhäuser. A caverna é iluminada por uma estranha luz rósea.

Várias bacantes irrompem do fundo da gruta em uma tumultuosa dança. Passam selvagemente através de grupos de ninfas e casais, incitando-os a uma frenética e voluptuosa “Bacanal”. Os dançarinos de súbito fazem uma pausa, e passam a escutar o belo canto do “Coro das Sereias”, e depois voltam a danças, atingindo uma selvagem excitação na famosa “Música de Venusberg”.

Quando o frenesi está no auge, um súbito cansaço acomete os dançarinos. Os pares se separam, e permanecem perto da entrada da caverna. As bacantes desaparecem à medida que uma névoa se forma e se espalha com crescente densidade, envolvendo gradualmente os adormecidos. Apenas um pequeno espaço no primeiro plano permanece visível, onde Vênus, Tannhäuser e as Três Graças são vistos. As Três Graças realizam sua dança interpretativa das histórias de Europa e do Touro Branco, e de Leda e do Cine, enquanto aquelas cenas são vislumbradas ao fundo. Depois, elas saem, deixando apenas Vênus e Tannhäuser.

De repente, Tannhäuser ergue a cabeça, como se estivesse acordado de um sonho. Vênus o empurra para trás, acariciando-o. Ela pergunta ao cavalheiro o que o está perturbando, e ele responde que estava sonhando com a vida que levava na Terra. Por insistência dela, Tannhäuser pega da harpa, e canta apaixonadamente seu “Hino de Vênus”. Mas ele canta também que está cansado da vida sensual que está levando, e afinal clama por se libertar de encanto dela, de modo que possa voltar para a Terra, onde há um misto de dor e prazer. Irritada porque seu amor está sendo desprezado, Vênus exclama que ele não partirá. Tannhäuser insiste em que o destino impele sua escolha.

Vênus, com um grito, volta-se para ele, com o rosto entre as mãos. Procura gradualmente vencer as defesas de Tannhäuser mais uma vez, e volta-se para ele com um sorriso sedutor, cantando “Amado, vem!”. As sereias são ouvidas de novo, cantando suavemente à distância. Vênus usa de seus poderes de sedução tentando enfeitiça-lo sem parar. Com grande emoção, ele toma novamente sua harpa, e mais uma vez repete seus pedidos para ser libertado dali. Em seguida, Vênus, em grande fúria, o ameaça. Diz-lhe que será rejeitado na Terra, um proscrito, e que seu deus cristão nunca o perdoará. Tannhäuser responde simplesmente que coloca sua fé na Virgem Maria.

TannhäuserMeu orgulho me convida ao combate, eu não buscarei de novo a voluptuosidade nem o prazer. Ah, se pudesses me compreender, deusa! A morte é a minha única busca! É na verdade a morte que me dá pressa de ir!
VenusSe a morte fugir de ti, se a própria sepultura se recusar receber-te, então retomarás para junto de mim.
TannhäuserMinha morte e minha sepultura eu já as trago aqui no coração; só pelo arrependimento e pela penitência é que poderei encontrar repouso!
VenusNunca terás descanso, Nunca encontrarás a paz! Retorna para mim se qualquer dia buscares a tua salvação!
TannhäuserDeusa de todas as delícias e do prazer, não! Ah, não será em ti que a minha alma encontrará a paz nem o repouso! Minha salvação está somente em Maria!

À menção do nome da Virgem, quebra-se o feitiço. Com um grito, Vênus desaparece. Há um barulho de alguma coisa se partindo, e uma completa escuridão quando a cena muda.

Cena 02
Um vale perto de Wartburg. Tannhäuser, de repente, se vê no meio de um vale tranquilo, o Sol brilhando, e o céu azul acima. Sua vida em Venusberg acabou. Ao fundo, aparece o poderoso Wartburg, com um caminho pela montanha levando até ele. No primeiro plano, um oratório da Virgem. De um monte próximo vem o tilintar de sinos de ovelhas. Sentado num rochedo, um jovem pastor toca sua flauta. Ele canta uma melodia pastoral folclórica para Holda, deusa da primavera.

O PastorSenhora Holda, venha para fora da montanha, para passear pelos campos e prados, e ouvir os doces sons perceptíveis aos meus ouvidos e que meus olhos desejam espiar; aqui eu sonhei alguns maravilhosos sonhos, e mal eu abri os olhos lá brilhava o ardente sol, o mês de maio estava chegando. Agora eu toco alegremente o meu pífaro: maio está aí, o adorável maio.

Vários peregrinos passam à distância na sua jornada para Roma, e entoam o “Coro dos Peregrinos” à medida que eles seguem seu caminho na direção da montanha. O pastor, ouvindo o canto deles, para de tocar a flauta ouvindo reverentemente. Balançando seu boné, ele pede que rezem por ele quando chegarem a Roma.

Canto dos Mais Velhos Peregrinos – Para ti eu marcho, meu Jesus Cristo, pois és a esperança dos peregrinos! Louvada sejas, ó virgem doce e pura, à nossa peregrinação digna-te lançar tua bênção! O duro fardo dos meus pecados eu já não posso suportar, antes cuidados e aflições do que repouso e bem-estar. Bendito aquele que, fiel à graça, na santa festa da indulgência, encontra enfim o seu perdão, por contrição e penitência. O Pastor – Feliz viagem! Boa viagem a Roma! Rezai pela minha pobre alma!

Durante todo este tempo, Tannhäuser manteve-se parado, como enfeitiçado, embevecido com a beleza da cena. Profundamente comovido, ele cai de joelhos em oração quando a processão passa pelo escrínio da Virgem, e desaparece no caminho da montanha. O pastor também segue seu caminho, e os sinos das ovelhas são ouvidos cada vez mais fracos à distância. Tannhäuser permanece ajoelhado, absorto em prece fervorosa. As lágrimas embargam-lhe a voz. Curva a cabeça até o chão, e parece chorar amargamente. Ouvem-se sinos distantes quando o canto dos peregrinos morre ao longe.

Depois, vem o som de trompas de caça, aproximando-se cada vez mais. Surge um grupo de homens em trajes de caça. Trata-se de Hermann, o Landgrave, com sua comitiva. No grupo está Wolfram, que reconhece seu velho amigo Tannhäuser. Atônito ele se ergue rapidamente, e faz uma reverência silenciosa ao Landgrave, que saúda seu favorito há tanto tempo desaparecido. Tannhäuser responde às suas perguntas com evasivas, e diz que estava viajando por terras estranhas. Tenta se esquivar deles, dizendo que foi condenado a vaguear sozinho, mas ele pedem para que ele fique por ali. Quando Wolfram menciona o nome da encantadora Princesa Elisabeth, Tannhäuser para, embevecido. Wolfram diz que Elisabeth tem sofrido por causa dele, saudosa de suas canções, desde que ele deixou Wartburg, e não entrou no recinto dos menestréis durante sua ausência. Ele apela para que Tannhäuser volte. A música deste apelo é especialmente expressiva, enquanto os outros também fazem coro aos pedidos de Wolfram. Tannhäuser está profundamente comovido. Ele se joga nos braços de Wolfram, agradece depois aos menestréis, faz uma reverência ao Lendgrave, confessando sua alegria em se reunir a seus velhos companheiros. Outros membros da comitiva do Landgrave aparecem na cena. Os caçadores tocam suas trompas. Depois, Tannhäuser alegremente se une a eles, cantando em coro.

O LandgrafÓ retoma para nós valoroso menestrel! Dá trégua aos conflitos e às disputas!
Tannhäuser – Para junto dela! Para junto dela! Oh, conduzi-me perante ela! Ah, agora eu reconheço novamente o esplêndido mundo do qual eu estive separado! O céu se debruça sobre mim, os prados resplandecem nos seus mais belos adornos. A primavera, jubilante, entrou na minha alma, acompanhada de mil canções arrebatadoras; na suavidade, na urgente avidez, meu coração chora e clama em voz alta, “A ela!” “A ela!” Conduzi-me perante ela!
O Landgraf, os Menestréis – Ele que esteve perdido retornou! Um milagre o trouxe de volta! Bendito seja o doce poder, que baniu do seu coração o orgulho! Que tenha novamente a Adorada seus ouvidos ligados aos nossos hinos, exaltando a sua nobreza! E que estes aqui, plenos de um novo ardor, jorrem alegria de suas gargantas e almas!

Ato 02
O Salão dos Menestréis no Wartburg. Através da espaçosa abertura ao fundo vemos um panorama do pátio e do vale abaixo. Entra Elisabeth, e apaixonadamente louva o salão, que será novamente alegrado com a voz de Tannhäuser, que tanto o glorificou, e diz sua alegria na área: “Querido salão, eu te saúdo de novo, com alegria, de todo o meu coração eu te saúdo, adorável lugar! Em ti as canções dele nasceram e me despertaram das sombras. Desde que ele partiu tu me pareces vazio! A paz me abandonou, e a alegria desapareceu de ti! Como agora meu coração se exalta e tu transpareces, outra vez, imponente, nobre e receptivo! Aquele que dá vida a ti e a mim não está mais distante! Eu te saúdo! Eu te saúdo! A ti amado salão, eu te saúdo!”

Quando Elisabeth termina, Tannhäuser é conduzido por Wolfram pelo fundo da cena, e entram no salão. Por alguns momentos ele se encosta num pilar, e depois se arroja aos pés de Elisabeth. Em tímida confusão, a jovem pede que ele se levante, dizendo que aquele lugar é de domínio dele, que ele conquistou com suas canções. Gentilmente, Elisabeth porgunta aonde esteve. Erguendo-se lentamente, Tannhäuser diz que um véu caiu para sempre entre ontem e hoje, pois os céus operaram uma mudança no seu espírito. “Esse milagre eu louvo do fundo do meu coração”, diz Elisabeth. Tannhäuser e ela se unem em um fervente dueto:

TannhäuserDeves exaltar o deus do amor, que me tocou! É ele que inspirava meus versos; é ele que te falava através dos meus cantos; é ele que me reconduziu até aqui perante ti!
Elisabeth / TannhäuserBendito seja este instante, abençoada seja a força que pela tua presença me mostrou um tão doce segredo!
TanhnhäuserA esta nova vida encontrada possa eu, agora, ser devotado inteiramente; tremendo de alegria, eu chamo esse milagre de o mais belo!
ElisabethAureolado de um esplendor radiante, um sol refulgente sorri para mim; despertada para uma nova vida, eu chamo enfim a alegria de minha companheira!

Wolfram permaneceu ao fundo. Verifica agora que se desvaneceram suas esperanças com Elisabeth. Sua grave e digna confissão forma um contraste com o enlevo de Tannhäuser e Elisabeth.

Quando Tannhäuser e Wolfram saem, o Landgrave faz seu aparecimento, saudando Elisabeth por vê-la naquele lugar, onde há muito não entrava, e proclamando-a a rainha do festival de canção. Diz-lhe que todos os nobres estarão ali, porque, mais uma vez, o vencedor receberá o laurel das mãos dela.

A Corte se reúne agora com muita pompa. Quatro pajens anunciam a chegada dos vários grupos de convidados. Os cavalheiros, nobres, damas, e damas de companhia entram e são recebidos pelo Landgrave e por Elisabeth. Esta cerimônia é uma cena muito inspirada, e a “marcha de Tannhäuser” atinge um magnífico clímax. O coro dos cavalheiros e dos nobres se une ao coro das damas.

Cavaleiros e Nobres DamasCheios de alegria saudamos o nobre Salão, onde de todos os tempos a arte e a paz sempre e somente moram; que por longos tempos ainda a fama ressoa: glória ao Landgraf Hermann, o príncipe da Turíngia. Glória! Glória! Ao Príncipe da Turíngia! Ao protetor da mais graciosa das artes. Glória! Glória! Glória!

Os nobres e as damas tomam seus lugares de um lado do grande salão para a competição de canção, e o Landgrave e Elisabeth ocupam os dois lugares de honra.

Entram agora os menestréis, saudando a assembleia de maneira pomposa, e tomam seus lugares no lado oposto do salão. O Landgrave se levanta, e anuncia que o Amor será o tema do concurso de canção, e que a própria mão de Elisabeth premiará o vencedor.

Começa a competição. OS quatro pajens recolhem de cada cantor um rolinho de papel contendo seu nome. Os rolos são colocados em uma taça de ouro, que é apresentada a Elisabeth. Ela escolhe um dos papéis, entrega-o aos pajens, que, em quarteto, anunciam o nome. Wolfram foi o primeiro sorteado. Ele canta com poder e eloquência seu “Elogio do Amor”. É uma canção de plácido amor por Elisabeth, onde diz que a adora à distância. É muito aplaudido pelos menestréis e nobres.

Wolfram Eu direciono minha vista para esta nobre assembleia, o meu coração palpita e se inflama com tão augusta visão! Vejo aqui heróis, alemães, valentes e sábios, altivos, imponentes como carvalhos, de vivo e verde vigor; e vejo damas belas e virtuosas, com diademas perfumados com finas e amáveis flores. Eu sinto que meu olhar se enleva com essa visão, meu canto é silenciado ante semelhante encanto e esplendor. Então eu elevo meu olhar até uma única estrela, lá no alto dos céus, onde brilha para mim: meu espírito é confortado pela radiante distância e minha alma se prostra e se submerge em piedosa prece. E, vede, eu contemplo uma fonte de delícias, à qual meu espírito se transporta no mais elevado êxtase, e ao seu manancial ele retira as delícias da mais santa indulgência, bálsamo indizível com o qual refresco o meu coração. E nunca mais eu quero profanar essa fonte, ou turvar suas águas com pensamentos impuros: em devoção a ela eu a mim me sacrificaria e com prazer derramaria até a última gota do meu coração! A vós, nobres, desejo expressar nessas palavras como a mim me parece ser a pura essência do amor.

Durante a canção de Wolfram, a atitude de Tannhäuser é de impaciência e desdém. Subitamente, sua expressão se transforma em estranha alegria. Ele se ergue como se estivesse sonhando. Tange as cordas da sua harpa, e um sorriso sinistro indica que uma estranha emoção tomou conta dele. Depois, toca a harpa com fúria, todo o seu ser demosntrando que está fora de si. Parece até ignorar Elisabeth quando irrompe em uma canção de paixão sensual: “Oh, Wolfram, se é este o teu canto, desfiguraste mui claramente o amor! Se tu o limitas a mórbidos suspiros, com certeza o mundo inteiro logo se esgotaria. Para glorificar a Deus, nas sublimes alturas celestiais, levemos os olhos para os céus, contemplemos as estrelas: a adoração convém a tais maravilhas porque elas são inacessíveis! Mas aquilo que se abre ao nosso afago, que se deleita perto de nosso coração e de nossos sentidos, o que foi criado como matéria e se curva para nós como suave carne, corajosamente devemos beber da fonte do prazer: o manancial de delícias, ao qual não se deve ter medo de misturar-se; eu de um salto junto-me a fonte tão inesgotável com meu inexaurível desejo. Tu, que jamais escorregaste para a fraqueza, fica ciente de que a fonte jamais se esgota, por isso meu desejo é sempre apetecível. Assim, ansioso por um eterno desejo, eu descubro nessa fonte eterno reconforto. Aprende bem, Wolfram, tal é para mim a mais autêntica essência do amor!”

Há uma consternação geral entre os presentes. A casta Elisabeth fica perplexa ante o conflito de emoções de amor e ansiosa surpresa. Biterolf, um cavalheiro arrojado, ergue-se rapidamente, e reprime Tannhäuser, mas este, com veemência sempre crescente, pergunta a Biterolf o que ele sabe a respeito de tal prazer, e reitera seu ponto de vista acerca do amor. Os nobres, agora em grande excitação, acreditam que ele ficou louco, Biterolf saca da espada. O Landgrave, entretanto, pede ordem.

Wolfram tenta acalmar o crescente nervosismo com um segundo elogio ao amor. Tannhäuser, completamente fora de si, lança-se agora num “Hino a Vênus”, gritando que somente ele, entre todos os tolos mortais, provou a plenitude do amor, e que somente Vênus pode ensinar a respeito do amor. Há uma desordem geral, e horror, pois agora ficam sabemdo que Tannhäuser visitou Venusberg.

WolframO céu, deixa-me agora implorar-te! Dá a minha canção a consagração do prêmio! Deixa-me ver banido o pecado desta nobre e pura assembleia! Deixa minha canção ressoar. A ti, sublime amor, celebro a minha canção, que penetrou em mim com beleza angelical e profundamente com ímpeto na alma! Tu vens de Deus, és seu enviado, reverente eu te sou na distância: assim, guia-me pela terra, onde para sempre brilha a tua estrela!
Tannhäuser – Para ti, deusa do amor faz ressoar minha canção, bem alto, deixa-me agora cantar em teu louvor! Teu doce encanto e charme é a fonte de toda beleza! E cada terno prodígio provém de ti! Somente quem se estreitou nos teus ardentes braços conhece o que é o amor – somente ele pode sabê-lo. Tristes e necessitados, que ignoreis como ela ama, ide, ide à montanha de Venus!

Todos os OutrosAh! O infame! Fugitivo!
O que ouvistes! Ele esteve no Venusberg!
As Nobres DamasFora! Fora! Fora de sua presença!

As damas deixam o salão em grande confusão. Elisabeth, pálida e trêmula, é a única a permanecer. O Landgrave, os cavalheiros e os menestréis levantam-se e se reúnem. Tannhäuser permanece de pé, estático, como em transe. Os cavalheiros e os nobres se aglomeram à volta dele, com as espadas desembainhadas, ameaçando mata-lo por causa de suas blasfêmias. Elisabeth corre a se interpor entre eles, detendo-os, e todos recuam quando ela faz de seu corpo um escudo para Tannhäuser. Mais uma vez eles tentam se aproximar do menestrel, e mais uma vez Elisabeth intervém, dizendo que não lhes cabe julgá-lo, que ele deve ter sua oportunidade para alcançar a salvação divina. Pergunta-lhe que ferida mortal poderiam abrir-lhe, em comparação com a que Tannhäuser lhe fez no coração. Acrescenta que, por ela, ele aprenderá a vontade de Deus, pois ela rezará por sua alma.

ElisabethAfastai-vos dele! Vós não sois seus juízes! Bárbaros! Lançai à parte as vossas selvagens espadas e escutai as palavras de uma virgem sem mancha! Aprendei por minha voz a vontade de Deus! Esse infeliz homem, que um terrível, poderoso feitiço o segurou cativo, – o quê! Pode ele nunca encontrar a salvação através do arrependimento e da expiação neste mundo? Vós que vos proclamais tão fortes na verdadeira fé, desconheceis assim o ensinamento do Todo Poderoso? Quereis vós subtrair a esperança para o pecador, então dizei, o que ele fez de mal para vós? Olhai-me, a jovem virgem, na qual ele despedaçou com um golpe brutal o prazer de viver, a mim que o amava do mais profundo do meu ser, ele traspassou o coração, que era só júbilo! Imploro por ele, imploro por sua vida, A fim de que, arrependido, ele encontre seu caminho de penitente! Deixai-o recobrar o ânimo da fé porque o Salvador outrora também padeceu por ele!

Tannhäuser é agora acometido de vergonha e contrição e, caindo ao chão, pede perdão para sua alma. O Landgrave, com grande solenidade, avança e dá seu julgamento. Tannhäuser é banido de seus domínios. O Landgrave sugere que o cavalheiro se uma a um grupo de peregrinos que estão de partida para buscar a absolvição em Roma, enquanto Elisabeth chama a atenção para a confortadora promessa do “Coro dos peregrinos”, que ecoa no vale.

O LandgrafUm crime abominável vem de ser aqui cometido. Carregado de maldição, sob uma máscara de hipocrisia, o filho do pecado foi introdu- zido em nosso meio. Nós te expulsamos de nosso grupo – te proibimos de habitar perto de nós; nossa mesa por ti foi profanada; o céu ele mesmo te observa, ameaçador, neste teto que há muito te abrigou. Portanto, ao envolvido pela condenação eterna, um caminho resta aberto que conduz à tua salvação: ao te banir desta terra eu te o indico. Toma-o e salva a tua alma! Reunidos se encontram em minhas terras peregrinos penitentes, em grande número; os mais velhos já marcham à frente; os mais jovens descansam ainda no vale. Para confessar seus pecados, os mais veniais, não concedem ao seu coração nenhum repouso. Para apaziguar suas paixões com penitência, eles se dirigem a Roma, às festas do perdão.
Os Jovens Peregrinos – Na sublime festa do perdão e da graça humildemente expiarei meus pecados! Abençoado o que se mantém fiel à sua fé: pela penitência e arrependimento será salvo.

Um súbito raio de esperança inspira Tannhäuser. Ele se joga aos pés de Elisabeth, e beijando-lhe devotadamente a barra do seu vestido, exclama que se unirá ao grupo de peregrinos, dizendo em exaltação “Para Roma”. O coro dos nobres repete essas palavras, e Elisabeth o olha num misto de desespero e piedade.

Uma curiosidade, no meio do conjunto que encerra o ato dois, Elisabeth e depois os outros cantam um tema muito parecido com o que foi utilizado na Branca de Neve e depois se tornou um dos temas símbolo da Disney, coincidência ?

Ato 03

Um vale perto de Wartburg. É a mesma cena tranquila, na qual Tannhäuser se encontrou depois de ter abandonado Vênus. Elisabeth rezou, cheia de esperanças, aguardando o retorno de Tannhäuser de sua peregrinação, mas foi em vão. Diversos meses decorreram, e o cavalheiro errante não regressou.

O crepúsculo está próximo. Diante do oratório da Virgem, Elisabeth, toda de branco, está ajoelhada e rezando. Wolfram se aproxima, vindo de uma trilha no bosque, e percebe a presença de Elisabeth. Medita sobre a atitude da jovem, sempre rezando pelo retorno de Tannhäuser, porém suas preces não foram atendidas.

Da distância vem o som de um grupo de peregrinos. Elisabeth se ergue ansiosa. Ouvimos, então, o belo “Coro dos Peregrinos”, crescendo gradualmente à medida que o grupo de penitentes, passando se dirige lentamente através do vale. Elisabeth procura ansiosa Tannhäuser entre os peregrinos de volta, mas ele não está ali. Ela cai de joelhos mais uma vez, e ora à Virgem Maria para que ela a venha buscar, e que o pecado de Tannhaäuser seja perdoado. Esta linda ária é a “Oração de Elisabeth”.

Os Peregrinos mais Idosos – Eu ofereci ao Senhor minha contrição, minha penitência; meu coração lhe pertence porque sua bênção coroou meu arrependimento! Louvor a ti, Senhor! A graça da salvação é garantida com a penitência, ela me conduzirá um dia à paz da eterna bem-aventurança; inferno e morte não mais me amedrontam, por toda a vida exaltarei o nome de Deus. Aleluia! Aleluia, até a eternidade!

ElisabethEle não retomou!
Os PeregrinosO minha pátria, é-me permitido enfim te contemplar e alegremente saudar-te nos teus queridos prados. Agora me deixa fazer repousar meu cajado de peregrino.
ElisabethVirgem toda poderosa, escuta minha prece! Rainha da Glória, eu te imploro! Deixa-me diante de ti ser eliminada no pó. Oh, leva-me deste mundo! Faze que, pura e semelhante aos teus anjos, eu entre em teu santo regaço! A cada vez que, prisioneira de tolas ilusões, meu coração se houver afastado de ti, se um desejo maligno, mais de inclinação aos prazeres do mundo, persuadiu o meu espírito, eu te asseguro que me esforcei, sofrendo muitas dores, para os destruir em meu seio. Se não pude penitenciar-me por cada erro, então, apieda-te de mim, a fim de que mui humildemente te renda devoção e dignamente possa me aproximar de ti, como serva fiel, e confiante em tua mais abundante graça misericordiosa, possa implorar teu perdão por seus pecados.

Durante muito tempo, ela permanece ajoelhada, depois lentamente se levanta, como se estivesse em transe. Wolfram se aproxima para falar-lhe, mas ela lhe pede que fique em silêncio, e por gestos expressa-lhe seus profundos agradecimentos pelo fiel amor dele. O caminho dela agora a leva para o céu, onde terá uma elevada tarefa a realizar. Ela não quer que ele a acompanhe ou siga. Lentamente subindo o caminho que leva ao Wartburg, desaparece da vista. O vale se escurece com a aproximação da noite. O fiel Wolfram senta-se ao pé da montanha, e começa a tocar sua harpa lentamente. Quando a estrela vespertina brilha no céu distante, ele dirige seu canto a ela, pedindo que abençoe e guie Elisabeth. Para este que vos escreve esta “Canção da Estrela Vespertina” é uma das mais belas melodias desta ópera de Wagner.

WolframPremonição fúnebre, esse crepúsculo sobre a terra, envolvendo o vale com sua sombra cinza; até a alma que deseja elevar-se ao céu estremece ao ouvir as asas esta noite lúgubre. Mas tu apareces então, oh, tu a mais charmosa das estrelas, e nos envia de longe o reconforto da tua luminosidade; teu caro raio traspassa o crepúsculo e suas trevas, e tu nos mostras, ó amiga, por onde sair do vale. Ó tu, minha mui tema e gentil estrela vespertina, ditoso eu te saúdo sempre com grande prazer; do fundo de um oração que nunca a traiu, eu te peço, saúda-a por mim, quando ela passar perto de ti, quando ela deixar este vale de lágrimas, para começar a ser, no céu, um anjo bem-aventurado.

Na noite escura, uma figura sombria surge, vestindo uma túnica de peregrino. Sua face está pálida e contraída, e ele caminha com dificuldade, apoiado em um bordão. Wolfram reconhece Tannhäuser e pergunta-lhe por que voltou se ainda não foi perdoado. Tannhäuser, selvagemente, declara-lhe que vai voltar para Venusberg. Wolfram, horrorizado, pergunta-lhe se ele não foi a Roma e amargamente ele responde que sim. Quando Wolfram pergunta-lhe o que aconteceu. Tannhäuser senta desesperado. Wolfram vai se sentar a seu lado, mas Tannhäuser diz que não o faça, acrescentando que ele, Tannhäuser é amaldiçoado. Conta como o papa absolveu todos os peregrinos, mas se voltou para ele com uma terrível denúncia. Como ele tinha provado das delícias proibidas de Venusberg, disse o papa, então estava condenado para sempre. O Santo Padre acrescentou: “Como nesse bastão em minha mão nunca mais nascerá uma folha viva, assim de ardente marca do inferno a salvação nunca florescerá para ti!”. Abandonado por todos, exclama Tannhäuser, somente poderá ser recebido por Vênus. Sim, ele novamente está a caminho de Venusberg. Wolfram tenta detê-lo nessa sua louca determinação.

As nuvens gradualmente enchem a cena. Tannhäuser invoca Vênus. Um confuso turbilhão de formas dançantes torna-se visível com os acordes da “Musica de Venusberg”, a medida que Vênus aparece, reclinada em seu leito, cantando sua deliciosa e sedutora melodia. Ele está quase se lkançando nos braços dela, mas Wolfram o detém, e roga-lhe que alcance a salvação da alma. Os dois cavalheiros lutam violentamente. Tannhäuser não ouve as súplicas de Wolfram. Quando Tannhäuser se liberta, gritando que o céu esta fechado para ele, Wolfram diz que a salvação está nele porque um anjo reza por ele, Elisabeth. Tannhäuser ára como que enfeitiçado. Ele repeto o nome, “Elisabeth”, à medida que sua mente se volta mais uma vez para o verdadeiro e puro amor daquela suave princesa. Vênus grita: “Infeliz de mim! Perdi-o” e a visão desaparece.

As nuvens se adensam, e através delas brilha a luz de tochas. Depois, à medida que os primeiros raios da manhã começam a brilhar, aproxima-se um cortejo fúnebre, vindo de Wartburg, se encaminhando para o vale. Peregrinos, seguidos por menestréis, carregam um caixão aberto, onde jaz o cadáver de Elisabeth. São seguidos pelo Landgrave, cavalheiros e nobres, cantando que Tannhäuser foi absolvido pelo amor de Elisabeth. Wolfram leva Tannhäuser até o caixão de Elisabeth. Caindo para trás, ele grita “Santa Elisabeth, ora por mim!” Ele morre. Todos depositam suas tochas no chão e as apagam. A aurora traz completa claridade à cena! Entra um coro de jovens peregrinos, cantando o milagre que acabam de ver. Com eles, trazem o bastão do papa, que milagrosamente floresceu com folhas novas, um sinal do perdão de Deus.

TannhäuserSanta Elisabeth, orai por mim!
Os Jovens PeregrinosGlória! Glória! Glória ao milagre da graça! O mundo obteve a redenção! Nesta santa hora da noite do Senhor, Ele mesmo se manifesta através de um milagre: o báculo seco na mão do pontífice, Ele o fez reverdecer, ele o ornou de ramos verdes; Assim, para o pecador à margem da fogueira do inferno, a redenção pode desabrochar um dia! Proclamai isto por toda a terra, que através deste milagre ele encontrou a salvação! No alto, acima de tudo, está Deus e sua misericórdia nunca será procurada em vão! Aleluia! Aleluia! Aleluia!
O Landgraf, os Menestréis, os Velhos PeregrinosA graça de Deus foi garantia ao penitente, ele agora entra na paz da bem-aventurança!

Enquanto cantam a redenção de Tannhäuser, lentamente a cortina se fecha.

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Personagens e intérpretes

Vamos compartilhar duas versões maravilhosas da ópera com os amigos do blog: A versão Dresden com o maestro Franz Konwitschny e a versão Paris com o maestro Georg Solti, na minha modesta opinião, considero esta como sendo um dos seus melhores Wagner e a tenho como a melhor leitura deste trabalho, é pura tensão e eletricidade com tempos rápidos. O Konwitschny é mais lento e calmo, um Wagner “domado” pelo grande maestro da então Alemanha Oriental.

Tannhäuser (Dresden)
Essa produção de 1961 com excelente som estéreo, rico, completo, nítido e com um elenco cuja qualidade combinada seria impossível de replicar hoje, para este admirador esta é uma das melhores versões de Dresden desta ópera. Grandes cantores, coro e orquestra. As duas protagonistas femininas são excelentes, Schech e Grummer, ambas no auge. A qualidade virginal de Elisabeth por Elisabeth Grümmer, a sutileza lírica requintada do então jovem Dietrich Fischer-Dieskau como Wolfram e o inimitável tenor Fritz Wunderlich como Walther. A voz opulenta de Gottlob Frick transmite autoridade e sentimentos como o Landgrave Hermann, Frick tem uma voz impressionante por sua solidez, nem quente demais e nem aveludado, com um tom levemente seco. O Tannhäuser de Hans Hopf com seus registros baixos escuros muito ricos e seus altos que brilham, uma voz muito bonita com bela entonação, seu desempenho é ótimo. A condução do maestro Franz Konwitschny é lírica, pensativa e contida o conjunto é realmente impressionante, poderoso, musical e afinado. A orquestra toca soberbamente do início ao fim e Konwitschny guia magistralmente o drama, nem pesado nem rápido demais. Li algumas críticas negativas dos profissionais mais velhos e rabugentos dos anos 60 e 70. É uma interpretação que é um verdadeiro banquete musical, maravilhoso.

Elisabeth Grümmer – Elisabeth
Hans Hopf – Heinrich Tannhäuser
Dietrich Fischer-Dieskau – Wolfram von Eschenbach
Gottlob Frick – Hermann, Landgraf
Marianne Schech – Vênus
Fritz Wunderlich – Walther von der Vogelweide
Gerhard Unger – Heinrich der Schreiber
Reiner Süss – Reinmar von Zweter
Rudolf Gonszar – Biterolf

Chor der Staatsoper Berlin
Orchester der Staatsoper Berlin -Franz Konwitschny
Gravação – 1961

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Tannhäuser (Paris)

Esta monstruosa gravação dos idos de 1971 nos oferece um Wagner excelente ! Uma das gravações de Wagner que mais gosto. Christa Ludwig é uma Vênus sedutora, brilhante e ela está com uma voz maravilhosa: quente e rica em tom, uma Vênus irresistível. Helga Dernesch, uma doce Elisabeth, René Kollo numa grande performance. A firmeza no canto de Hans Sotin soa gentil e bem sonoro. O resto do elenco se encaixa perfeitamente, vozes poderosas e lindamente conduzidas por Solti que consegue encontrar o “ponto ideal” dos seus cantores. Este é aquele tipo de gravação que podemos ouvir o “coro” de vozes no final do Ato Dois não se misturar em uma espécie de confusão sonora: podemos seguir uma ou mais das vozes por palavra durante os minutos finais, ESPLÊNDIDO! A Filarmônica de Viena é excelente como de costume, oferecendo acompanhamento orquestral perfeito. Solti conduz com paixão e determinação. Os efeitos estereofônicos são usados de maneira ambiciosa um exemplo é o coro de peregrinos que “anda” da esquerda para a direita nas caixas de som ou fones de ouvido.

Hans Sotin – Hermann o Landgrave
Helga Dernesch – Elizabeth
René Kollo – Heinrich Tannhäuser
Victor Braun – Wolfram von Eschenbach
Werner Hollweg – Walter von der Vogelweide
Kurt Equiluz – Heinrich der Schreiber
Manfred Jungwirth – Biterolf
Norman Bailey – Reinmar von Zweter
Christa Ludwig – Venus

The Vienna Boys’ Choir, Vienna State Opera Chorus
The Vienna Philharmonic Orchestra – Georg Solti
Gravação – 1971

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Libreto no velho e bom português AQUI

Hoje sem gracinhas, por favor !

Richard Wagner (1813 – 1883) – Der fliegende Holländer – Dietrich Fischer-Dieskau, Franz Konwitschny

Mais uma parceria da dupla Ammiratore – FDPBach, dando prosseguimento à postagem das óperas de Richard Wagner (1813-1883). Sim, eu sei, é um processo lento, demorado. Cada postagem é feita com muito cuidado e carinho, pesquisamos bastante, e claro, a correria do dia – a – dia não dá folga. Nem eu nem o Ammiratore sabemos o que é essa tal de quarentena no serviço. Estamos trabalhando normalmente, claro que observadas todas as questões de segurança.

Minha escolha inicial da gravação do “Der fliegende Holländer”, ‘O Holandês Voador’, ou também conhecida como ‘O Navio Fantasma’ era a de Georges Solti, realizada em 1976, tendo Norman Bailey como o Holandês, mas meu caro colega veio com essa versão matadora, provavelmente a melhor gravação já realizada desta ópera, com o imenso Dietrich Fischer-Dieskau, o melhor e mais importante barítono do Século XX e XXI, no papel principal. Esse é um daqueles músicos que alcançaram tal estatura que estão no Olimpo dos grandes intérpretes, ao lado de Rubinstein, Rostropovich, Richter, entre outros. E aqui também temos Fritz Wunderlich, o grande tenor, falecido precocemente, que também realizou algumas gravações memoráveis.

A primeira vez que li alguma coisa sobre a lenda do Holandês Voador foi em uma antiga revista de quadrinhos de histórias de terror, chamada Cripta. Fiquei emocionado com a história. Alguns anos depois comprei o LP duplo da Decca, tendo George Solti como regente, gravação que citei acima. Sendo assim vamos ao que viemos, temos a honra de, novamente, trazer mais uma grande gravação de ópera “Der Fliegende Hollander” o primeiro grande sucesso de Wagner. Desta vez traremos a batuta do maestro Franz Konwitschny, esta performance de 1960 é extraordinária, os cantores Fischer-Dieskau, Gottlob Frick e o grande Fritz Wunderlich estão na ascendente das carreiras. O resultado é uma joia.

Franz Konwitschny

Esta gravação foi feita na Berlim oriental dos anos 60, quase um ano antes da construção do Muro. O maestro Franz Konwitschny (1901-1962), ficou muito pouco conhecido devido à situação política complicada daquela época. Isso é lamentável, porque, como podemos ouvir nesta gravação, ele foi um artista de alto nível e na pesquisa que fizemos ele foi um dos principais pilares de Dresden, Leipzig e Berlim Oriental por muitos anos até sua precoce morte. Ele interpretou esta ópera de Wagner com ritmos bastante restritos e amplo suspense, enfatizando os aspectos líricos e não dramáticos da partitura. Os temas e estruturas da ópera são trabalhados com cuidado e são bem claros. Para isso, ele tinha excelentes músicos, nomeadamente o “Chor der Deutschen Staatsoper Berlin” e a “Staatskapelle Berlin”. Em nenhum momento há uma queda de tensão, ambas as formações fazem um trabalho brilhante. A condução de Konwitschny oferece uma combinação notável de drama, beleza, poder e calor. A orquestra é lindamente cultivada e a qualidade do som é maravilhosa.

Porém a escolha e o foco da gravação é o monumental Dietrich Fischer-Dieskau. Na consciência de suas possibilidades vocais, ele não cria o personagem-título de maneira particularmente poderosa e fantasmagórica, mas apresenta traços quase transcendentais e, assim, cria um psicograma fascinante do marinheiro pálido. Cada frase, cada nota não é apenas cantada lindamente, mas projetada com a mais alta introspecção. … nos oferece uma performance excepcional ! Seu lindo, melódico, sombrio e bravo holandês é tudo o que podemos imaginar do personagem ! PQP que interpretação !

O Daland de Gottlob Frick também merece aplausos. O cantor tinha uma das mais belas vozes graves do século XX, um dos grandes baixos de Wagner de todos os tempos. O jovem Fritz Wunderlich, no pequeno papel de timoneiro, dá uma idéia das grandes realizações que ele foi capaz. Seu magnífico teor quase eleva o timoneiro ao papel de protagonista. Sieglinde Wagner era uma cantora experiente e agrada no papel de Maria. Marianne Schech como Senta, bem…. no geral ela é segura e claramente projeta um ponto de vista dramaticamente diferente da histeria do personagem que estamos acostumados a ouvir. Ela interpreta uma Senta muito lírica, mais romântica e até que ficou bonita, mas não é a personagem beirando a loucura. O dueto entre ela e o Holandes é magnífico, mas romântico. Rudolf Schock, faz seu papel de Erik de forma competente, gostei da forma refrescante ao ouvir a sua abordagem nova, lírica e natural o dueto com Senta também é diferente do tradicional, mais meladão, também muito bonito de ouvir. Os técnicos de gravação fizeram um bom trabalho. O som estéreo é excelente.

Na primeira postagem do “Der Fliegende Hollander” comentamos muito da concepção da obra e do enredo e para não ficar repetitivo vamos abordar nesta postagem outros aspectos tendo como base o incrível trabalho da Iracema Maria de Macedo. Como já escrevemos um texto legal no outro post vale a pena relembrar AQUI.

“Der Fliegende Hollander” é uma ópera romântica em três atos, baseada na versão que Heinrich Heine deu à lenda do holandês errante em “Aus den Memoiren des Herren von Schnabelewopski”, publicada em 1834. A lenda vinha se espalhando pela Europa desde o início do século XVIII e passava de geração a geração. No início do século XIX, começou a receber uma elaboração literária em versões inglesas e alemãs. É uma estória típica de um povo de navegadores, os holandeses, nos tempos das grandes conquistas marítimas. Tratava-se de uma superstição referente a uma embarcação fantástica, supostamente avistada pelos marujos em suas viagens. Essa embarcação sobrenatural se distinguia das embarcações normais por exibir todas as suas velas alçadas ao vento quando as condições de tempo estavam totalmente desfavoráveis e não permitiam aos navios comuns levantar o menor pedaço de pano. Dizia-se que um marinheiro holandês, em punição pela audácia de ter afrontado o diabo durante uma tempestade, foi condenado por este último a errar eternamente pelo mar, sem sossego, sem paz e sem poder morrer. O holandês só se libertaria dessa maldição se uma mulher o amasse e se sacrificasse, sendo-lhe fiel até a morte. A cada sete anos ele tinha o direito de atracar em terra firme em busca de sua redentora.

Wagner escreveu que essa lenda exprime uma característica geral dos homens muito antiga: o desejo de tranquilidade diante das aflições e tempestades da vida. Segundo ele, há duas outras versões muito conhecidas desse tema. No mundo grego, a lenda do holandês se equipara à vida errante de Ulisses em sua nostalgia da pátria e do lar e, no mundo cristão, à lenda do judeu que foi condenado a vagar eternamente sobre a terra, sem direito à morte e ao descanso. Na estória do holandês haveria uma curiosa mistura dos traços da lenda de Ulisses e da lenda do judeu.

A composição de “Der Fliegende Hollander” marca ainda um momento decisivo da evolução de Wagner. Seria o início de sua carreira como poeta dramático e o fim de sua história como libretista de ópera. Ele pensa que isso não teria acontecido bruscamente e de modo consciente mas como uma pulsão natural de sua originalidade e do seu modo particular de encarar a arte. Era o amadurecimento de um artista na descoberta de seu próprio caminho. Rompendo com o modelo tradicional, correu riscos e expôs sua obra a um destino incerto. Porém nas primeiras apresentações “Der Fliegende Hollander” foi uma decepção para o público de Dresden que, pouco tempo antes, havia aclamado calorosamente a ópera “Rienzi”. Wagner compreendeu o quão difícil seria encontrar espectadores amadurecidos e sensíveis a suas inovações. Reza a lenda que após uma apresentação e recepção morna em Berlim, um homem e uma mulher desconhecidos vieram até Wagner falando espontaneamente das expressões e emoções suscitadas pela obra. Para Wagner esse episódio marcou uma compreensão mais nítida, mais importante do que se fazer entender por uma multidão de espectadores, seria atingir a sensibilidade de algumas pessoas, em particular, que poderiam servir como referência para poder perceber se sua mensagem foi transmitida ou não. “Fazer compreender minha intenção era sempre, e antes de tudo, minha preocupação principal e para me assegurar desta compreensão, eu me dirigia instintivamente não mais à massa que me era estrangeira, mas a indivíduos particulares que me faziam apreender distintamente a emoção e o sentimento que eles tinham experimentado. A precisão exata da minha relação com eles exerceu, a partir de então, uma forte influência sobre meu trabalho”.

O holandês é um homem amaldiçoado, um estranho. Wagner mergulhou na história do misterioso marinheiro e criou sua primeira ópera sobre a redenção pelo amor. Dutchman, o andarilho dos mares, inquieto entre a vida e a morte, conhece uma mulher – Senta – que também parece estranha e fascinada por uma figura masculina que nasceu de suas próprias fantasias: o holandês. É um mundo de imagens oscilando entre os sonhos e o fantástico, de obsessões e projeções – um mundo que perde sua conexão com a realidade. Isso afeta especialmente o caçador Erik, que pode parecer ser o único personagem lúcido e verdadeiro. Mas ele perde seu amor para o fantástico. A ópera de Wagner, criada em 1841 e estreada em Dresden em 1843, é um ponto de virada da tradicional ópera romântica alemã representada por Weber e Marschner. Esta ópera é o encontro, pela primeira vez, do tema da vida de Wagner: a redenção do amor através da morte.

Em uma de nossas mesas redondas regadas a vinho, queijo e especiarias lá no Centro de Convenções do PQPBach o nosso querido Vassily Genrikhovich nos presenteou com a gravação que ora compartilhamos. Há anos que procuravamos uma versão do “Der Fliegende Hollander” assim, estupenda! Quero dizer, os amigos do blog não podem imaginar a inspiração completa que flui ao longo desta performance … da atuação, canto, orquestra e engenharia de som! É quase como testemunhar ao vivo! Acho que esta é a versão mais poderosa que eu já ouvi, pelo menos é a mais musical. Na verdade, acredito nos personagens e na história, e é isso que busco quando ouço Ópera. Altamente recomendado !

Sobem as cortinas e apreciem sem moderação esta que é a primeira obra prima de Wagner “Der Fliegende Hollander”.

Richard Wagner
“Der Fliegende Hollaender” – Konwitschny

CD1
01 – Ouvertüre
02 – Hejohe! Hallojo! Ho He! Ja!
03 – Mit Gewitter und Sturm
04 – Die Frist ist um
05 – He! Holla! Steuermann!
06 – Weit komm ich her
07 – Hohohe! Hallojo!
08 – Introduktion (2. Akt)
09 – Summ und brumm, du gutes Rädchen
10 – Johohoe! Traft ihr das Schiff im Meere an
11 – Bleib, Senta!

CD2
01 – Mein Herz, voll Treue
02 – Mein Kind, du siehst mich
03 – Mögst du, mein Kind
04 – Wie aus der Ferne
05 – Verzeiht, mein Volk
06 – Introduktion (3. Akt)
07 – Steuermann, laß die Wacht!
08 – Was mußt’ ich hören
09 – Willst jenes Tages
10 – Verloren!

Personagens e intérpretes
Doland – Gottlob Frick
Senta – Marianne Schech
Erik – Rudolf Schock
Mary – Sieglinde Wagner
Der Steuermann – Fritz Wunderlich
Holländer – Dietrich Fischer-Dieskau

Chor der Deutschen Staatsoper Berlin – Martin Görgen

Staatskapelle Berlin – Frans Konwitschny

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Libreto no velho e bom Português – AQUI

Dietrich Fischer Dieskau apreciando a natureza do Grande Jardim Principal do PQPBach Convention Center

Ammiratore – FDPBach e Vassily Genrikhovich

Andrew Lloyd Webber (1948): Jesus Christ Superstar (uma Paixão contemporânea?)

Andrew Lloyd Webber (1948): Jesus Christ Superstar (uma Paixão contemporânea?)

Jesus Christ Superstar 1974 - capaHoje, 14.03.2014, estreia em São Paulo a segunda montagem brasileira desta chamada ‘rock opera’ – passados 45 anos de sua composição, 43 da estreia mundial, 42 da primeira montagem brasileira, e 40 da gravação apresentada aqui, regida por André Previn, como trilha de filme dirigido por Norman Jewison.

Achei um bom momento para revalidar o link desta postagem feita originalmente em 21.04.2011 – acrescentando um vídeo sobre a atual montagem brasileira (cujo protagonista – segredo aqui entre nós! – é parente de um membro da nossa equipe). SEGUE O TEXTO ORIGINAL DA POSTAGEM:

.  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .
Eu devia ter 17 anos e viajei a São Paulo especialmente para ouver a São Mateus no Teatro São Pedro (tudo em família…)

Ainda não tinha o menor preparo para avaliar a regência do Eleazar de Carvalho – só lembro que achei atroz a pronúncia do alemão do evangelista estadunidense que ele havia trazido. E que na volta do intervalo meu vizinho de cadeira, um senhor português pelo menos 40 anos mais velho, puxou papo e, me tratando de “o senhor”, acabou perguntando se eu já havia visto Jesus Christ Superstar, que havia entrado há pouco nos cinemas, quatro anos depois de estrear no palcos de Londres rotulada como ópera em rock.

Devo ter feito uma espécie de cara de nojo, pois meu vizinho se apressou em dizer que também tinha ido ver com muita resistência, mas havia sido conquistado e saído do cinema encantado. O resultado foi que, de volta a Curitiba, fui quase que envergonhadamente ao Cine Condor – e saí também eu debaixo de uma espécie de sortilégio que me levou ao cinema mais quatro vezes em duas semanas.

Achei tão bom assim? Não, o ponto não era “ser bom” – o que também não quer dizer que achei ruim! Acho que primeiro de tudo foi uma experiência estética – musical e cênica – diferente de tudo o que eu já tinha ouvisto. Segundo, era uma maneira totalmente diferente – uma maneira minha contemporânea – de se relacionar com o material mítico cristão, de que quase cada minuto da minha formação havia sido impregnada.

É evidente que hoje percebo que o material temático é bastante limitado para 1 h 36 min de música – o que pode ser visto tanto como insuficiência quanto como virtude -, e que ao lado de trechos onde a linguagem blues-rock soa forte e autêntica há alguns de um “popismo” quase constrangedor… Seja como for, confesso que, no mínimo pelo papel que desempenhou em minha própria descoberta do mundo, não consigo deixar de ter estima pela obra.

E aqui me apresso a esclarecer que não empreguei o adjetivo “contemporâneo”, no título da postagem, como sinônimo de “experimental” com referência à linguagem musical – sentido em que Paixão segundo São Lucas de Penderecki, do ano anterior, seria muito mais legitimamente “uma Paixão contemporânea”.

No entanto Penderecki coloca em uma nova linguagem musical apenas palavras e sentimentos ortodoxamente católicos, que poderiam ter sido sentidos de modo idêntico mil anos antes, enquanto que o libreto de Tim Rice tenta se aproximar do material mítico cristão de uma forma questionadora, embora não sem uma tentativa de compreensão compassiva – ou seja: de uma forma tensa, complexa, de certa forma comparável à que Saramago apresentará depois no seu Evangelho segundo Jesus Cristo – e é nisso que eu vejo sua contemporaneidade – no meu ver ainda não esgotada neste 42.º ano da obra.

Pra terminar quero contar por quê não escolhi a gravação da versão de palco original de Londres, feita em 1970, e sim esta regida por André Previn, que é a trilha do filme de Norman Jewison lançado em 1974: foi sobretudo pra não abrir mão do timbre e da força interpretativa inesquecíveis com que Carl Anderson abre a obra, em seu papel de Judas –

… o que na época gerou polêmicas de todos os lados: conservadores atacavam a obra como demoníaca por apresentar um Judas tão atraente e razoável, militantes a taxavam de racista por atribuir o papel de Judas a um negro (mesmo não sendo o único no elenco). E confesso a vocês que o fato de incomodar pra todos os lados tende a ser visto por mim como uma virtude artística em si.

Mas agora é com vocês, aí vai!

Cena do filme de Norman Jewison


Andrew Lloyd Webber (1948): JESUS CHRIST SUPERSTAR (1969)
Versão regida por André Previn em 1973-74
para a versão filmada por Norman Jewison

(mais informações no arquivo)
DISC 1:
01. Overture
02. Heaven On Their Minds
03. What’s The Buzz
04. Strange Thing Mystifying
05. Then We Are Decided
06. Everything’s Alright
07. This Jesus Must Die
08. Hosanna
09. Simon Zealotes
10. Poor Jerusalem
11. Pilate’s Dream
12. The Temple
13. I Don’t Know How To Love Him
14. Damned For All Time / Blood Money

DISC 2:
01. The Last Supper
02. Gethsemane (I Only Wanted To Say)
03. The Arrest
04. Peter’s Denial
05. Pilate And Christ
06. King Herod’s Song
07. Could We Start Again, Please?
08. Judas’ Death
09. Trial Before Pilate
10. Superstar
11. The Crucifixion
12. John Nineteen: Forty-One

. . . . . . . BAIXE AQUI – download here

Link alternativo: BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

ENQUANTO BAIXA, ASSISTA O MAKING-OF DA ATUAL MONTAGEM BRASILEIRA. Contém observações sobre a música que me surpreenderam!

Ranulfus
Publicado originalmente em 21.04.2011

Georges Bizet (1838-1875) – Carmen

Mais uma parceria da dupla FDPBach / Ammiratore.

Sevilha, Espanha início do séc XIX. Carmen é uma cigana que trabalha numa fábrica de cigarros. Sua beleza quente seduz os homens chegando a causar obsessão amorosa no soldado Don José e que, por esse amor, perde a farda e torna-se o amante. Por este amor obsessivo o ex-soldado chega a fazer parte de um bando de contrabandistas, amigos da sedutora cigana. Pela liberdade da vida, Carmen acaba deixando o pobre amante, incapaz de compreender a personalidade livre da cigana, para ficar com um famoso toureador. Don José obcecado e enfeitiçado então é tomado por um acesso de ira e ciúme levando a relação às vias de fato.

Hoje, dia 8 de março, compartilhamos com os amigos do blog a gigantesca ópera “Carmen” de Georges Bizet (1838-1875), considerada como a primeira ópera feminista da história e que foi recontada um sem-número de vezes em filmes e livros.

Prosper Mérimée

Esta ópera assinala um marco na história da música lírica, pois se tornou uma das obras mais executadas, encenadas e faladas no mundo, além da personagem central transformar-se em mito de alcance universal. Baseada na novela homônima de Prosper Mérimée (1803-1870), ela foi composta entre 1873 e 1874, representa uma série de situações envolvendo raça, classe e gênero que eram os assuntos palpitantes da França do século XIX, simplificada em ópera o tema principal é o amor que desperta a ação criminosa em Don José, homem ciumento que, sendo rejeitado pela mulher que ama, confere-lhe a morte como destino inexorável.

Carmen é um personagem absolutamente inédito no universo operístico, e vai influenciar muito todo o teatro lírico. Nada tem em comum com a heroína tradicional, pura, sofredora, um joguete nas mãos dos homens e do destino. É amoral, complexa, combina em si traços tanto de heroína quanto de vilã, mas de uma forma que a coloca acima dos julgamentos da moral corrente. Carmen faz parte daquela galeria de personagens que não se sentem culpadas por terem um comportamento que os padrões morais vigentes consideram “irregular”. Sim e isso era demais para o público de 1875… A cigana é uma fascinante mistura de sensualidade, alegria de viver, destemor, fatalismo, mas também de uma grande capacidade de ternura. Alguns autores consideram “Carmen” como a primeira ópera feminista da história por seu caráter transgressor em um mundo governado por homens. Não é à toa, assim, que a obra foi alvo de severas críticas em sua estreia.

Ao morrer em 2 de junho de 1875, no auge dos seus 36 anos, poucos meses após a estreia, o compositor francês Bizet não teria sobrevivido o bastante para saber que sua ópera “Carmen” tornar-se-ia uma das mais queridas obras musicais jamais escritas e a mais amada de todo o repertório francês. Bizet tinha a certeza de estar fazendo algo inteiramente novo: “Os críticos afirmam que sou obscuro, complicado e tedioso, mais preocupado com a habilidade técnica do que iluminado pela inspiração. Pois bem, desta vez escrevi uma obra que é toda feita de clareza e vivacidade, que está cheia de cor e melodia”, afirmou ele. Essa confiança em sua criação, porém, não impediu “Carmen” de ser um fracasso ao estrear, em 3 de março de 1875, no Théâtre de l’Opéra Comique, em Paris. Boa parte da crítica da época definiu a composição como sendo uma “música francesa querendo se passar por espanhola”. Bizet ficou fortemente abatido e abalado com as negativas (especula-se que talvez foi até a razão para seu enfarte meses depois). Houve, porém, apoio: “Bizet quer pintar homens e mulheres de verdade, alucinados, atormentados pelas paixões, pela loucura. Assim, a orquestra conta suas angústias, seus ciúmes, suas cóleras e a insensatez geral”, foi a avaliação publicada no Le National, de Paris à época da estreia.

Grande parte do público se sentiu desconfortável, para não dizer escandalizado, com a modernidade de Carmen: uma mulher segura de si, confiante e que ama a liberdade acima de tudo, a ponto preferir a morte a ceder aos desejos de um homem. Umas das primeiras interpretações simplórias da crítica especializada da época era que essa personagem deveria ser apenas uma mulher sedutora, devoradora de homens, fatal, ou uma prostituta de baixo valor moral. No final do século XIX, críticos expressaram indignação com a sexualidade de Carmen, e somente a partir da década de 1970 (!), que a figura desta personagem é apresentada sob um ponto de vista menos estereotipado, justamente e dignamente feminista.

Carmen – Prosper Mérimée

Vou fazer um pequeno “aparte” e tentar mostrar as diferenças entre a Carmen da ópera e a Carmen do conto, Paris iria estremecer ao pensar que a ópera apresentasse a história do conto inalterada. As críticas e indignações pudicas a respeito da ópera de Bizet parecem um pouco exageradas, visto que a primeira encarnação de Carmen, como um conto de Prosper Mérimée, recebeu cordialmente as críticas literárias. A Carmen de Mérimée definitivamente não é uma garota legal. Ela tem uma sucessão desconcertante de amantes, a quem ela assume e descarta com total imparcialidade (um “Don Juan” do sexo feminino), no conto ela também é uma ladra que tem um marido, um canalha chamado Garcia, cujo retorno das galés, o levaria aos braços de Carmen e Don José para impedir o marido a voltar para sua mulher o mata em uma briga. O sedutor toureador da ópera, Escamillo, é um simples picador no conto, um jovem chamado Lucas, de quem Don José tem ciúmes. José agora é seu marido e convida Carmen para juntos fugirem para a América. Carmen recusa e já está cansada da ciumeira de Don José. Ela novamente se apaixona e a bola da vez é o jovem Lucas. Porém José insiste que poderiam mudar de vida na América levando uma vida honrada. A cigana mostra-se irredutível, sugere a José que este siga seu caminho sem ela. Indignado, já nada mais tendo a perder, José a convida para passear e a apunhala num lugar no meio das montanhas onde se escondiam, e lá mesmo a enterra, indo depois se entregar a polícia. Quando a história termina, ele está em sua cela, esperando para ser enforcado.

Henri Meilhac e Ludovic Halévy

Os Libretistas Henri Meilhac(1831-1897) e Ludovic Halévy (1834-1908) fizeram um trabalho maravilhosamente hábil de suavizar a fogosa e não tão legal Carmencita, ela é um pouco selvagem, mas não muito selvagem, ela é uma mulher extremamente humana e verdadeira. Além disso, ela não é uma ladra. O insignificante Lucas se torna o matador, Escamillo. Os libretistas ainda criaram a personagem Micaela (inexistente na narrativa de Mérimée), por meio da qual tentam substanciar o ambiente simples e sem complicações de José, antes de ele ser envolvido por Carmen. É a moça tímida do interior, recatada e fiel, através de quem se torna palpável o mundo incorruptível de José. Em uma leitura apressada, Micaela e Carmen organizavam a feminilidade em torno de dois polos opostos: um normal, ordenado e tranquilizador, o outro desviante e perturbador da ordem moral e dos costumes patriarcais. Todas as figuras criadas e adaptadas pelos libretistas são figuras necessárias neste alucinante mostruário de tipos ibéricos, cuja atmosfera sonora foi criada por um francês que nenhum espanhol poderia superar. A propósito, afirma-se que Bizet recorreu a numerosos álbuns de música espanhola, enquanto concebia a ópera. É bem possível que tenha aproveitado trechos de canções anônimas originárias da Espanha para não fugir à ambientação melódica do seu trabalho.

Bizet

O grande talento de Bizet foi imaginar a música para cada elemento do enredo com igual seriedade: os personagens triviais, ornamentais, o trágico soldado proletário, os contrabandistas a cantar em estrita harmonia, o exibicionista fanfarrão, os papeis de apoio genéricos; ele dá minuciosa atenção a todos e a cada um deles. Como era usual por volta da década de 1870, toda ópera que tinha temas musicais recorrentes – em “Carmen” há alguns – era por esta razão foi rotulada como wagneriana. Mas em termos de formato não há nada de radical. É uma obra criada a partir de um tecido convencional, com árias bem-comportadas, duetos e conjuntos devidamente separados por trechos de diálogo falados (o que a classifica formalmente como “opéra comique”). A ópera está cheia de canções, danças, fanfarras militares, coros ao ar livre e desfiles. Bizet permitiu fazer experimentos com sons exóticos, e como a história se passa na Espanha, entre ciganos, muitos desses sons se referem a ritmos e modos espanhóis e mouros. Do ponto de vista da evolução musical, cada situação em “Carmen” é expressa com uma invenção melódica estupenda, que torna cada um de seus temas inesquecível; e com uma absoluta concisão e senso de timing. Carmen insere-se na moda do espanholismo, introduzida na França pela imperatriz Eugênia de Montijo, mulher de Napoleão III. De seu país ela trouxe ritmos de dança, tipos de roupa e costumes culinários que a corte se apressou em adotar.

O filósofo filosofando

O Bigodudo F. Nietzsche

Friedrich Nietzsche, um apaixonado discípulo de Wagner que se voltou contra seu ídolo depois da década de 1870, terminou sua vida louvando “Carmen”: “Ontem ouvi a obra-prima de Bizet, pela vigésima vez […]. Essa música me parece ser perfeita. A música é funesta, sutilmente fatalista: ao mesmo tempo ela continua popular – sua sutileza pertence à raça, não ao indivíduo. É rica. É precisa. Alguma vez ouviram num palco acentos mais dolorosos, mais trágicos?” Seu primeiro contato com esta ópera foi em Nice, em 1887. Escrevendo a um amigo, o filosofo conta que havia tomado o segundo conhaque do ano quando começou a música de Carmen: a partir desse momento ele submergiu durante meia hora em lágrimas e palpitações. “ “Carmen” é a melhor ópera que existe, a ópera das óperas, em três meses alcançou vinte representações com público máximo, a parte se apodera do todo, a frase da melodia, o momento de percorrer do tempo (também do tempo), o pathos se apropria do ethos (do caráter, do estilo, ou como se queira chamar –), em conclusão também a habilidade (espírito) se apodera do sentido…. Finalmente o amor, o amor retraduzido em natureza! Não o amor de uma “virgem sublime”! Nenhum sentimentalismo de Senta! Mas o amor como fado, como fatalidade, cínico, inocente, cruel – e precisamente nisso, natureza! O amor que em seus meios é a guerra, e no fundo o ódio mortal do desprezo! – Não sei de caso em que a ironia trágica que constitui a essência do amor seja expressa de maneira tão rigorosa, numa fórmula tão terrível, como no último grito de Don José, que conclui a obra. Sem dúvida “Carmen” é possessiva até a crueldade, nenhum homem soube responder a esse desafio que é simplesmente o desafio do amor, e por isso nenhum durou “mais de seis meses”. Mas no fundo de sua crueldade pulsa a justiça, ou melhor, desse fundo bélico brotará a justiça, como amor, somente no caso de ser correspondida da mesma maneira. Como não poderia ser diferente…”

Alexandre César Léopold Bizet (para os íntimos Georges Bizet): Carmen
Ilustrações de Sheilah Beckett

Ato 1
A ação se passa na luminosa e colorida Sevilha e arredores por volta de 1830. Ruas e praças fervilham de gente de todos os tipos, criando um ambiente de mercado oriental. É numa dessas praças que o cabo José e a cigana Carmen se conhecem. O cenário nos mostra uma praça, de um lado o quartel dos dragões do regimento de Almanza e do outro uma fábrica de cigarros, que emprega numerosas operárias.

A porta do quartel está o cabo Morales, e é dele que se aproxima uma linda camponesa, Micaela, que pergunta pelo cabo José. Ele pertence a outro pelotão, é a resposta; deverá chegar em breve para a rendição da guarda. Micaela pede para avisá-lo que voltará mais tarde, recusando timidamente o convite para esperar no quartel. Logo depois, ao som de fanfarras, realiza-se a cerimônia da rendição, e José é avisado da visita de Micaela.

Refrão dos garotos de rua– “Ao lado da guarda, nós chegamos, e aqui estamos! Vá embora, trompete ensurdecedor! Taratata, taratata! Nós marchamos com a cabeça erguida como pequenos soldados!”

Os novos guardas são comandados pelo tenente Zuniga, que, novo no regimento, pede a José informações sobre as mulheres que trabalham na fábrica de cigarros: o cabo, mais interessado em Micaela, pouco sabe sobre elas. Mas o tenente é logo satisfeito em sua curiosidade: a praça é invadida pelas operárias, de volta da interrupção do meio-dia; com seu ar malicioso, as moças atraem sobre si a atenção de todos os homens, que abrem alas para fazê-las passar. Entre elas destaca-se Carmen, cigana bela e provocadora, que traz uma flor no canto da boca. Estimulada pelos presentes, canta uma “habanera”, na qual resume seu conceito de vida: o amor é uma ave rebelde que ninguém pode prender; é inútil chamá-lo, se ele não deseja vir; tal como um cigano, não conhece lei.

Carmen– “Amor é um pássaro rebelde que ninguém pode aprisionar e é inútil chamá-lo se lhe convém recusar. Nada o move, nem ameaça nem fundamento, um homem fala livremente, o outro permanece mudo e é o outro que eu prefiro: Ele não diz nada, mas gosto dele. Amor! ….. O pássaro que você pensou ter pego desprevenido bate suas asas, voou – o amor está distante, e você pode esperar por ele: você não espera mais- e é isto. Em sua volta, rapidamente, rapidamente, ele vem, ele vai e ele retorna- Você pensa que pode segurá-lo, ele te ilude, você pensa que ele te ilude, ele segura você rápido. Amor!”

Apenas José não se mostra empolgado com os encantos da cigana. Ao notá-lo. Carmen dirige-se a ele e, com ar de desafio, joga-lhe a flor no rosto. Depois, reúne-se as colegas e vai para a fábrica.

A praça esvazia-se e José vê chegar Micaela. Rapidamente, esconde a flor sob a túnica e recebe a moça. A jovem é portadora de uma soma em dinheiro e de uma carta, enviadas pela mãe de José juntamente com um beijo, que lhe é dado, com ternura, por Micaela. O militar relembra, então, sua aldeia e sua gente com profunda saudade, ao mesmo tempo que percebe o efeito salvador da carta: por um pouco afastou de sua mente a imagem de Carmen que, com seu gesto, o perturbou profundamente. Micaela deixa-o, pretextando outro compromisso, e José lê a carta da mãe: pede-lhe que volte para casa, ao mesmo tempo que sugere seu casamento com Micaela. No íntimo, José promete obedecer à mãe.

Micaela– Sim, eu lhe direi: o que foi dado à mim eu darei a você. Sua mãe e eu estávamos saindo da capela quando ela me deu um beijo e me disse: ” Você irá a cidade. Não é longe, uma vez em Seville você irá procurar o meu filho e irá contar a ele que sua mãe pensa dia e noite sobre sua ausência, que ela chora e tem esperanças, que ela perdoa e espera. Tudo isto, pequena, você irá contar para mim, você não vai; e este beijo que estou te dando, você irá dá-lo para mim.”
José– Nunca tema, mãe o seu filho irá lhe obedecer e fazer como você mandou; eu amo Micaela e ela irá se tornar minha esposa. Para suas flores, bruxa imunda!

José está imerso nesses pensamentos, quando se ouve uma gritaria procedente da fábrica. Zuniga ordena a José que, com dois soldados, vá investigar o ocorrido. O cabo volta logo depois com Carmen, acusada de ter esfaqueado uma colega. Enquanto o oficial se senta para escrever a ordem de prisão contra a cigana, esta procura fascinar José. Sugere-lhe as delícias de uma tarde na taberna de Lillas Pastia (fora de Sevilha), onde promete encontrá-lo. Quando percebe ter dominado totalmente o cabo, pede-lhe para facilitar sua fuga.

Carmen– No muro de Sevilha, no meu amigo Lilas Pastia, eu estou indo dançar Seguidilla e beber manzanilla. Eu estou indo para meu amigo Lilas Pastia! Sim, mas sozinha fico entediada, e os prazeres reais são com dois. Então, para me manter com companhia, eu irei levar o meu amado! Meu amado……. Meu pobre coração, tão consolável- meu coração é tão livre quanto o ar. Eu tenho muitos noivos. Mas eles não são do meu gosto. Aqui estamos para o final de semana; quem quer me amar? Eu irei amá-lo. Quem quer o meu coração? Está aqui para quem quiser pegá-lo! Você veio no melhor momento! Dificilmente eu tenho tempo para esperar, para junto de meu novo amor… Pelos muros de Sevilha.
José– Pare! Eu falei para você não falar comigo!
Carmen– Eu não estou falando com você, eu estou cantando para mim mesma; e estou pensando…Não é proibido pensar! Eu estou pensando sobre um certo oficial que me ama e em meu retorno eu irei amá-lo de verdade!
José– Carmen!
Carmen– Meu oficial não é um capitão, nem mesmo um tenente, ele é somente um guarda; mas é o suficiente para uma garota cigana e eu irei me contentar com ele!

É o que acontece: de posse da ordem de prisão, José afasta-se do quartel com Carmen e a escolta de dois soldados; de repente, a cigana o empurra e ele simula um escorregão, permitindo-lhe a fuga.


Ato 2

Cêrca de um mês depois, Carmen e outras duas ciganas – Frasquita e Mercedes – estão na taberna de Lillas Pastia, acompanhando alguns oficiais, entre os quais Zuniga. Na hora de fechar, o tenente tenta convencer as ciganas a saírem com ele.

As mesmas recusam-se e a cena é interrompida pela chegada de Escamillo, o glorioso toureador que empolga a cidade. Todos se unem num brinde ao herói do momento. Agora, é a vez de Escamillo: ele tenta conquistar Carmen e, perante a recusa, afirma que esperará por uma oportunidade.

Escamilo– Eu posso voltar para sua tourada, senhor, para os soldados – Sim- os toureiros entendem um ao outro; lutar é o seu jogo! A arena está lotada, é feriado, a arena está cheia. Os espectadores, perdendo seus juízos, grite um com o outro com bastante força! Exclamações, choros e alvoroço levado pelo tom da fúria! Esta é a festa da coragem, esta é a festa do valente! Vamos lá! Em guarda! Ah! Toureiro, em guarda! E lembre, sim, lembre enquanto você luta, dois olhos negros estarão te olhando, que o amor espera por você!…….. De repente todos caem em silêncio; Ah- O que está acontecendo? Não tem mais grito, este é o momento! O touro vem batendo no touril! Ele prepara, aproxima e acerta! O cavalo cai, derrubando o picador! “Ah! bravo touro” grita a multidão; o touro dá a volta e retorna e acerta de novo! Balançado suas bandeirolas, louco de raiva, ele corre! A arena está coberta sangue! Homem salta claramente, pelando as barreiras. É sua vez agora! Vamos lá! Em guarda! Ah! Toureiro, em guarda!…… Uma palavra, bela mulher: Do que te chamam? Em meu pior perigo eu quero pronunciar seu nome.
Carmen– Carmen! Carmencita! Dá na mesma coisa.
Escamillo– Se alguém contasse a você que ele te ama?…
Carmen– Eu responderia que não preciso de amor.
Escamillo– Esta não é uma resposta amigável; eu irei me contentar com a espera e a esperança.
Carmen– Esperar é permitido, ter esperanças é doce.

Com a saída dos soldados e do toureador, chegam à taberna Dancaire e Remendado, chefes de um bando de contrabandistas. Eles planejam novo golpe, no qual as mulheres terão papel importante, distraindo os guardas da fronteira. Mas Carmen a todos surpreende, recusando- se a participar: é que soube da soltura de José – rebaixado a soldado e preso por tê-la deixado fugir – e tem certeza de que ele virá à ,taberna: está apaixonada.

Carmen- Meus amigos, eu ficaria muito feliz em ir com vocês esta noite; mas neste momento – não fiquem incomodados – o amor deve vir antes do dever.

De fato, José aparece e a cigana o recebe com alegria, dançando e cantando para ele. Após um desentendimento pelo fato de José interromper a dança de Carmen dizendo que deveria voltar ao quartel pois ouvira o toque de recolher, ele confessa seu amor e mostra-lhe a flor que ela lhe jogara no rosto no dia em que se conheceram.

Carmen– Delicadamente, senhor, delicadamente. Eu irei dançar pela sua honra, e você verá, meu senhor, como eu sou capaz de acompanhar minha dança! Sente ali, Don José. Eu estarei lhe vendo ! …….
José– Sim, você irá me ouvir! Eu insisto, Carmen! Você irá me escutar! A flor que você me jogou ficou comigo em minha cela cuidei e guardei, a flor sempre manteve um perfume doce e por horas eu com os meus olhos fechados, eu me embebedei com o seu cheiro e à noite eu usei-a para te ver! Eu te amaldiçoei, te detestando, perguntando para mim mesmo porque o destino teve que te jogar em meu caminho? Então me acusei de blasfêmia e senti comigo mesmo, eu senti somente um desejo, um desejo, uma esperança, ver você de novo, Carmen, de ver você de novo! Você tinha que aparecer, somente para jogar um olhar no meu caminho, para me possuir de todo o meu ser, O minha Carmen, e eu fui objeto! Carmen, eu amo você!

Mas ouve-se o toque de recolher novamente e José resiste ao apelo de Carmen para ignorá-lo: vai voltar ao quartel.

Carmen– Indo até as montanhas e me seguido você iria se me amasse! Lá você não seria dependente de ninguém; você não teria um oficial que teria que obedecer, e não toque de recolher ressoando para contar ao um amor que é hora de ir! O céu aberto, a vida pensando, o mundo todo que você domina, para a lei sua liberdade será, acima de tudo, uma coisa intoxicante; Liberdade! Liberdade!

Deixando Carmen e ao sair, defronta-se com Zuniga, que voltou a taberna disposto a conquistar Carmen pela força. Furioso, José agride o oficial, mas é impedido de matá-lo pela intervenção dos dois contrabandistas: Zuniga é aprisionado por estes e forçado a seguir o bando para evitar que os persiga. José, diante da situação, é forçado a unir-se a eles, para alegria de Carmen, que lhe elogia as belezas da nova vida de liberdade e independência. Num belíssimo conjunto que encerra o segundo ato!

Carmen– Ah! Isto não foi colocado galantemente, mas não importa, vá, irá levar isto até lá quando você ver o quão é bom é a vida errante; você domina o mundo todo, sua própria liberdade será sua lei, e sobre todas as coisas intoxicantes: Liberdade! Liberdade!
Todos– Viaje pelo país conosco, venha conosco até as montanhas, venha conosco e você vai levar para lá quando você vê, até lá, o quanto é bom a vida errante; todo o mundo é seu domínio, sua própria liberdade será sua lei! E sobre todas estas coisas intoxicantes: Liberdade! Liberdade!

Ato 3
O tempo passa e a volúvel Carmen já deseja trocar José por um novo amor. Cansou do entediante e ciumento José. É noite nas montanhas, onde se escondem os contrabandistas. Frasquita e Mercedes, zombeteiramente, procuram o futuro nas cartas. Carmen, supersticiosa, também tenta.

Carmen– “Ouros! Espadas! A mor- te! Eu vi. . . eu primeiro. . . ele depois. . . para ambos a morte!”

José está de guarda, magoado e cheio de ciúmes. Não percebe a aproximação de Micaela, ainda disposta a conquistar seu amor.

Micaela– Eu digo que nada me amedronta, eu digo, ai de mim, que eu tenho somente a mim para depender; mas eu tenho tentado em vão ser corajosa, em meu coração estou morrendo de medo! Sozinha neste lugar selvagem, totalmente sozinha, eu estou com medo, mas eu me engano em ter medo; você me dará coragem, você irá de proteger, Senhor. Eu irei dar uma olhada mais de perto nesta mulher que é uma cilada do mal terminou por fazer um criminoso do homem que eu amei uma vez: ela é perigosa, ele é bonita, mas eu não irei ter medo. Eu falarei na frente dela. Ah! Senhor, você irá me proteger! Ah! Eu digo que nada vai me amedrontar. …me proteja, ó Senhor! Proteja-me, Senhor!

Don José não percebe Micaela mas vislumbra uma sombra e atira contra ela: é Escamillo, o toureador, que se identifica e diz ter vindo a procura de Carmen, agora que sabe ter ela deixado o amante. José, furioso, desafia Escamillo a um duelo de faca: o encontro é interrompido pelos demais contrabandistas e por Carmen, que ameaça matar José se este não se afastar do toureador. Enquanto isso, Dancaire descobre Micaela e a conduz ao reduto: a moça implora a José que volte para ela e para a velha mãe, que está morrendo. Sua exortação é apoiada por todos os contrabandistas: eles também acham que o ex-soldado deve mudar de vida. José, aturdido pela iminência da morte da mãe, resolve partir; mas avisa Carmen, ameaçador, que voltará a vê-la.

Micaela- Eu vim procurando por você. Lá é a casa do campo, onde, rezando incessantemente, uma mãe, sua mãe, chora, ai, por seu filho. Ela chora e chama por você, ela chora e mantêm os braços abertos para você; você terá a cova dela, José. Ah José, você virá comigo!
Carmen– Vá! vá! Você faz bem em ir embora; nossos negócios não significam nada para você!
José– Você está dizendo para eu ir com ela?

Carmen– Sim, você deve ir!
José– Você está me dizendo para eu ir com ela para você correr em direção ao seu novo amor! Não! Não é provável! Pensei que isto custaria minha vida, não, Carmen, eu não irei embora, e o vínculo que nos une irá nos unir até a morte! Pensar que isto custará a minha vida!
Micaela– Me escute, eu lhe imploro, sua mãe está com os braços abertos para você, o vínculo que os une, José, você irá quebrá-lo!
Frasquita, Mercedes, Le Remendado, Le Dancaire e o Coro– Isto irá custar a sua vida, José, se você não for, o vínculo que une você irá ser quebrado pela sua morte.
José– Me deixe!
Micaela– Ai de mim, José!
José- Porque eu estou amaldiçoado!
Frasquita, Mercedes, Le Remendado, Le Dancaire e o Coro- José tome cuidado!
José– Ah! Eu tenho você, garota amaldiçoada, eu tenho você e eu irei obrigar você curvar-se ao destino que liga o seu destino com o meu! Pensar que isto custará a minha vida, não, não, não, eu não irei embora!
Coro– Ah! Tome cuidado, tome cuidado, Don José!
Micaela– Mais uma palavra, esta será a última. Ai de mim! José, sua mãe está morrendo e ela não quer morrer sem antes te perdoar.
José– Minha mãe! Ela está morrendo?
Micaela– Sim, Don José.
José– Vamos, ah, vamos! Fique satisfeita! Eu estou indo, mas nós nos encontraremos de novo!

Ato 4
É novamente Sevilha e, na praça dos touros, Escamillo prepara-se para uma nova vitória.

Coro– Aqui estão eles! Aqui está a quadrilha! A quadrilha dos toureiros! O sol reflete em suas lanças! No ar com suas capas e chapéus! Aqui estão eles! Aqui está a quadrilha, a quadrilha dos toureiros! Aqui, vindo até a praça, primeiro de tudo, marchando, são os policiais com suas faces feias! Sai fora! Sai fora! E agora que eles vão passando vamos torcer pelo herói, bravo! Hurrah! Glória a coragem! Agora vem o touro ! Olhe para os bandeireiros! Veja que fanfarrões! Olhe eles! Olhes eles! Que visão e quanto são brilhantes os ornamentos brilhantes em suas vestimentas de luta! Aqui estão os bandeireiros! Outra quadrilha está vindo! Olhe para os picadores! O quanto são bonitos! Quanto eles atormentam os touros com os flancos na ponta de suas lanças! O Matador! Escamillo! É o Matador, o habilidoso espadachim, ele que vem para terminar tudo e atinge o último golpe! Vida longa à Escamillo! Ah bravo! Aqui estão! Aqui está a quadrilha!

Carmen, embora avisada da presença de José, não se furta ao encontro com o ex-amante e procura convencê-lo da inutilidade de sua insistência: já não o ama e, mesmo que ele a queira matar, não deixará seu novo amor, Escamillo.

Carmen– É você!
José– Sim, sou eu!
Carmen– Eu fui avisada que você estava aqui, que você viria aqui; eu fui avisada para temer por minha vida, mas eu não sou covarde e eu tinha intenção de sair correndo.
José– Não estou ameaçando, estou implorando, suplicando; nosso passado, Carmen – Que esqueça isto! Sim, juntos nós vamos começar outra vida, longe daqui, embaixo de novos céus!
Carmen- Você pede o impossível, Carmen nunca mentiu: sua mente está feita. Entre ela e você está tudo acabado. Eu nunca menti; está tudo acabado entre nós.
José- Carmen, ainda está em tempo, sim, ainda há tempo. O minha Carmen, me deixe salvá-la, eu te adoro, e salvar a mim mesmo com você!
Carmen– Não, eu estou ciente de que a hora chegou, eu sei que você vai me matar; mas seja para morrer ou viver, não, não, eu não irei me entregar a você!
José– Carmen, ainda há tempo, o minha Carmen, deixe-me salvá-la, eu, quem te adora; Ah! Deixe-me salvá-la e salvar a mim mesmo com você! O minha Carmen, ainda há tempo.
Carmen- Por que ainda está preocupado com um coração que não é mais seu? Não, este coração não pertence mais a você! Em vão você diz “eu adoro você” você não terá nada, não, nada, de mim, Ah! Isto é inútil, você não terá nada, nada, de mim!
José– Então você não me ama mais? Então você não me ama mais?
Carmen– Não, eu não o amo mais.

Ao ouvir o clamor do público, anunciando o fim da tourada, Carmen faz menção de se afastar em direção a arena, para celebrar com o toureador a vitória. José impede-lhe a passagem, e Carmen, num desafio extremo, pede que a deixe passar, ou a mate. É o clímax: José, desesperado, afunda o punhal no peito de Carmen, que cai morta, enquanto se ouvem cantos ao longe exaltando Escamillo. Perante a multidão que sai da arena, José joga-se sobre o corpo da bela cigana, soluçando: “Carmen! Minha adorada Carmen!”

José– Mas eu, Carmen, eu amo você ainda; Carmen, ai de mim! Eu te adoro!
Carmen– O que há de bom nisto? Que desperdício de palavras!
José– Carmen, eu amo você, eu te adoro! Tudo bem, se eu devo, para agradar você, eu serei um bandido, qualquer coisa que você quiser- tudo, você me escutou? Tudo! Mas não me abandone, o minha Carmen, Ah! Lembre-se do passado! Nós nos amamos um dia! Ah! Não me deixe, Carmen, Ah não me deixe!
Carmen– Carmen eu nunca irei gritar! Livre ela nasceu, livre ela irá morrer!
Coro– Hurrah! hurrah! Uma grande luta! Hurrah! Através da areia ensangüentada, o touro prepara! Olhe! Olhe! Olhe! O touro atormentado vem delimitando o ataque, olhe! Golpeado verdadeiramente, diretamente no coração, olhe! Olhe! Olhe! Vitória!
José– Aonde você está indo?
Carmen– Me deixe sozinha!
José– Este homem que estão torcendo é o seu novo amor!
Carmen– Me deixe em paz! Me deixe em paz!
José– Pela minha alma, você não irá passar, Carmen, você virá comigo!
Carmen- Meu deixe ir embora, Don José, eu não vou com você!
José– Você está indo até ele. Me conte…você o ama?
Carmen- Eu o amo! Eu o amo e na própria face da morte eu continuarei dizendo que o amo!
Coro– Hurrah! Uma grande luta!
José– Então eu estou perdendo a salvação do meu coração para você sair correndo para ele criatura infame, para rir de mim em seus braços! Não, pelo meu sangue, você não irá! Carmen, você virá comigo!
Carmen– Não, não, nunca!
José– Eu estou cansando de te ameaçar você!
Carmen– Tudo bem, então me apunhale, ou me deixe passar!
Coro– Vitória!

José– Pela última vez, seu demônio, você virá comigo?
Carmen– Não! Não! O anel que você me deu um dia- aqui, tome!
José- Tudo bem, maldição!
Coro– Toureiro, em guarda! E lembre-se, sim, lembre-se que enquanto você luta dois olhos negros estarão te assistindo, e que o amor espera por você!
José– Você pode me prender. Eu a matei! Ah! Carmen! Minha adorada Carmen!

Cai o pano.

Bizet não testemunhou a extraordinária repercussão que sua ópera conquistaria. Elogios vieram de ilustres como Camille Saint-Saëns-Saëns, Piotr Tchaikovsky, e Claude Debussy, que reconheceram sem dúvida alguma a grandeza daquele músico revolucionário e foram proféticos ao acreditarem que a ópera se tornaria a mais popular de todo mundo.

Nos dez anos seguintes, Carmen seria apresentada cerca de mil vezes, em diferentes montagens, por toda a Europa. Depois de arrebatar as plateias em sua versão lírica, também seria celebrada no século XX com várias versões cinematográficas.

Quase um século antes da liberação feminina, Carmen já era uma fonte de inspiração. A cigana de Bizet já se antecipava à mudança de comportamento feminino, com frases e atos contundentes como:
“O amor é um pássaro rebelde que ninguém pode aprisionar…”
“[o amor] não adianta chamá-lo, pois ele só vem quando quer.”
“… e quando pensa tê-lo aprisionado ele se vai.”
“Tu crês prendê-lo; ele te evita. Crês evitá-lo; ele te prende.”
“Se não me amares, eu te amarei. Mas… se eu te amar, cuidado!”
“O meu coração é livre como um pássaro!”
“Quem quer a minha alma? Ela está livre!”
“Não tenho medo de nada. Carmen nunca cederá! Nasceu livre e livre morrerá!”
E os conselhos que Carmen dá a Don José:
“Você viverá a nossa vida errante, por pais terá o Universo, por lei a tua vontade e, sobretudo, a coisa inebriante, a liberdade.”

O fato desta mulher expressar uma exuberância vital através de seu próprio corpo, utilizando de sua “sensualidade ibérica”, uma explosão de afetos e de atitudes impetuosas, desafiando então, todos os limites, códigos ou valores morais que venham a se opor aos caminhos que a paixão e a vontade lhe apontam. A conduta de Carmen expressa uma espécie de afetividade que enaltece a alegria e a embriaguez, expressão de um tipo de mundo repleto de andarilhos, ciganos e contrabandistas, desprovidos de remorsos, ressentimentos ou crises morais de consciência diante das transgressões das rígidas normais sociais. Carmen afirma a liberdade de acolher e cumprir o seu próprio destino, de acordo com o fluxo de seus desejos, o que a faz viver conforme o livre jogo interativo dos seus afetos. É uma das poucas óperas que não nos pedem para fechar os olhos e os ouvidos para a realidade. É por isso que Carmen sempre será uma ópera moderna.

Esta versão que ora compartilhamos com os amigos do blog é a minha gravação favorita de Carmen e traz de volta memórias bonitas dos anos 80. Gravada em 17 de novembro de 1983, esta performance tem um ótimo equilíbrio entre a ópera e as partes do diálogo, não são os cantores mas atores franceses que fazem a parte dos diálogos. No geral os atores estão bem – eles estão inseridos no drama, mas estão em um espaço auditivo diferente dos cantores e as vozes não parecem muito com os cantores. O canto e a música são nítidos, dinâmicos e fascinantes. O diálogo é jovial, sincero e cruel às vezes. Muito comovente.

O pessoal ensaiando nas dependências do l’PQP Ópera Comique

Agnes Baltsa esta magnífica em sua performance. Sua perfeição vocal e brio são notáveis. Depois de ouvir seu sedutor “Pres de ramparts de Seville”, não é de admirar que Don José seja irresistivelmente atraído por ela. Até eu tenho a mesma reação a ela cantando como Don José. Por alguma razão desconhecida, enquanto estou ouvindo a frase “Mon officier n’est pas un capitaine”, não consigo parar de respirar fundo de “contentamento” (você sabe, da maneira que faria se alguém declarasse seu amor eterno por você …) e isso é algo que nunca deixa de acontecer sempre que ouço essa ária. O estranho é que você ouvirá Don José fazendo exatamente a mesma coisa, exatamente ao mesmo tempo. A primeira vez que ouvi este CD foi quase inacreditável. Ouça essa ária e você provavelmente entenderá do que estou falando. Michaela, da Ricciarelli, é a mais doce que eu já ouvi. Se eu fosse Don José, teria muita dificuldade em decidir qual das mulheres escolher. Os duetos entre Michaela e Don José são tão doces e carinhosos o oposto dos duetos entre Carmen e Don José, cheios de sensualidade e tensão. O Don José na voz de Carreras, do meu humilde ponto de vista, beira a perfeição. Ele pode parecer o jovem soldado ingênuo e tímido que se apaixona loucamente pela primeira vez e também como o ciumento e descontrolado Don José no ato final. E falando do ato final desta ópera vale o download … incrível a dinâmica. É de arrepiar quando Don José está chorando

Herbert e Agnes desfrutando momentos de descontação no suntuoso jardim do l’PQP Ópera Comique

“Ma Carmen, adorée”. Seu canto é notável. Adoro os duetos com Ricciarelli e Baltsa, além da famosa e maravilhosa versão de “La fleur que tu m’avais jetée”. Essa ária acaba como a canção de amor mais gentil e suave… A condução de Herbert von Karajan é simplesmente excelente! A música nesta gravação flui tão naturalmente que atrai imediatamente! O som e a produção da gravação são absolutamente perfeitos. O restante do elenco também é muito bom; Van Dam está excelente como Escamillo percebe-se uma fluência em francês que realmente faz a diferença. Frasquita e Mercédès são interpretados pelas belas vozes de Christine Barbaux e Jane Berbié.

Pessoal, sobem as cortinas e deliciem-se com a sedutora Carmen e apenas mais uma observação: obrigado, Agnes, Carreras e Karajan por esse momento!

Personagens e intérpretes
Carmen – Agnes Baltsa
Don José – José Carreras
Escamillo – José van Dam
Micaela – Katia Ricciarelli
Frasquita – Christine Barbaux
Mercedes – Jane Barbié
Zuniga – Alexander Malta
Morales – Mikael Melbye
Le Dancaire – Gino Quilico
Le Remendado – Heiz Zednik

Choeur de l’Ópera de Paris
Berliner Philharmoniker
Regente – Herbert von Karajan
1983

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FDPBach / Ammiratore

Giacomo Puccini (1858-1924) – La Bohème – Freni, Pavarotti, Karajan

Não sei se é mais fácil ou se é mais difícil falar de uma obra que foi tão importante em minha vida, que embalou meus sonhos amorosos de adolescência, que me fez acreditar na possibilidade de uma paixão correspondida. Naquela fase de transição, naquele período confuso que vai dos 15 ao 20 e poucos anos, é difícil entender os nossos sentimentos, eles estão todos à flor da pele.

A ópera ‘La Bohéme’ surgiu em minha vida bem nesta fase complicada, de transição. Comprei o LP em uma banca de revistas, na verdade não trazia a obra em sua íntegra, mas sim as principais árias. Na época, eu nutria uma paixão não correspondida por uma colega de aula, que também não se decidia. Digamos que ‘Che Gelida Manina’ foi a trilha sonora de minha vida naquele período. Emprestei o LP para ela, que devolveu algumas semanas depois dizendo que era a música mais bonita que já tinha ouvido. Expliquei-lhe a trama, e ela lamentou o tráfico desfecho. Mas fazer o que, era Puccini, era uma ópera, que em sua grande maioria sempre terminam em finais trágicos. Mas a morte da heroína já era uma morte anunciada, sabíamos o desfecho da trama desde o começo, mas mesmo assim choramos, assim como lamentamos a morte trágica de Carmen.

Mimi, a frágil Mimi, conhece o poeta Rodolfo, e se envolve com ele, depois de juntos cantarem uma das mais belas árias já compostas, a já citada ‘Che Gelida Manina’ que mãozinhas geladas… o envolvimento entre eles é confuso, ele é um boêmio, não tem um emprego fixo, deve pro seu senhorio, gasta o pouco que ganha na boemia, claro, por isso a ópera tem esse nome.

A já saudosa Mirela Freni realizou duas gravações dessa ópera. A primeira, em 1964, tinha Nicolau Gedda como Rodolfo, e foi dirigida pelo jovem maestro  norte americano Thomas Schippers, na época com 34 anos de idade. Aliás, esse maestro morreu muito jovem, meros 47 anos, de câncer no pulmão. Trágica coincidência, eu diria, a vida imitando a arte, sei lá. Na segunda vez, Mirela Freni gravou com seu amigo Luciano Pavarotti, gravação dirigida por Herbert von Karajan, e que fez muito sucesso à época, e provavelmente, a gravação mais famosa dessa ópera. e é essa a versão que estamos trazendo para os senhores.

Mirela Freni nasceu em Modena, Itália, em 1935, e morreu há poucos dias, mais especificamente dia 10 de fevereiro de 2020, na mesma Modena onde nasceu, e teve uma longa carreira. Durante alguns anos foi a soprano favorita de Herbert von Karajan, e com ele realizou gravações antológicas. Foi amiga de infância de Pavarotti, e continuaram grandes amigos durante toda a vida.

Mirella Freni e Luciano Pavarotti

La Bohème – Histórias

Henri Murger (1822-1861), nascido em Paris, aos 27 anos publicou um livro “Scènes de la Vie Bohème” , aproveitando as lembranças do tempo em que conviveu com pintores, escritores, filósofos, músicos e mulheres no Quartier Latin, na capital francesa. Quem teve a idéia primeiro, ninguém sabe. O certo é que Giacomo Puccini e Leoncavallo compuseram, na mesma época, uma ópera chamada “La Bohème”, ambas inspiradas no livro de Murger. Claro que deu treta entre os dois compositores, Leoncavallo acusava Puccini de ter tomado conhecimento da obra por seu intermédio porque havia comentado que estava criando uma ópera baseada no livro “Scènes de la Vie Bohème”. Puccini teria copiado sua ideia e passado a frente. Por sua vez Puccini disse que o livro chegara em suas mãos por acaso e num dia de chuva resolveu ler, gostando do enredo. Seja como for, tanto Puccini como Leoncavallo possuíam boas razões para gostar do assunto e ambos escreveram suas óperas. Ambos tinham a mesma idade e haviam passado, na mocidade, por muitas das situações descritas no famigerado livro de Murger. A versão de Puccini estreou um ano antes da versão de Leoncavallo.

Quando Giacomo Puccini estava fazendo seus estudos em Milão conheceu pintores, escritores, filósofos, músicos e belas mulheres cujo estilo de vida muito se assemelhava aos personagens de Murger. Sua convivência com essas criaturas ficaria nostalgicamente marcada em seu espírito. Suas recordações estudantis em Milão o motivaram a compor uma ópera. O tema orquestral, que abre a ópera, foi tirado de um “Capricho Sinfônico”, composto como peça do exame final no Conservatório. Sua Mimi confunde-se um pouco com as empregadinhas e as meninas aprendizes de costura que eram suas paqueras na época, os outros personagens são muito semelhantes as pessoas que conhecera pessoalmente nos ambientes boêmios de Milão.

Puccini, Giacosa e Illica na época da composição.

Para sua ópera, Puccini escolheu os libretistas Luigi Illica (1857–1919) – responsável por reescrever o romance de Murger, e Giuseppe Giacosa (1847–1906) – responsável por escrever os versinhos. A gestação de “La Bohème” durou quatro anos, com muito empenho e paixão na elaboração, Puccini, Illica, Giacosa e dando pitacos o editor Ricordi, ora brigado, ora entusiasmados, pontilhando o trabalho com rompimentos e reconciliações no bom estilo italiano, chegaram afinal aos resultados esperados.

Finalmente, em 1 de fevereiro de 1896, “La Bohème” estreou no Teatro Regio de Turim. Em carta enviada a um amigo, Puccini conta como foi a aceitação na noite de estreia: “O público a acolheu bem. A crítica, no dia seguinte, falou mal. Mesmo naquela noite, entre um ato e outro, nos corredores e no palco, ouvi sussurrarem perto de mim: – pobre Puccini, desta vez errou o caminho; esta ópera não terá vida longa…. Passei uma noite péssima e de manhã recebi comentários adversos dos jornais”. A verdade é que a crítica da época esperava uma obra na mesma linha trágica e vigorosa de “Manon Lescaut”, e não esperava uma escrita musical doce com texto informal, principalmente no início do segundo e terceiro atos. Mas sabemos que acabaria por obter um sucesso sem precedentes. Aliás como curiosidade podemos referir que a direção da primeira apresentação esteve a cargo de um jovem maestro de 28 anos chamado Arturo Toscanini.

Certa vez Giacomo Puccini, organizou testes para buscar um tenor para o papel principal de La Bohéme. Puccini ficou tão impressionado com a voz do jovem Enrico Caruso que, diz-se, perguntou-lhe “…quem o enviou para mim? Deus?”.

La Bohème – Enredo

A ópera começa com um ato que não estava previsto no primeiro rascunho do libreto, mas que foi criado por exigência expressa de Puccini. Esse ato surge de fato como uma forma de apresentação das personagens e traz uma maior consistência à narrativa. O libreto define a ação em Paris, por volta de 1830. Este não é um cenário aleatório, mas reflete as questões e preocupações de uma época em que, após as revoltas da revolução e da guerra, os artistas franceses perderam sua base tradicional de aristocracia e apoio da Igreja. A história se concentra na juventude autoconsciente, em desacordo com a sociedade em geral – um ambiente boêmio que é claramente reconhecível em qualquer centro urbano moderno.

Ato 1

A ópera começa em um sótão no bairro de Montmartre na véspera de Natal (a ópera se passa durante a primeira metade do século XIX), mas não é a atmosfera natalina que nela se desenrola o enredo. Marcello, o pintor e Rodolfo, o poeta, estão desesperados pelo frio que “inunda” a sala e faz com que Rodolfo queime seus escritos na lareira. Nelas, Colline, o filósofo do grupo, que pretende penhorar alguns livros justificando que a pobreza o assombra (“Già dell’Apocalisse appariscono i segni”). Quando a chama da chaminé termina de apagar, aparece Schaunard, o músico, com comida, lenha e, principalmente, dinheiro, de um cliente que o contratou. Depois de convencê-los de que deveriam deixar a comida para outra ocasião melhor e ir ao Quartier Latin para desfrutar as festas, o proprietário, Sr. Benoit, chega lembrando-os de que devem pagar o aluguel. Eles o convidam na maior cordialidade a beber vinho e prometem pagar a dívida, mas implorando para que fiquem por mais um tempo. A conversa com o proprietário vira e termina com os quatro boêmios o expulsando “desta casa honesta” quando falam sobre a suposta infidelidade do proprietário. Mas o grande momento emocional é a cena com Rodolfo, que ficou apenas para terminar um artigo. Mimì, uma vizinha, aparece para tentar acender a sua vela que havia sido apagada. A jovem diz chamar-se Mimi, aliás Lucia, e diz trabalhar como bordadeira. Rodolfo diz que é poeta e declara-lhe o seu amor. Os dois são pegos olhando um para o outro e é aí que acontece um dos maiores duetos já compostos, Rodolfo pega a mão fria de Mimi enquanto eles procuram a chave que ela havia perdido na casa e canta a famosa “Che gelida manina”, cujo tom melódico é apenas superado pela seguinte: Mimì canta “Sim, meu Chiaman Mimì”. Mas o melhor momento ainda está por vir: aquele em que os dois acabam se rendendo àquele amor nascido neles e que termina o ato no dueto “O soave fanciulla” e aquele “amor, … amor, …. amor” que ambos cantam quando, juntos, saem do sótão, a caminho do Quartier Latin. Lindo demais.

Ato 2

Quando chega ao Quartier Latin e, especificamente, ao Café Momus, Rodolfo apresenta Mimi aos amigos que a acolhem no grupo “Questa è Mimì, gaia fioraia ”. Enquanto eles estão comendo e conversando sobre Rodolfo e o amor, chega Musetta, ex-amante de Marcello, acompanhada de Alcindoro, que tenta ignorá-la em vão … o que causa nela um interesse renovado por ele “Quando me’n vo soletta per la via”. Museta canta e fala alto, tudo fazendo para chamar a atenção de Marcello. A cena evolui de tal maneira que Marcello acaba cedendo a seus encantos na expandida área “O gioventú mia, tu não sei morta”, onde ele já revela abertamente sua intenção de retornar a ela. Os seis amigos saem do Café Momús aproveitando a agitação causada pela chegada de um desfile. Bom a conta fica por conta do velho Alcindoro que não estava presente quando o grupo sai do Café Momus.

Ato 3

Este ato passa-se nas ruas de um bairro limítrofe da capital parisiense, junto da entrada dum cabaret, “O Porto de Marselha”, onde o Pintor Marcello está hospedado com Musetta, e onde naquela noite, também lá ficaram Rodolfo e Mimi. É Janeiro e as ruas estão cobertas de neve. Mimi procura Marcello queixando-se de Rodolfo que manifesta constantes crises de ciúme. Rodolfo aproxima-se e Mimi esconde-se. Então Marcello tenta saber, por Rodolfo, o que se passa, e o poeta diz ter medo daquilo que possa acontecer com Mimi, ela está muito doente e sente que ele é o culpado pelo mal que a mata e preocupado porque ele sabe que o amor não é suficiente para salvá-la. Mimi, que estava ouvindo as frases de Rodolfo, deixa o esconderijo para encontrá-lo e os dois começam um dueto em que, primeiro Mimi se despede de Rodolfo “onde lieta usou o tuo grido d’amore” e depois cantam juntos “Ci lascerem alla stagion dei fior” são juras de amor dos dois jovens, em contraste com uma discussão acalorada entre Musetta e Marcello.

Ato 4

Página autografada. O crânio a esquerda representa a morte de Mimi na prece de Musetta

Passado algum tempo, estamos de volta no sótão do primeiro ato em que Rodolfo e Marcello trabalham … ou tentam trabalhar porque os pensamentos melancólicos sobre Mimi e Musetta são tão intensos que os impedem de se concentrar “O Mimì tu più non torni”. Colline e Schaunard chegam, e a melancolia dá lugar a uma situação descontraída que lembra as cenas anteriores à chegada de Mimi com a vela no primeiro ato esta situação é interrompida com a chegada da alarmada Musetta “C’è Mimì che mi segue e sta male ” que traz consigo uma debilitada Mimi. Uma vez sozinhos, Rodolfo e Mimi iniciam uma conversa em que a felicidade da reunião é nublada pela doença de Mimi. Nesse momento, o ouvinte é transportado para o primeiro ato quando Mimi evoca o primeiro encontro entre eles, a vela apagada, a chave perdida … até que um ataque de tosse nos devolve à triste realidade. Musetta entrega uma luva para as mãos de Mimi se aquecerem é o começo do fim. Com as mãos na luva, ela diz as últimas palavras … e morre. Enquanto Musetta reza para que Mimi ainda esteja viva e se recupere, Schaunard, que está ao lado de Mimi, diz a Marcello que ela morreu. Rodolfo, que ainda não conhece o fim de sua amada, observa os rostos … até que Marcello vem abraçá-lo com o rosto transtornado. Rodolfo, desesperado, vai para o leito onde Mimi jaz com gritos de dor (“Mimi … Mimi … Mimi …”). Cai o pano.

“La Bohème” , a apaixonada, atemporal e indelével história de amor entre jovens artistas de Paris, podemos afirmar que é uma das óperas mais populares do mundo. Tem uma capacidade maravilhosa de causar uma poderosa primeira impressão e de revelar tesouros inesperados após dezenas de audiências. À primeira vista, “La Bohème” é a representação definitiva das alegrias e tristezas do amor e da perda; em uma análise mais minuciosa, revela o profundo significado emocional oculto nas coisas triviais – um chapéu, uma luva, um sobretudo velho, um encontro casual com um vizinho – que compõem nossa vida cotidiana.

Pessoal, que subam as cortinas do espetáculo e apreciem esta que é uma das óperas mais amadas . Há, certamente, poucos trabalhos, que de maneira tão perfeita fixam as mais variadas expressões da vida e do cotidiano. A delicada poesia, movimentação popular, o tranquilo idílio amoroso, humor e tragédia, tudo fundido numa perfeita unidade, o mestre Puccini não interrompe a melodia um instante sequer, e atingindo nas áreas de Rod16olfo e Mimi do primeiro ato, no humor do final do segundo ato, no quarteto do terceiro ato e na cena da morte de Mimi, alturas que sempre comovem. A história da pobre costureirinha, irmã gêmea proletária da Traviata, que morreu no pequenino e gélido quarto em que acalentou seu primeiro e único sonho de amor, comoveu milhões de criaturas – somos estas criaturas.

Puccini – La Bohème

Personagens e intérpretes

Rodolfo, poeta parisiense pobre que se apaixona por Mimi (tenor) – Luciano Pavarotti
Marcello, pintor, companheiro de apartamento de Rodolfo (barítono) – Rolando Panerai
Colline, filósofo, vive no mesmo apartamento de Marcello e Rodolfo (baixo) – Nicolai Ghiaurov
Schaunard, músico, é o quarto colega de apartamento (barítono) – Gianni Maffeo
Mimi/Lucia, uma pobre costureira (soprano) – Mirella Freni
Musetta, jovem namoradeira (soprano) – Elizabeth Harwood

Schönberger Sängerknaben
Chor der Deutschen Oper Berlin
Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan – Conductor

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Puccini e Leoncavallo discutindo a relação.

FDPBach e Ammiratore

Richard Wagner – Rienzi – René Kollo, Cheryl Studer, Jan-Hendrik Rootering, etc., Chor der Bayerischen Staatsoper, Bayerisches Staatsorchester

Com esta postagem eu e o colega Ammiratore retomamos nossa parceria wagneriana, depois de alguns meses envolvidos em outros processos. Desta vez, trazemos a polêmica ópera “Rienzi” de Richard Wagner (1813-1883),  esta bonita ópera da juventude (tinha 27 anos quando a completou) tem cinco atos e é da primeira metade do século XIX e que lá no inicio do século XX foi pano de fundo para um monstruoso regime político.

Em 1839, Richard Wagner decidia abandonar Riga (atual Letônia) onde dirigia óperas francesas e italianas no teatro de ópera da cidade. Devendo para muitos credores, acumulando dívidas avultadas em trabalhos que não renderam os frutos que deveriam, fugia com a sua primeira esposa, Christine Wilhelmine Planer a “Minna”, para Paris (considerada na época o centro musical do mundo), de forma clandestina. A longa viagem, com paragem em Londres, após uma tempestuosa e assustadora passagem marítima pelos fiordes noruegueses estão descritas AQUI na postagem do “Navio Fantasma”. Chegando a Paris ele é recebido de forma calorosa por Giacomo Meyerbeer (1791–1864) que ouviu atentamente os esboços de sua nova ópera, “Rienzi”. Nesta obra já encontramos uma identidade musical bem definida em comparação com “Die Feen” (As Fadas de 1834) e “Das Liebesverbot” (Proibição de amar de 1836).

Também nesta ópera o libreto é do próprio Wagner e tem por base a obra “Rienzi, O Último dos Tribunos” de Edward Bulwer-Lytton (1835) e a peça teatral de Mary Russel Mitford (1828) sobre o mesmo tema. A ação desenrola-se em Roma, em meados do século XIV, e narra a saga do patriótico tribuno romano Cola Rienzi, na sua tentativa de restaurar o caráter imperial de uma Roma em decadência, libertando a cidade do jugo da nobreza corrupta que a dirigia. Apesar do sucesso inicial, Rienzi acabaria por ser excomungado pelo Papa e, por fim, apedrejado juntamente com a sua irmã, Irene, pela população no Capitólio que é incendiado.

Wagner escreve esta sua nova ópera pensando na ópera de Paris. A Abertura, ainda hoje tão tocada nas salas de concerto, tem uma forma tradicional e é baseada nos temas da ópera. Abre num andamento lento, iniciado pelos trompetes e que anuncia um primeiro tema nas cordas, a “Prece pelo Povo de Rienzi”, de grande ênfase e lirismo. A peça prossegue à medida que toda a orquestra entra em cena, seguindo o esquema clássico de exposição e reexposição temática. Uma coda de grande intensidade, baseada no tema da batalha, termina a abertura.

Meyerbeer então promete e envia de fato uma série de cartas de apresentação ao Diretor da Ópera de Paris. Contudo, os dois anos que passou em Paris seriam para Wagner de grande dificuldade, fazendo arranjos de excertos de óperas e alguma crítica musical, tentando sempre negociar a apresentação local das suas óperas. Reconhecendo que as chances de apresentar uma ópera sua eram remotas e adicionando-se o fato de que estava sendo ameaçado de prisão novamente por dívidas acumuladas em Paris estava pensando em deixar a capital francesa.

Opera Semper Dresden-2019

É neste momento de penúria da vida de Wagner que vem a guinada: chegam boas-novas da Alemanha: devido, em grande parte, à influência de Meyerbeer, Dresden e Berlim mostram-se dispostas a apresentar em cena óperas suas. Não tardou e a estreia em Dresden, no recém-inaugurado Teatro de Dresden (Hoftheater) aconteceria a 20 de outubro de 1842 sob a direção do maestro Karl Gottlieb Reißiger e gozou de imenso sucesso, indo ao encontro do espírito revolucionário da época, das regras da “Grand Opéra” e do gosto do público por encenações espetaculares. O público não apenas amou a ópera como, de acordo com um crítico da época, ficou no teatro até o fim do espetáculo. E isso não é pouco: a versão original de “Rienzi” durava seis horas! Para um jovem e desconhecido compositor, manter os alemães acordados até tarde para assistir entusiasticamente à sua nova ópera era algo a ser considerado. Wagner permaneceria em Dresden nos seis anos que se seguiriam até ter de se exilar na Suíça na sequência da polêmica causada pela sua posição política na Revolução de Dresden em 1849.

Pausa dramática.

Pisando em terreno que estava hesitando, tomei coragem de ser apedrejado e enforcado (talvez julgado nas últimas estâncias no PQPBach_Tribunal e por fim fuzilado) mas não posso me calar a respeito do tema de grande relevância histórica para os amantes, que como eu curte a MÚSICA do mestre alemão, porém não o caráter do Richard Wagner, o texto abaixo é uma interpretação e tradução livre baseado em argumentos encontrados em diversas matérias entre outras da respeitável “Deutsche Welle” sorbre o  “Você-Sabe-Quem” e seu partido, que infelizmente está associado sobretudo, a “Rienzi”.

Hitler, quando jovem se tornou fanático pelas obras de Richard Wagner, disse que “Rienzi” era sua ópera favorita e uma inspiração para sua política. De acordo com o documentário “As Mulheres de Hitler”, ele chegou a assistir “Rienzi” mais de quarenta vezes. A razão talvez seja porque o enredo anda todo à volta da vida de Cola di Rienzi, um personagem popular da Itália medieval que tenta derrotar os nobres, incutir a revolta no povo, conduzindo-o a um futuro melhor.

Os estandartes do Partido Nazista foram concebidos pelo Führer com base nos modelos desta ópera. O principal fato que se sabe sobre Hitler e “Rienzi” é que uma apresentação da ópera em Linz, que assistiu em 1905, o inspirou a começar a pensar em uma carreira política. Hitler se identificou fortemente com o retrato de Wagner da “tribuna do povo” e extraiu lições políticas da derrota de Rienzi. No ensaio “Wagner de Hitler”, que aparece na antologia “Música e Nazismo” de Hans Rudolf Vaget (1938) observa que, em 1930, Hitler falou com Otto Wagener (então chefe do Estado Maior) sobre seu “gosto especial” por “Rienzi”.

Como Hitler conseguiu colocar a ópera a serviço do nazismo? Uma mostra na antiga cidade-sede de comícios nazistas revela a ópera como poderoso instrumento de propaganda nacional-socialista. Adolf Hitler declarou Nuremberg “Cidade dos Comícios Nacionais” do Partido Nacional-Socialista em 1933, por considerar que o tradicional papel da cidade bávara no comércio, arte e cultura alemães a tornava um pano de fundo ideal para os eventos anuais do partido epicamente encenados. Eles tinham como palco não só o estádio municipal, mas também teatros, lagos e parques de Nuremberg, cuja importância histórica remonta à Idade Média. Mas tanto para o ditador quanto para seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels – o responsável pela censura e distribuição de filmes, peças teatrais e musicais, e artes visuais no Terceiro Reich –, a música germânica, em especial a ópera, conferiria impacto propagandístico vital às manifestações de massa nazistas.

Uma exposição no museu Dokumentationszentrum Reichsparteitagsgelände (Centro de Documentação da Área dos Comícios Nacionais do Partido) conta de forma quase palpável a história de como a Casa de Ópera de Nuremberg foi palco de instrumentalização da arte para a propaganda de um regime assassino. Richard Wagner, cujo posicionamento político, possivelmente contribuiu para a infeliz diretriz do ditador não era um nazista – nem podia ser, por motivos cronológicos afinal Wagner morreu em 1883 –, porém é sabido quanto ao antissemitismo do músico e, como quase tudo em sua vida, neste ponto houve contradição também: alguns dos grandes colaboradores do músico eram judeus.

Caravana para Bayreuth

O líder nazista era um verdadeiro amante da ópera, frequentando quase diariamente o teatro na época em que viveu em Viena. Sua presença era frequente no Festival de Bayreuth . O uso que os nazistas fizeram de Wagner e a bajulação do Festival de Bayreuth em torno de Hitler costumam ser apresentados como mal-entendidos ou relativizados com o argumento do distanciamento histórico entre Wagner e o Führer, porém o Führer gostava de inspirar a liderança nazista sobretudo com apresentações da ópera “Rienzi” mandando todos os seus diretos a assistirem as apresentações em que ele estava presente no Festival de Bayreuth e sempre ao final subia ao palco para fazer um discurso de encerramento (seriam as suas palestras motivacionais para os membros do partido). Em 1923, o genro de Wagner, Houston Stewart Chamberlain, e a nora do compositor, Winifred Wagner, saudaram Hitler na abertura do Festival como sendo o novo Parsifal e o novo messias da Alemanha. Já em 1925, o Festival de Bayreuth foi politizado com a presença de Hitler.

Diz-se que o Führer tinha obsessão por esta obra e pediu que o original manuscrito lhe fosse entregue em seu aniversário de 50 anos. Os historiadores dizem que Hitler estava com a partitura quando ele se suicidou em seu bunker de Berlim em 1945. O fascínio de Adolf Hitler por “Rienzi”, bem como a posse da partitura original desaparecida (provavelmente destruída no bombardeio do bunker do Führer, junto com as partituras originais de “Die Feen” e “Das Liebesverbot” e vários manuscritos relacionados ao Anel), faz parte da história. O público moderno agora não pode ouvir apresentações desse “Rienzi original” de seis horas,  Wagner fez muitos cortes em sua longa ópera para a edição de 1845. A partitura original autografada certamente virou cinza no bunker. A maioria das performances de Rienzi no século XX foram baseadas em uma partitura (publicada em 1898-99) que Cosima Wagner e Julius Kniese editaram – fazendo vários cortes não autorizados e alterações estilísticas na música e no drama – com a intenção de convertê-lo de uma ópera francesa para um drama musical wagneriano.

Por mais que esse termo seja tão estupidamente usado hoje em dia, não há como não pensar que a mensagem no libreto de “Rienzi” é protofascista. Tudo está lá: o líder super-humano, as massas manipuladas, a ilusão de uma reconciliação comunitária em que o Estado prevalece sobre todos os âmbitos da vida e que, por fim, termina por se destruir. Por fim é bom ressaltar que “Rienzi” não chamou só a atenção de Hitler no âmbito dos ditadores. Há indícios de que Stalin também gostasse da ópera, e, segundo um estudioso wagneriano, Helmut Kirchmeyer, as celebrações do décimo aniversário da Revolução Russa começou com esta abertura. Muito ainda pode ser dito sobre a apropriação nazista da obra wagneriana, “Rienzi” teve, infelizmente, o pior destino que uma ópera pode ter: ficar enraizada em seu próprio tempo e, depois, ganhar a má fama por outro.

Vou sair desta “vibe” afinal para este tema há milhares de sites que podem, ou não, esclarecer melhor os fatos que cercam a Alemanha no sombrio início do século XX.

Vamos voltar o foco na obra: é um ópera bem estruturada e com belíssimos momentos, sobretudo nos conjuntos corais. Como dito acima o argumento baseia-se na história de Cola di Rienzi, político romano do século XIV que, investe contra a tirania dos nobres. Pressionado, no entanto, pela aliança entre os nobres e a Igreja, Rienzi perde gradativamente o apoio da massa e morre no Capitólio, incendiado pela fúria do povo.

SINOPSE
Abertura

A ópera inicia com uma belíssima abertura, que começa com um chamado de trompete (que, no Ato III, ficamos sabendo tratar-se do chamado de guerra da família Colonna) e introduz a melodia da oração de Rienzi no início do Ato V, que se tornou a mais conhecida ária da ópera. A abertura termina com uma deslumbrante marcha militar.

Ato I
Cena I

Uma rua à noite, com a Igreja de São João de Latrão ao fundo. O patrício Orsini e seus companheiros tentam sequestrar a irmã de Rienzi, Irene, invadindo seus aposentos pela janela “Hier ist’s, hier ist’s!”. Irene grita por socorro. Adriano a defende. Uma multidão se reúne, e as pessoas se unem ou a casa de Colonna ou a de Orsini. O Cardeal Raimondo exorta os contendores a, em nome da Igreja, pararem de lutar. Surge Rienzi (numa entrada marcada por uma dramática mudança de tonalidade, de Ré para Mi Bemol), que, apenas com sua presença, põe fim ao conflito. Rienzi repreende o povo e os nobres “Dies ist eu’r Handwerk, daran erkenn’ ich euch!”, e declara sua intenção de unificar Roma e conduzi-la à glória “Doch höret ihr der Trompete Ruf”. O povo romano apoia Rienzi. Saem todos, menos Rienzi, Irene e Adriano.

Cena II
Rienzi abraça Irene e pergunta o que lhe fizeram “O Schwester, spricht was dir geschah”. Irene explica que foi salva por Adriano. Rienzi manifesta sua surpresa a Adriano pelo fato de um membro da família Colonna ter salvo sua irmã, pois foi um Colonna que assassinou o irmão de Rienzi. Adriano pergunta o que pode fazer para compensar aquele crime “Rienzi, du bist fürchterlich!”, e Rienzi o convida a segui-lo em seus intentos. Adriano está hesitante. Rienzi insiste em que, sob seu comando, os romanos podem se tornar realmente nobres e livres, mas Adriano teme que Rienzi esteja conduzindo o povo romano à ruína. Embora Adriano também deseje respeitar a lei, adverte Rienzi de que seus planos são muito audaciosos e terminarão em derramamento de sangue. Entretanto, apesar de suas reservas, Adriano oferece seu apoio. Rienzi diz que o momento se aproxima “Die Stunde naht, mich ruft mein hohes Amt”, confia Irene à proteção de Adriano, e sai.

Cena III
A sós, Adriano e Irene, como que prevendo o futuro, declaram que seu amor resistirá firmemente mesmo que o mundo ao seu redor se esfacele. Adriano expressa seus temores e prediz a queda de Rienzi, prevendo que o povo o trairá e que os nobres o punirão por sua audácia. A cena termina com o som de trompetes do lado de fora.

Cena IV
Amanhece. As pessoas saem de suas casas saudando aquele dia especial “Gegrüßt, gegrüßt sei, hoher Tag!”. Um órgão soa dentro da igreja, e o povo se ajoelha. Um coro, também da igreja, pede que todos despertem para o dia cuja luz tirará Roma das trevas “Erwacht, ihr Schläfer nah und fern”. As portas da igreja se abrem e dela sai Rienzi, trajando armadura completa. O povo o saúda com entusiasmo. Rienzi exalta a renovação de Roma “Erstehe, hohe Roma, neu!” e anuncia que, como protetor de Roma, assegurará a liberdade e a lei. O povo o reconhece como seu rei, mas Rienzi diz que não quer ser rei, pois deseja que o povo continue livre. Sugere, então, que o reconheçam como um tribuno, título com o qual é prontamente aclamado.

Ato II
Cena I

Uma sala no capitólio. Rienzi entra, magnificamente vestido, seguido pelos senadores, entre os quais Baroncelli e Cecco. Mensageiros trazem a Rienzi notícias de suas viagens, e informam “Ihr Römer, hört die Kunde” que as terras romanas estão em paz e liberdade. Colonna, Orsini, os senadores e os nobres rendem falsamente homenagem a seu novo tribuno “Rienzi, nimm des Friedens Gruß!”. Rienzi insiste em que não está preocupado com sua glória pessoal, mas sim com a libertação de Roma e a manutenção da lei. Ele sai acompanhado dos senadores.

Cena II
Colonna pergunta a Orsini se estão condenados a suportar as ultrajantes palavras de Rienzi “Colonna, hörtest du das freche Wort?”. Enquanto conversam, os nobres passam a ouvi-los; Adriano entra sem ser notado, e também escuta o diálogo. Colonna e Orsini prosseguem: o povo idolatra Rienzi, que o cativou. Ele é um demagogo, dizem, que conquista o povo com seu discurso carismático. Apesar de Rienzi ser um mero plebeu, obteve enorme poder, e Orsini e Colonna recusam-se a tolerar isso. Eles consideram que a ascensão de Rienzi à fama é um insulto, e também potencialmente perigosa, pois as massas agora estão armadas. Os nobres, chefiados por Orsini e Colonna, agora conspiram contra Rienzi, e planejam seu assassinato na festa que está prestes a ocorrer. É então que Adriano manifesta sua incredulidade, chamando os conspiradores de assassinos. Colonna pergunta a Adriano, seu filho, se delatará seu próprio pai, e o chama de traidor. Todos saem para levar adiante os planos, exceto Adriano. Este afirma preferir ser considerado um traidor “Ich will denn ein Verrater sein”, mas, hesitante, também teme que seu pai seja punido.

Cena III
Uma pomposa cerimônia. Um banquete foi preparado. Rienzi saúda os nobres e diplomatas de todas as partes da Itália “Im Namen Roms seid mir gegrüßt!”. Sem dar mais detalhes, Adriano recomenda a Rienzi que tome cuidado. Uma apresentação começa, uma peça, pantomima e balé: Brutus vinga-se da morte de Lucrécia e liberta Roma da tirania de Tarquínio.
Esse balé recebeu grande atenção do compositor, pois na maioria das grandes óperas o balé é apenas uma diversão. O balé de Rienzi visa a representar o conto do “Rapto de Lucrécia”. Essa história, na qual Tarquínio, o último rei de Roma, tenta violentar a virgem Lucrécia, é um paralelo tanto à tentativa de violação de Irene por Orsini quanto ao tema dos patrícios contra o povo. Na sua forma original, o balé dura mais de meia hora – em montagens modernas e gravações, em geral ele sofre cortes drásticos.

Enquanto isso, Orsini, que se aproximou de Rienzi durante a apresentação, tenta esfaqueá-lo, mas Rienzi é protegido pela malha metálica que trajava. O povo grita pedindo proteção ao tribuno “Rienzi! Auf! Schützt den Tribun!” e tem início um tumulto. Adriano pede que Rienzi perdoe os traidores, e, ao mesmo tempo, o povo grita pela morte deles. Rienzi exalta a importância do perdão “O laßt der Gnade Himmelslicht”, dizendo que será seu segundo perdão, mas que não haverá uma terceira chance. Finalmente, Rienzi perdoa os conspiradores “Euch Edlen dieses Volk verzeiht, seid frei”. O povo respeita a decisão de Rienzi. Irene e Adriano agradecem. Baroncelli e Cecco dizem que Rienzi se arrependerá. Os conspiradores juram vingança por essa humilhação.

Ato III
Cena I

Uma grande praça diante das ruínas do antigo fórum romano. Uma multidão enlouquecida ocupa a cena à procura de Rienzi, espalhando a notícia de que os nobres fugiram da cidade e, armados, estão voltando para um ataque a Roma “Vernahmt ihr all die Kunde schon?”. Rienzi surge e, após dizer que desta vez não haverá perdão, chama o povo às armas. O povo obedece e sai para se preparar.

Cena II
Entra Adriano, que invoca Deus “Gerechter Gott” e revela sua aflição diante do combate iminente, pois não sabe se dirige sua espada contra Colonna, seu amado pai, ou contra Rienzi, irmão de sua amada Irene. Muito confuso “Ha, wo bin ich jetzt?”, põe-se de joelhos e pede que Deus concilie todos. Em seguida, sai da cena.

Cena III
O cenário é de preparação para a batalha, com símbolos bélicos em toda parte. Ouvem-se os sinos de guerra. Rienzi, de armadura, está acompanhado de Irene, e diz que é o dia de purgar as afrontas “Der Tag ist da”. O povo está armado e pronto para o combate. Quando Rienzi vai dar o sinal de ataque, chega Adriano, que em vão tenta detê-lo. Rienzi e seu exército partem ao som de um coro geral de entusiasmo guerreiro. Adriano fica sozinho com Irene, que tenta impedir que ele vá à batalha. Enquanto rezam, ajoelhados, o ruído do combate cessa. Logo se ouvem os sons da vitória de Rienzi. Este retorna e anuncia a vitória “Heil, Roma, dir!”. Os vitoriosos trazem os cadáveres de Colonna e Orsini, entre outros. Ao ver o pai morto, Adriano jura vingança contra Rienzi “Geschieden sind wir denn fortan”. Rienzi faz pouco caso e sai com seus seguidores em triunfo rumo ao capitólio.

Ato IV
Cena I

Numa rua diante da Igreja de São João de Latrão, de noite, ocorre um encontro secreto no qual Baroncelli informa a outros cidadãos, todos disfarçados, que os diplomatas alemães deixaram Roma para sempre “Wer war’s, der euch hierher beschied?”, pois Rienzi não se entendeu com eles acerca da escolha do Imperador Romano. Chega Cecco, que informa que o cardeal (Raimondo) também já partiu. Baroncelli diz que Colonna, quando de sua fuga, foi ao Papa para prometer que utilizaria seu poder para defender a Igreja. Baroncelli sente que Rienzi só perdoou Colonna para ganhar o apoio dos nobres, e por isso considera Rienzi um traidor do povo. Adriano retira o disfarce e se identifica, dizendo que Rienzi não é digno do poder que conquistou, e espera ter sua vingança. Baroncelli diz que uma festa está a ser preparada por Rienzi para celebrar sua vitória. Adriano afirma que irá à festa para matá-lo. Surge Raimondo com um cortejo de sacerdotes em direção à igreja. Baroncelli e os outros temem que Rienzi tenha o apoio da Igreja, mas Adriano diz que o matará mesmo assim.

Cena II
Surge a comitiva de Rienzi, este em traje de gala e com Irene. Ao passar pelos conspiradores, Rienzi lhes pergunta se não irão ao festejo “Ihr nicht beim Feste?”. Constrangidos, os nobres abrem passagem para a comitiva. Ouve-se o Te Deum entoado pelos sacerdotes dentro da igreja “Vae, spem nullam maledictus”, cujo tom tétrico causa horror a Rienzi e ao povo. Enquanto Rienzi sobe os degraus para a igreja, Raimondo o impede de prosseguir dizendo que ele não poderá entrar porque foi excomungado, assim como todos os seus seguidores. O povo, assustado, foge. Raimondo e os religiosos entram na igreja, e suas portas se fecham; nelas está afixada a bula que contém a excomunhão de Rienzi. Adriano diz a Irene que Rienzi e seus seguidores estão amaldiçoados, e pede que ela fuja com ele, mas ela permanece com Rienzi. Adriano diz que Irene morrerá junto com Rienzi.

Ato V
Cena I

Uma sala no capitólio. De joelhos diante de um pequeno oratório, Rienzi pede que Deus olhe por ele e não permita que as forças conquistadas se dissipem “Allmächt’ger Vater”.

Cena II
Irene entra e abraça Rienzi, o qual lhe diz ter sido abandonado pela Igreja “Verläßt die Kirche mich”, pelo povo e por Adriano, e que agora só lhe restam Deus e Irene. Rienzi parte.

Cena III
Adriano entra sorrateiramente, disfarçado. Dirigindo-se Irene, manifesta surpresa por ela ainda estar naquele lugar amaldiçoado “Du hier, Irene?”. Adriano diz que a salvará, e pede que ela fuja com ele. Irene diz que já não o ama mais. Adriano se ajoelha e suplica em vão o amor de Irene. Ouvem-se ruídos de quebra de vidros por pedradas; desesperado, Adriano tenta levar Irene à força, mas ela consegue escapar. Adriano está enlouquecido e sai determinado a possuir Irene mesmo que para isso tenha de enfrentar o fogo.

Cena IV
A praça diante do capitólio. Multidões surgem violentamente com tochas e gritos em respeito ao édito da Igreja “Herbei! Herbei!”. O povo está revoltado com Rienzi, que surge de armadura na varanda do capitólio e pede calma. O povo grita que ele não deve ser ouvido, mas apedrejado. Rienzi pede aos revoltosos que se recordem da paz e da liberdade que conseguiu para eles. Baroncelli grita que Rienzi está tentando enganá-los. A multidão ateia fogo ao capitólio. Rienzi então diz suas últimas palavras: “Enquanto as sete colinas de Roma existirem, enquanto a cidade eterna não perecer, vocês verão Rienzi voltar!” (Nas apresentações originais, as palavras finais de Rienzi são amargas e pessimistas: “Que a cidade seja amaldiçoada e destruída! Desintegre-se e seque, Roma! Seu povo degenerado assim deseja.” Todavia, para a apresentação de 1847, em Berlim, Wagner as substituiu pela retórica, mais positiva.) Rienzi e Irene estão abraçados em meio às chamas, e o povo os apedreja. Chega Adriano, que, fora de si, invade as chamas em busca de Irene. Ao entrar no capitólio, a torre onde estavam Rienzi e Irene desaba sobre ele, sepultando todos os três. Cai o pano.

“Rienzi” sempre despertou reações extremas. Hans von Bülow, amigo e entusiasta da música de Wagner, disse que esta era a melhor ópera de Meyerbeer, e o musicólogo Charles Rosen, para ironizar, sugeriu que era a pior ópera de Meyerbeer – aparentemente ambos não eram grandes conhecedores do compositor francês, haja vista que a obra de Wagner não soa nem de longe como uma ópera daquele. “Rienzi” é como uma Grand Opera um tanto original, que, diferente do “Guilherme Tell”, de Rossini, contém uma revolução logo no primeiro ato. Os quatro atos restantes são dedicados a descrever a queda do grande líder traído por uma elite que manipula o povo, o fracasso de um ser humano excepcional frente a um mundo que não o merece.

“Rienzi” foi um arrasa-quarteirão para seu tempo que alavancou seu criador para o prestigioso posto de Kapellmeister da côrte de Dresden. Ao longo da vida Wagner iria renegar essa criação, considerando-a de uma “extravagância sem reservas”, tendo como único objetivo o dinheiro para aliviá-lo das vicissitudes da vida. O maior crítico desta obra acabaria por ser o próprio Richard Wagner. Alguns anos depois da estreia, que como vimos foi recebida com entusiasmo pelo público de Dresden, Wagner escreve a Liszt uma carta na qual se refere a “Rienzi” em termos pouco elogiosos: “Como artista e como homem, não me sinto suficientemente motivado para reestruturar esta obra antiquada que, pelas suas proporções exageradas, fui obrigado a remodelar mais de uma vez. Falta-me ânimo para a ela me dedicar. Desejo sim, de alma e coração, fazer qualquer coisa de novo.” Ironicamente, em várias oportunidades ele será lembrado dela, sobretudo por meio da marcha que aparece na abertura e no final do segundo ato, tocada exaustivamente por bandas provincianas por onde quer que ele passasse.

A tempo: tenho que mencionar também um texto emocionante e de grande delicadeza que o Vassily Genrikhovich postou aqui no blog sobre a arte nos campos de concentração, vale muito a pena ler ! AQUI.

Este trabalho foi uma pequena pesquisa baseada nos livros “Para Entender Hitler. A Busca das Origens do Mal por Ron Rosenbaum”, “Hitler: A Global Biography por Brendan Simmssites”. Nos sites da “Deutsche Welle”, “resumodaoopera”, “wagneroperas”, “allmusic”, “euterpe” e “wikipedia”.

Rene Kolo Rienzi

A gravação que ora lhes trazemos é a terceira feita no festival de Munique de 1983 conduzida pelo maestro Wolfgang Sawallisch com a Ópera Estatal da Baviera, para celebrar o centenário da morte de Wagner. O som é bom, a sensação de ocasião acrescenta uma dose extra de emoção. Foi realizada ao vivo, fazem parte do mesmo projeto ao vivo que postamos do maestro Wolfgang Sawallisch  em “Die Feen” e “Das Liebesverbot”. Esta é a versão reduzida com cerca de três horas de duração. Musicalmente tem vários grandes momentos, dos quais o mais famoso é a oração de Rienzi no Ato V. Esta gravação de Sawallisch é lindamente conduzida com um elenco estelar. Rene Kollo é um Rienzi eloquente, com uma voz soberba, Kollo tinha uma voz muito flexível, com lirismo brilhante e um fôlego fantástico. O seu papel em Rienzi acho, em minha humilde opinião, que deve ser o seu melhor trabalho. Cheryl Studer, como Irene, está no auge, canta com paixão, força lírica e musicalidade virtuosista. O barítono, John Janssen canta muitíssimo bem. Gostei muito dos corais. Por ser uma gravação ao vivo, muito bem ensaiados. Grande conjunto vocal.

Pessoal, abrem-se as cortinas. Desfrutem da ópera de Richard Wagner, musicalmente muito bonita e portanto, um motivo adicional para o ouvinte clássico, que também se interessa por história, é que você pode se sentar na cadeira de casa e ouvir a mesma música que inspirou Hitler a cometer o tão grande e horrível Triumphe des Böse (Triunfos do Mal). Portanto, é interessante especular sobre como essa ópera não apenas fez Hitler acreditar que o destino o havia escolhido. Também predisse precisamente a maneira de sua morte final e a de seus seguidores, que experimentaram seu próprio Götterdämmerung quando Berlim foi destruída em 1945.

 

Rienzi, der Letzte der Tribunen
Ópera em cinco atos

Personagens e intérpretes

Cola Rienzi,  (Tenor) – René Kollo
Irene, sua irmã (soprano) – Cheryl Studer
Stefano Colonna, chefe da Casa de Colonna (Baixo) – Jan-Hendrik Rootering
Adriano, seu filho (Mezzo Soprano) – John Janssen
Paolo Orsini, chefe da Casa de Orsini (Baixo) – Bodo Brinkmann
Raimondo, Cardeal (Baixo) -Karl Helm
Baroncelli, cidadão romano (Tenor) – Norbert Orth
Cecco del Vecchio, cidadão romano (Bass) – Keith Engen
Um Mensageiro da Paz (Soprano) – Carmen Anhorn

Chor der Bayerischen Staatsoper – Bayerisches Staatsorchester

Regente Wolfgang Sawallisch

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Wolfgang Sawallisch – Quem desafinou ai ?

 

Pietro Mascagni (1863-1945): Cavalleria Rusticana

Pietro Mascagni (Livorno a 7 de dezembro de 1863, 2 de agosto de 1945) então professor de piano e diretor da escola municipal de música da cidade de Cerignola (entre a canela e o calcanhar da bota italiana) resolveu participar, em 1890, de um concurso patrocinado pelo editor Sonzogno, que oferecia um belo prêmio à melhor ópera apresentada. Muito jovem ainda Pietro lutava com dificuldades financeiras, então apareceu uma despretensiosa oportunidade: um “Concorso di Incoraggiamento al Giovani Compositori Italiani”. Resolveu entrar na competição na esperança de conseguir ser percebido e até mesmo, quem sabe, ganhar o tão suado dim-dim extra que todos precisamos. Durante dois meses empenhou-se em criar a peça, que pelo regulamento do concurso deveria ter somente um ato. Escolheu então uma peça teatral do escritor siciliano Giovanni Verga (1840-1922), na época um dos autores de maior prestígio na Itália. Verga havia publicado uma coleção de narrativas “da vida real”, Vita dei Campi, que obtivera grande repercussão. “Cavalleria Rusticana” (Cavalheirismo Rústico) de 1884 é uma destas narrativas.

Anuncio do “Concorso”, 1888

Para sintetizar em um único ato a grande densidade dramática do conto de Verga, que Giovanni Targioni-Tozzetti e Guido Menasci haviam transformado em libreto, Mascagni lançou mão do notável artifício – um prelúdio, com canto no meio. Consistia em apresentar, através do tenor e antes do início do drama, uma menção do enredo sugerindo a razão da trama passional que a seguir iria se desenrolar.

No dia da apresentação no concurso o próprio Macagni executou a ópera ao piano para os membros do júri. Tinha apenas 26 anos e era completamente desconhecido. Mas havia criado uma obra surpreendente, que escapava por completo aos padrões de estruturação e desenvolvimento da ação dramática então em voga. O prêmio lhe foi dado e a 17 de maio de 1890, “Cavalleria Rusticana” estreou no Teatro Costanzi, em Roma, para uma plateia numerosa. O sucesso foi absoluto. Depois da terceira apresentação, Mascagni recebeu o título de Cavaleiro da Coroa da Itália e após a sétima o seu nome foi incorporado à famosa antologia operística de Guido Mazzoni. De repente, o jovem e obscuro professor de piano e compositor principiante do interior da Itália, via-se como uma celebridade ( título este que se converteria num sério problema em sua vida, no correr dos anos seguintes: estreara com uma obra prima e o público passaria a exigir que ele criasse apenas obras-primas ). Pietro Mascagni realizara uma façanha sem precedentes no mundo do teatro lírico: chegara ao apogeu da fama, tornando-se um ídolo com sua primeira ópera.

Teatro Costanzi – Roma, século XIX.

Em seis meses, a ópera fora montada em todas as capitais da Europa, conseguindo êxito em todas elas. Embora surpreendente, o sucesso da peça de Mascagni era compreensível: numa Itália efervescente, que experimentava grandes e profundas transformações, os teatros continuavam apresentando os dramas musicais do romantismo wagneriano, que já não diziam quase nada de novo ao público. Na última década do século XIX plateia, editores, músicos, cantores e críticos italianos estavam de saco cheio da teatralidade fantasiosa das grandes óperas. Careciam de boas novidades.

A novidade apareceu na “Cavalleria Rusticana”, toda a ação se passa ao ar livre e o povo subiu ao palco para encenar um episódio dramático do seu cotidiano. E a plateia, que também era povo, sentiu ser sua vida que ali se estava cantando, identificou-se com ela e foi por ela envolvida. Um golaço de placa. Mascagni ofereceu ao mundo um quadro intenso e comovente da vida do interior, que conhecia bem, mostrava um momento da realidade de uma gente simples, de atividade modesta e anônima, de paixões intensas e desencadeadas. Gente rústica do interior da Itália. Musicou um relato simples e sem sutileza analítica: a crônica de um crime passional num vilarejo do interior. Suas personagens não vivem em castelos, entre plumas e armaduras, em mosteiros, prisões e campos de batalha. Elas surgem numa praça e cantam como todos os dias se ouve pelas estradas e campos italianos. Rústicos, reais e expressivas, como verdadeiros aldeões. Até mesmo a “siciliana” ele conservou em dialeto para maior autenticidade.

A música brota unicamente da situação e não segundo o velho esquema da construção baseada na ária, com as consequentes e inevitáveis repetições. De cada cena, de cada situação o compositor soube colher a atmosfera exata, destacando com admirável coerência os diferentes momentos cênicos, para valorizar adequadamente cada particularidade do enredo.

O Enredo

Vizzini em 1892

Podemos dizer que “Cavalleria” é uma sombria história de amor e vingança. Se passa num domingo de Páscoa o que ajuda a aumentar a dramaticidade dos fatos. A ação é centralizada em Turiddu, jovem soldado que mora com a mãe. Ela tem uma espécie de taberna de vinho na praça da vila da aldeia de Vizzini (sul da Sicilia). Depois de prestar serviço militar e dar baixa, o jovem Turiddu volta para casa. Quando foi servir o exército ele era noivo de Lola, mas, ao voltar, encontrou-a casada com Alfio, o carreteiro mais próspero da aldeia. Para esquece-la Turiddu iniciou um namoro com a jovem Santuzza. Mas o amor que um dia havia sentido por Lola não morrera e Turiddu abandonou Santuzza. Lola, apesar de casada, também continuava a amar o antigo noivo e, aproveitando-se das frequentes ausências do marido, voltou a encontrar-se com Turiddu. Este então passa a rondar a casa de Alfio, que nada desconfia. Esta é a situação quando se inicia a ópera.

Pietro Mascagni na época da Cavalleria

O prelúdio orquestral apresenta vários temas que são importantes no desenvolvimento do drama. Após calmos compassos de abertura, que simbolizam a paz do Dia de Páscoa, surge o tema do apaixonado pedido de Santuzza pelo amor de Turiddu. O prelúdio é subitamente interrompido pela voz de Turiddu atrás da cena. Com um marcante acompanhamento de harpa, ele canta a “Siciliana”, que como disse no início do texto, Mascagni escreveu originalmente para o dialeto siciliano em lugar do italiano, e que é uma serenata amorosa no tradicional estilo siciliano. Turiddu compara os lábios de Lola com framboesas vermelhas, fala do brilho de amor em seus olhos, e compara a cor de suas faces com cerejas silvestres. O homem que conquistar estes tesouros para si será mesmo feliz. Então, numa sinistra previsão de tragédia, Turiddu vê sangue na porta da casa de Lola. Mas, acrescenta, mesmo a visão da morte não o amedronta. Somente se entregará ao desespero se não encontrar Lola esperando por ele no Paraíso. A serenata morre lentamente, com notas sustentadas, e a orquestra toca, então, temas vivos da tragédia que se seguirá.

O subir das cortinas é acompanhado do repique de sinos. Vemos uma praça deserta de uma aldeia da Sicília. À direita, a entrada de uma igreja; à esquerda, a taberna e a casa de Mamma Lúcia. Amanhece. A medida que a música se torna brilhante e alegre, camponeses e aldeões cruzam a praça, suas vozes cobrindo o acompanhamento da orquestra com frases simples e curtas. Algumas pessoas entram na igreja, enquanto outras passeiam na rua. Ouvem-se vozes femininas cantando a alegria do Domingo de Páscoa, como os gorjeios dos pássaros e a fresca beleza da primavera que, desperta, se misturam com as ternas confissões de amor.

Quando as mulheres entram lentamente na cena, ouvem-se as vozes masculinas louvando a diligência feminina e os encantos das mulheres que dominam os corações. Surgem os homens depois, e todas as vozes se misturam num melodioso coro saudando as alegrias da primavera e o amor. As últimas notas ecoam encantadoras atrás da cena, à distância. As pessoas deixam a praça, que mais uma vez fica vazia.

Abruptamente, a tonalidade musical muda para um sombrio motivo anunciando a tragédia. A medida que ela cresce em intensidade, surge Santuzza, e encontra Mamma Lúcia saindo da taberna. A moça pergunta por Turiddu. Quando Lúcia pergunta por que ela veio procurar seu filho, Santuzza simplesmente responde que deseja vê-lo. Agitada, Lúcia replica que não sabe onde está seu filho, acrescentando que não deseja brigas. Desesperada, Santuzza implora-lhe que tenha piedade, como Cristo teve piedade de Madalena. Suplica que Lúcia lhe diga onde está Turiddu.

Lúcia responde afinal que ele foi buscar vinho em Francofonte. Santuzza declara que Turiddu foi visto na aldeia na noite passada. Alarmada, Lúcia pergunta quem lhe disse isso, por que Turiddu não voltou para casa. Depois, comovida pela tristeza da jovem, Lúcia convida a entrar em casa. Santuzza exclama que não pode entrar porque foi excomungada. Temerosa, Lúcia pergunta o que Santuzza sabe a respeito de seu filho, mas Santuzza fala apenas da angústia em seu coração.

Nesse momento, a música se transforma lentamente em um rítmico staccato que vai crescendo. Ouvem-se o estalar de um chicote e o badalar alegre dos sinos quando Álfio entra na praça, acompanhado por amigos. Canta uma viva canção acerca de seu belo cavalo, dos sinos que repicam, e do chicote que estala (“II cavallo scalpita”). Ele trabalha com sol e chuva. Os homens unem suas vozes, saudando o carroceiro como um bravo rapaz em cujo trabalho não tem rival. Alegremente, Álfio canta da felicidade que o espera em casa sua bela mulher, Lola, nessa comemoração da Páscoa. Cada vez mais chegam pessoas para ouvir Álfio, unindo-se a ele num poderoso coro.

Quando a multidão se dispersa, Lúcia cumprimenta Álfio, que pergunta-lhe se ela ainda tem algum do seu bom vinho. Lúcia responde que Turiddu foi a uma vila próxima para reabastecê-la. Outra vez ela é contraditada, pois o carreteiro diz que viu Turiddu naquela manhã perto de sua casa. Quando Lúcia faz uma indagação de surpresa, Santuzza pede que ela se cale. Álfio então se vai, exortando os outros a irem à igreja.

Dentro da Igreja, o coro inicia o majestoso incrível e belo “Regina Coeli”. Pessoas que estão na praça, calmamente assumem atitudes de oração respondendo ao coro com “Aleluias”. Então, todos se unem no profundamente comovedor Hino da Ressurreição, tão apropriado para aquele Domingo de Páscoa. A voz de Santuzza soa acima do coro quando ela conduz a melodia em frases marcadas e respeitosas até seu clímax.

Em seguida, as pessoas entram na igreja, e finalmente apenas duas ficam na praça, Santuzza e Lúcia. Em um recitativo, Lúcia pergunta a Santuzza por que ela lhe pediu que se calasse quando falava com Álfio. Santuzza responde na famosa ária “Voi lo sapete”, na qual conta à velha toda a amarga história. Diz que Turiddu, antes de ir servir no exército, tinha um compromisso com Lola. Quando voltou, encontrou-a casada com outro. Para se consolar, prossegue Santuzza, despertou o seu amor, e ela amou-o loucamente por sua vez. Mas Lola, cheia de inveja e ciúmes, roubou outra vez Turiddu de seus braços. Agora, conclui Santuzza, nada mais lhe resta senão chorar.

Lúcia expressa horror por aquela terrível história contada num dia santo. Santuzza exclama que está condenada, e pede a Lúcia que reze por sua alma. Acrescenta que irá procurar Turiddu mais uma vez, e lhe implorará o amor. Fazendo uma prece por Santuzza, Lúcia lentamente entra na igreja, deixando a jovem sozinha na praça.

Nesse ponto, Turiddu aparece, demonstrando surpresa por ver Santuzza (“Tu qui Santuzza?”). Tenta evitar responder suas perguntas sobre onde ele estava, dizendo que acaba de chegar de Francofonte. Santuzza retruca que ela própria o viu na aldeia, e, ainda mais, ele foi visto perto da casa de Lola naquela mesma manhã. Irritado, Turiddu acusa-a de espioná-lo. Santuzza nega, dizendo que o próprio Álfio contou a história, e a espalhou através da aldeia.

Tentando blefar, Turiddu repreende a jovem por suas suspeitas, e ordena que o deixe. Nega amar Lola. Santuzza, agora se recobrando, acusa-o, e como Turiddu recua aterrado, ela declara que Lola o roubou de si. Então, as furiosas acusações dos dois conduzem a um dueto intensamente dramático (“Bada, Santuzza, schiavo non sono”). Violentamente, Turiddu ordena que Santuzza se cale, protestando que ele não é escravo do ciúme dela. Angustiada, Santuzza exclama que ele pode bater-lhe ou insultá-la que ela continuará a adorá-lo.

Santuzza, Turidu e Lola

De súbito, eles são interrompidos por uma voz feminina ao longe. Com alegre sarcasmo, ela fala de seu “rei das rosas” (“Fior di giaggiolo”), e logo surge Lola. Fingindo surpresa, pergunta a Turiddu se viu Álfio. Não dá atenção à resposta embaraçada de Turiddu, acrescentando com despreocupação que Álfio provavelmente está tratando com o ferreiro. Com deliberada malícia, Lola pergunta a Turiddu e Santuzza se eles estão assistindo à missa da praça. Turiddu, agora completamente confuso, tenta explicar. Santuzza, irritada, responde que é Páscoa e que Deus vê tudo. Lola pergunta se ela vai à missa. Intencionalmente, Santuzza replica que somente vão à missa aqueles que não têm pecado. Com irreverência, Lola agradece a Deus por não ter pecado, enquanto Santuzza sardonicamente cumprimenta-a por essas belas palavras. Impaciente, Turiddu interrompe o diálogo, e começa a seguir Lola à igreja. Com um riso, ela lhe diz que deve ficar com Santuzza, que renova seus pedidos a Turiddu. Mais como uma blasfêmia do que como uma prece a Santuzza, Lola entra na igreja.

No, No Turiddu !

Furioso, Turiddu se volta para Santuzza, iniciando-se uma nova discussão, que conduz de novo a um apaixonado dueto. Santuzza, desesperadamente, tenta evitar que Turiddu entre na igreja, implorando-lhe que a deixe (“No, no! Turiddu, rimani, rimani ancora”). Brutalmente, Turiddu lhe pergunta por que ela persiste em espioná-lo. O dueto cresce até um poderoso ápice quando Santuzza implora a Turiddu que não a abandone, enquanto ele, irado, ordena-lhe que o deixe. Subitamente, raivoso, grita-lhe que não se preocupa com a ira da jovem, e entra na igreja. Ela lhe lança uma maldição, e o acusa de traidor.

Santuzza vê Álfio se aproximar. Rapidamente, ela se recompõe e segue seus passos. Foi o próprio Senhor quem o enviou naquele momento, diz ela a Álfio. O carroceiro lhe pergunta em que ponto está a missa. Ela responde que a missa já vai adiantada, acrescentando significativamente que Lola e Turiddu estão assistindo à missa juntos. Sem perceber, Álfio pergunta o que ela quer dizer com isso. Em gélida fúria, Santuzza lhe diz que, enquanto ele está fora ganhando a vida, Lola procura prazer com outro. Álfio, transtornado, quer saber o que ela está dizendo. A verdade, responde Santuzza simplesmente. Turiddu abandonou-a porque não conseguiu resistir aos encantos de Lola. Álfio ameaça arrancar-lhe o coração se ela estiver mentindo. Santuzza replica que não tem o hábito de mentir, e confessa que, para sua verdadeira desonra e vergonha, o que ela diz é verdade.

Há uma longa pausa. Calmamente, então, Álfio agradece a Santuzza. Ela expressa vergonha por ter falado, mas Álfio declara que infames são os dois. Eles pagarão, e ele terá sua vingança antes que o dia acabe. Segue-se um tempestuoso dueto, no qual Santuzza expressa sua agonia e remorso por ter traído Turiddu, enquanto Álfio deseja terrível vingança (“Infami loro”). No final do número, ambos saem, deixando a cena completamente deserta. Segue-se, então, o famoso Intermezzo, tocado pela orquestra, enquanto a praça permanece vazia, e esta calma e doce música traz um momento de distensão à ópera. Mas esta calma é como aquela terrível calma que precede a tempestade. A tragédia já está anunciada, e é apenas adiada a vingança de Álfio porque os amantes estão na igreja. Quando termina o Intermezzo, os aldeões e os camponeses deixam a igreja. Todos estão alegres. Alguns se reúnem na frente da taberna de Lúcia e enchem seus copos. Os homens, cantando mansamente, pedem a todos que vão para suas casas para as alegrias do lar após os deveres religiosos do dia. As mulheres repetem o refrão, e depois todos cantam juntos. Lola e Turiddu chegam da igreja. Turiddu, indicando as pessoas, pergunta alegremente a Lola se ela vai embora sem cumprimentar os velhos amigos. Lola diz que tem de ir para casa porque ainda não viu Álfio. Despreocupadamente, Turiddu replica que ela provavelmente verá o marido na praça. Turiddu convida as pessoas a beber, iniciando, então, o Brindisi, o famoso brinde, “Viva il vino spumeggiante”. Quando o número termina num vibrante coro, surge Álfio de repente. Faz uma saudação, respondida pelos seus amigos.

Turiddu desafia Alfio

Turiddu oferece-lhe um copo. Álfio recusa, dizendo que não pode aceitar beber o vinho de Turiddu, pois poderia estar envenenado. Turiddu reconhece o insulto, e joga fora o vinho. Lola dá uma exclamação de medo, enquanto as outras mulheres aconselham-na a sair. Quando elas saem, os dois homens se defrontam. Turiddu pergunta a Álfio se ele tem alguma coisa a dizer. Quando a resposta é não, Turiddu dá início ao tradicional desafio, colocando-se “às ordens” de Álfio. Álfio aceita. Então, de acordo com o verdadeiro costume siciliano, os dois se abraçam e Turiddu morde a orelha de Álfio. Significativamente, Álfio nota que eles parecem se conhecer um ao outro.

Numa súbita mudança de comportamento, Turiddu confessa que errou com Álfio, e que merece a morte de um cão. Lamenta que, se for morto no duelo, sua “pobre Santuzza” ficará sem seu amado. Mas, acrescenta desafiador, saberá certamente enterrar sua faca no coração de Álfio. Friamente, o carroceiro aconselha-o a pensar melhor no que acaba de dizer. Diz que esperará Turiddu atrás do muro do jardim, e vai embora.

Turiddu, subitamente tomado de pânico, chama sua mãe. Hesitante, conta-lhe que bebeu muito vinho, e que está indo dar um passeio para clarear as ideias. Antes de ir quer a bênção dela, da mesma maneira quando ele foi servir no exército. Então, em frases apaixonadas, pede que Lúcia prometa que será uma mãe para Santuzza, se ele não voltar, pois tinha prometido levá-la ao altar (“Voi dovrete fare”).

Mataram o compadre Turiddu !

Lúcia, aflita, pergunta-lhe por que ele está dizendo aquelas palavras estranhas. Ele explica que foi o vinho que lhe subiu à cabeça. Incisivamente, implora perdão a Deus, e pede à sua mãe um último beijo de adeus. Numa frase musical forte, Turiddu pede outra vez que sua mãe cuide de Santuzza, saindo em desespero.

Aterrada, Lúcia tenta segui-lo, chamando-o. Santuzza corre para ela, e a toma nos braços. Pessoas correm nervosamente pela praça. Subitamente, uma mulher grita angustiada: “Turiddu foi morto!” “Mataram o compadre Turiddu!” Todos gritam horrorizados. Santuzza e Lúcia caem desmaiadas. A cortina desce rapidamente.

Cavalleria no cinema
A incrível meia hora final do filme de 1990 de Francis Ford Coppola, “O Poderoso Chefão: Parte III”, temos uma série de assassinatos por vingança cuidadosamente coordenados mostrada em vários locais, enquanto a família Corleone chefiada pelo chefe da máfia Don Michael Corleone (Al Pacino) – assiste a uma performance na Sicília da “Cavalleria Rusticana” no qual Tony filho de Michael interpreta Turiddu. Notadamente estas cenas coordenadas com o coro do Hino da Páscoa é marcante. Quando saem da casa de ópera em Palermo, a ação culmina com a tentativa de assassinato do próprio Don Corleone. Em vez disso, sua filha Mary, interpretada por Sofia Coppola, é baleada na frente dele. Em câmera lenta, ao som do Intermezzo, assistimos à família Corleone entrar em pânico e o Don desabar nos degraus abraçando desesperadamente o corpo inerte da filha baleada, com o rosto chocado com a terrível realização do que aconteceu. A função estrutural da ópera no filme é incrivelmente bem elaborada e a dramaticidade se encaixa perfeitamente sobretudo no final… grande Coppola.

Um copo de vinho, algumas torradas com queijo, azeite e orégano, uma cadeira confortável, se tiver sorte uma companhia que também goste de ópera ….. Olhos fechados enquanto a música de Mascagni enche a sala e absorve pensamentos de estresse ou as atividades do dia a dia …. esta ópera pede um ambiente assim. Pessoal abrem-se as cortinas e apreciem a soberba Cavalleria Rusticana, desta vez compartilho quatro versões nota dez !!!! O Enredo foi baseado no livro do Milton Cross, “As mais famosas Óperas”.

Cavalleria Rusticana – Pietro Mascagni

Esta é uma performance profundamente comovente da Cavalleria Rusticana (a trilha sonora original do filme de Franco Zeffirelli). Os cinco cantores são soberbos, o coro é maravilhosamente ressonante e finamente equilibrado com a orquestra, e o famoso interlúdio é tocado de maneira bonita em um ritmo bem lento. Placido Domingo dá vida a esta obra-prima, junto com Elena Obraztsova (estelar !!), simplesmente imbatíveis. A maneira como Georges Pretre conduz é original, magnífico. Esta é a versão que mais gosto. Meu amor por esta ópera é gigantesco ouvi-la traz à tona memórias de criança e memórias genéticas que nunca soube que tinha !

Elena Obraztsova – Santuzza
Placido Domingo – Turiddu
Fedora Barbieri – Mamma Lucia
Renato Bruson – Alfio
Axelle Gall – Lola

Maestro – Georges Pretre
Teatro alla Scala, Milão 1983

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Esta gravação de 1953 está com um som muito bom. Mostra Maria Callas no auge dramático. O momento em que ela começa a cantar a voz é distintamente diferente da de qualquer outra cantora, não tem jeito, ela é poderosa demais para transmitir emoções. Muitos afirmam ser esta a melhor Cavalleria. Maria Callas é a Santuzza definitiva e canta o papel com grande emoção. Ela estava no auge vocal quando a gravação foi feita (1953), Callas já havia retirado Santuzza de seu repertório, esta é uma de suas performances que podem ser apreciadas sem reservas – a voz é segura e firme e ela demonstra sua capacidade de transmitir uma gama completa de emoções sem exagero. Di Stefano também é excelente, fazendo Turiddu parecer muito machista. Panerai é um Alfio verdadeiramente excepcional, cantando a música magnificamente e fornecendo uma caracterização que é muito mais sutil do que o marido traído padrão de inúmeras óperas. A regência de Serafin é típica: ampla e pesada, sem ser lenta, e suas seções de sopros e cordas “cantam” tão eloquentemente quanto seus solistas. Esta é a gravação que eu recomendo para o pessoal que nunca a ouviu antes. Esta foi uma época de ouro da ópera, na minha simples opinião.

Maria Callas – Santuzza
Guiseppe Di Stefano – Turiddu
Rolando Panerai – Alfio
Anna Maria Canali – Lola
Ebe Ticozzi – Mamma Lucia

Ochestra e Coro del Teatro alla Scala, Milano
Chorus Master: Vittore Veneziani
Conducted by Tullio Serafin YEAR: 1953
Gravado em 1953, Basilica di Santa Euphemia, Milano

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Maravilhosa esta gravação da Cavalleria Rusticana com a incrível voz de Pavarotti com seu inconfundível canto cheio de paixão, drama e fogo. A gravação oferece um elenco fantástico, Julia Varady como Santuzza está muito bem, seu canto comovente está perfeito. O Alfio de Piero Cappuccilli está bem convicente, ótimo cantor. Não há mais nada a acrescentar aqui. No dueto “Ah! Io vedi, che hai tu detto?” Pavarotti e a Julia Varady estão bem entrosados, lindo dueto que rouba a cena da gravação. Um grande momento, um festival de vozes e a grande e trágica ópera italiana. Recomendação incondicional para todos os amantes de ópera.

Julia Varady – Santuzza
Luciano Pavarotti – Turiddu
Piero Cappuccilli – Alfio
Carmen Gonzales – Lola
Ida Bormida – Mamma Lucia

National Philharmonic Orchestra, 1976
Maestro – Gianandrea Gavazzeni

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Esta gravação do início dos anos 60 tem del Monaco e MacNeill em seu auge. Esta gravação, foi a primeira versão integral que ouvi desta ópera, era um antigo disco estéreo FFRR da London, fui fisgado. Muito tempo depois , fiquei emocionado ao encontrar em CD. Giulietta Simionata é uma bela Santuzza, às vezes suplicante, irritante, mal-humorada e patética … e você não pode deixar de sentir por ela. Mario Del Monaco, nem sempre apreciado porque era uma voz “grande” sem muita restrição, é muito emocionante como Turiddu. Poderoso “tenori di forza”. A ária onde Santuzza implora para Turiddu ficar com ela é cheia de clímax, e a música de despedida de Turiddu para sua mãe quando ele sabe que vai morrer é arrepiante. MacNeil, excelente barítono, entregando um Alfio muito bom. A orquestra e a direção são perfeitas. Serafin mantém a orquestra quase tensa às vezes, o ritmo é sem pressa, mas não silencioso, e cria um nervosismo que muitas performances mais modernas, como a de Levine, carecem. Um conjunto que para mim é um verdadeiro tesouro! Fico feliz em poder compartilhar esta versão tão cara para mim.

Mario Del Monaco – Turiddu
Guilietta Simionato – Santuzza
Anna di Stasio – Mamma Lucia
Cornell MacNeil – Alfio
Ana Raquel Satre – Lola

Coro e orquestra dell’Accademia di Santa Cecília
Maestro – Tullio Serafin, 1961

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Frase dita na última visita que o Dom fez na sede do PQP.

John Blow (1649-1708): Ode pela morte do Sr. Henry Purcell / Venus & Adonis

John Blow (1649-1708): Ode pela morte do Sr. Henry Purcell / Venus & Adonis

IM-PER-DÍ-VEL !!!

É, amigo. His name is Blow, John Blow Job. Um excelente compositor. Os dois CDs que postamos são dignos dos maiores elogios, mas meu amor maior vai para a pequena ópera em três atos Venus & Adonis. Um Blow job de primeira realizado por René Jacobs, a extraordinária Orchestra of the Age of Enlightenment e um time supimpa de solistas.

O coral infantil — sem piadas aqui, a fim de evitar a pedofilia — tem maravilhosa participação. Mas cá para nós, os dois CDs são maravilhosos. É daquelas coisas que a gente ouve e sai feliz, entendem? Pois é, amigo. His name is Blow, John Blow.

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John Blow – An Ode on the Death of Mr. Henry Purcell

Purcell:
1. Sweetness of nature (countertenors I & II) from Love’s goddess sure: Birthday ode for Queen Mary, 1692  3:18
Blow:
2. Sonata a 2 in A major   6:07
Purcell:
3. Here let my life  2:44
Blow:
4. Ground a 2 in D major  3:10
Purcell:
5. Orpheus Britannicus – Music for a while Z583  4:00
Blow:
6. Suite in G major for Harpsichord : Fugue  3:11
Purcell:
7. In vain the am’rous flute from St Cecilia’s Day Ode, ‘Hail, bright Cecilia’ Z328 5:30
Blow:
8. Suite in G major for Harpsichord : Prelude  0:56
9. Suite in G major for Harpsichord : Almand 3:13
10. Suite in G major for Harpsichord : Gavot 1:08
11. Morlake Ground  4:08
12. A Ground in D 4:12
13. An Ode on the death of Mr. Henry Purcell 22:34

Gerard Lesne, alto
Steve Dugardin, alto
La Canzona:
Pierre Hamon, flute a bec
Sebastien Marq, flute a bec
Elisabeth Joyé, clavecin & orgue
Philippe Pierlot, viole de gambe
Vincent Dumestre, theorbe

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John Blow – Venus & Adonis

A Masque for the Entertainment of the King
Un Masque pour le divertissement du Roi
Ein unterhaltsames Maskenspiel fur den Konig

1. Venus and Adonis, masque: Overture
2. Venus and Adonis, masque: Prologue. Behold my arrows and my bow
3. Venus and Adonis, masque: Prologue. Come shepherds all
4. Venus and Adonis, masque: Prologue. Courtiers there is no faith in you
5. Venus and Adonis, masque: Prologue. In these sweet groves
6. Venus and Adonis, masque: Prologue. Cupid’s Entry
7. Venus and Adonis, masque: Act 1. The Act tune
8. Venus and Adonis, masque: Act 1. Venus! Adonis!
9. Venus and Adonis, masque: Act 1. Hark, hark the rural music sounds
10. Venus and Adonis, masque: Act 1. Adonis will not hunt today
11. Venus and Adonis, masque: Act 1. Come, follow the noblest game
12. Venus and Adonis, masque: Act 1. Entry: A dance by a Huntsman
13. Venus and Adonis, masque: Act 2. The Act tune
14. Venus and Adonis, masque: Act 2. You place with such delightful care
15. Venus and Adonis, masque: Act 2. The Cupid’s lesson: The insolent, the arrogant
16. Venus and Adonis, masque: Act 2. Choose for the formal fool
17. Venus and Adonis, masque: Act 2. A dance of Cupids
18. Venus and Adonis, masque: Act 2. Call the Graces
19. Venus and Adonis, masque: Act 2. Mortals below, Cupids above
20. Venus and Adonis, masque: Act 2. The Graces’ Dance
21. Venus and Adonis, masque: Act 2. Gavatt
22. Venus and Adonis, masque: Act 2. Sarabrand for the Graces
23. Venus and Adonis, masque: Act 2. A Ground
24. Venus and Adonis, masque: Act 2. The Act tune
25. Venus and Adonis, masque: Act 3. Adonis, uncall’d for sighs
26. Venus and Adonis, masque: Act 3. With solemn pomp let mourning Cupids bear
27. Venus and Adonis, masque: Act 3. Mourn for thy servant

Venus: Rosemary Joshua (Soprano)
Adonis: Gerald Finley (Baritone)
Cupid: Robin Blaze (Countertenor)
Shepherdess: Maria Cristina Kiehr (Soprano)
Shepherds:
Christopher Josey (Countertenor)
John Bowen (Tenor)
Jonathan Brown (Basse)

Clare College Chapel Choir
dir. Timothy Brown

Orchestra of the Age of Enlightenment
dir. René Jacobs

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PQP

.: interlúdio :. Freddie Mercury, Montserrat Caballé: Barcelona

.: interlúdio :. Freddie Mercury, Montserrat Caballé: Barcelona

Um trabalho de Freddie Mercury (1946-1991) jamais seria totalmente ruim. Tudo o que ele produziu sempre teve alto capricho e acabamento. E suas qualidades vocais e afinação são um milagre. Mas neste Barcelona (1988), sua ego trip com Montserrat Caballé (1933-2018) não vai muito além de duas ou três boas faixas, como Barcelona, How can I go on e Overture Piccante. Se o Queen já era operístico, aqui Mercury aparece livre da influência roqueira de May, Deacon e Taylor. Uma pena, porque as coisas pioram bastante quando ele decididamente se coloca no crossover. A presença de Caballé é perfeita, só que o ego de Mercury tira-lhe espaço. O disco não é um fiasco e aprecio bastante de sua perfeição técnica e a atuação de todo mundo, apesar da música ser só mais ou menos.

Freddie Mercury, Montserrat Caballé: Barcelona

1 Barcelona 5:38
2 La Japonaise 4:49
3 The Fallen Priest 5:45
4 Ensueño 4:20
5 The Golden Boy 6:04
6 Guide Me Home 2:41
7 How Can I Go On 3:59
8 Overture Piccante 6:40

Cello – Deborah Ann Johnston
Horns – Barry Castle
Percussion – Frank Ricotti
Violin – Homi Kanga, Laurie Lewis
Backing Vocals – Carol Woods, Debbie Bishop, Lance Ellington, Madeline Bell, Mark Williamson, Miriam Stockley, Peter Straker
Lyrics By – Tim Rice
Bass – John Deacon

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Caballé & Mercury: dueto de peso.

PQP

Gioachino Rossini (1863-1867): Petite messe solennelle – Pavarotti, Mirella Freni, Lucia Valentini-Terrani e Ruggero Raimondi

Gioachino Rossini (1863-1867): Petite messe solennelle – Pavarotti, Mirella Freni, Lucia Valentini-Terrani e Ruggero Raimondi

Essa peça peculiar de Rossini (1863-1867) é elegante e tem uma beleza irresistível, maravilhosa. Cerca de 30 anos após completar sua última ópera (Guilherme Tell) Rossini volta a compor (oficialmente). A “Petite messe solennelle”, escrita entre os anos de 1863 e 1864, em Passy, na França. Possivelmente a pedido do conde Alexis Pillet-Will para sua esposa Louise, a quem Rossini dedica a obra. O compositor a descreveu como o último dos “péchés de vieillesse” (pecados da velhice). O trabalho extenso é uma missa solemnis, mas Rossini o rotulou, não sem ironia como “pequena missa”.

O Harmonium

Rossini indicou originalmente a missa para doze cantores, quatro deles solistas, dois pianos e harmônium (instrumento de teclas que é similar a um órgão de igreja). Tons sagrados se misturam perfeitamente com alusões às suas óperas cômicas. A missa é enigmática, mas agradável, Rossini demonstra sua rica paleta musical, variando de remanescentes barrocos a audácias harmônicas que apontam para a música de Fauré. Apesar dessa variedade estilística, a missa soa inconfundivelmente no bom tom rossiniano. A missa foi cantada pela primeira vez em 14 de março de 1864 na capela particular do casal Pillet-Will em Paris . Mais tarde, Rossini produziu uma versão orquestral, incluindo um movimento adicional, uma composição do hino “O salutaris hostia” como uma ária soprano. Esta versão da missa não foi cantada durante sua vida, porque ele não pôde obter permissão para executá-la com cantoras de uma igreja. Foi apresentada pela primeira vez três meses após sua morte, no Salle Ventadour em Paris pela companhia do Théâtre-Italien em 24 de fevereiro de 1869. Dizem que Rossini orquestrou esse trabalho tardio antes de sua morte, a fim de impedir que outro compositor tentasse a tarefa, mostrando que ele realmente preferia a versão original íntima. AQUI o querido fdpbach postou a considerada melhor versão orquestral: maestro Pappano, e AQUI uma incrível versão do original a 12 vozes que o pqpbach postou com um texto mais incrível ainda.

Junto à composição foi achada as seguintes notações manuscritas por Rossini:
1 – “Petite Messe Solennelle”, para quatro vozes com acompanhamento de dois pianos e harmonium, composta em Passy durante minhas férias. Os doze cantores de três sexos (!!!) – homem, mulheres e castrati – serão o suficiente para esta performance; isso é, oito para o coro e quatro solistas, fazendo doze querubins no total. Querido Deus, perdoe-me pela seguinte comparação. Também há doze apóstolos na celebrada tela pintada por Leonardo, chamada A Última Ceia. Quem acreditaria que entre Teus discípulos há aqueles que cantam fora do tom! Senhor, tenha certeza: eu afirmo que nāo haverá um Judas em minha Ceia, e que os meus cantarão no tom e com amor as Tuas preces e essa pequena composição, que é o meu último pecado de minha velhice”.

2 “Querido Deus, aqui está, a pobre missazinha. Compus música sacra ou uma música amaldiçoada? Eu fui feito para a ópera cômica, como você bem sabe. Um pouco de competência, um pouco de coração e isso é tudo. Abençoado seja e deixe-me entrar em seu paraíso”.

Acho que a “Petite Messe solennelle” é um trabalho interessante e muito bonito sobretudo as faixas 1-Kyrie, 2-Gloria e 8-Credo. Os cantores são acompanhados apenas por um piano (Leone Magiera) e harmônium (Vittorio Rosetta). O Coro Polifonico del Teatro alla Scala canta sob a batuta de Romano Gandolfi. Os solistas são Pavarotti, Mirella Freni, Lucia Valentini-Terrani e Ruggero Raimondi. Eles conseguem uma interpretação muito calma e introspectiva. O timbre autêntico do Pavarotti é como sempre um sonho, Valentini-Terrani, referência em se tratando de Rossini, canta lindamente. Apenas Raimondi parece um pouco tenso em seu solo, sei lá… Já a Mirella Freni está encantadora.

Pessoal, divirtam-se com este “pecado da velhice”, a maravilhosa música de Rossini !!!

Rossini: Petite messe solennelle
01 – No. 1, ‘Kyrie’
02 – No. 2, ‘Gloria’
03 – No. 3, ‘Gratias agimus tibi’
04 – No. 4, ‘Domine Deus’
05 – No. 5, ‘Qui tollis peccata mundi’
06 – No. 6, ‘Quoniam tu solus sanctus’
07 – No. 7, ‘Cum sancto spiritu’
08 – No. 8, ‘Credo’
09 – No. 9, ‘Crucifixus’
10 – No. 10, ‘Et resurrexit’
11 – No. 11, ‘Preludio religioso’
12 – No. 12, ‘Sanctus’
13 – Rossini – Petite Messe solennelle, O salutaris
14 – Rossini – Petite Messe solennelle, Agnus Dei

Luciano Pavarotti – Tenor
Mirella Freni – Soprano
Lucia Valentini-Terrani – Mezzo-Soprano
Ruggero Raimondi – Baixo

Vittoria Rosetta – Harmonium
Leone Magiera – Piano

Coro Polifonico de Teatro Alla Scala
Romano Gandolfi – Regente

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Ammiratore

Beethoven (1770-1827): Fidelio, Op. 72 #BTHVN250

Beethoven (1770-1827): Fidelio, Op. 72 #BTHVN250

“Simplesmente Beethoveniana! “Fidelio” a única ópera de Beethoven, é um memorial atemporal de Amor, Vida e Liberdade. Uma celebração dos direitos humanos, da liberdade de expressão, à dissidência, um manifesto político contra a tirania e a opressão, um hino à beleza e santidade do casamento, uma afirmação exaltada da fé em Deus como o último recurso humano” (Leonard Bernstein).

No tempo em que Fidelio foi composta a ópera italiana era a paixão de Viena, a ópera alemã ganhava admiração sobretudo pela “A Flauta Mágica” (postamos recentemente AQUI ) e que Beethoven considerava como a melhor obra de Mozart. Beethoven sempre se manteve a uma distância segura da ópera, conhecia e escolhia melodias operísticas contemporâneas como temas de algumas variações para piano. Na época em que Beethoven começou a pensar em projetos para o palco, por volta de 1803, em Viena, sua surdez já se estabelecera e piorava, o que tornou difícil lidar com o pessoal da ópera – cantores, empresários, diretores de palco, público, escritório de reservas -, em suma, com o mundo atarefado da produção operística. Quando ele estudou a colocação de texto em italiano com Salieri, sem dúvida já estava com projeto de ópera em mente. A grande motivação aconteceu em 1802, quando Emanuel Schikaneder (aquele amigo de Mozart que escreveu o libreto da “A Flauta Mágica”) apresentou a ópera “Lodoïska”, de Cherubini, no recém-inaugurado Theater an der Wien e lhe propôs o desafio de compor para o palco.

Interior of Theater an der Wien, Vienna. Beethoven’s Fidelio premiered here in 1805. Ludwig van Beethoven.

Com essa ópera a nova escola operística francesa entrou em cena: as óperas “de salvamento”. As óperas de salvamento estavam na moda há mais de vinte anos, certamente desde “O rapto do serralho” de Mozart, de 1782, e agora serviam como histórias de aventuras de heróis em reinos exóticos e como evocações fictícias das prisões e das guilhotinas da Revolução Francesa. A evocação de uma cruel realidade política nas óperas convidava à ilusão da verdade, enquanto o final feliz abrandava o medo do público. A prisão política, o heroísmo e a restauração da liberdade pela força do iluminismo liberal constituem o tema central de “Leonore”.

Fidelio. Um oferecimento do extrato de carne da Liebig

O libreto de Leonore, ou L’amour conjugale, tinha sido escrito originalmente no final de 1790 por Jean Nicolas Bouilly, um homem letrado que tinha sido administrador de uma província perto de Tours durante o período de “ O Terror” (…na Revolução Francesa, o Período do Terror, ou O Terror, ou Período dos Jacobinos, foi um período compreendido entre 5 de setembro de 1793 (queda dos girondinos) e 27 de julho de 1794 prisão de Maximilien de Robespierre, ex-líder dos Jacobinos que foi um precursor da ideia de um Terrorismo de Estado. Entre junho de 1793 e julho de 1794, cerca de 16 594 pessoas foram executadas durante o Reinado de Terror na França, sendo 2 639 mortes só em Paris. Apesar disso, há um consenso de que o número é muito maior devido a mortes na prisão – wikipédia). Acreditava-se que, durante o governo de Bouilly, um episódio parecido com a trama da ópera tinha realmente acontecido. Segundo a história, uma mulher disfarçada de homem teria conseguido entrar no cárcere do marido e libertá-lo da prisão injusta. Assim, se a lenda fosse verdade, o próprio Bouilly teria sido o ministro que libertara o prisioneiro e, portanto, o libreto parecia comemorar não somente o verdadeiro heroísmo, mas também a própria benevolência do autor na atmosfera aterrorizante da França naqueles anos.

Ato 1 cena 4

O libreto de 1805 de Leonore foi traduzido para Beethoven por Joseph Sonnleithner, secretário do Court Theater e proeminente advogado e músico vienense, que Beethoven tinha conhecido por meio de seus empreendimentos musicais alguns anos antes. Esse libreto é bem-feito, satisfaz as exigências do melodrama, entremeando pequenas intrigas domésticas entre os personagens secundários (o carcereiro Rocco, sua filha Marzelline e seu pretendente Jacquino) com cenas de poder e de compaixão para com os personagens principais (a disfarçada heroína Leonore, o sofrido prisioneiro Florestan e o cruel governador da prisão Pizarro). Nas cenas domésticas, Beethoven criou um conjunto efetivo de números, com ocasionais toques mozartianos (algumas vezes até mesmo com virtuais citações de Mozart, sem dúvida inconscientes, mas inequívocas), mas as cenas de intensidade mais dramática são inteiramente originais.

Ato 2 cena 8a

A Leonore fracassou em suas primeiras apresentações em novembro de 1805, bem provável porque Viena tinha acabado de ser invadida e ocupada pelos exércitos de Napoleão. De fato, a audiência da primeira apresentação estava repleta de oficiais do exército francês, mas pode ser também que a ópera estivesse bem além da compreensão de muitos ouvintes, acostumados a obras mais leves. Embora se acredite que as alterações feitas por Beethoven resultaram de uma reunião com seus amigos, é mais provável que essa reunião tenha acontecido, se é que realmente aconteceu, em 1807, depois que os planos para uma apresentação em Praga fracassaram. Em todo caso, a versão revisada produzida em março e abril de 1806, com a abertura no 3 da Leonore reescrita, no lugar daquela conhecida como no 2, obteve muito mais sucesso. A história subsequente da Leonore na vida de Beethoven foi marcada por tentativas malogradas de produzir a obra em Berlim e em Praga, embora tenha sido finalmente apresentada em Leipzig e em Dresden em 1815. De longe, o passo mais importante foi a concordância de Beethoven em revisar a obra para uma nova produção em Viena, no início de 1814. A versão final, veio a ser o “Fidelio” como nós a conhecemos. O libreto foi revisto por G. F. Treitschke, um homem experiente em teatro – e Beethoven reescreveu muitas partes da partitura, um trabalho que o ocupou de março a maio de 1814. Ele afirmou que isso lhe custou muito mais trabalho do que se estivesse compondo uma obra nova, mas ficou orgulhoso em oferecer encaixes sutis para as alterações de Treitschke, em reduzir as redundâncias e em fortalecer o conteúdo musical. Também teve que escrever várias partes novas, notavelmente o segmento final da cena de Florestan na masmorra. Tudo isso faz da conversão da “Leonore” de 1805-06 em “Fidélio” – a única vez que Beethoven revisou uma obra do vasto período intermediário, durante a transição para seu estilo final.

Ato 2 cena 8b

A essência de “Fidélio”, implícita no título, é o amor de Leonore por Florestan e sua coragem em arriscar a vida para salvá-lo. A obra tem ressoado através de quase dois séculos como a celebração do heroísmo feminino. A crítica feminista, que protesta contra o sofrimento e a morte das heroínas nas mãos de homens ou por causa de suas maquinações, acha em “Fidélio” uma exceção poderosa, já que a vítima sofredora é o homem, e o agente da salvação, a mulher. O subtítulo da obra é “Die eheliche Liebe”, que traduz literalmente o “L’amour conjugal” de Bouilly.

Que o espírito de Mozart paire como pano de fundo dessa obra não deveria nos surpreender. Mais surpreendente é a capacidade de Beethoven para aprofundar a expressão no lado sério e ético da trama, de modo a fazer com que a obra se tornasse – como de fato se tornou – um dos clássicos da literatura operística, insuperável na transmissão da verdade dramática e emocional. Sua importância não está intrinsecamente relacionada à crença de Beethoven de que a trama deveria transmitir a verdadeira história, não uma fantasia operística. Tem, sim, a ver com sua capacidade para enquadrar as dinâmicas formais à obra, de modo a dar um peso máximo às questões morais subjacentes à ação: o sofrimento físico dos maltrapilhos prisioneiros e o sistema que promove esse sofrimento; o heroísmo de Florestan diante da injustiça; o amor e a coragem de Leonore, esposa apaixonada, disposta a correr qualquer risco.

Beethoven ainda escreveu quatro aberturas que foram compostas na seguinte ordem: Leonore no 2 (1805); Leonore no 3 (1806); Leonore no 1 (1808), para uma produção malograda em Praga; e por fim a abertura Fidélio (1814). As versões destas beethovenianas aberturas que ora compartilho com vocês é a seguinte: “Leonore 1”, Op.138 com o maestro Eugen Jochum. “Leonore 2”, Op 72 com o Claudio Abbado. “Leonore 3”, Op. 72b com o maestro Leonard Bernstein e pôr fim a abertura “Fidelio”, Op.72 com o mestre Nikolaus Harnoncour.

Ato 3 cena 2

Causo: Em 1822, Beethoven desejava dirigir o ensaio geral da sua ópera. Será que ele pretende desprezar a doença ou, mais uma vez, enganar a todos sobre o seu verdadeiro estado? Infelizmente foi um caos completo: palco e orquestra desentenderam-se, e todos ficaram a olhar, temerosos, o mestre que continuava a dirigir. De repente, enxerga a terrível verdade na expressão dos que o cercam. O seu fiel amigo Schindler (que nos pinta a cena) escreveu-lhe estas linhas: “Por favor, não continue; explicar-lhe-ei tudo depois”. Mas a explicação já não é necessária; alquebrado, Beethoven cai sobre uma cadeira e por muitas horas é incapaz de levantar-se …

Resumo – Fidelio

Ato 1
Em uma prisão nos arredores de Sevilha, onde Rocco, pai de Marzelline, trabalha como carcereiro. Marzelline é incomodada pelos flertes de Jacquino, assistente de seu pai. Jacquino tem grandes esperanças de se casar com ela um dia, mas Marzelline tem o coração em Fidelio, o novo garoto que trabalha na prisão. Fidelio trabalha duro e chega à prisão todos os dias com muitas provisões. Quando Fidelio descobre que Marzelline se interessou por ele, ele fica ansioso – especialmente depois que descobre que Rocco deu sua bênção ao possível relacionamento. Acontece que Fidelio não é quem ele diz que é; Fidelio é na verdade uma nobre chamada Leonore, disfarçada de jovem, com o objetivo de encontrar o marido que foi capturado e preso por causa de suas diferenças políticas. Rocco menciona que um homem acorrentado nas profundezas das masmorras está praticamente à beira da morte. Leonore o ouve e acredita que é seu marido, Florestan. Leonore pede que Rocco o acompanhe em suas rondas na prisão, com as quais ele concorda alegremente, mas o governador da prisão, Don Pizarro, apenas permite que Rocco entre nos níveis mais baixos da masmorra.

Ato 3 cena 3

No pátio onde os soldados se reúnem, Don Pizarro recebe notícias de que o ministro de Estado, Don Fernando, está indo para a prisão a fim de inspecioná-la e investigar os rumores de que Don Pizarro é um tirano. Com um senso de urgência, Don Pizarro decide que seria melhor executar Florestan antes da chegada do ministro. Chamando Rocco, Don Pizarro ordena que ele cave uma cova pelo corpo de Florestan. Felizmente, Leonore está por perto e ouve os planos malignos de Don Pizarro. Ela reza por força e depois implora a Rocco que a leve novamente na prisão, mais especificamente a cela do condenado. Ela convence Rocco a deixar os prisioneiros entrarem no pátio para tomar um pouco de ar fresco. Assim que os prisioneiros são levados para o pátio, Don Pizarro ordena que retornem imediatamente às suas celas. Ele então leva Rocco a cavar o túmulo de Florestan. Quando Rocco entra na masmorra, Leonore rapidamente segue atrás dele.

Ato 2
Nas profundezas da masmorra da prisão, um delirante Florestan tem visões de Leonore libertando-o do lugar infernal. Infelizmente, quando ele chega, ele se vê sozinho e cai em desespero. Momentos depois, Rocco e Leonore entram com pás, prontos para cavar a cova. Florestan engasga algumas palavras, sem reconhecer sua esposa, pedindo uma bebida. Rocco mostra compaixão pelo prisioneiro e pega um copo de água para ele. Leonore mal consegue se conter, mas ela permanece composta o suficiente para lhe oferecer um pouco de pão, enquanto lhe diz para permanecer esperançoso. Quando terminam de cavar a cova, Rocco apita para alertar Don Pizarro de que está tudo pronto. Don Pizarro entra na cela de Florestan, mas antes de matá-lo, confessa seus atos de tirania. Assim como Don Pizarro puxa a adaga para o ar e faz o balanço para baixo, Leonore revela sua verdadeira identidade e retira a pistola que ela havia escondido consigo, o que faz com que o movimento de Don Pizarro pare.
Em um instante, as buzinas soam quando Don Fernando pisa nos terrenos da prisão. Rocco acompanha imediatamente Don Pizarro ao pátio para cumprimentá-lo. Enquanto isso, Florestan e Leonore comemoram o reencontro.

Do lado de fora, Don Fernando anuncia a erradicação da tirania. Rocco se aproxima dele com Leonore e Florestan, que por acaso é um velho amigo dele. Rocco pede ajuda e explica como Don Pizarro aprisionou Florestan e seu tratamento cruel com ele, como as ações heroicas de Leonore salvaram seu marido e revela a trama de assassinato de Don Pizarro. Don Fernando imediatamente condena Don Pizarro à prisão e seus homens o escoltam para longe. Leonore recebe as chaves para destrancar as correntes de Florestan, e ela o liberta feliz e apressadamente. Os prisioneiros restantes também são libertados e todos se alegram e comemoram Leonore.

Furtwängler em ação, 1953

Wilhelm Furtwängler gravou quatro vezes a ópera Fidélio, esta que ora compartilho com os amigos é de estúdio realizada em 1953. O brilhante elenco é liderada por Martha Modl, e ainda tem Wolfgang Windgassen, Gottlob Frick, Otto Edelmann. O canto dos comandados pelo incomparável Wilhem e sua orquestra de Viena é possuído e dominado por um verdadeiro “frisson” e energia, belíssima versão e a remasterização está de boa para ótima. Para aqueles que ainda acreditam que a música clássica pode falar com o que há de mais nobre e melhor na humanidade, com mais poder do que meras palavras, esta versão é obrigatória. “Incandescente” é um adjetivo muito suave. A maneira pela qual Furtwängler conduz a orquestra para expressar alguns momentos da fúria reprimida não apenas de Leonore, mas de todos aqueles que queimam com fúria por injustiça em qualquer lugar, é impressionante. Existem muitas versões desta ópera, particularmente esta versão me toca mais, pode ser pelo fato da regência e do canto terem uma tendência proposital para ser “mozartiano”, ai aquele véu de inspiração que mencionamos da admiração de Beethoven se encaixa perfeitamente, no início logo na primeira cena parece mesmo uma parte da “Flauta Mágica” mas com orquestração de Beethoven.

Muito interessante também são os cartazes de patrocínio do extrato de carne da Liebig (atual Fray Bentos) com desenhos de diversas óperas, nesta postagem estão os cartazes referentes à versão da ópera em três atos. Os cartazes são do final do século XIX vale a pena dar uma conferida AQUI, pois é o período em que a indústria dos enlatados começa.

A história “passo a passo” com fotos do encarte original do CD estão junto no arquivo de download com as faixas, o resumo da ópera foi extraído do livro “As mais Famosas Óperas”, Milton Cross (Mestre de Cerimônias do Metropolitan Opera). Editora Tecnoprint Ltda., 1983.

Pessoal, abrem-se as cortinas e deliciem-se com a “Simplesmente Beethoveniana! “Fidélio” !!!

Aberturas

Overture “Leonore 1”, Op.138
Concertgebouw Orchestra of Amsterdam, Eugen Jochum

Overture “Leonore 2”, Op 72
Vienna Philhamonic Orchestra Claudio Abbado

Overture “Leonore 3”, Op. 72b
Bavarian Broadcast Symphony Orchestra Venue, Leonard Bernstein

Ouverture “Fidelio”, Op.72
Orchestre de l-Opéra de Zurich, Nikolaus Harnoncour

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Fidélio, op. 72

01 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 Ouvertüre
02 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 1 Duett – Jetzt, Schätzchen
03 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 2 Arie – O wär ich schon
04 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 3 Quartett – Mir ist so wunderbar
05 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 4 Arie – Hat man nicht
06 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 5 Terzett – Gut, Söhnchen
07 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 6 Marsch
08 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 7 Arie mit Chor
09 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 8 Duett – Jetzt, Alter, hat es Eile!
10 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 9 Rezitativ und Arie – Abscheulicher!
11 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 No. 10 Finale – O welche Lust, in freier Luft
12 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 Nun sprecht, wie ging-s
13 – BEETHOVEN Fidelio – Act 1 Ach! Vater, eilt!
14 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 11 Introduktion
15 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 11 Arie – Gott! Welch Dunkel hier!
16 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 12 Melodram – Wie kalt ist es hier!
17 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 12 Duett – Nur hurtig fort
18 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 13 Terzett – Euch werde Lohn in besser-n Welten
19 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 14 Quartett – Er sterbe! Doch er soll erst wissen
20 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 14 Recitative – Vater Rocco!
21 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 15 Duett – O namenlose Freude!
22 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 Ouvertüre – Leonore III in C, Op. 72a
23 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 16 Finale – Heil sei dem Tag
24 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 16 Finale – Des besten Königs
25 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 16 Finale – Du schlossest auf des Edlen Grab
26 – BEETHOVEN Fidelio – Act 2 No. 16 Finale – Wer ein holdes Weib errungen

Leonore – Martha Mödl
Florestan – Wolfgang Windgassen
Don Pizarro – Otto Edelmann
Rocco – Gottlob Frick

Vienna State Opera Chorus
Vienna Philharmonic Orchestra
Wilhelm Furtwängler

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Ammiratore

Gioachino Rossini (1792-1868): Guilherme Tell (Guillaume Tell) – Ópera em quatro atos

Gioachino Rossini (1792-1868): Guilherme Tell (Guillaume Tell) – Ópera em quatro atos

O italiano Gioachino Antonio Rossini (Pésaro, 29 de fevereiro de 1792 — Passy, Paris, 13 de novembro de 1868) criou 39 óperas e diversos trabalhos para música sacra e música de câmara. Hoje vou apresentar para os amigos do blog a sua última ópera: “Guillaume Tell”. Ela é bem mais do que apenas uma abertura famosa. Uma ópera em quatro atos e libreto de Victor-Joseph Étienne de Jouy e Hippolyte Bis, baseado na peça de Williamrich Tell, de Friedrich Schiller (o mesmo poeta da “Ode a Alegria” da sinfonia de Beethoven) (1759 – 1805), que, por sua vez, se inspirou na lenda de Wilhelm Tell. Como a ópera foi estreada na França e os cartazes de propaganda nominavam a ópera como “Guillaume Tell” irei adotar este título para o texto, ela também é conhecida em Português (Guilherme Tell), Alemão (Wilhelm Tell), Inglês (William Tell) e Italiano (Guglielmo Tell).

Como já mencionei, esta ópera foi a última de Rossini ele estava no auge dos seus 37 anos, e ele viveu até os 76 anos. A história conta que ele se retirou porque estava tendo crises de depressão por causa do excesso de trabalho (ele compunha sempre com muita pressão dos diretores de ópera para cumprir datas e contratos cerca de duas óperas por temporada, ainda tinha que lidar com a vaidade dos cantores e regentes). Ele tinha ótima reputação, um pé de meia legal que lhe garantiu a precoce aposentadoria dos palcos de ópera. Assim Rossini planejou que “Guillaume Tell” seria sua última ópera. Em 10 de julho de 1829, quando os ensaios da nova obra na Ópera de Paris estavam em alta velocidade, o libreto foi finalmente aprovado pelos censores oficiais. A estreia foi planejada para 15 de julho, mas teve que ser adiada por várias razões – entre elas a gravidez da primadonna Laure Cint-Damoreau, bem como algumas diferenças entre Rossini e os que haviam encomendado o trabalho. O compositor foi acusado por ter forçado o atraso e assim ter mais tempo para terminar a partitura.

Opera de Paris Séc. XIX

Tudo resolvido, foi encenada pela primeira vez pela “Opera de Paris”, na Salle Le Peletier, em 3 de agosto de 1829. A música é notável pela sua liberdade relativamente às convenções descobertas e utilizadas por Rossini nas suas obras anteriores, e marca uma fase de transição na história da ópera. “Guillaume Tell” pode não ser a ópera mais famosa de Rossini, mas tem pelo menos duas melodias muito populares. Você não precisa conhecer ou gostar de música clássica/ópera, é quase impossível que não tenha ouvido parte da abertura de “Guillaume Tell”. O famoso finale da abertura, a “Marcha dos Soldados Suíços”, está em filmes, desenhos animados, propagandas, programas de TV… até toque de celular!

Embora seja uma ótima ópera, ela não foi muito representada nos teatros da Europa na época, dizem que questões políticas influenciaram, e também é verdade que a ópera exige muito dos protagonistas e do elenco em geral, os cantores tinham que ser atletas para cantar por quase cinco horas, requer conjuntos imensos e ainda requer um elenco incrível, com um coro grande, dois papéis principais de soprano ( princesa e Jemmy ), um papel de mezzo, um papel de barítono, dois papéis de baixo e um dos papéis de tenor mais difíceis de toda a ópera. O papel de tenor é colocado muito alto na voz, requer um cantor que seja doce e lírico e, um minuto depois, ardente e heroico. Para se ter uma ideia Pavarotti se recusou a fazer sua estreia no papel no La Scala, temendo (provavelmente corretamente) que isso simplesmente estragasse sua voz, e Gedda só a cantou uma vez no palco. Com todas estas exigências titânicas de elenco ainda tem o conteúdo do libreto de Étienne de Jouy e Hippolyte Bis, baseado na peça de Friedrich Schiller, causou muita polêmica. Convenhamos, em qualquer país a glorificação de um herói que luta contra as autoridades no poder não é vista com bons olhos. Temos aqui um Rossini apresentando sua obra mais ambiciosa e politizada, uma verdadeira ode à liberdade. Na Itália, o número de produções foi drasticamente cortado com um número tímido de apresentações. Já em Viena, apesar de certa censura, “Guillaume Tell” foi contemplada com 422 apresentações entre 1830 e 1907.

Para sua ópera final, que foi até elogiada por Wagner(!), Rossini também lançou uma revolução, tanto no tema quanto na maneira de lidar com ele. Pois “Guillaume Tell” deixa para trás os caminhos que o mestre italiano havia tomado – entre a ópera buffa e a séria – e esboça os contornos das óperas que estão por vir. À dimensão política e ideológica dessa ode à liberdade e ao direito das pessoas à autodeterminação, o compositor acrescentou um suspiro de uma estética ambiciosamente espetacular, mas que não esconde profundidade nem pensamento, anunciando assim as grandes obras de Verdi e Wagner. Esta grande e última obra-prima de Rossini foi particularmente importante no desenvolvimento do estilo do canto romântico, ela se tornaria o grito de guerra da Revolução de 1830; a luta constante do homem contra a barbárie.

A Lenda
Wilhelm era conhecido como um especialista no manejo da besta. Na época, os imperadores Habsburgos lutavam pelos domínios de Uri e, para testar a lealdade do povo aos imperadores, Hermann Gessler, um governador austríaco tirano, pendurou num poste um chapéu com as cores da Áustria, numa praça de Altdorf (Suiça). Todos que por lá passassem teriam de fazer uma saudação como prova do seu respeito. O chapéu era guardado por soldados que se certificariam que as ordens do governador fossem cumpridas.

Monumento em Altdorf Suiça

Um dia, Wilhelm e seu filho passaram pela praça e não saudaram o chapéu. Prenderam-no imediatamente e levaram-no à presença do governador que, reconhecendo-o, o fez, como castigo, disparar a besta em uma maçã na cabeça do filho. Tell tentou demover Gessler, sem sucesso; o governador ameaçaria ainda matar ambos, caso não o fizesse.

Tell foi assim trazido para a praça de Altdorf, escoltado por Gessler e os seus soldados. Era o dia 18 de novembro de 1307 e a população amontoava-se na expectativa de assistir ao castigo (e, sobretudo, ao seu culminar). O filho de Wilhelm foi atado a uma árvore, e a maçã foi colocada na sua cabeça. Contaram-se 50 passos. Tell carregou a besta, fez pontaria calmamente e disparou. A seta atravessou a maçã sem tocar no rapaz, o que levaria a população a aplaudir os dotes do corajoso arqueiro.

Não obstante, Wilhelm trazia uma segunda seta. Gessler, ao vê-la, perguntou por que ele a trazia. Tell hesitou. Gessler, apressando a resposta, assegurou-lhe que se dissesse a verdade, a sua vida seria poupada. Wilhelm respondeu: “Seria para atravessar o seu coração, caso a primeira seta matasse o meu filho”.

Indignado, Gessler mandou o rebelde para a prisão alegando que dignaria a sua promessa deixando-o viver — mas preso, no castelo de Küsnacht. Wilhelm foi levado acorrentado de imediato para um barco em Flüelen, onde esperou que Gessler e seus soldados embarcassem. Não muito distante do porto, deu-se uma tempestade. O Föhn, um vento do Sul, causava ondas tão altas que dificultou a viagem, praticamente arremessando o barco contra as rochas. Os que lá viajavam, assustados, gritaram: “Só Wilhelm Tell nos pode salvar!”. Gessler libertou Tell, que conduziu barco em segurança ao sopé da Montanha Axenberg, perto de uma rocha chamada Tellsplatte.

Quando amarrou, Tell tirou uma lança de um soldado, saltou do barco e, empurrando-o com os pés, fugiu pela encosta de Schwyz. Gessler conseguiu sobreviver à tempestade e chegou ao castelo de Küsnacht nessa mesma noite. Tell se escondeu em arbustos num beco que levaria à residência do governador. Assim que Gessler e os seus soldados apareceram, Tell matou-o com uma seta da sua besta, libertando o país da tirania do governador.

Segundo a lenda, este evento marcou o início a revolta que ocorreu a 1º de janeiro de 1308.

Resumo da ópera “Guillaume Tell”
A ação ocorre na Suíça medieval, numa época em que grande parte do país é controlada pela Áustria. Guillaume Tell é um respeitado patriota suíço que se opõe ao domínio austríaco. O ATO UM começa às margens do Lago Lucerna, onde uma festa de casamento triplo está em andamento. As pessoas nesta parte do país estão começando a resistir à ocupação austríaca, e a música de Rossini inclui números de coral e balé que enfatizam a importância da cultura e tradições suíças.

Um reverenciado ancião local chamado Melcthal está presidindo a cerimônia de casamento. Ele se opõe aos austríacos, mas, ironicamente, o próprio filho de Melcthal, Arnold, está apaixonado por uma princesa austríaca, Mathilde. Quando Tell pede a Arnold que defenda a causa suíça, Arnold fica dividido entre amor e patriotismo.

Melcthal abençoa os três casais, e as festividades incluem um torneio de arco e flecha vencido pelo filho de Tell, Jemmy. Mas as coisas ficam sombrias quando um pastor chamado Leuthold entra correndo freneticamente. Ele pegou um soldado austríaco atacando sua filha e matou o homem. Agora os austríacos estão atrás dele, e ele pede ajuda. A única saída é atravessar o lago, mas há uma tempestade se aproximando, tornando as águas traiçoeiras. Fala apenas aos voluntários para manobrar a balsa e remar Leuthold em segurança. Tell não perde tempo com hesitações e trata de agir pois os guardas de Gessler já se aproximam, comandados por Rudolph. Com a ajuda de Tell, o fugitivo consegue escapar

Os austríacos chegam tarde demais para pegar Leuthold. Eles exigem saber quem o ajudou a escapar, mas ninguém fala. Enfurecidos, os austríacos se preparam para saquear a vila, e Rodolphe, o capanga do governador austríaco, toma Melcthal como refém.

O ATO DOIS abre as cortinas e o que temos é uma vista para o Lago Lucerna, é noite. Um coro de caça é ouvido, junto com os moradores cantando uma música folclórica suíça. O filho de Melcthal, Arnold, está sozinho com Mathilde. Os dois estão profundamente apaixonados, e Arnold está determinado a estar com ela. Ele decide que, para ser digno de Mathilde, pode ter que ficar do lado dos austríacos.

Tell e seu amigo Walter Furst, outro patriota suíço, veem os amantes juntos. Em um trio emocionante, um dos melhores números de Rossini, eles tentam convencer Arnold a ficar com seu próprio povo. Eles dão a notícia de que seu pai, Melcthal, foi assassinado pelos austríacos.

Os homens locais começam a se reunir, para jurar lealdade à causa suíça. À medida que o dia começa, há um toque de tambor e o grito repetido: “Para as armas!”

Quando o ATO TRÊS começa, Arnold e Mathilde estão sozinhos em um jardim da capela na cidade suíça de Altdorf. Com o pai morto nas mãos dos austríacos, Arnold sabe que não pode mais ficar com ela, e os dois se despedem.

A cena muda para a praça Altdorf. Gesler, o governador austríaco, ordenou festividades para celebrar 100 anos de domínio austríaco. Os suíços recebem ordens de fazer reverências diante do chapéu de Gessler que está instalado no topo de um mastro. Os aldeões são hostis, e as coisas ficam ainda mais tensas quando Gesler ordena que algumas mulheres suíças dancem com os soldados austríacos.

Tell chega trazendo seu filho Jemmy pela mão e recusa a se inclinar diante do chapéu. Quando alguém o reconhece como o homem que ajudou Leuthold a escapar dos soldados austríacos, Gesler prende Tell. E quando Tell ordena que seu filho Jemmy repasse o sinal para iniciar a rebelião suíça, Gesler também detém Jemmy.

Gesler então inicia o incidente que cimentou a lenda de Guillaume Tell. Ele ordena que Tell pegue sua besta e atire uma flecha através de uma maçã colocada na cabeça de Jemmy. Tell expressa seu desafio em uma das maiores árias de Rossini. Então ele puxa o arco e acerta a maçã. Mas ele também declara que sua segunda flecha foi destinada ao próprio Gesler, e Tell é rapidamente amarrado e levado. Mathilde intervém, exigindo que Jemmy seja libertado sob seus cuidados. Ela também diz que usará sua influência para liberar Tell. Mas Gesler dá ordens para que Tell seja preso nas famosas masmorras de Kussnacht.

Na primeira cena do ATO QUATRO, na casa da família de Melcthal, Arnold planeja vingar a morte de seu pai. Com Tell na prisão, Arnold também sabe que cabe a ele liderar a revolta suíça. Ele se junta a patriotas de todos os estados próximos e leva os rebeldes a um esconderijo de armas escondidas por Tell e seu pai.

A ópera termina em uma costa montanhosa do Lago Lucerna. Mathilde está lá, junto com Jemmy e Hedwige, que está procurando notícias sobre Tell. Jemmy acende a lanterna para sinalizar a revolta. Na margem oposta, Tell está em um barco com seus captores austríacos. Quando eles cortam suas correntes para que ele possa ajudar na travessia, ele os domina e corajosamente atravessa as águas tempestuosas. Quando Tell chega em terra firme, ele rapidamente caça Gesler e o mata. Quando Altdorf é libertado, o exército de patriotas se reúne sob o céu limpo. Arnold canta uma homenagem a seu pai morto, e a ópera termina com um hino à natureza e à liberdade.

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A ópera é longa, mas contém o que há de mais expressivo na música de Rossini que não apenas ajudou a desenvolver a ópera bel canto, mas também a escreveu. “Guillaume Tell”, juntamente com “Semiramide”, são para mim as melhores óperas de Rossini, superando até os imensamente populares “La Cenerentola”, “Il Barbiere di Siviglia”. A música é propriamente heróica e romântica alternadamente, e como sempre, Rossini brilha em conjuntos, só que aqui, as árias solo também são totalmente emocionantes. Acredito que Verdi admirava esta obra, ouvimos muito da sua primeira fase de composições em “Guillaume Tell”, mas é outra história que contaremos aqui no blog, com prazer e em breve!

Felizmente, existem estas duas excelentes gravações da ópera para apreciar em casa que ora compartilho com os amigos. Uma é cantada em italiano, dirigido por Ricardo Chailly, com um elenco estelar incluindo Pavarotti (que disse que era sua melhor performance gravada), Freni e Milnes. A outra, no original em francês, é dirigida pelo mestro Gardelli com Montserrat Caballé, Gabriel Bacquier, Nicolai Gedda.

Esta ópera é boa demais para ser lembrada apenas pela famosa Abertura. Aliás duas curiosidades: para que serviam, originalmente as Aberturas? Hoje nos pareceria risível a sua serventia, porém naqueles tempos a Abertura era o sinal que os ouvintes deveriam se sentar e ficar calados, isso era feito durante a execução das Aberturas. Ao invés do silencio sepulcral com que hoje ouvimos toda a obra desde a Abertura, naqueles tempos era o sinal para que todos se sentassem porque, logo a seguir, o espetáculo seria iniciado. Dá para imaginar a algazarra? Outra curiosidade, o povo, ficava na plateia. A elite, os nobres, os ricos assistiam dos camarotes, daí vem a expressão “assistir de camarote”. Porém nem todos assistiam sentados, os bancos só foram acrescentado em toda a parte reservada à plateia mais tarde. A maioria assistia os concertos de pé. E eram programas muito mais longos dos que hoje são representados. No entanto eram espetáculos populares e franqueados a todos os bolsos. Daí a popularidade das óperas, eram espetáculos para o povo.

Abrem-se as cortinas e ouçam a magnífica música de Rossini. Divirtam-se !!!!

Gioachino Rossini – Guillaume Tell – Gardelli

Soberba performance do maestro Gardelli com Royal Philharmonic Orchestra nesta gravação do original em francês, é uma regência de bom gosto, Gardelli foi um especialista em Verdi que se destaca aqui na obra-prima de Rossini. É estrelado por Montserrat Caballé, Gabriel Bacquier, Nicolai Gedda. Todos os amantes de ópera devem possuir essa gravação no francês original. Gedda é Arnoldo, com uma voz mais leve, que pode soar um pouco fraca nas passagens fortes, mas ele canta em bom estilo “bel canto” e aborda as notas altas no ato final com bravura. Os papéis de soprano são, no entanto, a principal atração vocal, com Caballe em seu auge absoluto, brilhando junto com a fantástica Mady Mesple no papel de Jemmy. Que Caballe é invencível nesse tipo de repertório nem vamos discutir, é evidente de que ela é a melhor intérprete de todos os tempos desse tipo de ‘grandes papéis soprano’ rossinianos. Se Caballe é a coloratura dramática invencível, Mesple é simplesmente a melhor legatura da sua época. Gosto muito de ouvir o trabalho no idioma para o qual foi escrito. Eu acho que funciona melhor. Afinal, Rossini escreveu sua música para encaixar nas palavras existentes, em francês. Esta gravação pertence a todas as coleções, grandes ou pequenas. Nenhum amante de ópera poderia se dar ao luxo de perder esta fantástica gravação.

Mathilde – Montserrat Caballé (soprano);
Jemmy – Mady Mesplé (soprano);
Hedwige – Jocelyne Taillon (mezzo);
Guillaume Tell – Gabriel Bacquier (baritone);
Arnold – Nicolai Gedda (tenor);
Gessler – Louis Hendrix (bass);
Melchthal – Gwynne Howell (bass);
Walter – KoloKovacs (bass);
Fisherman – Charles Burles (tenor);
Rodolphe – Ricardo Cassinelli (tenor);
Leuthold – Nicolas Christou (bass);
Huntsman – Leslie Fyson (tenor)

Ambrosian Opera Chorus
Royal Philharmonic Orchestra
Lamberto Gardelli

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Gioachino Rossini – Guillaume Tell – Chailly

Como disse o libreto original foi escrito em francês, para um público francês. Neste trabalho o texto está em italiano, não em francês. Acho que os sons nítidos de staccato do italiano não combinam muito com a música, o francês é mais suave. Rossini escreveu sua partitura para combinar com as palavras, deixando pouco espaço para improvisação pelos cantores. Porém este elenco está repleto de estrelas no auge da carreira que nos fazem apreciar esta ópera mesmo que em italiano. A interpretação é excelente, a Orquestra Filarmônica Nacional oferece um toque vibrante, vigoroso, animado e colorido sob o Chailly, com muita ternura e atmosfera, além de energia e impulso. Os cantores cumprem suas reputações. Pavarotti estava em excelente forma, com uma performance tão simpaticamente caracterizada quanto magnífica e calorosamente bonita. A grande ária do último ato com o coro e o grito de guerra (CD4 faixa 2) o Pav detona; eu não consigo imaginar nenhum outro tenor vivo que pudesse ter o alcance, a grandeza do timbre e o talento musical dele. Pode-se entender facilmente por que ele apelidou essa de sua melhor performance gravada em estúdio e o motivo de todo barulho em relação a esse grande tenor. Tell, de Sherrill Milnes, seu brilho é estupendo, uma interpretação com muita humanidade e a profundidade. Ghiaurov está igualmente em excelente forma, e seu retrato sinistro de Kessler é muito bom. As personagens femininas não são menos maravilhosamente cantadas. Mirella Freni é esplêndida como sempre, e na maioria dos papéis menores que canta é igualmente ótima. Acrescente a isso uma gravação finamente equilibrada, clara e quente, e o resultado é um conjunto para valorizar. Apesar do texto em italiano é recomendado com todo entusiasmo possível. A faixa 10 do CD 4 é um final alternativo com o motivo final da abertura.

Mathilde – Mirella Freni (soprano);
Jemmy – Della Jones (soprano);
Hedwige – Elizabeth Connel (mezzo);
Guillaume Tell – Sherill Milnes (baritone);
Arnold – Luciano Pavarotti (tenor);
Gessler – Nicolai Ghiaurov (bass);
Melchthal – John Tomlinson (bass);

Ambrosian Opera Chorus
National Philharmonic Orchestra
Riccardo Chailly

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Eu consegui me aposentar aos 37 anos. E vocês vão conseguir se aposentar ?

Ammiratore

Richard Strauss (1864-1949): Salomé, Op. 54

Richard Strauss (1864-1949): Salomé, Op. 54

Uma das grandes óperas – definitivamente aqui no pqpbach. Salomé é uma escuta obrigatória, uma mistura irresistível de religião, sexo, decadência, exotismo e crueldade que até Cecil B. DeMille poderia ter invejado. Na minha opinião, essa é a maior obra-prima de Strauss. Salomé mudou a paisagem musical para sempre quando apareceu nos primeiros anos do século XX. Deixando atrás de si um considerável número de poemas sinfônicos, Richard Strauss (1864 – 1949) voltou-se, uma vez mais, para o campo operístico, em 1903, a fim de escrever um dos seus espetáculos líricos mais escandalosos – Salomé -, partitura que concluiu em 1905. Baseando-se em texto de Oscar Wide – conhecido por suas obras carregadas de simbolismo -, Strauss concebeu um espetáculo revolucionário, que soa moderno ainda hoje. O avanço máximo do compositor em direção à música do século XX: violência da orquestra, ousadias harmônicas, exploração de toda a extensão das vozes, tema sombrio e trágico. A Obra de Strauss que mais influenciou os contemporâneos Bartók, Prokofiev e Berg.

Baseada na genial criação de Wilde. Nesta ópera Strauss conseguiu despejar uma ansiedade poderosa, mais dramática, que tira a respiração; em 90 minutos, desenrola-se um único ato, uma tragédia de sombria paixão. Salomé provocava em 9 de dezembro de 1905 dia da estreia em Dresden, Alemanha, uma tempestade de opiniões; apesar do frio de inverno que fazia nas ruas de Dresden em dezembro de 1905, o público que compareceu à ópera da cidade deve ter sentido até calor, com tudo o que viu e ouviu tão logo as cortinas se abriram para a encenação da nova peça de Richard Strauss.

Gustave Moreau

O cenário mostrava um palácio real oriental dos tempos de Jesus Cristo. João Batista, um dos personagens, era prisioneiro do rei Herodes em um lúgubre cárcere subterrâneo. Salomé, filha adotiva de Herodes, apaixona-se por João, jogando-se intempestivamente em seus braços, mas sendo por ele bruscamente repelida. Vendo que seus encantos não surtem resultado, exige a morte do profeta; Salomé dança então a “dança dos sete véus” e, ao deixar cair o último dos véus, provoca em Herodes um entusiasmo sem precedentes. O poderoso rei pergunta então a ela qual das suas vontades deve ser satisfeita: “O que você quer, Salomé?” – “Quero a cabeça de João Batista”, responde ela. No final, o rei acabou cedendo e o público de Dresden presenciou uma das cenas mais horrendas já representadas em uma ópera até então: Salomé travando com a cabeça decepada de seu amado um longo, louco e desesperado “diálogo”. Ela debocha de João Batista morto. Um vento sinistro se ergue sôbre o quente deserto noturno, e a lua se esconde por trás de nuvens tormentosas, enquanto Salomé mantém um diálogo com os olhos mortos do profeta … “O segrêdo do amor é maior que o segrêdo da morte …” , implora por seu olhar, sua atenção e termina fazendo amor e beijando os lábios ensanguentados daquele que veio preparar a vinda de Cristo. Repugnado, Herodes ordena que matassem também Salomé.

O público, entusiasmado, aplaudiu freneticamente o espetáculo, fazendo com que os cantores e atores voltassem 36 vezes ao palco. Escândalo, decadência e perversão eram exatamente os temas cultuados naquele “fin de siècle”, capaz de agradar uma plateia que dá valor a encenações de vanguarda. Strauss excede aqui a sensualidade da música de “Tristão”, a paixão de “Carmen”, e acrescenta um elemento demoníaco jamais ouvido, que gela o sangue nas veias. Iluminam-se com a linguagem musical abismos de alma que, aproximadamente na mesma época, são investigados pela jovem escola psicanalítica.

A primeira Salomé Maud Allan

Sua representação de uma adolescente cujo despertar sexual leva à obsessão e à necrofilia fez o nome de Strauss como compositor de ópera. O interesse de Strauss pela peça foi despertado em 1902, quando Anton Lindner, um poeta austríaco, enviou-lhe uma cópia, juntamente com um libreto parcialmente redigido. Strauss, preferindo a tradução alemã padrão do original de Wilde, rejeitou o pedido do poeta para uma colaboração, mas imediatamente começou a elaborar um libreto próprio. O elenco inicialmente protestou que a música não era indetectável. Então a Salomé original – a esposa do burgomestre de Dresden – recusou-se a cooperar por razões morais, apenas recuando quando Strauss ameaçou levar a estreia para outro lugar. A ópera se deparou com problemas de censura em Viena, Londres e Nova York.

O poder da ópera deriva da capacidade de Strauss de entrar no mundo emocional de sua heroína, ao mesmo tempo em que capta a monstruosidade inerente de suas ações. O crescente lirismo de grande parte da música, combinado com a própria linha vocal extática de Salomé, identifica sua experiência inequivocamente como “amor”. No entanto, as dissonâncias desgastantes que sustentam o arrebatamento melódico a cada momento são um lembrete da narrativa muitas vezes repulsiva, da qual Strauss nunca nos permite escapar. Salomé continua a ser a história de amor mais alarmante já escrita, e uma das experiências mais extremas que a música clássica tem a oferecer.

Resumo – Salomé (Cross, Milton – As Famosas Óperas)
Libreto de Hedwig Lachmann
Baseado no poema dramático de Oscar Wilde – “Salomé”

Fortemente influenciado por Wagner, Strauss usa a técnica do motivo condutor, identificando os principais motivos do drama com uma característica frase musical, e também o método da superposição da linha vocal num fluxo ininterrupto de acompanhamento orquestral. Toda a ação de “Salomé” transcorre em uma única cena. A um lado, a entrada do salão de banquetes do palácio de Herodes. Do outro lado, um maciço portão. No centro do terraço, a boca de um poço grande, a masmorra onde está confinado Jokanaan. É noite, e o terraço está banhado por um pálido luar. De inicio, ouvimos o motivo de Salomé, e depois a voz de Narraboth, que está conversando com um pajem. O capitão dirige um olhar cobiçoso para o salão de banquete, onde Salomé está festejando com Herodes e sua corte, e fica deslumbrado com a beleza dela. O pajem o adverte que não olhe assim tão ardentemente, pois seguramente poderão advir terríveis consequências. Mas o ardente Narraboth não pode deixar de olhar para a Princesa. De repente, das profundezas do poço vem a voz de Jokanaan, repetindo os versos da profecia das Escrituras, “Nach mir wird Einer kommen der ist starker als ich” (“Depois de mim virá outro mais poderoso do que eu”). Alguns soldados se aproximam e conversam sobre o prisioneiro, dizendo que ele é um santo homem e um profeta. Ninguém, entretanto, observa um soldado, consegue entender o significado de suas estranhas palavras.

Logo depois, surge Salomé. Cansada e confusa, diz que não consegue mais suportar o olhar de Herodes ou a brutal orgia dos convidados. O ar frio da noite gradualmente a acalma e, mirando a Lua, descreve suavemente sua casta beleza. A voz de Jokanaan interrompe seu sonho. Irritada, Salomé pergunta aos soldados quem está gritando aquelas palavras tão estranhas, e eles respondem que é o profeta. Narraboth se aproxima, e tenta distrair sua atenção, sugerindo que ela descanse no jardim. Enquanto isso, um escravo informa-a de que Herodes deseja a sua volta à mesa do banquete, mas ela, com imitação, declara que não voltará.
Ignorando o pedido de Narraboth para que ela volte, Salomé continua a interrogar os soldados sobre o prisioneiro. Ela Ihes pergunta se ele é velho, e eles respondem que é um jovem. A Princesa ouve em tenso silêncio quando o implacável Jokanaan faz ouvir outra vez sua voz, e então ela diz que deseja falar ao profeta. Um dos soldados lhe diz que Herodes declarou que ninguém, nem mesmo o Alto Sacerdote, pode falar com o prisioneiro. Não dando qualquer importância a esta advertência, Salomé ordena aos soldados que tragam o profeta à sua presença. Vai até o poço e olha para as suas profundezas escuras. Altiva ela repete a ordem, mas os trêmulos soldados respondem que não podem obedecer.

Sedutoramente aproximando-se de Narraboth, ela tenta fasciná-lo para leva-lo a apoiar seu pedido. Se ele atender aos desejos dela, diz a Princesa com voz ardente, talvez ela lhe atire uma flor, ou lhe dirija um sorriso no dia seguinte quando passar pelo seu posto. Cedendo ao encanto dos pedidos sedutores, Narraboth ordena que o profeta seja trazido ali. Há um interlúdio musical, durante qual a música elabora o expressivo tema da profecia associado com Jokanaan. A cobertura gradeada do poço é removida e surge o profeta, uma majestosa figura num traje rústico de peregrino.

Em tons vibrantes, Jokanaan profere estranhas palavras de imprecação. Salomé, recuando de espanto, pergunta a Narraboth qual o significado das palavras do profeta, mas ele não sabe lhe responder. Depois, o profeta irrompe numa terrível denúncia a Herodiade, acusando-a de ser a encarnação do mal e da depravação, uma mulher cujos pecados mancham o próprio mundo. De início, Salomé fica horrorizada, mas depois fica fascinada, e não consegue desviar os olhos da face dele. Desesperado, Narraboth pede que ela o deixe, mas Salomé apenas responde que precisa olhar mais de perto para o profeta.

Olhando-a com altivo desdém, Jokanaan pergunta aos soldados quem é aquela mulher. Salomé lhe responde que é a filha de Herodiade. O profeta lhe ordena asperamente que saia, mas Salomé, com os olhos fixos no rosto dele, diz que a voz dele é música para seus ouvidos. Quando ele a exorta a ir para o deserto e buscar a redenção, ela responde louvando a beleza de seu corpo. Ela gaba seu cabelo e sua boca, e, então, voluptuosamente, pede-lhe um beijo. Narrabotb, louco de ciúme, se coloca entre Salomé e Jokanaan, e se apunhala. A Princesa nem mesmo olha quando ele cai. Jokanaan pede-lhe que vá buscar o Redentor nas praias da Galiléia, e ajoelhe-se a seus pés para pedir-lhe perdão pelos seus pecados. A única resposta da jovem é uma frenética súplica por um beijo. Apostrofando que ela é amaldiçoada, o profeta se vira, e desce para a masmorra. Quando a grade é recolocada sobre o poço, Salomé olha para as profundezas com uma expressão de feroz triunfo.

Surgem Herodes e Herodiade, seguidos pelos seus embriagados e glutões cortesãos. O Rei se dirige a Salomé, e suas maneiras ardentes traem sua paixão por ela. De maneira decisiva, Herodiade o recrimina por olhar de modo tão ardente a sua enteada. Herodes, não se preocupando com as palavras dela, exclama a Lua é como uma mulher louca desejo. Subitamente, ele escorrega numa poça de sangue e recua ao ver o corpo Narraboth. Um soldado o informa e o capitão se suicidou. Lembrando-se de que o sírio olhava tão ardentemente para Salomé, ordena que o corpo seja levado para fora.

Com o acompanhamento orquestral pintando vivamente o som de um vento cortante, Herodes, cheio de medo, murmura que asas poderosas estão batendo no ar à sua volta. Herodiade, olhando para ele com gélido desprezo, observa que ele parece doente. Recobrando-se, Herodes retruca que é Salomé que tem uma aparência doentia. Lisonjeador, ele convida a Princesa a comer e beber em sua companhia, mas ela delicadamente recusa. Herodiade exulta por causa da decepção do Rei por ter sido desprezado.

Das profundezas da masmorra vem a voz de Jokanaan advertindo que a hora está próxima, enquanto Herodiade, com fúria, ordena aos soldados que o calem. Quando Herodes protesta, ela zomba dele, dizendo que o rei tem medo do profeta, que ele deveria ser entregue aos judeus. Os cinco judeus, então, se aproximam, e pedem que Jokanaan Ihes seja entregue. Bruscamente, Herodes recusa, dizendo que o prisioneiro é um santo homem que viu a Deus. Enquanto isso, os judeus denunciam veemente Jokanaan como um blasfemo, protestando que ninguém, desde Elias, viu a Deus. Herodes os contradiz, seguindo-se uma longa e envolvente discussão teológica. Ela é construída por um coro marcantemente dramático.

No seu clímax, irrompe a voz de Jokanaan profetizando a vinda do Salvador. Dois nazarenos começam a discutir alguns dos milagres que foram realizados pelo seu misterioso líder, um dos mais notáveis foi a ressurreição de um morto. Nesse ponto, Herodes fica alarmado, e então, agitado, declara que aquele terrível milagre será proibido por decreto real. Jokanaan prediz agora o fim trágico de Herodiade, e o dia terrível do ajuste de contas que dentro em breve raiará para os reis da Terra. Louco de raiva, Herodiade ordena que seu acusador seja silenciado.

Maud Allan Danca dos sete véus

Herodes, que está olhando ardentemente para Salomé, pede-lhe que dance para ele. A Rainba a proíbe de dançar, e Salomé hesita. O Rei, entretanto, pede-lhe, e procura tentá-la, oferecendo- lhe dar qualquer coisa que ela peça. A despeito dos furiosos protestos de Herodiade, Salomé concorda, mas primeiro força Herodes a jurar que ele fará o que ela desejar. Com o sinistro tema do vento cortante soando outra vez na orquestra, Herodes, com voz trêmula, diz que ouviu o som de asas. Seus temores crescentes o levam a um paroxismo, e ele arranca a coroa de rosas de sua cabeça, gritando que elas estão queimando como uma coroa de fogo. Cai para trás exausto. A voz de Jokanaan, repetindo sua sombria profecia da perdição, continua como uma torrente incansável. Nesse ínterim, escravos preparam Salomé para sua dança, e então ela leva a cabo a “Dança dos Sete Véus”. (Em algumas produções, ela é realizada por uma dançarina em lugar da cantora).

Após seu selvagem clímax, ela para, por um momento, como encantada, na boca do poço, e depois se arremessa aos pés de Herodes. Em ardente êxtase, ele lhe pede que expresse seu desejo. Uma simples nota muito aguda é tocada pelas cordas quando Salomé começa a falar. Com venenosa doçura, ela pede a cabeça de Jokanaan numa bandeja de prata.

Herodes grita com incrível terror, enquanto Herdiade aplaude sua filha como sua digna representante. Aterrado, Herodes lhe oferece suas joias preciosas, seus pavões, o manto do Alto Sacerdote, o véu do santuário, suplicando-lhe que não peça a cabeça do santo homem de Deus. Salomé está irredutível, e com selvagem intensidade repete seu pedido. Abatido pelo medo e desespero, Herodes cai para trás na cadeira, como se tivesse desmaiado. Rapidamente, Herodiade tira do dedo dele o anel da execução, e o dá a um soldado, que o entrega a um carrasco. Herodes volta a si, verifica que o anel foi retirado de seu deda e diz que sua retirada provocará terrível desgraça.

Debruçada sobre o poço, Salomé observa o carrasco descer, e depois ouve atentamente. Quando ela não escuta nada, furiosamente ordena ao carrasco que cumpra sua tarefa, amaldiçoando-o pelo atraso. Através da escuridão, surge subitamente o braço do carrasco emergindo do poço, segurando a bandeja com a cabeça decapitada. Segurando-a, Salomé inicia sua terrível canção de paixão sensual frustrada, “Ah! Duwolltest mich nicht deinem Mund kussen lassen!” Em vida, ele não deixou que ela lhe beijasse na boca, ela grita, mas agora vai beijá-la. 0s olhos que a miravam com ódio estão fechados para sempre, e a língua que tão altivamente a denunciava está silenciosa. Mas ela ainda vive, exulta Salomé, e depois, acariciando a cabeça, outra vez louva o corpo de Jokanaan.

Herodes, louco de terror diante daquela monstruosa visão, volta-se para sair. Salomé murmura que agora, afinal ela beijou a boca do profeta. O tem um gosto amargo, confessa. Em louca exaltação, grita outra vez que beijou a boca de Jokanaan, e neste momento um raio de luar atravessa as nuvens, e a ilumina. Herodes se volta, olha-a com terrível horror, e então ordena que seus soldados a matem. Eles esmagam Salomé sob seus escudos. Cai o pano.

Pessoal, abrem-se as cortinas e preparem-se para se deliciar com as interpretações de Salomé. São gravações incríveis !!!!!

Jessye Norman é uma Salomé impressionante, uma artista fantástica. Ela tem um grande poder em sua voz quando a partitura exige. Sua voz enorme e exuberante voa sobre a orquestra, pois Strauss sonhava apenas em ouvir o papel cantado – para mim uma de suas maiores gravações de muitas grandes gravações. Norman e Ozawa trazem para essa leitura sons que nunca ouvi em outras apresentações. Richard Leech como Narraboth é brilhante para esta performance, jovem, ardente e suave, transmitindo completamente sua obsessão desesperada com a princesa venenosa. A grande Herodias, de voz áspera, de Kerstin Witt, é poderosamente vocalizado e adequadamente desdenhoso. E James Morris sensacional quando é ouvido na cisterna, canta um Jokanaan bastante viril e erótico, que dá vida a todo o drama. Altamente recomendado!

Jessye Norman – Salomé
James Morris – Jokanaan
Walter Raffeiner – Herodes
Kerstin Witt – Herodias
Richard Leech – Narraboth

Staatskapelle Dresden
Seiji Ozawa

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Quando cheguei a esta gravação de Salome, já na época do mp3, não pude tirá-la da lista de reprodução por semanas a fio. Esta capa do velho Lp com a foto escandalosamente chocante da Nilsson, parecendo um pôster de parede dos cinemas decadentes do centrão (foi eleita uma das 10 piores capas de todos os tempos), não esconde o cast maravilhoso da melhor gravação já feita da ópera de Strauss (na minha modesta opinião). Nilsson era um Salome incrível. A enorme voz sobrevoava facilmente a Filarmônica de Viena, sob o rugido da direção do mestre Solti. Não consigo imaginar nenhuma outra interpretação de Salomé liderando esse desempenho milagroso. Ouça os sons heróicos de Eberhard Wächter, como Jokanaan, depois passe para a grande cena de Salomé quando a cabeça de Jokanaan lhe é apresentada em uma bandeja de prata. A imagem do palco ganha vida e a imaginação aumenta à medida que Nilsson se move por esse território psicologicamente acidentado e emerge triunfante em sua loucura no final. Solti prova mais uma vez que ele era capaz de passar de um rugido a um sussurro mágico entendendo todas as sutilezas e os detalhes da partitura. O elenco é insuperável. Herodes, de Gerhard Stolze, e Herodias, de Grace Hoffman, são pessoas palidamente vis e decadentes. O belo teor de Waldemar Kmentt transmite perfeitamente o jovem soldado doente de amor, Narraboth. Sob a forte direção de Solti, a poderosa Filarmônica de Viena apresenta uma performance cintilante da ambiciosa partitura de Strauss, que é basicamente um poema sinfônico com vozes. Todos os cantores fazem o possível para acompanhar: não há lugar para sutileza nesta ópera. Ninguém jamais confundirá a matriarca Birgit Nilsson por uma gatinha sexual, mas ela toca todas as notas certas como uma pirralha mimada petulante, uma virgem adolescente cujo despertar sexual toma a forma de uma atração literalmente fatal por um homem santo. Eberhard Wachter é um Jokanaan adequadamente santo e Waldemar Kmentt canta lindamente como Narraboth, mas Gerhard Stolze rouba o show como um Herodes deliciosamente desequilibrado. Stolze não era Caruso, mas como ator cantor ele tinha poucos ou nenhum par. Solti deixa a vulgaridade da partitura falar por si, sem nenhuma tentativa de bom gosto. Se você quiser ouvir Salome como deveria ser ouvido, rude, arrepiante, esta é a gravação.

1- Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 1 – “Wie schön ist die Prinzessin Salome heute Nacht!”
2 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 1 – “Nach mir wird Einer kommen”
3 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 2 – “Ich will nicht bleiben”
4 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 2 – “Siehe, der Herr ist gekommen”
5 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 2 – “Jauchze nicht, du Land Palästina”
6 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 2 – “Du wirst das für mich tun”
7 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 3 – “Wo ist er, dessen Sündenbecher jetzt voll ist?”
8 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 3 – “Jochanaan! Ich bin verliebt in deinen Leib”
9 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 3 – “Wird dir nicht bange, Tochter der Herodias?”
10 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Wo ist Salome?”
11 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Es ist kalt hier”
12 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Salome, komm, trink Wein mit mir”
13 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Siehe, die Zeit ist gekommen”
14 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Wahrhaftig, Herr, es wäre besser, ihn in unsre Hände zu geben!”
15 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Siehe, der Tag ist nahe”
16 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Eine Menge Menschen wird sich gegen sie sammeln”
17 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Tanz für Mich, Salome”
18 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – Salome’s Dance of the Seven Veils
19 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Ah! Herrlich! Wundervoll, wundervoll!”
20 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Still, sprich nicht zu mir!”
21 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Salome, bedenk, was du tun willst”
22 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Man soll ihr geben, was sie verlangt!”
23 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Es ist kein Laut zu vernehmen”
24 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Ah! Du wolltest mich nicht deinen Mund”
25 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Sie ist ein Ungeheuer, deine Tochter”
26 -Salome, Op.54, TrV 215 / Scene 4 – “Ah! Ich habe deinen Mund geküsst, Jochanaan”

Birgit Nilsson – Salomé
Eberhard Wächter – Jokanaan
Gerhard Stolze – Herodes
Grace Hoffmann – Herodias
Waldemar Kmentt – Narraboth

Wiener Philharmoniker
Sir Georg Solti

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Esta gravação de Sinopoli chamou minha atenção, com Studer cantando Salomé. Primeiro tenho que comentar que o som gravado é fantástico. A música é tratada como um todo (uma leitura totalmente diferente da de Solti). A interpretação é impecável, com todas as nuances sendo ouvidas, algo que você não consegue ouvir com facilidade em outras versões. O Maestro Giuseppe Sinopoli, nesta Salomé de 1990 é soberbo, a condução magistral e o som digital combinam-se para torná-lo uma das primeiras escolha para o recém-chegado ao psicodrama de Strauss. A Cheryl Studer também está impecável. Ela consegue soar como a adolescente demente que o papel exige. Uma Salome incomum e feminina. Especialmente quando comparado com Birgit Nilsson ou Jessye Norman, Studer não tem poder no registro superior (não tem aquele vozeirão que sobra nas duas colegas), mas eu acho que seu som é certamente mais sedutor do que dos outros dois sopranos. Além disso, sua voz brilhante é sutilmente sombreada em todas as nuances do texto. Bryn Terfel é o Jokanaan mais convincente em disco. Acho que Hiesterman poderia ser mais firme como Herodes que é um papel crucial. Leonie Rysanek dá conta do recado como Herodiades. Clemens Bieber está bem como Narraboth. Uma coisa que tenho certeza, porém, é a qualidade dessa gravação, assim como o som puro. É absolutamente lindo, e as vozes e a orquestra têm presença e estão conectadas. Baixe agora …. você não ficará desapontado !!

Disc1
1 – Salome, Op.54 / Scene 1 – “Wie schön ist die Prinzessin Salome heute Nacht!”
2 – Salome, Op.54 / Scene 1 – “Nach mir wird Einer kommen”
3 – Salome, Op.54 / Scene 2 – “Ich will nicht bleiben”
4 – Salome, Op.54 / Scene 2 – “Siehe, der Herr ist gekommen”
5 – Salome, Op.54 / Scene 2 – “Jauchze nicht, du Land Palästina”
6 – Salome, Op.54 / Scene 2 – Laßt den Propheten herauskommen
7 – Salome, Op.54 / Scene 3 – “Wo ist er, dessen Sündenbecher jetzt voll ist?”
8 – Salome, Op.54 / Scene 3 – “Er ist schrecklich”
9 – Salome, Op.54 / Scene 3 – “Wer ist dies Weib, das mich ansieht?”
10 -Salome, Op.54 / Scene 3 – “Zurück, Tochter Sodoms!”
11 -Salome, Op.54 / Scene 3 – Dein Leib ist grauenvoll
12 -Salome, Op.54 / Scene 3 – “Zurück, Tochter Sodoms!”
13 -Salome, Op.54 / Scene 3 – “Niemals, Tochter Babylons,Tochter Sodoms,…Niemals “N
14 -Salome, Op.54 / Scene 3 – “Wird dir nicht bange, Tochter der Herodias?”
15 -Salome, Op.54 / Scene 3 – “Lass mich deinen Mund küssen, Jochanaan!”
16 -Salome, Op.54 / Scene 3 – “Du bist verflucht”
17 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Wo ist Salome?”
18 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Salome, komm, trink Wein mit mir”
19 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Siehe, die Zeit ist gekommen”
20 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Wahrhaftig, Herr, es wäre besser, ihn in unsre Hände zu geben!”
21 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Siehe, der Tah ist nahe”
22 -Salome, Op.54 / Scene 4 – O über dieses geile Weib, die Tochter Babylons

Disc2
01 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Tanz für Mich, Salome”
02 -Salome, Op.54 / Scene 4 – Salome’s Dance Of The Seven Veils
03 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Ah! Herrlich! Wundervoll, wundervoll!”
04 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Salome, ich beschwöre dich”
05 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Salome, bedenk, was du tun willst”
06 -Salome, Op.54 / Scene 4 – Gib mir den Kopf des Jochanaan!
07 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Es ist kein Laut zu vernehmen”
08 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Ah! Du wolltest mich nicht deinen Mund”
09 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Sie ist ein Ungeheuer, deine Tochter”
10 -Salome, Op.54 / Scene 4 – “Ah! Ich habe deinen Mund geküsst, Jochanaan”

Cheryl Studer – Salomé
Bryn Terfel – Jokanaan
Clemens Bieber – Narraboth
Horst Hiestermann – Herodes
Leonie Rysanek – Herodiades

Orchester der Deutschen Oper Berlin
Giuseppe Sinopoli

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Strauss feliz em 1945

AMMIRATORE

In memoriam Jessye Norman (1945-2019) – Wagner (1813-1883): Wesendonk Lieder; Tristan & Isolde: Prelude & Liebestod

In memoriam Jessye Norman (1945-2019) – Wagner (1813-1883): Wesendonk Lieder; Tristan & Isolde: Prelude & Liebestod

Jessye Norman (15 de setembro 1945 – 30 de setembro 2019), se foi. A majestosa soprano americana que trouxe aos palcos uma voz suntuosa e cintilante cantou diversos papéis de extrema relevância. Ela ganhou nada menos do que cinco prêmios Grammy, quatro por suas gravações e uma por conquistas ao longo da vida. Em 1984 ganhou o prêmio competindo no “Best Classical Vocal Soloist Performance” com o álbum “Ravel: Songs Of Maurice Ravel”. Em 1988 ganhou com a melhor gravação de ópera com “Wagner: Lohengrin”. Em 1989 papou a estatueta com mais um álbum (Best Opera Recording) com “Wagner: Die Walkuere ” E em 1998 levou o “Best Opera Recording” com “Bartók: Bluebeard’s Castle”. Em 2006 a estatueta veio com “Lifetime Achievement Award”.

Norman é inquestionavelmente uma excelente cantora. Sua performance neste singelo CD é emocionante sobretudo na gravação do Liebestod de Tristan e Isolda. Norman está arrebatadora. Tantas cores. Sua entonação é gigantesca. Este é um disco sensacional. A voz de Norman é adequada para Wagner e a grandeza de sua voz é evidente nessa performance. Eu podia ouvir o Liebestod repetidamente. O clímax da peça dará arrepios, é uma música muito poderosa e Norman e Colin Davis são bastante sensíveis à dinâmica, fraseado e ritmo. Este disco mostra ao máximo a beleza da voz de Norman.

Neste LINK tem uma postagem que fizemos do Parsifal no fim de 2018 em que a Jessye está fenomenal !!!!

Ah, lágrimas em meus olhos ao postar agora! Descansa bela heroína dos palcos. No outro plano, cheio de talentosas almas que por aqui passaram, os deuses receberão com muita música e festança esta mulher que foi uma das mais belas vozes que tivemos o prazer de ouvir. Obrigado Jessye!

Wagner (1813-1883): Wesendonk Lieder; Tristan & Isolde: Prelude & Liebestod Jessye Norman

1 – Wagner: Tristan und Isolde, WWV 90 – Prelude to Act 1. Langsam und smachtend
2 – Wagner: Tristan und Isolde, WWV 90 / Act 3 – “Mild und leise wie er lächelt” (Isoldes Liebestod)
3 – Wagner: Wesendonck Lieder, WWV 91 – Der Engel
4 – Wagner: Wesendonck Lieder, WWV 91 – Stehe still
5 – Wagner: Wesendonck Lieder, WWV 91 – Im Treibhaus
6 – Wagner: Wesendonck Lieder, WWV 91 – Schmerzen
7 – Wagner: Wesendonck Lieder, WWV 91 – Träume
by Jessye Norman and London Symphony Orchestra and Sir Colin Davis

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Ammiratore

Richard Wagner (1813-1883): Orchestral Masterpieces – Leopold Stokowski

Vamos continuar neste post, para o deleite dos amigos do blog, com a terceira parte da saga do grande maestro Leopold Stokowski (1882-1977) voltemos ao ano de 1896, tudo começou quando o garoto de treze anos entra para o coro da Igreja St. Marylebone e foi admitido no Royal College of Music. Já em 1898, aos dezesseis anos, foi admitido como membro do Royal College of Organists. Tornou-se organista assistente de Sir Henry Walford Davies (1869-1941) em The Temple Church, Londres. Em 1900, Stokowski formou o coro da Igreja Anglicana Santa Maria, Charing Cross Road, e lá também tocou o órgão. Então, de 1902 a 1905, Stokowski foi organista e mestre de coro na Igreja Anglicana de St. James, em Piccadilly, Londres. A partir desta posição como organista e mestre de coro na Igreja Anglicana, em 1905, Stokowski foi recrutado para se tornar organista na Igreja Episcopal de São Bartolomeu em Nova York, na Madison Avenue e 44th Street. O jovem desenvolveu uma respeitável reputação musical em Nova York e conheceu uma série de personalidades importantes, incluindo sua futura esposa, Olga Samaroff (1882-1948). Stokowski também realizou uma série de transcrições de obras orquestrais das sinfonias de Tchaikovsky, de antigos compositores como Byrd e Palestrina, e de óperas de vários compositores, incluindo Wagner em 1907. Mas Stokowski estava determinado a dirigir uma orquestra sua ou um grupo orquestral. Em 1908, ele renunciou à posição de organista e na primavera daquele ano, ele e sua esposa Olga partiram para a Europa, com Stokowski determinado a encontrar um novo começo.

Stokowski em 1910

O jovem Leopold, apesar da falta de experiência em nunca ter conduzido uma orquestra sinfônica profissional, um ano depois de deixar o posto de organista na Igreja Episcopal de São Bartolomeu em Nova York, nomeado maestro da Orquestra Sinfônica de Cincinnati, foi o começo de sua carreira estelar. Como poderia uma transformação tão notável acontecer? Na biografia do maestro o escritor Chasins afirma que a esposa Olga Samaroff havia se encontrado “por acaso” com Bettie Holmes, presidente da diretoria da Associação da Orquestra Sinfônica de Cincinnati. A orquestra estava procurando um maestro para liderar a sinfônica que eles tinham acabado de restabelecer. Olga Samaroff sugeriu Leopold Stokowski. Isso o levou a ser entrevistado pelo Conselho de Cincinnati em 22 de abril de 1909. Aprovado, Stokowski conduziu seu primeiro concerto com a Cincinnati Symphony Orchestra em 26 de novembro de 1909 no Music Hall. Ele estreou com a abertura de “A Flauta Mágica”, de Mozart, a “Quinta Sinfonia” de Beethoven e “Ride of the Valkyries”, de Wagner. Foi um sucesso imediato, particularmente pelo impacto do seu carisma. Durante o período em Cincinnati de 1909 a 1912, Stokowski trabalhou assiduamente na melhoria de suas habilidades de condução e na construção de um repertório de obras que ele dominava. Embora ele tenha chegado a Cincinnati praticamente sem experiência na condução de uma orquestra sinfônica, seu profundo talento artístico e habilidades de liderança natural levaram a um sucesso rápido.

Primiere Ciccinati

Stokowski também mostrou desde o início uma busca pelo novo e inovador. Mesmo desde os primeiros concertos de Cincinnati, ele programava obras de compositores vivos, e seu mix de programação era estimulante. Ele também procurou expandir continuamente a temporada da orquestra viajando para outras cidades.

Olga foi um ingrediente chave no sucesso inicial da carreira de Stokowski. Durante esse período pré-guerra, Stokowski e Olga Samaroff também passariam os verões na Baviera em sua vila em Munique, imersos nos festivais culturais ativos de verão e na vida social. Munique nos verões naquela época era uma “Meca” musical na Europa. Este foi provavelmente o tempo mais feliz de Olga e Leopold juntos. Enquanto isso, em Cincinnati, Stokowski teve uma mistura de sucessos e rejeições da diretoria da orquestra, procurando expandir as turnês, inclusive para Nova York, e acrescentando músicos. Em março de 1912, depois de aumentar progressivamente os confrontos com a diretoria, Stokowski pediu para ser liberado dos dois anos restantes de seu contrato em Cincinnati. As más línguas da época suspeitaram que ele já estava de olho em outro estado, a Filadélfia. De fato a 13 de junho de 1912 Stokowski assina com a Orquestra da Filadélfia e em 8 de outubro de 1912, Stokowski realizou seu primeiro ensaio com a Orquestra da Filadélfia, seguido rapidamente pelo primeiro concerto em 12 de outubro. Durante o restante da década, Stokowski procurou substituir os músicos antigos da orquestra por jovens de mente aberta. Um aspecto de desempenho que ele parece ter perseguido desde o começo foi um estilo de performance flexível e menos rígido, do qual sua preferência pelos instrumentos de cordas é um diferencial. Estas renovações nos músicos ele aplicou em toda sua carreira e com qualquer orquestra com a qual ele entrou em contato.

Esta gravação de Stokowski conduzindo as obras de Wagner que ora compartilho com os amigos é um bom exemplo de como o maestro reescrevia obras originais, esta prática entre alguns grandes regentes era muito comum e se encaixava no gosto da época, hoje se busca pelo original, com instrumentos originais de época preferencialmente. Esta seleção da Fase 4 reúne cerca de uma hora de trechos orquestrais e populares das óperas de Wagner gravados em estúdio em 1966, quando o regente tinha 84 anos, além de uma faixa de 1972 “Meistersinger Prelude” que é ao vivo. Os resultados são amplos, românticos e emocionantes. O estilo predominante aqui é extrovertido e não sutil. A faixa do “Meistersinger” de 1972, feito quando ele tinha 90 anos, nos traz de volta ao som orquestral original, sem trechos reescritos. Devo dizer que Stokowski está magnifico. A abertura das Valkyries é emocionante e divertida, pelo destaque ao flautim (não sei se propositalmente feito pelo maestro, ou uma falha do engenheiro de som… sei lá, mas que ficou diferente ficou). Mas, à medida que avançamos as faixas, o Wagner de Stokowski se torna cada vez mais extravagante. O arranjo, o som acústico e o ritmo do maestro são perfeitos ao que ele nos propõe, em vez de apenas soar como mais uma “performance”. Muito interessante, assim como no post anterior da sinfonia de Beethoven, o som estéreo da Fase 4 que está em todo o lugar. Stokowski usa e abusa dos efeitos e nos oferece seus deliciosos truques. Acho um erro comparar estas gravações, por exemplo, com Furtwangler, Karajan ou Solti. É uma proposta diferente, original. Stokowski tem o foco em salões cheios e dar espetáculo àqueles que não tem o costume de cultuar a chamada Música Clássica. Os fãs puritanos de Wagner podem dar uma boa risada e levar numa boa, só isso. A qualidade do gênio Stokowski eu admiro muito.

É uma releitura genial e magistral de Wagner, apenas ouça ignorando o puritanismo.

Wagner: Orchestral Masterpieces

1. The Ride of the Valkyries – Die Walkure
2. Dawn and Siegfried’s Rhine Journey – Barry Tuckwell/Gotterdammerung
3. Siegfried’s Death and Funeral Music – Gotterdammerung
4. Entrance of the gods into Valhalla – Das Rheingoldi
5. Forest Murmurs – Siegfried
6. Prelude – Die Meistersinger

London Symphony Orchestra
Leopold Stokowski
Faixas 1-5: Recorded in Kingsway Hall, London, 26 august 1966
Faixa 6: Recorded in the Royal Festival Hall, London, june 1972

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Leopold, dando uma geral no Órgão do Salão de Concertos do PQP.

Ammiratore

Maria, com Cecilia Bartoli

Maria, com Cecilia Bartoli

Com menos de vinte anos, a romana Cecilia Bartoli já era uma celebridade — ela disse que nasceu cacarejando… Hoje, aos 53 anos, ela segue como uma das principais cantoras líricas em atividade e nos prova que uma cantora pode ao mesmo tempo cantar bem , ser inteligente, ter auto-ironia e agir sem grandes poses. Sua praia é principalmente as óperas de Mozart e Rossini, mas ela explora outros repertórios em seus discos individuais.

Mais ou menos a cada dois anos, Cecilia Bartoli lança um álbum solo onde canta árias escolhidas. O primeiro que conheci, o espetacular The Vivaldi Album (1999), era belíssimo. Depois ouvi o também excelente Opera Proibita (2005), inteiramente dedicado a Handel, Scarlatti e Caldara. Ela é um sucesso de público e estes trabalhos receberam Grammys e o o escambal. Gosto muito dela e, por isso, atirei-me de cabeça neste recém lançado Maria.

Aqui, novamente — como faz em todos os seus álbuns — ela apresenta nada menos do que oito árias nunca antes gravadas, incluindo uma bonita Se un mio desir…Cedi al duol da ópera Irene, cuja partitura completa não chegou a nossos dias. Esta mistura de pesquisa e highlights como Casta Diva tornam interessantes os álbuns desta cantora que só cria álbuns de primeira linha, como The Gluck Album e The Salieri Album.

Na minha opinião, as melhores faixas são as que tem música de Bellini. Ontem, ao ouvir o CD, fui conferir por três vezes a faixa que estava tocando e sempre era uma de Bellini. Não é o melhor de seus discos. Há umas coisas tirolesas um pouco enervantes, mas uma cantora como Bartoli sempre vale a pena ouvir.

Cecilia Bartoli — Maria

1. Irene: Se un mio desir…Cedi al duol (3:45)
Composer Giovanni Pacini (1796 – 1867)

2. Irene: Ira del ciel (2:25)
Composer Giovanni Pacini (1796 – 1867)

3. Ines de Castro: Cari giorni (4:09)
Composer Giuseppe Persiani (1799-1869)

4. Infelice, Op. 94 (12:19)
Composer Felix Mendelssohn (1809 – 1847)
Maxim Vengerov (Violin) <—– ATENÇÃO, FDP!

5. El poeta calculista: Yo que soy contrabandista (2:28)
Composer Manuel García (1775 – 1832)

6. La sonnambula: Ah, non credea mirarti.
Composer Vincenzo Bellini (1801 – 1835)

7. La sonnambula: Ah, non giunge
Composer Vincenzo Bellini (1801 – 1835)

8. Air à la tirolienne avec variations, Op. 118 (7:27)
Composer Johann Nepomuk Hummel (1778 – 1837)

9 La figlia dell’aria: E non lo vedo…Son regina (7:05)
Composer Manuel García (1775 – 1832)

10 La fille du régiment: Rataplan (2:28)
Composer Gaetano Donizetti (1797 – 1848)

11. Tancredi: Di tanti palpiti (3:20)
Composer Gioachino Rossini (1792 – 1868)

12. I puritani: Qui la voce sua soave…
Composer Vincenzo Bellini (1801 – 1835)

13. I puritani: Vien, diletto
Composer Vincenzo Bellini (1801 – 1835)

14. Clari: Come dolce a me favelli (4:38)
Composer Jacques Halévy (1799 – 1862)

15. Amelia, ovvero Otto anni di costanza: Scorrete, o lagrime (2:34)
Composer Lauro Rossi (1810 – 1885)

16. L’Elisir d’Amore: Prendi, per me sei libero (4:18)
Composer Gaetano Donizetti (1797 – 1848)

17. Norma: Casta diva (6:47)
Composer Vincenzo Bellini (1801 – 1835)

Mezzo-soprano Vocals – Cecilia Bartoli
Leader [Orchestra La Scintilla] – Ada Pesch
Conductor – Adam Fischer

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Essa canta pra cacete!

PQP

Richard Wagner (1813-1883) – “Das Liebesverbot” – Sawallisch, Prey, Hass, etc., Chor & Orchester der Bayerischen Staatsoper

Após uma pequena interrupção, voltamos ao que viemos, a postagem de todas as óperas de Richard Wagner, uma parceria de FDPBach e de Ammiratore. Eu, FDPBach, estou com alguns problemas com o servidor MEGA, por isso estou testando pelos próximos trinta dias o servidor Mediafire, que tem um preço mais acessível, e que, segundo informações preliminares, não cria maiores problemas, assim espero. Além disso, terei acesso ao número de downloads de cada postagem.
Nestas três primeiras óperas, optamos pela belíssima caixa do selo ORFEO, primorosa edição deste conceituado selo alemão, que traz a impecável condução de Wolfgang Sawalish, sempre em Munique, ao vivo, registros realizados na prestigiosa Bayersiche Staatsoper em 1983.
Com a palavra, Ammiratore:

Estamos compartilhando com os amigos do blog o segundo “pecado da juventude” de Richard Wagner: Das Liebesverbot (“Proibição de Amar”) é uma ópera cômica em dois atos, cujo libreto foi escrito pelo próprio compositor, inspirado na peça “Medida por Medida” de William Shakespeare. Foi composta em 1834, e estreada sob condução do próprio Wagner em 1836, na cidade de Magdeburgo. É fácil perceber o porquê deste segundo “pecado”. Wagner escreveu Das Liebesverbot, quando tinha apenas 21 anos de idade na época ele era participante do movimento “jovem alemão” e estava em uma fase rebelde. Tematicamente, a ópera atua contra a autoridade – e contra a autoridade alemã em particular. Assim, na música da ópera, Wagner parecia se esforçar para incorporar todos os elementos musicais não alemães em que pudesse pensar, usando qualquer número de convenções operísticas francesas e italianas no processo. Ele até mesmo fez a mudança básica de reiniciar a ação da ópera – transferindo a história do local original de Shakespeare, Viena, para a cidade siciliana de Palermo. Até mesmo a descrição mais básica da partitura faz com que ela seja praticamente única entre as óperas de Wagner: é uma comédia. Wagner analisa com cuidado a diferença entre o conteúdo de sua primeira ópera “As fadas” e o conteúdo dessa segunda obra. Segundo ele, na primeira, exprime-se uma gravidade ligada ao sentimento do sagrado parecer estar em flagrante contradição com a tendência da segunda, a saber, um gosto pela sensualidade e pela alegria insolente. Ele pensa que um equilíbrio entre essas duas direções é a verdadeira tarefa de sua evolução. A principal inspiração de Wagner, em “A proibição de amar”, foi o movimento literário e político conhecido como movimento “jovem alemão” (Junges Deutschland) ,defendia a liberdade dos sentidos, a liberdade política e religiosa e a exaltação da natureza. A composição de “A proibição de amar” marca, assim, um momento relevante do pensamento inicial de Wagner em sua oposição a moralidade dominante. A busca de equilíbrio entre o sentimento do sagrado e a vida dos sentidos, que já em 1851 ele pensa ser sua tarefa, será percebida na evolução da obra do compositor. No tempo de “A proibição de amar”, 1836, suas idéias ainda não tinham atingido muita clareza. Mas o que se nota ao longo de sua obra é que ele defende os sentidos, não de uma forma luxuriosa e inconsequente, mas em considerável harmonia com a natureza, como se a existência física fosse elevada ao nível do sagrado ou como se o que é sagrado pudesse encarnar-se na vida sensível. O objetivo de Wagner nesta ópera cômica de início de carreira é ridicularizar o peso da cultura alemã e, em contraste, apresentar os italianos de vida livre e livre pensamento.

Este é um esplêndido exemplo do início da carreira Wagner, com o Mestre mostrando um belo e talvez inesperado presente para uma melodia italianizada.Comparando as duas primeiras obras de Wagner, além das diferenças de estilo musical entre “As Fadas” e “A proibição de amar”, ligam-se coerentemente as idéias subsequentes desenvolvidas por ele. “As fadas” , além de iniciar o tema da redenção, antecipa o conteúdo mitológico dos trabalhos posteriores de Wagner e “A proibição de amar” ilustra perfeitamente sua tendência revolucionária, em particular no que diz respeito a afirmação da vida no sentido grego e pagão, com a defesa dos direitos da vida sensual e corpórea em oposição a hipocrisia moral instaurada pelo autoritarismo político e religioso.
Musicalmente ouvimos alguns temas que posteriormente seriam reaproveitados em outras obras do Mestre: uma cena particularmente marcante no começo do Ato 2 faz uso de um impressionante tema “Amém” mais tarde reciclado em “Tannhäuser”. Acho que no geral o padrão de inventividade melódica é alto. A música vocal de Wagner em Liebesverbot é melhor do que a abertura puramente orquestral. Vários dos temas da abertura aparecem melhor trabalhados ao longo da obra. O leitmotif que retrata o espírito do carnaval, no Ato 3, pode ser ideal para a brincadeira “Que compositor é esse?” (Quizz). Ninguém é capaz de adivinhar que seja Wagner.

A trama de “A proibição de amar” se passa em Palermo no século XVI. Wagner diz ter situado as cenas na capital da Sicília, por causa do temperamento mais ardente das pessoas do sul. Friedrich, um alemão puritano, estrangeiro na cidade e governante provisório, proíbe os envolvimentos amorosos, sobretudo os envolvimentos não sacramentados pelo casamento, e decreta pena de morte para os que descumprirem a lei.

 

Sinopse
Ato 1
A praça da cidade
Um rei da Sicília, sem nome, deixa seu país para uma viagem a Nápoles e entrega ao regente Friedrich nomeado autoridade plena para exercer o poder real a fim de efetuar uma reforma completa nos hábitos sociais de sua capital, o que provocou a indignação do reino. Os servos da autoridade pública ocupam-se de fechar as casas de diversão popular em um subúrbio de Palermo e levar os frequentadores como prisioneiros. A população se opõe a esse primeiro passo, e muita confusão se segue.
Luzio, um jovem nobre e rebelde, parece inclinado a avançar como líder da turba, e imediatamente encontra uma oportunidade para desempenhar um papel mais ativo na causa do povo oprimido ao descobrir seu amigo Cláudio sendo levado para a prisão. Ele descobre que, em virtude de alguma velha lei desenterrada por Friedrich, Cláudio sofrerá a pena da morte por um amor não autorizado . A união com sua amada havia sido impedida pela inimizade de seus pais, mesmo assim deu-lhe um filho. O zelo puritano de Friedrich se une ao ódio dos pais da moça; Luzio teme o pior, e vê sua única esperança de misericórdia se sua irmã Isabella, por suas súplicas, poder amolecer o duro e frio coração regente. Claudio implora ao seu amigo a procurar Isabella no convento das Irmãs de Santa Isabel, que ela entrou recentemente como noviça.

Um convento

Isabella está enclausurada no convento com sua amiga Marianne, também noviça. Marianne revela a sua amiga o infeliz destino que a trouxe ao lugar. Sob votos de fidelidade eterna, ela havia sido persuadida a uma ligação secreta com um homem de alta patente. Mas quando em extrema necessidade ela se viu não apenas abandonada, mas ameaçada por seu traidor, descobriu que ele era o homem mais poderoso do estado, ninguém menos que o próprio regente Friedrich. A indignação de Isabella encontra vazão em palavras apaixonadas, e só é pacificada pela sua determinação de abandonar um mundo no qual um crime tão vil pode ficar impune.
Quando Luzio leva ao convento as notícias sobre o destino de Claudio, o desgosto de Isabella pela má conduta de seu irmão é imediatamente substituído pela vilania do regente hipócrita, que presume tão cruelmente punir a ofensa comparativamente venial de seu irmão, que, pelo menos , não foi manchada pela traição. Seu violento desabafo a revela para Luzio em um aspecto sedutor; tocado por um amor repentino, ele pede que ela saia do convento para sempre e aceite sua mão. Ela se esforça para evitar sua ousadia, mas resolve imediatamente se aproveitar de sua escolta para o tribunal de justiça do regente.

Um tribunal

Várias pessoas são indiciadas pelo capitão com ofensas contra a moralidade. A seriedade da situação torna-se mais marcante quando a forma sombria de Friedrich caminha através da multidão indecisa e indisciplinada, comandando o silêncio, e ele mesmo se encarrega de ouvir o caso de Cláudio da maneira mais severa possível. O juiz implacável já está a ponto de pronunciar uma sentença quando Isabella entra, e solicita, diante de todos eles, uma entrevista particular com o regente.
Nessa entrevista, ela se comporta com nobre moderação em relação ao temido e desprezado homem, a princípio, apela apenas a sua brandura e misericórdia. Suas interrupções servem apenas para estimular o ardor do regente: ela fala da ofensa de seu irmão e implora perdão. Friedrich não consegue mais se conter e promete conceder sua petição ao preço de seu próprio amor. Cheia de indignação com tal imoralidade, ela clama ao povo através de portas e janelas para entrar, para que ela possa desmascarar o hipócrita diante do mundo. Com algumas palavras significativas, Friedrich, com energia frenética, consegue fazer com que Isabella perceba a impossibilidade de seu plano. Mas algumas palavras doces são suficientes para seduzir e transportar o próprio regente ao êxtase; pois em um sussurro ela promete conceder seu desejo, e que na noite seguinte lhe enviará uma mensagem que assegure sua felicidade.
E assim termina o primeiro ato em um turbilhão de excitação.

Ato 2
Uma prisão

Isabella revela a seu irmão que sua libertação será possível apenas ao preço de sua desonra. Claudio fica indignado, mas o medo da morte o supera e ele implora à irmã que faça o sacrifício. Isabella castiga sua “covardia”, não revelando a ele nada do seu plano, que será assim: em vez dela, a quem ficará mascarada será Mariana e deve esperar Friedrich, também mascarado: assim ele estará duplamente desobedecendo sua própria lei. Ela quer interceptar o documento de indulto: como castigo por sua covardia, Cláudio deve ficar com medo da morte por uma noite.
Ela entrega a Dorella uma carta para Marianne e o bilhete para o regente. Como Brighella está apaixonado pela garota, a entrega não será problema. Isabella pergunta sobre Luzio, mas descobre que ele já fez propostas e se promete a todas as mulheres em Palermo.
Quando Luzio pergunta sobre Claudio, Dorella lembra seus votos e beijos. Ele nega tudo, mas quando Isabella lhe conta sobre o plano traiçoeiro de Friedrich, ele fica tão furioso que fica convencido da sinceridade de seus sentimentos e decide fazer um truque inteligente também.
Pontio foi promovido a carcereiro, pelo qual Luzio o repreende violentamente. Isabella, no entanto, com uma bolsa de dinheiro convence a entregar o indulto a ela.

Um quarto no palácio de Friedrich.

Friedrich está pensando em sua atitude, que de uma só vez lançou seu “sistema púdico” aos ventos.
Dorella é conduzida por Brighella e entrega ao regente o bilhete. Ele hesita em quebrar a lei duas vezes de uma só vez, mas sua volúpia leva a melhor. Ao mesmo tempo, porém, ele decide não perdoar Claudio e que ele vá para a morte. O apaixonado Brighella também pede a Dorella um encontro. Ela promete isso para a noite , porém, apenas mascarada.

A saída do Corso.

Independentemente da proibição, Palermo está comemorando o carnaval.
Brighella e seus espiões tentam acabar com a agitação.
A intervenção de Luzio impede uma briga. O povo mascarado espera nas ruas laterais. Brighella joga fora seu manto e em traje de Pierrot procura Dorella. Isabella e Marianne aparecem em máscaras idênticas, depois se separam, e Marianne prossegue para o encontro com o regente, que desencadeia uma série de confusões: Luzio reconheceu Friedrich sob sua máscara e o convida para acompanhá-lo às ruas laterais do Corso, Friedrich tenta fugir com quem ele pensa ser Isabella (Marianne), Dorella fuge do furioso Brighella, quando Pontio aparece e entrega a verdadeira Isabella ao regente.
Ela percebe que o suposto perdão para seu irmão é falso. Enfurecida, ela chama as pessoas e revela a duplicidade de Friedrich .
O regente é exposto, mas não sentenciado de acordo com sua lei, mas perdoado. Gritos de alegria irromperam por toda parte; as explicações necessárias são dadas rapidamente, e Friedrich, mal-humorado, exige ser colocado diante do tribunal do rei que retorna. Cláudio, libertado da prisão pela jubilante população, informa-o de que a sentença de morte por crimes de amor será revogada; mensageiros chegam para anunciar a inesperada chegada ao porto do rei; todos decidem marchar em procissão mascarada para encontrar o amado Príncipe, e alegremente homenageá-lo, todos convencidos de que ele se regozijará de ver quão doente o sombrio puritanismo da Alemanha é inadequado para os ardentes Sicilianos.
O desempenho sob Sawallisch é excelente, com um bom conjunto, elenco na época formado por jovens. A gravação ao vivo também é de alta qualidade. O riso do público deixa claro que a comédia está funcionando no teatro, muitas vezes em lugares ligeiramente intrigantes que sugerem comédia física no palco, o riso ocasional só aumenta o ambiente; não é intrusivo na música. Mas para os fãs de Wagner que acreditam que o trabalho menor de um grande compositor pode ser mais interessante do que o melhor trabalho de um compositor menor, eu certamente recomendaria a audição deste segundo “pecado da juventude”.

CD 1

01. Ouvertüre
02. Ihr Galgenvögel
03. Wen bringt man dort
04. Du kennst jenen stillen Ort
05. Salve Regina
06. Es ist ein Mann; verweilt, ich geh

CD 2

01. Wie lange er bleibt
02. Nun wird es bald
03. Wohlan so rede1
04. Was ist geschehen was soll das schrein
05. Maria, oh wie Götterlicht

CD 3

01. Wo Isabella bleibt
02. So sei’s! Für seinen feigen Wankelmut
03. Dorella, sieh
04. Wie gl¨¹cklich, sch.ne Isabella
05. Vernimm, mein Freund
06. So spät und noch kein Brief
07. Lebt wohl, Signor Brighella
08. So recht, ihr wackren jungen Leute!
09. Ihr junges Volk
10. Halt! Auseinander! Welch ein L.rmen!
11. Verweile hier, hier mu. er kommen!
12. Hier soll sie sein, wo mag sie weilen
13. Ihr Heiligen!

Friedrich – Herman Prey
Luzio – Wolfgang fassler
Claudio – Robert Schunk
Antonio – Friedrich Lenz
Angelo – Kieth Engen
Isabella -Sabine Hass
Mariana – Pamela Coburn
Brighella – Alfred Kuhn
Danieli Raimund Grumbach
Dorela – Marianne Seibel
Pontio Pilato – Herman Sapell

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CD 2 – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
CD 3 – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Jean-Philippe Rameau (France, 1683-1764): Zaïs – Les Talens Lyriques, dir. Christophe Rousset, avec Sandrine Piau, soprano

Zaïs

Jean-Philippe Rameau
France, 1683-1764

Les Talens Lyriques
dir. Christophe Rousset

avec Sandrine Piau, soprano

2014

 

Em 1745, o rei concedeu a Jean-Philippe Rameau a posição de Composer du Cabinet du Roy, que veio com uma substancial pensão. Este novo período veria produções de uma forma mais leve, em colaboração com o libretista Louis de Cahusac e algumas das mais importantes obras-primas do músico borgonhês.

Zaïs, realizada em 1748 no palco da Académie Royale de Musique, é uma delas. Este ballet-héroïque deu à música francesa uma das suas melhores obras. A partitura inteira está à imagem de sua famosa abertura: organizar o Caos, surpreendente em seus timbres teatrais e na ousadia da harmonia. Embora o enredo seja bastante frágil – um amante (Zaïs) testando sua amada (Zélidie) para apreciá-la ainda mais – é o pretexto para inúmeros divertimentos e danças, cuja magia é um verdadeiro encanto ao ouvido.

40 anos depois de Gustav Leonhardt, é a vez de Christophe Rousset trabalhar nesta partitura em uma série contínua de gravações, concertos e escritos que fizeram dele um dos principais campeões de Rameau. (ex-internet)

As 80 faixas de Zaïs podem ser encontradas AQUI.

Palhinha: aprecie um vídeo especial para degustação:

Rameau – Zaïs – 2014
Les Talens Lyriques
dir. Christophe Rousset

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE CD1+CD2+CD3
XLD RIP | FLAC | 886 MB

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE CD1+CD2+CD3
MP3 | 320 KBPS | 401 MB

powered by iTunes 12.8.2 | 2 h 37 min

Sandrine encantada com o trabalho do Avicenna!

Por gentileza, quando tiver problemas para descompactar arquivos com mais de 256 caracteres, para Windows, tente o 7-ZIP, em https://sourceforge.net/projects/sevenzip/ e para Mac, tente o Keka, em http://www.kekaosx.com/pt/, para descompactar, ambos gratuitos.

If you have trouble unzipping files longer than 256 characters, for Windows, please try 7-ZIP, at https://sourceforge.net/projects/sevenzip/ and for Mac, try Keka, at http://www.kekaosx.com/, to unzip, both at no cost.

Boa audição!

 

 

 

 

Avicenna

Jean-Baptiste Lully – Phaéton – Les Talens Lyriques, Christophe Rousset

Ao postar este CD duplo do ‘Phaéton” de Jean-Baptiste Lully estou entrando no território de nosso querido Avicenna, mestre de Avis, um grande admirador e conhecedor da ópera barroca. Digo isso pois esse é um território inexplorado por mim, mas como dizem, sempre tem uma primeira vez para tudo, né?

Christophe Rousset e seu conjunto “Les Talens Lyriques ” tem feito um trabalho espetacular apresentando Lully para o grande público, que até então não o conhecia. Trata-se de trabalho minucioso, de pesquisador mesmo. Um grande talento tanto como musicólogo, quanto maestro e também como cravista.

Esta gravação do Phaéton é uma beleza única. Solistas, orquestra e coro estão em perfeita sintonia, e sentimos em sua interpretação uma alegria e compreensão de trabalho bem feito.

Além da magnífica interpretação, devo também destacar o minucioso trabalho de edição do booklet, que estou disponibilizando junto aos arquivos de áudio. Ali os senhores terão acesso a todas as informações sobre a obra, com direito a libreto.

Como não poderia deixar de comentar, trata-se de um CD que com certeza leva o selo de IM-PER-DÍ-VEL !!! Vale cada minuto de sua audição ..

Abaixo segue uma pequena sinopse.

Prólogo
A deusa Astraea, que há muito tempo foi forçada a fugir da Terra por causa da maldade do homem, desenvolveu afeição pela humanidade; ela deseja um retorno à Idade de Ouro. Prometendo uma nova era de paz e prazer, Saturno a convida a voltar com ele para a Terra.

Ato I
Líbia, filha de Merops, rei do Egito, se retirou para um lugar solitário. Theona, filha do deus do mar Proteus, chega. Líbia teme que seu pai não permita que ela se case com o homem que ela ama; ela valoriza seu amor por Epaphus mais do que seu destino como futura rainha do Egito. Ela inveja a serenidade do amor de Theona por Phaéton. Assim como Theona está prestes a contar à Líbia suas próprias ansiedades, Phaéton aparece e Líbia se retira. Phaéton, que está procurando por sua mãe, nem percebe Theona. Ela admoesta-lo por sua frieza e lembra-o de seu amor e de como costumava ser. A rainha Clymene, mãe de Phaéton, chega e Theona sai. Phaéton fala para sua mãe sobre seus medos de que Líbia seja casada com Epafhus, tornando o último rei do Egito, e Phaéton o assunto. Clymene assegura-lhe que ele, Phaéton, será escolhido pelo rei Merops para se casar com sua filha, desde que ele desista de Theona. Phaéton assegura a ela que sua ascensão ao poder é mais importante para ele do que o amor. Essa atitude agrada Clymene, mas ela está preocupada, tendo ouvido falar de maus presságios. Ela decide questionar o deus do mar Proteus, que tem poderes proféticos. Proteus, emergindo do mar, vai para uma gruta para descansar. Ele compara uma tempestade no mar com os tormentos do amor; ambos, ele sente, devem ser evitados. Ele adormece. Clymene pede a seu irmão, Triton, para ajudá-la a obter preciosas revelações sobre Phaéton de Proteus, que não está disposto a revelar o futuro. Tritão, acompanhado por uma trupe de deuses do mar, acorda Proteus e convida-o a se divertir com eles. Proteus recusa o convite. Tritão pede a Proteus para fazer as revelações que Clymene deseja ouvir. Proteus evita responder mudando sucessivamente em um leão, uma árvore, um monstro marinho, uma fonte e uma chama. Finalmente, depois de retornar à sua forma original, ele concorda em cumprir. Ele avisa a rainha que sua ambição vai levar à morte do filho. O pai de Phaéton tentará salvá-lo, mas no final o filho dela será punido pelo céu.

Ato II
Clymene tenta em vão desencorajar a ambição de seu filho de governar o Egito, encorajando-o a renovar seu interesse em Theona, mas Phaéton não terá nada a ver com seu antigo amor. Theona, sozinha e em desespero, censura Phaéton por suas promessas vazias. Líbia chega. Ela e Theona lamentam seus sofrimentos causados ​​pelo amor. Epaphus chega e Theona se retira. Epaphus está desanimado. O rei Merops anunciou que Phaéton vai se casar com Líbia. Os dois amantes têm que admitir que o amor deles agora se tornou ilícito. O rei Merops proclama sua abdicação em favor de seu futuro genro, Phaéton. As festividades começam em comemoração do próximo casamento.

Ato III
Phaéton diz a Theona sobre seus planos de se casar com Líbia. Será um casamento de conveniência, por razões políticas, diz ele, porque ele não ama a princesa. Em desespero, Theona exige vingança dos deuses. Phaéton pede a seus seguidores que consolem Theona. Ele deve ir e prestar homenagem à deusa Isis, como exigências do costume. Epaphus, filho de Isis, já enfurecido com a negação de seu casamento com a Líbia, fica ainda mais irritado com a presença de Phaéton no templo de sua mãe; ele lança dúvidas sobre a nobre linhagem de Phaéton, como filho do deus Sol. Phaéton, picado por isso, promete fornecer provas irrefutáveis. O rei e a rainha do Egito, Merops e Clymene, e o futuro casal real, Phaetón e Líbia, vão em procissão ao templo de Isis para pagar um suntuoso tributo à deusa. Epaphus interrompe a cerimônia e proclama sua indignação. As portas do templo se fecham e, quando se abrem novamente, o interior nada mais é do que um terrível abismo, soltando chamas, das quais surgem Fúrias e Fantasmas, enchendo os presentes de terror e dispersando-os. Phaéton insiste em ficar, então Clymene continua com ele. Ela atesta que o pai de seu filho é de fato o deus do sol. Os ventos descem de uma nuvem para transportar Phaéton ao palácio do sol.

Ato IV
As Estações e as Horas prestam homenagem ao Sol, que está encantado com o fato de seu filho estar prestes a visitá-lo. A chegada de Phaéton é celebrada com canto e dança. O Sol pergunta a Phaetón o motivo de sua tristeza. Phaéton diz a ele que sua divina linhagem foi questionada e implora a seu pai que prove sua legitimidade. O Sol jura pelo Estige que ele o ajudará a fazê-lo, por qualquer meio que ele desejar. Phaéton pede para dirigir a carruagem de seu pai em seu curso diário. Incapaz de convencê-lo do perigo inevitável e obrigado a cumprir sua promessa, o Sol concorda.

Ato V
Ao amanhecer, Phaéton aparece no céu na carruagem do sol. Clymene se alegra. Epaphus, indignado com a demonstração de bravata de Phaéton, implora a seus pais, Júpiter e Ísis, que acabem com sua humilhação e vinguem-no. Líbia encontra Epaphus e conta a ele sobre seu desespero. Ele lhe dá esperança de que haverá uma mudança de sorte. Merops, Clymene e as pessoas aclamam Phaetón, seu novo deus do sol. Theona conclama-os a cessar suas canções de alegria e, em vez disso, a cantarem os lamentos, lembrando-os da profecia de seu pai sobre o desastre iminente. Phaetón perde o controle da carruagem do sol, que começa a ameaçar a Terra com uma destruição impetuosa. A deusa da Terra pede que Júpiter intervenha. Os egípcios agora temem uma terrível catástrofe. Júpiter aparece e ataca a carruagem com um raio. Phaéton cai para a morte

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Alexander Borodin (1833-1887): Príncipe Igor

Alexander Borodin (1833-1887): Príncipe Igor

Alexander Borodin (1833-1887) dividiu sua vida entre a música e as atividades de professor e pesquisador de química. Como cientista, chegou a ser conhecido internacionalmente, tendo escrito cerca de vinte estudos sobre química orgânica ! A música foi o seu sonho. A principal obra que compôs é esta que ora compartilho com os amigos do blog. O cara era um “cabeção”, sua memória era prodigiosa e muitas de suas invenções musicais foram perdidas porque, conhecendo-os de cor, ele não se preocupou em escrevê-las. Ele tinha uma imaginação fervorosa e sua fantasia permitia evocar países e arredores nunca vistos e conseguir traduzir suas visões deslumbrantes maravilhosamente em som. O grande exemplo é o seu Príncipe Igor (Knyaz’ Igor’ – 1869-87)  uma belíssima ópera em quatro atos e um prólogo.

A ópera Príncipe Igor foi o pensamento dominante da vida de Borodin e por ela se dedicou ao estudo histórico com atenção e cuidado. Ele leu os poemas Zadonshchina e A Batalha de Mamayevo, estudou as canções épicas e líricas do Turkmens, a fim de melhor compreender o caráter  polovtsiano dos Tártaros [Cumans]. Sua leitura do poema O Regimento de Igor provocou seu ardor poético e, assim, ele decidiu escrever o libreto de sua própria ópera. Enquanto isso, em contato com Balakirev, ele aprofundou seus estudos de composição, refinou seu gosto em harmonias e fortaleceu sua experiência técnica em orquestração, preparando assim para o cultivo de suas inclinações inatas para a arte e de seu temperamento como músico lírico. O libreto centra-se num príncipe russo do século XII (Igor Svyatoslavich) e nas suas campanhas contra as tribos polovtsianas invasoras que estavam interferindo nas rotas comerciais para o sul. A ópera foi encenada pela primeira vez em São Petersburgo em 4 de novembro de 1890. Borodin deixou a orquestração da ópera incompleta, inúmeras vezes interrompida e recomeçada. Composição e orquestração foram concluídas postumamente por Nikolai Rimsky-Korsakov e o jovem promissor Alexander Glazunov. De acordo com a partitura impressa, a ópera foi completada da seguinte forma: Rimsky-Korsakov orquestrou os trechos anteriormente não-orquestrados do Prólogo, Atos 1, 2 e 4, e a “Marcha Polovetsiana” que abre o Ato 3. Glazunov usou o material existente e orquestrou o terceiro ato inteiro e a abertura baseada nos temas de Borodin. Tanto a Abertura quanto as “Danças Polovetsianas” (do Ato II) são comuns em concertos e juntamente com a “Marcha Polovetsiana”, formam a chamada “suíte” da ópera.

Suas belezas musicais a redimiram do confuso libreto (sendo desconhecido o destino de dois personagens principais na cortina final). O Ato II do “Príncipe Igor”, o único que Borodin pode plausivelmente ter concluído (embora é sabido que tenha sido muito retocado por Glazunov e Rimsky-Korsakov), seria, sem dúvida, tão banal e despretensioso quanto este texto que vos escrevo, não fosse pelo fato de que cada número é uma obra-prima. O idioma exótico de Borodin, as melodias originárias do folclore, era um estilo intensamente pessoal e flexível, de todos os idiomas “Borodinescos” este ato é o mais identificável com o estilo do compositor, de grande expressão emocional. O “orientalismo” de Borodin enfatiza a coloratura cromática, em plena força sensual, os passes cromáticos crescem para abranger escalas inteiras, é a suprema expressão da música oriental, a exuberância do oriente visto pelos olhos europeus – traço de Borodin. Quando o dueto de amor deste ato atinge seu clímax, o efeito é surpreendente, a melodia resgata o texto insípido. As danças polovtsianas concludentes deste ato são sedutoras, uma música que beira a perfeição. Mais algumas cenas como essa, e o “Príncipe Igor” estaria entre as óperas mais representadas. A ópera é um magnífico exemplo da qual todos os ouvintes e críticos parecem encontrar alguma melodia que goste. Em sua ópera, Borodin visava ação cênica colorida, rica em incidentes, e ele escreveu uma espécie de “canção de gestos” em que a história flui para a clareza visual da apresentação. É o épico transmutado em lirismo e sinfonia. Um personagem não é um personagem concebido no espírito das limitações teatrais do drama, mas é a vida da emoção concentrada em uma figura humana. O plano se torna uma pintura, a pintura é animada pela música, o palco é carregado de cores e transfigurado em músicas e danças. Como Borodin colocou em uma carta, “Curiosamente, todos os membros do nosso círculo (Grupo dos 5) parecem se unir em meu Igor: todos estão satisfeitos com o Igor, embora possam divergir sobre alguns detalhes”.

Sinopse
Fatos encenados na cidade de Putivl e nos acampamentos Polovtsianos em 1185.

O prólogo.
O príncipe Igor, que está prestes a começar uma campanha contra Khan Konchak Rei dos polovtsianos, se recusa a dar ouvidos às advertências de sua mulher e de seu povo que interpretam um recente eclipse como um mau presságio. Seu cunhado, o príncipe de Galich (Kniaz Galitsky) suborna Skoula e Eroshka para encorajar o príncipe Igor em sua determinação de partir, ele deseja usurpar o lugar de Igor. Igor desavisadamente confia sua esposa aos seus cuidados (faixas 2 a 5).

Ato 1
(1) A corte do príncipe Vladimir Galitsky. Skula e Yeroshka cantam um hino ao devasso cunhado de Igor e conta como ele raptou uma donzela para seu prazer (faixa 6). Galitsky anuncia sua filosofia (faixa 7). Ele zomba da desaprovação de sua irmã Yaroslavna. Uma multidão de donzelas corre para protestar contra Galitsky (faixa 9). Os homens mostram brevemente medo de Yaroslavna , mas, voltando sua atenção para o vinho, voltam a cantar os louvores à Galitsky: ele deveria ser seu príncipe, não Igor (faixa12).
(2) Câmara nos aposentos de Yaroslavna Yaroslavna, ansiando por Igor, sofre de maus sonhos (faixa 13). A criada anuncia a chegada das donzelas, que se queixam do comportamento de Galitsky. Galitsky inesperadamente chega, assusta as donzelas, tenta rir das censuras de sua irmã, mas no final concorda em libertar a garota raptada; ele sai. Um grupo de soldados chega a Yaroslavna com notícias terríveis: Igor e seu filho Vladimir foram feitos prisioneiros pelos Polovtsï (faixa 16).

Ato 2
O acampamento polovtsiano; é noite, um coro de donzelas polovtsianas entretem Konchakovna com um hino para o início fresco da noite (faixa 17 – um canto envolvente, belíssimo !), após começa a famosa dança polovtsiana (faixa18). Konchakovna canta seu esperado encontro com Vladimir. Prisioneiros russos marcham no caminho de volta do trabalho forçado. Konchakovna pede que as donzelas levem água para eles. A patrulha polovtsiana faz a ronda. Ovlur furtivamente permanece no palco quando eles saem. Vladimir caminha cautelosamente até a tenda de Konchakovna e canta seu encontro (faixa 22), recitativo e cavatina. Konchakovna aparece, e os amantes cantam em êxtase. Eles correm ao som da abordagem de Igor. Ele canta uma elaborada ária em duas partes, a primeira expressando sua apaixonada sede de liberdade, a segunda seus ternos pensamentos de Yaroslavna (faixas 24 e 25). Ovlur aproveita o momento: ele se aproxima de Igor e propõe um plano de fuga. Igor a princípio se recusa a considerar tal curso desonroso, mas concorda; Ovlur desaparece. Khan Konchak entra, exalta a magnanimidade em direção ao seu “honrado convidado” (faixa 26). Ele se oferece para conceder a liberdade de Igor em troca de uma promessa de não-agressão, até sugere que eles se tornam aliados; a tudo isso Igor recusa-se firmemente, muito para a admiração de Konchak. O Khan ordena entretenimento de seus escravos, oferecendo a Igor escolha das donzelas. Começa a belíssima dança polovtsiana (faixas 28 a 30).

Ato 3
Um posto avançado do acampamento de Khan , prisioneiros retornam de Putivl, ha uma saudação tumultuada de Khan Konchak e dos Polovtsï, enquanto os russos observam (faixa 31). Konchak canta uma canção de triunfo. Ele ordena uma festa ; os khans partem para dividir os espólios; os russos lamentam sua derrota e pedem para Igor aceitar a oferta de Ovlur. Os Polovtsïs bebem e dançam em um estupor (faixa 35). Ovlur convoca Igor. Konchakovna, tendo ouvido falar do plano, corre ; ela discute com Igor sobre Vladimir, Igor fazendo seu apelo à melodia de sua ária “liberdade”. Finalmente, ela desperta o acampamento, e Igor deve fugir sem o filho. Os Polovtsï ameaçam Vladimir, mas Konchak, sempre magnânimo, poupa-o e até abençoa sua união com Konchakovna (faixa 38).

Ato 4
Na muralha da cidade de Putivl, Yaroslavna lamenta seu destino e o de seu marido (faixa 39). Alguns transeuntes cantam um lamento próprio ao destino de Putivl, uma estilização magistral e famosa da polifonia popular (faixa 40). O humor abatido de Yaroslavna é quebrado pelo som de batidas de cascos; ela reconhece Igor de longe. Quando ele desmonta, ela corre para ele e eles trocam cumprimentos. Skula e Yeroshka atrapalhados, reconhecendo Igor e em pânico salvam suas peles tocando o sinete para anunciar o retorno do príncipe e declarar sua lealdade (faixa 43). A ópera termina com um alegre coro de saudação (‘Sabemos que o Senhor ouviu nossas orações’).

Mark Ermler

Mark Ermler era um grande regente russo na linhagem de Golovanov, Melik-Pashaeyev e Boris Khaikin, com quem estudou. Seu talento dramático brilha nesta performance emocionante do Príncipe Igor, com algumas das estrelas mais radiantes do Bolshoi. Os cantores Ivan Petrov e Artur Eisen nos fazem lembrar como soam os verdadeiros baixos russos de “raiz”, Elena Obratsova subindo para alturas poéticas na cavatina assombrosa de Konchakovna canto maravilhoso, além de Vladimir Atlântov e Alexander Vedernikov esta turma toda estava entre os melhores cantores da geração pós-Stalin. Suas vozes são todas maravilhosas, expressivas e excepcionais, representantes exemplares da era soviética na década de 1960. Vladimir Atlantov, a resposta russa a Mario Del Monaco, esta incrível em seu canto. O dueto com Elena Obraztsova é impressionante; a voz dela é a mais bonita da gravação. O segundo ato, desde o início, passando pelo dueto de amor e as danças polovesianas, é a jóia da coroa dessa performance, mesmo se vocês (como eu) não entenderem nem uma palavra de russo vão se emocionar, repetir, repetir e repetir mais um pouquinho o segundo ato inteiro, realmente muito expressivo e belo.

A gravação está excelente, e é considerada pelos “experts” ainda como a gravação completa e definitiva desta ópera, apesar de ter sido feita em 1969. Coloquei como bônus a suíte das danças Polovtsianas e o libreto em russo e inglês.

Não deixem de ouvir, é linda, uma pérola para quem aprecia temas orientais !

Música soberba da mais linda cultura russa !!!!!

Personagens e intérpretes
Igor Svyatoslavich Principe de Seversk – Ivan Petrov – baritono
Yaroslavna sua segunda esposa – Tatiana Tugarinova – soprano
Vladimir Igorevich filho de seu primeiro casamento – Vladimir Atlantov – tenor
Vladimir Yaroslavich [Galitsky] Principe de Galich, irmã da Princesa Yaroslavna – Artur Eisen – baixo
Khan Konchak – Alexander Vedernikov – baixo
Gzak Polovtsian khan silent
Konchakovna filha de Khan Konchak – Elena Obraztsova – contralto
Ovlur um Polovtsian cristão – Alexander Laptev – tenor
Skula – Valery Yaroslavtsev – baixo
Yeroshka – Konstantin Baskov – tenor
Mulher Polovtsiana – Margarita Miglau – soprano

Choir & Orchestra State Academic Bolshoi Theatre
Regente: Mark Ermler

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Borodin, entre a música e a química.

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