Disco gravado em estúdio pelo quarteto americano, na época em que Jarrett tinha também um quarteto com músicos escandinavos. Aqui, mais do que em outros lugares, Keith Jarrett mostra seu ecletismo nas duas faixas que ocupam os lados inteiros do álbum (prática comum nos anos 1970 como o Jack Johnson de Miles Davis, o Köln Concert do próprio Jarrett, LPs do Pink Floyd, Rush, etc), no lado A o piano só entra depois dos oito minutos e no lado B, lá pelos 3 min. Então o que temos, em grande parte do tempo, é Jarrett tocando percussão ou sax soprano, instrumento que ele abandonaria quando mais velho. Muitas ocasiões para o resto da banda brilhar: o sax tenor de Dewey Redman e o baixo de Charlie Haden com sonoridades mais estranhas e atonais (ambos tocaram longos anos com Ornette Coleman antes de Jarrett “roubá-los”) e a bateria/percussão de Paul Motian explorando mais os ritmos hipnóticos e pouco sincopados. Lá para o meio de cada lado, temos também solos de piano característicos de Keith Jarrett, mas a variedade de estilos e de sonoridades garante que a cada 3 ou 4 minutos tudo mude.
Ecletismo é frequentemente um xingamento que pode significar mais ou menos uma falta de compromisso com um ou outro estilo, também falta de originalidade pois, afinal, quem atira para vários lados acaba às vezes soando como outras pessoas, pecado mal visto em nossos tempos tão obcecados por copyright e propriedade privada até das ideias. Por outro lado, a postura eclética frente ao mundo tem defensores de peso: nunca esqueço aquelas palavras de Guimarães Rosa no Grande Sertão. “Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue.”
Além dessa crítica implícita à fixidez e à previsibilidade dos que só rezam com um único livro, o que Keith Jarrett faz aqui e em outros momentos de sua carreira é mostrar sua atenção e compromisso em cada momento. Não se tem a sensação de que aqui ele está tocando com o quarteto americano só para cumprir o contrato, o que temos é um grupo de músicos sedentos por novidades e com capacidade e treino suficiente para jogar em várias posições sem fazer feio em nenhuma.
Vamos por outro tipo de metáfora… Eu não vi o Pelé jogar mas vi o Romário. O que este último fazia, se a gente colocar por escrito, pode parecer banal: ficava na banheira, pegava a bola, driblava um, dois no máximo e chutava pro gol. Na prática, ele fazia isso de um jeito único e genial. Keith Jarret às vezes é como Romário, fazendo certas melodias e acordes óbvios soarem cativantes de um jeito inesperado. Mas, ao jogar em várias posições, está mais para Pelé ou, se quiserem, Messi.
A partir de 1987 ele começou a gravar obras de compositores do século XVIII, de início sobretudo J.S. Bach. Isso ganhou dimensões maiores nos anos 90: Variações Goldberg no cravo, Concertos de Mozart e o meu preferido dentre esses seus passeios pelos clássicos pré-românticos: as sonatas de C.P.E. Bach ao piano, gravadas em 1994 e lançadas só em 2023 (aqui).
E nos anos 1980 ele abriu mais uma frente de combate, gravando compositores do século XX como Dmitri Shostakovich, Alan Hovhaness e Arvo Pärt. Importante lembrar que Pärt era bem menos famoso na época do que é hoje.
Ao mesmo tempo, Jarrett continuou fazendo recitais de piano solo improvisado… aliás, se ele fosse do tipo que se especializa em uma coisa só, poderia ficar fazendo turnês comemorativas do Köln Concert (1975) que, com milhões de cópias vendidas, é não apenas o grande sucesso comercial de Jarrett mas também o disco de piano solo mais vendido de todos os tempos. O diretor de um documentário sobre o álbum diz que Jarrett não quis dar entrevistas sobre o álbum gravado em Köln (Colônia, na Alemanha):
“Deve ser irritante para um grande músico ser frequentemente questionado sobre aquele concerto específico de décadas atrás” diz (aqui) Vincent Duceau, diretor de Lost in Köln, que compara ainda com um grande pintor que só recebe perguntas sobre um detalhe de um único quadro.
O fato é: Jarrett continuou fazendo concertos solo e lançando discos que registram alguns deles. O meu favorito é La Scala, de 1995, totalmente diferente de Köln e com momentos de graves profundos que talvez tenham certa influência do Concerto de Hovhaness que ele tinha gravado anos antes.
Keith Jarrett – The Survivors’ Suite
1. Beginning [Lado A do LP]
2. Conclusion [Lado B do LP]
American Quartet:
Keith Jarrett – piano, sax soprano, flauta doce baixo, celeste, percussão
Dewey Redman – sax tenor, percussão
Charlie Haden – contrabaixo
Paul Motian – bateria, percussão
Gravado em Ludwigsburg, Alemanha, abril de 1976
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Pleyel
Maravilloso homenaje a Keith Jarrett.
Survivors Suite fue uno de los primeros discos de él que adquirí.
Não estou conseguindo baixar os dois últimos cds do Haydn, algum problema?