Guia de Gravações Comparadas P.Q.P – Beethoven: Violin Concerto in D major Op.61

Sobre o Concerto para Violino de Beethoven, a melhor definição que encontrei foi a de Otto Maria Carpeaux: “É a única obra do gênero que Beethoven escreveu, mas ninguém duvida: é o maior Concerto para violino que existe, um dos pontos mais altos da eloquência beethoviana”. Apesar de não se poder tomar esta medida como absoluta, conheço muito pouca gente que discorda, ou que pelo menos não o coloque entre os 3 melhores do planeta.

Ao contrário de muita obras beethovianas, este concerto foi escrito com certa rapidez, e, prodigiosamente, no mesmo ano (1806) em que obras-primas como a Quarta Sinfonia e os Quartetos Rasumovsky. Nos cadernos de esboços onde se encontra a maior parte da gênese deste concerto ainda se encontram anotações para o que seria a Quinta Sinfonia e a Sonata para Violoncello op.69. Sem dúvida, um período de sensibilidade ímpar, em que erupções de inspiração jorraram à terra, através do artista, na forma do néctar dos arquétipos sonoros mais sublimes.

Existem várias lendas sobre sua estréia, feita a 23 de dezembro de 1806 pelo violinista cômico Franz Clement, que, ao que parece, fez pouco caso do Concerto (Há uma versão que diz que ele interrompeu o concerto para tocar uma peça frívola de sua própria autoria, e outra que conta que ele o estreou sem nenhum ensaio), tanto que o Concerto demorou para ser aceito pelo grande público. Apenas em 1844 esta obra-prima começou a ser reconhecida, quando foi tocada por Joseph Joachim, sob a regência de Schumann, num contexto romântico, que se encaixa muito mais no espírito da obra.

Assim, seguem algumas opções para a apreciação desta magnífica obra:

1.Jascha Heifetz, Charles Munch: Boston Symphony Orchestra RCA 1955

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Esta é uma das gravações mais cultuadas deste concerto, um “clássico” da discografia mundial, e também uma das experiências pioneiras na gravação estereofônica. Sem dúvida, para um registro de 1955, a sonoridade espanta, mas, claro, a vedete é Heifetz, uma lenda do violino talvez só comparável a Kreisler. Sua sonoridade é maciça, mas ao mesmo tempo suave e decidida, com articulações acima de qualquer comentário, e um fraseado de precisão rítmica incomparável. Mas seriam estas habilidades inegáveis suficientes para garantir a melhor das performances deste concerto? Bem, há controvérsias. Eu não gosto, por exemplo, dos tempos dos andamentos, muito rápidos e pouco reflexivos, para os requisitos espirituais desta obra. Munch, um maestro que tenho no mais elevado patamar de competência estética, é um mestre do romantismo, mas tenho dúvidas se ele conseguiu aqui traduzir todas as nuances de um compositor apaixonado, que parece ter sido o caso de Beethoven na época desta composição. É uma leitura que evoca muito pouco dos ecos românticos que Beethoven prenuncia, privilegiando o classicismo tardio. E Heifetz, sendo Heifetz, nunca iria dar o braço a torcer e tocar a Cadenza de seu arquirival Kreisler, e escolheu as cadências de Joachim e de Auer com pitadas de sua própria autoria, claro. De qualquer forma, é uma interpretação de referência que merece ser visitada. Vem de brinde o Concerto de Mendelssohn, que eu considero uma interpretação extraordinária e até melhor que a de Beethoven.

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Arquivo FLAC 303Mb

2.Nigel Kennedy, Klaus Tennstedt: Symphonie-Orchester des NDR, EMI 1992

frontO único violinista não-judeu desta lista, é um inglês rebelde que flertava com a música pop e que se recusou a ser taxado de violinista clássico. Mas isso só aconteceu depois de uma gravação afortunada das Quatro Estações alcançar 2 milhões de cópias vendidas, a maior da história para esta obra. Famoso desde então, gravou os concertos de Brahms e de Beethoven (este), que considerou o auge de sua carreira clássica, e resolveu cortar o cabelo moicano e tocar jazz. E é exatamente essa vida atribulada e heterodoxa que acaba marcando esteticamente esta gravação: é a versão rebelde deste concerto (apesar de existir uma com Gidon Kremer tocando a cadência de Schnittke que, dizem, é pior), cheia de altos e baixos, de ritmos irregulares e variações de dinâmicas exageradas. Não deixa de ser uma versão interessante, pois é um Beethoven oposto do de Heifetz, sem a polidez e a elegância, mas com brilho e entusiasmo. Tennstedt, um maestro extraordinário, comprou muito bem o desafio, e ele mesmo tem uma visão bastante ousada dos tempos beethovianos. Apesar de ser uma gravação (ao vivo) que a princípio assusta (a cadência de Kennedy no último movimento é muito estranha), ela deixa o espaço necessário para a reflexão, e o resultado, espantosamente, acaba sendo equilibrado. Acompanha dois fragmentos de Bach no Bis. Versão para quem gosta de aventuras.

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Arquivo FLAC 233Mb

3.Pinchas Zukerman, Daniel Barenboim: Chicago Symphony Orchestra DG 1977

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Zukerman é para mim um grande mistério. É um artista mediano, com uma sonoridade relativa e uma técnica nem sempre apurada. Por que razão ele é tão festejado, eis o mistério. Há muitos outros violinistas, melhores que ele, que não tem a mesma visibilidade. Confesso que gosto dele quando resolve tocar viola, mas ele preferiu a vida mundana e se rendeu à fama que o violino dá.
Zukerman gravou, poucos anos antes, as Sonatas para Violino e Viola de Brahms com Barenboim ao piano, e esta incursão se mostrou extremamente proveitosa, pois ambos estavam absolutamente à vontade, sem a pressão habitual dos produtores, e a música fluiu como néctar. Mas neste concerto, essa mágica não acontece. É bastante notório que ele está tímido e percebe-se o limite de sua técnica nos fraseados embolados, principalmente no final do Rondó. É, portanto, uma versão bem-comportada, mas que falta o brilho do violino em sua plenitude, e que tem ainda o freio de Barenboim para ajudar. Tem o mérito de ser uma versão honesta e sincera, que expõe os limites de Zukerman sem tentar mascarar nada. Vem de bônus as duas Romances para Violino, que Zukerman já consegue resultados bem mais convincentes, o que também ajuda a apreciar a gravação.

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Arquivo Flac 266Mb

4.Isaac Stern, Leonard Bernstein: New York Philharmonic SONY 1959

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Gosto muito desta versão, que envolve Bernstein e Stern em uma de suas suas fases criativas mais notáveis. Stern já era consagrado, e Bernstein, no auge de seus 34 anos, fazia um excelente trabalho em Nova York, levando música clássica ao público leigo com seus concertos comentados. Nesta fase, um Bernstein cheio de energia, conduz o Concerto com uma segurança incrível, contagiando até mesmo o experiente Stern com seu entusiasmo. Stern, um verdadeiro lorde, deixa espaço para Bernstein sem se anular, e esta gravação se configura como uma das mais harmônicas entre solista e regente que conheço. Não é uma leitura propriamente romântica, mas é brilhante e entusiasmada, e também não deixa de emocionar, pela notória comunhão entre os dois artistas que se reconheceram e se deixam envolver pelas virtudes um do outro. O bônus desta edição são algumas aberturas, sempre uma boa pedida.

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Arquivo FLAC 347Mb

5.Shlomo Mintz, Giuseppe Sinopoli: Philharmonia Orchestra DG 1986

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Esta versão é para mim uma referência de qualidade, além de atestar como este concerto é versátil: nas mãos de Heifetz-Munch, ele é clássico, nas mãos de Mintz-Sinopoli, romântico. Mintz, acima de qualquer crítica, tem uma articulação primorosa, mas o que se destaca é a sustentação precisa das notas, pois Sinopoli imprime nesta gravação andamentos muito mais reflexivos, e os fraseados ficam mais longos. Esta, mais do que qualquer outra, é uma leitura contemplativa, que evoca o Beethoven romântico, cujos ecos que prenunciam a Pastoral são inegáveis. E a grande dificuldade de ir por este caminho, é justamente manter também um considerável domínio nas dinâmicas e nos ritmos, coisa que Sinopoli não desaponta e segura as rédeas com firmeza ímpar. Mintz acompanha em comunhão absoluta, tirando de cada tema uma emoção própria. Uma gravação que considero particularmente das mais bonitas deste concerto, e vem também com as Romances de brinde, sempre agradáveis. Excelente pedida.

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Arquivo FLAC 266Mb

6.Itzhak Perlman, Carlo Maria Giulini: Philharmonia Orchestra EMI, 1981

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Consta nos anais da revista Gramophone que esta é a gravação dos sonhos deste concerto. Não é sempre que concordo com a revista, mas neste caso, devo dar o braço a torcer. Considero esta a versão mais límpida e equilibrada deste concerto. Perlman, como sabemos, é absolutamente irrepreensível, sem ser mecanicamente perfeito como Heifetz, e deixa a emoção dos fraseados à flor da pele. Sua articulação precisa, especialmente no Rondó, chega a arrepiar. É uma gravação que transpira emoção sem exagerar no romantismo, equilibrando como poucas a transição beethoviana entre a fluidez clássica e o devaneio romântico. E, conduzindo o cortejo orquestral, o mestre Giulini, regente de minha mais alta admiração. Consegue ser profundo sem ser afetado, revelar a densidade emocional com sutis variações dinâmicas, traduzir o intraduzível das sensações mais ocultas para a contemplação desta obra de arte. Perlman vibra na mesma frequência, e sentimos violino e orquestra um único corpo. Esta gravação não tem bônus, porque ela já é um.

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Arquivo FLAC 182Mb

CHUCRUTEN

5 comments / Add your comment below

  1. Muito legal essa série. Obrigado!
    Só sugiro um pouco mais de tempo entre os posts; mal tive tempo de terminar a série do Mahler. o.O
    Outra coisa – o que você acha da gravação do Christian Ferras? Eu simplesmente a adoro. Não tenho o ouvido treinado do blogueiro, então, não sei dizer bem por que gosto tanto dela.

  2. Chucruten está fazendo sucesso com essas postagens!!
    Que maravilha ter tantas opções para ouvir obras primas como as selecionadas para as postagens. Destas conheço as gravações de Heifetz e de Perlman.Muito diferentes, ambas ótimas.
    Gostaria de mencionar outras possibilidades interessantes: O disco do Joshua Bell acompanhado pelo Norrington e o disco da Mullova acompanhada pelo Gardiner oferecem duas lindas possibilidades que contemplam a tendência de instrumentos de época. Há duas gravações feitas pela Isabelle Faust, a segunda acompanhada pelo saudoso Abbado que são dignas de mencionar.
    Para quem gosta de alguma esquisitice, há a gravação do Gidon Kremer e Harnoncourt que traz a cadência do próprio Beethoven, mas feita para a versão do concerto para piano.
    De qualquer forma, grande postagem!
    Abraços
    Mário Olivero

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