IM-PER-DÍ-VEL !!! (mais uma vez!)
Para fazer ponte com Xangô, a cantata negra do genial José Siqueira, postada na semana passada (aqui), que tal ouvir agora Cangerê, a cantata em Tupi escrita pelo fabuloso (não vou usar meias palavras: é fabuloso, sim!) e desconhecido João Baptista Siqueira?
Confesso que ando com uma certa raiva de mim mesmo por conhecer pouco de José Siqueira e uma raiva ainda maior por desconhecer completamente a existência de Baptista Siqueira até há pouco tempo atrás. São dois nomes que o regime militar fez questão de colocar no ostracismo e que foram importantíssimos para a música brasileira.
João Baptista Siqueira, nosso homenageado de hoje, nasceu em Princesa, na Paraíba, em 1906. Não estranhe os sobrenome igual: ele era irmão, um ano mais velho, de José Siqueira, ambos filhos de um maestro de banda e com quem aprenderam as primeiras notas. Os dois rapazes, João Baptista e José, vieram para o Rio de Janeiro para prestarem serviço militar e integraram, ambos, a banda do regimento. João só conseguiu ingressar no Instituto Nacional de Música (hoje Escola de Música da UFRJ) aos 23 anos e lá foi aluno de grandes mestres como Francisco Braga e Francisco Mignone. Em pouco tempo passaria a integrar o corpo docente do Instituto onde seria um professor e teórico destacado. Enquanto José Siqueira tinha uma atuação mais empreendedora, plantando orquestras pelo país, João Baptista atuava mais com registros da música local e com a teoria: foi crítico musical do jornal A Coluna do Rio de Janeiro e publicou vários livros, dentre os quais Folclore Humorístico. Influência Ameríndia na Música do Nordeste, Modinhas do Passado, Pentamodalismo e Ernesto Nazareth. Baptista Siqueira percebia claramente que era preciso conhecer melhor a nossa música. Dessa maneira, como não poderia deixar de ser, suas composições são fortemente influenciadas pelos cantos da terra: são concertos, cantatas, modinhas uma missa e uma ópera que, via de regra, se baseiam nas formas melódicas e rítmicas dos negros, índios, caiçaras e caipiras do Brasil: um nacionalista de mão cheia!
Na cantata que ora apresentamos, Cangerê, bilíngue (em tupi e português), Baptista Siqueira consegue com primor marcar os elementos sonoros indígenas em música coro-orquestral de grande qualidade. Aqui percebe-se que, além de tudo, ele era um grande melodista: sua música é muito bonita. A execução também é valorizada pela bela voz de sua cunhada, Alice Ribeiro, e pela regência do mano José Siqueira (percebe-se que essa gravação foi uma reunião do pessoal do Instituto Nacional de Música).
O encarte do LP nos conta um pouco mais sobre a obra e como a obra foi feita:
A palavra Cangerê foi registrada pela primeira vez no século XVI por Jean de Lery em sua famosa obra “Viagem á Terra do Brasil”, quando trata da “religião dos selvagens”. A obra de Jean de Léry é da mais alta significação para nosso pais, seja no domínio histórico. etnológico ou musical: fornece termos, ritmos e até mesmo contos dos Tupinambás e Tamoios do tempo colonial, anteriores à chegada do elemento negro ao solo do Brasil. O viajante do século XVI que nos fornece tão precioso acervo Intelectual é, entretanto. um simples missionário ealvinIsta que viera ao Brasil ajudar Villegagnon na construção da malograda França Antártica.
Em 1956 foi iniciado o trabalho de composição da Cantata Cangerê, na base do sistema que o autor chamou de Pentamodalismo Nordestino, divulgado em obra especializada. O processo pentamodal se orienta em cinco escalas modais encontradas na temática popular do alto sertão, notadamente nos Estados da Paraíba, Ceará e Pernambuco. A forma estrutural das sete Catiras que compõem a Cantata Cangerê obedece ao corte da canção popular brasileira, incluindo-se, obrigatoriamente, duas idéias temáticas contrastantes. O ambiente harmônico nasce das próprias escalas utilizadas na construção melódica. Os modos em que foram escritos os cantos sagrados, ou Catiras, têm caráter místico determinado. Nascem dai grupos rítmicos que sintetizam o conjunto de circunstâncias que estão, por seu turno, ligados às celebrações rituais de povos silvícolas. É necessário frisar, todavia, que os ameríndios faziam seus festivais sagrados sob a direção de Caraíbas, empregando, de preferência, coros e instrumentos suaves e não as buzinas estridentes que usavam nos momentos de combate ou nos poracés.
Nesta cantata, o autor evoca certos motivos da Teogonia Tupi na lingua geral, através de dados obtidos nas distantes regiões do Brasil Central e instrumentos originais dos indígenas brasileiros, tais como: inké (instrumento de invocação de Iara); iuxé (instrumento de invocação do caboclo Cachoeira); arremedo de Inambu e da Jacutinga.
Em tempo (1): há menos de 20 dias seu acervo foi doado para a Biblioteca Alberto Nepomuceno, da escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela dona Zilma Siqueira, viúva do compositor, e está sendo organizado.
Em tempo (2): semana que vem teremos aqui no PQP a sinfonia Nordeste de Baptista Siqueira, ainda mais bonita que esta Cangerê!
Bom, chega de lenga-lenga! Pode se jogar de cabeça que a música de Baptista Siqueira é muito boa!
Mais uma joia! Ouça!
João Baptista Siqueira (1906-1992)
Cangerê, Cantata em tupi para soprano, coro e orquestra (1958)
1. Evocação a Tupã
2. Evocação a Iara
3. Defumação
4. Ritual do Cangerê
5. Exaltação à terra
6. Confraternização
7. Encerramento
Alice Ribeiro, soprano
Orquestra e Coro do Instituto Nacional de Música da Universidade do Brasil (provável: não foi identificada no encarte)
Murillo de Carvalho, regente do coro
José Siqueira, regente
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