Tio Jotabê foi primo em segundo grau de meu pai Johann Sebastian, de quem sou filho ilegítimo, como todos sabem. A música de JB comprova que, numa família, o talento que aparece aqui e ali às vezes só explode com força numa pessoa e que explosão tivemos na família Bach com deus JS e seus grandes filhos CPE, WF e PQP! Apesar do excelente trabalho da Freiburger Barockorchester e de seu condutor Thomas Hengelbrock, falta ao tio Jotabê aquela luz dos efetivamente grandes. É uma música barroca com belo estilo, mas que faz nossa mente flutuar cada vez mais longe. Deve ser bom estudar ouvindo este tio que não conheci pessoalmente.
Johann Bernhard Bach (23 de maio de 1676 – 11 de junho de 1749) foi um compositor alemão e primo em segundo grau de J. S. Bach. Ele nasceu em Erfurt, e sua educação musical inicial veio de por seu pai, Johann Aegidus Bach. Ele assumiu o cargo de organista em Erfurt em 1695 e, em seguida, assumiu uma posição semelhante em Magdeburg. Ele substituiu Johann Christoph Friedrich Bach como organista em Eisenach e também como cravista na orquestra da corte em 1703. A maior parte de sua produção musical foi perdida, mas entre sua música sobrevivente há estas quatro suítes orquestrais. Sabe-se que J. S. Bach tinha partes individuais preparadas para execução por sua orquestra. Seu estilo musical foi descrito como semelhante ao de Telemann, mas sem o talento… Acredita-se que essas suítes tenham sido escritas antes de 1730.
Johann Bernhard Bach (1676-1749): 4 Suítes Orquestrais (Freiburger Barockorchester, Hengelbrock)
Suite No. 1 (Ouverture No.1) In G Minor
1 I Ouverture 7:17
2 II Air 4:13
3 III Rondeau 1:36
4 IV Loure 3:58
5 V Fanaisie 3:52
6 VI Passepied 2:17
Suite No. 2 (Ouverture No. 2) In G Major;
7 I Ouverture 4:50
8 II Gavotten En Rondeau 1:41
9 III Sarabande 1:08
10 IV Bourrée: Gayement 1:08
11 V Air: Grave 3:42
12 VI Gigue 1:29
Suite No. 3 (Ouverture No. 3) In E Minor;
13 I Ouverture 5:55
14 II Air 1:27
15 III Les Palisirs: Vitement 1:17
16 IV Air 2:18
17 V Rigaudon 2:18
18 VI Courante 1:28
19 VII Gavotte En Rondeau 2:04
Suite No. 4 (Ouverture No. 4) In D Major
20 I Ouverture 5:20
21 II Caprice 1: Vitement 2:08
22 III Marche 1:27
23 IV Passepied 1 1:00
24 Passepied 2 – Passepied 1 1:47
25 V Caprice2: Vitement 2:23
26 VI Air: Lentement 1:22
27 VII La Joye 1:24
28 VIII Caprice 3 2:50
Freiburger Barockorchester:
Bassoon – Rhoda Patrick
Cello – Guido Larisch, Ute Petersilge
Directed By – Thomas Hengelbrock
Harpsichord – Torsten Johann
Oboe – Hans-Peter Westermann, Pieter Dhont
Viola – Christian Goosses, Ulrike Kaufmann
Violin – Anne Katharina Schreiber, Brigitte Täubl, Christa Kittel, Gottfried Von Der Goltz (tracks: 1 to 6), Petra Müllejans, Regine Schröder, Wolfgang Greser
Violin, Concertmaster – Thomas Hengelbrock
Violone – Richard Myron
Um excelente disco de compositores armênios. Claro que Khatchaturian é o mais famoso e é sua a melhor obra do CD, mas os outros “ian” não lhe ficam devendo muita coisa. O violoncelista Alexander Chaushian, solista do disco, é sensacional. As obras de Khatchaturian (1903-1978) e Zakarian (1895-1967) foram compostas durante o regime soviético e isto fica claro em cada compasso. Já Sharafyan é de 1966 e sua música vem bem mais leve e contemplativa, “100% Jdanov free”. Sua Suíte é lindíssima. E o muito talentoso Komitas Vardapet (1869-1935) tem uma história horrível. No período da Primeira Guerra Mundial, o governo dos Jovens Turcos iniciou seu monstruoso programa de extermínio do povo armênio. Em abril de 1915, Komitas foi preso junto com vários escritores, médicos e advogados armênios proeminentes. Após a prisão, acompanhada de tortura, ele foi deportado para a Anatólia, onde se tornou testemunha do extermínio brutal das mentes mais brilhantes da nação. Graças à intervenção de figuras influentes, Komitas foi devolvido a Constantinopla, mas o pesadelo experimentado por ele fê-lo enlouquecer, sem atinar para o mundo exterior. Ele acabou internado em um hospital psiquiátrico na França até o fim de seus dias.
Khatchaturian / Zakarian / Sharafyan / Komitas: Armenian Rhapsody (Chaushian / Armenian Philharmonic Orchestra / Topchjan)
Concerto-Rhapsody, For Cello And Orchestra
Composed By – Aram Khatchaturian
(25:52)
1 I. Andante Sostenuto E Pesante 13:23
2 II. Allegro Animato 9:29
3 III. Allegro Vivace 3:00
4 Monograph, For Cello And Chamber Orchestra
Composed By – Suren Zakarian
17:16
Suite For Cello And Orchestra
Composed By – Vache Sharafyan
(22:24)
5 I. Mattinata 6:25
6 II. Waltz 5:01
7 III. Sarabande-Courante 7:10
8 IV. Postero Die (The Next Day) 3:40
9 Krunk = Crane, For Duduk, Cello And Piano
Arranged By, Piano – Vache Sharafyan
Composed By – Komitas Vardapet
Duduk – Emmanuel Hovhannisyan
Cello – Alexander Chaushian
Conductor – Eduard Topchjan (tracks: 1 to 8)
Orchestra – Armenian Philharmonic Orchestra (tracks: 1 to 8)
Um disco extraordinário! Mas o canadense Kerson Leong não escapou das ironias do grupo do PQP Bach no WhatsApp. Disseram que Kerson, no Brasil, seria nome de borracheiro ou de centroavante brasileiro ruim, algo como Kersinho, com cabelo platinado e sobrancelhas de designer. Então, anos depois, surgiria uma versão genérica que não vingaria muito, o Kersinho Mineiro. Aqui no RS, tivemos o Joleno, atacante de lado. Perguntaram pra ele a origem do nome e ele respondeu que sua mãe gostava dos Bítus.
Mas o CD é sensacional. Não consigo imaginar um Concerto para Violino de que goste mais do que deste de Britten. Esse emparelhamento incomum com Bruch é uma reflexão sobre a jornada de um extremo de expressão a outro. O In Memoriam é a ponte perfeita entre eles. Após o jogo, Kersinho falou à imprensa na zona mista: “Foi uma grande vitória do nosso time. O Britten expressa uma experiência crua e exposta, enquanto o Bruch é reconfortante. Depois dos últimos anos em que o mundo passou por muitas dificuldades e incertezas devido à pandemia, guerra e crise, gravar este álbum em Londres em janeiro de 2022 com a Philharmonia Orchestra e Patrick Hahn foi um momento profundamente catártico. É com espírito de catarse que ofereço este álbum.”
(A primeira frase da declaração do atleta é uma intromissão deste que vos escreve).
B. Britten (1913-1976) & M. Bruch (1838-1920): Violin Concertos (Kersoden Leong / Philharmonia Orchestra / Patrick Hahn)
01. Britten: Violin Concerto in D Minor, Op. 15: I. Moderato con moto – Agitato – Tempo primo
02. Britten: Violin Concerto in D Minor, Op. 15: II. Vivace – Animando – Largamente – Cadenza
03. Britten: Violin Concerto in D Minor, Op. 15: III. Passacaglia – Andante lento (Un poco meno mosso)
04. Bruch: In Memoriam, Op. 65
05. Bruch: Violin Concerto No.1 in G Minor, Op. 26: I. Vorspiel. Allegro moderato
06. Bruch: Violin Concerto No.1 in G Minor, Op. 26: II. Adagio
07. Bruch: Violin Concerto No.1 in G Minor, Op. 26: III. Finale. Allegro energico
Kerson Leong, violino
Philharmonia Orchestra
Patrick Hahn
Este é um bom vinil duplo / CD simples de 1975. É uma gravação um pouquinho antiquada, mas não tanto quanto a de Nicolet / Richter, que parece ter saído das cavernas quando ouvida hoje. A versão de Graf não chega ao nível daquilo que fizeram neste século, por exemplo, Pontecorvo, Oberlinger, Marc Hantaï (a minha preferida) ou mesmo Pahud e a clássica gravação de Larrieu (1967). Mas é pra lá de boa!
As Sonatas para Flauta de Bach são belíssimas. Apesar disso, a cenário é nebuloso. Algumas delas apresentam problemas de atribuição. A Sonata BWV 1020, por exemplo, é provavelmente de seu filho Carl Philipp Emanuel. Ela está ausente neste disco. Há dúvidas ainda sobre a autoria das BWV 1031 e 1033, embora seja quase certo serem mesmo de Johann Sebastian. Por outro lado, algumas delas estão entre as melhores obras de Bach, especialmente a BWV 1030, que tem o autógrafo autêntico de JS. Outra questão a respeito destas obras é sobre o uso de flautas doces ou flautas transversais. As sonatas foram compostas na época de transição entre os dois tipos de instrumento. A BWV 1030, por exemplo, foi escrita para transversal.
J. S. Bach (1685-1750): Sonatas para Flauta e Baixo Contínuo (Graf / Sax / Dahler)
Sonate H-moll Für Flöte Und Obligates Cembalo BWV 1030
1 Andante 7:28
2 Largo 3:35
3 Presto 6:22
Sonate Es-dur Für Flöte Und Obligates Cembalo BWV 1031
4 Allegro 3:40
5 Siciliano 2:05
6 Allegro 5:00
Sonate A-dur Für Flöte Und Obligates Cembalo (Ohne 1. Satz) BWV 1032
7 Largo 3:01
8 Allegro 4:49
Sonate C-dur Für Flöte Und Continuo BWV 1033
9 Andante, Allegro 4:29
10 Adagio 1:45
11 Menuetto I + II 2:54
Sonate E-moll Für Flöte Und Continuo BWV 1034
12 Adagio 3:28
13 Allegro 2:52
14 Andante 3:49
15 Allegro 5:08
Sonate E-dur Für Flöte Und Continuo BWV 1035
16 Adagio 2:33
17 Allegro 3:09
18 Siciliano 3:15
19 Allegro Assai 3:22
A água do Báltico é tão boa para a música erudita que as compositoras — infelizmente raras nesta função — também são beneficiárias. Kaija Saariaho não está apenas entre os mais importantes compositores finlandeses do seu tempo, mas deve ser classificada como um dos principais compositores do final do século XX e início do XXI no mundo. Nascida Kaija Anneli Laakkonen, ela começou a estudar artes plásticas na Universidade de Arte e Design. Casou-se com Markku Veikko Ilmari Saariaho em 1972, mas o casamento durou pouco, terminando no ano seguinte. A compositora, no entanto, manteve seu nome de casada. Em 1976, ela começou seus estudos de composição na Academia Sibelius, com Paavo Heininen. Ela obteve licenciatura em composição da academia em 1980. Depois disso, ela matriculou-se na Musikhochschule em Freiburg, Alemanha, para estudar com o compositor britânico Brian Ferneyhough e, na Alemanha, com Klaus Huber. Foi diplomada em 1983. Por esta altura, já começava a ser conhecida. Sus peças mais importantes no período são as Verblendungen para Orquestra e Gravador (1982-1984) e a peça minimalista Vers le blanc (1982). Esta peça foi composta com a utilização de um computador e um software desenvolvido no IRCAM (L’Institut de Recherche et de Coordination, de Paris), onde ela tinha começado estudos em 1982 a respeito de técnicas de computação e como estas se relacionam com a composição musical. Saariaho mudou-se para Paris no mesmo ano. Em 1984, casou-se com Jean-Baptiste Barrière, também compositor. Teve dois dois filhos, Alexandre, nascido em 1989, e Aliisa, em 1995. Em meados da década de 1980, as obras de Saariaho ganharam muita atenção e ela recebeu muitos prêmios, como o Kranichsteiner em 1986, o Prix Italia em 1988, e no ano seguinte, o Ars Electronica por seus trabalhos Stilleben (1987-1988) e Io (1986-1987). Ela também recebeu muitas encomendas, incluindo uma do Lincoln Center, que resultou em Nymphea (1987), estreada pelo Kronos Quartet. No início dos anos 1990, sua música estava começando a aparecer com maior frequência e começou a ser gravada com regularidade. Saariaho alcançou uma popularidade surpreendente para o tipo de música dissonante que fazia. Outras encomendas chegaram, incluindo uma do Ballet Nacional da Finlândia, para o qual ela produziu The Earth (1991). Muitas de suas composições foram escritas especificamente para grandes artistas ou grupos, como com a peça que ela dedicou ao violinista Gidon Kremer, intitulado Graal Théâtre (1994), e o ciclo de canções Château de l’âme (1996), para Dawn Upshaw. Uma viagem em 1993, para o Japão, levou Saariaho a compor uma obra para percussão e eletrônica, Seis jardins japoneses (1993-1995). A compositora passou um ano ensinando na Sibelius Academy (1997-1998). Em 1999, Kurt Masur e a Filarmônica de Nova York estrearam Oltra mar, e o Festival de Salzburgo, sua primeira ópera, L’amour de loin, em agosto de 2000, que contou com Upshaw e o maestro Kent Nagano. Saariaho também continua a receber prêmios, incluindo o alemão Kaske e o sueco Rolf Schock Prize, ambos em 2001. Muitas de suas obras foram disponibilizados em uma variedade de selos, incluindo BIS, Ondine e DG.
Près – Anssi Karttunen (Cello)
2. Près: I. 7:29
3. Près: II. 3:13
4. Près: III. 8:47
NoaNoa – Camilla Hoitenga (Flute)
5. NoaNoa 8:52
Six Japanese Gardens – Florent Jodelet (Percussion)
6. 6 Japanese Gardens: No. 1. Tenju-an Garden of Nanzen-ji Temple 3:50
7. 6 Japanese Gardens: No. 2. Many Pleasures (Garden of the Kinkaku-ji) 1:28
8. 6 Japanese Gardens: No. 3. Dry Mountain Stream 3:20
9. 6 Japanese Gardens: No. 4. Rock Garden of Ryoan-ji 3:52
10. 6 Japanese Gardens: No. 5. Moss Garden of the Saiho-ji 2:52
11. 6 Japanese Gardens: No. 6. Stone Bridges 3:28
Kaija Saariaho: Graal Théâtre – Château de l’âme – Amers
Graal Théâtre
1) I. Delicato [16:56]
2) II. Impetuoso [10:32]
Gidon Kremer (Violin)
Esa-Pekka Salonen
BBC Symphony Orchestra
Château de l’âme
3) La liane [5:57]
4) A la terre [5:14]
5) La liane [3:01]
6) Pour repousser l’espirit [2:08]
7)Les formules [7:53]
Dawn Upshaw (Soprano)
Esa-Pekka Salonen
Finnish Radio Symphony Orchestra
Finnish Radio Chamber Choir members
Amers
8) Part 1: Libero, dolce, misterioso [8:48]
9) Part 2: Sempre molto energico, ma espressivo [10:59]
Recorded at Maida Vale Studio 1, London, June 1996 (tracks 1-2); Kulttuuritalo (Hall of Culture), Helsinki, June 2000 (tracks 3-7); Finnish Broadcasting Company, Helsinki, June 1998 (tracks 8-9)
Celebramos mais um aniversário da Rainha, e ela não dá sinais de arrefecer o radiador. Vá lá, volta e meia a assombrosa octogenária nos dá um susto, só para daí voltar com tudo – cancelando um concerto ou outro, naturalmente, como sói acontecer desde que Martha é Martha – e nos fazer sonhar com mais uma década todinha (a nona de sua vida, e a oitava como pianista) com ela a forrar nossos tímpanos de deleite.
Já é meu bem surrado costume cantar-lhe parabéns pelo cumple e celebrar a data gaiatamente, compartilhando presentes gravados pela própria aniversariante. Marthinha segue tão ativa fazendo música quanto afastada dos estúdios, de modo que todos os novos registros de sua arte, como há já algumas décadas, provêm somente de apresentações ao vivo. Entre as adições à discografia marthinhiana lançadas desde o 5 de junho passado – as quais passo a lhes oferecer a seguir -, apenas uma foi gravada, conforme a promessa do título desta postagem, na nona década de vida da Rainha. Trata-se de um recital em duo com o violinista Renaud Capuçon, gravado no ano passado, em que ela nos serve algumas de suas especialidades: além de uma das sonatas de Schumann, que a mantém entre os poucos grandes intérpretes a prestigiá-las em
seu repertório, ela demonstra seguir afiada como sempre na realização das eletrizantes partes pianísticas da “Kreutzer” e da sonata de Franck.
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856) Sonata para violino e piano no. 1 em Lá menor, Op. 105
1 – Mit leidenschaftlichem Ausdruck
2 – Allegretto
3 – Lebhaft
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827) Sonata para violino e piano no. 9 em Lá maior, Op. 47, “Kreutzer”
4 – Adagio sostenuto – Presto
5 – Andante con variazioni
6 – Finale. Presto
César-Auguste-Jean-Guillaume-Hubert FRANCK (1822-1890) Sonata em Lá maior para violino e piano
7 – Allegretto ben moderato
8 – Allegro
9 – Recitativo – Fantasia. Ben moderato
10 – Allegretto poco mosso
Renaud Capuçon, violino
Gravado ao vivo no Grand Théâtre de Provence em Aix-en Provence (França) em 22 de abril de 2022.
Como é bom ouvir Sibelius, não? Este CD tem seu conhecido Concerto para Violino e mais algumas obras desconhecidas e nada desprezíveis, antes pelo contrário. No Concerto, a romena Marcovici, se não chega ao Olimpo do Concerto, nos dá uma versão bem convincente. Já a orquestra e Järvi dão um banho de competência. O Concerto é uma obra melodiosa de grande expressão e virtuosismo, que goza de enorme popularidade entre os violinistas e o público. É um dos concertos para violino mais executados nas salas de concerto. E eu gosto muito dos extras, principalmente da Abertura em lá menor com sua linda introdução através dos metais. Acho que é um CD que merece ser ouvido.
Jean Sibelius (1865-1957): Concerto para Violino, Op. 47 / Overture In A Minor / Menuetto / In Memoriam (Gothenburg SO, Silvia Marcovici, Neeme Järvi)
Violin Concerto In D Minor, Op.47 (33:25)
1 Allegro Moderato 17:10
2 Adagio Di Molto 8:09
3 Allegro, Ma Non Tanto 7:48
4 Overture In A Minor (1902) 6:26
5 Menuetto (1894) 5:38
6 In Memoriam, Op.59 (Funeral March For Large Orchestra) 7:57
Conductor – Neeme Järvi
Orchestra – Gothenburg Symphony Orchestra
Violin – Silvia Marcovici (tracks: 1 to 3)
A compositora Kaija Saariaho morreu em sua própria cama na manhã de 2 de junho de 2023. O comunicado da família prossegue: os tumores cerebrais não afetaram suas capacidades cognitivas, exceto nos últimos momentos da doença. Eles atrapalhavam, porém, as capacidades motoras, causando dificuldades para andar e diversas quedas e, com isso, ossos quebrados. Suas aparições de cadeira de rodas geravam perguntas das quais ela desviava: seguindo conselhos de seu médico, ela manteve a doença como assunto privado, de família, para poder focar no seu trabalho sem ser vista como uma incapaz.
Essa postura discreta – e aqui falo eu, do Brasil, sem nunca tê-la visto de perto nem mesmo de longe – apenas deu seguimento ao estilo de Saariaho, pelo menos ao julgarmos por essa fala típica de tímidos famosos (famosos tímidos?) como Luís Fernando Verissimo: quando ela era jovem e estudava órgão antes de se dedicar inteiramente à composição,
Eu me sentia bem confortável [tocando órgão], porque eu podia tocar e ainda assim ficar escondida da plateia.
Saariaho no IRCAM, 1987
Apesar dessa personalidade tímida, discreta, ela queria compor e ser ouvida: para isso, saiu da sua Finlândia natal, onde, segundo ela, na época ninguém queria saber de música nova. Estranha mudança: hoje, é um dos países mais receptivos para a música clássica contemporânea. Mas estamos falando de mais de 40 anos atrás: ela se mudou para Paris, se casou com um francês e foi trabalhar no IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique; em português, Instituto de Pesquisa e Coordenação Acústica/Música).
Em 2005 Saariaho escreveu, se recordando: “Na década de 1980 eu me interessava pela questão de saber como podemos, ao amplificar ou modificar eletronicamente sons delicados e frágeis, criar uma música irreal e onírica. Como as pequenas coisas às quais dificilmente prestaríamos qualquer atenção podem subitamente tornar-se imensas e ocupar o espaço sonoro.”
Nessa preocupação mais com timbres do que com melodias e mais com o preenchimento do “espaço sonoro” do que com uma narrativa a exemplo da forma-sonata, ela se colocava como parte de uma tradição que incluía Debussy, Dutilleux e muitos de seus contemporâneos. Nos anos 90 ela compôs seu primeiro concerto para um instrumento solista com orquestra e sem artifícios eletrônicos: dedicado ao violinista Gidon Kremer, seria o primeiro de muitas obras do tipo. Concerto, para Saariaho, não é necessariamente uma obra em três movimentos no esquema típico da música clássica desde os tempos de Vivaldi… Na mesma entrevista em que admitia se sentir confortável escondida do público, ela dizia que a “ideia de pegar uma forma pré-definida e dizer ‘ok, vamos escrever uma sonata ou compor algo de acordo com uma forma clássica’ – simplesmente não é possível para a minha música.”
O concerto então, não é uma forma pré-definida e nem uma demonstração de virtuosismo de um instrumentista-estrela extrovertido: é sempre, para Saariaho, a oportunidade de confrontar os timbres da orquestra com os do solista, e ela dizia também que aprendia muito conversando com os solistas para quem os concertos eram dedicados. Vários concertos vieram: depois do violino de Kremer (que aliás foi padrinho de muita música nova, incluindo também o 1º concerto de Gubaidulina, e contribuiu para o reconhecimento mundial de ambas as compositoras) em 1994, vieram obras orquestrais tendo como solista a flauta (2001), o violoncelo (2006), o clarinete (2010), o órgão (2013), a harpa (2015) e várias peças vocais com orquestra. Sua última obra, composta quando doente, foi um concerto para trompete, a ser estreado em agosto próximo.
Teremos mais Saariaho aqui no blog ainda este mês. Trago hoje apenas dois bombons, duas gravações de rádio, uma em Paris e uma em Londres, em duas das principais salas de concerto da Europa, pois Saariaho, felizmente, foi reconhecida em vida.
A Dama e o Unicórnio – Flandres, circa 1500 – clique para aumentar
Em “D’om le vrai sens” (2010), Saariaho se inspira nas seis tapeçarias da série “A Dama e o Unicórnio”, feitas por volta de 1500, com cinco delas representando os cinco sentidos e a última com a inscrição “à mon seul désir”, que suscitou várias interpretações sobre se este sexto sentido seria o desejo, o amor ou algo do tipo. Na peça, o clarinetista anda pelo público e pelo meio da orquestra, como aqueles atores de teatro contemporâneo que vão conversar com a plateia, ao invés de ficar brilhando no alto do palco.
Em “Vers toi qui es si loin” (2018), na verdade uma adaptação da ária final de sua primeira ópera estreada em 2000, Saariaho novamente escreveu para violino e orquestra anos após o concerto de 1994. É uma curta peça que acaba de modo abrupto como os sonhos. Para nos aproximarmos do mundo dessa compositora que buscava a delicadeza e a imprevisibilidade da “Gramática dos sonhos” (nome de uma peça de 1988 para duas cantoras, harpa, viola e cello), entendo que os concertos para solista e orquestra oferecem uma certa moldura em que o ouvinte já conhece um mínimo do que vai encontrar, ao contrário das obras orquestrais sem solista e as da fase mais eletrônica de Saariaho, essas sim verdadeiramente imprevisíveis e podendo gerar uma certa confusão nos recém-chegados.
Kaija Saariaho (1952-2023): D’om le vrai sens (2010) (34:00)
Kari Kriikku, clarinet
Orch. Philh. de Radio France, Esa-Pekka Salonen
Live, 19 feb 2011
Théâtre du Châtelet, Paris
A sonoridade do primeiro concerto deste álbum é sen-sa-ci-o-nal! O Concerto à otto stromenti, composto por Veracini, no qual o violino é acompanhado por oboés, trompetes e tímpanos tem um som esplendoroso. É ouvir para crer… A violinista Chouchane Siranossian, que já gravou vários discos, não poderia ter encontrado um acompanhamento melhor do que o da excelente Venice Baroque Orchestra e seu maestro Andrea Marcon, como você poderá perceber neste disco no qual eles exploram o virtuosismo dos concertos para violino dos compositores italianos que mantiveram alguns laços com a sereníssima Veneza.
Mas o compositor mais popular para violino, assim como o mestre desse instrumento naqueles dias era Don Antonio Vivaldi. Se tons agudos e rápidos fossem maldades, Vivaldi teria muitos pecados pelos quais responder… como disse sobre ele o musicólogo inglês Charles Burney.
Veracini é conhecido por ter sido um dos solistas em Veneza nas missas de Natal na Catedral de São Marcos nos dias 24 e 25 de dezembro de 1711. Em fevereiro de 1712 ele interpretou um de seus concertos para violino, acompanhado de trompetes, oboés e cordas como parte das celebrações em honra do Embaixador Austríaco em Veneza do recém-eleito Imperador Sacro Romano Charles VI.
Tartini e seu sonho com a endiabrada sonata…
A lenda diz que quando Tartini ouviu Francisco Maria Veracini tocando o violino em 1716, ficou muito impressionado e insatisfeito com sua própria técnica. Ele fugiu para Ancona e trancou-se em um quarto para praticar o uso do arco com mais tranquilidade e mais convenientemente do que em Veneza, onde ele tinha um lugar na orquestra da ópera. De qualquer forma, ele certamente superou suas limitações, como atestam as dificuldades técnicas de suas obras, como a famosa sonata Il Trillo del Diavolo, que assim introduziu algumas diabruras ao violino e seria seguido atentamente depois pelo também virtuose Niccolò Paganini.
De Locatelli não se sabe o período em que esteve ativo em Veneza, mas ele certamente esteve lá. Uma das características que distinguia Locatelli era a sua técnica do uso do arco. Ele desenvolveu um estilo virtuosístico que explorava todas as suas possibilidades, incluindo arcos rápidos, saltos de corda e arcos duplos. Entre as principais contribuições de Locatelli para a literatura do violino estão suas VI Introduttioni teatrali e VI Concerti, publicadas em 1735, e seu conjunto de concertos para violino intitulado L’Arte del Violino; XII Concerti Cioè, Violino solo, con XXIV Capricci ad libitum, publicado em 1733.
[Parte desta postagem foi construída com ajuda do Chat PQP]
Francesco Maria Veracini (1690 – 1768)
Concerto à otto stromenti em ré maior
Allegro
Largo
Allegro
Pietro Locatelli (1965 – 1764)
Concerto em dó menor, Op. 3 No. 2
Andante – Capriccio
Largo
Andante – Capriccio
Giuseppe Tartini (1692 – 1770)
Concerto para violino em fá maior, D. 61
Allegro
Grave
Allegro
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto para violino em ré maior, RV 208 ‘Grosso Mogul‘
Chouchane e e o pessoal da orquestra adorou a cortinas azul turquesa do PQP Bach Hall em Sepetiba…
Vejam um trecho de uma crítica a um outro álbum gravado por esses mesmos artistas cujo programa é completo com música de Tartini: After several recordings with Anima Eterna and Jos Van Immerseel, the French violinist Chouchane Siranossian tackles a programme of extremely virtuosic concertos that few Baroque violinists dare to face. Thanks to her technical gifts and to partners ideally suited to this repertory – the Venice Baroque Orchestra and its conductor Andrea Marcon, a specialist in the Italian Baroque style – she takes up the challenge with brio.
Esta é a ilustração do primeiro Locatelli que o Chat PQP encontrou…
Chanter et danser le flamenco aide à la compréhension de la musique d’Albéniz. Naples, ma ville natale, a été occupée par les Espagnols pendant trois siècles et notre folklore en est impregné. Les plus belles des chansons napolitaines ont un rhytme espagnol : ce sont souvent des sortes de habaneras. – Aldo Ciccolini
“Cantar e dançar o flamenco ajuda na compreensão da música de Albéniz. Nápoles, minha cidade natal, foi ocupada pelos espanhóis por três séculos e nosso folclore se misturou. As mais belas canções napolitanas têm um ritmo espanhol: são frequentemente tipos de habaneras.” – Aldo Ciccolini
Com essas palavras iniciais do pianista napolitano naturalizado francês, resta pouco a se comentar: explicar que do fim do século XIX e do XX um monte de compositores espanhóis fizeram música para piano de forte inspiração em melodias e ritmos populares? Comparar a boa recepção dessa música no resto da Europa, sobretudo França, com a recepção do pianista Ciccolini, que escolheu esse país como sua segunda pátria? Arriscar talvez uma análise mais profunda sobre a França como lugar de encontro de tradições de vários cantos da Europa, e isso desde o Império Romano? Afinal, celtas ali guerrearam e depois dialogaram com romanos, francos (que eram uma tribo germânica do tempo das “invasões bárbaras”), “mouros” do norte da África e tudo mais, com rotas comerciais e de peregrinação como o Caminho de Compostela, a França nunca teve vocação para se fechar sobre si mesma como certas ilhas e sempre bebeu das tradições alheias… O fato é que boa parte das partituras de Albéniz, Granados, Falla e Mompou foram publicadas em Paris. Tudo isso fica só no nível do esboço porque a fala de Ciccolini já resume muita coisa em poucas palavras, inclusive lembrando da parte bélica, violenta (“minha cidade foi ocupada pelos espanhóis”) que acaba influenciando tudo, até as tradições de música e dança. Deixo a seguir apenas mais alguns detalhes sobre as “Canções e Danças” do catalão Federico Mompou (Frederic na forma afrancesada, assim como Chopin se afrancesara um século antes).
Publicadas entre as décadas de 1920 e 1940, as Canciones y danzas (em castelhano), ou Cançons i danses (em catalão) nº 1 a 7 são peças para piano divididas em duas seções: uma primeira, “canção”, mais lenta, seguida por uma “dança” mais agitada, em alguns casos baseada em melodias populares e em outros casos apenas inspirada em traços do folclore catalão. O estilo de Mompou é mais ou menos minimalista, sem sons fortíssimos ou passagens virtuosas hiper-rápidas. Posteriormente Mompou escreveria mais sete peças com o mesmo título. Outros pianistas gravaram a integral das 14 Cançons i danses para piano, incluindo a brasileira Clelia Iruzun e também o próprio compositor ao piano.
1-6. España, 6 Feuilles d’Album, Op. 165
Composer: Isaac Albéniz
I Prélude 1:53
II Tango 2:52
III Malagueña 3:40
IV Serenata 3:05
V Capricho Catalan 2:46
VI Zortzico 2:31
7. Allegro de Concierto en ut dièse majeur 7:11
Composer: Enrique Granados
8-15. Canciones y Danzas
Composer: Federico Mompou
N° 1 Quasi moderato – Allegro non troppo 3:27
N° 2 Lento – Molt amable 2:20
N° 3 Modéré – Sardana: temps de marche 3:46
N° 4 Moderat – Viv 3:51
N° 5 Lento litúrgico – Senza rigore, Ritmado 3:45
N° 6 Cantabile espressivo – Ritmado 3:02
N° 7 Lento – Danza 2:27
N° 8 Moderato cantabile con sentimento – Danza 2:59
16-18. Noches en los jardines de España
Composer: Manuel de Falla
I En el Generalife 11:54
II Danza lejana 5:27
III En los jardines de la sierra de Cordoba 10:07
Alco Ciccolini (1925-2015) – piano
Orchestre National de la Radiodiffusion France, Ernesto Halffter (16-18)
Recorded: Paris, 1956 (1-15), 1953 (16-18)
P.S.: As danças de Albéniz tocadas nesse disco fazem um verdadeiro tour da Espanha: a Malagueña faz referência a Málaga, cidade mediterrânea voltada para a África, depois tem um Capricho Catalan e por último o Zortzico, dança “torta” com 5 tempos por compasso, típica do País Basco lá no norte da Espanha em sua costa atlântica.
Li algumas críticas norte-americanas bem pesadas, falando mal deste CD de Mäkelä e da Orquestra de Paris, mas não posso concordar com elas após a audição do menino-prodígio que assumirá o Concertgebouw de Amsterdam nos próximos meses. Mäkelä tem apenas 27 anos. Na Europa, o CD foi muito elogiado. Estranho…
Mäkelä parece ter reforçado o senso de drama e de dança das obras trazendo-as de volta a suas raízes parisienses. Nestes tempos de hipervirtuosidade, ele tenta reacender aquele choque inicial, aquele espanto, e demonstra grande cuidado com os detalhes e a atmosfera das peças. Há certa tendência norte-americana em fazer Stravas e Tchais mais selvagens e primitivos do que são. De alguma forma, eles negam a sofisticação russa. A introdução da Sagração é lenta e sinuosa, desenrolando-se como sementes germinando. Em seguida, o bater de pés coletivos destranca a selvageria que está por vir. Podemos pensar nos relatos clássicos de Bernstein como uma fonte de força, energia primordial, de Abbado como algo incandescente, mas com um espírito teatral, por exemplo. Não é assim com Mäkelä que, com detalhes requintados, constrói paredes de som verdadeiramente inspiradoras num mundo da dança. É como se todos os elementos da peça fossem revelados em sua verdadeira glória. Um grande disco, mas é apenas minha opinião.
Ah, aqui temos um Pássaro de Fogo completo, o que nem sempre ouvimos.
Igor Stravinsky (1882-1971): A Sagração da Primavera e O Pássaro de Fogo (Mäkelä)
Le Sacre Du Printemps (35:15)
01 L’Adoration de la Terre: Introduction 3:33
02 L’Adoration de la Terre: Les Augures Printaniers 3:17
03 L’Adoration de la Terre: Jeu Du Rapt 1:19
04 L’Adoration de la Terre: Rondes Printanières 3:51
05 L’Adoration de la Terre: Jeux Des Cités Rivales 1:52
06 L’Adoration de la Terre: Cortège Du Sage 0:42
07 L’Adoration de la Terre: Embrasse de la Terre 0:23
08 L’Adoration de la Terre: Danse de la Terre 1:13
09 Le Sacrifice: Introduction 4:37
10 Le Sacrifice: Cercles Mystérieux Des Adolescentes 3:28
11 Le Sacrifice: Glorification de L’élue 1:33
12 Le Sacrifice: Évocation Des Ancêtres 0:44
13 Le Sacrifice: Action Rituelle Des Ancêtres 3:46
14 Le Sacrifice: Danse Sacrale 4:49
L’Oiseau De Feu (47:57)
15 I Introduction 2:52
16 II Le Jardin Enchanté de Kastchei 1:49
17 III Apparition de L’oiseau de Feu, Poursuivi Par Ivan Tsarevitch 2:16
18 IV Danse de L’oiseau de Feu 1:15
19 V Capture de L’oiseau de Feu Par Ivan Tsarevitch 1:03
20 VI Supplications de L’oiseau de Feu 6:12
21 Vii. Apparition Des Treize Princesses Enchantées 2:34
22 VIII Jeu de Princesses Avec Les Pommes D’or 2:26
23 IX Brusque Apparition D’Ivan Tsarevitch 1:20
24 X Khorovod (Ronde) Des Princesses 4:42
25 XI Lever Du Jour 1:24
26 XII Carillon Féérique, Apparition Des Monstres-gardiens de Kastchei 1:31
27 XIII Arrivée de Kastchei Liimmortel – Dialogue de Kastchei Avec Ivan Tsarevitch – Intercession Des Princesses 3:26
28 XIV Apparition de L’oiseau de Feu 0:32
29 XV Danse de la Suite de Kastchei Enchantée Par L’oiseau de Feu 0:46
30 XVI Danse Infernale de Tous Les Sujets de Kastchei 4:37
31 XVII Berceuse (L’oiseau de Feu) 3:02
32 XVIII Réveil de Kastchei – Mort de Kastchei – Profondes Tenèbres 2:45
33 XIX Disparition Du Palais Et Des Sortilèges de Kastchei – Animation Des Chevaliers Petrifiés. Allegresse Génerale 3:25
Conductor – Klaus Mäkelä
Orchestra – Orchestre De Paris
O gosto de tantos de nós pelo exótico tem servido de inspiração para muita música boa para todo tipo de instrumentos, mas especialmente para o piano com sua ampla gama de timbres possíveis. Claude Debussy, provavelmente o mais original compositor para piano da virada do século XIX para o XX, criou muitos sons novos inspirado em coisas como o gamelão da Indonésia e pinturas japonesas. Aliás, na casa onde Debussy nasceu, em Saint Germain en Laye – a poucos minutos de trem de Paris – é possível ver muitos dos objetos que pertenciam ao compositor, como o quadro japonês que inspirou “Poissons d’or” – peixes dourados – mas nenhum quadro dos pintores impressionistas, com os quais sua música é tão comparada. O exótico lhe interessava mais, santo de casa não faz milagre…
Heitor Villa-Lobos, nascido na então capital do Brasil, compôs vários choros e prelúdios para violão que eram bem no idioma de seus vizinhos e amigos, mas também escreveu Danças Africanas, Lenda do Caboclo, Saudades das selvas brasileiras… É claro que seu conhecimento sobre caboclos e africanos devia ser um tanto limitado, mas os temas exóticos eram pontos de partida para sua fértil imaginação. Antes dele, Henrique Oswald teve seu maior sucesso com a curta e bela peça para piano “Il neige” (“está nevando”, em francês), escrita em 1902 quando ele vivia na Europa. Como tantos outros brasileiros, Oswald deve ter se encantado com a poética imagem da neve caindo.
Mas para Rued Langgaard, compositor nascido na Dinamarca, a neve devia ser algo bastante comum, até tedioso. Conhecendo o frio a maior parte do ano, Langgaard parece ter tido uma grande atração pelas imagens poéticas associadas ao verão, ao menos é o que ele dá a entender nas duas longas obras dessa coletânea, 2º disco de uma coleção de suas obras completas para piano pela pianista Berit Johansen Tange. Ela estudou no conservatório de Copenhagen, cidade natal de Langgaard. O pai do compositor, também pianista, tinha sido um pupilo de Liszt, mas a influência principal nas obras de Rued Langgaard parece ser quase sempre Robert Schumann, com suas obras compostas de miniaturas pianísticas em formas livres, sempre com um pezinho no romantismo ou às vezes o corpo inteiro.
O ciclo que fecha o álbum, Sommerferie I Blekinge (Férias de Verão em Blekinge), faz referência a uma localidade no sul da Suécia: confira a foto um pouco mais abaixo. Anos depois, Langgard compôs Smaa Sommerminder (Pequenas memórias de verão). Em ambos, a atmosfera é leve, despreocupada, com alguns graves profundos que se assemelham a sinos de igreja mas logo dão lugar às melodias agudas e tranquilas, com subtítulos que fazem referência a sinos de vacas, pinheiros e danças.
O outro ciclo longo deste álbum é bem diferente daquela tranquilidade ensolarada: na sua Música do Abismo (Afgrundsmusik) composta em 1921, Langgaard mostra uma profunda preocupação com o estado do mundo pós-Primeira-Guerra. Naquele ano ele começou a compor uma ópera chamada Anticristo, sobre o declínio da civilização ocidental moderna com sua mentalidade egoísta e materialista. A mensagem da ópera era que a sociedade europeia moderna estava cavando seu próprio túmulo. Embora esse ponto de vista do compositor, visto com a distância dos anos, não pareça tão absurdo, ele não foi bem aceito por seus contemporâneos e a ópera nunca foi montada, tendo pedidos negados mais de uma vez pelo Real Teatro Dinamarquês. Essa foi uma constante na vida de Langgaard no pós-1918: se em 1913 sua 1ª sinfonia tinha sido estreada pela Filarmônica de Berlim, depois da guerra ninguém parecia se importar com as várias sinfonias que ele compôs. Suas obras para piano também não circularam pelo mundo, ficando restritas ao seu país natal, no qual Langgaard também era mais odiado que amado desde que começou a se opor à estética de Nielsen (1865-1931), que tinha status de intocável na época. Só em 1940 Langgaard conseguiria um cargo estável: o de organista na catedral de uma cidade pequena. É claro que, com menos ideias próprias e mais habilidades como puxa-saco, ele alcançaria cargos mais altos, dada sua competência, mas a posição de isolamento parece ter sido o que lhe permitiu manter a liberdade de pensamento.
Langgaard, em suma, tinha certeza de que as promessas de progresso e paz do pós-guerra eram ilusórias, um tipo de desconfiança do progresso que é característica de outros autores românticos. Esse tema foi muito estudado e discutido por Michael Löwy (nasc. 1938), pensador brasileiro radicado na França, por exemplo no seu livro “Revolta e melancolia – o romantismo na contramão da modernidade”.
Lowy diz: “O romantismo não é apenas uma escola literária do século XIX (…). Enquanto estrutura sensível e visão do mundo, manifesta-se em todas as esferas da vida cultural – literatura, poesia, arte, música, religião, filosofia, idéias políticas, antropologia, historiografia e outras ciências sociais. Pode-se defini-lo como uma revolta contra a sociedade capitalista moderna, em nome de valores sociais e culturais do passado, pré-modernos, e como um protesto contra o desencantamento moderno do mundo, a dissolução individualista-competitiva das comunidades humanas e o triunfo da mecanização, da mercantilização, da reificação e da quantificação. Dividido entre a nostalgia do passado e os sonhos de futuro, ele pode assumir formas regressivas e reacionárias, propondo um retorno às formas de vida pré-capitalistas, ou uma forma revolucionária utópica, que não prega um retorno, mas um desvio pelo passado em direção ao futuro: nesse caso, a nostalgia do paraíso perdido está contida na esperança de uma nova sociedade.”
O que Lowy aponta é que não se pode fazer uma oposição simples entre progressistas modernos e românticos nostálgicos do passado. O romantismo, com sua carga de crítica do desencantamento do mundo, permitiria assim a construção de algo diferente desse mundo cheio de guerras e de fumaça de carros.
Voltemos para Langgaard: na sua “Música do abismo”, além de usar temas que remetem aos momentos faustianos do piano de Liszt, ele traz repetições que causam um desconforto nos ouvidos, bem ao contrário da leveza da música de verão que abre e fecha o álbum. Iniciando a obra com a indicação inflessibile mostruoso, ele deixa implícito que a flexibilidade e a dança seriam antídotos às características do abismo: inflexível, majestoso e repetitivo.
Nas obras de Ligeti esse tipo de repetição mecânica também aparece mas, sinceramente, não sei dizer se o húngaro aniversariante deste mês via esse som das máquinas com o pessimismo de Langgaard, com um ponto de vista neutro ou com um entusiasmo como o de um Terry Riley que, a partir de repetições, construiu belas paisagens sonoras (A rainbow in curved air…) Seria preciso estudar mais sobre a vida e obra de Ligeti para afirmar algo. Mas para Langgaard, sem sombra de dúvida, o mecânico é feio, doentio e se opõe à beleza e tranquilidade das paisagens de sua música de verão, seja aquela composta em 1916 quando o compositor tinha 23 anos, seja aquela de 1940 quando ele via sua Europa suicidar-se pela 2ª vez.
A pianista Berit J. Tange
Rued Langgaard (1893-1952): Piano Works vol. 2
1-4. Smaa Sommerminder, BVN 254
i. Engang (Once): Allegretto leggiero
ii. Allegretto
iii. [No Title]
iv. Sang (Song): Tranquillo
5-6. Afgrundsmusik (Music Of The Abyss), BVN 169
i. Inflessibile mostruoso (Inflexible, monstrous) – Solenne misterioso (Solemn, mysterious) – Ignominioso e lusingando (Shameful and tempting) – Preciso marcato – Sempre marziale – Maestoso rigoglioso (Majestic, exuberant)
ii. Frenetico, quasi rondo – Più animato frenetico – Agitato con irritazione sempre – Più frenetico – Più tranquillo lusingando – Capriccioso grazio[so] – Sempre frenetico
7 Albumsblad (Album Leaf), BVN 3 – Andantino con moto
8 Paa En Kirkegaard Ved Nat (In A Churchyard At Night), BVN 22 – Largo grave
9 Adorazione, BVN 223 – Poco mosso – Con moto – Presto – Poco moto – Postludium: Con poco moto – Maestoso
10 Klaverstykke E-Dur (Piano Piece E Major), BVN 426 – Not fast
11-20. Sommerferie I Blekinge (Summer Holiday In Blekinge), BVN 123
i. Paa Rejse (Travelling)
ii. Møde (Meeting)
iii. Søndag paa Kirkebakken (By the village church on a Sunday): Agitated
iv. Kobjælder i Granskoven (Cowbells in the pinewood): Calm, mysterious – Più lento – [Tempo I] – Più lento – Più con moto – A tempo [I]
v. Kafferep og Resignation (Kafferep and resignation): Presto (as if everyone is talking at once) – Lento
vi. Svensk (Swedish): Not too slow – (Lively)
vii. Ærteblomster (Sweet peas): Fervently emotive – Più con moto
viii. Paa Tur (On tour): Good-humoured – Più con moto – A tempo
ix. Afsked (Farewell): With an expression of hidden pain – Appassionata – Con moto – Appassionata
x. Aften med Dans (Evening with dancing): Waltz tempo – Allegretto tranquillo
Hallé? Como assim Hallé? A Orquestra Hallé, ou simplesmente Hallé, é uma orquestra sinfônica baseada em Manchester, Inglaterra. É a orquestra mais antiga em atividade do Reino Unido e a quarta mais antiga do mundo. Conta com orquestra profissional, coro, coro jovem e uma orquestra jovem. Realiza gravações em sua própria gravadora, mas trabalha também com a Angel e EMI. O atual Diretor Musical é Sir Mark Elder.
Acho que as versões de Elder das Sinfonias 5 e 7 de Sibelius é muito boa, mas não chegam a ser first choices. Ainda fico com Rattle e a CBSO na 5ª e com o velho Mravinsky e o portento de Leningrado na 7ª. Vocês devem saber que as orquestras britânicas e seu público há muito têm uma afinidade especial com as obras orquestrais de Jean Sibelius. As interpretações de Elder são meticulosas e apaixonadas e a orquestra responde à sua direção cavando fundo. São muito bons registros. Essas sinfonias e En Saga são representativas do estilo maduro de Sibelius. Seus ritmos e desdobramentos constantes de motivos ao longo de bons períodos de tempo requerem uma escuta atenta, mas a clareza das leituras de Elder torna o progresso da música fácil de seguir.
Jean Sibelius (1865-1957): Sinfonias Nos. 5 & 7 / En Saga (Hallé, Elder)
Symphony No.5, Op.82
01. I. Tempo molto moderato (13:31)
02. II. Andante mosso, quasi allegretto (08:25)
03. III. Allegro molto (09:24)
Para esta postagem comemorativa dos 100 anos de nascimento de György Ligeti imaginei uma reunião de amigos, de pessoas com muitas afinidades que se encontram para um animado papo…
É claro, deve estar presente a música do homenageado. Mas, optei por trazer algumas de suas composições misturadas a peças de outros compositores que lhe fazem, assim, companhia. Imagino que se eles estivessem todos reunidos (quem sabe?) estariam batendo papo, trocando figurinhas.
Alim ao lado do grand piano do PQP Bach Hall em Bucareste
Começo com um disco curto de um jovem pianista – Alim Beisembayev – que ganhou o Leeds Interational Piano Competition em 2021. Andrew ficou aMa(n)zed com os dotes pianísticos do Alim enquanto regia a régia RPO na linda Rapsódia sobre um tema de Paganini, do Sergei Rachmaninov – feito que lhe rendeu a Gold Medal do concurso. Nascido no Cazaquistão no apagar das luzes do século passado, Beisembayev já tem um carreira de pianista consolidada e um disco comercial com os endiabrados estudos para piano de Liszt.
Neste disco (associado ao concurso) ele mostra suas credenciais tocando três lindas sonatas de Scarlatti, duas peças de Miroirs de Maurice Ravel e três estudos para piano do nosso homenageado. É interessante ver a música de Ligeti ao lado de peças de compositores que contribuíram enormemente para o desenvolvimento da técnica de tocar instrumentos com teclado. Mesmo tendo apenas três dos estudos de Ligeti neste disco, já dá para se ter uma ideia do escopo da criatividade do sujeito. Cordes à vide é o segundo estudo do primeiro livro e é estranhamente sereno, calmo e lembra o universo de Debussy. Depois deste momento de reflexão, dois estudos do segundo livro que levam a técnica de piano ao extremo. Der Zauberlehrling (O Aprendiz de Feiticeiro) e L’escalier du diable (que dispensa tradução) são estudos que dão nós nos dedos dos pianistas e deixam todos (inclusive os ouvintes) sem fôlego.
O segundo disco da postagem foi gravado ao vivo (há palmas no final dos números musicais, mas as gravações são impecáveis) na série Wigmore Hall Live no concerto do famoso Arditti String Quartet, cuja identificação com a música moderna é notória. Para este recital eles escolheram quartetos de Conlon Nancarrow, Henri Dutilleux e o Segundo Quarteto de Ligeti. O disco é realmente muito intenso, mas uma audição cuidadosa, de mente aberta às novidades, pode render muitos bons frutos. Desses dois ‘vizinhos’ de Ligeti, Nancarrow é possivelmente o menos conhecido, mas desfrutava um enorme reconhecimento do György. Veja o que ele disse sobre Conlon Nanacarrow: This music is the greatest discover since Webern and Ives… his music is so utmost original, enjoyable, constructive and at the same time emotional… for me it’s the best music of any living composer. […] para mim, é a melhor música de qualquer compositor vivo.
Irvine tentando afinar um Guarneri da coleção do PQP Bach…
Na apresentação do disco, o quarteto de Ligeti é considerado a peça mais difícil. But while both of these works are undeniably impressive for the great difficulties they present, the tour de force of this recording is György Ligeti’s enormously demanding String Quartet No. 2 (1968), a masterpiece of extended string techniques and sonorities that is a bold continuation of the explorations of Béla Bartók. O ‘tour de force’ deste disco é o terrivelmente exigente Quarteto de Cordas No. 2 (1968) de Ligeti, uma obra de técnicas e sonoridades de cordas levadas ao extremo e é uma ousada continuação dos avanços feitos por Béla Bartók.
Ligeti foi um compositor de música para piano, que ele tocava com uma técnica inadequada, como ele mesmo afirmou. Esta técnica inadequada aliada a uma imaginação prodigiosa o fez produzir peças que o colocam como mestre na linha de grandes compositores para piano, como Chopin, Liszt e Debussy.
Antes de Chopin os estudos para piano (Czerny, Moschelles, por exemplo) eram peças que tinham caráter técnico e visavam os estudantes de piano. Schumann e (principalmente) Chopin levaram o gênero a outro nível, devido à qualidade artística das obras que criaram.
Dora sendo simplesmente adorável…
Assim, o último disco da postagem coloca Ligeti em companhia destes dois gigantes, Chopin e Debussy, sem contar três lindas peças de Nikolai Kapustin. Dora Deliyska é uma ótima pianista que também é uma artista versátil e interessante. Ela tem criado projetos que resultam em discos como este, um lançamento recente. Inspirada nas muitas coleções de 24 peças, ela escolheu entre as obras desses quatro compositores – Chopin, Debussy, Ligeti e Kapustin – uma coleção de 12 estudos e 12 prelúdios, criando assim o orgânico programa do disco – Études & Préludes.
A contribuição de Ligeti está na primeira metade do programa – quatro estudos, três dos quais já apresentados no disco do Alim Beisembayev. Você poderá ouvi-los na sequência integrada aos outros estudos dos outros compositores, mas também poderá perceber as nuances entre as diferentes interpretações dos dois pianistas. O quarto estudo é do primeiro livro e chama-se Fanfares. Deve ser tocado tão presto quanto possível, vivacissimo! Em um outro livreto este estudo é caracterizado como uma furious piece, baseado em um ostinato (teimosias) e está relacionado com o Trio para Violino, Trompa e Piano, escrito uns anos antes, em homenagem à Brahms. Resolvi incluir este disco na postagem pelo Ligeti ao lado dos outros compositores, mas também pela criatividade da pianista Dora Deliyska.
Eu continuei estudando Matemática e Física por conta própria, mas um ano e meio depois eu me dei conta que queria ser compositor e depois disso nunca mais mudei de ideia.
György Ligeti
Algumas etapas na construção do elusivo Conjunto de Cantor
Uma das características mais marcantes que vejo na música de György Ligeti consiste no reflexo de sua criatividade e sua recusa de se encaixar em algum estilo musical corrente. Ele estava atento a diversos tipos de estilos musicais – polifonia africana, música da América Latina (discutia em suas aulas as gravações trazidas por Roberto Sierra, um aluno porto-riquenho), jazz como a música de Bill Evans e Thelonius Monk, só para se ter uma ideia. Fora da música ele também tinha interesses diversos, como na Teoria do Caos, conjuntos (fractais) de Mandelbrot, nas tríades do Conjunto de Cantor, na literatura de Jorge Luis Borges e de Lewis Carroll. Essas inspirações e muitas outras lhe deram forças para na última etapa de sua vida produzir música incrivelmente original, como os Études, Estudos para Piano.
O piano ou teclado havia recebido sua atenção em peças como a Musica ricercata, no início da década de 1950 e também na peça Continuum, de 1968, um exercício para produzir um contínuo sonoro a partir de uma grande quantidade de notas tocadas em um pequeno intervalo de tempo (uma inumerável quantidade de finíssimas fatias de salame). Para obter esse efeito, usou o cravo, capaz de grande agilidade no seu mecanismo. Esse instrumento também foi usado, dez anos depois, em mais duas outras peças – a Passacaglie ungherese e Hugarian Rock, quando ele tentava se reconectar com suas raízes húngaras. Outra produção envolvendo piano é o conjunto de três peças para dois pianos, de 1973: Monument, Selbstportrait e Bewegung (Movimento).
De qualquer forma, entre 1977 e 1982 Ligeti passou por um período sem produzir novas obras e enfrentando problemas de saúde. Saindo desse período de seca em 1980, ele conheceu as peças de Conlon Nancarrow que lhes surgeriram novos caminhos criativos. Em 1982 compôs o Trio para violino, piano e trompa a pedido do pianista Eckart Bresch, para acompanhar a composição de Brahms para a mesma combinação de instrumentos. Essa composição o colocou de volta à ativa e deu partida ao maravilhoso processo de composição dos três livros de Estudos. Segundo o próprio Ligeti, seus ‘influenciadores’ foram Scarlatti, Chopin, Schumann e Debussy, mas é claro que ele canalizou para essas obras muitas outras influências.
Pilares da Criação
Eu adoro os nomes dos estudos e como esses nomes refletem aspectos das respectivas obras, lembrando o caso dos prelúdios de Debussy. Veja, a Matemática está presente nas desordem de Désordes e na geometria de Vertige, L’escalier du diable e Columna infinita. Há a poesia de Arc-en-ciel, Automne à Varsóvie, Entrelacs, assim como o técnico Touches bloques ou alusivos e brincalhões Galamb borong e Fém. Der Zauberlehrling é o Aprendiz de Feiticeiro. No último livro, que ficou incompleto, há o estudo com nome de filme – À bout de soulfle, Breathless, Sem Fôlego.
Escolhi para esta postagem um disco com o pianista Eric Huebner que em 2012 foi apontado pianista da Filarmônica de Nova Iorque e é dedicado à música dos séculos 20 e 21. No disco ele interpreta os livros 1 e 2 de Estudos e, na companhia da violinista Yuki Numata Resnick e trompista Adam Unsworth, interpreta o Trio. Gostei inclusive da produção do disco e ficarei de olhe em suas outras contribuições.
Eric Huebner
A obra de Ligeti já tem o passaporte para a posteridade, mas é bastante recente e os primeiros músicos que as interpretaram (alguns inclusive receberam dedicatórias do compositor) ainda estão ativos. A própria colaboração com o compositor está presente em algumas gravações recentes. Ligeti era bastante específico quanto a maneira como esperava que suas obras fossem interpretadas. Mas uma nova geração já está se apresentando e dando a essas peças as suas interpretações e isso é o que torna a música tão orgânica, tão viva. Por isso decidi postar uma outra gravação completa dos 18 estudos, feita para o selo Wergo, dedicado à música contemporânea, pelo pianista Thomas Hell. Irresistível não imaginar o apresentador mandando: Ladys and gentlemen, I now give you Hell, … Thomas Hell! Claro, em inglês hell é inferno, mas em alemão é claro, brilhante. Assim, vocês poderão ver que o Thomas tem fogo e brilho para interpretar os estudos de Ligeti, mas também pode ter uma visão um pouco diferente dessas obras.
Thomas Hell
Uma palavra sobre o selo Wergo. Eu sempre imaginei que Wergo fosse uma palavra em alemão, bem dentro de minha fértil imaginação e santa ignorância. Mas, é simplesmente o nome escolhido para a companhia que foi fundada em 1962 pelo historiador e editor de música Werner Goldschmidt.
Critically acclaimed pianist Eric Huebner releases his performance of György Ligeti’s famous Études alongside his iconic Trio for Violin, Horn, and Piano with colleagues Yuki Numata Resnick and Adam Unsworth. Ligeti’s attraction to stylistic influences from across the spectrum, including non-Western music cultures, while preserving a Hungarian core to his aesthetic, is apparent in Huebner’s dynamic performances of these remarkable works.
In the early days, pianists felt obliged to obey Ligeti’s injunction to go always to extremes – of loudness, speed or sheer frenzy. Nowadays, as this new recording shows, they are more relaxed and worldly-wise…In general, it’s the fluidly atmospheric or reflective Etudes that come off best…but overall, this is a magnificent recording.[BBC Music Magazine]
Erika Haase foi uma pianista alemã que se dedicou bastante à música de vanguarda. Ela foi amiga de Ligeti, colaborou por um tempo com Boulez e teve Andreas Staier entre seus alunos.
Aproveite!
René Denon
A turma do PQP Bach flagrou Ligeti estudando Matemática
Isso aqui é ouro puro! Um belo disco brasileiro com música de Ligeti e de compositores brazucas. Tudo muito bem gravado no ano de 2013 e notavelmente bem executado pelo Percorso Ensemble sob a direção de Ricardo Bologna. Claro que há alguma desproporção entre o mestre e os jovens brasileiros, mas o disco é realmente muito bom. Talvez Freitas e Siqueira não tenham utilizado suas próprias vozes, pois suas peças foram inspiradas pelo húngaro. O Concerto de câmara para treze instrumentos de Ligeti foi composto em 1969/1970. Foi criado num momento de maturação de seu estilo anterior, caracterizado por uma grande densidade de textura e precursor de alguns aspectos que ele virá a desenvolver posteriormente, como uma maior transparência e melodismo.
Concerto De Câmara Para 13 Instrumentistas
1 I. Corrente
2 II. Calmo, Sostenuto
3 III. Movimento Preciso E Meccanico
4 IV. Presto
Cello – Douglas Kier
Clarinet – Sérgio Burgani
Clarinet, Bass Clarinet – Nivaldo Orsi Composed By – György Ligeti
Double Bass – Claudio Torezan
Flute, Piccolo Flute – Cassia Carrascoza
French Horn – Samuel Hamzem
Harpsichord, Electric Organ [Hammond] – Lucia Cervini
Oboe, Oboe d’Amore, English Horn – Peter Apps
Piano, Celesta – Horácio Gouveia
Trombone – Dárcio Gianelli
Viola – Elisa Monteiro
Violin – Ana De Oliveira, Simona Cavuoto
Regência – Ricardo Bologna
5 Kronos & Kairós: Um Retrato Para Nancarrow E Ligeti
Ligeti não é apenas o grande compositor que de certa forma carrega o legado de Bartók, mas é um sujeito bem-humorado e divertido. Imaginem que ele estudou com Zoltán Kodály e realizou — como Bartók e Kodály — um trabalho etnomusicológico sobre a música folclórica romena, porém, depois de um ano, voltou à antiga escola em Budapeste e foi nomeado professor de harmonia, contraponto e análise musical. As 3 obras deste CD são de fases distintas do compositor. O Andante é de 1950, o Quarteto Nº 1 é de 1953 e o Nº 2 é de 1968.
Bem, como escrevi acima, cerca de 15 anos separam os dois quartetos de cordas numerados de György Ligeti e, do ponto de vista estilístico, eles pertencem a fases diferentes de sua carreira criativa. O primeiro, com o subtítulo “Métamorphoses nocturnes”, foi iniciado em 1953, quando Ligeti ainda vivia em sua Hungria natal, onde o realismo socialista era a regra para os compositores desde o governo comunista implantado cinco anos antes. Na época em que escreveu o segundo, ele já estava baseado na Europa Ocidental, tendo deixado seu país natal durante o levante de 1956 .
Ouvidos sucessivamente, os dois quartetos demonstram de onde vieram as obras madu0ras e todo um mundo musical recém-criado. Os gestos bartókianos dos 12 minúsculos movimentos do primeiro estavam totalmente fora das prescrições estilísticas autoritárias. No segundo, são substituídos pelas texturas mutáveis, pelos mecanismos interligados e as prestidigitações harmônicas com as quais Ligeti estabeleceu um distinto nicho dentro da vanguarda do pós-guerra. Infelizmente, ele nunca voltou a escrever um quarteto durante o notável terceiro período de sua carreira, embora após sua morte, em 2006, esboços de duas dessas obras tenham sido encontrados entre seus papéis, aparentemente destinados aos Quartetos Arditti e Kronos, respectivamente. UMA PENA, REALMENTE.
No entanto, o que temos são duas das contribuições mais significativas para o repertório do quarteto da segunda metade do século XX. Eles impõem enormes demandas técnicas e musicais, e o Quarteto Diotima atende a seus desafios com mais precisão e brilho do que qualquer outro que já ouvi antes. Cada detalhe da escrita das cordas, criada pela incrível imaginação de Ligeti, é cristalino, a forma de cada movimento totalmente lúcida.E, entre essas obras, o Diotima fornece um vislumbre de onde a jornada musical de Ligeti começou: se o Primeiro Quarteto pertence ao que o compositor chamou de seu período “pré-histórico”, então o Andante e Allegretto, composto em 1950, enquanto ele era aluno da Academia Franz Liszt em Budapeste, presumivelmente se qualificaria como um Ligeti primordial, quando Kodály e Bartók faziam parte da mistura estilística e a influência da música folclórica húngara e romena ainda era clara. Não sabemos se a capa do CD, no estilo 2001, uma odisseia no espaço, se deve ao bom humor do quarteto, mas que eu dei risada, dei.
György Ligeti (1923-2006): Quartetos Nº 1 e 2 / Andante e Allegretto (Quatuor Diotima)
String Quartet No. 1, “Métamorphoses Nocturnes” (20:57)
01 I Allegro Grazioso 1:28
02 II Vivace, Capriccioso 1:51
03 III Adagio, Mesto 2:13
04 IV Presto 1:08
05 V Prestissimo 1:24
06 VI Andante Tranquillo 3:12
07 VII Tempo di Valse, Moderato, Con Eleganza, Un Poco Capriccioso 0:52
08 VIII Subito Prestissimo 1:31
09 IX Allegretto, Un Poco Giovale 0:55
10 X Poco Più Mosso 1:41
11 XI Prestissimo 1:34
12 XII Ad Libitum, Senza Misura 3:15
Andante and Allegretto for String Quartet (13:17)
13 I Andante Cantabile 6:29
14 II Allegretto Poco Capriccioso 6:48
String Quartet No. 2 (19:29)
15 I Allegro Nervoso 4:40
16 II Sostenuto, Molto Calmo 4:41
17 III Come Un Meccanismo di Precisione 3:14
18 IV Presto Furioso, Brutale, Tumultuoso 1:57
19 V Allegro Con Delicatezza 4:57
Luca Chiantore, autor de uma Historia de la técnica pianística que não tem concorrentes no mercado editorial, comenta assim o interesse tardio de Ligeti pelo piano:
Nos anos 60, quando ficou famoso, lhe interessavam as massas sonoras da orquestra e do coral. Entre os intrumentos de teclado, preferiu o órgão, com importantes composições para esse instrumento entre 1962 e 69. Sua investigação pianística parecia ter estancado na juvenil Musica Ricercata dos anos 50, “surpreendente despedida da tradição bartokiana e fulgurante exemplo de sincretismo estilístico”, diz Chiantore.
No final dos anos 70, porém, Ligeti parece ter se cansado do estilo que o fez célebre. A partir de então, com uma peça para dois pianos e um trio para trompa, violino e piano (1982), teve um interesse crescente pelo piano. A elaboração sonora se reduz das grandes massas orquestrais e corais e Ligeti recupera uma dimensão virtuosística da interpretação. Chiantore diz ainda que o título Études, em francês, deixa implícita uma homenagem à tradição do piano romântico e aos estudos de Chopin e Debussy. Ao mesmo tempo, Ligeti fazia esses tipos de diálogos com as tradições anteriores sempre do seu próprio ponto de vista: ele jamais se colocaria como um “neoromântico” ou neo- qualquer coisa. Então, misturada com Chopin e Debussy estava a influência do compositor americano-mexicano Conlon Nancarrow (1912-1997), autor de “49 Studies for Player Piano” compostos para o instrumento – em português se chama pianola – que se toca sozinho, com base em um mecanismo mecânico de cartões perfurados semelhante àqueles primeiros e enormes computadores antigos. Com suas complexidades polirítmicas pensadas para as capacidades das máquinas e, em muitos casos, impossíveis de serem tocadas por duas mãos humanas, os estudos de Nancarrow representaram, para Ligeti, “a maior descoberta desde Webern e Ives… Sua música é original, perfeitamente construída, mas ao mesmo tempo com emoções…”
Então esse Ligeti maduro que compôs estudos nas décadas de 1980 a 2000 parece ter dois lados de sua personalidade, seus Dr. Jekyll and Mr. Hyde, divididos entre o mecânico e o sentimental. E aí entramos na audição comparada dos Estudos por esses três pianistas. O francês Pierre-Laurent Aimard, pupilo de Boulez, enfatiza mais o lado mecânico dessas obras, e quem sou eu para dizer se ele está certo ou errado quando o próprio Ligeti dedicou dois dos estudos para ele? Tendo ensaiado várias dessas obras com o compositor, ele é uma autoridade no assunto. Tanto ele como Idil Biret gravaram os estudos quando o compositor ainda era vivo e o terceiro livro ainda não tinha sido inteiramente publicado.
A pianista turca Idil Biret provavelmente foi a primeira a enfatizar o lado romântico de vários desses estudos, atenuando um pouco o caráter mecânico e mostrando o quanto Ligeti traz, mesmo que disfarçados, elementos do piano romântico de Chopin. Após uma longa carreira na qual foi menina prodígio, depois aluna de Alfred Cortot e Nadia Boulanger em Paris, depois concertista com um imenso repertório que inclui gravações dos Estudos de Chopin e dos Études-Tableaux de Rachmaninoff (na verdade ela gravou as obras completas de ambos pela Naxos), não chega a espantar que a sua interpretação de Ligeti tenha conseguido encontrar no compositor esses discretos elementos de sensibilidade romântica em estudos como o lento nº 11, “En suspens” – Andante con moto, avec l’élegance du swing e no nº 11, con delicatezza.
O inglês Danny Driver parece, em muitos estudos, buscar um caminho do meio entre essas duas interpretações. Tanto em termos de estilo como nos andamentos, ele vai se equilibrando entre a técnica e o sentimento. Entre a velocidade estonteante e a comunicação com o ouvinte, que às vezes exige pequenas pausas para que os detalhes apareçam. Os outros dois também fazem esse difícil equilíbrio, é claro, mas acabam pendendo para um dos dois lados como já disse acima.
Por exemplo no mais longo dos estudos, o diabolicamente difícil nº 13, “L’escalier du diable” (A escada do diabo) – Presto legato ma leggiero, com seu movimento ascendente alucinante, Aimard despacha tudo em 5min16s, Biret faz tudo com mais calma em 6min50, deixando transparentes para o ouvinte alguns truques da partitura, enquanto Driver corre quase tanto quanto o francês (5min23s).
Ao contrário de compositores que mandam o intérprete encostar nas cordas do piano ou usar objetos como moedas e vidros para mudar o som do instrumento (é o caso de Cage, Gubaidulina, Vasks e muitos outros das últimas décadas), Ligeti inova apenas no teclado mesmo: o exemplo mais evidente é o 3º estudo, “Touches bloquées”, ou seja, teclas bloqueadas, no qual algumas teclas ficam travadas pelos dedos sem fazer som, o que muda os harmônicos das outras notas, além de criar irregularidades novamente bartokianas. Como explica Idil Biret: “O pianista segura certas notas com o dedo sem fazer som e, enquanto isso, toca as outras; quando chega às notas bloqueadas, não sai som. Isso nunca tinha sido feito antes.”
As instruções de Ligeti muitas vezes são detalhadas e mesmo contraditórias: há uma grande interesse em sons com a repetição precisa das máquinas ao mesmo tempo que há indicações como rubato, con eleganza, con delicatezza, cantabile, with swing… Todas essas indicações vão mais ou menos no sentido contrário da “máquina de precisão”, expressão que pego emprestado de um movimento do seu segundo quarteto de cordas (1968) com a indicação “Come un meccanismo di precisione”.
Danny Driver, no livreto do seu disco lançado há poucos anos, resume assim os desafios de se tocar esses estudos:
Ligeti himself spoke of imagining in the Études ‘highly emotive music of high contrapuntal and metric complexity, with labyrinthine branches and perceptible melodic forms, but without any “back to” gesture, not tonal but not atonal either.’
On a personal note, the process of preparing and repeatedly performing the Études over several years has been an exhilarating and exhausting venture. For all their technical pyrotechnics, I have always believed that they must not become an aural-visual spectacle, a Herculean tour de force that can leave audiences stunned by achievement yet left in the cold. As E D Hirsch might explain, we must not ignore the ‘ghost in the musical machine’ or imagine that ‘the problems of interpretation will be resolved into operational procedures’. Putting the emotional and evocative power of these pieces centre stage despite their intransigent virtuosity is—for me at least—the ultimate challenge laid down by these extraordinary works.
Coloana Infinitului – dia
O título de cada estudo traz referências ou dicas de ideias a ele relacionadas: em vez de dar nomes como “estudo de terças” ou “arpejos compostos” (Debussy), Ligeti dá nomes provocativos em várias línguas, como Désordre (Desordem), Fanfares e Der Zauberlehrling (O aprendiz de feiticeiro). E o que dizer do estudo 14, Coloana infinită? Representada nas fotos ao lado tanto de dia como de noite, a coluna é uma escultura na Romênia, construída em 1938 em homenagem aos jovens mortos na 1ª Guerra Mundial. Uma bela escultura que, vista de perto, deve causar algumas ilusões de ótica. O andamento descrito por Ligeti é Presto possibile, tempestoso con fuoco.
Coloana Infinitului – noite
Para Aimard, o tempestoso significa uma sonoridade forte e opressora, enquanto o con fuoco indica sons novamente em estilo de máquina, tirados do piano com maestria. Biret, bem pelo contrário, parece observar a tempestade do conforto do seu banco de pianista e dela extrai cores menos preocupadas, mais calmas. Driver mais uma vez ocupa um lugar entre os dois anteriores: sua articulação rítmica lembra mais a das mãos de Aimard, mas seu coração parece estar com o de Biret.
Gyorgy Ligeti: Études nº 1 a 15, Musica Ricercata
Pierre-Laurent Aimard, piano
Recorded: Salle de Musique, La Chaux de Fonds, 1995-1996
Étude 8 – Fém (metal, em húngaro) – Manuscrito com anotações de Ligeti em italiano, inglês, francês e alemão: vivace, risoluto, con vigore, with swing, alla danza, elastisch, polyrhythmische… Fonte: Klavier-Festival Ruhr
Métamorphoses nocturnes é a grande atração deste CD e é um título particularmente adequado para o primeiro quarteto do lendário compositor húngaro György Ligeti. É uma extraordinária obra de juventude que dá uma mostra da inquietude e do desenvolvimento precoce daquele que é uma das vozes mais influentes do século 20.
Composto em 1953-4, fica claro que o herói de Ligeti era Béla Bartók, um dos poucos compositores “modernos” que eram acessíveis ao dentro das fronteiras da Hungria. O Quarteto é marcado por discordantes ritmos folclóricos, contraponto e episódios de solidão e violência. Bartók. Mas a voz do próprio Ligeti é clara, assim como o germe do que viria a se tornar conhecido como a “micropolifonia” — densas rajadas que resultam em aglomerados frenéticos.
Gosto muito do Quarteto Nº 1, apesar de sabê-lo inferior ao 2. Fazer o quê? Já a Sonata para Violoncelo Solo é de 1948-1953, é lírica e tem referências a Bach, Bartók e Kodály. Uma peça de estudo, ou de um estudante brilhante.
Gyorgy Ligeti (1923-2006): Quartetos de Cordas Nº 1 e 2 / Sonata para Violoncelo Solo
String Quartet No. 2
02. I. Allegro nervoso
03. II. Sostenuto, molto calmo
04. III. Come un meccanismo di precisione
05. IV. Presto furioso, brutale, tumultuoso
06. V. Allegro con delicatezza
E mais um Ligeti para o povo pequepiano. A complexidade dos contrapontos do Requiem — música da fase timbrística de Ligeti e composta um ano antes de Lux Aeterna — é uma coisa que beira o absurdo, ao menos para um ouvinte como eu. É uma coisa linda e metafísica. É a melhor peça deste maravilhoso CD, mas amo também as divertidas Aventures e as Nouvelles Aventures, escritas pouco antes do Requiem. Aqui há também uma polifonia furiosa, porém parece-me que a utilização de grunhidos e, fundamentalmente, do riso e de algumas momices, torna essas duas obras mais simpáticas do que o belo e difícil Requiem. Nas Aventuras, a impressão geral é a de que estamos de volta ao ambiente e à vida descrita pelo excelente filme Themroc (1973), de Claude Faraldo… Esta gravação é de 1965 e bastante rara, apesar da Amazon tê-la disponível.
Enjoy porque vale a pena…
György Ligeti (1923-2006) – Requiem, Aventures e Nouvelles Aventures
1 Requiem Choir – Chor Des Bayerischen Rundfunks
Chorus Master – Wolfgang Schubert
Conductor [Orchester] – Michael Gielen
Mezzo-soprano Vocals – Barbro Ericson
Orchestra – Sinfonie-Orchester Des Hessischen Rundfunks Frankfurt
Soprano Vocals – Liliana Poli
1968 foi um ano fora da curva. Entre tantas coisas, assistiu ao lançamento de um filme que mesmo hoje parece além do tempo – 2001, Uma Odisseia no Espaço. Stanley Kubrick sabia como poucos usar a música como um componente fundamental na construção de suas obras.
Pois foi assim, nos fins de 1960, György Ligeti morava na Alemanha e era conhecido como um importante compositor de vanguarda, quando recebeu uma carta de um amigo de Nova Iorque parabenizando-o pela música do recém lançado sucesso, o filme 2001, Uma Odisseia no Espaço. Estamos falando de um tempo no qual as notícias literalmente caminhavam. Ligeti ficou chocado e foi à première do filme em Viena. Passou ouvindo meia hora de sua própria música. Bem, houve uma disputa judicial e ao fim de seis anos a MGM pagou U$ 3500 pelo uso das músicas.
Atmosphères é uma das peças usadas por Kubrick e havia sido composta em 1961, sob encomenda da Southwest German Radio (SWF), que a estreou em 22 de outubro de 1961 sob a regência de Hans Rosbaud. A técnica usada na composição foi chamada por Ligeti de micropolifonia e o efeito obtido não passou desapercebido por Kubrick. Segundo ele, a peça foi escolhida devido à maneira que ela sugere atemporalidade. Essa peça é crucial para criar o clima de imobilidade temporal nos momentos finais do filme.
Kubrick havia enviado partituras de obras de Ligeti para o compositor ‘oficial’ do filme, para que ele compusesse algo ‘semelhante’, mas a música original acabou sendo usada (sem a permissão) mas com os devidos créditos. Apesar do estresse, a música e o nome de Ligeti ganharam audiência universal, bem além dos exotéricos círculos de interessados em música clássica contemporânea, e a obra de Kubrick pode atingir o nível artístico que tem. Posteriormente Kubrick voltou a usar música de Ligeti em seus filmes, mas com as devidas permissões.
– Mas você gostou do filme? – perguntou um jornalista…
– Sim, eu realmente gostei do filme! – respondeu Ligeti.
Hannu Lintu
A outra peça desse disco é o Concerto para Violino, que foi composto entre 1989 e 1993 e incorpora elementos diversos como influências da música medieval e da renascença, passando pelo romântico e alguns estilos contemporâneos. Uma viagem no tempo. Não deixe de notar o efeito obtido do uso de ocarinas, no seu segundo movimento, e que devem ser tocadas quase em uníssono. O solista, Benjamin Schmid nasceu e estudou em Viena e no Curtis Institute, na Filadélfia. Ele ganhou importantes prêmios em concursos internacionais e se dedica bastante a música mais recente, além de interpretações do repertório mais tradicional. A Orquestra Sinfônica da Rádio Finlandesa é regida por Hannu Lintu, que tem grande interesse em música mais atual.
Lintu tirando o coro do PQP Contemporary Ensemble…
Em 1980, Kubrick usou outra peça deste disco para uma cena de O Iluminado, desta vez Ligeti estava na companhia de Wendy Carlos, Bartók, Berlioz e Panderecki…
Author and cultural commentator Norman Lebrecht states: “Kubrick had completely altered the way music was applied in movies; no longer as an enhancement of emotion, but as a dimension in its own right.”
O Chat PQP: Uma das obras mais conhecidas de Ligeti para orquestra é “Atmosphères”. Nessa peça, Ligeti busca criar uma textura sonora densa e em constante transformação, explorando a sobreposição de camadas de som e a mudança gradual de timbres e densidades orquestrais. “Atmosphères” é uma obra marcante pela sua abordagem não linear e pelo uso de microvariações, que criam uma atmosfera etérea e misteriosa. Na outra obra, “Lontano”, ele explora a ideia de distância e evocação espacial. A peça começa com notas individuais de diferentes instrumentos, criando um efeito de distância e dispersão sonora. Gradualmente, os sons se juntam, criando uma textura sonora rica e evocativa.
Outra gravação de Atmosphères… veja como os instrumentos da orquestra são usados!
Certa vez, vi o Quarteto Hagen tocando Bartók no Southbank Center de Londres. Foi um dos melhores concertos a que fui na vida. O Hagen foi fundado em 1981 por quatro irmãos, Lukas, Angelika (primeiramente substituída por Annette Bik, que foi substituída por Rainer Schmidt em 1987), Veronika e Clemens, em Salzburgo. Os membros do quarteto são professores e mentores no Salzburg Mozarteum e na Hochschule für Musik Basel. Aqui, eles estão no seu chão e dão um chocolate. O Quarteto de Cordas Nº 1 de Ligeti, intitulado Métamorphoses nocturnes, foi composto em 1953–54. É, portanto, representativo do que Ligeti costumava chamar de “o Ligeti pré-histórico”, referindo-se às obras que escreveu antes de deixar a Hungria em 1956. Este quarteto foi fortemente inspirado pelo terceiro e quarto quartetos de Bartók, tanto que recebeu a alcunha “o sétimo quarteto de cordas de Bartók” pelo compositor húngaro György Kurtág. Ligeti só pode estrear este quarteto fora de sua Hungria natal, a performance dele foi proibida. Mas mesmo assim, ele guarda muito do Ligeti posterior. O bom humor e as surpresas estão por todo lado.
Ligeti / Lutosławski / Schnittke: Quartetos de Cordas / Cânon em Memória de Igor Stravinsky (Hagen Quartett)
1 György Ligeti– Streichquartett Nr. 1 = String Quartet No. 1 = Quatuor À Cordes N° 1 = Quartetto Per Archi N. 1 (Métamorphoses Nocturnes)
– – 20:08
– Allegro Grazioso
– Vivace, Capriccioso
– A Tempo
– Adagio, Mesto
– Presto
– […] Molto Sostenuto – Andante Tranquillo
– Più Mosso
– Tempo Di Valse, Moderato, Con Eleganza, Un Poco Capriccioso
– Subito Prestissimo
– Subito: Molto Sostenuto
– Allegretto, Un Poco Giovale
– Allarg. Poco Più Mosso
– Subito Allegro Con Moto, String. Poco A Poco Sin Al Prestissimo
– Prestissimo
– Allegro Comodo, Giovale
– Sostenuto, Accelerando
– Lento
Witold Lutosławski*– Streichquartett = String Quartet = Quatuor À Cordes = Quartetto Per Archi
2 I. Introductory Movement 9:04
3 II. Main Movement 16:36
Alfred Schnittke– Kanon In Memoriam I. Strawinsky Für Streichquartett = For String Quartet = Pour Quatuor À Cordes = Per Quartetto D’archi
4 Lento 8:02
Eu amo as gravações que Lenny Bernstein fez com a Wiener Philharmoniker para a Deutsche Grammophon, sempre ao vivo – registrazione dal vivo. Tenho revirado meus guardados, acabei chegando aos discos das Sinfonias de Brahms e como gosto especialmente da Quarta, inclui esta gravação nas minhas audições. É um pouco difícil apontar o que a torna especial, mas há um que de cada coisa em diferentes momentos – melancolia, saudades talvez de coisas que passaram, mas também aquilo que os ingleses chamam wit – bom humor, certas acentuações… Em certos trechos é quase impossível não cantarolar junto. Ah, e as maravilhosas cordas da Wiener Philharmoniker tocando Brahms, isso não é algo que se consegue em poucos anos. Finalmente, há humanidade que acredito se deve a Bernstein, assim como grandeur.
Levei o disco para caminhar e só não chamei mais a atenção da vizinhança porque o pessoal já está habituado – sorrisos e gestos de regência afloraram um pouco mais do que o costume.
Comprei os CDs dessas gravações a peso de metal precioso há décadas e a cada audição minha estima por eles se renova e permanece intacta, suspensa no ar!
Johannes Brahms (1833 – 1897)
Sinfonia No. 4 em mi menor, Op. 94
Alegro non troppo
Andante moderato
Allegro giocoso – Poco meno presto – Tempo I
Allegro energico e passionato – Più Allegro
Abertura Trágica, Op. 81
Allegro non troppo – Molto più moderato – Tempo primo
Lenny Bernstein assistindo ao último lançamento da Netflix…
But the finest of the set is undoubtedly the Fourth: the very opening is simple and songful, yet there is plenty of vitality too, the third movement is rhythmically exhilarating and the great passacaglia has weight and momentum nicely in fulcrum: there is real Brahmsian gravitas here. Throughout this symphony there is a fine resonance to the lower strings and the orchestral playing is first class. [Gramophone]
Bernstein estava feliz com o som das cordas da PQP Bach Philharmoniker
Este disco é sensacional. A primeira sonata é bem conhecida, penso, em sua versão para flauta, mas as outras me eram inteiramente desconhecidas, E são lindas! No título, o teclado vem antes do violino e é isto mesmo o que se ouve. Nenhum dos dois instrumentos é coadjuvante, só que o piano tem leve protagonismo. E esta dupla de instrumentistas… Ah, é assim que se faz, meus amigos. Mais um disco delicioso da rainha do violino barroco, Rachel Podger. Em parceria com o tecladista Kristian Bezuidenhout, Rachel nos oferece um pouco mais de uma hora de música completamente arrebatadora do muitas vezes subestimado Carl Philipp Emanuel Bach, quinto filho e segundo filho sobrevivente de Johann Sebastian Bach. As Sonatas são imaginativas, inovadoras e sublimes. Kristian Bezuidenhout é o parceiro perfeito para Podger nesses trabalhos. Tem um toque delicado e sutil. Assim como Podger, sua forma de tocar não é automática ou perfeitinha, não está ligada a um metrônomo. Ele arrisca um bom grau de improvisação, o que torna essas obras muito mais interessantes do que seriam em outras mãos. A alternância entre cravo e pianoforte acrescenta grande interesse ao CD. O resultado é o de pura alegria auditiva. Destaque absoluto para o lindo e comovente Arioso con variazioni per il cembalo e violino.
01. Violon Sonata in G Minor, H. 542.5: I. […] 3:46
02. Violon Sonata in G Minor, H. 542.5: II. Adagio 2:40
03. Violon Sonata in G Minor, H. 542.5: III. Allegro 4:51
04. Violin Sonata in C Minor, H. 514, Wq. 78: I. Allegro moderato 8:06
05. Violin Sonata in C Minor, H. 514, Wq. 78: II. Adagio ma non troppo 6:30
06. Violin Sonata in C Minor, H. 514, Wq. 78: III. Presto 5:26
07. Arioso con variazioni per il cembalo e violino in A Major, Wq. 79 11:06
08. Violin Sonata in B Minor, H. 512, Wq. 76: I. Allegro moderato 7:15
09. Violin Sonata in B Minor, H. 512, Wq. 76: II. Poco andante 5:13
10. Violin Sonata in B Minor, H. 512, Wq. 76: III. Allegretto siciliano 5:37
11. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: I. Poco adagio 3:21
12. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: II. Allegro 2:16
13. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: III. Adagio 2:58
14. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: IV. Menuet I & II 2:53
Kristian Bezuidenhout, teclados
Rachel Podger, violino
Esse é um daqueles disquinhos que nos fazem agradecer pela existência da gravadora Naxos. Nada aqui é óbvio – repertório pouco visitado de compositor (bem) fora do cânone, orquestra e regente pouco conhecidos no circuito internacional, gravação do final dos anos 80. E é assim que chegamos a essa Segunda Sinfonia e ao poema sinfônico Os Cossacos de Zaporozhy, ambos da lavra de Reinhold Glière (1875-1956), “compositor russo-soviético de ascendência alemã e polonesa”, nos contam os alfarrábios.
O encarte do disco conta que Glière foi tutor, nos verões de 1902 e 1903, em Sontsovka, de um rapazote que, digamos, daria certo nessa história de ser músico: Sergei Prokofiev (1891-1953). Ambos tiveram, no entanto, relações bem diferentes com o estado soviético. Enquanto Prokofiev e seu pensamento de vanguarda lhe rendiam problemas com a cartilha nacionalista, Glière foi diversas vezes condecorado, recebendo os prêmios Glinka, Stalin e a Ordem de Lênin, dentre outros.
A Sinfonia nº 2, em dó menor, op. 25, concluída em 1908, foi dedicada ao lendário maestro Serge Koussevitzky. Uma obra bem lírica, de sonoridade grandiosa, profundamente romântica. O poema sinfônico Os Cossacos de Zaporozhy, op. 64 é um tantinho posterior, de 1921, e celebra a bravura e o heroísmo desse povo de guerreiros nômades que se estabeleceu para além das cataratas do rio Dniepre e protagonizou uma grande revolta no fim do século XVII.
“Os cossacos de Zaporozhy escrevendo uma resposta ao sultão”, óleo sobre tela de Ilja Repin, pintado em algum momento entre 1879 e 1891
Um destaque final para o som quente, volumoso, da Orquestra Sinfônica da Rádio Checo-Eslovaca (hoje apenas Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca). Conta-nos o encarte — viva os encartes!!! – que o grupo, sediado em Bratislava, foi fundado em 1929 e é o mais antigo conjunto orquestral da Eslováquia. A gravação foi feita na sala de concertos da rádio em novembro de 1987, e soa muito bem. Um disquinho interessante, bem testemunho de uma época.
Reinhold Glière (1875-1956)
Sinfonia nº 2, em dó menor, op. 25 1. Allegro pesante
2. Allegro giocoso
3. Andante con variazioni
4. Allegro vivace
5. Os Cossacos de Zaporozhy, op. 64
Orquestra Sinfônica da Rário Checo-Eslovaca
Keith Clark, regência