

Se poucos sabem que, em termos quantitativos, o arranjo de canções folclóricas foi o gênero mais cultivado por Beethoven, menos ainda são os que sabem que, entre esses arranjos, predominam os de canções irlandesas.
Embora George Thomson tenha encomendado inicialmente adaptações de canções de sua Escócia natal, os trancos e barrancos de sua correspondência com Ludwig, dificultada pelo Bloqueio Continental de Napoleão às ilhas britânicas, levaram o trabalho a ser completado em desordem. Somem-se a isso a sempiterna desorganização do compositor e seu pendor em abandonar trabalhos quase conclusos para assumir outros que lhe aliviassem a corda financeira no pescoço, e entende-se por que as canções irlandesas ficaram prontas antes de suas contrapartes escocesas.
Dentro de sua peculiar abordagem de pedir que os músicos arranjassem as melodias sem as letras, e de encomendar os textos sem que os poetas conhecessem os arranjos, Thomson encomendou ao dublinense Thomas Moore (1779-1852) os poemas para as canções arranjadas por Beethoven. Moore declinou, e Thomson recorreu a seus conterrâneos Robert Burns e Sir Walter Scott (1771-1832, o autor de Ivanhoe), entre outros, para completarem a encomenda. O resultado foi uma das melhores entre as coleções de canções folclóricas, dado o cuidado de Beethoven no trabalho instrumental, particularmente nas introduções e codas, sem perder de vista o sentido de simplicidade que lhe pediu o encomendante.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Vinte e cinco canções irlandesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 152
Arranjos feitos entre 1810-13
Publicados em 1814
1 – No. 1 – The Return to Ulster. Larghetto affettuoso
2 – No. 7 – His boat comes on the sunny tide. Andante affettuoso
3 – No. 4 – The morning air plays on my face. Allegretto (più tosto vivace) grazioso
4 – No. 2 – Duet – Sweet power of song. Andantino grazioso
5 – No. 5 – The Massacre of Glencoe
6 – No. 10 – The Deserter. Andante con moto – affanato e agitato
7 – No. 12 – English Bulls. Allegretto più tosto vivace
8 – No. 6 – Duet – What shall I do to shew how much I love her? Allegretto affettuoso
9 – No. 21 – Morning a cruel turmoiler is. Vivace scherzando
10 – No. 3 – Once more I hail thee. Andante espressivo amoroso
11 – No. 8 – Come draw we round a cheerful ring. Allegretto più tosto vivace
12 – No. 9 – The Soldier’s Dream. Andante espressivo assai amoroso
12 – No. 18 – Duet – They bid me slight my Dermot dear. Allegretto scherzando
14 – No. 13 – Musing on the roaring ocean. Allegretto amoroso e grazioso
15 – No. 14 – Dermot and Shelah. Allegretto scherzando
16 – No. 25 – Oh harp of Erin. Andante semplice espressivo
17 – No. 22 – From Garyone, my happy home. Allegretto amoroso
18 – No. 11 – Thou emblem of faith. Andante affettuoso assai espressivo
19 – No. 15 – Let brain-spinning swains. Allegretto scherzando
20 – No. 16 – Hide not thy anguish. Andante amoroso con espressivo
21 – No. 19 – Duet – Wife, Children and Friends. Allegretto
22 – No. 17 – In vain to this desert. Andante espressivo
23 – No. 23 – A wand’ring gypsey, Sirs, am I. Allegretto più tosto vivace
24 – No. 20 – Duet – Farewell bliss and farewell Nancy. Andante con molto espressione
25 – No. 24 – The Traugh Welcome. Allegretto scherzando
Dame Felicity Lott, soprano
Ann Murray, mezzo-soprano
John Mark Ainsley, tenor
Christopher Maltman, barítono
Marieke Blankestijn, violino
Elizabeth Layton, violino
Ursula Smith, violoncelo
Malcolm Martineau, piano

Vassily




Ao encomendar os “temas variados” a Beethoven, George Thomson insistiu em que as peças devessem ser apropriadas à execução por amadores. Sua experiência prévia com profissionais como Haydn e Hummel, no entanto, jamais teria sido capaz de prepará-lo para o trato com alguém como Ludwig, que, embora precisasse do dinheiro, não tinha lá muito tino para compor para amadores. Nosso herói escreveu para Thomson doze séries de variações em 1818 e outras quatro em 1819, incluindo posteriormente alternativas mais simples para variações que Thomson considerou muito difíceis. Essas versões simplificadas ainda acabaram bem longe do alcance dos dedos dos diletantes, e o editor, temendo pelas vendas e erguendo uma bandeira branca, pediu a Beethoven que incluísse ao menos uma parte ad libitum para flauta ou violino, que nós já lhes apresentamos ontem e anteontem. Não adiantou: apenas nove dos doze temas variados foram publicados em Londres, com vendas mornas. O compositor não se importou muito com o insucesso de Thomson, pois planejava desde o início publicar as obras também na Europa continental, e assim levou à prensa seis dos temas variados em Viena como seu Op. 105, e os dez remanescentes (incluindo aqueles descartados por Thomson) em Bonn, com seu velho amigo Simrock e sob o Op. 107. Os temas britânicos foram sugeridos por Thomson, que legou a Beethoven a responsabilidade de escolher melodias continentais que fossem de seu agrado. De olho nas vendas, Beethoven escolheu temas muito populares dos Singspiele e comédias vienenses, bem como temas folclóricos de outros países. O interesse pela Rússia era grande, na época, de modo que várias canções nominalmente russas aparecem na coletânea, embora a maior parte dela tenha sua origem na Ucrânia – oficialmente chamada de “Pequena Rússia” nos tempos czaristas.

“Mustonen”, em finlandês, significa “adoro o sabor de meu lábio inferior”
Com o trio “Arquiduque”, que coroa aquilo que se convencionou chamar de período intermediário na produção de Beethoven, nossa travessia de sua obra aproximou-se da admirável guirlanda de obras-primas visionárias que ele compôs na última década e tanto de sua vida. No entanto, dentro da intenção de alcançarmos aos leitores-ouvintes a obra completa do renano turrão, nós não poderíamos – sob pena de criar um anticlímax – fazer os últimos quartetos de cordas serem seguidos, tão só por deveres completistas, por alguma outra composição menos inspirada. Assim, daremos uma guinada em nossa série em direção àquelas obras que, a despeito do menor valor artístico, ajudam a completar e melhor entender a incrível trajetória que transformou o garoto que escreveu uma
Entre todos patronos de Beethoven, nenhum lhe foi mais querido que o arquiduque Rudolph, filho caçula do imperador. Apesar dumas poucas rusgas, a relação entre o compositor e a única pessoa a quem ensinou a sério composição foi de admiração mútua e, a despeito de todo desespero financeiro do primeiro e da fortuna do segundo, muito genuína. A correspondência entre ambos foi abundante e calorosa, e Beethoven retribuiu a generosa devoção do arquiduque com um rol de composições que, provavelmente, o tornam o dedicatário mais privilegiado da história. Contando somente as obras mais importantes, Rudolph recebeu as dedicatórias dos concertos nos. 4 e 5 para piano, da Grande Fuga para quarteto de cordas, das sonatas para piano “Lebewohl”, “Hammerklavier” e Op. 111, da Missa Solemnis e, por último mas não menos importante, o maravilhoso trio que hoje conhecemos como “Arquiduque”.
Trio em Si bemol maior para piano, violino e violoncelo, Op. 97, “Arquiduque”
Dois trios para piano, violino e violoncelo, Op. 70
Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:
Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:

A chegada de Mahler a Viena coincidiu com a eclosão, naquela capital, do movimento multicêntrico conhecido como Secessão, em que artistas plásticos, rompidos com o 






É curioso que um compositor como Beethoven, tão pouco afeito a alcunhar suas criações, tenha aposto o título “Serioso” (“Sério”) a seu breve quarteto em Fá menor, a mais curta de suas obras do gênero e tão estilisticamente distante do seu antecessor, o 
A Sinfonia no. 7 foi, como já sabemos, um clamoroso sucesso e teve várias reapresentações nos meses que se seguiram à sua
Talvez o disco mais interessante da série “Beethoven Resound”, que já apresentamos quando de nossa 



Todo Marlon Brando tem seu dia de Alberto Roberto, e todo Beethoven tem sua “Vitória de Wellington”.
Depois de parir petardos como a “Waldstein” (Op. 53) e a “Appassionata” (Op. 57) e romper todas as costuras da sonata para piano, Beethoven voltou-se bissextamente para seu meio favorito de expressão. Em franco contraste com as onze notáveis sonatas que lhe brotaram da pena nos cinco anos que antecederam a Op. 57, houve um hiato de cinco anos entre a “Appassionata” e a sonata seguinte, Op. 78. E, se é verdade que as três sonatas seguintes (Opp. 78, 79 e 81a) vieram ao mundo ao longo de meros dois anos, também não se nega que elas sejam, em duração e escopo, muito mais sucintas que suas antecessoras.

Já que nos debruçamos sobre a ótima música para instrumentos de sopro que Beethoven escreveu em sua juventude, permitam-me dar um salto em seu catálogo de obras para apresentar-lhes o Op. 103, seu único octeto.
Como mencionamos ontem, as duas peças que Beethoven dedicou ao incomum conjunto de dois oboés e um corne inglês tinham destinatários específicos. Sabendo que a instrumentação era tão atraente quanto esdrúxula, Ludwig escreveu sua composição em quatro pentagramas: um para cada oboé e outro para corne inglês, todos em clave de sol, e um em clave de Dó, com material muito semelhante à parte do corne inglês, mas mais desenvolvida. Assim, ao propor uma parte para viola e supor que os violinistas não teriam dificuldades de tocar as partes dos oboés, o compositor não só autorizou, como também prescreveu a execução da obra pelo conjunto muito mais encontradiço de dois violinos e viola.
Ao chegar a Viena em 1792 para estudar com Hadyn, Beethoven já tinha composto e esboçado obras em quase todos os gêneros frequentados pelo Mestre de Rohrau. Em poucos deles ele fora mais prolífico que na Harmoniemusik, a escritura para conjuntos de sopros a serviço de membros da aristocracia. A corte do Eleitor de Colônia em Bonn, em cuja orquestra Ludwig tocara viola, tinha um notável grupo de sopristas que certamente ajudou o compositor a familiarizar-se com os timbres e particularidades técnicas dos instrumentos, enquanto fermentava ideias, estudos e coragem para enfim escrever sua primeira sinfonia.
Ao aceitar em 1807 a encomenda do príncipe Nikolaus Esterházy II para compor uma missa para o onomástico da esposa, Beethoven receava ter que calçar, com pezinhos de criança, sandálias que lhe seriam por demais grandes. A casa de Esterházy, afinal, estava acostumada a ouvir uma missa nova composta para a princesa a cada 12 de setembro, e nos dez anos anteriores as obras lhe tinham sido providas por Johann Nepomuk Hummel e, claro, aquele com quem Beethoven mais temia ser comparado: Joseph Haydn, seu antigo professor, de quem Nikolaus tinha sido o último mecenas.

Já lhes falei que não sou um grande fã do único oratório de Beethoven, mas o fato é que, até agora, a melhor versão da obra não tinha sido publicada por aqui. Resolvido: se não será esta gravação a colocar Ludwig no patamar – posição que ele, aliás, nunca almejou – dos grandes oratoristas, acho que o canto impecável de James King e Elizabeth Harwood, ambos no auge de suas capacidades vocais, sob a condução segura do já veteraníssimo Bernhard Klee deixa o Christus am Ölberge tão bonito quanto ele pode ser. E mais não lhes conto, porque eu já lhes
Quando o Burgtheater de Viena, em 1809, decidiu fazer uma nova montagem do “Egmont” de Johann Wolfgang Goethe, estreado vinte anos antes, não poderiam ter feito melhor escolha para o autor de sua música incidental. Beethoven idolatrava Goethe e respondeu à encomenda com grande entusiasmo, dedicação e, no que lhe era realmente incomum, rigoroso cumprimento dos prazos combinados. A montagem foi um sucesso e, ainda mais importante para Ludwig, Goethe adorou a música, que, nas palavras do mestre das Letras, evocou o caráter de seu drama com “notável gênio”.
Se Viena em 1810 estava uma baderna, imaginem então como estava a abadernada vida de Ludwig van Beethoven. Sem dinheiro, e com dificuldades de negociar a venda de suas obras, recorreu àquele velho golpe, que tantas vezes aqui apontamos, de requentar suas obras antigas e atingir novos editores. E se lhe faltava foco para as tarefas mais essenciais da vida, que se diria então das suas filigranas? Naturalmente, assim, o outrora meticuloso catálogo de suas composições publicadas também foi tragado pelo vórtex da zorra em que sua vida mergulhou. O resultado foi que Beethoven tocou o ficken Sie sich para seu próprio catálogo e acabou por publicar duas obras como Opus 81, o que levou a posteridade a considerar a sonata Lebewohl como Op. 81a, e o requentado sexteto para trompas e quarteto de cordas como o Op. 81b.