Francis Poulenc
Música da Câmara
(com Instrumentos de Sopro)
Ensemble Arabesques
Paul Rivinius
Houve um tempo em que as escolhas de repertório eram limitadas e a música que ouvíamos vinha dos LPs nos quais conseguíamos deitar a mão. Muito Tchaikovsky, uma porção discos de Karajan e maestros e músicos que os principais selos se davam ao trabalho de lançar por aqui. É claro, havia muita coisa boa, mas acho que vocês me entendem. O que havia é descrito pela expressão em inglês – mainstream – o repertório mais convencional.
Lembro de estar na loja do Rubão, o aristocrático Sr. Rubens, que flanava entre suas gôndolas repletas de LPs da Deutsche Grammophon e Philips, com seu blazer castanho e ar inglês, e ver entrar uma figura do meio artístico teatral buscando – música de câmara de Fauré. É preciso ouvir a música de câmara de Gabriel Fauré, afirmava ele… Pois é, ele quase desmaiou quando viu os preços.
Atualmente, com a facilidade oferecida pelas plataformas de música, muitos avatares digitais do que seria os LPs, temos o problema reverso – como escolher um bom disco em meio a tantas ofertas? É preciso muita, muita disposição e alguma disciplina.
Eu, que fora um assíduo praticante da Lei do Xadrez – disco colocado é disco ouvido! – tive que adaptar a regra. Adaptei para Sinfonia (Concerto, Sonata…) começada é Sinfonia ouvida. Mas como ouço muito Bruckner e Mahler, estou em negociação com a Casa dos Deliberantes Neurônios uma adaptação da Regra: Movimento (Lied, Ária de Ópera) começado é Movimento ouvido. Tudo isto por que o que nunca muda é que o dia é composto de 24 horas das quais precisamos dispor com alguma sabedoria…
Assim, quando chego a um disco – ou avatar digital de um álbum – um arquivo de música que ouço do começo ao fim e que deixa a sensação de que seria bom ouvir de novo, é por que a música muito me agradou. Certo, tem umas coisas de momento, mas em geral, o que vai bem no tardar da noite e se confirma pela manhã, é coisa boa.
Foi com esse tipo de disposição que cheguei a este lindo álbum com música de câmara de Poulenc, com instrumentos de sopro e piano. As peças que abrem e fecham o disco também estão em um álbum que postei dia destes, mas lá elas fazem companhia a dois concertos. Aqui elas estão entre peças do mesmo gênero.
O disco começa com a partitura mais antiga, o Trio para Piano, Oboé e Fagote, de 1926, dedicado a Manuel de Falla. Poulenc mencionou a influência de um alegro de Haydn para o primeiro movimento e do Segundo Concerto para Piano de Saint-Saëns no Rondó Final. O Sexteto é sparkling, acerbic and mocking (borbulhante, ácido e zombeteiro) segundo o biógrafo de Poulenc, Henri Hell. O contraste entre o episódio inicial da abertura com o trecho mais melancólico que segue é marcante.
A Sonata para Piano e Flauta, de 1957, é uma das obras mais conhecidas do disco, provavelmente, e foi estreada no Strasbourg Festival no mesmo ano, pelo compositor ao piano e o imenso Jean-Pierre Rampal, na flauta. Com um padrinho destes, a peça não poderia começar melhor.
As duas últimas peças do disco foram compostas no final da vida de Poulenc e foram estreadas após sua morte. A Sonata para Oboé e Piano foi dedicada (postumamente) à Prokofiev e a Sonata para Clarinete e Piano foi estreada por Benny Goodman e Leonard Bernstein, em abril de 1963, no Carnegie Hall. Segundo Poulenc, estas duas sonatas ‘simmered in the same pot’ – foram cosidas na mesma panela!
O grupo musical que nos apresenta estas peças é excelente. O Arabesques Ensemble é um grupo de instrumentistas que surgiu com o festival criado em 2011 em Hamburgo e reúne músicos das três principais orquestras da cidade. O festival busca apresentar musica de compositores desconhecidos e peças musicais menos conhecidas.
O pianista Paul Rivinius estudou com Gerhard Oppitz em Munique e foi membro da Gustav Mahler Youth Orchestra sob a direção de Claudio Abbado.
Francis Poulenc (1899 – 1963)
Trio para piano, oboé e fagote, FP 43 (1926)
- Presto
- Andante
- Rondo
Sexteto para piano, flauta, oboé, clarinete, fagote e trompa, FP 100 (1932 – 39)
- Allegro vivace
- Andantino
- Prestissimo
Sonata para flauta e piano, FP 164 (1956 – 57)
- Allegro malinconico
- Cantilena
- Presto giocoso
Sonata para clarinete e piano, FP 184 (1962)
- Allegro tristemente
- Romanza (Très calme)
- Allegro con fuoco (Très animé)
Sonata para oboé e piano, FP 185 (1962)
- Élégie. Paisiblement
- Très animé
- Déploration. Très calme
Ensemble Arabesques
Eva Maria Thiébaud, flauta
Nicolas Thiébaud, oboé
Gaspare Buonomano, clarinete
Pascal Deuber, trompa
Christian Kunert, fagote
Paul Rivinius, piano
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FLAC | 281 MB
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MP3 | 320 KBPS | 177 MB
Para nosso momento ‘The book is on the table’ escolhi uma frase de uma crítica feita ao disco no site da Amazon por Dean Frey: ‘This splendid collection of chamber music with piano is organized chronologically, but there’s no real story arc of development or decline here; just Poulenc’s prodigious, regular eruption of brightness and melancholy, of boisterous cheer and haunted longing’.
Concordo com ele em gênero, número e grau…
Aproveite!
RD
otimo post! obrigado! agora uma sugestão: que tal moses und aaron de schönberg? geralmente quando se fala em ópera da escola de viena, temos wozzeck ou lulu, ambas de berg. mas…e moses und aaron? a gravação da decca de 1984, sob a batuta de georg solti, com franz mazura foi premiada com o grammy. vale a pena
Olá, Bernardo!
Hoje é dia de música de câmera e o compositor escolhido, Poulenc!
Solicitação de óperas é no guichê da frente.
Brincadeiras à parte, fico feliz em saber que você gostou da postagem.
Abraços do
René
Coisa mais linda esse disco, ô cumpádi! Um milhão de agradecimentos por havê-lo postado!! Eu andava meio esquecido de o quanto Poulenc É BOM!! Talvez nenhum outro compositor do século XX seja tão agradável de ouvir e faça tão bem à alma, com sua contínua alternância (e imbricamento) de gaieté e de sentimento intenso porém nunca meloso. Enfim: sua postagem trouxe suco, calda, molho para estes dias tão chatos que são o desta quarentena já tornada centoeoitentena… Mais uma vez obrigado!!
Olá!
Que bom saber que você gostou! Eu gosto muito. Aprendi a gostar com a sonata para flauta, mas agora gosto de tudo.
Tem tudo isso que você mencionou, mesmo! Uma certa ousadia, modernidade, mas tudo na medida certa.
Vou dormir mais feliz pensando que há mais gente ouvindo (com prazer) a música de Francis Poulenc.
Abração!
RD
Como você escreve bem, René Denon! Seu texto é irresistível, sagaz e nos intima a ouvir para ver se, na música, alcançamos a altura em que seu texto a coloca.
Muito obrigado por compartilhar e um bom domingo para você e os seus!